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Aleksandr Dugin Aleksandr Gel'yevich Dugin (Em russo: Александр Гельевич Дугин) (nascido a 7 de Janeiro, 1962)é um activista e ideólogo político russo pertencente à escola contemporânea de geopolítica russa comummente designada por ―neo-eurasianismo‖. Dugin foi criado no seio duma família militar. O seu pai era um oficial de topo dos serviços secretos militares soviéticos; a sua mãe era médica. Em 1979 ingressou no Instituto de Aviação de Moscovo, não chegando a formar-se. O seu pai auxiliou-o na obtenção de um emprego nos arquivos do KGB, nos quais eventualmente se deparou com obras cuja leitura estava proibida à restante população soviética, essas obras focavam o fascismo, o eurasianismo, o misticismo e diversas religiões do mundo. Percurso político até ao PNB Dugin trabalhou como jornalista antes de se envolver em política pouco antes da queda da URSS. Em 1988, juntamente com o seu amigo Geidar Dzhemal, filiou-se na organização nacionalista Pamyat. Auxiliou também na redacção do programa político do refundado Partido Comunista da Federação Russa (ex Partido Comunista da União Soviética) sob a jurisdição de Gennady Zyuganov, sendo o produto final um documento mais inclinado para o nacionalismo que para o marxismo. Pouco depois Dugin começou a publicar o seu próprio jornal, Elementy, que inicialmente começou por louvar o franco-belga Jean-François Thiriart, defensor duma Europa ―de Dublin a Vladivostok‖. Também procurou uma aliança com Alain de Benoist, embora o francês se tenha sentido desencorajado pelo seu exacerbado nacionalismo russo. O seu jornal glorificava consistentemente tanto o czarismo quanto o estalinismo, o Elementy também revelou a admiração de Dugin por Heinrich Himmler e por Julius Evola, para nomear apenas algumas das figuras polémicas que promovia. Colaborou também com o semanário Dyen (O Dia, curiosamente), bastião anti-sionista russo dirigido por Alexander Prokhanov. Convencido de que o Nacional-Bolchevismo necessitava de uma encarnação política própria Dugin convenceu o seu aliado Eduard Limonov do mesmo e criaram a Frente Nacional-Bolchevique em 1994, posteriormente Partido Nacional-Bolchevique. Dugin eventualmente afastou-se do PNB e aproximou-se de Vladimir Putin, do qual foi, até ao fim do seu mandato presidencial, conselheiro geopolítico. Esta relação com Putin, julga-se, mantêm-se com Dmitri Medvedev O pós PNB Em 2002 Dugin fundou o Partido da Eurásia, alterado posteriormente para Movimento da Eurásia, tido por alguns observadores como sendo alvo de financiamento e de apoio organizacional do gabinete presidencial de Vladimir Putin. O ME detém o apoio de alguns círculos militares e ainda de alguns líderes das comunidades muçulmana, cristã ortodoxa, budista e judia da Rússia, o movimento anseia em desempenhar um papel determinante na resolução do conflito com a Chechénia, sendo o seu principal objectivo lançar as fundações para uma aliança estratégica entre a Rússia e os Estados europeus e do Médio Oriente, com destaque para a República Islâmica do Irão. Os ideais de Dugin, nomeadamente o de uma aliança turco- eslava, têm vindo a tornar-se populares em certos círculos nacionalistas turcos. Uma das ideias basilares do seu pensamento teórico é de que Moscovo, Berlim e Paris constituem um eixo político ―natural‖, as teorias de Dugin assentam no conflito eterno entre a terra e o mar, entre o atlantismo e o eurasianismo, ou seja, entre os EUA e a Rússia. ―Por principio, a Eurásia e o nosso espaço, o coração da Rússia, permanecem como a área na qual se encenará uma nova revolução anti-burguesa e anti-americana‖, de acordo com o seu livro ―Fundamentos da Geopolítica‖, publicado em 1997, ―O novo império euroasiático será

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Aleksandr Dugin

Aleksandr Gel'yevich Dugin (Em russo: Александр Гельевич Дугин) (nascido a 7 de Janeiro,

1962)é um activista e ideólogo político russo pertencente à escola contemporânea de geopolítica

russa comummente designada por ―neo-eurasianismo‖.

Dugin foi criado no seio duma família militar. O seu pai era um oficial de topo dos serviços

secretos militares soviéticos; a sua mãe era médica. Em 1979 ingressou no Instituto de Aviação

de Moscovo, não chegando a formar-se. O seu pai auxiliou-o na obtenção de um emprego nos

arquivos do KGB, nos quais eventualmente se deparou com obras cuja leitura estava proibida à

restante população soviética, essas obras focavam o fascismo, o eurasianismo, o misticismo e

diversas religiões do mundo.

Percurso político até ao PNB

Dugin trabalhou como jornalista antes de se envolver em política pouco antes da queda da

URSS. Em 1988, juntamente com o seu amigo Geidar Dzhemal, filiou-se na organização

nacionalista Pamyat. Auxiliou também na redacção do programa político do refundado Partido

Comunista da Federação Russa (ex Partido Comunista da União Soviética) sob a jurisdição de

Gennady Zyuganov, sendo o produto final um documento mais inclinado para o nacionalismo

que para o marxismo.

Pouco depois Dugin começou a publicar o seu próprio jornal, Elementy, que inicialmente

começou por louvar o franco-belga Jean-François Thiriart, defensor duma Europa ―de Dublin a

Vladivostok‖. Também procurou uma aliança com Alain de Benoist, embora o francês se tenha

sentido desencorajado pelo seu exacerbado nacionalismo russo. O seu jornal glorificava

consistentemente tanto o czarismo quanto o estalinismo, o Elementy também revelou a

admiração de Dugin por Heinrich Himmler e por Julius Evola, para nomear apenas algumas das

figuras polémicas que promovia. Colaborou também com o semanário Dyen (O Dia,

curiosamente), bastião anti-sionista russo dirigido por Alexander Prokhanov. Convencido de

que o Nacional-Bolchevismo necessitava de uma encarnação política própria Dugin convenceu

o seu aliado Eduard Limonov do mesmo e criaram a Frente Nacional-Bolchevique em 1994,

posteriormente Partido Nacional-Bolchevique. Dugin eventualmente afastou-se do PNB e

aproximou-se de Vladimir Putin, do qual foi, até ao fim do seu mandato presidencial,

conselheiro geopolítico. Esta relação com Putin, julga-se, mantêm-se com Dmitri Medvedev

O pós PNB

Em 2002 Dugin fundou o Partido da Eurásia, alterado posteriormente para Movimento da

Eurásia, tido por alguns observadores como sendo alvo de financiamento e de apoio

organizacional do gabinete presidencial de Vladimir Putin. O ME detém o apoio de alguns

círculos militares e ainda de alguns líderes das comunidades muçulmana, cristã ortodoxa,

budista e judia da Rússia, o movimento anseia em desempenhar um papel determinante na

resolução do conflito com a Chechénia, sendo o seu principal objectivo lançar as fundações para

uma aliança estratégica entre a Rússia e os Estados europeus e do Médio Oriente, com destaque

para a República Islâmica do Irão. Os ideais de Dugin, nomeadamente o de uma aliança turco-

eslava, têm vindo a tornar-se populares em certos círculos nacionalistas turcos.

Uma das ideias basilares do seu pensamento teórico é de que Moscovo, Berlim e Paris

constituem um eixo político ―natural‖, as teorias de Dugin assentam no conflito eterno entre a

terra e o mar, entre o atlantismo e o eurasianismo, ou seja, entre os EUA e a Rússia. ―Por

principio, a Eurásia e o nosso espaço, o coração da Rússia, permanecem como a área na qual se

encenará uma nova revolução anti-burguesa e anti-americana‖, de acordo com o seu livro

―Fundamentos da Geopolítica‖, publicado em 1997, ―O novo império euroasiático será

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construído sob o princípio fundamental do inimigo comum: a rejeição do atlanticismo, do

controlo estratégico dos EUA, e na recusa de permitir que princípios liberais nos dominem. Este

impulso civilizacional comum será a base da uma união política e estratégica.‖

Pedras basilares nas suas teorias são as influências de Halford John Mackinder e Carl Schmitt,

com os seus ideais acerca da História mundial ser um combate perpétuo entre a terra (sinónimo

de tradição, religião e colectivismo) e o mar (progressismo, ateísmo e individualismo). Os

académicos crêem que Dugin terá tomado de empréstimo algumas ideias da Escola

Tradicionalista.

Dugin manifesta um saudável respeito pelo judaísmo, contudo é um fervoroso anti-sionista,

considerando o sionismo como sendo uma afronta aos interesses geopolíticos russos. Considera

Israel como sendo uma base estratégia do atlantismo militante promovido pelos EUA e pela

Grã-Bretanha. Mantém boas relações com algumas figuras do nacionalismo israelo-russo,

nomeadamente Avigdor Eskin e Avraham Shmulevich.

Tem vindo a criticar o envolvimento euro-Atlântico nas eleições presidenciais ucranianas,

acusando esse envolvimento de ser um mero esquema cujo intuito é o de criar um ―cordão

sanitário‖ à volta da Rússia, ao estilo do que os britânicos tentaram levar a cabo durante a

Primeira Guerra Mundial.

Obras da sua autoria

Pop-kultura i znaki vremeni, Amphora (2005), ISBN

Absoliutnaia rodina, Arktogeia-tsentr (1999), ISBN

Tampliery proletariata: natsional-bol'shevizm i initsiatsiia, Arktogeia (1997), ISBN

Osnovy geopolitiki: geopoliticheskoe budushchee Rossii, Arktogeia (1997), ISBN [1]

Metafizika blagoi vesti: Pravoslavnyi ezoterizm, Arktogeia (1996), ISBN

Misterii Evrazii, Arktogeia (1996), ISBN

Konservativnaia revoliutsiia, Arktogeia (1994), ISBN

Quem é Alexander Dugin?

por Andreas Umland

26 de Setembro de 2008, www.opendemocracy.net

A extrema-direita russa, incluindo alguns dos segmentos cripto-facistas, está se tornando uma

parte ainda mais influente no discursomainstream de Moscou. Sua influência pode ser sentida

na grande mídia, na sociedade civil, nas artes e na política russa.

"Perdão? Eu não entendi isso!" - exclamou o jornalista Matvei Ganopolsky na estação de rádio

"Ekho Moskvy" (Eco de Moscou). Era noite de 8 de Agosto de 2008 e Ganopolsky estava

entrevistando o líder do "International Eurasian Movement" (Movimento Eurasiático

Internacional) Alexander Dugin, que tinha acabado de lhe dizer que as ações da Geórgia na

Ossétia do Sul eram "genocidas." Ganopolsky não podia acreditar que alguém usaria palavra tão

carregada para descrever os eventos na Geórgia. Apenas um dia depois, em 9 de Agosto, apesar

do ultraje de Ganopolsky, o Primeiro Ministro Russo Vladimir Putin também descreveu as

ações de Tbilisi como "genocidas." Em 10 de Agosto, o sucessor escolhido de Putin, Dmitri

Medvedev, que antes comentou sobre o conflito com uma terminologia menos dramática, se

enquadrou, dizendo que os eventos dos últimos três dias na Ossétia do Sul eram para serem

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classificados como "genocídio."

É duvidável que Putin ou Medvedev foram inspirados diretamente por Alexander Dugin a usar a

"palavra com G" para descreverem os eventos em Agosto na Geórgia, mas a similaridade das

suas hipérboles é um indicativo da direção que a Rússia tem tomado nos últimos anos. Dugin

têm se tornado um comentador político prolífico, e alguns dizem, um influente pensador na

nova Rússia de Putin. Um bem-conhecido teórico facista na década de 1990, Dugin se apresenta

hoje em dia como um "centrista radical" e apóia fortemente as políticas autoritárias domésticas e

estrangeiras anti-Ocidente da Rússia. Ambos seus artigos inflamados em defesa de Putin e

especialmente seu anti-Americanismo fanático são, aparentemente, populares no Kremlin e na

"Casa Branca" de Moscou (o lugar do governo federal). Nenhuma outra explicação é possível

para as frequentes aparições de Dugin nos programas nortunos populares nos canais de tevê

controlados pelo governo da Rússia, ou seus inúmeros artigos em muitos jornais e websites

russos empurrando as últimas direções do Kremlin goela abaixo no povo russo.

A ascenção de Dugin nos últimos anos tem sido irresistível. Isso é apesar do fato de que, na

década de 1990, seu auto-estilo "neo-Eurasiano" deu as boas vindas de forma jubilosa ao

nascimento iminente na Rússia do "facismo facista" e saudou o ogranizador do Holocausto,

Reinhard Heydrich, por ser um "Eurasiano convicto." Naquele tempo Dugin descreveu

francamente sua ideologia como "conservadorismo revolucionário," dizendo que a idéia central

do facismo é a "revolução conservadora." Ao longo dos anos 1990 o "neo-Eurasiano" fez um

bom número de declarações similares, incluindo variadas apologias mais ou menos qualificadas

ao Terceiro Reich.

Em anos recentes, para garantir, a retórica de Dugin mudou - se não no tom, então no estilo.

Agora ele, estranhamente, frequentemente se posiciona como um sincero "anti-facista," e não

hesita em rotular seus oponentes tanto dentro como fora da Rússia como "facistas" ou "Nazi".

Paradoxalmente, ele faz isso enquanto ainda admite que suas idéias estão próximas daqueles

irmãos Strasser da Alemanha entre guerras. Dugin apresenta esses dois nacionalistas alemães

como "anti-hitlerianos." Ele esquece, entretanto, de mencionar que Otto e Gregor Strasser de

fato se opuseram a Hitler, mas eram ao mesmo tempo parte e parceiros do movimento facista

emergente na Alemanha. Os irmãos Strasser tiveram um papel um tanto significativo em

transformar a NSDAP em um partido popular no fim da década de 1920, mas, então, Hitler os

expulsou do Partido Nazista. Eles eram dois líderes influentes que se tornaram rivais

inconvenientes, tanto político quando ideologicamente.

O crescimento de Dugin não significa, entretanto, que a Rússia está se tornando facista. Figuras

públicas russas bem conhecidas não podem, na maioria das vezes, esconder sua aversão ao

crescimento do sentimento direitista. Um bom exemplo recente é Sergei Dorenko, o

apresentador dos anos 1990 do canal ORT TV (controlado pelo oligarga fugitivo Boris

Berezovsky), que teve papel significativo ao ajudar Vladimir Putin a ganhar a eleição de 2000.

Como seu mestre Berezovsky, Dorenko era, também, mal visto no Kremlin e foi autorizado a

somente promover sua visão crítica controversa na estação de rádio de oposição Eco de

Moscou. Durante a recente guerra da Geórgia Dorenko apoiou o Kremlin e como recompensa

foi nomeado Chefe do serviço Russo de Notícias, que provê serviços de notícias ao

imensamente popular "Russkoye Radio". Uma de suas primeiras decisões lá foi banir Alexander

Dugin do ar.

Mas a cada ano que passa o novo século vê uma reaproximação estreita entre a retórica da

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direira extrema russa e aqueles que estão no topo, e não menos o próprio Putin. A estranha

repetição da interpretação de Dugin das ações de Tbilisi como "genocídio" por Putin e

Medvedev é meramente um dos muitos sinais.

Além disso, muitos, mais ou menos influentes, atores na "vertical of power" (vertical de poder)

de Putin estão, de um jeito ou outro, ligados a Dugin. Viktor Cherkesov, por exemplo, um dos

amigos de Putin mais próximos da ex-KGB, é visto como sendo próximo, e simpático (assim

como, talvez, auxiliar) a, Dugin desde a década de 1990. O mesmo serve para Mikhail Leontev,

um dos mais bem conhecidos comentadores de Tv da Rússia e, de acordo com algumas

informações, o jornalista favorito de Putin. Em 2001 Leontev tomou parte na fundação do

movimento Eurasiano de Dugin; subsequentemente, ele foi, por um tempo, um membro do

Concelho Político dessa organização. Em Fevereiro desse ano, Ivan Demidov, um popular

apresentador de TV, foi promovito a Chefe do Diretório de Ideologia no partido Rússia Unida

(United Russia party) de Putin. Isso aconteceu apesar do fato de que a poucos meses antes

Demidov tinha dito que era um pupilo de Dugin e anunciou que ele poderia usar seus talentos

como gerente de relações públicas para disseminar as idéias de Dugin.

A extrema-direita Russa, incluindo algumas dos segmentos cripto-facistas, está se tornando uma

parte ainda mais influente no discurso mainstream de Moscou. Sua influência pode ser sentida

na grande mídia, na sociedade civil, artes e política russas. Contra esse pano de fundo o

enfrentamento crescente entre a Rússia e o Ocidente não é uma surpresa. Caso Dugin e cia.

continuarem a inserir sua influência na elite russa e na população, a atual emergência da

secunda Guerra Fria entre Moscou e o Ocidente estará entre nós por muitos anos a vir.

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[1] Dr Andreas Umland é editor da série de livros "Soviet and Post-Soviet Politics and Society"

(Sociedade e Políticas Soviética e Pós-Soviéticas) (www.ibidem-verlag.de/spps.html) e

administrador do website "Russian Nationalism" (Nacionalismo Russo)

(groups.yahoo.com/group/russian_nationalism/).

O Eurasianismo: a“nova” Geopolítica russa

Eduardo Silvestre dos Santos

Em grandes linhas, existem actualmente duas aproximações quanto às opções geopolíticas da

Rússia: os internacionalistas liberais ou ―ocidentalizadores‖ (zapadniki) e os eurasianistas. Os

primeiros (Gorbatchev, Kozyrev, Yeltsin, Trenin, etc.) crêem que os valores ocidentais do

pluralismo e da democracia são universais e aplicáveis à Rússia. Os segundos (Dugin,

Zhirinovsky, Zyuganov, Solzhenitsyn, etc.) têm linhas ideológicas nacionalistas e patrióticas

que acreditam que, devido às particularidades geográficas, históricas, culturais e mesmo

psicológicas, a Rússia não pode ser classificada como Ocidental ou Oriental, sendo um Estado

forte e dominante na Eurásia. O Eurasianismo conseguiu reconciliar filosofias muitas vezes

contraditórias como o comunismo, a religião ortodoxa e o fundamentalismo nacionalista.

Desde que Vladimir Putin assumiu a presidência da Rússia, em Dezembro de 1999, a política

externa de Moscovo alterou o seu rumo. A sua nova aproximação baseia-se no Eurasianismo,

uma obscura e velha moldura ideológica que emergiu agora como uma força maioritária na

política russa.

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Na história do mundo, existem, em competição constante, duas aproximações às noções de

espaço e terreno – a terrestre e a marítima. Na História antiga, as potências marítimas que se

tornaram em símbolos da ―civilização marítima‖ foram a Fenícia e Cartago. O império terrestre

que se lhes opunha era Roma. As Guerras Púnicas foram a imagem mais clara da oposição

―terra-mar‖. Mais modernamente, a Grã-Bretanha tornou-se o ―pólo‖ marítimo, sendo

posteriormente substituído pelos EUA. Tal como a Fenícia, a Grã-Bretanha utilizou o comércio

marítimo e a colonização das regiões costeiras como o seu instrumento básico de domínio.

Criaram um padrão especial de civilização, mercantil e capitalista, baseada acima de tudo nos

interesses materiais e nos princípios do liberalismo económico. Portanto, apesar de todas as

variações históricas possíveis, pode dizer-se que a generalidade das civilizações marítimas tem

estado sempre ligada ao primado da economia sobre a política.

Por seu lado, Roma representava uma amostra de uma estrutura de tempo de guerra, autoritária,

baseada no controlo civil e administrativo, no primado da política sobre a economia. É um

exemplo de um tipo de colonização puramente continental, com a sua penetração profunda no

continente e assimilação dos povos conquistados, automaticamente romanizados após a

conquista. Para os eurasianistas, na História moderna, os seus sucessores são os Impérios Russo,

Austro-Húngaro e a Alemanha imperial. Contra o ―Atlantismo‖, personificando o primado do

individualismo, liberalismo económico e democracia protestante, ergue-se o ―Eurasianismo‖,

personificando princípios de autoritarismo, hierarquia e o estabelecimento de um

comunitarismo, sobrepondo-se às preocupações de índole individualista e económica.

Pode-se recuar na geopolítica russa até ao movimento eslavófilo do século XIX. Nesta época, o

Eurasianismo tentou sobrepor-se às diferenças entre as tendências reformistas pró-ocidentais e

os czaristas eslavófilos. O papel ímpar da Rússia era juntar a rica diversidade da Eurásia numa

―terceira via‖, consistente com a cultura e as tradições da Ortodoxia e da Rússia. Estas ideias

acerca da geopolítica da Eurásia e do destino do Império Russo, foram retomadas no período a

seguir à 1.ª Guerra Mundial pelo etnólogo e filólogo Nikolai S. Trubetskoy, nobre russo branco,

pelo historiador Peter Savitsky, pelo teólogo ortodoxo G.V. Florovsky e, posteriormente, pelo

geógrafo, historiador e filósofo Lev Gumilev, defendendo a luta cultural e política entre o

Ocidente e o distinto sub-continente da Eurásia, liderado pela Rússia. Gumilev foi o criador da

―teoria da etnogénese‖, pela qual as nações são originárias da regularidade do desenvolvimento

da sociedade, e da ―teoria da paixão‖, a capacidade humana para se sacrificar em prol de

objectivos ideológicos. Esteve 16 anos presos no tempo de Estaline, combateu na 2.ª Guerra

Mundial, esteve num campo de concentração nazi e voltou a cumprir uma sentença de 10 anos

no Gulag, por actividades contra a ideologia marxista-leninista.

Aqueles teóricos da geopolítica eurasiana analisaram com profundidade e atenção os impérios

de Gengis Khan, Mongol e Otomano, tendo-se encontrado várias vezes em Praga com Karl

Haushofer. Baseado nas ideias de MacKinder, o Eurasianismo procura estabelecer a identidade

ímpar da Rússia, distinta da Ocidental e foca a sua atenção para Sul e Leste, sonhando numa

fusão entre as populações ortodoxas e muçulmanas. Rejeita categoricamente o projecto do Czar

Pedro para ―europeizar‖ a Rússia, mas os termos em que o país era idealizado eram os de um

império europeu, pela simples circunstância que consistia em territórios, a maioria dos quais se

localizavam na Ásia, em que um grupo nacional dominava outras nacionalidades subordinadas.

Defendia que a Rússia era claramente não europeia porque a vasta região ocupada, apesar de

situada entre os dois continentes – Europa e Ásia - , era geográfica e, logo, objectivamente

separada de ambos. Era um continente em si mesmo, denominado Eurásia; além disso, a cultura

russa tinha sido maioritariamente moldada por influências vindas da Ásia.

Durante a 1.ª Guerra Mundial, surgiram os primeiros dilemas e ambiguidades, quando a Rússia

se aliou à Grã-Bretanha, à França e aos EUA, com o intuito de libertar os seus ―irmãos eslavos‖

do domínio turco, começando a lutar contra os seus aliados geopolíticos naturais – Alemanha e

Áustria –, mas também mergulhando numa revolução e guerra civil catastróficas. A revolução

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de 1917 terminou com a existência formal do Império Russo, e Trubetskoy tentou adaptar o seu

pensamento ao novo estado de coisas. Os russos, antes considerados como os ―donos e

proprietários‖ de todo o território, passaram a ser ―um povo entre outros‖ que partilhavam a

autoridade. O conceito de separatismo não era aceitável para Trubetskoy, que insistia na

indivisibilidade da grande região que correspondia à Eurásia, uma ideia de globalidade

geográfica, económica e étnica integral, distinta quer da Europa, quer da Ásia. Segundo

Savitsky, a Eurásia tinha sido modelada pela Natureza, que tinha condicionado e determinado os

movimentos históricos e a interpenetração dos seus povos, cujo resultado tinha sido a criação de

um único Estado. Devido à unidade da região derivar da Natureza, possuía a qualidade

transcendente dessa mesma Natureza. Trubetskoy afirmava que ―o substrato nacional do antigo

Império Russo e actual URSS, só pode ser a totalidade dos povos que habitam este Estado, tido

como uma nação multiétnica peculiar e que, como tal, possuía o seu próprio nacionalismo.

Chamamos a essa nação Eurasiana, o seu território Eurásia e o seu nacionalismo

―Eurasianismo.‖ Para Dugin, o principal ideólogo eurasianista da actualidade, a liderança de

Lenine tinha um substrato eurasiano pois, contrariamente à doutrina marxista, preservou a

grande unidade do espaço eurasiano do Império Russo. Por seu lado, Trotsky insistia na

exportação da revolução, na sua mundialização, e considerava a URSS como algo efémero e

transitório, algo que desapareceria perante a vitória planetária do comunismo; as suas ideias

traziam, por isso, a marca do atlantismo! Para o mesmo autor, ―a grande catástrofe eurasiana foi

a agressão de Hitler contra a URSS. Após a guerra fratricida e terrível entre dois países

geopolítica, espiritual e metafisicamente chegados, a vitória da URSS foi de facto equivalente a

uma derrota.

Apesar da ―guerra fria‖ ser primária e fundamentalmente sobre ideologias e não sobre

geopolítica – alguns autores chamam-lhe ―geopolítica ideológica‖ –, a Geopolítica desenvolvida

pelos pensadores europeus do final do século XIX foi uma matéria importante para Estaline.

Imediatamente após a derrota alemã, começou a imaginar um novo projecto geopolítico, o Pacto

de Varsóvia, para integrar os países da Europa de Leste na esfera soviética.

Desde o final da 2.ª Guerra Mundial, uma figura chave na geopolítica soviética foi o General

Sergey M. Shtemenko, chegando a ser, durante os anos 60"s, comandante das forças armadas do

Pacto de Varsóvia e Chefe do Estado-Maior General da URSS. Nos seus planos estratégicos,

bem como nos do General Gorshkov, estava, desde 1948, a penetração económico-cultural no

Afeganistão, afirmando que aquele país tinha um papel geopolítico especial, permitindo o

acesso soviético ao Índico. Khrutschev tinha conceitos geoestratégicos exclusivamente baseados

no emprego de mísseis intercontinentais, em detrimento das outras armas. Estava preocupado

com a América Latina e insistia no conceito de ―guerra nuclear intercontinental relâmpago‖. Ao

contrário, Shtemenko já anteriormente tinha alertado que não seria sensato basear a segurança

da URSS apenas em mísseis balísticos intercontinentais. Um dos herdeiros das ideias

geopolíticas e geoestratégicas de Shtemenko foi o Marechal N. V. Ogarkov. Foi ele o

responsável pela montagem da operação contra a Checoslováquia, em que os serviços de

informações da OTAN foram confundidos com uma contra-informação excelentemente

conduzida, e também pela adopção de uma opção doutrinária de guerra convencional na Europa,

como objectivo de planeamento e desenvolvimento militar.

Grande parte deste novo alento do Eurasianismo deve-se ao seu principal ideólogo, Alexander

Dugin. Apesar do seu passado obscuro (antigo membro duma organização radical anti-semita e,

posteriormente, da Revolução Conservadora racista, Dugin é hoje considerado o principal

geopolítico russo e conselheiro de assuntos internacionais de várias figuras proeminentes da

Duma, nomeadamente o seu ―speaker‖, Gennady Seleznev. As suas ideias têm influenciado o

líder do Partido Comunista, Gennady Zyuganov, e outros altos dignitários. O Partido Eurasiano

foi fundado por Dugin em Maio de 2002, supostamente com apoio organizacional e financeiro

do Presidente Putin.

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O Eurasianismo ganhou rapidamente importância nos meios da política externa russa e, mais

significativo ainda, é cada vez mais evidente na conduta daquela política pelo Presidente Putin.

Dugin adaptou as teorias tradicionais de Mahan e MacKinder e defende uma luta pelo domínio

internacional entre as potências terrestres – personificadas na Rússia – e as potências marítimas

– principalmente os EUA e o Reino Unido. Como resultado, Dugin crê que os interesses

estratégicos da Rússia devem ser orientados de um modo anti-ocidental e para a criação de

espaço Eurasiático de domínio russo. Por outras palavras, a Rússia não poderá subsistir fora da

sua essência imperial, em virtude da sua localização geográfica e do seu caminho histórico.

―O novo império eurasiano será construído no princípio fundamental do inimigo comum: a

rejeição do ‗Atlantismo", controlo estratégico dos EUA e na recusa em aceitar valores liberais

para nos dominar. Este impulso civilizacional comum será a base de uma união política e

estratégica‖. Dada a presente situação internacional pouco influente da Rússia, Dugin reforça a

necessidade de construir alianças que sirvam para aumentar o domínio político e económico.

Assim, põe ênfase num eixo Moscovo-Teerão e na criação de uma zona de influência iraniana

no Médio Oriente. Na Europa, advoga um eixo Moscovo-Berlim, que vê como essencial para a

criação de um ―cordão sanitário‖ contra a influência ocidental no antigo bloco soviético.

Nos seus esforços para manter os EUA longe da região do Cáspio, o Irão encontrou um aliado

inesperado na Rússia. Ambos puseram temporariamente as suas divergências de lado, para fazer

frente às actividades americanas na área. A aliança russo-iraniana pode aliás considerar-se um

dos mais importantes factos geopolíticos do pós-guerra fria. Para a Rússia, uma relação estrita

com o Irão pode considerar-se como uma reacção à expansão da NATO para a Europa Oriental.

O fornecimento de material militar convencional e de tecnologia nuclear russa ao Irão é um dos

aspectos fulcrais desta aliança, já que muitos poucos países estão interessados em fornecer

armas ao regime dos ―ayatollahs‖. O Irão confia na Rússia como fornecedor de armamento,

dado não existirem muitos países que o queiram fazer; a Rússia também vê vantagens e lucros

no fornecimento de armamento, nuclear inclusive, ao Irão.

A doutrina consensual da ―vizinhança próxima‖ define que a Rússia quer manter um papel

político, económico e estratégico preponderante nas ex-repúblicas da URSS, legitimando uma

intervenção militar, se necessário. Contudo, a incapacidade da Rússia implementar as

necessárias reformas nas suas Forças Armadas e na sua economia, em conjunto com a

hostilidade com que a sua presença é vista, limita as suas possibilidades de cooperação e faz

diminuir a sua influência, em especial no Cáucaso, em detrimento dos EUA. A Rússia vê assim

a sua posição na região ameaçada pela expansão militar americana e da NATO, bem como pelos

seus próprios problemas internos (a guerra na Tchechénia fez com que as relações com a

Geórgia, a quem acusa abertamente de abrigar terroristas tchetchenos, se deteriorasse muito).

Para contrabalançar esta situação, propôs uma cooperação triangular com a China e com a Índia

e através da Organização de Cooperação de Xangai (com Cazaquistão, Quirguizistão e

Tadjiquistão).

As maiores preocupações da Rússia dizem respeito ao controlo das rotas de exportação dos

recursos energéticos. O maior objectivo de Moscovo é assegurar que uma parte significativa dos

recursos energéticos do Cáspio seja transportada pelo sistema russo de oleodutos para o Mar

Negro e, daí, para a Europa. Porém, o sistema existente de oleodutos e gasodutos da era

soviética é considerado como obsoleto, feitos com materiais de qualidade duvidosa e com

manutenção de má qualidade técnica, que se estão a deteriorar com o tempo. As novas

repúblicas procuram por isso outras opções para se distanciar e não depender da Rússia, e serem

capazes de alcançar mercados diversificados. Para tentar manter a sua influência nas

exportações dos produtos energéticos, a Rússia apoia apenas oleodutos que passem através do

seu território. Todavia, as tentativas russas para retardar os projectos de desenvolvimento

liderados por outras potências, levaram ao estudo de rotas alternativas para levar os recursos até

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aos mercados, prejudicando a posição da Rússia como potência dominante na região e fazendo-a

perder o controlo sobre os recursos energéticos da região e do seu transporte.

Para a Rússia, os alvos geopolíticos primários para a subordinação política parecem ser o

Cazaquistão e o Azerbaijão. A subordinação deste último ajudaria a ―selar‖ a Ásia Central do

Ocidente, especialmente da Turquia. O Azerbaijão, encorajado pela Turquia e pelos EUA,

rejeitou os pedidos russos para a manutenção de bases militares no seu território e desafiou

também as exigências daquele país para um único oleoduto com terminal no porto russo de

Novorossiysk, no Mar Negro. A vulnerabilidade étnica do Cazaquistão (cerca de 40% da

população é russa) torna quase impossível uma confrontação aberta com Moscovo, que pode

também explorar o receio do Cazaquistão sobre o crescente dinamismo da China. Para tentar

diminuir as iniciativas unilaterais de desenvolvimento das novas repúblicas, nomeadamente as

duas referidas atrás, tem utilizado também a incerteza quanto ao regime legal do Mar Cáspio.

Ao bloquear ou atrasar novos projectos de oleodutos, a Rússia conseguiu vencer praticamente

todos os negócios energéticos, com investimentos pequenos. Porém, o actual sistema de

oleodutos não possui a capacidade para o aumento de produção que se prevê para o Cazaquistão

e para o Azerbaijão e, se tiverem de construir mais, a Rússia gostaria que passassem por

território seu. No Cáucaso, todos os conflitos têm também a ver, pelo menos parcialmente, com

o petróleo. A Rússia continua a ver o Azerbaijão como parte do seu império e considera a

Geórgia como a chave do Cáucaso meridional. Contudo, a maior ameaça à estabilidade e aos

interesses petrolíferos ocidentais no Cáucaso, deriva da guerra na Tchetchénia.

A Tchetchénia era uma região autónoma gozando já de uma larga autonomia, quando declarou

unilateralmente a sua independência em 1994. A Rússia decidiu resolver o assunto pela força

por duas razões principais: em primeiro lugar porque, se a Tchetchénia fosse autorizada a sair da

Federação Russa, seria um perigoso antecedente que outras repúblicas predominantemente

islâmicas do Norte do Cáucaso (Tcherkessia, Dagestão, Kabardin-Balkar, etc.) poderiam querer

seguir; em segundo lugar, a Tchetchénia é um eixo fundamental da rede de oleodutos vindos do

Cáspio. Se a materialização dos planos do oleoduto para Oeste falhar, todo o petróleo do

Azerbaijão irá continuar a ser transportado pelo único oleoduto existente para o mar Negro, e

esse atravessa a Tchetchénia. Se a Rússia quiser lucrar com o aumento de produção no

Azerbaijão, tem de manter o controlo da república a todo o custo. Grozny, capital da

Tchetchénia, é o centro de uma importante rede de oleodutos que liga a Sibéria, o Cazaquistão,

o Cáspio e Novorossiysk.

Para finalizar, o que torna Dugin notório e preocupante é que o seu pensamento faz lembrar, em

certos aspectos, Hitler: fala sobre capitalismo, baseado numa combinação de nacionalismo e

socialismo. As suas teorias foram banidas durante a época soviética pelas suas ligações ao

Nazismo, mas são hoje aceites sem relutância pelo Partido Comunista.

Mesmo assim, o Eurasianismo ganhou rapidamente importância nos meios da política externa

russa e, mais significativo ainda, é cada vez mais evidente na conduta daquela política pelo

Presidente Putin.

A Geopolítica Russa: De Pedro "O Grande" a Putin, a "Guerra Fria", o Eurasianismo e

os Recursos Energéticos

por Eduardo Eugénio Silvestre dos Santos

"A política de um Estado está na sua geografia”.

Napoleão 1o.

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“A Rússia é uma charada, embrulhada num mistério, dentro de um enigma”.

Winston Churchill

1. Introdução

Apesar do termo ―Geopolítica‖ ter sido utilizado pela primeira vez pelo cientista político sueco

Johan Rudolph Kjellen, apenas no final do século XIX, vários intelectuais importantes tinham já

escrito sobre a influência da geografia na conduta da estratégia global das nações, e os

confrontos pelo domínio de territórios e populações perdem-se na neblina dos tempos. O termo

surgiu na era da rivalidade imperialista entre 1870 e 1945, quando os impérios em competição

travavam inúmeras guerras, gerando, alterando e revendo as linhas de poder que eram as

fronteiras do mapa político mundial.2

Existem inúmeras definições de ―Geopolítica‖. Aqui se deixam algumas que, na opinião do

autor, melhor reflectem e abrangem o pleno âmbito do termo:

Kjellen definiu-a como o ―estudo da influência determinante do ambiente na política de um

Estado‖. Para a Escola de Munique de Haushofer é ―a ciência da vinculação geográfica dos

fenómenos políticos‖. Para N. Spykman, era ―o planeamento da política de segurança de um

país em termos dos seus factores geográficos‖.3 Mais modernamente, G. O‘Tuathail afirma que

é ―o modo de relacionar dinâmicas locais e regionais com o sistema global como um todo‖4 e,

em conjunto com J. Agnew, o mesmo autor escreve que ―estuda a geografia da política

internacional, particularmente a relação entre o ambiente físico (localização, recursos, território,

etc.) e a conduta da política externa‖.5

Na história do mundo, existem, em competição constante, duas aproximações às noções de

espaço e terreno – a terrestre e a marítima. Na História antiga, as potências que se tornaram em

símbolos da ―civilização marítima‖ foram a Fenícia e Cartago. O império terrestre que se lhes

opunha era Roma. As Guerras Púnicas foram a imagem mais clara da oposição ―terra-mar‖.

Mais modernamente, a Grã-Bretanha tornou-se o ―pólo‖ marítimo, sendo posteriormente

substituído pelos EUA. Tal como a Fenícia, a Grã-Bretanha utilizou o comércio marítimo e a

colonização das regiões costeiras como o seu instrumento básico de domínio. Criaram um

padrão especial de civilização, mercantil e capitalista, baseada acima de tudo nos interesses

materiais e nos princípios do liberalismo económico. Portanto, apesar de todas as variações

históricas possíveis, pode dizer-se que a generalidade das civilizações marítimas tem estado

sempre ligada ao primado da economia sobre a política.

Por seu lado, Roma representava uma amostra de uma estrutura de tempo de guerra, autoritária,

baseada no controlo civil e administrativo, no primado da política sobre a economia. É um

exemplo de um tipo de colonização puramente continental, com a sua penetração profunda no

continente e assimilação dos povos conquistados, automaticamente romanizados após a

conquista. Para os Eurasianistas, na História moderna, os seus sucessores são os Impérios

Russo, Austro-Húngaro e Alemão.

2. Retrospectiva Histórica da Ásia Central

A história da Ásia Central foi condicionada pelas migrações de pastores nómadas das estepes

desde muito cedo, provavelmente 4000 AC. Segundo Mehdi Amineh, podem considerar-se

cinco períodos históricos: o pré-islâmico (Ciro, Alexandre e a dinastia Sassanida; remonta ao

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século II AC a ―rota da seda‖, que tornou possível o comércio entre o Ocidente e o Oriente, o

Norte e o Sul da Ásia), o islâmico (dinastias Ummayad e Abbasid), o mongol (Genghis Khan e

sucessores), o dos séculos XVI ao XIX, e o russo-soviético.6 No âmbito deste trabalho

interessam particularmente os dois últimos.

Para entender mais completamente o que se pretende expor neste trabalho, temos de recuar na

história russa até ao início do século XIII, pois nessa época teve lugar um acontecimento

catastrófico que deixou marcas indeléveis no carácter nacional russo. Em 1206, um génio

militar analfabeto de nome Teumjin, conhecido para a posteridade como Genghis Khan, teve o

sonho de conquistar o mundo, tarefa que ele cria lhe ter sido confiada por Deus para executar.

Nos 30 anos seguintes, ele e os seus sucessores quase o conseguiam. Nessa época, a Rússia

consistia apenas em cerca de uma dúzia de principados, frequentemente em guerra uns com os

outros. Entre 1223 e 1240, não tendo conseguido unir-se para combater o inimigo comum,

caíram um a um perante a implacável máquina de guerra mongol. O sistema político que o

domínio mongol criou era muito descentralizado (sistema de ―khanatos‖ – semelhantes a

principados – onde o ―khan‖ era uma espécie de senhor feudal, sujeitos a tributos obrigatórios

pesadíssimos pelos mongóis), e o resultado inevitável foi um jugo tirânico dos príncipes

vassalos sobre os seus súbditos, cuja sombra ainda hoje se faz sentir na Rússia.

Durante cerca de 250 anos, os russos estagnaram e sofreram a opressão da ―Horda Dourada‖,

termo pelo qual os mongóis ficaram conhecidos. Entretanto, aproveitando as circunstâncias e a

fraqueza militar, os vizinhos europeus da Rússia (principados alemães, Lituânia, Polónia e

Suécia) foram ocupando partes do seu território.

Raramente uma experiência deixou cicatrizes tão profundas e perenes na psicologia de uma

nação, explicando grande parte da sua xenofobia, a sua política externa muitas vezes agressiva,

e a histórica aceitação da tirania interna.7 Para George Kennan, encarregado de negócios dos

EUA em Moscovo no início da ―guerra-fria‖ e estudioso da política externa soviética, as fontes

principais da conduta soviética eram determinadas pela história e geografia russas. ―A cautela e

a flexibilidade soviéticas são atitudes solidificadas nas lições da história russa: séculos de

batalhas entre forças nómadas na vastidão de planícies desprotegidas‖.8

O homem a quem os russos devem a sua liberdade face à opressão mongol foi Ivan III, ―o

Grande‖, príncipe de Moscovo, no final do século XV. A máquina de guerra mongol, tão temida

no início, tinha entretanto perdido a vontade e o gosto de lutar, acomodando-se e não sendo já

invencível. O poderoso império de Genghis Khan colapsou no Ocidente, ficando reduzido

apenas a três ―khanatos‖ dispersos: Kazan (2, Fig. 1), Astrakhan (1, Fig. 1) e Crimeia. Ivan IV,

―o Terrível‖, um dos sucessores de ―o Grande‖, reconquistou os dois primeiros (1553 e 1555),

anexando-os a Moscovo, que se expandia rapidamente, com a finalidade de evitar invasões,

recolher as produções e capturar populações para vender como escravos. Apenas restou a

Crimeia como último reduto tártaro, em virtude de ter a protecção do Império Otomano, que via

nele um importante baluarte contra os russos. Foi a partir do Principado de Moscovo que, a

partir de meados do século XIV, com a derrota dos tártaros na batalha do rio Ugra (5, Fig. 1), se

foi cimentando e alargando o Império Russo. A ameaça mongol tinha assim sido eliminada,

deixando o caminho aberto para uma das maiores empresas coloniais da história: a expansão da

Rússia para Oriente, na Ásia. A partir de 1580, o comércio de peles começou a atrair os russos

para a Sibéria, bem para além dos Urais. A expansão russa só terminou quando o Oceano

Pacífico foi atingido, sendo comparável em muitos aspectos à conquista americana do Oeste.9

No seu apogeu o Império Russo incluía, além do território russo actual, os estados bálticos

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(Lituânia, Letónia e Estónia), a Finlândia, Cáucaso, Ucrânia, Bielorússia, boa parte da Polónia

(antigo reino da Polónia), Moldávia (Bessarábia) e quase toda a Ásia Central. (Fig. 2) ―A

História prova que o espaço e a posição têm influído no destino político de cada território (…)

O espaço, quando existe, cria a grande potência.‖10

Durante o século XVI, o Império Persa tentou impedir o Império Otomano de ter acesso à ―Rota

da Seda‖ e ganhar o monopólio desta fonte de riqueza. A guerra entre estes dois impérios fez

com que os ―khanatos‖ asiáticos perdessem o seu poder e ressurgissem as forças tribais,

causando o declínio económico da Ásia Central no século XVII. No fim do século XVIII,

devido ao crescente comércio entre as tribos da Ásia Central e a Rússia, deu-se uma nova

dinâmica à vida económica e política. É também nesta altura que se dá a progressiva

sedentarização das tribos nómadas, o que contribuiu bastante para a centralização política da

região.

3. A Expansão Russa

Pode recuar-se na ―geopolítica‖ russa até finais do século XVII, e afirmar que, pelo menos

desde essa época, a Rússia perseguiu dois objectivos estratégicos:

– um, Constantinopla, levada por um lado pelo sonho da libertação dos cristãos ortodoxos, mas

que lhe daria também o controlo do Bósforo e dos Dardanelos e, logo, o acesso ao

Mediterrâneo;

– o outro, tentar chegar à Índia; alguns políticos britânicos continuavam contudo a pensar que

―o objectivo real da Rússia era, não a Índia, mas Constantinopla: para manter a Grã-Bretanha

sossegada na Europa, devia mantê-la ocupada na Ásia‖.11

O primeiro dos Czares a tentar modernizar a Rússia foi Pedro ―o Grande‖, já da dinastia

Romanov, na transição do século XVII para o XVIII. Para tal, enviou uma embaixada

diplomática à Europa Ocidental e construiu S. Petersburgo, que imaginou como uma porta de

ligação comercial e cultural com a Europa. Porém, tendo esgotado o tesouro combatendo

simultaneamente a Suécia e o Império Otomano, chegaram-lhe notícias, no início do século

XVIII, da descoberta de ricos jazigos de ouro na Ásia Central, nas margens do Amu-Darya, o

que o fez virar a atenção para aí e para a Índia. Cerca de 50 anos mais tarde, Catarina ―a

Grande‖ voltou a dar sinais de interesse pela Índia. Catarina era uma expansionista e não era

segredo que sonhava em expulsar os turcos de Constantinopla e controlá-la. Não conseguiu

conquistar nem Constantinopla nem a Índia, mas apoderou-se do ―khanato‖ da Crimeia nos

finais do século XVIII, e o seu sucessor Alexandre I recuperou à Pérsia os territórios do

Cáucaso. Em 1801, anexou o antigo e independente reino da Geórgia, que a Pérsia considerava

estar na sua esfera de influência. Em 1804, avançou ainda mais para Sul, cercando Yerevan,

capital da Arménia (Fig. 3), uma possessão cristã do Xá, ameaçando Constantinopla.

O Mar Negro tinha deixado de ser um ―lago turco‖ e os russos começaram a construir uma

gigantesca base naval em Sebastopol (4, Fig. 1), ficando os seus vasos de guerra a dois dias de

Constantinopla. A presença da Rússia no Próximo Oriente e no Cáucaso começava a preocupar

ao Império Britânico. Porém, entretanto, surgiu Napoleão! Este ofereceu ajuda ao Xá para

rechaçar os russos, em troca da utilização da Pérsia como caminho de passagem para invadir a

Índia, o que fez parar o avanço russo. Em 1807, após subjugar a Áustria e a Prússia, derrotou os

russos em Friedland, forçando-os a aderir ao ―bloqueio continental‖, destinado a isolar e a

derrotar a Grã-Bretanha.12

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Após a derrota de Napoleão em 1812, o Czar Alexandre solicitou, no Congresso de Viena, a

modificação do mapa político da Europa, exigindo o controlo da Polónia. Perante a forte

oposição britânica, Alexandre I concordou em dividi-la com a Áustria e a Prússia, ficando

contudo com a parte de leão. No século XIX, as guerras na Europa para fomentar revoluções ou

conquistar território, eram vistas como ameaças ao ―equilíbrio de poder‖ entre os Estados

dominantes, as grandes potências. Mas a dicotomia entre a Europa e os outros continentes era

reforçada pela combinação frequente entre uma ―terra-mãe‖ e uma periferia trazendo uma

experiência colonial para perto de ―casa‖. Nos EUA e na Rússia, por exemplo, não existia uma

separação clara nem fronteiras físicas óbvias.13

A trégua entre a Rússia e a Pérsia no Cáucaso (a Pérsia acabou por aceitar a soberania russa

entre o Cáucaso e o Mar Cáspio e em grande parte do Azerbaijão), fez virar as atenções de S.

Petersburgo para a Ásia Central. O ―Grande Jogo‖, a luta subtil mas persistente pelo controlo

das vastas terras situadas entre o Mar Cáspio, a Pérsia e a Índia, ―a jóia da coroa‖ do Império

Britânico, a Sul, tinha começado.

O ―Grande Jogo‖ é um termo atribuído a Arthur Connolly, utilizado para descrever a rivalidade

e o conflito estratégicos entre os Impérios Britânico e Russo, pela supremacia na Ásia Central.

O termo foi popularizado posteriormente por Rudyard Kipling, na sua obra ―Kim‖. O período

clássico do ―Grande Jogo‖ decorre desde aproximadamente 1815 até à Convenção Anglo-Russa

de 1907. Após a revolução bolchevique de 1917, existiu uma segunda fase.14

Existiam apenas duas rotas possíveis para um exército russo, suficientemente grande para ter

sucesso, atingir a Índia:

– uma seria partindo de Orenburg (3, Fig. 1 e 3), capturar Khiva (2, Fig. 3) e Balkh (6, Fig. 3),

atravessar o Hindu Kush, como tinha feito Alexandre ―o Grande‖, e dirigir-se a Kabul; daí

marcharia para Jalalabad, atravessaria o Desfiladeiro Khyber (K, Fig. 4) para Peshawar e

chegaria ao rio Indo; esta rota, embora mais longa, tinha mais água que a rota alternativa,

através do Karakorum, e evitava os confrontos com os perigosos Turcomenos;

– a outra rota possível implicava a captura de Herat (7, Fig. 3), que seria utilizada como ponto

de apoio logístico. Daí marchariam por Kandahar (Z, Fig. 4) e Quetta (Q, Fig. 4) para o

Desfiladeiro Bolan (B, Fig. 4). Herat poderia ser atingida através de um acordo com a Pérsia, ou

atravessando o Cáspio para Astrabad.

Em qualquer dos casos, um invasor teria de passar pelo Afeganistão!

No século IV DC, Alexandre, o Grande, conquistou todo o império persa, à excepção da

província Bactro-Sogdiana, o Afeganistão de hoje. No século XIII, Genghis Khan abandonou a

campanha no Afeganistão, em virtude da resistência tenaz e das pesadas baixas sofridas.15

Desde o colapso do grande império Durrani, fundado em meados do século XVIII, que o

Afeganistão estava no centro de uma intensa e incessante luta pelo poder. Não existia unidade

real entre os afegãos, meramente alianças temporárias, quando e onde era vantajoso para os

respectivos líderes tribais. O Império Britânico sentiu isso bem na pele. ―Se os afegãos, como

nação, estiverem determinados a resistir aos invasores, as dificuldades tornar-se-iam

intransponíveis‖, afirmou um oficial britânico em serviço na Índia. Esta frase explica o interesse

britânico em manter o Afeganistão forte e unido por um líder central em Kabul.16 Explica ainda

uma grande parte da história mais moderna deste país.

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Em 1833, uma enorme frota de navios de guerra russos posicionou-se perto de Constantinopla,

encerrando uma cadeia de acontecimentos iniciada dois anos antes, com uma revolta do

governador do Egipto, então nominalmente parte do Império Otomano. Cercou Damasco e

avançou pela Anatólia na direcção de Constantinopla com um poderoso exército, querendo

destronar o sultão. Este apelou ao auxílio britânico, cujos governantes hesitaram. Mais lesto foi

o Czar Nicolau I, que lhe ofereceu prontamente auxílio. Perante a situação, o sultão teve de

aceitar reconhecido esse auxílio, que veio por termo à rebelião. A armada russa retirou, mas os

turcos passaram a ser pouco mais do que um protectorado do Czar e, nos termos do tratado de

paz, poderiam fechar os Dardanelos a todos os navios de guerra estrangeiros, se S. Petersburgo

assim o desejasse. Estes desenvolvimentos colocaram de sobreaviso o Império Britânico, que

via no alargamento da armada russa e nas suas posições no Cáucaso uma cabeça-de-ponte para

lançar investidas posteriores contra a Turquia e contra a Pérsia.

Até então, os estrategistas consideravam que o poder da Rússia era apenas defensivo, a coberto

da fortaleza inexpugnável com que a natureza a tinha contemplado – o seu clima e os seus

desertos – conforme Napoleão tinha descoberto à sua própria custa. Mas, na realidade, desde o

reinado de Pedro ―o Grande‖, os súbditos do Czar tinham aumentado quatro vezes, de 15 para

quase 60 milhões. Ao mesmo tempo, as fronteiras da Rússia tinham avançado cerca de 800 km

em direcção a Constantinopla e cerca de 1 500 em direcção a Teerão, a uma razão de mais de 50

000 km2 por ano. Na Europa, as conquistas russas sobre a Suécia montavam a metade da área

original daquele reino, e sobre a Polónia eram quase iguais à área de todo o Império Austríaco.

Todo este território tinha sido conseguido furtivamente, através de astúcia e pequenas invasões

sucessivas, nenhuma delas suficientemente importante para causar fricções importantes com os

outros poderes europeus.17

No início do século XIX, a maior parte das paragens da Ásia Central não estava cartografada.

As cidades de Bukhara (10, Fig. 3), Khiva, Merv e Tashkent (12, Fig. 3) eram praticamente

desconhecidas dos estrangeiros. No final do referido século, a expansão imperial czarista

ameaçava colidir com o domínio e a ocupação crescentes do sub-continente indiano, e os dois

impérios jogaram um jogo subtil de exploração, espionagem e diplomacia imperialista, o já

referido ―Grande Jogo‖, em toda a Ásia Central. O conflito ameaçou sempre uma eventual

guerra entre as partes, sem contudo nunca ter chegado a um confronto directo. O ponto

nevrálgico da actividade foi, como já foi dito, o Afeganistão.

Da perspectiva britânica, a expansão czarista ameaçava a Índia. À medida que as tropas russas

começaram a conquistar ―khanato‖ após ―khanato‖, os britânicos temeram que o Afeganistão se

tornasse numa área de preparação para uma invasão russa da Índia. Mas, em vez de tentar

estabelecer uma liderança forte e amistosa que pudesse proteger a Índia contra invasões russas,

levou mesmo a um dos piores desastres da história militar britânica. Em 1838, a Grã-Bretanha

lançou um ataque ao Afeganistão (1.ª Guerra Anglo-Afegã), e impôs um regime ―fantoche‖. O

regime durou pouco tempo, insustentável sem apoio militar britânico significativo. Em 1842, a

multidão atacou as tropas inglesas nas ruas de Kabul e a guarnição acordou uma retirada

protegida. Infelizmente para os britânicos, os afegãos não cumpriram o acordado e cerca de 4

500 militares e 12 000 apoiantes pereceram durante a retirada. A 1.ª Guerra Anglo-Afegã foi um

golpe devastador no seu orgulho e prestígio. O desastre russo em Khiva (1839) não se pode

comparar a este. No seguimento desta humilhante derrota, os britânicos refrearam as suas

ambições sobre o Afeganistão.18

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Entre meados de 1857 e meados de 1858, os britânicos viram-se a braços com a ―Revolta da

Índia‖, amotinação dos cipaios indianos. Após essa rebelião, os sucessivos governos britânicos

passaram a ver o Afeganistão como um estado-tampão. Porém, os russos continuaram a avançar

para Sul, em direcção àquele estado e, em 1865, anexaram formalmente Tashkent e, três anos

depois, Samarcanda (11, Fig. 3) e Bukhara. Em 1870, foi a vez de Khiva. O controlo russo

estendia-se então até à margem Norte do rio Amu-Darya.19

O Czar Nicolau I visitou a Rainha Vitória, então com 25 anos, em Londres em 1844. A sua

principal preocupação era o futuro do Império Otomano, ―o homem doente da Europa‖, como

lhe chamava. Confessou estar muito preocupado com o que poderia acontecer quando ele se

desfizesse, algo que temia estar eminente. As duas partes concordaram que o sultão deveria ser

mantido no trono enquanto tal fosse possível. Concordaram também em consolidar as suas

fronteiras, subjugando vizinhos problemáticos. No período de ―détente‖ que se seguiu, os russos

avançaram as suas praças-fortes através das estepes cazaques até às margens do Syr-Darya,

cerca de 400 km a leste do Mar de Aral. Os britânicos, por seu turno, conseguiram anexar o

Sind e colocar líderes favoráveis a governar o Punjab e a Caxemira.

Porém, em 1853, as boas relações cessaram. Em 1848, tinham estalado revoluções nacionalistas

em várias capitais europeias (Paris, Berlim, Viena, Roma, Praga, Budapeste, etc.) entre

governantes e governados, entre lei e desordem, entre aqueles que tinham e aqueles que queriam

ter.

Considerando-se o guardião dos locais santos do Cristianismo na Terra Santa, então parte

integrante do Império Otomano, o Czar Nicolau invadiu as províncias setentrionais dos Balcãs,

alegadamente para proteger os cristãos eslavos daquela região, ignorando um ultimato dos

turcos para retirar, pondo uma vez mais os dois países em guerra. Os britânicos e os franceses,

determinados a manter os russos afastados do Próximo Oriente, aliaram-se ao sultão. A Guerra

da Crimeia, que ninguém queria e que poderia facilmente ser evitada, tinha começado.

No Outono de 1854, franceses e britânicos sitiaram Sebastopol, a grande base naval russa no

Mar Negro, considerando que a sua captura e destruição asseguraria a independência da

Turquia. O cerco durou quase um ano e a rendição russa tornou-se inevitável, ao mesmo tempo

que o Czar Nicolau I adoecia e morria em Março de 1855. Após a rendição de Sebastopol, a

Áustria ameaçou juntar-se à coligação e o novo Czar, Alexandre III, acedeu a assinar um acordo

preliminar de paz. Os russos foram fortemente penalizados na região do Mar Negro, banidas que

foram todas as bases e navios de guerra daquele mar, cederam a foz do Danúbio e várias cidades

capturadas aos turcos. O Mar Negro ficou desmilitarizado e a independência e integridade da

Turquia garantidas. As ambições da Rússia na Europa e no Próximo Oriente tinham sido

bloqueadas. Passaram 15 anos até que a Rússia denunciasse o acordo de paz e reiniciasse a

construção de uma frota do Mar Negro. Ao derrotar os russos na Crimeia, a Grã-Bretanha

esperava não só afastá-la do Próximo Oriente, mas também fazer parar a sua expansão na Ásia

Central. O efeito foi, todavia, o oposto. A seguir à derrota na Guerra da Crimeia, a Rússia olhou

para a Ásia Central como uma região onde a rivalidade com a Grã-Bretanha lhe poderia ser mais

favorável.20

Entretanto, o Afeganistão voltou a ser notícia. O Xá da Pérsia, aproveitando a Guerra da

Crimeia, reclamou a cidade de Herat e ocupou-a no final de 1856. Em 1863, o líder afegão

reconquistou-a.

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Na década de 1850‘s, os russos continuaram a expandir-se para Leste, ao longo do rio Amur, e

para Sul, em direcção à costa do Pacífico, onde hoje é Vladivostok (Fig. 5). O imperador chinês,

a contas com a rebelião Taiping no Sul e, ao mesmo tempo, com as exigências francesas e

britânicas para concessões de terras e outros privilégios, que degeneraram em 1856 na Segunda

Guerra do Ópio, entre a China e a Grã-Bretanha, não estava em posição de os impedir. Os

russos acrescentaram assim uma enorme porção de territórios, do tamanho da França e da

Alemanha juntas, ao seu já gigantesco império asiático. Em 1859, conseguiram também

submeter finalmente a quase totalidade da Circassia, no Cáucaso. Em 1860 chegaram ao

Pacífico, fundando Vladivostok.

Faltavam contudo os três ―khanatos‖ independentes da Ásia Central. Aquilo que finalmente

decidiu o Czar a agir, foi a Guerra da Secessão nos EUA, cujos estados sulistas tinham sido a

principal fonte de abastecimento de algodão. Como resultado da guerra, o abastecimento foi

cortado, afectando seriamente toda a Europa. A Rússia sabia, no entanto, que a região de

Khokand (4, Fig. 3) na Ásia Central, especialmente o fértil vale de Fergana, era particularmente

favorável à cultura do algodão, com potencial para produzir quantidades substanciais desse

têxtil. O Czar Alexandre III estava decidido a conquistar esses campos de algodão o mais

rapidamente possível. Em 1863, a Rússia estava preparada para penetrar na Ásia Central, se

bem que gradualmente. O Ministro dos Negócios Estrangeiros do Czar declarou no final de

1864, num memorando para os seus embaixadores na Europa: ―A posição da Rússia na Ásia

Central é idêntica à de todos os estados civilizados que entram em contacto com populações

nómadas e semi-selvagens, que não possuem uma organização social estável. Nesses casos,

acontece sempre que o estado mais civilizado é forçado, no interesse da segurança das suas

fronteiras e das suas relações comerciais, a exercer uma certa ascendência sobre os vizinhos

com um carácter mais turbulento e agressivo, que os torna indesejáveis‖. É interessante verificar

a semelhança entre esta posição e a expressa no final do século XIX por Theodore Roosevelt,

presidente dos EUA e conhecido pelo ―corolário Roosevelt‖.

Os ―khanatos‖ de Khiva, Bokhara e Khokand dominavam, entre eles, uma vasta região de

desertos, oásis e montanhas, com o tamanho de metade dos EUA, que se estendia da margem

oriental do Mar Cáspio até ao Pamir. Mas, para além destas três cidades-estado, existiam outras

cidades importantes: uma era Samarcanda, capital do extinto império de Tamerlane, agora parte

dos domínios de Bokhara; outra era Kashgar (5, Fig. 3), sob o domínio chinês, separada das

outras por altas montanhas; finalmente, Tashkent, anteriormente independente, com os seus

pomares, vinhas, pastagens e uma população de 100 000 pessoas, a cidade mais rica da Ásia

Central, possessão de Khokand.21

Em 1862, Samarcanda foi absorvida pelo Império Russo, deixando apenas o ―khanato‖ de

Khiva a fazer frente ao Czar. Em 1865 ocuparam Tashkent, declarando que a ocupação era

temporária, o que se sabia não ser verdade pois, algum tempo depois, foi constituído o novo

―Governo Geral‖ do Turquestão, o que significava que os ―khanatos‖ tinham os dias contados.

Existiam três razões principais para isso:

– antes de tudo, o receio que os britânicos chegassem ali primeiro, vindos do Sul, e

monopolizassem o comércio; valor militar na conquista militar da Ásia;

– finalmente, o factor estratégico; tal como o Báltico era o ―calcanhar de Aquiles‖ da Rússia, no

caso de disputa com a Grã-Bretanha, há muito que se sabia que o ponto mais vulnerável do

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Império Britânico era a Índia; Tashkent era considerada a chave para a conquista e o domínio da

Ásia Central.

Começaram também a melhorar significativamente as suas comunicações na Ásia Central: uma

nova linha férrea vinha de S. Petersburgo até Gorki (antiga Nijni Novgorod), no Volga, onde

circulavam cerca de 300 barcos a vapor até ao Mar Cáspio. O modo mais óbvio de ligar a Ásia

Central à Rússia europeia era construir um porto na margem oriental do Cáspio. Eventualmente,

quando Khiva fosse conquistada e os perigosos Turcomenos pacificados, uma linha férrea podia

ser construída através do deserto ligando Bokhara, Samarcanda, Tashkent e Khokand.22

Em 1867, a Rússia vendeu o Alasca aos EUA por sete milhões de dólares, em virtude de,

segundo eles, não ser facilmente defensável nem economicamente viável!…23

Em 1870, renunciou unilateralmente às cláusulas do acordo de paz sobre o Mar Negro, após a

Guerra da Crimeia, o primeiro de uma série de movimentos que iriam fortalecer grandemente a

sua posição política e estratégica na região.

No verão de 1871, ocupou o território muçulmano de Ili (8, Fig. 3), que dominava importantes

passagens para a Sibéria meridional, e que se tinha recentemente rebelado contra a soberania

chinesa. Tinha sido através destes desfiladeiros que as hordas de Genghis Khan tinham, séculos

antes, invadido a Rússia. Este território era também rico em minérios e servia como celeiro

daquela desolada região.

Em 1873, o Czar Alexandre II decidiu efectuar um ataque demolidor a Khiva. Após os revezes

anteriores, em 1717 e 1839, a Rússia não queria falhar, e lançou um ataque de três direcções

diferentes: de Tashkent, de Orenburg e de Kransnovodsk (13, Fig. 3) (hoje Turkmenbashi).

Khiva finalmente capitulou.

Com esta acção, a Rússia adquiriu o controlo da navegação no baixo Amu-Darya, com os

correspondentes benefícios comerciais e estratégicos, bem como o domínio total da margem

oriental do Cáspio. Conseguiu também uma base a partir da qual poderia ameaçar a

independência da Pérsia e do Afeganistão e, à distância, a Índia. Num período de 10 anos, a

Rússia tinha anexado um território com a área de metade dos EUA e conseguido uma barreira

defensiva em toda a Ásia Central, do Cáucaso a Khokand, ocupada em 1875.24

Entretanto, na Europa, a Rússia voltou a envolver-se com as outras potências, devido a

divergências sobre as possessões do Império otomano nos Balcãs. O problema iniciou-se em

1875 na Bósnia-Herzegovina, de onde se espalhou rapidamente à Sérvia, ao Montenegro e à

Bulgária. Tropas turcas mataram e massacraram alguns milhares de cristãos búlgaros. Este

massacre levou o Czar, que se proclamava protector dos cristãos sob soberania turca, a um

conflito latente com o Sultão. Em 1877 os russos declararam guerra à Turquia e iniciaram o

avanço para Constantinopla, através dos Balcãs e, simultaneamente, da Anatólia Oriental. A

resistência turca fracassou e, em 1878, os exércitos russos estavam às portas de Constantinopla,

prestes a realizar o seu sonho de séculos. Porém, encontraram também a esquadra britânica

fundeada nos Dardanelos, o que fez o Czar Alexandre II recuar e aceitar uma trégua com os

turcos. A Bulgária adquiriu a sua independência do Império Otomano, contra a opinião

britânica, e a Rússia conseguiu territórios na Anatólia Oriental. A Áustria-Hungria aliou-se à

Grã-Bretanha sobre o problema da Bulgária, ocupando a Bósnia-Herzegovina, e os britânicos

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colocaram tropas em Malta e ocuparam Chipre, numa tentativa de fazer recuar as tropas russas

de Constantinopla. No final, a crise resolveu-se sem recurso à guerra, tendo o Sultão conseguido

recuperar dois terços do território perdido.25

A tensão voltou a crescer em 1878, quando a Rússia enviou uma missão diplomática a Kabul,

sem convite prévio. A Grã-Bretanha exigiu que o homem forte do Afeganistão, Sher Ali,

aceitasse também uma missão britânica. Esta foi recusada e, em retaliação, uma força de 40 000

homens atravessou a fronteira, iniciando a 2.ª Guerra Anglo-Afegã. Esta incursão foi quase tão

desastrosa como a primeira e em 1881 os ingleses voltaram a retirar de Kabul. O trono foi

oferecido a Abdur Rahman, que aceitou que a Grã-Bretanha orientasse a sua política externa

enquanto ele consolidava a sua posição interna. Conseguiu dominar as rebeliões internas com

eficácia brutal e reunir a maior parte do país sob o governo central.26 Os britânicos tinham

conseguido assim estabelecer um estado-tampão razoavelmente estável e com um líder amis-

toso, ao mesmo tempo que tinham erradicado a influência russa em Kabul.

Em 1879, quatro anos após ter anexado Khokand, a Rússia tentou atacar a cidade turcomena de

Geok-Tepe (9, Fig. 3), no limite Sul do deserto Karakum, a meio caminho entre o Cáspio e

Merv, mas foi rechaçada. Foi a sua pior derrota na Ásia Central desde o ataque de má memória

a Khiva, em 1717.27

Em 1881, os russos cercaram Geok-Tepe de novo, desta vez com êxito. Em 1884 tomaram

Merv, formalmente pertencente à Pérsia, levando finalmente as tribos turcomenas à capitulação

e à submissão à soberania de S. Petersburgo. A rendição de Merv, conseguida de modo

considerado militarmente pouco ortodoxo, foi considerada pelas autoridades britânicas, na Índia

e em Londres, como sendo ―de longe o passo mais importante dado pela Rússia para ameaçar a

Índia‖. Estas preocupações britânicas baseavam-se na linha férrea que os russos tinham

começado a construir na direcção de Merv, que quando completada, podia facilmente fazer a

ligação entre as cidades e guarnições da Ásia Central e transportar tropas até à fronteira afegã.

Após uma longa correspondência diplomática, representantes das duas potências (Comissão

Conjunta da Fronteira Afegã) reuniram-se perto de Merv, com a finalidade de delinear

cientificamente a fronteira entre a Transcáspia russa, a Pérsia e o Afeganistão.28

Em 1884, a expansão russa despoletou nova crise quando ocupou o oásis de Pandjeh, a meio

caminho entre Merv e Herat, no Afeganistão. O Xá da Pérsia, profundamente alarmado pela

agressividade russa, pediu à Grã-Bretanha para ocupar Herat antes dos russos. À beira da

guerra, a Comissão Conjunta acordou que a Rússia devia abandonar Merv, mas podia reter

Pandjeh. O acordo estabelecia a fronteira Norte do Afeganistão no Amu-Darya, com perdas

substanciais de território.29 A Rússia tinha conseguido mais uma vez aquilo que queria,

demonstrando ser mestre na arte do ―facto consumado‖.

Em 1895, Londres e S. Petersburgo chegaram finalmente a acordo sobre a fronteira entre a Ásia

Central russa e o Afeganistão oriental. A ―falha‖ do Pamir estava finalmente fechada.

Em 1907, a Convenção Anglo-Russa finalizou o período clássico do ―Grande Jogo‖, com a

aceitação russa de que a política do Afeganistão ficava sob controlo britânico, e que conduziria

todas as suas relações com aquele país através da Grã-Bretanha, desde que esta garantisse a

permanência do regime. As fronteiras manter-se-iam.

O Caminho-de-Ferro Transcaspiano foi iniciado em 1880. Em 1888 atingiu Bokhara e

Samarcanda e encontrava-se a caminho de Tashkent. A linha férrea corria paralela à fronteira

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com a Pérsia durante cerca de 500 km, representando, com a sua capacidade de transportar

tropas e artilharia, uma ―espada de Damócles‖ sobre a cabeça do Xá. Alterava drasticamente o

equilíbrio estratégico na região.30

Mas a Rússia continuava a sonhar abrir para si todo o Extremo Oriente, com os seus recursos e

mercados, antes dos outros ―predadores‖ o conseguirem. O plano envolvia a construção do

maior caminho-de-ferro jamais visto, o Trans-Siberiano (Fig. 6). Teria mais de 7 200 km de

Moscovo a Vladivostok e seria capaz de transportar mercadorias e matérias-primas em ambos

os sentidos em menos de metade do tempo que demorariam por via marítima, causando assim

sérios embaraços à hegemonia da Grã-Bretanha sobre as rotas marítimas.

Por esta altura, as maiores potências europeias estavam já empenhadas numa corrida

desenfreada para conseguirem a sua parte do moribundo Império Manchu e do que lhe estava

associado. Os alemães, apesar de terem partido tarde na corrida colonial, foram os primeiros a

solicitar uma base naval e uma estação de carvão, algures na costa Norte da China para a sua

frota do Extremo Oriente. Nas escaramuças que se seguiram, a França e a Grã-Bretanha

obtiveram outras concessões, enquanto a Rússia, fazendo o papel de protectora da China, obteve

o porto de águas quentes de Port Arthur (hoje Dalian) (1, Fig. 5) e as terras em redor. Os EUA

juntaram-se também ao ―leilão‖, e adquiriram em 1898 o Hawai, Guam, Wake e as Filipinas,

cobiçadas também por outras potências.

Em 1900, as potências europeias foram apanhadas de surpresa pela ―Revolta dos Boxers‖, um

sentimento de forte ressentimento contra os ―diabos estrangeiros‖ que, tirando partido da

fraqueza da China, estavam a conseguir portos e outros privilégios comerciais e diplomáticos.

Foram massacrados missionários cristãos, o Cônsul francês foi linchado, tendo a revolta sido

dominada por uma força de intervenção de seis países que ocupou Pequim. Porém, a revolta,

apesar de dominada, viria a ter consequências importantes na Manchúria, onde os russos temiam

pelo seu novo caminho-de-ferro e onde, devido a isso, colocaram 170 000 homens.

S. Petersburgo foi fortemente pressionada para retirar esta força após a revolta ter sido

dominada, mas apenas retirou cerca de um terço dela, e com grande relutância. Ficou claro que,

uma vez mais, os russos jogaram no ―facto consumado‖.

O Japão tomou consciência, em meados do século XIX, de que se não quisesse ser colonizado

como a Índia ou despedaçado como a China, devia ter um exército europeu e construir um

império pela guerra.31 Tinha observado com grande apreensão o crescimento militar e naval da

Rússia no Extremo Oriente, que ameaçava directamente os seus próprios interesses na região.

Tinha notado particularmente a infiltração russa na Coreia, o que a colocava perigosamente

perto do seu território. O Japão tinha ainda consciência que o tempo jogava contra si, pois

quando o caminho-de-ferro Trans-Siberiano estivesse concluído, os russos poderiam trazer

tropas em grande número, artilharia pesada e outro material de guerra. Por estas razões, os

responsáveis japoneses decidiram enfrentar a ameaça russa e, em 1904, atacaram sem aviso a

base naval russa de Port Arthur. A Guerra Russo-Japonesa tinha começado.

Brilhantemente liderada pelo Almirante Togo, a frota japonesa, apesar de inferior em número e

do fogo cerrado das baterias de artilharia de terra russa, conseguiu infligir baixas importantes à

frota russa e minar-lhe o moral. Tudo correu mal aos russos. Encontraram-se sitiados e

prisioneiros na base naval fortemente defendida, à medida que os japoneses, tacticamente

superiores e melhor comandados, dominavam o mar. O Czar Nicolau II decidiu então enviar a

frota do Báltico para o Extremo Oriente, à volta de três continentes, numa tentativa desesperada

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de terminar o bloqueio a Port Arthur. O conflito durou 18 meses e, no início de 1905, Port

Arthur capitulou. Um mês depois, caiu o fortemente defendido centro ferroviário de Mukden

(hoje Shenyang) (2, Fig. 5), 400 km a Norte de Port Arthur, que os peritos russos consideravam

praticamente inexpugnável. A perda das suas praças-fortes no Oriente para os ―macacos

amarelos‖ abalou profundamente o prestígio russo no mundo, especialmente na Ásia. As más

notícias chegaram à esquadra do Báltico quando esta se encontrava ainda em Madagáscar.

Apesar disso, foi determinado que esta prosseguisse com a finalidade de reconquistar os mares

do Oriente aos japoneses. Estes, contudo, estavam à sua espera nos Estreitos de Tsushima, entre

a Coreia e o Japão, e infligiram-lhe uma derrota catastrófica. A humilhação russa foi total e o

sonho do Czar Nicolau II de construir um novo império no Oriente pereceu para sempre. A paz

foi mediada pelos EUA e assinado um acordo de paz. Ambos os países acordaram em

abandonar a Manchúria, que foi devolvida à soberania chinesa. Port Arthur e o controlo de

partes do Trans-Siberiano foram transferidos para o Japão. A Coreia foi declarada independente,

apesar de ficar na esfera de influência japonesa. Indirectamente, a Guerra Russo-Japonesa levou

à queda, 13 anos depois, da monarquia russa.

Em Outubro de 1917, a revolução russa levou ao colapso de toda a frente oriental da 1.ª Guerra

Mundial, do Cáucaso ao Báltico. Os bolcheviques rasgaram todos os tratados assinados pelos

seus predecessores. Longe de estar terminado, o ―Grande Jogo‖ recomeçaria com renovado

vigor e uma nova face, pois Lenine pretendia ―pegar fogo ao Oriente‖ com o ―evangelho‖ do

Marxismo.32

Os Czares tinham permitido e apoiado as religiões e as instituições sociais existentes, bem como

jornais e escritos em línguas turcas e persa. Esta descentralização foi destruída pela revolução

bolchevista em 1917, que introduziu novas noções de nacionalidade e dividiu os territórios

etnicamente heterogéneos em regiões administrativas que não respeitaram as etnias existentes.

Em 1936, foram criadas as ―Repúblicas Socialistas Soviéticas‖ da Arménia, Azerbaijão,

Cazaquistão, Geórgia, Quirguizistão, Tadjiquistão, Turcomenistão e Uzbequistão.33

A revolução bolchevique de 1917 anulou os tratados existentes e deu início a uma segunda fase

do ―Grande Jogo‖. A 3.ª Guerra Anglo-Afegã (1919) foi precipitada pelo assassinato do líder de

então, Habibullah Khan. O seu sucessor, Amanullah, declarou independência total e atacou a

fronteira Norte da Índia britânica, embora com pouquíssimos resultados. O Acordo de

Rawalpindi concedeu autodeterminação completa ao Afeganistão em política externa. Em Maio

de 1921, o Afeganistão e a URSS assinaram um tratado de amizade. A URSS fornecia a

Amanullah ajuda monetária, tecnológica e militar, fazendo desvanecer a influência britânica.

Apesar disto, as relações soviético-afegãs continuaram equívocas, tendo Amanullah oferecido

abrigo aos muçulmanos fugidos da URSS, bem como aos nacionalistas indianos exilados.

O Reino Unido impôs sanções económicas e diplomáticas insignificantes, temendo que

Amanullah escapasse à sua esfera de influência e percebendo que a política do governo afegão

era controlar todas as tribos de língua pashtu, de ambos os lados da fronteira.

Com o advento da 2.ª Guerra Mundial, em 1940, os interesses da URSS e do Reino Unido

convergiram na expulsão de um grande contingente não diplomático alemão, tido como

envolvido em actividades de espionagem.

Com o fim da 2.ª Guerra Mundial e o início da ―guerra-fria‖, os EUA substituíram o Reino

Unido como poder global, afirmando a sua influência no Médio Oriente na extracção de

petróleo, contenção da URSS e acesso a outros recursos. Este período foi baptizado por vários

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analistas no início dos anos 1990‘s, como uma luta mais abrangente, o ―Novo Grande Jogo‖,

face à analogia dos acontecimentos envolvendo a Índia, o Paquistão, o Afeganistão e, mais

recentemente, as novas repúblicas da Ásia Central. Segundo Lutz Kleveman, a campanha russa

no Afeganistão foi apenas mais um mero episódio desse ―Novo Grande Jogo‖.34

Hoje, os actores são diferentes e as regras do jogo neocolonial são muito mais complexas do que

as de há um século atrás. Centraliza-se nas reservas energéticas do Mar Cáspio (petróleo e gás

natural). Nas suas margens e nos seus fundos, estão as maiores reservas inexploradas de

combustíveis fósseis.

4. O Eurasianismo

Na geopolítica russa do final do século XIX, o Eurasianismo lutava por se sobrepor às

tendências reformistas pró-ocidentais e ao movimento eslavófilo. O papel ímpar da Rússia era

juntar a rica diversidade da Eurásia numa ―terceira via‖, consistente com a cultura e as tradições

da Ortodoxia e da Rússia.35

Baseado nas ideias de Mackinder, o Eurasianismo procurava estabelecer a identidade ímpar da

Rússia, distinta da Ocidental e focava a sua atenção para Sul e Leste, sonhando numa fusão

entre as populações ortodoxas e muçulmanas.36 Rejeitava categoricamente o projecto do Czar

Pedro para ―europeizar‖ a Rússia, mas os termos em que se idealizava o país eram idênticos aos

de um império europeu, pela simples circunstância que englobava territórios, a maioria dos

quais se localizavam na Ásia, em que um grupo nacional dominava outras nacionalidades

subordinadas. Defendia que a Rússia era claramente não europeia porque a vasta região

ocupada, apesar de situada entre os dois continentes – Europa e Ásia – era geográfica e, logo,

objectivamente separada de ambos. Era um continente em si mesmo, denominado Eurásia; além

disso, a cultura russa tinha sido maioritariamente moldada por influências vindas da Ásia.37

Durante a 1.ª Guerra Mundial, surgiram os primeiros dilemas e ambiguidades, quando a Rússia

se aliou à Grã-Bretanha, à França e aos EUA, lutando contra os seus aliados geopolíticos

naturais – Alemanha e Áustria – com o intuito de libertar os seus ―irmãos eslavos‖ do domínio

turco, mas também mergulhando numa revolução e numa guerra civil catastróficas.38

Estas ideias acerca da geopolítica da Eurásia e do destino do Império Russo, foram retomadas

no período a seguir à 1.ª Guerra Mundial pelo etnólogo e filólogo Nikolai S. Trubetskoy, nobre

russo branco, pelo historiador Peter Savitsky, pelo teólogo ortodoxo G.V. Florovsky e,

posteriormente, pelo geógrafo, historiador e filósofo Lev Gumilev, defendendo a luta cultural e

política entre o Ocidente e o distinto sub-continente da Eurásia, liderado pela Rússia. Aqueles

teóricos da geopolítica eurasiana analisaram com profundidade e atenção os impérios de

Genghis Khan e Otomano, entre outros, tendo-se encontrado várias vezes em Praga com Karl

Haushofer.39 Gumilev foi o criador da ―teoria da etnogénese‖, pela qual as nações são

originárias da regularidade do desenvolvimento da sociedade, e da ―teoria da paixão‖, a

capacidade humana para se sacrificar em prol de objectivos ideológicos. Esteve 16 anos presos

no tempo de Estaline, combateu na 2.ª Guerra Mundial, esteve num campo de concentração nazi

e voltou a cumprir uma sentença de 10 anos no Gulag, por actividades contra a ideologia

marxista-leninista.40

A revolução de 1917 tinha terminado com a existência formal do Império Russo, e Trubetskoy

adaptou o seu pensamento ao novo estado de coisas. Os russos, antes considerados como os

―donos e proprietários‖ de todo o território, passaram a ser ―um povo entre outros‖ que

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partilhavam a autoridade. O conceito de separatismo não era aceitável para Trubetskoy, que

insistia na indivisibilidade da grande região que correspondia à Eurásia, uma ideia de

integralidade geográfica, económica e étnica, distinta quer da Europa, quer da Ásia. Segundo

Savitsky, a Eurásia tinha sido modelada pela Natureza, que tinha condicionado e determinado os

movimentos históricos e a interpenetração dos seus povos, cujo resultado tinha sido a criação de

um único Estado. Devido à unidade da região derivar da Natureza, possuía a qualidade

transcendente dessa mesma Natureza.41

Trubetskoy afirmava que ―o substrato nacional do antigo Império Russo e actual URSS, só pode

ser a totalidade dos povos que habitam este Estado, tido como uma nação multiétnica peculiar e

que, como tal, possuía o seu próprio nacionalismo. Chamamos a essa nação Eurasiana, o seu

território Eurásia e o seu nacionalismo Eurasianismo.‖42

Para Alexander Dugin, o principal ideólogo eurasianista da actualidade, as civilizações

marítimas estiveram sempre ligadas ao ―primado da economia sobre a política‖. Segundo ele,

Mackinder demonstrou claramente que, nos últimos séculos, a cultura marítima foi sinónimo de

―Atlantismo‖, personificado no Reino Unido e nos EUA, defendendo a prioridade do

individualismo, do liberalismo e da ―democracia protestante‖. Ao contrário, o Eurasianismo

pressupunha autoritarismo, hierarquia e comunitarismo, colocando o Estado nacional acima dos

interesses individuais e económicos. Dugin afirmou que a liderança de Lenine tinha um

substrato eurasiano pois, contrariamente à doutrina marxista, preservou a grande unidade do

espaço eurasiano do Império Russo. Por seu lado, Trotsky insistia na exportação da revolução,

na sua mundialização, e considerava a URSS como algo efémero e transitório, algo que

desapareceria perante a vitória planetária do comunismo; as suas ideias traziam, por isso, a

marca do ―Atlantismo‖! Para o mesmo autor, ―a grande catástrofe eurasiana foi a agressão de

Hitler contra a URSS. Após a guerra fratricida e terrível entre dois países geopolítica, espiritual

e metafisicamente chegados, a vitória da URSS foi de facto equivalente a uma derrota‖.43

5. A “Guerra-Fria”

Apesar da ―guerra-fria‖ ter sido primária e fundamentalmente um confronto entre ideologias e

não sobre geopolítica – alguns autores chamam-lhe ―geopolítica ideológica‖ – a Geopolítica

desenvolvida pelos pensadores europeus do final do século XIX foi uma matéria importante

para Estaline. O Pacto de Varsóvia, integrando os países da Europa de Leste na esfera soviética,

insere-se nesse projecto geopolítico como oposição à OTAN, criando uma ―zona tampão‖

(―buffer zone‖) de estados-satélite que impedissem a repetição dos traumas causados pelas

invasões de Napoleão e de Hitler. A ―guerra-fria‖ fez com que a URSS utilizasse meios

militares na sua zona geopolítica para fazer face a levantamentos populares na Polónia, na

Hungria, na Checoslováquia e no Afeganistão, com justificações equivalentes à teoria

americana do ―dominó‖44.

A justificação para esta atitude ficou conhecida como a ―doutrina Brezhnev‖ (1968), onde se

articulavam os limites dentro dos quais os Estados-satélite comunistas da Europa Oriental

podiam operar. Qualquer decisão desses Estados que pudesse por em causa o socialismo nesse

país, os interesses fundamentais do socialismo noutros países, ou o movimento comunista a

nível mundial, justificavam a intervenção militar soviética, estando o exército vermelho apenas

a ajudar o povo a exercer a sua autodeterminação num sentido ideológica e geopoliticamente

correcto.45 ―Cada Partido Comunista é responsável não só perante o seu povo, mas também

perante todos os países socialistas e o inteiro movimento comunista. (…) A soberania individual

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de países socialistas não se pode sobrepor aos interesses do socialismo e do movimento

revolucionário mundiais. (…) Cada Partido Comunista é livre de aplicar os princípios do

Marxismo-Leninismo e do socialismo no seu país, mas não se pode desviar desses

princípios‖46

O ―encarregado de negócios‖ americano em Moscovo em 1946, George Kennan, expôs o seu

conceito sobre a URSS como sendo uma potência com uma determinação e uma necessidade,

históricas e geográficas, de se expandir. Esta era a essência da URSS e nada podia ser feito

contra tal; não se podiam estabelecer acordos com a URSS.47

A partir de 1937, como em muitos outros domínios, a reflexão estratégica deixou de existir na

URSS. A URSS devia ser uma fortaleza, simultaneamente esquadrinhada, fechada no seu

interior (Gulag), e hermeticamente fechada sobre o exterior. O ensino da Geopolítica foi

interdito na URSS, por ser a disciplina maldita de uma Alemanha malévola.48 Toda a ciência se

tornou marxista-leninista, sendo Estaline o grande mestre. Durante os últimos anos do

estalinismo, apesar do aparecimento do átomo e dos foguetões, a reflexão continuou bloqueada.

De facto, o que poderiam pesar tais evoluções nos armamentos face às teorias enunciadas pelo

―genial‖ Estaline? Apenas após a sua morte se retomou, timidamente, a reflexão sobre uma

eventual guerra futura.

A ideia da não-inevitabilidade das guerras entre os dois sistemas políticos foi aflorada por

Estaline apenas na sua última intervenção pública, em Outubro de 1952, provavelmente

influenciado pelas ideias de Malenkov, o seu delfim. Foi a partir dessa altura que os soviéticos

aceitaram o dogma da coexistência pacífica, que iria ser retomado mais tarde, face à evolução

da relação de forças entre os dois sistemas, na qual a arma atómica tinha um lugar de destaque.

Contudo, durante a primeira metade da década de 50, antes de conseguir capacidade nuclear

intercontinental, a URSS viveu aterrorizada pela eventualidade de uma ofensiva ocidental.49

Desde o final da 2.ª Guerra Mundial, uma figura chave na geopolítica soviética foi o General

Sergey M. Shtemenko, que chegou a ser, durante os anos 60‘s, comandante das forças armadas

do Pacto de Varsóvia e Chefe do Estado-Maior General da URSS. Nos seus planos estratégicos,

estava, desde 1948, a penetração económico-cultural no Afeganistão, afirmando que aquele país

tinha um papel geopolítico especial, permitindo o acesso soviético ao Índico. Khrutschev tinha

conceitos geoestratégicos exclusivamente baseados no emprego de mísseis intercontinentais, em

detrimento das outras armas. Estava preocupado com a América Latina e insistia no conceito de

―guerra nuclear intercontinental relâmpago‖. Ao contrário, Shtemenko já tinha alertado que não

seria sensato basear a segurança da URSS apenas em mísseis balísticos intercontinentais.50

Entre o fim dos anos 60‘s e a metade dos anos 80‘s, a marinha soviética conheceu uma ascensão

considerável, resultado da conjugação de um projecto político, de uma visão estratégica para

fazer da URSS uma potência mundial e de uma conjuntura internacional favorável a esse

projecto. ―Khrutschev teve bastante pena de não ter porta-aviões durante a crise de Cuba‖,

dizia-se em Moscovo. Exigiu por isso uma modernização das forças navais e o desenvolvimento

de uma frota de alto mar. Por essa altura, a descolonização criou, principalmente em África,

uma série de vazios políticos que interessava preencher. Este programa de construção naval

reforçou o empenhamento da URSS numa política realmente mundial.

Porém, a própria configuração do território soviético não permitia o acesso permanente a mares

abertos, quer por razões climatéricas (Murmansk e Vladivostok), quer por estarem ―fechados‖

por estreitos controlados pela OTAN (estreitos turcos e dinamarqueses). Além disso, a

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qualidade dos navios não podia rivalizar com a dos EUA. Por isso, apesar do esforço enorme de

aumento da capacidade naval, a URSS nunca conseguiu apresentar-se como uma potência

marítima capaz de conseguir obter o controlo dos mares.51

Um dos herdeiros das ideias geopolíticas e geoestratégicas de Shtemenko foi o Marechal N. V.

Ogarkov, Chefe do Estado-Maior General das forças armadas soviéticas entre 1977 e meados

dos anos 80‘s. Foi ele o responsável pela operação contra a Checoslováquia, em que os serviços

de informações da OTAN foram confundidos por uma desinformação excelentemente

conduzida, e também pela adopção de uma opção doutrinária de guerra convencional limitada

na Europa, como objectivo de planeamento e modernização dos armamentos convencionais.52

Ele afirmava que a função dissuasora das armas nucleares estratégicas era um assunto arrumado

e que era conveniente modernizar os armamentos clássicos. ―Uma guerra mundial pode começar

a ser travada, por um tempo determinado, apenas com armamentos convencionais‖.

Vislumbra-se aqui uma nova concepção estratégica, um conflito desenrolado exclusivamente na

Europa com armas convencionais, justificação para o acréscimo do poder militar convencional

no teatro europeu. Esta dissociação entre guerra total e guerra limitada, fez com que os

soviéticos aceitassem sentar-se à mesa das negociações SALT a partir de 1968. As negociações

sobre a limitação de armas estratégicas contribuíram para o aparecimento de uma nova geração

de pensadores estratégicos militares na URSS.

Mas, para levar a cabo tais operações em profundidade, os soviéticos tinham de contar com o

desenvolvimento muito rápido da tecnologia ocidental de armamentos de nova geração, nos

anos 70‘s e 80‘s. Ora, a indústria soviética de armamento não parecia estar à altura dessa

―revolução industrial‖, face à obsolescência do seu aparelho de produção e dos seus métodos de

gestão. Daí, o grito de alarme de Ogarkov em 1984.

O debate foi pois geopolítico e geoestratégico mas, ao mesmo tempo, orçamental e estrutural, e

surgiu bem antes da SDI.

O discurso de Brezhnev de 18 de Janeiro de 1977 marcou a adopção formal do conceito de

dissuasão na doutrina estratégica soviética. A partir de 1979, multiplicaram-se as referências,

não só à dissuasão, mas também à ideia do absurdo de uma guerra nuclear e à impossibilidade

de obter uma vitória numa tal guerra. Em 1981, Brezhnev afirmou que ―o equilíbrio

estratégico-militar entre a URSS e os EUA, entre a OTAN e o Pacto de Varsóvia, servia

objectivamente a manutenção da paz no planeta‖.

O reconhecimento da dissuasão pelo poder soviético teve como resultado a inércia de nada fazer

em matéria de modernização dos armamentos convencionais e, portanto, indirectamente, em

reformar o conjunto da economia soviética. Mas os dados estratégicos modificaram-se

consideravelmente a partir de 1983, após o lançamento da SDI.53

Na década de 80‘s, tinha surgido uma nova geração de burocratas soviéticos, ansiosos por salvar

o sistema comunista da estagnação, da corrupção e da hiper-extensão imperial (por demais

evidente na campanha militar desastrosa no Afeganistão). O nome mais sonante dessa geração

foi Mikhail Gorbachev. Ao declarar que ―nenhum país detém o monopólio da verdade‖,

assinalou o fim da ―doutrina Brezhnev‖ como o princípio geopolítico orientador das relações

entre a URSS e os regimes comunistas da Europa Oriental.54

Page 24: 72896765 Aleksandr Dugin

A sua chegada ao poder, em 1985, apressou a mudança das atitudes. Para os líderes ocidentais, a

vontade soviética de renunciar à ―Doutrina Brezhnev‖ e de desistir da ―luta anti-imperialista‖ no

Terceiro Mundo, eram sinais evidentes de que a ―perestroika‖ era um facto real.

Quando o comunismo soviético entrou em colapso, Gorbatchev e os seus sucessores lideravam

um Estado suficientemente poderoso para controlar um povo ainda amedrontado, mas

demasiado fraco para administrar uma economia aberta. A evolução que se tem verificado na

Rússia, sobre os escombros do regime comunista, é um processo em que as transformações

políticas e económicas têm acontecido simultaneamente, mas com primazia para as políticas,

tornando-o assim ainda mais difícil. A realidade é que não existe cultura democrática na Rússia.

Há muitos séculos que é um Estado imperial, muito antes de ser comunista. Este facto é

fundamental para se poder analisar com rigor a sua possível evolução.

6. O “Novo” Eurasianismo

O que irá ser a Rússia? Um Estado-Nação ou um império multinacional? Zbigniew Brzezinski

afirma que ―a Rússia será um império ou um estado democrático, mas nunca ambos ao mesmo

tempo‖.55

A evolução da orientação geopolítica da Rússia liga-se à busca de uma identidade pós-soviética

e ao seu lugar no mundo após o colapso do comunismo.

Em grandes linhas, existem duas aproximações quanto às opções geopolíticas da Rússia: os

internacionalistas liberais ou ―ocidentalizadores‖ e os eurasianistas. Os primeiros (Gorbatchev,

Kozyrev, Yeltsin, Trenin, etc.) crêem que os valores ocidentais do pluralismo e da democracia

são universais e aplicáveis à Rússia. Os segundos (Dugin, Zhirinovsky, Zyuganov,

Solzhenitsyn, etc.) têm linhas ideológicas nacionalistas e patrióticas que acreditam que, devido

às particularidades geográficas, históricas, culturais e mesmo psicológicas, a Rússia não pode

ser classificada como Ocidental ou Oriental, sendo um Estado forte e dominante na Eurásia. O

Eurasianismo conseguiu reconciliar filosofias muitas vezes contraditórias como o comunismo, a

religião ortodoxa e o fundamentalismo nacionalista, conquistando adeptos ao longo de todo o

espectro político.

Contra o ―Atlantismo‖, personificando o primado do individualismo, liberalismo económico e

democracia protestante – representado primariamente pelo bloco anglo-saxónico – ergue-se o

―Eurasianismo‖, personificando princípios de autoritarismo, hierarquia e o estabelecimento de

um comunitarismo, sobrepondo-se às preocupações de índole individualista e económica.56

O Partido Eurasianista foi fundado por Alexander Dugin em Maio de 2002, supostamente com

apoio organizacional e financeiro do Presidente Putin que, desde que assumiu a presidência da

Rússia, em Dezembro de 1999, alterou o rumo da política externa de Moscovo. De facto, o

Eurasianismo, essa obscura e velha moldura geopolítica e ideológica, ganhou rapidamente

importância, emergiu como uma força maioritária nos meios da política externa russa e, mais

significativo ainda, é cada vez mais evidente na conduta daquela política pelo Presidente.

Grande parte deste novo alento do Eurasianismo deve-se a Dugin, seu principal ideólogo.

Apesar do seu passado obscuro (antigo membro duma organização radical anti-semita e,

posteriormente, da Revolução Conservadora racista, Dugin é hoje considerado o principal

geopolítico russo e é conselheiro de assuntos internacionais de várias figuras proeminentes da

Duma. As suas ideias têm influenciado o líder do Partido Comunista, Gennady Zyuganov, o

ex-ministro da defesa Yevgeny Primakov, Vladimir Zhirinovsky e outros altos dignatários.

Page 25: 72896765 Aleksandr Dugin

Dugin analisou com profundidade e atenção os trabalhos de Trubetskoy, Savitsky e Florovsky,

adaptou as teorias tradicionais de Mahan e Mackinder e postulou uma luta pelo domínio

internacional entre as potências terrestres – personificadas na Rússia – e as potências marítimas

– principalmente os EUA e o Reino Unido. Como resultado, Dugin crê que os interesses

estratégicos da Rússia devem ser orientados de um modo anti-ocidental e para a criação de um

espaço Eurasiático de domínio russo. Por outras palavras, a Rússia não poderá subsistir fora da

sua essência imperial, pela sua localização geográfica e caminho histórico.57 A Rússia é uma

civilização distinta, diferente do Ocidente nos seus valores culturais, bem como nos interesses e

preocupações de segurança.

A ideia de Mackinder sobre a oposição geopolítica entre potências marítimas e terrestres, foi

levada ao extremo por Dugin, que postulou que os dois mundos não são apenas regidos por

imperativos geoestratégicos antagónicos, mas também são opostos culturalmente. As sociedades

terrestres, teoriza ele, tendem normalmente a ter sistemas de valores e tradições absolutas e

centralizadoras, enquanto que as sociedades marítimas são inerentemente liberais.

Muitos intelectuais russos que um dia pensaram que a vitória da sua pátria seria um resultado

inevitável da história, colocam agora a sua esperança em ver regressar a Rússia à grandeza

numa teoria que é, em muitos aspectos, o oposto do materialismo dialéctico. A vitória será

encontrada na geografia, não na história; no espaço, não no tempo.58

―O novo império eurasiano será construído no princípio fundamental do inimigo comum: a

rejeição do ‗Atlantismo‖, controlo estratégico dos EUA e na recusa em aceitar valores liberais

para nos dominar. Este impulso civilizacional comum será a base de uma união política e

estratégica‖. Dada a presente situação internacional pouco influente da Rússia, Dugin reforça a

necessidade de construir alianças que sirvam para aumentar o domínio político e económico.

Assim, põe ênfase num eixo Moscovo-Teerão e na criação de uma zona de influência iraniana

no Médio Oriente. Na Europa, advoga um eixo Moscovo-Berlim, que vê como essencial para a

criação de um ―cordão sanitário‖ contra a influência ocidental no antigo bloco soviético.59

Por outro lado, o Eurasianismo opõe-se também ao ―wahabismo satânico‖, que ameaça e põe

em risco a sua fronteira Sul, aquilo a que W. Churchill chamou ―o baixo-ventre da Rússia‖, para

onde se dirigem as suas actuais aspirações de hegemonia.60

No respeitante à política externa, o Eurasianismo defende que o caminho que o Ocidente tomou

é destrutivo; a sua civilização é espiritualmente vazia, falsa e monstruosa; por detrás da

prosperidade económica, está uma degradação espiritual total. Os EUA exploraram a mágoa

pelos ataques terroristas de 11 de Setembro, e sob a capa da luta contra o terrorismo, para

fortalecer as suas posições na Ásia Central, zona de influência russa. A Europa, apesar de ser

cultural, social e politicamente chegada aos EUA, tem preocupações geopolíticas,

geoestratégicas e económicas semelhantes à Rússia e à Eurásia.

Quanto à política interna, pretende reforçar a unidade estratégica da Rússia, a sua

homogeneidade geopolítica e a linha vertical de autoridade, reduzir a influência dos clãs

oligárquicos, combater o separatismo e o extremismo, e apoiar a economia nacional.61

O que torna Dugin notório e preocupante é que o seu pensamento faz lembrar, em certos

aspectos, Hitler: fala sobre capitalismo, baseado numa combinação de nacionalismo e

socialismo. As suas teorias foram banidas durante a época soviética pelas suas ligações ao

Nazismo, mas são hoje aceites sem relutância pelo Partido Comunista.62

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O colapso da URSS e o fim da Guerra fria levou a uma alteração dramática na configuração da

geopolítica da Eurásia. Uma das consequências mais importantes dessa alteração foi a aparição

de novas repúblicas independentes na Ásia Central, ao longo da fronteira Sul da Rússia:

Cazaquistão, Quirguizistão, Tadjiquistão, Turcomenistão e Uzbequistão na Ásia Central;

Arménia, Azerbaijão e Geórgia no Cáucaso.

Dada a posição geoestratégica da região, uma área de ligação natural e de trânsito entre a

Europa, o Médio Oriente e a Ásia, ela constitui um elo importante de comércio. Ao mesmo

tempo, os enormes recursos petrolíferos e de gás natural da região, transformaram-na num local

de enorme competição/cooperação.

As determinantes fundamentais da postura russa presentemente, tão evidentes na governação do

Presidente Putin, são o declínio acentuado do seu poder nacional na primeira metade da década

de 90‘s, a enorme prioridade dos problemas económicos e sociais internos, especialmente

durante a presidência de Yeltsin, o conflito na Tchetchénia, o alargamento da OTAN, e o grande

retraimento das suas aspirações externas, juntamente com o fim da ―missão de grande potência‖,

e a prudente avaliação dos ―objectivos/capacidades‖ e dos ―custos/benefícios‖.63

Estas considerações são fundamentais na posição da Rússia face à Ásia Central. A Rússia

sempre considerou a região como o seu ―quintal‖ estratégico, mas não teve os recursos políticos,

económicos e militares para manter a sua influência na década que se seguiu ao colapso da

URSS. De qualquer modo, a Rússia espera manter a sua influência na Ásia Central. A limitada

definição dos seus requisitos de segurança leva a Rússia a ver aquela região como uma ―zona

tampão‖ (―buffer zone‖), em especial das forças do revivalismo islâmico.64

A doutrina consensual da ―vizinhança próxima‖ define que a Rússia quer manter um papel

político, económico e estratégico preponderante naquelas ex-repúblicas da URSS, legitimando

uma intervenção militar, se necessário. Contudo, a incapacidade da Rússia implementar as

necessárias reformas nas suas Forças Armadas e na sua economia, em conjunto com a

hostilidade com que a sua presença é vista, limita as suas possibilidades de cooperação e faz

diminuir a sua influência, em especial no Cáucaso, em detrimento dos EUA. A Rússia vê assim

a sua posição na região ameaçada pela expansão militar americana e da OTAN, bem como pelos

seus próprios problemas internos (a guerra na Tchechénia fez com que as relações com a

Geórgia, a quem acusa abertamente de abrigar terroristas tchetchenos, se deteriorasse muito).

Para contrabalançar esta situação, propôs uma cooperação triangular com a China e com a Índia

através da Organização de Cooperação de Xangai (com Cazaquistão, Quirguizistão e

Tadjiquistão) e estabeleceu uma relação privilegiada com o Irão.

Feng Shaolei afirma que durante a primeira fase do período pós-guerra-fria (1991-1993), o

vácuo geopolítico criado deveu-se à política russa para a região. Fazendo um esforço enorme

para ter relações mais estreitas com os EUA e o Ocidente, a Rússia desperdiçou muitas

oportunidades de preservar a sua influência na Ásia Central, e alcançar a integração económica,

política e militar, pois a maioria dos líderes da região eram antigos colegas de Boris Yeltsin no

Comité Central do Partido Comunista ou tinham obtido as suas posições com a sua ajuda.

Mesmo assim, apesar desta política oficial, a Rússia manteve grande influência.

Na fase seguinte, de 1994 a 1996, a Rússia perdeu o controlo sobre os acontecimentos. As

ex-repúblicas da Ásia Central evoluíram de proto-estados para estados plenos, com os

respectivos atributos.

Page 27: 72896765 Aleksandr Dugin

Ministro dos Negócios Estrangeiros Andrei Kozyrev deu lugar à orientação eurasianista de

Yevgenyi Primakov. A Rússia fez então esforços titânicos para restaurar a sua influência e teve

um papel importante no problema dos oleodutos e gasodutos da região.

A política russa para esta região não se alterou radicalmente até 1999/2000, quando as relações

com o Ocidente caíram para o nível mais baixo, em virtude da crise do Kosovo, dos ataques

extremistas no Quirguizistão e no Uzbequistão e, especialmente, da ascensão de Vladimir Putin

à presidência.

Entretanto, reforçava o seu controlo sobre os oleodutos e gasodutos, utilizando por vezes esse

controlo como um mecanismo para controlar os Estados da região.65

A resposta dos EUA aos ataques terroristas de 11 de Setembro de 2001, fez alterar a geopolítica

global. Segundo D. Trenin, a política externa seguida por Putin a partir dessa data

caracterizou-se por uma inflexão nas suas escolhas estratégicas, dando a sua concordância à

colocação de forças americanas em antigas bases soviéticas na Ásia Central, e apoiando o

Ocidente na sua ―guerra contra o terrorismo internacional‖.66 No pensamento de Putin, a versão

extremista do Islão é uma das maiores ameaças para a Rússia.

Apesar disto, nos seus esforços para manter os EUA longe da região do Cáspio, o Irão

encontrou um aliado inesperado na Rússia. Ambos puseram temporariamente as suas

divergências de lado, para fazer frente às actividades americanas na área. A aliança

russo-iraniana pode aliás considerar-se um dos mais importantes factos geopolíticos do

pós-guerra-fria. Para a Rússia, uma relação estreita com o Irão pode considerar-se como uma

reacção à expansão da OTAN para a Europa Oriental. O fornecimento de material militar

convencional e de tecnologia nuclear russa ao Irão é um dos aspectos fulcrais desta aliança, já

que muito poucos países estão interessados em fornecer armas ao regime dos ―ayatollahs‖. O

Irão confia na Rússia como fornecedor de armamento, dado não existirem muitos países que o

queiram fazer; a Rússia também vê vantagens e lucros no fornecimento de armamento, nuclear

inclusive, ao Irão.

A possível influência iraniana no fundamentalismo islâmico, na opinião pública russa, é

bastante limitada e claramente exagerada pelos políticos ocidentais. Em primeiro lugar, os

iranianos são etnicamente Indo-Arianos e, portanto, bastante diferentes de outras etnias da

região Sul da ex-URSS, que são de origem turca ou caucasiana, à excepção dos Tadjiques. Em

segundo lugar, o Irão pertence à facção Shiita do Islão, ao passo que a maioria da população

muçulmana da Ásia Central (à excepção do Azerbaijão) é Sunita. Em terceiro lugar, as elites

locais não pretendem adoptar a forma de governo teocrática imposta no Irão. Em quarto lugar, o

Irão não está economicamente em posição de iniciar uma modernização estrutural na Ásia

Central e no Cáucaso, apesar de possuir divisas dos petro-dólares.

Muitos políticos e peritos russos estão bastante mais alarmados com a Turquia, devido à sua

proximidade geográfica, cultural, étnica e religiosa à maioria das ex-repúblicas soviéticas, bem

como o seu potencial económico e apoio político ocidental. Além disso, o modelo secular de

desenvolvimento turco pode atrair os regimes da Ásia Central que procuram exemplos para

seguir.67

7. O Petróleo

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Sabia-se da existência de petróleo no Cáucaso e na Ásia Central desde o século XIII e foi factor

importante no ―Grande Jogo‖ do século XIX. No final deste século, com as capacidades

tecnológicas aumentadas, a exploração das reservas petrolíferas emergiram como um factor

primordial na competição, e o Jogo intensificou-se.

Até ao início do século XX, a principal actividade económica da Ásia Central estava ligada ao

algodão, ao curtimento de couro, ao processamento da lã e à fiação da seda. Durante a 1.ª

Guerra Mundial, os alemães tentaram conquistar a região petrolífera de Baku, na margem

ocidental do Mar Cáspio, para continuar a alimentar o esforço de guerra, o que não

conseguiram. Na 2.ª Guerra Mundial, Hitler parece ter tido a mesma determinação, estando

consciente em 1942 que, se falhasse o controlo do petróleo do Cáucaso, perderia a guerra.68

A data crítica para o petróleo deu-se em 1912, quando a Marinha Inglesa decidiu converter a

propulsão dos navios de combate do carvão para o petróleo. Esta transição deu aos navios

britânicos uma vantagem significativa em velocidade e autonomia sobre os seus adversários, em

especial a Alemanha. Mas, por outro lado, colocou a Londres um outro dilema: se bem que

bastante rica em carvão, a Grã-Bretanha tinha poucos recursos petrolíferos domésticos e ficava

dependente de importações.

Expandiu os seus interesses petrolíferos ao Golfo Pérsico e fortaleceu a sua posição na Pérsia

(hoje Irão). A França, por seu turno, conseguiu concessões importantes em Mosul, no Noroeste

do Iraque, enquanto a Alemanha e o Japão planeavam abastecer-se na Roménia e nas Índias

Orientais Holandesas (hoje Indonésia). A tentativa japonesa de se abastecer nas Índias Orientais

Holandesas levou à imposição de um embargo de exportações para o Japão o que, por seu turno,

persuadiu os japoneses que uma guerra com os EUA era inevitável, levando-os ao ataque de

surpresa a Pearl Harbor. No teatro europeu, a desesperada necessidade da Alemanha em obter

petróleo, levou à invasão da Rússia em 1941, para alcançar Baku.

A riqueza mineral da Ásia Central só foi, na realidade, apenas descoberta a partir de meados do

século XX pois, até aí, estava restrita à margem ocidental do Mar Cáspio, junto ao Cáucaso.69

As reservas de petróleo e de gás natural da região do Mar Cáspio são sem dúvida significativas.

Nos cinco países que circundam aquele mar (Azerbaijão, Cazaquistão, Irão, Rússia e

Turcomenistão) estão comprovados cerca de 154×109 de barris de petróleo70 e cerca de

76,5×1012 de metros cúbicos de gás natural. Em termos de percentagem, aqueles cinco países

possuem cerca de 15% das reservas mundiais comprovadas de petróleo, e cerca de 50% das de

gás natural.71

Estes vastos recursos energéticos transformaram a região numa área de grande competição e de

cooperação, entre actores estatais e não-estatais, pelo controlo daqueles recursos. O fim da

―guerra-fria‖, o processo de globalização e a internacionalização das actividades do Estado

como consequência principal daquela, transformaram o modo como o mundo pode ser

compreendido, levando a uma reformulação do conceito de geopolítica. Este contexto

―pós-guerra-fria‖ é pertinente para compreender a actual geopolítica da Ásia Central.72 Novos

Estados, sem experiência anterior de independência, numa região onde a dissolução da URSS

criou um vazio de poder.73 De facto, a conquista da soberania alcançada pelas ex-repúblicas

soviéticas não foi apoiada e baseada em regras, normas e mecanismos políticos apropriados que

assegurem uma coabitação civilizada entre a Rússia e os novos estados.

8. O Futuro

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As orientações políticas russas emergentes ligam-se à busca de uma identidade nacional

renovada e do seu lugar no mundo e nos assuntos internacionais, após o colapso soviético. Daí o

ressurgimento de um discurso Eurasianista na política externa, após a chegada de Putin à

presidência. Esta alteração foi posteriormente acentuada com as alterações geopolíticas

introduzidas pela administração Bush como resposta aos ataques terroristas de 11 de Setembro

de 2001. Parece óbvio que a Rússia fez uma ―escolha estratégica‖ ao emparceirar com o

Ocidente na ―guerra contra o terrorismo internacional‖.

As maiores preocupações da Rússia dizem respeito ao controlo das rotas de exportação dos

recursos energéticos. O maior objectivo de Moscovo é assegurar que uma parte significativa dos

recursos energéticos do Cáspio seja transportada pelo sistema russo de oleodutos para o Mar

Negro e, daí, para a Europa. Porém, o sistema existente de oleodutos e gasodutos da era

soviética é considerado como obsoleto, feitos com materiais de qualidade duvidosa e com

manutenção de má qualidade técnica, que se estão a deteriorar com o tempo. As novas

repúblicas procuraram por isso outras opções para se distanciar e não depender da Rússia, e

serem capazes de alcançar mercados diversificados.

Para tentar manter a sua influência nas exportações dos produtos energéticos, a Rússia apoia

apenas oleodutos que passem através do seu território.74 Todavia, as tentativas russas para

retardar os projectos de desenvolvimento liderados por outras potências, levaram ao estudo de

rotas alternativas para levar os recursos até aos mercados, prejudicando a posição da Rússia

como potência dominante na região e fazendo-a perder o controlo sobre os recursos energéticos

da região e do seu transporte.75

Para a Rússia, os alvos geopolíticos primários para a subordinação política parecem ser o

Cazaquistão e o Azerbaijão. A subordinação deste último ajudaria a ―selar‖ a Ásia Central do

Ocidente, especialmente da Turquia. O Azerbaijão, encorajado pela Turquia e pelos EUA,

rejeitou os pedidos russos para a manutenção de bases militares no seu território e desafiou

também as exigências daquele país para um único oleoduto com terminal no porto russo de

Novorossiysk, no Mar Negro. A acrescentar ao oleoduto de Baku para Supsa, na Geórgia, a

Turquia, o Azerbaijão e a Geórgia assinaram em 1999 um acordo para a construção de um

oleoduto ligando Baku ao porto turco de Ceyhan, no Mediterrâneo, evitando assim

definitivamente o território russo. Moscovo sentiu isso como uma humilhação geopolítica que

prenunciava uma grave perda de influência no Cáucaso.76 É neste contexto que se encontra a

explicação mais plausível para os recentes problemas de fornecimento de gás natural à Geórgia

e para o diferendo com a Ucrânia sobre o mesmo combustível.

A vulnerabilidade étnica do Cazaquistão (cerca de 40% da população é russa) torna quase

impossível uma confrontação aberta com Moscovo, que pode também explorar o receio do

Cazaquistão sobre o crescente dinamismo da China. Para tentar diminuir as iniciativas

unilaterais de desenvolvimento das novas repúblicas, nomeadamente as duas referidas atrás, tem

utilizado também a incerteza quanto ao regime legal do Mar Cáspio, ainda por acordar.

Ao bloquear ou atrasar novos projectos de oleodutos, a Rússia conseguiu vencer praticamente

todos os negócios energéticos, com investimentos pequenos. Porém, o actual sistema de

oleodutos não possui a capacidade para o aumento de produção que se prevê para o Cazaquistão

e para o Azerbaijão e, se tiverem de construir mais, a Rússia gostaria que passassem por

território seu.77

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A Tchetchénia era uma região autónoma gozando já de uma larga autonomia, quando declarou

unilateralmente a sua independência em 1994. A Rússia decidiu resolver o assunto pela força

por duas razões principais: em primeiro lugar porque, se a Tchetchénia fosse autorizada a sair da

Federação Russa, seria um perigoso precedente que outras repúblicas predominantemente

islâmicas do Norte do Cáucaso (Tcherkessia, Dagestão, Kabardin-Balkar, etc.) poderiam querer

seguir; em segundo lugar, a Tchetchénia é um ponto nevrálgico na rede de oleodutos vindos do

Cáspio.

Se a materialização dos planos do oleoduto para Oeste falhar, todo o petróleo do Azerbaijão irá

continuar a ser transportado pelo único oleoduto existente para o mar Negro, e esse atravessa a

Tchetchénia. Se a Rússia quiser lucrar com o aumento de produção no Azerbaijão, tem de

manter o controlo da república a todo o custo. Grozny, capital da Tchetchénia, é o centro de

uma importante rede de oleodutos que liga a Sibéria, o Cazaquistão, o Cáspio e

Novorossiysk.78

Outra ameaça séria à Rússia é o trânsito, importação e consumo de droga. De acordo com

estimativas da ONU, dois ou três toneladas de heroína pura são transportadas anualmente da

Ásia Central. Apenas há seis ou sete anos, a Rússia era principalmente um país de passagem no

fornecimento de droga à Europa. Actualmente, é já um consumidor importante.79

Neste contexto, as prioridades de Putin parecem ser: a recuperação da economia russa; a

restauração da Rússia enquanto grande potência; combater o fundamentalismo islâmico;

controlar e eliminar as rotas do tráfico de estupefacientes; estabelecer um novo relacionamento

de segurança com a Europa e com a OTAN; e resolver a questão nuclear estratégica com os

EUA.

No plano político, a Rússia tentou avançar primeiro e rapidamente para a reforma política e

chegou a um presidencialismo ―inflacionado‖, reduzindo os poderes das outras instituições

governativas.

No plano económico, a Rússia não aprendeu as duas lições fundamentais que se podem extrair

da experiência histórica da evolução da democracia: promover um desenvolvimento económico

autêntico e sustentado e construir instituições políticas transparentes e equilibradas. A Rússia

falhou em ambos os aspectos. Está a fazer o contrário da China, que está a reformar a sua

economia antes do sistema político.80

No âmbito da política de segurança, o fundamentalismo islâmico constitui a maior preocupação

da Rússia. Os líderes russos consideram os ―talibans‖ do Afeganistão e movimentos similares

como ameaças ao Cáucaso e às recém-independentes repúblicas da Ásia Central, antigas

repúblicas soviéticas e ainda regiões de grande relevância para a segurança da Rússia.

Estas preocupações levaram Putin a tratar os ataques terroristas de 11 de Setembro de 2001

como uma oportunidade para cooperar com o Ocidente relativamente ao desafio

fundamentalista que, de qualquer modo, sentia já estar no seu caminho.81 Após aquele evento, a

Rússia começou a ajudar os EUA no problema afegão, passando toda a informação que possuía

sobre terroristas islâmicos e a sua experiência no montanhoso país. Pela primeira vez desde o

início da 2.ª Guerra Mundial, ambos os países tinham um inimigo comum! A Rússia concordou

mesmo com a presença de tropas americanas no Uzbequistão e no Quirguizistão, porque

Washington não conseguiu arranjar uma infra-estrutura militar no Paquistão.82

Page 31: 72896765 Aleksandr Dugin

Por outro lado, todavia, não hesitou em entrar em conflito com a Ucrânia, ameaçando cortar o

fornecimento de gás natural, facto que não deixa de conter dois alertas: a afirmação de que não

prescinde de continuar a manter a Ucrânia na sua esfera de influência, e um sério aviso à UE,

face à profunda dependência energética desta.

Porém, para a Rússia, a política internacional ainda é um ―jogo de soma zero‖: se houver

vencedores, tem de haver vencidos.

As elites ocidentais têm ultimamente empreendido uma intensa campanha na opinião pública

contra Putin, desde que ele nacionalizou a Yukos Oil – após a declaração de falência desta em

2006 – e a colocou sob o controlo da Gazprom (empresa controlada pelo Estado, que detém

51% das acções), que se está a tornar numa das maiores empresas petrolíferas do mundo.

Esta medida deu-lhe grande popularidade interna (mais de 70% de concordância com a decisão)

e teve um efeito benéfico na estabilização do rublo e no aumento do nível de vida. Muitos

russos recordam ainda as experiências falhadas de ―mercado livre‖ de Yeltsin, que desbarataram

a riqueza nacional e que contribuíram bastante para o declínio económico e para a perda de

prestígio internacional da Rússia.

Putin está a abrir os mercados russos e a procurar satisfazer as grandes empresas petrolíferas,

fazendo, ao mesmo tempo, crescer a economia russa. Crê que ―a dependência mútua fortalece a

segurança energética do continente europeu, criando boas perspectivas para a aproximação

noutras áreas‖.

O Ocidente tem criticado Putin por ter utilizado o petróleo e o gás natural para enviar

―mensagens‖ à Geórgia e à Ucrânia. O vice-presidente americano, Dick Cheney, chamou-lhe

mesmo ―chantagem‖. De qualquer modo, não é sensato irritar o homem que aquece as nossas

casas e que abastece os nossos carros.

Tem razão, mas não estará a ser um pouco ingénuo? Várias civilizações têm sido trituradas para

satisfazer a gula e a cobiça mundiais pelo petróleo. Poderá a Rússia ser poupada?83

Por seu lado, a Rússia tem-se oposto tenazmente à política externa dos EUA, em assuntos que

vão do Irão ao Sudão, ao Kosovo e à Coreia do Norte. Putin tem declarado que pretende um

número multipolar, em vez de um unipolar. Contudo, nem a Coreia do Norte, nem o Sudão, nem

o Irão têm importância estratégica fundamental para a Rússia; servem apenas para que possa ter

uma voz de oposição oficial à política externa intervencionista americana. O objectivo de longo

prazo é reestabelecer a influência internacional da Rússia.

A Cimeira UE-Rússia, realizada em Outubro de 2007 em Lisboa, veio desbloquear alguns

problemas existentes, tais como garantias quanto ao abastecimento energético à Europa e o

levantamento do embargo da Rússia sobre carne e frescos da UE, nomeadamente da Polónia.

Alexander Dugin - Citação

Regnum, o Império do Fim; eis aqui o perfeito cumprimento da maior revolução da história,

enquanto continental e universal. Falamos do retorno dos arcanjos, a ressurreição dos heróis,

da revolta dos corações contra as ditaduras da razão. Esta Última Revolução é tarefa do

Acéfalo, o portador sem cabeça da Cruz, da Foice e do Martelo com a Espada e coroado pelo

Sol da Suástica Eterna.

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A Necessidade da Quarta Teoria Política

por Leonid Savin

A atual crise financeira mundial marca a conclusão do dano feito pela ideologia liberal que,

tento aparecido durante a época do Iluminismo Ocidental, por décadas dominou a maior parte

do planeta.

Vozes perturbantes e criticismo começaram durante o final do último século, com o nascimento

de fenômenos como a globalização e o unimundialismo. Este criticismo soou não somente de

oponentes externos – conservadores, Marxistas e povos indígenas –, mas começou dentre o

campo da comunidade Ocidental. Pesquisadores perceberam que o moderno choque de

globalização é a conseqüência do liberalismo universal, que se opõe a qualquer manifestação de

distinções. O programa último do liberalismo é a aniquilação de quaisquer distinções. Por isso,

o liberalismo mina não somente o fenômeno cultural, mas também o próprio organismo social.

A lógica do liberalismo Ocidental contemporâneo é aquela do mercado universal desprovido de

qualquer cultura que não seja aquela do processo de produção e consumo. [1]

A experiência histórica provou que o mundo liberal Ocidental tentou forçosamente impor sua

vontade sobre todos os outros. De acordo com esta idéia, todos os sistemas públicos no Mundo

são variantes do sistema – liberal – Ocidental [2], e suas características distintas devem

desaparecer antes da aproximação da conclusão desta época mundial. [3]

Jean Baudrillard também declara que este não é o choque de civilizações, mas a quase

resistência inata entre uma cultura homogênea universal e aqueles que resistem a esta

globalização. [4]

Ideologias Universais

Além do liberalismo outras duas ideologias são conhecidas por terem tentando atingir a

supremacia mundial: Nomeadamente, o Comunismo (isto é, o Marxismo em seus vários

aspectos) e o Fascismo/Nacional-Socialismo. Como Aleksandr Gelyevich Dugin bem observa, o

Fascismo surgiu após as duas outras ideologias e desapareceu antes delas. Após a desintegração

da URSS, o Marxismo que nasceu no século XIX foi definitivamente desacreditado também. O

liberalismo, baseado principalmente em uma sociedade individualista e atomista, nos direitos

humanos e no Estado-Leviatã, descrito por Hobbes, emergiu por conta do bellum omnium

contra omnes [5] e há desde então se manteve a isso.

Aqui é necessário analisar a relação das ideologias supracitadas no contexto da época e locos

dos quais elas emergiram.

Sabemos que o Marxismo foi de certa forma, uma idéia futurística – o Marxismo profetizava a

futura vitória do comunismo em uma época que, contudo, permaneceu incerta. Neste respeito, é

uma doutrina messiânica por ver a inevitabilidade de sua vitória, que conduziria à culminação e

ao fim do processo histórico. Mas Marx foi um falso profeta, e a vitória nunca aconteceu.

O Nacional-Socialismo e o Fascismo, ao contrário, tentaram recriar a abundancia de uma mítica

Era Dourada, mas com uma forma modernista [6]. Fascismo e Nacional-Socialismo foram

tentativas de inaugurar um novo ciclo, lançando as bases para uma nova Civilização como

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conseqüência do que foi visto como o declínio cultural e a morte da Civilização Ocidental

(assim, de forma mais apropriada com idéia do Reich de Mil anos). Isto foi abortado também.

O Liberalismo (como o Marxismo) proclamou o fim da história, mais convenientemente

descrita por Francis Fukuyama (o Fim da história e o último homem) [7]. Tal fim, contudo,

nunca aconteceu; e temos, ao invés disso, um tipo nômade de ―sociedade da informação‖,

composta de indivíduos egoístas atomizados [8], que consomem avidamente os frutos da técno-

cultura. Além disso, colapsos econômicos tremendos acontecem em todo o mundo; conflitos

violentos ocorrem (muitas revoltas locais, mas também guerras de longo termo em escala

internacional); e assim, o desapontamento domina nosso mundo ao invés da utopia universal

prometida em nome do ―progresso‖ [9].

A Quarta Teoria Política e o Contexto do Tempo

Como deveriam os especialistas da nova quarta teoria política enquadrar suas análises no

contexto das épocas do tempo histórico? Deveria ser a união com a eternidade, sobre a qual o

teórico conservador-revolucionário Arthur Moeller van den Brück expõe em seu livro Das

Dritte Reich.

Se os humanos considerarem a si mesmos e ao povo ao qual pertencem não como algo

momentâneo, entidades temporais, mas em ―perspectiva da eternidade‖, então eles serão

libertados das desastrosas conseqüências da abordagem liberal para a vida humana, onde os

seres humanos são considerados a partir de um ponto de vista estritamente temporal. Se a

premissa de A. Moeller van den Brück for alcançada, nós devemos ter então uma nova teoria

política, cujos frutos serão simultaneamente conservadores e portadores dos novos valores que

nosso mundo desesperadamente necessita.

De tal perspectiva histórica, é possível entender os elos entre a emergência de uma ideologia

dentro de uma época histórica particular; ou o que foi chamado de zeitgeist, ―espírito da era‖.

O Fascismo e o Nacional-Socialismo perceberam as fundações da história no estado (Fascismo)

ou na raça (Nacional-Socialismo Hitlerista). Para os Marxistas era a classe trabalhadora e as

relações econômicas entre as classes. O Liberalismo, por outro lado, vê a história em termos do

indivíduo atomizado, separado de um complexo de herança cultural, contato inter-social e

comunicação. Contudo, ninguém considerou como sujeito da história o Povo como um Ser, com

toda a riqueza dos elos interculturais, traduções, características étnicas e cosmovisão.

Se considerarmos as várias alternativas, até mesmo países nomeadamente ―socialistas‖

adotaram mecanismos e modelos liberais que expuseram regiões com um modo de vida

tradicional a uma acelerada transformação, deterioração e obliteração total. A destruição do

campesinato, religião e laços familiares pelo Marxismo foram manifestações deste rompimento

das sociedades orgânicas tradicionais, seja na China Maoísta ou na URSS sob Lênin e Trotsky.

Esta oposição fundamental à tradição, incorporada em ambos, liberalismo e Marxismo, pode ser

entendida pelo método de análise histórica considerado acima: tanto o liberalismo quanto o

Marxismo emergiram do mesmo zeitgeist na instância destas doutrinas, do espírito do dinheiro

[10].

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Alternativas ao Liberalismo

Muitas tentativas de criar alternativas ao neoliberalismo são agora visíveis – o socialismo

Libanês de Jamahiria, o Xiismo político no Irã, onde o principal objetivo do estado é aceleração

para a chegada do Mahdi e a revisão do socialismo na América Latina (as reformas na Bolívia

são especialmente indicativas). Estas respostas anti-Liberais, no entanto, são limitadas dentro

das fronteiras do Estado-Nação singular em questão.

A antiga Grécia é a fonte de todas as três teorias da filosofia política. É importante entender que

no principio do pensamento filosófico, os Gregos consideravam primeiramente a questão do

Ser. Contudo, eles arriscaram o ofuscamento pelas nuances das altamente complicadas relações

entre o ser e o pensamento, entre o puro ser (Seyn) e sua expressão na existência (Seiende); entre

o ser humano (Dasein) e o próprio ser em si (Sein). [11]

Por isso, a renúncia ao (neo) Liberalismo e a revisão das antigas categorias e, talvez, de toda

Filosofia Ocidental são necessárias. Nós deveríamos desenvolver uma nova ideologia política

que, de acordo com Alain de Benoist, será o Novo (Quarto) Nomos da Terra. O filósofo Francês

está certo em sua observação de que a reconsideração positiva da identidade coletiva é

necessária; para o nosso inimigo não é ―o outro‖, mas uma ideologia que destrua todas as

identidades. [12]

É digno de nota que três ondas de globalização foram os corolários das três teorias políticas

supramencionadas (Marxismo, Fascismo e Liberalismo). Como resultado, depois disso nós

precisamos de uma nova teoria política, que geraria a Quarta Onda: o restabelecimento do Povo

(todos eles) com seus valores eternos. E, é claro, após a consideração filosófica necessária, a

ação política deve acontecer.

_____

Fonte: Necessity of the Fourth Political Theory

Leonid Savin é o Administrador Chefe do ―Movimento Eurasiano Internacional‖; Editor Chefe

da ―Geopolítica do pós-modernismo‖, internet media (www.geopolitica.ru); Especialista Sênior

no Centro de Pesquisa Geopolítica e Parceiro no Centro de Estudos Conservadores da

Faculdade de Sociologida da Univercidade Estadual de Moscou.

Publicado na revista Ab Aeterno No. 3.

[1] Gustav Massiah, ―Quelle response a la mondialisation‖, em Après-demain (4-5-1996),

p.199.

[2] Por exemplo, a insistência que todos os estados e povos deveriam adotar o sistema

parlamentar Inglês de Westminster como um modelo universal, independentemente de tradições

ancestrais, estruturas sociais e hierarquias.

[3] ―Les droits de l´homme et le nouvel occidentalisme‖, em L’Homme et la société (numéro

spécial [1987]), p.9

[4] Jean Baudrillard, Power Inferno, Paris: Galilée, 2002. Também veja, por exemplo Jean

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Baudrillard, ―The Violence of the Global‖. ().

[5] Em Português: A guerra de todos contra todos.

[6] Por isso o criticismo do Nacional-Socialismo e do Fascismo por Tradicionalistas de Direita

como Julius Evola. Ver K. R. Bolton, Thinkers of the Right, (Luton, 2003), p.173.

[7] Francis Fukuyama, The End of History and the Last Man , Penguin Books, 1992.

[8] G Pascal Zachary, The Global Me, NSW, Australia: Allen and Unwin, 2000.

[9] Clive Hamilton, Affluenza: When Too Much is Never Enough, NSW, Australia: Allen and

Unwin, 2005.

[10] Este é o significado da declaração de Spengler, de que ―Herein lies the secret of why all

radical (i.e. poor) parties necessarily become the tools of the money-powers, the Equites, the

Bourse. Theoretically their enemy is capital, but practically they attack, not the Bourse, but

Tradition on behalf of the Bourse. This is as true today as it was for the Gracchuan age, and in

all countries…‖ Oswald Spengler, The Decline of the West (London: George Allen & Unwin,

1971), Vol. 2, p. 464.

[11] Note Martin Heidegger nestes termos.

[12] – Ален де Бенуа (Alain de Benoist), Против Либерализма (Contra o Liberalismo), São

Petersburgo: Амфора, 2009, pp.14 -15.

Entrevista à Dugin

Entrevista à Alexander Dugin, por Christian Bouchet

Doutor em história das ciências e em ciência política, desde há muito director do Centro de

Análise Geopolítica da Duma, Aleksandr Dugin é titular da cátedra de geopolítica na

Universidade Lermontov de Moscovo (Universidade Estatal de Moscovo). O teórico mais

conhecido do neo-eurasismo, é considerado como tendo uma grande influência nos meios

políticos e militares russos. Foi publicada, muito recentemente, a sua primeira obra em língua

portuguesa: A Grande Guerra dos Continentes, pela Antagonista Editora.

Christian Bouchet: Obrigado por ter aceitado responder às nossas questões. Há tantos

acontecimentos políticos e geopolíticos sobre os quais gostaríamos que nos esclarecesse,

que nos é difícil começar…

Em 29 de Março último, a cidade de Moscovo foi vítima de duas explosões terroristas em

estações de metro. No Ocidente, a pista dos islamitas do Cáucaso foi a única a ser

privilegiada pela comunicação social de massas, contudo, algumas vozes discordantes

afirmaram que se tratavam de acções «sob falsa bandeira» e que os incitadores de tais

atentados bem podiam ser os serviços secretos georgianos, senão mesmo a CIA.

O que é que sabe acerca disto e qual é a sua opinião?

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Aleksandr Dugin - A participação de islamitas nesses atentados é quase certa e Doku Umarov

reinvindicou a sua responsabilidade. Existem, com efeito, no Cáucaso do Norte – no Daguestão,

na Ingúchia e na Chechénia – pequenos grupos islamitas que continuamente travam uma luta

armada contra a Rússia.

Ao mesmo tempo, também é certo que os serviços secretos georgianos, que se querem vingar da

derrota do seu País na Ossétia do sul e na Abecásia, estão cada vez mais implicados no apoio a

estas guerrilhas islamitas.

Para além disso, nos estados Unidos, com Barack Obama, e os democratas no poder, os

apoiantes de Zbigniew têm de novo influência. E estes são favoráveis a um apoio aos rebeldes

islamitas na Rússia a fim de desestabilizar a Federação Russa, tornando-a mais dependente do

Ocidente.

Assim sendo, podemos pois, de uma forma mais ou menos esquemática, resumir a situação da

seguinte maneira: os atentados de Moscovo foram, segundo tudo indica, cometidos por

islamistas com o apoio da Geórgia e o incitamento de Washington.

Christian Bouchet – O governo saído da revolução laranja, dita das túlipas, acaba de cair

no Quirguistão e o governo alaranjado ucraniano teve recentemente uma amarga derrota

eleitoral. Parece que os governos originados por revoluções coloridas estão todos em

dificuldades. Será isto correcto, e já agora generalizado? Poderemos pensar que tal se

insere numa mudança geral de orientação das repúblicas originadas pela implosão da

União Soviética?

Aleksandr Dugin - O que se passou no Quirguistão foi consequência das correlações de força

geopolíticas e domésticas.

É evidente que quer a Rússia quer os Estados Unidos têm interesse em controlar o governo de

Bichkek em exercício. Washington depende muito da base de Manas para os aviões militares

que intervêm no Afeganistão. Moscovo quer controlar essa base para que Bichkek não se

arrogue demasiadas liberdades.

Contudo, não creio que por detrás dos motins se possa discernir a mão dos russos ou dos

americanos. Bakiev tinha falhado na reorganização do seu País e na consolidação da sociedade.

Era odiado por uma parte importante dos Quirguizes e havia razões bastantes, ligadas à sua

política interna, para justificar o eclodir dos motins.

Rosa Otumbaeva que acaba de lhe suceder é, simultaneamente, liberal, pró-russa e pró-

americana.

Actualmente, procura o apoio de Putin, mas ninguém sabe como é que ela se irá comportar de

seguida, nem tão pouco se conseguirá manter o poder por muito tempo.

Para mais, O Quirguistão está dividido em duas regiões, setentrional e meridional. Nesta última,

há muitos islamitas e a etnia uigur tem aí lugar de destaque. Bakiev, que é originário dali,

refugiou-se lá antes de se exilar na Bielorrússia. Portanto não é de excluir que possa estalar, a

termo, uma guerra civil entre o Sul e o Norte.

No que às outras repúblicas ex-soviéticas diz respeito, é preciso sublinhar uma coisa importante:

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é a Rússia e não os Estados Unidos que garante a integridade desses países. Se os seus

dirigentes simpatizam com Moscovo não têm problemas de separatismo. É o caso do

Cazaquistão, da Arménia, da Bielorrússia. Pelo contrário, os países cujos dirigentes são hostis à

Rússia – como a Moldávia, a Geórgia, a Ucrânia, no tempo de Yuschenko, ou o Azerbaijão –

são ameaçados pelo separatismo. Basta que modifiquem a sua atitude face a Moscovo para que

os seus problemas acabem. Hoje em dia apenas Saakachvili se recusa a compreende-lo,

continuando a lutar contra Moscovo. É isto que pode explicar a continuação da ameaça à

integridade da Geórgia, já depois da Ossétia e da Abecásia terem declarado a sua independência,

pelo secessionismo da Mingrélia, da Svanétia e da Javakhetia arménia.

Creio que a ineficácia das revoluções coloridas já ficou provada. Não conseguiram instaurar

governos estáveis. Deste ponto de vista creio que a Rússia ganhou o combate de influências no

espaço pós-soviético.

Christian Bouchet – O discurso de Vladimir Putin em Katyn teria um significado

particular a nível geopolítico? A ser esse o caso, o acidente de avião que causou a morte do

presidente da República Polaca, é de molde a modificar as relações entre Moscovo e

Varsóvia?

Aleksandr Dugin - No que a Katyn diz respeito, Putin já tinha admitido a culpabilidade russa.

Somente o repetiu. Por seu lado, Lech Kaczynsky queria utilizar a ocasião proporcionada pelo

aniversário do acontecimento para, uma vez mais, criminalizar os russos e os soviéticos. Para

ele era um pretexto simbólico da mais alta importância. Também simbolicamente não se poderia

imaginar um acontecimento que melhor pudesse demonstrar à maioria dos russos que os polacos

estavam a utilizar os factos do passado com um objectivo russófobo.

Putin já se resignara a isso, foram as forças da justiça imanente que emergiram neste

extraordinário acidente de avião. Aquele que queria humilhar, uma vez mais, os russos, morreu

por sua própria culpa. Simultaneamente, no avião morreram todos os representantes da

russofobia mais extremada que viajavam com Kaczynsky. É extraordinário!

Excluo totalmente que Moscovo possa estar implicada no acidente. É absolutamente impossível.

Na realidade, a justiça imanente foi mais forte que a vontade dos dirigentes da Rússia que são

preferencialmente favoráveis a um compromisso com o Ocidente.

Que isso venha a modificar as relações entre a Polónia e a Rússia, é possível e tal não poderá

deixar de as melhorar. Donald Tusk, que acederá sem dúvida à presidência da República Polaca,

sempre teve mais boa vontade face a Moscovo. Mais uma vez é a justiça imanente…

Christian Bouchet – A 26 de Março último cumpriu-se o décimo aniversário da ascensão

ao poder de Vladimir Putin. Como analisa este decénio? Diz-se por vezes que existiriam

desacordos entre Vladimir Putin e Dimitri Medvedev. Isto é verdade e se sim, sobre o quê?

Aleksandr Dugin - Ninguém sabe exactamente. Há as imagens e há a realidade. As imagens

fazem pensar que Medvedev é mais liberal e que Putin é mais patriota. Mas tudo isto não está

formalmente organizado e os especialistas questionam-se se existirão realmente diferenças reais

ou se assistimos unicamente a uma encenação para sossegar os americanos.

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É claro que os Estados Unidos são favoráveis a Medvedev m as não podemos dizer onde acaba

o jogo e começa a realidade. Só Putin é, aos olhos das massas, legítimo, e isto enquanto homem

e enquanto incarnação de uma política favorável ao retorno da Grande Rússia.

Quanto a julgar a década de Vladimir Putin, confesso-lhe que estou um pouco desencantado.

Putin fez, imediatamente após a sua chegada ao poder, coisas excelentes. Salvou a Rússia do

abismo e manteve a sua integridade.

Tudo aquilo que foi feito nos primeiros anos, em 2000-2001, era magnífico e prometedor.

Depois disso, parou com as suas reformas de tipo eurásico e ligou-se aos liberais e ao ocidente.

O pior aconteceu depois do 11 de Setembro, quando decidiu apoiar os americanos no

Afeganistão. Foi um erro grave. É certo que continuou a levar a cabo uma política mais ou

menos correcta mas o ritmo das suas acções começou a colocar problemas aos patriotas. O facto

de ter proposto Medvedev para lhe suceder não foi compreendido por estes. Esperamos que

Putin volte ao poder em 2012, mas alguns já temem que, mais uma vez, ele não venha a fazer

nada de definitivo.

O seu balanço é positivo mas o interregno de Medvedev levanta questões e dúvidas quanto aos

seus projectos futuros. Não mudou nada no clima cultural da Rússia, não resolveu os graves

problemas sociais. Tolerou os liberais e não propôs receitas alternativas contra a crise. Não

lutou efectivamente contra a corrupção. Comportou-se mais como um pragmático do que como

um patriota convicto.

Sentem-se os primeiros indícios de desencantamento face a Putin na população, mas ao mesmo

tempo, estamos perante uma ausência total de alternativas, o que torna a situação difícil e o

futuro obscuro.

Christian Bouchet – Acabámos de saber que o gigante russo do Petróleo, Lukoïl, parou o

seu comércio com o Irão, incluindo quer o fornecimento de combustível a partir dos seus

terminais no Médio Oriente, bem como o transporte de crude desde o mar Cáspio até ao

porto iraniano de Neka. Isto não é, sem dúvida, uma decisão neutra… Qual é pois a

posição real de Moscovo face ao dossier nuclear iraniano?

Aleksandr Dugin - Moscovo hesita entre um apoio firme ao Irão e um apoio às pressões do

Ocidente. A Rússia quer desempenhar o papel de país neutro que apazigua os ocidentais, mas

que igualmente se afasta do Irão quando este tenta dotar-se de uma bomba nuclear

prematuramente. Moscovo não vê Teerão – mesmo dotada de uma bomba nuclear – como um

perigo, mas não quer muito simplesmente ser arrastado pelo Irão para o confronto deste com o

Ocidente. Há aqui flutuações e não mudanças de rumo.

Christian Bouchet – 2010 será o ano comemorativo da amizade Franco-Russa. Temos, em

França, a impressão que Nicolas Sarkozy está a regressar aos fundamentos da diplomacia

tradicional francesa, ensaiando uma ruptura estratégica com o atlantismo das suas

origens. O que é que acham disto em Moscovo e o que é que o Kremlin espera do Eliseu?

Aleksandr Dugin - Certamente que esta evolução não pode senão ser apreciada e aceite de uma

maneira muito favorável.

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Há aquilo que é contingente e há o fundamental. Há a lógica do espaço político, da geopolítica,

da qual não nos podemos desembaraçar. Esta lógica obriga a França a defender os interesses da

Europa Continental e a levar a cabo uma política telurocrata. Pode afastar-se deste rumo mas

não pode libertar-se dele sem correr o risco de se deslegitimar.

Espero que o vosso presidente persista na sua nova orientação e que as relações russo-francesas

se venham a tornar cada vez mais calorosas, tal como o eram na época de Jacques Chirac.

Christian Bouchet – Para concluir, uma questão sensível na Europa: a da integração da

Turquia na União Europeia. O que pensa o Kremlin disto e o que acha, na sua qualidade

de geopolítico, desta?

Aleksandr Dugin - O Kremlin opõe-se em absoluto à entrada da Turquia na União Europeia

porque a Rússia quer desenvolver relações estratégicas com uma Turquia que cada vez se afasta

mais dos Estados Unidos. Os próprios patriotas turcos são hostis ao facto do seu país vir a

integrar a União Europeia. Quanto a mim, partilho a posição do Kremlin e das massas

patrióticas turcas que temem perder a sua identidade nacional e cultural ao aderirem à União

Europeia.

A Distribuição de Armas Nucleares é Boa!

Por Alexander Dugin

Neste momento entre a Coréia do Norte e os Estados Unidos e entre a Coréia do Norte e a

Coréia do Sul esta havendo uma onda crescente de sentimentos ruins. O que isto significa? Os

americanos estão dando a Kim-Jung-Il um ultimato: Disarmem-se imediatamente, cessem seu

projeto nuclear e mais. E a isso Kim-Jung-Il resonde com seu próprio ultimato. E está havendo

uma certa baderna nas eleições de Il Terceiro; aparentemente os coreanos estão um pouco

cansados de combater o globalismo sozinhos. Então o Terceiro Il, filho de Kim-Jung-Il e neto

de Kim-Il-Sung foi promovido. A grande sociedade Coreana é o último reduto Marxista,

socialista, se mantendo apesar da grande pressão do mundo todo. Todos à sua volta já

declararam a derrota. Até mesmo a China já deu espaço para o crescimento do Capitalismo, mas

os Norte-Coreanos continuam de pé.

Agora a América pretende pressioná-los com toda a sua força. O que a América quer com a

Coreia do Norte? Aquele país possui poucos recursos naturais. A missão primária da América é

exagerar a situação e despertar uma oposição global à Coréia do Norte. Divergindo a atenção

global para que a própria América esta planejando fazer, organizar uma economia global que

tenha a sua própria imagem. Obviamente a América esta errada, mas vamos dar uma olhada

para o que o resto do mundo está fazendo. A Coréia do Norte esta se mantendo em oposição ao

projeto de Império Global Americano e declarando categoricamente que eles não querem tal

Império. Enquanto os outros países estão agindo como se isso fosse exatamente o que eles

querem.

Eles dizem que a Coréia do Norte possui armas nucleares e choram como bebês falando que vão

usá-los contra eles. Eles gemem e reclamam como completos idiotas, e o nosso governo russo

esta entre eles.

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Se os nossos líders entendessem o que está acontecendo, eles deveriam orgulhosamente dizer o

seguinte: Nós calorosamente apoiamos o Terceiro Il, apesar do fato dele não ter ganho esta

última eleição, nós apoiamos o Segundo Il (Kim-Jung-Il) e o míssil dele é o nosso míssil. Se ele

for lançado, nós comemoraremos; e nós o ajudaremos a ser lançado, nósaté mesmo os

equiparemos com outros métodos de destruição em massa.

Por quê? Por que é a melhor atitude para os nossos líderes tomar? Porque nós devemos deixar

muito claro: Nós não queremos um Império Americano! Nós queremos um mundo multi-polar.

E nós queremos que existam diferentes caminhos para o desenvolvimento no mundo.

Se você gosta do regime de Kim-Jung-Il, ótimo. Se você não gosta do regime de Kim-Jung-Il,

também está ótimo. Se você gosta do Livre-Mercado, bom. Se você não gosta do Livre-

Mercado, tabém esta bom. E se nós quisermos o Totalitarismo, até mesmo o Totalitarismo está

bom! Por quê? Pois as pessoas são livres para escolher o seu próprio meio de desenvolvimento.

E em oposição a isso está um pequeno grupo de ricos americanos, Juliet Kessen os chama de

―superclan‖, quem pensam que sabem o que é melhor para todas as outras pessoas (o que é

melhor para bilhões de pessoas, na verdade), e estão atacando os pobres Coreanos.

Então a Europa, se continuar se dando a luxo da sua própria ignorância e covardisse, logo se

encontrará nos subúrbios do Império Americano. E todas as outras civilizações, ou vão estar

servindo de lixão para lixo nuclear, ou vão servir de canal irrigatório para os Estados Unidos.

Neste momento a Coréia está lutando por nós. Este pequeno Il, que não fora nem mesmo eleito

ainda, está lutando pelo planeta inteiro.

Enquanto isso nós estamos sentados aqui fingindo que ainda não o apoiamos, ou que ainda não

entendemos. Nós deveríamos de fato estar dizendo que apoiamos ele inteiramente. Pode até ser

que tenhamos diferenças religiosas e estéticas ou talves sejamos apenas indiferentes; mas não

entender que a Coréia é uma semente humanitária e democrática no seio de umaocupação

Americana, é demonstrar completa e total ignorância. Ou isso ou verdadeiramente desejar a

escravidão para o seu país.

O que é a Coréia do Norte? É a Liberdade! É uma ilha de Liberdade, como Cuba. É um ponto

no mapa do não conformismo. Não tenho nada particularmente contra a Coréia do Sul, mas vejo

que sua cultura Budista, Shamanista, Confucionista, Daoista, está agora, quase completamente

dominada por Protestantes. As características que são únicas do povo Coreano estão faltando,

mas na Coréia do Norte elas florecem. Os Coreanos do Norte têm até mesmo um partido

chamado ―Amigos do Caminho Divino‖, e claro, mais importante de tudo, eles possuem um

Partido Comunista.

Por causa disso, a verdadeira liberdade e averdadeira independência, e também, o verdadeiro

humanitarismo e a verdadeira democracia estão na Coréia do Norte. Se eles gostam do Regime

de Kim-Jung-Il, nós precisamos descobrir o porque deles gostarem, ao invés de rir deles ou

desaprová-los. A priori, o falecido Yegor Letov também era cético, mas depois ele descobriu

que também gostava disso. Ele entendeu que não queria ter sua cabeça debaixo das botas

Americanas, não queria ser um robô devorador de McDonald‘s e totalmente dependente da

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Moda, jogando sapatos fora após três dias de uso. É uma ditadura da Moda , absolutamente anti-

humana , uma cultura americocêntrica e pós-moderna.

Então se queremos ser livres e independentes, e se queremos manter o nosso senso de dignidade

cultural e nacional, então devemos nos mobilizar em defesa da Coréia do Norte.

Você dirá: ―Isso é propaganda de guerra‖, não, é propaganda de paz! Se você quiser a paz,

prepare-se para a guerra! Se a América se deparar com um mundo organizado, pronto para

defender suas culturas individuais e meios de desenvolvimento, eles cessarão de tentar mandar

em todo mundo. Mas n meio tempo nós nos acovardamos, dizemos ―bom, a América não está

tão certa, mas a Coréia também não.‖ A Coréia do Norte está absolutamente certa! È uma ótima

sociedade com um regime perfeitamente bom...PARA ELES. Talvez não nos agrade de maneira

alguma, mas não é problema nosso e certamente também não é problema dos Americanos!

Então penso que devemos organizar protestos imediatamente, em favor da Coréia do Norte, em

oposição ao Domínio Global Americano, e claro, simplesmente implorar aos nossos chefes

militares paraque dêem armas nucleares para a Coréia do Norte, assim como para o Iran, para a

Venezuela e outros regimes excepcionais. Israel tem tais armas? Sim. Isreal é um bom governo,

eles possuem uma bomba atômica e é bom para eles. O Paquistão tem tais armas? Sim. Você

pensaria que é uma sociedade completamente sem leis, eles explodem uns aos outros, e eles têm

armas nucleares também. Pegue os Hindus, os Brahmanes, os Shamans, eles comem os restos

uns dos outros. Esta é a cultura deles, e eles a defendem com suas ogivas. Então deixem que a

Coréia do Norte marche com uma bomba atômica também! E a Coréia do Sul será defendida

pelos Estados Unidos.

Então eu penso que a diferença entre a Coréia do Norte e a do Sul vai ao âmago do coração

humano. Dostoievsky disse que o coração humano é o campo de batalha entre o bem e o mal,

entre Deus e Satanás. Analisando os fatos, podemos dizer que hoje, o coração do ser humano

está sendo a batalha entre a Coréia do Sul e a Coréia do Norte.

Todo o cidadão que valha o papel em que ele escreve o seu nome deveria estar do lado da

Coréia do Norte, por detrás de Kim-Jung-Il se encontra a verdade.

Ideologia do Governo Mundial

por Aleksandr Dugin

Após a Guerra do Golfo, quase toda a mídia de massa na Rússia, bem como no Ocidente,

injetaram no discurso quotidiano a fórmula "Nova Ordem Mundial", criado por George Bush, e

então usada por outros políticos incluindo Gorbachev e Yeltsin. A Nova Ordem Mundial,

baseada no estabelecimento de um Governo Único Global, como já foi candidamente admitido

por ideólogos da Comissão Trilateral e de Bilderberg, não é simplesmente uma questão de

dominação político-econômica de uma certa claque governante "oculta" de banqueiros

internacionais. Essa "Ordem" baseia-se na vitória em escala global de uma certa ideologia

especial, e assim o conceito concerne não apenas a instrumentos de poder, mas também a

"revolução ideológica", um consciência "golpista", um "novo pensamento". A vagueza de

formulações, a secretividade e cautela constantes, o mistério deliberado dos mundialistas não

permite, até o último momento, discernir claramente o contorno dessa nova ideologia, que eles

decidiram impor sobre os povos do mundo. E apenas após o Iraque, como seguindo-se às ordens

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de alguém, certas proibições foram descartadas e múltiplas publicações apareceram, que

começaram a chamar as coisas por seus próprios nomes. Assim, tentemos, com base nas

análises conduzidas por um grupo de funcionários do corpo editorial da revista Elements, nos

termos mais gerais, definir os elementos básicos da ideologia da Nova Ordem Mundial.

A Nova Ordem Mundial representa em si mesma um projeto messiânico, escatológico,

excedendo em muito o escopo de outras formas históricas de utopias planetárias - como o

movimento protestante primitivo na Europa, o Califado Árabe, ou os planos comunistas para

uma Revolução Mundial. Talvez, esses projetos utópicos tenham servido como prelúdios para a

forma final do mundialismo, testes que avaliaram mecanismos integracionais, a efetividade de

estruturas de comando, prioridades ideológicas, métodos táticos, etc. Colocando isso de lado, o

mundialismo contemporâneo, absorvendo a experiência do protestantismo, heresias

escatológicas, revoluções comunistas, e cataclismas geopolíticos de séculos distantes,

aperfeiçoou suas formulações finais, finalmente determinando o que era pragmático e incidental

em formas prévias, e o que realmente compunha a tendência básica da história no caminho para

a Nova Ordem Mundial. Após toda uma sequência de vacilações, ambiguidades, passos

pragmáticos e blecautes táticos, o mundialismo contemporâneo finalmente formulou seus

princípios fundamentais considerando a situação atual. Esses princípios podem ser classificados

em quatro níveis:

1. Econômico: A ideologia da Nova Ordem Mundial pressupõe o estabelecimento completo e

mandatório do sistema de mercado capitalista liberal sobre todo o planeta, sem consideração por

regiões culturais e étnicas. Todos os sistems sócio-econômicos que portam elementos de

"socialismo", "justiça social ou nacional", "proteção social" devem ser completamente

destruídos ou transformados em sociedades de "livre-mercado". Todas os flertes passados do

mundialismo com modelos "socialistas" estão sendo completamente paralisados, e o liberalismo

de mercado está tornando-se o único elemento econômico dominante no planeta, governado

pelo Governo Mundial.

2. Geopolítico: A ideologia da Nova Ordem Mundial dá preferência incondicional a países que

compõem o Ocidente geográfico e histórico em contraste com os países do Oriente. Mesmo no

caso de uma localização relativamente ocidental de um país ou outro, ele sempre será

favorecido em comparação com um vizinho do leste. O esquema previamente implementado de

aliança geopolítica do Ocidente com o Oriente contra o Centro (por exemplo, Ocidente

capitalista junto com Rússia comunista contra Alemanha nacional-socialista) não está mais em

uso pelo mundialismo contemporâneoo. A prioridade geopolítica de orientação ocidental está

tornando-se absoluta.

3. Étnico: A ideologia da Nova Ordem Mundial insiste na maior mistura racial, nacional, étnica

e cultural possíveis dos povos, dando preferências ao cosmopolitanismo das grandes cidades.

Movimentos nacionais e micronacionais, usados anteriormente pelos mundialistas em sua luta

contra os "grandes nacionalismos" de tipo imperial, serão decisivamente suprimidos, já que não

haverá mais lugar para eles nessa Ordem. Em todos os níveis, a política nacional do Governo

Mundial será orientada para a mistura, para o cosmopolitanismo, daí em diante.

4. Religioso: A ideologia da Nova Ordem Mundial está preparando a vinda ao mundo de uma

certa figura mística, o surgimento da qual, supõe-se que mudará a cena religioso-ideológica no

planeta. Ideólogos do mundialismo eles mesmos estão convencidos de que o que quer dizer-se

com isso é a vinda ao mundo do Moshiah, do Messias que revelará as leis de uma nova religião

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para a humanidade e realizará muitos milagres. A era do uso pragmático de doutrinas ateístas,

racionalistas e materialistas pelos mundialistas acabou. Agora, eles estão proclamando a vinda

de uma época de "nova religiosidade".

Essa é exatamente a imagem emergindo de uma análise das últimas revelações por ideólogos da

Comissão Trilateral, do Clube Bildeberg, do Conselho Americano de Relações Estrangeiras, e

outros autores, servindo intelectualmente ao mundialismo em diversos níveis - começando com

o "neoespiritualismo" e terminando com os desenhos econômicos e estruturais de tecnocratas

pragmáticos. O estudo cuidadoso desses quatro níveis da ideologia do Governo Mundial é uma

preocupação de muitos projetos e trabalhos de pesquisa sérios, uma parta dos quais, nós

esperamos, aparecerá nas páginas dos volumes seguintes de Elements. Mas nós gostaríamos de

focar em diversos aspectos imediatamente. Em primeiro lugar, é importante notar que essa

ideologia não pode ser qualificada nem como de "direita" ou de "esquerda". Mais do que isso,

dentro dela existe uma sobreposição consciente e essencial de duas camadas, relacionadas às

realidades políticas polarizadas. A Nova Ordem Mundial é radicalmente e rigidamente

"direitista" no plano econômico, já que assume a primazia absoluta da propriedade privada, do

livre-mercado absoluto, e do triunfo dos apetites individualistas na esfera econômica.

Simultaneamente, a Nova Ordem Mundial é radicalmente e rigidamente "esquerdista" no fronte

político-cultural, já que a ideologia do cosmopolitanismo, da miscigenação, do liberalismo ético

pertencem à categoria das prioridades políticas "esquerdistas". Essa combinação de "direita"

econômica com "esquerda" ideológica serve como o eixo conceitual da estratégia mundialista

contemporânea, uma base para o desenho da civilização futura. Essa ambiguidade é manifesta

mesmo no próprio termo "liberalismo", que, no nível econômico representa "livre-mercado

absoluto", mas no nível ideológico clama por uma "suave ideologia de permissibidade". Hoje,

nós podemos justificadamente afirmar que o Governo Mundial baseará sua ditadura não em

algum modelo típico de "tirania totalitária", mas nos princípios do "liberalismo".

Reveladoramente, é exatamente nesse caso que a terrível paródia escatológica chamada Nova

Ordem Mundial, será aperfeiçoada e completada.

Em segundo lugar, o Ocidente, situado na cabeça das teorias geopolíticas da Nova Ordem

mundial como hemisfério em que o Sol, o Sol da História, põe-se, assume o papel tanto de

modelo estratégico quanto de modelo cultural. No curso da última fase da realização dos

projetos mundialistas, o simbolismo natural deve concorrer completamente com o simbolismo

geopolítico, e a complexidade das construções de blocas, manobras e alianças políticas

geopolíticas precedentes, que os mundialistas usaram anteriormente para alcançar seus objetivos

agora abrem espaço para uma lógica globalista cristalina, que mesmo um simplório poderia

compreender. Em terceiro lugar, o Messias, cuja vinda as instituições mundialistas deverão

facilitar, é, do ponto de vista de diversas tendências religiosas como o Cristianismo Ortodoxo e

o Islã, claramente e sem dúvida associado com a figura sinistra do Anticristo. Como segue-se da

própria lógica do drama apocalíptico, no curso do conflito final, o embate ocorrerá não entre o

Sagrado e o Profano, não entre Religião e Ateísmo, mas entre Religião e Pseudo-Religião. É por

isso que o Messias do Governo Mundial não é simplesmente um "projeto cultural", um novo

"mito social", ou uma "utopia grotesca", mas é algo muito mais sério, real, e terrível. É

completamente óbvio que os oponentes do mundialismo e os inimigos da Nova Ordem Mundial

(os membros dessa revista contam-se entre estes) devem assumir uma posição radicalmente

negativa em relação a essa ideologia. Isso significa que é necessário combater o Governo

Mundial e seus planos com uma ideologia alternativa, formulada pela negação da doutrina da

Nova Ordem Mundial.

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A ideologia radicalmente oposta ao mundialismo também pode ser descrita em quatro níveis:

1. Econômico: Prioridade da justiça social, da proteção social, e dos fatores nacionais e

comunais no sistema de produção e distribuição.

2. Geopolítico: Uma orientação clara para o Leste e solidariedade com os setores geopolíticos

mais ao leste na consideração de conflitos territoriais, e daí em diante.

3. Étnico: Fidelidade às tradições nacionais, étnicas e raciais e às características dos povos e

Estados, com uma preferência especial pelo "grande nacionalismo" de tipo imperial em

contraste com os mini-nacionalismos com tendências separatistas.

4. Religioso: Devoção às formas religiosas originais e tradicionais - mais importantemente,

Cristianismo Ortodoxo e Islã, que claramente identificam a "nova religiosidade", a Nova Ordem

Mundial, e o Messias com o mais sinistro ator do drama escatológico, o Anticristo (Dadjal em

árabe).

A frente de combate ideológico anti-mundialista deve também combinar em si mesma

elementos de ideologias "esquerdistas" e "direitistas", mas nós também devemos ser "direitistas"

em termos políticos (em outras palavras, "nacionalistas", "tradicionalistas", etc.) e

"esquerdistas" na esfera econômica (em outras palavras, apoiadores da justiça social, do

"socialismo", etc.). Em verdade, essa combinação mesma não é apenas um programa político

convencional e arbitrário, mas uma condição necessário nessa fase do conflito. A prioridade

geopolítica do Leste torna incumbente a nós renunciar completamente aos preconceitos "anti-

asiáticos", às vezes sustentado pela direita russa sob a influência de um exemplo ruim e

desnecessário da direita européia. "Anti-asianismo" joga apenas nas mãos da Nova Ordem

Mundial. E, finalmente, lealdade à Igreja, aos ensinamentos dos Santos Padres, ao Cristianismo

Ortodoxo é um elemento necessário e extremamente importante da luta anti-mundialista, já que

a substância e o significado dessa luta está em escolher o Verdadeiro Deus, o "lado certo", a

"parte abençoada". E ninguém será capaz de salvar-nos dos falsos encantos, do pecado, da

tentação e da morte nessa terrível jornada, a não ser o Filho de Deus. Nós devemos tornar-nos

Sua hoste, Seu exército, Seus servos, e Seus missionários. O Governo Mundial é a última

rebelião do mundo inferior contra o Divino. Curto será o instante de seu triunfo. Eterna será a

alegria daqueles que unir-se-ão às fileiras dos "últimos combatentes pela Verdade e Liberdade

em Deus."

O Juiz Verdadeiro "vira inesperadamente".

Aleksandr Dugin: As Bases da Geopolítica

Relembremos os postulados de base da geopolítica – uma ciência que foi anteriormente

igualmente apelidada de ―geografia política‖ e cuja elaboração deve ser fundamentalmente

atribuída ao cientista e perito em política inglês Halford MacKinder (1961-1947). O termo

geopolítica foi utilizado pela primeira vez pelo sueco Rudolf Kjellen (1864-1922) sendo de

seguida difundido na Alemanha por Karl Haushofer (1869-1946). Mas de qualquer maneira, o

pai da geopolítica continua a ser MacKinder, cujo modelo fundamental está na base de todos os

estudos geopolíticos posteriores. O mérito de MacKinder é que este conseguiu delinear e

compreender as leis objetivas precisas da história política, geográfica e econômica da

Humanidade.

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Embora o termo ―geopolítica‖ tenha surgido muito recentemente, as realidades designadas por

este termo têm uma história plurimilenar. A substância da doutrina geopolítica pode resumir-se

nos seguintes princípios: na história planetária apresentam-se duas abordagens opostas e em

competição permanente para apreender o espaço planetário: a abordagem ―terrestre‖ e a

abordagem ―marítima‖. Conforme a abordagem à qual aderem os diversos Estados, povos ou

nações – e de acordo com a sua consciência histórica, a sua política externa e interna, a sua

psicologia, a sua visão de mundo, formam-se segundo regras completamente determinadas.

Tendo em conta tais características, é perfeitamente possível falar de uma visão do mundo

―terrestre‖, ―continental‖ ou mesmo ―estepiana‖ (a ―estepe‖ é a ―terra‖ na sua forma pura,

ideal), e de uma visão do mundo ―marítima‖, ―insular‖, ―oceânica‖ ou ―aquática‖ (denotaremos

incidentalmente que as primeiras características de uma abordagem similar podem ser

encontrados nos trabalhos dos eslavófilos russos, tais como Khomiakov e Kirievsky).

Na história antiga, as potências ―marítimas‖ que se tornaram nos símbolos históricos da

―civilização marítima‖ no seu conjunto foram a Fenícia e Cartago. O império terrestre que se

opunha a Cartago era Roma. As guerras púnicas formam a imagem mais pura da oposição entre

a ―civilização marítima‖ e a ―civilização terrestre‖. A Inglaterra tornou-se, na época moderna e

na história recente, o pólo ―insular‖ e ―marítimo‖, ―a senhora dos mares‖, à qual se seguiu mais

tarde a ilha-continente gigante, a América.

A Inglaterra, tal como a antiga Fenícia, utilizou em primeiro lugar como instrumento

fundamental de dominação, o comércio marítimo e a colonização das regiões costeiras. O tipo

geopolítico fenício/anglo-saxão, engendrou um modelo particular de civilização ―de mercado-

capitalista-mercantil‖ fundado, antes de tudo, sobre os interesses econômicos e materiais e nos

princípios do liberalismo econômico. Por conseqüência, a despeito de todas as variações

históricas possíveis, o tipo geral da civilização ―marítima‖ está sempre ligado ao ―primado do

econômico sobre o político‖.

Por antinomia face ao modelo fenício, Roma representava um exemplo de estrutura autoritária-

guerreira fundada sobre uma dominação administrativa e sobre uma religião civil, sobre o

primado do ―político sobre o econômico‖. Roma é o exemplo de um tipo de colonização

puramente continental, não marítima, mas terrestre, com uma penetração profunda no continente

e a assimilação dos povos submetidos, invariavelmente ―romanizados‖ depois da conquista.

Na história moderna, as encarnações da potência ―terrestre‖ foram o Império Russo e também

os impérios Austro-Húngaro e o da Alemanha da Europa Central. A ―Rússia/Alemanha/Áustria-

Húngria‖ são o símbolo essencial da ―terra geopolítica‖ na história moderna.

MacKinder demonstrou claramente que em todos estes últimos séculos a ―atitude marítima‖

significa Atlantismo, tal como hoje em dia as ―potências marítimas‖ são antes de tudo a

Inglaterra e a América, quer isto dizer países anglo-saxônicos. Face ao ―atlantismo‖ que

personifica o primado do individualismo, do ―liberalismo econômico‖ e da ―democracia de tipo

protestante‖, perfila-se o Eurasianismo, que pressupõe necessariamente o autoritarismo, a

hierarquia e o estabelecimento de princípios nacionais-estatais ―comunitários‖ acima das

preocupações meramente humanas, individualistas e econômicas. A atitude eurasiana

claramente expressa é típica, antes de mais, da Rússia e da Alemanha, as duas potências

continentais mais fortes, cujas preocupações geopolíticas, econômicas e – o mais importante – a

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visão do mundo são completamente opostas às da Inglaterra e dos Estados Unidos, ou seja dos

―atlantistas‖.

Aleksandr Dugin - Ou Quando a Metafísica e a Política se Unem

por Sergio Fritz Roa

Escassas personalidades nos últimos anos comoveram de maneira tão estrondosa os ambientes

do radicalismo mundial, como fez Aleksandr Dugin. Polemista, homem dotado de uma memória

prodigiosa, notável artesão na difícil ciência de gerar idéias, locutor radial de um programa

transgressor como poucos, ensaísta, geopolítico, músico, estudioso da Metafísica guénoniana,

crítico das ideologias políticas aceitas pela polícia do pensamento, editor clandestino das obras

de Guénon e Evola quando ainda a União Soviética era uma realidade, diretor da associação e

casa editorial Arctogaia, a qual literalmente inunda a Internet com suas páginas que tratam sobre

Nacional-Bolchevismo, Otto Rahn, Eurasismo, e Julius Evola, entre um universo conceitual

heterogêneo que poderá gerar aplausos ou odiosidades; pois frente a Dugin ou está-se com ele e

segue-se o mesmo, ou repudia-se ele. Parece não haver outra opção. E, sem embargo, nós

queremos fazer um juízo crítico que esteja mais além das posturas extremas antes mencionadas.

Trataremos de expôr as idéias que sustenta Dugin, indicando, quando estimemo-lo procedente,

nossa opinião.

1 - Tese Geopolítica

Um dos pontos centrais dos escritos desse pensador russo é a geopolítica. Nele converge uma

tradição que vai desde Halford McKinder, passando pelo misterioso Karl Haushofer, até

Parvulesco, seu amigo francês.

A importância dada por Dugin à política dos grandes espaços, o engrentamento entre dois

postulados cosmovisionais como são o atlantismo e o eurasismo, o destino de Alemanha e

Rússia, fundamenta-se na busca do sentido de uma luta que possui elos invisíveis e na qual não

atuam somente os homens senão - se permite-se a nós a expressão - os próprios deuses. Quer

dizer, o combate entende-se entre idéias-forças mais que entre personalidades. Os homens

somente representam os corpos ou pontos espaciais em que manifesta-se a violência histórica.

2 - Política Hermética

Para Aleksandr Dugin como para Pauwels, Bergier, Serrano, Robin, Evola, Angebert, e tantos

outros, existem conexões ocultas entre política moderna e espiritualidade. Muito já escreveu-se

dos Iluminados da Baviera, da Ordem de Thule, da Maçonaria. Dugin assinala novos

paradigmas. Fala-nos da geopolítica movida por seitas que enfrentam-se à morte; do

cosmicismo russo. e de outras forças veiculadas por pequenos grupos, que trabalham nas

sombras.

Tem sido matéria de fortes críticas a idéia de Dugin segundo a qual o comunismo seria uma

espécie de "Via da Mão Esquerda", a qual encontra uma expressão no mundo tradicional em

correntes como o Tantrismo. É este repetimos, um dos pontos mais controvertidos em Dugin,

haja vista que em seus textos aprecia-se uma valoração deste caminho. Vimos na Internet na

página de um sítio nacional-bolchevique, como se tratasse-se de uma reivindicação, uma

fotografia do satanista Aleister Crowley, por quem o russo manifestou grande interesse. Não

podemos omitir que dissentimos dessa nebulosa espiritual, a qual somente conduz a equívocos

àqueles que não estejam inteirados da dicotomia "espiritualidade tradicional/pseudo-

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espiritualidade", expressa tão claramente por Guénon. Por outra parte, se Dugin pretende

defender a Tradição, por quê não dedica-se exclusivamente à exposição séria e meditada do

Cristianismo Ortodoxo - o qual sim possui até hoje a transmissão e os ritos próprios de um

caminho tradicional - em vez de buscar a Luz em um dos terrenos mais instáveis da

"espiritualidade", como é o ocultismo?

3 - Revolução Conservadora

O escritor russo resgata a mensagem daquele distinto grupo que Armin Mohler denominou em

sua tese doutoral "Revolução Conservadora", e à qual teriam aderido pensadores da estatura de

Thomas Mann, dos três Ernst (Niekisch, Jünger e von Salomon), Carl Schmitt, Oswald

Spengler, os irmãos Strasser, entre outros.

A filosofia desse agrupamento caracterizar-se-ia por um evidente culto à guerra, o ter bebido em

fontes nietzscheanas, sua oposição ao Nacional-Socialismo, um acento esquerdista - o qual,

devemos dizer, não dá-se com o politólogo católico Schmitt - que sem embargo é capaz de

resgatar a Nação como entidade e bandeira de luta.

Os membros desta corrente serão focos de atração para Dugin, como foram-no para o

movimento cultural chamado Nova Direita.

4 - Espiritualidade Tradicional

Dugin editará duranto os anos do marxismo em formato de samizat, textos dos autores

tradicionalistas René Guénon e Julius Evola. Assinalará que tanto na Igreja Ortodoxa como no

Islã há duas forças vivas da Tradição na Rússia e nos países eslavos. Será portanto crítico do

neo-espiritualismo e desse fenômeno extraordinariamente anti-tradicional e subversivo que é a

New Age. Sem embargo, e como já indicamos, existem aspectos em seus postulados que

parecem-nos rotundamente questionáveis; por exemplo sua valoração em relação a aspectos da

magia ocultista e obscurantista de Crowley.

5 - Convergência dos Extremos

Aleksandr Dugin definir-se-á Nacional-Bolchevique. Portanto, sua pretensão é a união tática das

hostes nacionalistas e comunistas. E assim unirá o radicalismo alemão com o bolchevismo

russo. Digamos de nossa parte que esta doutrina, ainda que disparatada, não obstante não é

nova, e, que ao contrário, já foi apresentada como um muro defendido por vários pensadores. É

o que denominou-se "aliança marrom-vermelha", que seduziu a alguns autores da "Revolução

Conservadora", e em anos mais recentes a Giorgio Freda, autor do texto "A Desintegração do

Sistema" e criador de um curioso movimento chamado nazi-maoísta.

Tal postura, segundo os nacional-bolcheviques, justifica-se no fato de que os únicos adversários

do sistema capitalista tem sido e são a extrema-direita e a extrema-esquerda.

Como anedota, digamos que Julius Evola criticou estas posturas, as quais apresentaram-se

muito fortes e radicais na Itália, durante a década de 60 e 70, levando inclusive ao cárcere vários

dos militantes desta corrente, os quais acreditavam que não havia outra via plausível além da

violência. O resgate por este grupo de figuras como Che Guevara, Mussolini, Mao Tsé-Tung, ou

do próprio Evola (o qual jamais em seus textos ou diálogos aprovaria um atuar semelhante), foi

uma das características na Itália desta doutrina demasiado ambígua e perigosa.

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6 - Novas Estratégias

Não somente a erudição do diretor de Arctogaia chamou a atenção dos europeus. Também fê-lo

seu caráter de polemista. Para ele hão de utilizar-se novas estratégias e táticas. A guerra atual

exige novos meios, e não devem ficar de lado a televisão, o rádio, o jornal, a revista, a Internet.

Em todos eles, Dugin lançou seus dardos venenosos, semeando a comoção nos meios

intelectuais.

Porém não somente basta utilizar novas ferramentas, extrai-se de seu atuar. Deve utilizar-se uma

nova semântica. A revolução não é outra coisa que a imposição de novos parâmetros

conceituais. Assim, uma linguagem que utilize palavras supostamente antagônicas despertará a

atenção. Utilizar termos como revolução-conservadora, socialismo-nacional, união entre

extrema-direita e extrema-esquerda, é fortemente polêmico. E é aqui que assinalamos um traço

operacional de Dugin: ao querer abarcar muito - ao ser extensivo - caiu em contradições.

Tentamos mostrar em uma síntese - que sabemos ser demasiado apertada - as principais idéias

que movem este intelectual do ativismo mais radical. Esperamos que seja de utilidade nosso

trabalho para aqueles que busquem outros caminhos nos tristes mares da política atual.

Digamos, para finalizar, que pode-se estar de acordo ou em oposição em relação às teorias do

pensador russo. Não obstante, alguém poderia ser indiferente aos seus postulados? Acreditamos

que não, e há aí um mérito não menos imputável a este geopolítico da metafísica.

Metafísica do Nacional-Bolchevismo

por Aleksandr Dugin

1. A definição adiada

O termo "Nacional-Bolchevismo " pode significar várias coisas completamente diferentes. Ele

surgiu praticamente ao mesmo tempo na Rússia e na Alemanha para significar as suposições de

alguns pensadores políticos sobre o caráter nacional da revolução bolchevique de 1917,

escondido na fraseologia marxista ortodoxa internacionalista. No contexto russo "nacional-

bolcheviques" era um nome comum para os comunistas, que tentaram proteger a integridade do

Estado e (conscientemente ou não) continuaram a grande missão geopolítica histórica russa. Os

nacional-bolcheviques russos, tanto entre os "brancos" (Ustrialov, Smenovekhovtsy, Eurasianos

de Esquerda) e entre os "vermelhos" (Lenin, Stalin, Radek, Lezhnev etc) (1) Na Alemanha, o

fenômeno análogo foi associado com formas extremamente esquerdistas de nacionalismo dos

20s-30s, em que as idéias do socialismo não-ortodoxo, a Idéia Nacional e uma atitude positiva

em relação a União Soviética foram combinados. Entre os nacional-bolcheviques alemães Ernst

Niekiesch foi sem dúvida o mais consistente e radical, embora alguns revolucionários

conservadores também possam ser referidos a este movimento, tais como Ernst Jünger, Ernst

von Salomon, August Winnig, Karl Petel, Harro Schultzen-Beysen, de Hans Zehrera, os

comunistas Laufenberg e Wolffheim, e mesmo alguns Nacional-Socialistas extremamente

esquerdistas, tais como Strasser e, durante um determinado período, Joseph Goebbels.

Na verdade, o termo "nacional-bolchevismo" é muito mais extenso e profundo, que as

tendências políticas listadas. Mas, para compreendê-lo adequadamente, devemos examinar os

problemas globais mais teóricos e filosóficos, a respeito da definição de "direita" e "esquerda",

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do "nacional" e do "social". A palavra nacional-bolchevismo contém um paradoxo deliberado.

Como podem duas noções mutuamente exclusivas serem combinadas em um único e mesmo

nome?

Independentemente do quão longe foram as reflexões dos nacional-bolcheviques históricos,

que certamente foram limitadas pelas especificidades conjunturais, a idéia de aproximação do

nacionalismo a partir da esquerda, e do bolchevismo a partir da direita é extremamente fértil e

inesperada, abrindo horizontes absolutamente novos de compreensão da lógica da história, do

desenvolvimento social, e do pensamento político.

Não devemos começar a partir de uma coleção de fatos políticos concretos: Niekiesch

escreveu isso, Ustrialov avaliou algum fenômeno de tal forma, Savitskiy apresentou tal

argumento, etc, mas tentaremos olhar o fenômeno a partir de um ponto de vista inesperado:

aquele mesmo que tornou possível a combinação ―nacional‖ e ―bolchevique‖. Então nós

seremos capazes não apenas de descrever este fenômeno, mas também de compreendê-lo e, com

sua ajuda, muitos outros aspectos de nosso tempo paradoxal.

2. . A inestimável contribuição de Karl Popper

É difícil imaginar algo melhor para a difícil tarefa de definir a essência do "nacional-

bolchevismo", do que uma referência às pesquisas sociológicas de Karl Popper, e especialmente

à sua obra fundamental: "A Sociedade Aberta e seus Inimigos". Neste trabalho volumoso

Popper propõe um modelo bastante convincente, segundo o qual todos os tipos de sociedade são

divididos em dois tipos principais - "Sociedade Aberta" e "Sociedade Não-Aberta" ou

"Sociedade dos Inimigos da Sociedade Aberta". Segundo Popper, a "Sociedade Aberta" é

baseada no papel central de um indivíduo e nos seus principais traços característicos: a

racionalidade, o comportamento do tipo passo-a-passo (discrição), ausência de teleologia global

em suas ações, etc. O sentido de uma "Sociedade Aberta" é que ela rejeita todas as formas de

Absoluto, que são não-comparáveis com a individualidade e sua natureza. Tal sociedade é

"aberta" apenas por causa do simples fato de que as combinações de variedades "de átomos

individuais não têm um limite (assim como qualquer propósito ou sentido) e, teoricamente, tal

sociedade deve ter por objetivo a realização de um equilíbrio dinâmico ideal. Popper também

considera-se como um adepto convicto da "sociedade aberta".

O segundo tipo de sociedade é definido por Popper como "hostil à sociedade aberta". Ele não

o chama de "fechada", prevendo possíveis objeções, mas freqüentemente usa o termo

"totalitária". No entanto, segundo Popper, apenas baseando-se na aceitação ou rejeição do

conceito de uma "sociedade aberta" todas as doutrinas políticas, sociais e filosóficas estão

classificadas.

Os inimigos da "Sociedade Aberta" são aqueles que, propõem (proclamam, apresentam)

modelos teóricos variados (diferentes) baseados no Absoluto contra o indivíduo e seu papel

central. O Absoluto, mesmo sendo instituído de forma espontânea e voluntária, de imediato se

intromete na esfera individual, altera radicalmente o processo de sua evolução, viola (exercita

coerção sobre) a integridade atomística do indivíduo, submetendo-o a algum impulso externo

individual. O indivíduo é imediatamente limitado pelo Absoluto, portanto, a sociedade das

pessoas perde a sua qualidade de "exposição (abertura)" e a perspectiva de desenvolvimento

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livre em todas as direções. O Absoluto dita os objetivos e tarefas, estabelece dogmas e normas,

viola (compele) o indivíduo, como um escultor coage o seu material.

Popper inicia a genealogia dos inimigos da ―Sociedade Aberta‖ com Platão, a quem ele

considera como um dos fundadores da filosofia do totalitarismo e como o pai do "obscurantismo

". Além disso, ele passa por Schlegel, Schelling, Hegel, Marx, Spengler e outros pensadores

modernos. Todos eles são unificados em sua classificação por uma indicação, que é a introdução

à metafísica, à ética, à sociologia e à economia, com base em princípios, que negam a

"sociedade aberta" e o papel central do indivíduo. Popper tem toda a razão neste ponto.

O mais importante na análise de Popper é o fato de que os pensadores e os políticos são

colocados na categoria dos "inimigos da sociedade aberta", independentemente de suas

convicções serem de "direita" ou "esquerda", "reacionárias" ou "progressistas". Ele acentua

alguns outros critérios, mais substanciais e fundamentais, unificando em ambos os pólos idéias e

filosofias que à primeira vista parecem ser os mais heterogêneos e opostos uns ao outros.

Marxistas, assim como os conservadores e os fascistas, e até mesmo alguns social-democratas

podem ser contados entre os "inimigos da sociedade aberta". Ao mesmo tempo, os liberais como

Voltaire ou pessimistas reacionários, como Schopenhauer podem ser classificados entre os

amigos da sociedade aberta.

Assim, a fórmula de Popper é assim: ou "sociedade aberta" ou "seus inimigos".

3. A Santa Aliança do objetivo

A definição mais feliz e completa do nacional-bolchevismo será a seguinte: "O nacional-

bolchevismo é uma superideologia, comum a todos os inimigos da sociedade aberta". Não é

apenas uma das ideologias hostis a tal sociedade, mas é exatamente a sua antítese plena e

consciente, total e natural. O nacional-bolchevismo é uma espécie de ideologia, que é construída

sobre a negação completa e radical do indivíduo e do seu papel central; e na qual o Absoluto,

em nome do qual a pessoa é negada, tem o sentido mais extenso e comum. Ousaremos dizer que

o nacional-bolchevismo justifica qualquer versão do Absoluto, qualquer refutação da "sociedade

aberta". No nacional-bolchevismo há uma tendência óbvia para universalizar o Absoluto a

qualquer custo, para fazer avançar uma ideologia e um programa político tais que seriam a

personificação de todas as formas intelectuais hostis à Ssociedade aberta ", reconhecendo um

denominador comum e integrando um bloco conceitual e político indivisível.

Claro que, ao longo da história as diferentes tendências, que eram hostis à sociedade aberta,

também foram hostis entre si. Os comunistas negam indignados sua semelhança com os

fascistas, e os conservadores negam-se a ter qualquer coisa a ver com ambas as tendências

acima referidas. Praticamente, nenhum dos "inimigos da sociedade aberta", admitiu sua relação

com as ideologias análogas, considerando as comparações como críticas pejorativas. Ao mesmo

tempo, as diferentes versões de "sociedade aberta" se desenvolveram em estreira união

recíproca, sendo claramente consciente de suas relações ideológicas e filosóficas. O princípio do

individualismo poderia ter unido a monarquia protestante inglesa com o parlamentarismo

democrático da América do Norte, onde o liberalismo no início foi graciosamente combinado

com o escravagismo.

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O nacional-bolcheviques foram exatamente os primeiros a tentar agrupar as diferentes

ideologias hostis à "sociedade aberta"; eles revelaram aquele eixo comum que, ao parecer de

seus opositores ideológicos, reunia em torno a si todas as alternativas possíveis ao

individualismo e à sociedade por ele fundada.

Os primeiros nacional-bolcheviques históricos construíram sua teoria sobre a base daquele

impulso profundo e quase de todo irreflexivo. O alvo da crítica nacional-bolchevique foi o

individualismo, de ―direita‖ tanto como de ―esquerda‖. Na ―direita‖, o individualismo se

expressava na economia, na ―teoria do livre-mercado‖; na esquerda, no liberalismo político: a

―sociedade igualitária‖, a ideologia dos ―direitos humanos‖, e similares.

Em outras palavras, o nacional-bolcheviques compreenderam além das ideologias a essência

de sua posição metafísica e a de seus adversários.

Em linguagem filosófica, o "individualismo" é praticamente identificado com o

"subjetivismo". Se aplicássemos uma leitura da estratégia nacional-bolchevique a este nível,

poderíamos afirmar que o nacional-bolchevismo é completamente contrário ao "subjetivo" e

completamente favorável ao "objetivo". A questão então não se po~e nos termos materialismo

ou idealismo, mas sim nos termos idealismo objetivo e materialismo objetivo (de um lado da

barricada) ou idealismo subjetivo e materialismo subjetiva (do outro).

Assim, a a filosofia política do nacional-bolchevismo afirma a unidade natural das ideologias

fundadas sobre a posição central do objetivo, ao qual se confere um status idêntico a aquele do

Absoluto, independentemente de como seja interpretado esse caráter objetivo. Podemos dizer

que a máxima metafísica suprema do nacional-bolchevismo é a fórmula hinduísta "O Atman é

Brahman". No hinduísmo "Atman" é o ser humano supremo, transcendente e indiferente ao

―ego‖ individual, porém ao mesmo tempo interno a este último como sua parte mais íntima e

misteriosa, fugidia aos condicionamentos do imanente. O "Atman" é o Espírito interno, em seu

sentido objetivo e supraindividual. O "Brahman" é a Realidade Absoluta, abarcando o indivíduo

desde o exterior, o caráter objetivo elevado a sua fonte primária e suprema. A identidade de

"Atman" e "Brahman" na sua unidade transcendente é a coroa da metafísica hinduísta e, o que é

acima de tudo, é a base do caminho da realização espiritual. Este é o ponto comum de todas as

doutrinas sagradas, sem qualquer exceção. Em todos elas se apresenta a questão da finalidade

fundamental da existência humana, da superação do ―Si Mesmo‖, da expansão à outros limites

do pequeno ―ego‖ individual; o caminho que se distancia deste ―ego‖, interior ou exterior,

conduz ao mesmo êxito vitorioso. Daí decorre o paradoxal da tradição iniciática, expresso na

frase famosa do evangelho: "quem queira ganhar sua vida, a perderá". O mesmo sentido está

contido na genial afirmação de Nietzsche: "O humano é aquilo que deve ser superado". O

dualismo filosófico entre o "subjetivo" e "objetiva" influenciou todo o curso da história na

esfera mais concreta da ideologia, seguindo as especificações da política e do ordenamento

social. As diferentes versões da filosofia "individualista" se concretizaram progressivamente no

campo ideológico do liberalismo e da política liberal-democrática. Este é o modelo da

―sociedade aberta‖ sobre a qual Popper escreveu. A "sociedade aberta" é o último e mais

maduro fruto do individualismo tornado ideologia e sendo cumprid em uma política concreta. É

por isso que nos obrigamos a desenvolver o problema de um modelo máximo comum

ideológico para os autores da percepção ―objetiva‖, de um programa socio-político universal

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para os ―inimigos da sociedade aberta‖. Como resultado, não vamos adquirir outra coisa senão o

nacional-bolchevismo.

Em paralelo à inovação radical dessa filosofia discriminante, operada verticalmente em

relação aos esquemas habituais (como idealismo-materialismo), os nacional-bolcheviques

assinalam uma nova linha demarcadora na política. Tanto a esquerda como a direita são

divididas em dois setores. A extrema-esquerda (comunistas, bolchevistas, ―hegelianos de

esquerda‖), vêm a se combinar na síntese nacional-bolchevique com os nacionalistas

extremistas, estatistas, sustentadores da Idéia do ―Novo Medievo‖, em breve, com todos os

―hegelianos de direita‖.

Os inimigos da ―Sociedade Aberta‖ retornaram ao seu terreno metafísico comum.

4. . A Metafísica do Bolchevismo, ou Marx visto a partir da Direita

Agora vamos esclarecer o modo de entender os dois componentes da expressão ―nacional-

bolchevismo‖ em um significado puramente metafísico.

O termo "bolchevismo" apareceu pela primeira vez, como é sabido, durante os debates no seio

do POSDR (Partido Operário Social-Democrata Russo) para definir a facção que se situou junto

às teses de Lênin. Vamos lembrar que a política de Lênin no âmbito da social-democracia russa

consistiu na orientação para um radicalismo ilimitado, uma recusa aos compromissos, e na

acentuação do caráter elitista do partido e no "blanquismo", ou teoria da conspiração

revolucionária. Mais tarde, as pessoas que fizeram a Revolução de Outubro e tomaram o poder

na Rússia foram chamados de "bolcheviques". Quase imediatamente após a revolução, porém, o

termo perdeu seu significado circunscrito e passou a ser entendido como sinônimo de

―majoritário‖, de ―política pan-nacional‖, de ―integração nacional‖ ("bolchevique", em russo,

pode traduzir-se aproximadamente como "representante da maioria"). Chegou-se assim a uma

fase na qual o ―bolchevismo‖ foi percebido como uma versão nacional, puramente russa, do

comunismo e do socialismo, em contraposição às abstrações dogmáticas dos marxistas e, ao

mesmo tempo, das táticas conformistas das outras tendências social-democratas. Essa

interpretação de "bolchevismo" foi, em grande medida, característica para a Rússia e foi aquela

que predominou no Ocidente. No entanto, a menção de "bolchevismo" em relação ao termo

―nacional-bolchevismo‖ não se limita a este significado histórico. Estamos na presença de uma

certa política, que é comum para todas as tendências da esquerda radical de caráter socialista e

comunista que podemos definir como "radical", "revolucionário", "anti-liberal". A referência é a

aquele aspecto da teoria da esquerda que Popper define como ―ideologia totalitária‖ ou como

―teoria dos inimigos da Sociedade Aberta‖. Assim, o "bolchevismo" não é apenas uma

conseqüência da influência mentalidade russa sobre uma doutrina social-democrata. É um

determinado componente que está constantemente presente em toda a filosofia de esquerda, que

poderia desenvolver-se livremente e abertamente à margem das condições na rússia de 1917.

Nestes últimos dias a maioria dos historiadores mais objetivos cada vez mais freqüentemente

levantam uma pergunta: "A ideologia fascista é realmente de direita?‖ E a presença de tal

dúvida, naturalmente, aponta para uma possibilidade de interpretação do "fascismo", como um

fenômeno mais complexo, possuindo uma grande quantidade de características tipicamente de

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"esquerda". Tanto quanto sabemos, a questão análoga - "A ideologia comunista é realmente ―de

esquerda‖? - não é levantada ainda. Mas essa questão se faz urgente: é necessário cubrir esta

demanda.

É difícil negar ao comunismo traços característicamente ―de esquerda‖ - como o apelo à

racionalidade, ao progresso, ao humanismo, ao igualitarismo e etc. Porém, ao lado destes,

apresenta aspectos que se mostram, sem sombra de dúvida, à margem de um marco de

―esquerda‖ e que se associam à esfera do irracional, do anti-humanismo e do totalitarismo. Estes

são em seu conjunto os elementos de ―direita‖ presentes na ideologia comunista, que definimos

como ―bolcheviques‖ em seu sentido mais geral. Antes, no próprio marxismo, aparecem dois

elementos suspeitos, desde o ponto de vista progressista, de serem ―realmente‖ de ―esquerda‖.

Trata-se da herança dos socialistas utópicos franceses e do hegelianismo de esquerda. Somente a

ética de Feuerbach contrasta com a essência ―bolchevique‖ da construção ideológica de Marx,

conferindo ao conjunto inteiro uma terminologia humanista e progressista.

Os socialistas utópicos, os quais foram, sem dúvida, incluídos por Marx no conjunto de seus

antecessores e professores, são os representantes de um particular messianismo místico e

predecessores de um ―retorno à Idade de Ouro‖. Praticamente, todos eles eram membros de

sociedades esotéricas, fortemente impregnadas de uma atmosfera de misticismo, escatologia e

previsões apocalípticas. Um universo no qual se intercalavam motivos sectários e ocultismos

religiosos, cujo sentido se reduzia ao seguinte esquema: ―O mundo moderno é intrínsecamente

maligno, pois perdeu a dimensão do sagrado. As instituições religiosas são corruptas e perderam

a benção de Deus (um tema comum entre as seitas extremistas protestantes, como os anabatistas

e os ―velhos crentes‖ russos). O mundo está governado pelo mal, pelo engano, pelo

materialismo, e pelo egoísmo. Porém, nós iniciados, sabemos do próximo retorno de uma Idade

de Ouro, e a favoreceremos com rituais enigmáticos e ações ocultas‖.

Os socialistas utópicos projetaram este modelo, comum ao esoterismo messiânico ocidental,

sobre a realidade social, e revestiram de reflexos políticos e sociais o século áureo do porvir.

Certamente, era uma tentativa de racionalização do mito escatológico, porém ao mesmo tempo

era uma intromissão na política do caráter sobrenatural do Reino vindouro, do ―Regnum‖, e

evidentemente em seus programas sociais e em seus manifestos, onde não é difícil encontrar

descrições das maravilhas da futura sociedade comunista (navegantes que cavalgariam no

lombo de golfinhos, manipulação das condições metereológicas, comunidade de esposas e

liberdade sexual, vôos humanos, etc.). É absolutamente evidente o caráter quase-tradicional

dessa direção política: um misticismo escatológico radical, a idéia do retorno às Origens, que

justificam plenamente a classificação dessa componente não apenas à ―direita‖, mas inclusive à

―extrema direita‖.

Agora cheguemos a Hegel e a sua dialética. É amplamente conhecido que as convicções

políticas pessoais do filósofo foram extremamente reacionárias. Porém essa não é a questão. Se

examinamos o fundamento metodológico da dialética hegeliana (e foi precisamente o método

dialético do que Marx tomou emprestado, em ampla medida, de Hegel), descobriremos uma

doutrina perfeitamente tradicionalista, inclusive escatológica, que faz uso de uma terminologia

específica. Ademais, tal terminologia reflete a estrutura da aproximação iniciática, esotérica, aos

problemas epistemológicos, bem distante da lógica profana de Descartes e Kant; estas teriam

por fundamento o ―sentido comum‖, as especificações epistemológicas daquela ―consciência da

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vida quotidiana‖ da qual (vale a pena anotá-lo) todos os liberais, e em particular Karl Popper,

são apologistas.

A Filosofia da História de Hegel é uma versão do mito tradicional, integrado em uma

teleologia puramente cristã. A Idéia Absoluta, alienada de si mesma, torna-se o mundo

(Lembremos a fórmula do Corão: "Deus era um tesouro escondido, que queria ser descoberto.").

Encarnando-se ao longo da história, a Idéia Absoluta exerce uma influência desde o exterior

sobre os omens, como ―astúcia da Razão‖, predeterminando o caráter providencial da trama dos

eventos. Para tal fim, mediante o advento do Filho de Deus, a perspectiva apocalíptica da

realização total da Idéia Absoluta se desvela ao nível subjetivo, que, por efeito daquele, de

―subjetivo‖ se faz ―objetivo‖. ―O Ser e a Idéia são uma mesma coisa‖, quer dizer: ―O Atman é

Brahman‖. Isso devém em um determinado Reino particular, em um Império do Fim que o

nacionalista alemão Hegel identificou com a Prússia.

A Idéia Absoluta é a tese, a sua alienação ao longo da história é a antítese, a sua realização no

Reino escatológico é a síntese.

A epistemologia de Hegel é baseada nessa visão ontológica. Para além da racionalidade

comum, que é baseada nas leis da lógica formal, trabalha apenas com afirmações positivas e se

limita às relações atuais causa/efeito- a "nova lógica" de Hegel toma como objeto aquela

especial dimensão ontológica do coisa, integrada em seu aspecto potencial, inacessíveis para a

"consciência da vida cotidiana", mas amplamente utilizada nas correntes místicas de Paracelso,

Jakob Boehme, os hermetistas e a Rosacruz. O fato de um sujeito ou uma afirmação (a que se

reduz a epistemologia ―quotidiana‖ de Kant)é para Hegel apenas uma dos três hipóstases. A

segunda hipóstase é a "negação" daquele fato, entendida não como puro nada (do ponto de vista

da lógica formal), mas como um modo particular de existência supraintelectual de algo ou de

uma afirmação. A primeira hipóstase é o "Ding für uns" (a coisa para nós); a segunda hipóstase

o"Ding an sich‖ (coisa em si). Mas, ao contrário da perspectiva kantiana, a "coisa em si" não é

interpretada como algo transcendente e puramente apofático, não como uma perspectiva

epistemológica do não-ser, mas como um ser-de-outro-modo epistemológico. E ambas

hipóstases relativas desembocam na Terceira, a síntese, que abarca tanto a afirmação como a

negação, a tese tanto como a antítese. Assim, considerando o processo do pensamento em sua

coerência, a síntese tem lugar após a "negação", enquanto segunda negação ou ―negação da

negação‖. Na síntese se complementam tanto a afirmação como a negação. O coisa co-existe

com sua própria morte, que de acordo com uma determinada perspectiva ontológica e

epistemológica não é vista como vazio, mas como outro-modo-de-ser da vida, alma.

O pessimismo epistemológico de Kant, seguindo a meta-ideologia liberal, é derrubada, é

descoberta como "imprudência", e o "Ding an sich (coisa em si) torna-se "Ding für sich (coisa

para si). A razão do mundo e o próprio mundo são combinados na síntese escatológica, onde a

existência e a inexistência estão presentes, não se excluindo mutuamente. O Reino Terreno do

Fim, dirigido pela casta dos Iniciados (o ideal da Prússia) será integrado com a Nova Jerusalém

descida à Terra. Será o Fim da História e o início da Idade do Espírito Santo.

Este cenário messiânico escatológico foi tomado emprestado por Marx e aplicado a uma outra

esfera, a esfera das relações económicas. Uma pergunta interessante: Por que Marx fez uma

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coisa dessas? A "direita" está pronto para responder citando sua "falta de idealismo", sua

"natureza rude" (se não tentativas subversivas). Explicações surpreendentemente simplistas, que

têm mantido a sua polaridade no decurso de várias gerações de reacionários. Mais

provavelmente, Marx, que exaustivamente estudou a economia política inglesa, foi seduzido

pela semelhança entre as teorias liberais de Adam Smith, que vêem a história como um

movimento progressivo na direção da sociedade de livre mercado e da universalização de um

denominador comum monetário, e o conceito hegeliano que expressa a antítese histórica, ou

seja, a alienação da Idéia Absoluta na história. De modo genial, Marx identificou a máxima

alienação do Absoluto no Capital.

Da análise da estrutura do capitalismo e de sua evolução histórica Marx extraiu o conhecimento

dos mecanismos de alienação, a fórmula alquímica das suas regras de funcionamento. E esse

entendimento mecânico, as fórmulas da antítese, foi apenas a primeira e necessária condição

para a Grande Restauração após a Última Revolução. Para Marx, o Reino do comunismo por vir

não era apenas o progresso, mas o êxito final, a "revolução" no sentido etimológico do termo.

Não por acaso o próprio Marx definiu a primeira etapa da humanidade como "comunismo das

cavernas." A tese é o "comunismo das cavernas", a antítese é o Capital, a síntese é o comunismo

mundial. Comunismo é sinônimo de Fim da História, de Era do Espírito Santo. O materialismo,

focando sobre as relações económicas e industriais, não testemunha o interesse de Marx pela

praxis, mas sua busca pela transformação mágica da realidade e rejeição radical dos sonhos de

compensação de todos os sonhadores irresponsáveis que não fazem mais que agravar o

elemento de alienação por sua inação. De acordo com uma lógica semelhante, os alquimistas

medievais poderiam ser rotulados como "materialistas" e sedento de riquezas para aqueles que

não levam em conta o seu simbolismo profundamente espiritual e iniciático que está contido em

seus discursos sobre a destilação da urina, a transmutação de ouro em chumbo e sobre a

transformação dos minerais em metais.

Essas tendências gnósticas presentes em Marx e seus predecessores foram coletados pelos

bolcheviques russos, alimentadas em um ambiente onde a força enigmática das seitas russas, o

messianismo nacional, as sociedades secretas e os tratados apaixonantes e românticos dos

rebeldes formaram o fermento contra um regime monárquico alienado, secularizado e

degenerado. Moscou era a "Terceira Roma," o povo russo era um povo deíforo (Portador de

Deus); a Rússia estava destinada a salvar o mundo: todas essas idéias estavam permeabilizadas

no cotidiano do povo russo, em sintonia com a tendência de escolher um tema esotérico no

marxismo. Mas, confrontado com fórmulas estritamente espirituais, o marxismo ofereceu uma

estratégia econômica, política e social, clara e concreta, compreensível para as pessoas comuns

e apta a formar uma base à disposição de sua natureza social e política.

Foi esse "marxismo de Direita", que triunfou na Rússia sob o nome de "bolchevismo". Mas isso

não significa que se trate de uma questão apenas da Rússia: tendências semelhantes se

apresentaram em partidos comunistas de todo o mundo, quando estes não se degradaram ao

nível da social-democracia no espírito liberal parlamentar. Assim, não é de surpreender que o

socialismo revolucionário triunfou plenamente, além de Rússia, nos países do Extremo Oriente:

China, Coréia, Vietnã, etc. Precisamente aqueles povos e nações mais tradicionais e menos

progressistas e "modernos" (isto é, menos "alienados do Espírito), os mais à "direita ", que

reconheceram no comunismo uma essência mística, espiritual, "bolchevique".

O Nacional-Bolchevismo tomou como própria esta tradição bolchevique, esse "comunismo de

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direita" cujas origens faziam referência às antigas sociedades iniciáticas e às doutrinas

espirituais de tempos remotos. O aspecto econômico do comunismo não veio aqui negado, mas

é considerado como um meio da prática teúrgica, mágica, como um instrumento particular para

a transformação social. A única coisa que parece inadequada e ultrapassada no discurso

marxista, em que aparecem os temas acidentais e obsoletos do humanismo, é o progressismo.

O marxismo dos nacional-bolcheviques equivale a Marx menos Feuerbach, isto é, menos aquele

humanismo inercial que agora emerge no mundialismo globalizador.

METAFÍSICA DA NAÇÃO

Naturalmente, o outro componente do "nacional-bolchevismo" merece ser explicado. O conceito

de "nação" não é nada simples, sua interpretação pode ser biológica, política, cultural,

econômica. O nacionalismo pode significar a exaltação da "pureza racial" ou a "homogeneidade

étnica", como a agregação de indivíduos atomizados, a fim de garantir um "optimum" de

condições econômicas em uma pequena área geográfica.

O componente "nacional" do nacional-bolchevismo (em seu sentido quer histórico, quer meta-

histórico, absoluto) é especial. No curso da história, os círculos Nacional-Bolcheviques se

distinguiram pela tendência de ler o conceito de nação no seu sentido imperial, geopolítico. Para

os seguidores de Ustryalov, os ―eurasianos de esquerda‖, para não falar dos nacional-

bolcheviques soviéticos, o ―nacionalismo‖ é super-étnico, está associado ao messianismo

geopolítico, ao ―lugar de desenvolvimento‖, à cultura, ao fenômeno-nação à escala continental.

Também nos escritos de Niekisch e os seus adeptos alemães acha-se a idéia de império

continental "de Vladivostok à Flessing" com a idéia da "Terceiro Figura Imperial" (Das Dritte

imperiale Figur).

Em todos os casos, trata-se da questão da interpretação geopolítica e cultural da nação, sem o

menor traço de racismo ou de uma visão de "pureza étnica".

Esta leitura cultural e geopolítica da "Nação" é baseada no dualismo geopolítico que nas obras

de Halford Mackinder encontrou a sua primeira forma clara e deu lugar à escola de Haushofer e

dos ―eurasianos‖ russos. A agregação imperial das nações do Leste, reunidos em torno à Rússia

constitui o possível esqueleto da nação continental, consolidada na escolha "ideocrática" e na

rejeição da plutocracia, de uma direção revolucionária socialista contra o capitalismo e

"progresso".

Significativamente Niekisch insistiu em dizer que na Alemanha, o "Terceiro Reich" deveria ser

construído em torno de um prussianismo, protestante e potencialmente socialista, geneticamente

e culturalmente ligados à Rússia e ao mundo eslavo, e não sobre a Baviera católica e ocidental

gravitando em torno da órbita do modelo capitalista. Mas, com esta versão "com dimensões

continentais" de nacionalismo que corresponde exatamente às demandas específicas messiânicas

universais específicas do nacionalismo escatológico e ecumênico russo, também existe no

nacional-bolchevismo uma interpretação mais restrita, que, em relação à escala continental, não

se apresenta como uma contradição, mas sim como sua definição em um nível inferior.

Neste último caso, a nação é compreendida em analogia ao conceito de "narod" (povo-nação)

interpretado pelos "narodniki" (populistas) russos, ou seha: como uma entidade integral,

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orgânica, em sua essência, refratário a qualquer subdivisão anatômica, que tem um destino

específico e uma estrutura única.

Segundo a doutrina tradicional, um certo Anjo, um determinado ser celestial, é responsável pela

vigilância de todas as nações da terra. Este anjo é o sentido histórico da nação em particular, o

destino além do tempo e espaço, mas sempre presente nas vicissitudes históricas da nação. O

Anjo da nação não é algo vago e sentimental, nebuloso, mas uma essência intelectual brilhante,

um ―pensamento de Deus‖, como Herder diz. A estrutura é visível em conquistas históricas da

nação, nas instituições sociais e religiosas que a caracterizam ,na cultura. A estrutura toda da

história nacional nada mais é que o texto da narrativa da qualidade e da forma desse Anjo

brilhante nacional. Nas sociedades tradicionais o Anjo da nação se manifesta de forma pessoal

na "Re Divini", nos grandes heróis, sábios e santos, ainda quando sua realidade sobre-humana o

torna independente de seu hospedeiro humano. Portanto, uma vez caídas as dinastias

monárquicas, pode se encarnar de forma coletiva , em uma ordem, em uma classe, em um

partido.

Assim, a nação, entendida como categoria metafísica não se identifica com a multidão de

indivíduos específicos com o mesmo sangue ou que falam a mesma língua, mas com a

misteriosa entidade angélico que se manifesta al longo de toda a sua viagem histórica. É o

análogo da Idéia Absoluta de Hegel, porém em forma minúscula. A inteligência nacional,

resulta da multiplicidade de seu povo e, novamente, em seu aspecto concreto, consciente,

"finalizado" - na elite nacional no curso de determinados períodos escatológicos da história.

Estamos em um ponto muito importante: essas duas interpretações da "nação", ambas aceitáveis

para a ideologia nacional-bolchevique, têm um denominador comum, um momento mágico em

que ambos se baseiam. Trata-se da Rússia e da sua missão histórica. É significativo que no

nacional-bolchevismo alemão a "russofilia" desempenhou o papel como a pedra angular sobre a

qual construir seu ponto de vista político, social e econômico. A interpretação russa (e em

grande medida soviética) da "nação russa", como comunidade mística aberta, destinada a levar a

luz da salvação e da verdade para o mundo na época do fim dos tempos; nessa visão se fundem

tanto a concepção do grã-continental, como a histórico-cultural da Nação. Nesta perspectiva,o

nacionalismo russo e soviético torna-se o fulcro ideológico do nacional-bolchevismo, não só nos

confins da Rússia e da Europa Oriental, mas em um nível global. O Anjo da Rússia se desvela

qual Anjo da integração, como ser luminoso particular que busca unir teologicamente as outras

essências angélicas no interior de si, sem cancelar a individualidade de cada um, porém

elevando-os à escala imperial universal. Não é por acaso que Erich Müller, discípulo e

colaborador de Ernst Niekisch havia escrito em seu livro intitulado "Nacional-Bolchevismo‖:

"Se o Primeiro Reich foi católico, e o Segundo Reich protestante, o Terceiro Reich deverá ser

ortodoxo, ortodoxo e soviético."

No caso concreto, estamos diante de uma questão extremamente interessante. Se os anjos das

nações são indivíduos diferentes, os destinos das nações, no decurso da história, e sua formação

social, política e religiosa refletem as forças do mundo angélico. E o que é mais fascinante: essa

idéia, absolutamente teológica, e brilhantemente confirmada pela análise geopolítica, mostra a

interrelação entre as condições de existência geográficas, territoriais, das nações, e sua cultura,

psicologia, e até mesmo as suas inclinações políticas e sociais . Assim assume gradual

explicação o dualismo entre o Oriente e o Ocidente, e até mesmo o dualismo étnica: a terra, a

Rússia ―ideocrática‖ (o mundo eslavo além de outros grupos étnicos da Eurásia) contra a ilha, o

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Ocidente anglo-saxão plutocrático. A ordem angelical da Eurásia contra a armada atlântica do

capitalismo. A verdadeira natureza do "Anjo" do capitalismo (que segundo a tradição tem o

nome de Mammon) não é difícil de adivinhar.

O Tradicionalismo, ou Evola visto a partir da Esquerda

Quando Karl Popper "desmascara os inimigos da sociedade aberta", faz uso constante do termo

"irracional". É lógico, porque a "sociedade aberta" é baseada no primado da razão e dos

princípios da "consciência comum". Em princípio, os escritores mais abertamente anti-liberais

tendem a se justificar e a objetar a acusação de "irracionalidade". O nacional-bolcheviques

conscientemente aceitam o esquema de Popper, aceitando essa acusação, mesmo quando

expressam uma avaliação completamente oposta. As principais motivações dos "inimigos da

sociedade aberta" e seus oponentes mais vocais e consistentes, o nacional-bolcheviques, não

nascem no sol do racionalismo. Nesta questão, é essencial que trabalhamos escritores

tradicionalistas, e em primeiro lugar de René Guènon e Julius Evola.

Tanto na obra de Guénon como na de Evola se expõe a mecânica do processo cíclico, em que a

corrupção do elemento Terra (e da consciência humana correspondente), a profanação da

civilização e o "racionalismo" moderno, com todas as suas conseqüências lógicas, são

considerados como um dos estágios de degeneração. O irracional não é interpretado pelos

tradicionalistas como uma categoria negativa ou pejorativa, mas como uma esfera gigante de

realidade, impossível de estudar com métodos simples de análise e senso comum. Portanto,

sobre este tema a doutrina tradicional não contesta as sagazes conclusões do liberal Popper, mas

concorda com ele, porém apontando na direção oposta. A Tradição é baseada no conhecimento

supra-intelectual, o ritual iniciático que provoca a fratura de consciência, sobre as doutrinas

expressas nos símbolos. O intelecto discursivo tem apenas valor auxiliar, e não reveste nenhum

significado decisivo. O centro de gravidade da Tradição é colocado dentro de uma área não

somente não-racional, mas também não-humano; e não se trata da bondade da intuição, da

previsão ou dos pressupostos, mas da confiança da particular experiência iniciática.

O irracional, desmascarado por Popper como o ponto focal da doutrina dos "inimigos da

sociedade aberta", é em verdade o eixo do Sagrado, o centro e a base da Tradição. Sendo este o

caso, as diversas ideologias antiliberais, incluídas as ideologias revolucionárias "de esquerda" -

devem ter uma relação com a Tradição.

Agora, se isso parece óbvio no caso das ideologias de "extrema direita", hiperconservadoras, é

problemático no caso das ideologias de "esquerda". Já tocamos no assunto tratando do o

conceito de "bolchevismo". Mas aqui nos deparamos com outra questão: as ideologias

revolucionárias anti-liberais, incluindo o comunismo, o anarquismo e o socialismo

revolucionário, propagam a destruição radical não apenas das relações capitalistas, mas também

das instituições tradicionais (monarquia, igreja, organizações religiosas ...) Como combinar este

aspecto do anti-liberalismo com o tradicionalismo? Significativamente, o próprio Evola (e até

certo ponto Guénon, embora isso não se possa afirmar sem dúvida, uma vez que o seu

comportamento nas confrontações da "esquerda" nunca foi explícito) negou qualquer carácter

tradicional às doutrinas revolucionárias, considerando-as como a expressão máxima do espírito

contemporâneo, da degradação e da decadência, mesmo quando a experiência pessoal de Evola

teve períodos, especialmente os primeiros e os últimos, durante os quais expressou opiniões

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niilistas, anarquistas, tendo como única resposta positiva o "Cavalgar o Tigre" o que quer dizer

fazer causa comum com as forças da decadência e do caos, a fim de superar o ponto crítico da

"decadência ocidental". Mas aqui nós não vamos lidar com a experiência histórica de Evola

enquanto figura política. Em seu lugar importa ressaltar como em seus escritos políticos,

também inclusive em seu período intermediário, de máximo conservadorismo, vem acentuada a

necessidade de fazer apelação a qualquer Tradição esotérica, caso que, em geral, não se

encontrava alinhado com os modelos monárquicos e clericais predominantes entre os

conservadores europeus que com ele tiveram contatos políticos. Não se trata apenas de seu anti-

cristianismo, mas seu interesse na Tradição tântrica e no budismo, que no contexto do

conservadorismo tradicional hindu são considerados heterodoxos e subversivos. Por outro lado,

são absolutamente escandalosas as simpatias de Evola por personagens como Giuliano

Kremmerz, Maria Naglovska e Aleister Crowley, que foram localizados por Guénon entre os

representantes da "Contra-Tradição", entre as tendências negativas e destrutivas do esoterismo.

Assim, se constantemente Evola se posiciona na "ortodoxia tradicional" e critica violentamente

doutrinas subversivas de esquerda, ao mesmo tempo fez um apelo a uma heterodoxia evidente.

Fato significativo foi o reconhecer-se entre os seguidores do "caminho da mão esquerda." E

aqui chegamos a um ponto especificamente relacionado com a metafísica do nacional-

bolchevismo. De fato, paradoxalmente, vemos como se combinam não somente duas tendências

políticas opostas ("direita" e "esquerda"), e não apenas dois sistemas filosóficos, dos quais um é,

à primeira vista, a negação do outro (o idealismo e o materialismo), mas mesmo duas tendências

no coração da Tradição, o positivo (ortodoxo) e o negativo (subversivo). No caso específico,

Evola é um autor importante, no qual se observa uma certa discrepância entre sua doutrina

metafísica e suas convicções políticas, baseadas, segundo nossa opinião, em certos preconceitos

difíceis de se expurgar, típicos dos círculos políticos da extrema-direita ―centro-européia‖

contemporânea.

Neste livro magnífico sobre o tantrismo que é "Lo Yoga della Potenza", Evola descreve a

estrutura iniciática das organizações tântricas (Kaula) e sua hierarquia típica. Essa hierarquia se

mostra verticalmente na postura frente a própria hierarquia sagrada, característica da sociedade

indiana. O ritual tântrico (como a própria doutrina budista) e a participação em suas iniciações

traumáticas comportam de certa forma o cancelamento de todas as estruturas políticas e sociais

comuns, assegurando que "quem percorre o caminho mais curto não necessita de apoio

externo." Para os fins tântricos não tem importância nenhuma ser um brâmane ou um chandala

(representante das castas mais baixas). Tudo depende do cumprir as complexas operações

iniciáticas e da autoridade da experiência transcendente. O Tantra é uma espécie de ―sacralidade

de esquerda‖, fundada na convicção da insuficiência, da degeneração e do caráter alienado das

instituições sacrais ordinárias. Em outras palavras, o esotérico de "esquerda" se opõe à "direita"

esotérica, não enquanto negação, mas por causa de uma particular afirmação paradoxal versada

sobre o caráter autêntico da experiência e sobre o caráter concreto da auto -transformação. É

evidente que nos encontramos de frente com esta realidade do esoterismo ―de esquerda‖ no caso

de Evola e daqueles místicos que estão na origem das ideologias socialistas e comunistas. A

crítica destrutiva evoliana à Igreja não é uma mera negação da religião, mas sim uma particular

forma estática do espírito religioso que insiste sobre a natureza absoluta e concreta da auto-

transformação ―aqui e agora‖. O fenômeno dos "Velhos Crentes", as auto-imolações de

"kristis", caem na mesma espécie. O próprio Guènon, em um artigo intitulado "O Quinto Veda",

dedicado ao tantrismo, escreve que em determinados períodos cíclicos, perto do final da Kali-

Yuga, as instituições tradicionais perdem sua força vital, e portanto a auto-realização metafísica

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deve assumir métodos e vias novas, não-ortodoxas; esta é a razão pela qual existindo apenas

quatro Vedas, a doutrina tântrica seja chamada ―o quinto Veda‖.

Em outras palavras, a medida em que as instituições tradicionais conservadores decaem (no caso

da monarquia, igreja, instituições sociais, castas, etc), sempre assumem um papel de primeiro

grau aquelas práticas iniciáticas particulares, arriscadas e perigosas, ligadas ao "caminho da mão

esquerda." O tradicionalismo característico do nacional-bolchevismo, na sua maioria em geral é

de "esquerda esotérica", que copia em sua substância os princípios do "Kaula" tântrico e da

doutrina da "Transcendência destrutiva." O racionalismo e o humanismo de estampa

individualista golpearam de morte a aquelas instituições do mundo contemporâneo que

nominalmente se afirmam ―sacras‖. A restauração da Tradição em suas proporções reais

segundo a via da melhoria gradual das condições existentes, é impossível. Além disso, todo

apelo á evolução e à gradualidade só pode levar à disseminação do liberalismo. Por conseguinte,

a lição de Evola para o nacional-bolcheviques é enfatizar os elementos diretamente ligados às

doutrinas da "mão esquerda", à realização espiritual traumática na esperança concreta de

transformação e revolução dos usos e costumes que perderam toda justificativa de ordem

sagrada.

Os nacional-bolcheviques entendem o "irracional" não apenas como "não-racional", mas como

"destruição ativa e agressiva do racional" como uma luta contra a "consciência quotidiana" (e

contra o ―comportamento quotidiano‖), como um mergulho no elemento da "Nova Vida",

aquela particular existência mágica "do homem diferenciado", que rejeitou qualquer proibição e

norma externa.

Terceira Roma, Terceiro Reich, Terceira Internacional

Duas únicas variantes teóricas dos "inimigos da sociedade aberta" foram capazes de derrotar

temporariamente o liberalismo, o comunismo russo (e chinês), e o fascismo europeu. Entre

esses dois extremos se colocaram os nacional-bolcheviques, expoentes de uma oportunidade

histórica única que não viu a luz, sutil formação de políticos clarividentes, forçado a agir à

margem do fascismo e do comunismo, condenados a assistir ao fracasso de seus esforços

políticos e ideológicos em favor da integração.

No Nacional-Socialismo alemão prevaleceu a nefasta e quebrada linha católico-bávara de

Hitler; enquanto os soviéticos, refutaram teimosamente as motivações místicas inerentes à sua

ideologia, dessangrando espiritualmente e castrando intelectualmente o bolchevismo.

O primeiro a cair foi o fascismo, em seguida, veio a vez da última cidadela antiliberal: URSS. À

primeira vista, o ano de 1991 marca o encerramento do encontro geopolítico com Mammon, o

Anjo cosmopolita do capitalismo. Mas, simultaneamente, torna-se claro como o Sol não

somente a verdade metafísica do nacional-bolchevismo, mas também a justiça histórica absoluta

de seus primeiros representantes. Só o discurso político dos anos 20 e 30 do século XX que

havia conservado sua atualidade se encontrava nos textos dos eurasianos russos e dos

revolucionários-conservadores ―de esquerda‖ alemães. O Nacional-bolchevismo é o último

refúgio dos "inimigos da sociedade aberta", a não ser que eles não queiram persistir em suas

doutrinas superadas, historicamente inadequadas e totalmente ineficazes. Se a extrema-esquerda

rechaça ser o apêndice banal e oportunista da social-democracia, se a extrema-direita não quer

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ser usada como terreno de recrutamento, como facção extremista do aparato repressivo do

sistema liberal, se os homens que possuem sentimentos religiosos não encontram satisfação nos

miseráveis sucedâneos moralistas ofertados por sacerdotes de cultos imbecis ou em um pseudo-

espiritualismo primitivo, então somente lhes resta uma via: o Nacional-Bolchevismo.

Do outro lado da "direita" e "esquerda", há uma revolução una e indivisível, que está contida na

tríade dialética: "Terceira Roma - Terceiro Reich - Terceira Internacional"

O reino do nacional-bolchevismo, "Regnum", o Império do Fim; eis aqui o perfeito

cumprimento da maior revolução da história, enquanto continental e universal. Falamos do

retorno dos anjos, a ressurreição dos heróis, da insurreição dos corações contra a ditadura da

razão. Esta Última Revolução é tarefa do Acéfalo, o portador sem cabeça da Cruz, Foice e

Martelo, coroado pelo Sol da Suástica Eterna.

Tradução por Raphael Machado

"Financismo", o Estágio Supremo de Desenvolvimento do Capitalismo

por Aleksandr Dugin

1. Em qual sistema de coordenadas deve-se examinar o fenômeno do "financismo"

Representa o capitalismo financeiro apenas uma variante aleatória da essência comum do

desenvolvimento do sistema capitalista? Ou será, ao invés, a encarnação definitiva de toda sua

lógica, seu triunfo?

A resposta para essa questão não pode ser encontrada dentro dos clássicos da teoria econômica,

seu horizonte sendo limitado à fase industrial do desenvolvimento - cuja tendência geral e

completa significância econômica eles (e principalmente os marxistas) investigaram

completamente e corretamente. A sociedade pós-industrial ainda é, em muitas maneiras, uma

realidade obscura.

Em sua análise não há clássicos estabelecidos, ainda que muitos autores tenham lançado um

olhar profundo sobre esse fenômeno. A tarefa de compreender o "financismo" é nossa, quer

gostemos ou não.

Até mesmo para darmos os primeiros passos na direção de um panorama consistente desse

tema, nós temos que considerar toda a história do paradigma econômico, e individuar ali o lugar

do "financismo" - não apenas a partir do ponto de vista da cronologia quantitativa, mas a partir

do ponto de vista da relevância qualitativa desse fenômeno no desenvolvimento geral de

modelos econômicos.

E ainda, mesmo aqui, no ponto-zero da formulação do problema, nós nos deparamos com um

elemento de incerteza solapando a estrutura da análise. Haverá mesmo uma e apenas uma única

história da economia? Tal história realmente existiu, mas em duas (ou três?) versões

alternativas. Existe uma história reconhecida da economia a partir da posição liberal

(capitalismo como a expressão do paradigma mais moderno e progressivo na economia), bem

como a partir da posição marxista (socialismo como a superação do capitalismo como a

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expressão do paradigma mais moderno e progressivo na economia). E mais, existiu uma terceira

orientação (ou seja, "heterodoxia" econômica), que se recusava absolutamente a avaliar o

paradigma econômico segundo esta fórmula simplória (progressivo-não progressivo), como os

economistas clássicos costumavam fazer. Mas esta escola ecomômica de "Terceira Via" (sobre

a qual eu relatei na "Coleção Econômico-Filosófica) permaneceu marginal, a despeito da

presença de economistas e filósofos de primeira categoria em suas fileiras.

2. Uma avaliação problemática do financismo na perspectiva marxista

Os eventos da última década demonstraram um sucesso claro da tendência histórica da

economia liberal. E precisamente no contexto do pensamento econômico e filosófico liberal

nasceram as primeiras teorizações a respeito da sociedade pós-industrial. O pensamento

socialistas permaneceu, ao invés, completamente dentro das fronteiras do paradigma industrial,

e a queda dramática do sistema soviético introduz acentos inconfundíveis na história dessa

disputa acadêmica.

O sistema liberal foi capaz de:

- evitar as revoluções socialistas;

- dissolver o proletariado:

- impedindo-o de se consolidar em um partido revolucionário atuando em escala mundial;

- vencer a guerra ideológica contra o campo socialista.

A partir de todos esses aspectos, o modelo liberal bem-sucedidamente derrotou a ameaça

marxista.

À parte da posição de vantagem tática, nós somos confrontados aqui com uma conclusão

conceitual muito relevante. Eu posso compreender que pessoas que partilham de um certo

conjunto de Weltanschauungen (*Visões-de-Mundo) dificilmente aceitarão essa conclusão - e

mesmo o pensamento de tal generalização poderá ser perturbador para alguns. Não obstante, um

grande número de fatores está nos levando a pensar que o paradigma liberal - isto é,

especificamente, o capitalismo consistente - é exatamente o paradigma econômico que encarna

em si mesmo o verdadeiro espírito do mundo moderno. Capitalismo liberal, mais do que o

socialismo (e do que modelos econômicos de "Terceira Via"), provou ser o regime econômico

mais atualizado.

Sendo este o este o estado das coisas, seria errado decifrar a posteriori os sistemas socialistas

como tendo sido demonstrados menos adequados, ao mesmo tempo se apegando ao paradigma

econômico moderno. Tudo é muito mais complexo: a orientação anti-capitalista e a premissa

filosófica, subjacendo nas raízes do modelo econômico capitalista, aparecem como uma espécie

de tendência anti-modernista em relação à economia - mas não apenas em relação a ela. Não é

um beco-sem-saída, mas a última luta (ainda que velada e externamente estilizada segundo a

aparência do "modernismo") do paradigma anti-moderno de uma Weltanschauung que encontra

expressão na teoria e praxis econômica (ver A.Dugin, "O Paradigma do Fim", Elementy n.9).

Hodiernamente a posição socialista não vale um único centavo: não apenas as previsões de

Marx a respeito da transição do Ocidente industrializado para o socialismo provaram-se

verdadeiras apenas no modo de produção agrário-asiático oriental; mesmo o último argumento

marxista foi batido - o fato da existência do marxismo (do marxismo realizado, vitorioso - ainda

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que de um modo voluntarista, blanquista-leninista) em muitas áreas do mundo.

Como concluir - a partir desse ponto de partida - que o socialismo mesmo representa um

fenômeno mais "progressivo"? Como significar que o verdadeiro curso da história mundial (a

infame necessidade histórica) corre precisamente em sua direção? É impossível. Um fato

emerge, mais e mais claramente: que o socialismo foi o resultado de um esforço geral resoluto -

não um produto do curso objetivo da história, mas precisamente da insurgência contra esse

curso objetivo - o efeito de uma insurreição heróica e de um feito moral de heroísmo, no qual

um máximo de tensão enlaçavam tanto a elite revolucionário como a massa nacional.

Nessa moldura, a peculiaridade geográfica e cultural dos países onde o socialismo triunfou não

aparece mais como um elemento aleatóroi, mas como um fator importante, porém não

determinante. A geopolítica efetivamente corrige a política econômica (ver A.Dugin, "O

Paradigma do Fim", cit...).

O socialismo venceu nos países do Leste como um inimigo - cultural, histórico, étnico e

religioso - de orientações e prioridades orientais. O messianismo escatológico eurasianista russo

(e judaico ortodoxo) dos comissários bolcheviques provaram ser um argumento de muito mais

peso que as abstrações sofisticadas da economia política. O universalismo marxista não provou

ser comparativamente válido. E como uma linguagem conceitual comum, o marxismo caiu em

pedaços junto com o Império Russo-Soviético.

As tentativas hodiernas de descriptografar o fenômeno do "financismo" em uma perspectiva

marxista ortodoxa estão claramente destinadas à falha, desde que a ortodoxia mesma foi

destruída. A ortodoxia é confrontada - em primeiro lugar - com o desafio seriíssimo de prover

uma explicação marxista não contraditório dos paradoxos do século XX - e acima de tudo do

destino trágico do socialismo na sua última década. Apenas após realizar essa tarefa, seria

possível seguir adiante. Porém, tendo realizado tal tarefa, seria o marxismo ortodoxo o mesmo

de antes? É difícil de acreditar.

Desse modo, o liberalismo possui as qualidades para analizar o "financismo" segundo sua

própria perspectiva peculiar. O movimento na direção de uma economia puramente financeira

será, nessa visão, o movimento na direção de um estágio mais moderno e "progressivo". Já que

o capitalismo mesmo é considerado como moderno e "progressivo", muito mais moderno e

"progressivo" será o financismo.

3. "Dominação Real do Capital"

O liberalismo assimilou da Weltanschauung socialista (e mesmo marxista) o quê sob um ponto

de vista paradigmático não entrava em contradição com as fundações da lógica capitalista, e

destruiu todas as formas remanescentes - aquelas realmente alterntivas - ao fim de uma guerra

ideológica, econômica e geopolítica.

A fase pós-industrial do desenvolvimento do capitalismo - durante a qual sua transição a uma

fase puramente financeira da economia ocorreu - coincidiram com a globalização e totalização

do próprio paradigma liberal. O financismo é uma fase modular de desenvolvimento do

paradigma capitalista. Ademais, é um módulo ligado à metamorfose desse paradigma em algo

que não possui alternativa. O financismo é um limite lógico, na direção do qual o

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desenvolvimento mais auto-suficiente do Capital é atraído.

No não publicado Livro VI do "Capital", Marx ofereceu uma descrição dessa fase como o ciclo

eventual da "dominação real do capital", que se instauraria na eventualidade de que a alternativa

revolucionária do sujeito proletário não tivesse vencido a batalha na fase anterior da "dominação

formal". Esse tema marxiano da natureza não pré-determinada do resultado final da luta

mundial entre Trabalho e Capital é algo que o marxismo ortodoxo sempre temeu tanto como

todo ser vivo teme o fogo. (ver Jean-Marc Vivenza, "Da dominação formal à dominação real do

Capital", Elementy n.7).

Daí a sugestão de situar o "financismo" na zona escatológica da história econômica do

desenvolvimento capitalista. Esta abordagem estará perfeitamente correta a partir da perspectiva

da principal tendência do desenvolvimento capitalista - o progresso da alienação. Primeiro, a

alienação do produto do trabalho dos produtores, então, a alienação de toda a esfera de produção

no sistema de crédito bancário, e finalmente, a translação de toda a economia no modo de

especulação financeira virtual.

4. Liberalismo como alienação, "progresso" como decadência

O financismo é a coroa da lógica capitalista e representa em si mesmo o último e mais elevado

nível de alienação.

Nesse processo de alienação total, o curso natural do desenvolvimento histórico é claramente

demonstrado a partir da perspectiva da sociedade tradicional. Mas um tema constantemente

emerge na Tradição - aquele de Heróis, Profetas e Salvadores, resistindo contra a entropia

histórica, contra a força gravitacional do Existente. (Marx e a doutrina marxiana podem muito

corretamente serem contados como análogos dessa insurgência "pré-escatológica"). Mas, mais

cedo ou mais tarde, esta iniciativa também cai sob a mó do Destino, e as condições apocalípticas

se tornam piores.

Essa perspectiva tradicionalista vê o "progresso", o "curso natural da história", o "modernismo",

como sina e mal, como a queda inercial de uma massa pesada, como um resfriamento

conseqüente do Ser.

História é alienação, segundo os tradicionalistas.

A história da civilização é vista como alienação por Rousseau (o "bom selvagem", corrompido

pela sociedade), Hegel ("alienação da Idéia Absoluta"), e Marx ("distanciamento do comunismo

originário").

A alegre reviravolta ("democracia justa", em Rousseau, "Estado Prussiano" em Hegel,

"Revolução Mundial" em Marx) acontece não obstante a inércia da história.

Assim, o "fim do mundo" (este evento ontologicamente positivo, segundo os cristãos) se segue à

era do Anticisto. E a vinda do Anticristo é detectada como o sinal inconfundível da Segunda

Vinda que se aproxima. Mas é claro, isso não significa que o anúncio inegável da Segunda

Vinda se aproximando também possa alcançar o "Príncipe desse Mundo".

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Há apenas uma coisa boa no clímax da alienação - uma vez que esse processo letal tenha

alcançado seu limite, será erradicado pela mão direita vingadora do princípio transcendental.

5. Economia financeira e a dialética do mal

O liberalismo é a tendência natural de desenvolvimento da "filosofia da economia",

autonomizada, separada de todas as outras estruturas sociais de valor em sua encarnação

qualitativamente moderna.

O financismo representa o pico do desenvolvimento da economia moderna. Isto é - a não

variação do "status quo".

Uma questão diferente é o modo como nós avaliamos o "financismo", e, mais geneticamente, o

caminho "liberal-capitalista" do desenvolvimento econômico. Se nós vemos o "financismo"

("dominação real do capital") em cores escuras, então - quer conscientemente ou não - nós nos

encontramos no lado oposto ao espírito da modernidade. Isso não pode ser disfarçado sob a

retórica do "progresso". O curso natural da história (também da história econômica) não nos

convém; nós consideramos a entropia histórica como imoral, e nós queremos nos posicionar

contra ela. Nesse caso, nós temos que nos voltar - de um modo voluntarista, leninista - não

apenas para o conjunto de visões "não-financistas" sobre a economia, mas também para todos os

modelos econômicos que são não-modernos, anti-modernos, baseados em um impulso "heróico"

(segundo a definição de Werner Sombart) de superar o curso maligno do mundo

contemporâneo.

O "financismo" não é uma questão de desvio mecânico do paradigma econômico do

capitalismo; é uma fase normal de seu desenvolvimento - a fase de seu triunfo mundial.

É estúpido e irresponsável reclamar sobre o fato de que a massa da especulação financeira nas

bolsas de valores do mundo em muito excede os orçamentos de países desenvolvidos, ou que

transferências fictícias de capital através de redes de computador solapam o desenvolvimento

dos setores materiais protuditvos, transferindo os investimentos para a esfera da economia

virtual. A alienação das finanças da esfera produtiva, a virtualização da substância econômica

são o acorde final natural do desenvolvimento capitalista.

6. O imperativo indemonstrável da revolução

Nós podemos concordar completamente com todas os prognósticos extremamente catastróficos

sendo feitos por analistas imparciais sobre a significância ética dessas tendências. Efetivamente,

aumentar a economia virtual em prejuízo dos setores reais de produção inevitavelmente leva ao

desastre econômico. O elemento informacional nas sociedades pós-modernas objetiva substituir

definitivamente a realidade, substituindo-a com seu sistema operacional ilusório porém ainda

poderoso. Isso se demonstrará letal, até um certo ponto.

E ainda - segundo as visões tradicionalistas da sociedade (e outras doutrinas não-liberais e anti-

liberais) - esta é a lógica absoluta de cada processo imanente, no qual um princípio

transcendental ou não intervém, ou não pode intervir, se não o quer. O capital (como a alienação

última, como uma redução total ao princípio materialista quantitativo) tem lutado por um longo

tempo para se tornar o único sujeito da história humana. E conseguiu isso com o "financismo".

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Como uma representação, ele obteve uma vitória muito mais fácil do que em sua forma original.

A economia virtual, fictícia põe o próprio princípio da realidade sob exploração - tanto quanto

põe sob exploração a realidade da economia e sua ontologia (ainda que essa ontologia não possa

ser independente, ela necessariamente deriva da forma social e metafísica supra-econômica mais

geral).

A antítese (mesmo teórica) ao "financismo" pode se manifestar nas fases anteriores do

desenvolvimento capitalista.

A economia não é mais do que uma linguagem, pela qual qualquer mensagem pode ser

formulada. O modelo liberal da economia é a mensagem da alienação e entropia triunfantes, da

atomização do todo social, político, cultural e histórico. Tal é a mensagem do "espírito

moderno", a mensagem do Iluminismo. "Esquerdistas" (democratas radicais, Rousseau,

socialistas, comunistas) e "direitistas" (fundamentalistas, tradicionalistas, integralistas) há muito

tempo interpretaram o evangelho liberal (em filósofos como John Locke, Jeremy Bentham, John

Mill, e em economistas como Adam Smith e David Ricardo) como a encarnação do mal nesse

mundo, como a dissolução de qualquer essência orgânica. Este é o espírito mortal, niilista da

modernidade, baseado no "Exílio dos Deuses" (M. Heidegger), na "Morte e Assassinato de

Deus" (F. Nietzsche), na "exploração" (K. Marx).

O "financismo" não é nada absolutamente novo, é o Capitalismo Liberal em sua forma mais

pura. É a "modernidade" tendo sobrepujado completamente sua antítese.

É por isso que protestar contra o "financismo" em escala nacional ou mundial é impossível sem

uma revolução global da consciência, sem uma revisitação excelente de cada ideologia anti-

liberal, sem a expressão de uma nova Alternativa integral - e mais, uma Alternativa não apenas

contra o resultado (o "financismo" mesmo), mas contra sua causa ("capitalismo", "liberalismo",

"espírito moderno").

Buscar por tal Alternativa dentro da esfera limitada da economia é impensável. Tal Alternativa

terá que transcender todo o conjunto dos discursos modernos, toda a "linguagem da

modernidade". Apenas após isso, quando o paradigma filosófico global da Revolução final tiver

sido forjado, esta alternativa assumirá uma forma econômica - como o caminho pragmático para

afirmar um imperativo transcendente, indutivamente indemonstrável e empiricamente não-

evidente.

Esse é o papel dos "novos profetas", dos "novos salvadores", dos "novos heróis".

O anti-financismo não é mais que o nível exterior da luta mais profunda e radical contra o

capitalismo e o liberalismo, cuja necessidade não brota a partir de interesses pragmáticos, mas

das profundezas da dignidade do sujeito humano como uma espécie - um sujeito que, mesmo no

abismo de ter sido abandonado por Deus, rejeita qualquer conciliação com o mundo manchado

de sangue, e toma partido de uma ontologia superior, por uma nova sacralidade, por justiça e

irmandade, por liberdade e igualdade.

Tradução por Raphael Machado

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Defesa e Agressão

"No mundo moderno ocorreu um rompimento com tradições seculares, que modificou

completamente as estruturas mentais e sociais da humanidade moderna em comparação com os

longos milênios do passado. 'Iluminismo', humanismo, racionalismo e outras tendências

'progressistas' apresentaram um sistema de valores e estimativas, contradizendo completamente

as orientações básicas da sociedade tradicional. Isso certamente ( e talvez do modo mais

expressivo) tocou o princípio da agressão. A Era Europeia do Iluminismo implantou no povo

uma visão unilateral da agressão, uma perspectiva exclusivamente a partir do ponto de vista da

vítima.

O lado espiritual daquele fenômeno, baseado na Vontade ao Absoluto, de alcançar um caráter

total, a máxima extensão de um sujeito à esfera do Divino, cessou de ser compreensível,

concreta e ontologicamente enraizada, e, consequentemente, foi identificado com

'sobrevivência', com atavismo, com barbarismo inerte, com o temporal e com o principal defeito

retificável da civilização. Tendo perdido sua legitimidade metafísica, a agressão passou a ser

percebida como transgredindo ilegitimamente a integridade do que foi proclamado o supremo

valor em si mesmo - o indivíduo humano, sociedade, ser, etc. Daí se segue toda a tendência

'jusnaturalista', que tem se desenvolvido desde os tempos de Rousseau. Como a expansão

existencial cessou de ser metafisicamente justificada, a vítima fez sua própria demanda por

'segurança total', ou seja pela artificial e, exaltada ao mais alto imperativo ético, defesa contra a

agressão. A agressão foi efetivamente banida. Com isso, em particular, o status legal

'democrático' que proíbe a propaganda e guerra, está conectado.

Passou a ser possível mudar as fundações culturais e sociais da sociedade, enquanto era

naturalmente além dos poderes de qualquer um mudar as tendências básicas do cosmos e dos

seres humanos. Portanto, a agressão jamais desapareceu, seja da história, ou do dia-a-dia, ou da

natureza selvagem. Ela apenas passou a ser percebida como o mal, como a demanda do próprio

Ser limitado em utilizar um outro, a qual surge espontâneamente de tempos em tempos.

Como o processo da totalização do sujeito foi excluído, a agressão passou a ser considerada

como mera aquisição quantitativa, como pilhagem de sujeitos externos, como o egoísmo trivial

e vulgar, como a fatal 'luta pela vida'. Portanto o todo da agressão passou a ser gradualmente

reduzida à mera esfera econômica e todas as suas manifestações em outras esferas foram

estritamente culpadas pela 'opinião pública'. 'Segurança total' e 'Direitos Humanos' foram a

partir de então garantidos pela transferência da agressão para a esfera dos padrões materiais

abstratos - dinheiro, capital."

(Trecho de "Os Cavaleiros Templários do Proletariado", por Aleksandr Dugin)

O Conservadorismo Revolucionário: Perpétua Atualidade

por Aleksandr Dugin

O conservadorismo tradicional: fracasso, erigido em valor

Todos os conservadores têm um destino trágico – necessariamente perdem. Esforçando-se por

contrariar a novidade, que se considera (na maior parte das vezes justificadamente) como

negativa, herege, quase traidora das tradições e pilares antigos, eles estão condenados a perder

batalha após batalha, pois o próprio tempo se encontra do outro lado da barricada. Parece que a

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posição dos conservadores tradicionalistas é, no fim de contas, apenas uma atitude estética,

trágica, embora muito atraente, um certo gesto brilhante, mas notoriamente condenado ao

fracasso.

Mais do que isso, a tenacidade dos conservadores na fidelidade ao que é antigo, está também,

em determinado sentido, na posse dos seus antagonistas progressistas e modernistas de todos os

tipos e cores: de fato, reconhecendo o seu campo como pura resistência, como inércia, como

reação, os conservadores deixam livres as mãos a todos aqueles que oferecem um projeto

renovador, independentemente do que ele seja. Por definição, os conservadores põem obstáculos

a quaisquer inovações, a quaisquer inovadores. Ao projeto dos modernistas opõem não o seu

próprio plano, mas a total ausência de plano.

A essência da posição dos conservadores consiste em tudo deixar como era, como é. Isto,

naturalmente facilita seriamente o trabalho daqueles que tudo querem mudar. Na verdade, o

enorme estrato social, representado pelos conservadores, mete-se entre parênteses na discussão

ou realização de novos programas, notoriamente recusando-se a apresentar o seu próprio

projeto, o que seriamente reforça a concorrência e permite analisar com mais atenção o lado

substancial do que os modernistas propõem.

A circunstância da fatal condenação do conservadorismo tradicional, e a sua involuntária e

inconsciente cumplicidade com o campo progressista, já há muito foram notados pelos mais

perspicazes pensadores conservadores, que tentaram compreender a razão dos seus constantes

insucessos. A começar por Louis de Bonald (1754-1840), Joseph de Maistre (1753-1821),

Donoso Cortés (1809-1893) e os eslavófilos russos, os conservadores começaram a questionar-

se quanto seriam eles culpados dos seus próprios fracassos históricos e da fatal vitória do campo

revolucionário oposto, que atribuía a si mesmo essa vitória, a contradição da qual e a reacão à

qual eram, na realidade, um fenómeno da frente conservadora.

Assim nasceram os primeiros traços da especial versão do conservadorismo, os quais foram em

conjunto designados pelo eslavófilo Samarin ―conservadorismo revolucionário‖. A princípio

dizia-se que o campo conservador devia ser mais radical nos seus actos, e antepor-se ao discurso

dos ―niilistas‖ e dos ―derrubadores de princípios‖, imitando deles o radicalismo e o atrevimento

na realização dos seus objectivos, e o maquiavelismo das tecnologias subversivas. Nos anos 20

este maior desenvolvimento no campo conservador generalizou-se e começou a ser chamado

―Revolução Conservadora‖, tomando para si através de Thomas Mann o termo do eslavófilo

russo. Na Alemanha o movimento também assim se chamou ―Revolução Conservadora‖,

porém, no meio russo foi designado de ―Eurasianismo‖.

Os Paradoxos da Revolução Conservadora

O mais nítido de todos, e em maior escala, pólo autónomo do conservadorismo da Revolução

Conservadora, foi o da Alemanha. Nomeadamente lá se desenvolveu toda uma plêiade de

pensadores de nível planetário – Oswald Spengler (1880-1936), Carl Schmitt (1888-1985),

Ernst Georg Jünger (1895-1998), Ernst von Salomon (1902-1972), Martin Heidegger (1889-

1976), Artur Moeller van den Bruck (1876-1921), Ernst Niekisch (1889-1967), etc., os quais

elaboraram as bases da Revolução Conservadora como Cosmovisão independente, muito longe

dos habituais modelos do conservadorismo tradicional. A essência desta colossal revisão estava

em modificar inteiramente o esquema tradicional de resistência dos ―partidários das mudanças‖

e dos ―adversários das mudanças‖, esse esquema que nos três últimos séculos formulara

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constantemente os ―direitistas‖ (= ―conservadores‖) e os ―esquerdistas‖ (= ―progressistas‖). Os

revolucionários conservadores propuseram-se a abordar este problema de modo completamente

diferente. A modificação era inevitável, consideravam eles. As revoluções têm sob si causas

orgânicas e não se reduzem ao banal ―mito da conspiração‖. O movimento social está

historicamente predestinado, e resistir a ele é impossível. Consequentemente, deve-se falar não

apenas em ―conservadorismo‖, mas num especial ―projecto conservador‖, numa dinâmica

específica, política, social, cultural e econômica, num progresso e numa modernização, mas só

uma estrutura desta tendência deve ser diferente dos esquemas bastante gerais dos habituais

―esquerdistas‖ e dos habituais ―progressistas‖, os quais, à semelhança dos conservadores, mas

com sinal contrário, às duas por três, apoiam mudanças pelas próprias mudanças, um

movimento pelo movimento, a revolução pela revolução.

―A revolução não precisa de ser prevenida e suprimida, mas sim encabeçada e submetida à

própria vontade‖ – escreveu o mais aforístico revolucionário conservador Arthur Moeller van

den Bruck, fundador do movimento. Os projetos dos modernistas devem ser diferenciados,

sistematizados, hierarquizados. Deve-se apenas eliminar os elementos ―niilistas‖, apenas o

‗ressentimento‘, de que escreveram tanto F. Nietzsche (1844-1900) como Max Scheler (1874-

1928), ou seja, o irrefletido e cego ódio contra as fundadas hierarquias e os estabelecidos

sistemas valorativos da cultura e da sociedade. Os projetos revolucionários devem integrar-se

nos contextos históricos e os seus componentes orgânicos devem saudar-se e incentivar-se –

pelo menos, lançar-se à luta. A tese de Nietzsche ―empurra, que cai‖ deve ser adotada não

somente pelos destruidores, como pelos criadores: na verdade um edifício arruinado,

envelhecido, ameaça soterrar sob os escombros o mais valioso – a mais alta ideia, a forma

calorosa, pela qual se guia toda a criação. As paredes do templo carunchoso, ruindo, podem

derrubar o altar. Para se salvar o mais sagrado, o mais substancial, o mais central devem ser

aplicadas forças renovadoras, e se tal salvação exigir uma séria revisão do exterior, a recusa dos

―velhos trastes‖— necessário será ir também a isso.

Como os próprios conservadores revolucionários cada vez mais se afastavam do meio

conservador em geral, eles aproximavam-se, e com algumas forças, do campo ―esquerdista‖ dos

progressistas. Reconhecendo em si mesmo o elemento revolucionário, eles facilmente

denunciaram o elemento conservador também entre os revolucionários radicais. Assim,

gradualmente se esclareceu, que a muitos progressistas convictos do regime existente, do ―velho

regime‖, não lhes agradava de modo algum não os traços essenciais, mas os traços secundários

– o espírito de burocracia, a alienação, a estagnação. Na verdade, a ―ordem velha‖ não convinha

a muitos, não porque era ―ordem‖, mas porque era ―velha‖. Por conseguinte, contra a ―nova

ordem‖ eles não tinham quaisquer objeções.

Assim surgiu o surpreendente movimento político ―nem da esquerda, nem da direita‖, dos

―nacional-bolchevistas‖ ou dos partidários da ―terceira via‖, onde na frente geral se uniam os

representantes dos campos, que tradicionalmente ocupavam lugares opostos do espectro

político.

Esta tendência de formulação política perfeita não encontrou obstáculos determinados

historicamente. Mas na esfera puramente teórica – e isto é o mais importante – foram

encontradas novas, surpreendentemente capazes, paradoxais e precisas fórmulas, receitas,

consensos que traziam em si um enorme potencial de maneiras de ver o mundo. Até modelos

cerceados, comprometidos e parodiantes decalcados da ―revolução conservadora‖ foram

suficientes para que determinadas forças políticas chegassem ao poder na Itália e na Alemanha.

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E a pragmática utilização dos chefes dos comunistas na Rússia das estruturas nacional-

bolchevistas permitiu-lhes o poder político e o controle ideológico no decurso de cem anos

sobre metade do planeta. Mais do que isso, até modelos completamente diluídos e confusos da

―terceira via‖, enxertados em regimes liberais (como é o caso do New Deal de Roosevelt),

tiveram um efeito positivo enorme.

Discussão sem saída, que matou o último Império

Hoje a nossa Rússia encontra-se numa grave crise. Teve lugar uma revolução liberal, atlântica, e

o regime soviético (a ―velha ordem‖) ruiu irreversivelmente, para que não falassem os

conservadores hodiernos, no papel dos quais – como isto é paradoxal -- se apresentam os

―revolucionários‖ de ontem, os ―esquerdistas‖, ―progressistas‖ e ―comunistas‖. E de novo –

como sempre na história – os ―partidários das mudanças‖, apesar da resistência dos ―adversários

das mudanças‖, ficaram por cima. Claro que muitos deles – os mais sinceros – não ficaram

contentes com tal ―vitória‖, à qual foram sacrificados um grande estado, uma poderosa

economia, um setor social desenvolvido e uma cultura superficial mas extensiva.

Apesar de se terem justificado os piores receios dos conservadores, a fatal ―perestroika‖ era

objetivamente inevitável. A ordem soviética dos anos 80 tornara-se uma ―ordem velha‖ em

todos os sentidos e em todos os níveis. Perdera dinâmica, perdera vida interior, tornara-se

decrépita e definhara espiritualmente. O projecto dos bolcheviques foi grandiosamente

encarnado, mas esta encarnação atingiu os limites naturais. Era precisa uma nova onda, um

novo choque revolucionário, uma nova arrancada. Sangue novo, grito apaixonado, mobilização,

esforço, abalo.

Mas com o fatal sentimento de que nada havia a fazer, a discussão sobre a ―perestroika‖ rodou

apenas em volta da escolha entre ―movimento para a frente‖ e ―movimento para trás‖ , fosse

―novo‖ ou fosse ―velho‖. Assim, sem quaisquer bases, ambos os campos estavam convencidos

de que ―para a frente‖ significava ―para o modelo ocidental de mercado‖, e para trás ―para o

socialismo de estado e para o brejnevismo‖. Os conservadores (conquanto ainda tivessem para

isso todas as possibilidades) não apresentaram o seu próprio projeto conservador revolucionário,

e os progressistas (reformadores) claramente não explicaram o seu.

Como é habitual em tais casos, todos perderam. Aquilo que estava condenado a cair, caiu. Mas

o vazio que se formou preencheram-no não novos construtores, trazendo a ―nova ordem‖, mas

hordas de vermes, que minaram as bases da anterior estrutura.

E embora hoje a cegueira das passadas polémicas sobre a ―perestroika‖ entre os ―reformadores‖

e os ―conservadores‖ seja evidente a muitos, estamos muito longe das soluções necessárias.

Nomeadamente a este respeito, por exemplo, testemunha a fantástica popularidade da ―teoria da

conjura‖ em ambos os pólos da actual sociedade russa. Os patriotas estão convencidos que para

tudo a resposta são os ―conspiradores‖, e os ―liberais‖ em tudo vêem os frutos das manobras dos

―vermelhos-castanhos‖. O apelo ao mito é a operação mais simples no caso de a análise objetiva

ameaçar destruir a hipótese tomada a priori, insuficientemente pensada e não criticamente

ponderada, tomada como qualquer coisa evidente.

Missão: estar à frente nas reformas

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A Rússia hoje precisa apenas de uma Revolução Conservadora. No mesmo lado dos

esquerdistas e direitistas, modernistas e conservadores, progressistas e guardadores. Nós não

nos devemos opor ao projeto e sua ausência, desenvolvimento e estagnação, mas atentamente

prestar atenção a que uns o proponham na qualidade de progresso e que outros o exijam manter.

Chegou o tempo da diferenciação. Modelos reles e explicações banais de tudo e de toda a

―teoria de conspiração‖ devem ser eliminados, ultrapassados. A realidade é bastante mais

complexa que os esquemas vulgares.

Será o futuro apenas do mercado? Será que a abertura da sociedade signifique apenas abertura

em relação ao Ocidente? Será que o progresso material seja o único digno de imitar e adaptar? –

Assim somos obrigados a perguntar aos ―reformadores‖. Não apenas perguntar, mas também

apresentar o nosso projecto alternativo futurológico – a concepção do ―pós-modernismo

eurasiano‖, para onde vão as doutrinas econômicas alternativas ao liberalismo (e não é

forçosamente excluído o marxismo), a atitude para com o gigantesco estrato das culturas antigas

do Oriente, as estratégias do polirrítmico progresso, do ―desenvolvimento harmonioso do ser

humano‖, e não só da tecnosfera e do campo informático.

Seria que na sociedade soviética tudo fosse ideal? E seria que, ainda antes, a Rússia romanovista

não criasse os seus coveiros? Será que o terror ideológico dos marxistas e o isolamento cultural

não gerassem eles mesmos o niilismo e levassem à rejeição da própria independência social e

cultural? – Tais questões pomos nós aos ―conservadores‖ (tanto ―vermelhos‖ como ―brancos‖).

Não só as pomos, como apresentamos a nossa concepção eurasiana da história russa, onde os

períodos mais brilhantes serão a herança indo-europeia, o bizantinismo, o império moscovita, o

Terrível, Avvakum, os populistas, o ―citismo‖ (‗skifstvo‘) e os nacional-bolchevistas, e os

negativos – os ‗uniatas‘ (grego e bielorusso), o nikonismo, o ―europeísmo‖, o regime dos

Romanov, e o sovietismo dos ―quadros‖, burocrático, doutrinário, materialista.

À cabeça do movimento pelas mudanças radicais devem estar os zeladores da santa antiguidade

– não os partidários do ontem repelente, que foi não muito melhor do que o odioso hoje, mas

sim os portadores da grande memória do século de ouro, do Sacro Império, da Pátria ideal, do

especial continente semi-material, semi-espiritual – o Continente Russ‘.

Nomeadamente, os revolucionários conservadores devem encabeçar as reformas. Encabeçar e

não suspender. Começar e não acabar. Nós continuamos a afundar-nos na vetustez, sufocamos

sob a insuportável carga do arcaico. Isto não é a luz antiga, nativa, eterna, a luz da Origem. Isto

é a cintilação importuna, pegajosa, plúmbea da degeneração de ontem, dos velhos erros, dos

fracassos de outrora, dos desvios passados.

O altar é mais santo do que as paredes. A essência é mais importante do que as formas

exteriores.

O lugar do presente conservador é na primeira fila dos modernistas.

Otto Rahn e a busca do Santo Graal

Por Alexander Dugin

Otto Rahn (1904 – 1938), descrito como um inteligente jovem autor e historiador, foi uma das

figures verdadeiramente fascinantes deste [passado] século. Antes da sua morte misterioso, aos

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35 anos, ele escreveu dois livros sobre os Cátaros do sul da França: *Kreuzzug den Gral*

(―Cruzada Contra o Graal‖) e *Luzifers Hofgesindel* (―A Corte de Lúcifer‖). Lendas continuar

a cercar sua vida e a sua morte trágica. Enquato seus livros influenciaram autores como Trevor

Ravenscroft e Jean-Michel Angebert, eles nunca foram traduzidos para o inglês. No best-seller

de 1982 *Holy Blood, Holy Grail* (―Sagrado Sangue, Sagrado Graal‖), o nome de Otto Rahn

aparece em uma pequena, porém intrigante, nota de rodapé.

Otto Rahn acreditava que havia achado o local da Montanha do Santo Graal, o Montsalvat da

lende, no forte Cátaro da montanha de Montsegur nos Piraneses Franceses. Ele foi, diz a Prof

Joscelyn Godwin, ―amplamente responsável pelo complexo mitológico que associou os Cátaros

e Montsegur ao Santo Graal e seu Castelo.‖

Norma Lorre Goodrich em seu próprio trabalho altamente aclamado ―The Holy Grail* (―O

Santo Graal‖), presta tributo ao ―Cruzada Contra o Graal‖ de Rahn, descrevendo-o como ―um

livro maravilhoso, um monumento a este grande autor idealista alemão, que morreu

misteriosamente durante uma descida dos Alpes.‖

Segundo o seu tradutor francês, Otto Rahn acreditava com absoluta convicção que (1)os Cátaros

eram os portadores perdidos do Santo Graal e (2) o Santo Graal ―evaporou‖ quando ele

morreram pelas mãos ―do Papa e do Rei da França‖ no início do Século XIII.

A Guerra do Catolicismo Romano contra os Cátaros é descrita, por várias vezes, como a guerra

em que *Roma e *Amor se colocaram em lados opostos, em que a idéia católica (‗comum‘)

triunfou, com chamas e espadas, sobre a idéia Cátara (‗pura‘).

O Cátaros medievais acreditavam na existência de uma guerra eterna entre os princípios da Luz

e da Escuridão, em que seus encontros e entraves, tudo no universo foi baseado. Escuridão era

para eles a matéria escura, um imperfeito, o transitório. Eles identificavam todos os chefes do

clero e governantes seculares e principalmente a Igreja Católica, como personificação da

Escuridão.. Na sua mitologia, os sols simbolizavam e Luz Primordial de que toda a vida

emergiu. Miguel Serrano chama a sua doutrina de: *Kristianismo Solar. Para Otto Rahn,

Montsegur era o ―Farol do Catarismo‖.

A Busca do Graal por Rahn

Otto Rahn nasceu em 18 de fevereiro de 1904 em Michelstadt, no sul da Alemanha. Na escola

secundária ele desenvolveu um fascínio pela história dos Cátaros Medievais, sua fé e a revolta

contra o Rei e o Papa. De 1922 a 1926 ele estudou Ciências Jurídicas, filosofia alemã e história.

Rahn pretendia escrever uma dissertação sobre Guyot, o Trovador Provençal que escreveu o

poema sobre o Graal perdido, em que Wolfram von Eschenbach dizia ter basead o seu

*Parzival.

O conto germânico medieval de *Parzival, revivido no Século XIX pelas operas místicas

populares de Wagner, incendiaram a busca moderna de Rahn pelo Santo Graal. Ele logo juntou

uma série de pistas retiradas do estudo da história dos Cátaros e do poema de Wolfram von

Eschenbach, um Cavaleiro Templário do Século XII.

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Insirado pelo seu profundo interesse nas lendas dos Cátaros e do Graal, entre 1928 e 1932 Rahn

pesquisou e viajou amplamente pela França, Espanha, Itália e Suíça.

No início do verão de 1929, Otto Rahn apareceu pela primeira vez na região do Languedoc ao,

sul da França. Ele logo se estabeleceu na vila de Lavelanet e pelos próximos três meses ele

explorou, sistematicamente, a Fortaleza-Templo dos Cátaros em Montsegur, assim como as

grutas e montanhas dos arredores.

Era no Languedoc que a cidade de Carcassnne, a montanha sagrada dos Cátaros (Montsegur) e a

igrea de Rennes-le-Chateau se localizavam. Todos esses lugares estavam mergulhados em

conhecimento Cátaro e era pra cá que as lendas do Santo Graal pareciam converger.

Em Montsegur, escreve Nigel Pennick, ―Em 1244 os Cátaros hereges fizeram sua última e

heróia afronta contra a cruzada católica, que finalmente triunfou com a sua destruição. Aqui,

afirma a tradição, que na noite anterior ao ataque final, três Cátaros carregando as relíquias

sagradas da fé, escorregaram despercebidos sobre a muralha. Eles levaram embora a

quinquilharia mágica do Rei Merovíngio Dagoberto II e o cálice que se dizia ser o Santo Graal.‖

A posse do Graal sempre foi o sonho das Ordens de Cavalaria. Os Cavaleiros da Távola

Redonda do Rei Arthur, os Templários, até mesmo os Cavaleiros Teutônicos procuraram o

receptáculo místico. Mas Otto Rahn acreditava que ele poderia triunfar onde séculos de busca

falharam. Ele havia estudado a geometria sagrada de Montsegur, a sua orientação ao nascer-do-

sol e sua relação com outros lugares sagrados, ele havia descoberto passagens secretas

subterrâneas, onde ele pensava que o tesouro poderia estar escondido‖ (*Hitler‘s Secret

Sciences – ―As Ciências Secretas de Hitler‖)

O conhecimento de Otto Ranh sobre ‗geografia sagrada‘, sugere Nigel Pennick, pode ser traçada

aos Druídas e Templários. É falado que os Cátaros também era familiarizados com essa

tradição.

Em muitos encontros com os locais (é falado que ele falava fluentemente a lingua Provençal

local), Otto Rahn colheu todo tipo de informações sobre os Cátaros e o Graal.

Estas formaram a base dos relatos emocionantes de Rahn sobre a sua exploração das cavernas

de Sabarthes, sul de Montsegur e especialmente as cavernas Lombrivas chamadades de ―A

Catedral‖ pelas pessoas locais. Segue o seu relato sobre a magnífica caverna:

Em tempos impenssáveis, numa época tão remota que mal foi tocada pela ciência histórica

moderna, ela era usada como templo consagrado ao Deus Ibérico Illhomber, Deus do Sol. Entre

dois monólitos, um que havia desmoronado, o íngreme caminho leva a um vestíbulo gigante da

catedral das Lombrivas. Entre as estalagmites de calcario, entre as paredes de um marrom

profundo e a rocha de cristal brilhante, o caminho desce pelas entranhas da montanha. Um hall

de 260 pés de altura servia como catedral para os hereges.‖

Rahn conta como ―Profundamente abaldo eu andei dentre os halls de cristal e as criptas de

mármore. Minhas mãos colocavam de lado os ossos dos puros e cavaleiros caídos.

Um antigo conto de pastor do Languedoc lembrado por Otto Rahn e incorporado ao seu

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primeiro livro, mostra um profundo simbolismo místico:

Durante o tempo em que os muros de Montsegur ainda estavam de pé, os Cátaros mantinham o

Santo Graal lá. Montsegur estava em perigo. Os exércitos de Lúcifer o haviam sitiado. Ele

queriam o Graal para restaurar a coroa do seu príncipe, de onde ele havia caído durante a queda

dos seus anjos. Então, no momento mais crítico, caiu do céu uma pomba branca, que, com o seu

bico, dividiu Tabor [Montsergur] em dois. Esclarmonde, que era o guarda do Graal, jogou a jóia

sagrada nas profundezas da montanha. A montanha se partiu de novo, e dessa maneira o Graal

foi salvo. Quando os demônios entraram na fortaleza, eles já estavam atrasados. Enfurecidos,

eles atearam fogo em todos os Puros, não muito longe da rocha onde está o castelo, no Campo

da Estaca. Todos os Puros pereceram na pira, exceto Esclarmonde de Foix.

Quando ela teve certeza que o Graal estava seguro, ele subiu ao topo do Monte Tabor, se

transformou em uma pomba branca e voou em direção às montanhas da Ásia.‖

Tanto ―Cruzada Contra o Graal‖ quando ―A Corte de Lúcifer‖ estão cheios de notáveis

conhecimentos e revelações de importantes elos históricos.

Nas profundezas das grutas de Sabarthez, Rahn achou câmaras em que as paredes estavam

cobertas de símbolos característicos do Cavaleiros Templários, lado a lado com os emblemas

dos Cátaros. Esse achado confirmou a idéia fomentada por historiadores místicos, que os

Cavaleiros Templários e os Cátaros estiverem, em algum momento, proximamente associados.

Uma imagem intrigante que estava entalhada na parede de pedra da gruta era, claramente, o

desenho de uma lança. Essa representação imediatamente remete à lança sangrenta que aparece

de novo e de novo nas lendas Arthurianas.

A lenda do Graal, explica Miguel Serrano, ―reaparece forçosamente cristianizada na Idade

Média. Os Templários a disseminaram. É centrada na lenda do Rei Arthur (que é o Rei do Graal

e também é chamado de Amfortas). É interessante de analisar que Arthur é Arthos, o Urso, que

é pra ser o Ártico. Pelo qual a posição geográfica exata da maior parte do continente da primeira

Idade Solar é localizada: Hiperbórea, o assento do Graal. Na Idade Média, tornou-se um cálice,

quando o mito foi cristianizado, do qual Cristo disse para que seja bebido na Última Ceia, ou

também do qual Joseph de Arimateia recebeu o sangue de Cristo do qual jorrou do seu flanco

quando estava pendurado na cruz‖.

Os cátaros que guardaram o Santo Graal no seu castelo Monstegur, Otto Rahn acreditava, foram

marcados pelos druidas que converteram ao maniqueísmo. Os druidas, na Britânia, foram os

precursores da Igreja Cristã Celta. Ele viu na cultura da fortaleza dos cátaros medievais do

Langedoc fortes semelhanças com os druidas. Os padres aparentados aos Parfaits dos cátaros. O

segredo da sabedoria cátara foi preservado pelos tardios trovadores, os poetas e cantores

viajantes das cortes medievais da França.

A maioria dos trovadores, de acordo com Rahn, foram cátaros secretos. A aparente saudade e

canções de saudade só raramente foram dedicadas a uma mulher em especial, seu simbolismo

feminino referem-se a comunidade cátara, a Sophia, a visão dos gnósticos. Julius Evola explica

no ―Le Mystere du Graal‖: ―para fazer essa doutrina inacessível aos profanos, ela é escondida

em simbolismos eróticos, semelhante ao ciclo do Graal no qual é representado por um

simbolismo heróico‖.

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Quando Otto Rahn primeiramente estudou o Parsifal de Wolfran von Eschenbach, ele notou

semelhanças marcantes entre nomes e lugares do sul da França, e suspeitou que o castelo do

Graal de Parsifal Muntsalvache (Richard Wagner o chamou de Montsalvat) não foi outro senão

o forte Solar dos cátaros, Montsegur. No trabalho de Eschenbach ele discerniu a influência da

poesia cátara. A suposição provavelmente incorreta de que os cátaros perseguidos foram

recauchutados para debaixo da terra e celebraram seus mistérios nas igrejas subterrâneas foi

adotada por Otto Rahn da pesquisa do entusiasta cátaro Antonin Gabal. Gabal deu a Rahn o

direito da sua biblioteca e do seu museu provado. Em cartas, Rahn o chamou de ―Trevrizent‖ (o

tio de Parsifal no trabalho de Eschenbach) e desenvolveu as proposições definidas na ‗Au

Chemin du Saint Graal‘ de Gabal.

A história atual de que Otto Rahn encontrou o Graal e que foi mantido até o fim da Segunda

Guerra mundial no Wewelsburg, o castelo das SS perto de Paderborn, pode ser facilmente

refutada. Havia um Graal em Wewelsburg, mas era somente um grande cristal rochoso. René

Nelli, um importante estudioso do catarismo, mantém que o Graal não é mencionado em

qualquer dos textos existentes dos cátaros, enquanto Julius Evola não pensa muito sobre as teses

do Graal dos cátaros.

DE VOLTA PARA A ALEMANHA

Depois de 1933, Rah viveu em Berlim, dedicando-se à mais estudos do Graal. Sua busca por

uma tradição religiosa primordial – A religião da Luz – tomou atenção do líder das SS, Heinrich

Himmler, quem procurou a colaboração de Rahn em pesquisas patrocinadas. Depois de primeiro

juntar-se ao patrimônio bureau, a Ahnenerbe, como um civil, seus talentos foram logo

reconhecidos por seus superiores. Persuadido em unir-se formalmente às SS em 1936, em

questão de semanas Otto Rahn foi promovido à SS-Unterscharführer.

Por Setembro de 1935, Rahn estava animadamente escrevendo ao chefe da Ahnenerbe sobre os

lugares que tinha visitado na sua busca às tradições do Graal na Alemanha, solicitando

confidência à exceção de Himmler.

Havia rumores sobre Otto Rahn de que ele teria fundado um círculo neo-cátaro junto com as SS.

No verão de 1936, ele empreendeu, por ordem das SS, uma expedição à Islândia. Destaques

dessa jornada fizeram parte de alguns capítulos em seu segundo e último livro ―A Corte de

Lúcifer‖, publicado em 1937. Rahn não faz menção das SS, e o navio no qual viajou à Islândia

teve uma bandeira com uma Swastika azul em fundo branco (em forte contraste ao padrão

oficial do Terceiro Reich).

Nós sabemos que Otto Rahn caiu em desonra com a hierarquia SS em 1937, e por razões

disciplinares lhe foi atribuído um tour imposto ao campo de concentração das SS em Dachau.

No inverno de 1938/39 ele escreveu ao SS Reichführer pedindo demissão imediata das SS.

Poucos meses depois ele estava morto.

Rumores abundam relativo à partida de Otto Rahn das SS. Alguns falam que ele foi um

descendente de judeu homossexual, mas as evidências estão em falta. Em uma conversa, Rahn

falou que ele foi traído e que sua vida estava em perigo. Em uma carta a um amigo ele falou

abertamente sobre o Terceiro Reich:

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―Tenho muito sofrimento no meu país. Quatorze dias atrás eu estava em Munique. Dois dias

atrás eu preferi ir para as minhas montanhas. Impossível para um homem tolerante e liberal,

como eu, viver na nação em que meu país se tornou.‖

Col. Howard Buechner, o autor da Taça de Esmeralda, diz que Rahn ―deixa ser sabido que ele

se opõe à guerra pela qual a Alemanha tem sido preparada desde 1938. No lugar da guerra, ele

acreditou que a Alemanha e a Europa deveriam ser tranaformadas em uma comunidade de

―puros‖ ou cátaros. Em outras palavras, a longa associação de Rahn com a história dos cátaros e

sua injusta perseguição pela igreja e pelo trono francês o levou à conversão à fé cátara. Ele foi

também propondo uma ―Nova Ordem‖ na qual os estados europeus, e talvez todas as outras

nações, poderiam adotar a crença cátara em benefício da paz humana.‖

Em 13 de Maio de 1939 – quase no aniversário da caída de Monstegur – Otto Rahn morreu na

neve das montanhas Tirolesas. ―Da maneira dos cátaros heréticos‖, diz Nigel Pennick, ―Rahn

voluntariamente deixou um mundo o qual ele viu desintegrando‖. Uns poucos anos antes, Otto

Rahn escreveu ―A Crusada Contra o Graal‖;

―Sua doutrina permitiu o suicídio, mas demandou que não se pode pôr fim à vida por causa de

desgosto, medo ou dor, mas em uma perfeita dissolução da matéria. Esse tipo de Endura foi

permitido a tomar espaço no momento da visão mística da beleza e da bondade...É somente um

passo ao suicídio. Para o fazer requer coragem, mas o ato final da ascese definitiva requer

heroísmo. A conseqüência não é tão cruel quanto parece.‖

A história da vida e do trabalho enigmáticos de Otto Rahn, simbolizando como um Grande

Mistério, vai sempre fascinar tanto pesquisadores do Santo Graal como os buscadores da

tradição cátara. Esse mistério pode ser discernido na seguinte citação de ―Nos: Book of

Resurrection‖ de Miguel Serrano:

―Quando falamos sobre a religião do amor dos trovadores, dos cavaleiros iniciados do Graal,

dos verdadeiros Rosacruzes, nós devemos tentar descobrir o quê há por trás de sua linguagem.

Naqueles dias, amor não significava a mesma coisa que nos dias de hoje. A palavra Amor era

um criptograma, era uma palavra codificada. Amor de trás para frente é Roma. A palavra

indicada, no sentido do qual foi escrito, é o oposto de Roma, de tudo o que Roma representava.

Também, Amor dividido em ‗a‘ e ‗mor‘, significa Anti-morte. Para se tornar imortal, eterno, é

graças à iniciação de A-mort. Uma maneira de iniciação totalmente oposta à maneira de Roma.

Um Kristianismo esotérico e solar. O Kristianismo gnóstico de Meister Eckhart. E o meu.

Porque eu tentei ensinar ao homem ocidental a ressurreição de Kristos na sua Alma. Porque

Kristos é o Self ao homem ocidental.

―É por isso que Roma destruiu o Amor, os cátaros, os templários, os Cavaleiros do Graal, os

cantores da Minne, tudo que foi originado da ―Memória do Sangue Hiperbóreo‖ e do qual

poderia ter uma origem polar e solar.

―O amor tão falado e escrito nas novelas, poesias e revistas, o amor ao próximo, o amor

universal das igrejas, o amor da humanidade, não tem nada que ver com o ‗amor anti-amor‘ (A-

mor, anti-morte), do qual uma disciplina rigorosa, fria como o gelo, afiada como uma espada, e

do qual aspira superar a condição humana a fim de alcançar o Reino dos Imortais, a Ultima

Thule.‖

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Traduzido pelo Blog Yrminsul

O autor que escreveu a Rússia

Por Alexandr Dugin

O escritor principal da Rússia é o romancista Fyodor Mikhaylovich Dostoyevskiy. A cultura

russa e a mentalidade russa acumulam-se a ele à um ponto mágico. Todos que o antecederam

Dostyevskiy, o anteciparam, todos que o seguiram, resultaram dele. Não há dúvidas que ele é o

maior gênio nacional Russo.

A herança de Dostoyevskiy é imensa e a maioria dos investigadores concordam sobre a

importância central do seu romance ―Crime e Castigo‖. Se Dostoyevskiy é o principal autor da

Rússia, ―Crime e Castigo‖ é o principal trabalho da literatura russa e o texto fundamental da

história russa.

Consequentemente, não há nada accidental ou arbitrário sobre ele, e não pode haver. Certamente

este livro deve conter algum tipo de hieroglifo misterioso, no qual todo o destino da Rússia está

concentrado. Decifrar estes hieroglifos é equivalente a adquirir todos os impenetráveis mistérios

russos.

A TERCEIRA CAPITAL – A TERCEIRA RUSS

O romance acontece em St. Petersburg. Este fato, em si mesmo, tem um significado simbólico.

Qual é a função sagrada de Petersbrg na história russa? Entendendo isso, nós chegamos perto da

posição de Dostoyevskiy.

St. Petersburg tem um signifcado sagrado comparável apenas a Moscow. Ambas capitais estão

ligadas uma a outra por um lógica cíclica, por um fio simbólico. A Rússia teve três capitais. A

primeira, Kiev, foi a capital de um Estado-Nacional etnicamente uniforme, situado na periferia

do Império Bizantino. Aquele formação fronteiriça do norte não desempenhou um papel

civilizacional ou sagrado muito grande. Um estado normal de bárbaros Arianos. Kiev é a capital

da Russ étnica.

A segunda capital, Moscow, é muito mais importante. Ela tomou um significado especial no

momento da queda de Constantinopla, quando a Russ se tornou o último Reino Cristão-

Ortodoxo, o último Império Cristão-Ortodoxo que restava.

Consequentemente segue-se: ―Moscow é a Terceira Roma‖. A ideia de um reino na tradição

Cristã-Ortodoxa tem um papel escatológico especial: O Estado, reconhecendo a completude da

verdade da Igreja é, de acordo com a Tradição, o obstáculo no caminho do ―Filho da Ruína‖, o

entrave para o advento do ―Anticristo‖.

O Estado Cristão-Ortodoxo, constitucionalmente reconhecendo a verdade do balanço espiritual

Patriarcal do Crtistianismo-Ortodoxo, é o ―catechon‖, ou o ―impedimento‖ (Da segunda carta de

São Paulo Apóstolo aos Thessalonicos). A intrudução do Patriarcado na Russa se tornou

possível apenas no mundo em que o Império Bizantino havia caído como Reino e,

consequentemente, o Patriarca de Constantinopla hava perdido seu significado escatológico.

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Porque este significado não está concentrado somente na hierarquia da Igreja Cristã-Ortodoxa,

mas no Império que reconhece a autoridade desta hierarquia. Por isso segue a importância

teológica e escatológica de Moscow, de Moscow Russ. A queda do Imperio Bizantino

significava, na visão do apocalipse do Cristianismo-Ortodoxo, a aproximação do período de

―apostasia‖, de deslealdade geral. Apenas por um tempo curto é que Moscow se torna a Terceira

Roma, para adiar o advento do Anticristo, para protelar o momento em que a sua chegada se

torna um fenômeno geral, universal. Moscow, desde então, é a capital de um Estado

essencialmente novo. Não um Estado Nacional, mas um [Estado] setoriológico, escatológico e

apocalíptico. Moscow Russ, com o seu Patriarca e Rei Cristão-Ortodoxo (ou Czar), é uma Russ

completamente diferente daquela de Kiev. Não é mais na periferia do Império, mas é a fortaleza

da salvação, a Arca, terreno fértil para a descida do Nova Jerusalem. ―Não haverá uma Quarta‖.

St Petersburg é a capital da Russ que vem depois da Terceira Roma. Em algum sentido, não tal

capital, não pode haver. ―Não haverá uma Quarta Roma‖. St Petersburg estabelece a Terceira

Russia. Terceira em qualidade, estrutura e sentido. Não é um Estado Nacional e nem uma arte

soteriológica. É uma estranha quimera titânica, o país ―postmortem‖, a nação que vive e se

desenvolve num espaço que está além da história. Petersburg é uma cidade de ―Nav‖

(Incarnação da Morte em Russo Antigo), uma cidade do lado avesso. Segue-se então a

assonância do Rio Neva (no qual Petersburg está situada) e o Nac. A cidade da luz da lua, água,

prédios estranhos, estrangeira ao ritmo da história, da estética nacional ou religiosa. O período

de Petersburg da história da Russia foi o terceiro sentido do seu destino. Era um tempo de

russos especial, de russo além da arca. Os velhos fieis eram os últimos a embarcar na arca da

Terceira Roma para o fogo do batismo que cometeu as suas cabanas, juntamente com eles, às

chamas.

Dostoyevskiy é o escritor de Petersburg. Ele não é inteligível sem Petersburg. Mas Petersburg

em si mesma, continuaria no seu estado virtual, ilusório, se Dostoyevskiy. Dostoyevskiy a

reviveu, fez dessa cidade enigmática, real, revelando seu sentido (apenas então algo existe,

quando seu sentido se mostra por si mesmo).

Apenas em Petersburg é que a literature russa aparece. O período de Kiev é o período de lendas

épicas. O período de Moscow é o período de soteriologia e teologia nacional.

Petersburg traz a literature para a Rússia, o embrião pecaminoso do que costumava ser o

valoroso pensamento nacional, o traço exaltado do que já se foi. A literatura é uma cubertura,

um grão superficial de ondas siderais, um vacuo, que está grunhindo de desespero.

Dostoyevskiy atendeu este chamado de tal maneira, que tudo que havia partido, que fora

apagado ou esquecido como era, ressurgiu em um feito espiritual heroico.

Dostoyevsky é mais do que literature. Ele é teologia, lenda épica. Deste modo, a sua Petersburg

procura a ideia, o sentido. Ela constantemente se volta para a Terceira Roma. Ela

agonizantemente questiona as fontes da nação.

O personagem principal de ―Crime e Castigo‖ é chamado Raskolnikov, sendo uma referência

direta ao Cisma (ou ―Raskol‖). Raskolnikov é um homem da Terceira Roma, ―geworfen‖ (ou

―jogado‖) na Nav Petersburg. A alma sofredora, que por uma estranha lógica, de repente se

achou depois da auto-imolação no labirinto úmido das ruas de Petersburg, paredes amarelas,

estradas molhadas e um melancólico ceu acinzentado.

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A CAPITAL

A trama de ―Crime e Castigo‖ é estruturalmente análoga ao ―Capital‖ de Marx: a profecía da

Revolução Russa que está por vir. Ela foi simultaneamente um rescunho de uma nova teologia,

a teologia de ser abandonado por Deus, o que se tornaria o principal problema filosófico do

Século XX. Essa teologia poderia ser chamada de ―Teologia De Petersburg‖, pensamentos nav,

o intelectualismo dos fantasmas.

A história é extremamente simples. O estudante Raskolnikov sente rispidamente a realidade

social como uma revelação do mal, uma sensação especial tão característica em alguns

ensinamentos gnósticos e escatológicos.

O cianeto de potássio da civilização. A degeneração que floresce viciosa onde as conexões

orgânicas, os significados espirituais e espirais anagógicas das hierarquias que acsendem

desimpedidas aos céus, são perdidas. A percepção da realidade profana. A perda insuportável da

―Terceira Roma‖. O horror antes do encontro com o elemento universal do Anticristo, com

Petersburg. Raskolnikov plapita, absolutamente correto, que o polo simbólico do mal é uma

feminilidade pervertida (Kali). Que é condenada pelo empréstimo de capital religioso, que

equaciona o vivo com o sem-vida e cria monstros. Essa é a decomposição e a degradação do

mundo. Tudo isso é a velha agiota, a Baba-Yaga do mundo moderno, a Mulher-do-Inverno,

Morte, assassina. De dentro do seu lugar sujo, ela gira a teia de Petersburg , mandando para suas

negras ruas, Luzhins, Svidrigaylovs, dvorniks e marmeladovs, os ―irmãos-negros‖, agentes

secretos do pecado capitalista.

A labuta do submundo mesclada nas tavernas e bordéis, antros de miséria e ignorância e escadas

e portais mergulhadas na semi-escuridão. Por causa da sua magia senil, Sophia, sabedoria de

Deus, se transforma na deplorável Sonechka com o bilhete amarelo. O eixo da roda do mal de

Petersburg é encontrado. Rodion Raskolnikov completa sua patrulha ontológica. Certamente,

Raskolnikov é um comunista. Apesar de se assemelhar mais ao revolucionários-socialistas, aos

narodniks. Com certeza ele é familiarizado com os ensinamentos sociais contemporâneos. Ele

conhece linguas estrangeiras e pode ter sido familiarizado com o ―Manifesto‖ de Marx ou

mesmo com o ―Capital‖. O que é importante está no começo do ―Manifesto‖: ―... um espectro

ronda a Europa...‖. Essa não é uma metáfora, é uma definição precisa do modo especial de ser

que toma conta quando uma sociedade se torna profana, após a ―morte de Deus‖. Deste

momento em diante, nós estamos em um mundo de fantasmas,, num mundo de visões,

quimeras, alucinações ou conspirações nav. Para Rússia isso significa ―se aventurar de Moscow

para Petersburg‖, a incarnação para dentro da cidade do Neva, na cidade-fantasma. Essa

incarnação nunca poderá ser completa.

O espectro do comunismo transforma toda a realidade em fantasmas. Quando fixada na

consciência do estudante, que busca o Logos perdido, ele o joga em uma corrente de visões

distorcidas: ali um velho devasso arrasta uma garota bebada para algum lugar; lá Marmeladov

chora causando compaixão, depois de ter vendido o último xale de sua amada para comprar

alcool; acolá o demoníaco Svidrigaylov, o enviado da rede eterna, que está sob a tutela da velha

agiota, se insinua para a irmã pura de Rodion. Mas isso é uma ilusão? O fantasma, tendo

possuido a consciência, na verdade faz com que a inconsciência desapareça. A verdade revelado

é assustador, intolerável, mas verdadeira. É uma ilusão revelar o caráter ilusório do mundo? É

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insanidade entender que a humanidade vive de acordo com as leis de uma lógica doente? O

fantasma do Marxismo, o narcótico da revelação, a chamada Gnóstica para se levantar contra o

perverso Demiurgo... A dor sangrenta destes ferimentos é mais viva do que a imagem de um

salão brilhantemente iluminado, cheio de casais bem vestidos, rodopiando na dança.

Raskolnikov, ao matar a velha agiota, comete um gesto paradigmático, realiza um feito que, de

uma maneira arquetípica, a Práxis, como percebida pelos Marxistas, é reduzida. O feito de

Rodion Raskolnikov é o ato da Revolução Russa, a síntese de toda a literatura Social-

Democrata, Narodnik e Bolshevique. Esse é um gesto fundamental da história russa que

aconteceu depois de Dostoyevskiy, tendo sido preparada muito antes dele, nos enigmáticas

pontos iniciais do destino nacional. Toda a nossa história está dividida em duas partes – antes do

assassinato da velha agiota por Raskolnikov e depois do assassinato. Mas por ser um momento

fantasmagórico, supratemporal, ele lance falshes pra frente e para trás no tempo. Ele se mostra

em revoltas campesinas, em heresias, nas rebeliões de Pugachov e Razin, na separação da Igreja

Cristã-Ortodoxa (Cisma, Raskol), no advento da era negra (os eventos do começo do Século

XVII na Rússia), em todos as complicadas, multi-estágicas, insaciáveis metafísicas do

Assassinato Russo, que se espalhou da profundidade do nascimento Eslavo inicial até o Terror

Vermelho e os Gulags. Toda a mão levantada sob a ginga da vítima foi impelida por uma

explosão passional, vaga e profunda. Foi uma participação no Feito Comum e na sua filosofia.

O matar e a morte trazem para perto a Ressureição dos Mortos.

Nós russos somos uma nação abençoada. Portanto, todas as nossas manifestações – luxuosas e

pobres, graciosas e terríveis – são santificadas por sentidos supramundanos, por rais da cidade

transcendental, são lavados pela humidade transcendental. Na abundância da graça da nação, o

bom e o mau estão misturados, derramados de um para o outro, e de repente, o escuro se

ilumina, enquanto que algo branco se torna um mero inferno. Nós somos tão incognoscíveis

quanto o Absoluto. Nós somos uma nação divina. Até mesmo o nosso crime é

incomparávelmente superior à algumas outras virtudes.

NÃO “NÃO MATARÁS”

Entre o meio de Século XIX e o começo do Século XX, a consciência russa estava, de uma

maneira estranha, possuída pela compreensão de um dos Dez Mandamentos - ―Não Matarás‖.

Eles o discutiam como se fosse a essência do Cristianismo. Teólogos, revolucionários e

terroristas constantemente o repetiam (Savinkov era louca por esse mandamento), assim como

humanitários, progressistas e conservadores. Ambos, o tema e a argumentação ao redor dele,

eram tão importantes que afetou, de forma considerável, toda a consciência moderna da Russia.

Apesar do significado desta fórmula ter desvanecido com o advento dos Bolsheviques, ela

ressurgiu no final do período Soviético e começou a assombrar os cérebros dos intelctuais com

força renovada. ―Não Matarás‖ não é um mandamento exatamente Cristão do Novo Testamento,

mas do Velho Testamento Judaico. Ele é parte da Lei, da Torah, que regula, como um todo, as

normas exotéricas, exteriores, sociais e éticas da vida popular dos Israelenses. Este mandamento

não tem nenhum significado especial. Vcê pode achar algo análogo na maioria das tradiçõs, nos

seus códigos sociais. No Hinduismo, o equivalente é chamado de ―ahimsa‖, ―não-violência‖.

Este ―Não Matarás‖, assim como o resto dos parágrafos da Lei, regulam a liberdade humana,

direcionando-a para o caminho, que de acordo com o espírito da Tradição, pertence a uma parte

melhor, para o seu ―lado da mão direita‖. Além disso, é significativo que ―não matarás‖ não

possui nenhuma sentido metafísico absoluto. Assim como todas as estátuas exotéricas, esse

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mandamento serve, junto com os outros, para manter a existência coletiva em ordem e preservar

a comunidade de cair no caos (―A Lei não comprometeu nada‖, de acordo com São Paulo

Apóstolo). Em princípio, se comparar-se a realidade do Velho Testamento com a realidade

moderna, ―não matarás‖ corresponde aproximadamente a incrição de ―proibido fumar‖,

colocada na sala de teatro. Fumar na sala de teatro não é permitido, não é legal. Quando um

deslocado espectador começa a fumar, é um estado de emergência para os lanterninhas. Tais

pessoas são condenadas pela opinião pública e sujeitas à repressão pelos servos da justiça.

É muito significativo que o Velho Testamento está cheio de desafiodoras não-observâncias

deste mandamento. Assassinato está por toda a parte. Ele é cometido não apenas por pecadores,

mas também por homens de bem, reis, soberanos ungidos e até profetas. O pupilo preferido de

Elias, Eliseu foi especialmente inflexivel: ele não tinha piedade nem dos inocentes pequeninos.

Eles matavam durante guerras, matavam nativos e estrangeiros, matavam criminosos e aqueles

que haviam matado, matavam mulheres. Não tinham piedade de crianças, idosos, goyim,

prfetass, idólatras, feiticeiros, sectários, parentes. Muitas coisas foram destruídas. No livro de

Jó, Yahweh – sem nenhuma razão especial, a não ser uma superficial controvérsia com Lúcifer

– trata de maneira sádica o seu próprio homem virtuoso escolhido.

Quando aquele, coberto de lepra, se indigna com isso, Jahwe o amedronta com dois monstros

geo-políticos: a terra chamada de Behemoth e no mar chamado de Leviathan, i.e. Jahweh o mata

no sentido moral também. Investigadores bíblicos modernos possuem provas convincentes de

que o texto original do Livro de Jó termina no ápice da tragédia, e o fim ingênuo e moralista foi

adcionado muito depois pelos Levitas, que ficaram aterrorizados com a natureza primordial

mais rígida dos fragmentos do ―Velho Testamento‖ mais arcaico.

Em outras palavras, do context Judaico, de onde o mandamento ―não matarás‖ foi diretamente

tirado, ele não possui caráter absoluto e nem um significado especial.

Não havia nenhuma controvérsia sobre o tema e, aparentemente, nenhum reflexo foi dado a ele

com algum propósito expresso. Isso não é dizer que o mandamento nunca foi levado a sério. Ele

foi: eles tentavam não derramar sangue se não houvesse propósito. Eles também se precaviam

do tribunal rabínico. Se alguém fosse destruído em vão, havia uma punição. A lei normal. O

mandamento ordinário. Nada especial. O padrão da conduta humana. No Cristianismo, tudo era

diferente. Cristo é a realização da Lei. A Lei termina com ele. A missão da Lei é realizada. De

algum modo, ela é removida da agenda. Exatamente, ―removida‖, mas não repelida. Os

problemas espirituais passam para um plano radicalmente diferente. De agora em diante, a ―Pós-

Lei‖, a era da graça começa. ―A proteção da lei é superada‖. Falando rigorosamente, o advento

de tal era significa a falta de importância de mandamentos.

Até mesmo o primeiro mandamento da adoração do Senhor Uno é superada pelo Novo

Testamento, pelo preceito de Amor por Ele. Através da incarnação, o Logos-Deus traz relações

absolutamente novas entre o Criador e toda a criação, e entre as próprias criaturas. Daí em

diante, tudo acontece sob o signo de Emmanuel, pela fórmula beneficiente , ―Deus está

conosco‖. Deus não está em algum lugar distante, Ele efetua não apenas o papel de Juiz e

Legislador, mas também o papel do Amado e Amável. O Novo Mandamento não rejeita os dez

anteriores, mas os faz desnecessários.

A humanidade do Novo Testamento é diferente em uma maneira cardinal da velha humanidade

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judaica (ou idólatra).Ela porta o signo do Amor transcendente. É por isso que a dicotomia da

Lei - ―adorar – não adorar‖, ―singular – plural‖, ―roubar – não roubar‖, ―seduzir – não seduzir‖ e

finalmente ―matar – não matar‖ – não faz mais sentido.

Na santidade cristã, todos os significados são expressados positivamente. O novo homem não

precisa de regras aqui, ele vive para uma coisa – para o sóbrio e eterno amor não diluído, na

reza e na contemplação. Aqui, não há somente ―não mate‖. Os santos cristãos ririam dessa

cautela porque neles a dualidade já está abolida, a barreira entre o Eu e o não-Eu já foi

esmagada. Ademais, eles querem ser mortos, eles aspiram sofrimento, eles louvam o martírio.

Entretanto, a valorosa vida cristã não tem qualquer relação com os antigos Dez Mandamentos.

Eles estão uma vez e para sempre dominados na sacra cristandade. Ainda mais, há somente a

realização da Graça.

Mas, consideremos o cristianismo não-santo, não sacerdotal, não ascético nem eremita. A idéia

do Antigo Testamento seria válida para ele? Não. Ele é batizado, o que significa nascido de

cima, e Deus está com ele também. Dentro e não fora. Portanto, mesmo tendo sido pecador, um

mais indigno da vida que um velho, no novo ser, terá a Graça imerecida. Observando ou não a

legislação do Antigo Testamento, ele não tem nada que ver com a essência da existência cristã.

Claro, é mais conveniente para uma sociedade ter relações com aqueles que são obedientes e

prestam às regras. Inclusive para a sociedade cristã. Mas tudo isso não tem comparação com o

sacramento clerical, com a mística vida de um crente. Aqui, o elemento mais interessante

começa. Um cristão, por ultrapassar os mandamentos do Antigo Testamento, demonstra que ele

não completou em si mesmo a natureza misteriosa do Novo Homem, o aspecto potencial da

personalidade, pelo Espírito Santo na fonte do cristianismo.

Mas quem pode se orgulhar de ter alcançado a total deificação? Quanto mais se é santo, mais

significa que se é pecaminosamente terrível para si mesmo frente à Santa Trindade.

Consequentemente, como no caso do yurodivy (―os idiotas de Deus‖) que menosprezou o

aspecto humano, cair pode ser, no ponto de vista paradoxal do cristianismo, um sacramento.

Seguir os Dez Mandamentos do Antigo Testamento não é um fator decisivo para o Cristianismo

Ortodoxo. Só uma coisa é importante para ele: Amar o Novo – absolutamente Novo –

Testamento, o Amável Testamento. Os Dez Mandamentos, sem Amor, são o caminho ao

Inferno. E se é Amor, então não há mais nenhum significado. Isso foi totalmente claro para os

intelectuais radicais russos. No livro de Boris Savinkov, ―The Pale Horse‖, um terrorista

chamado ―Vanya‖ (um personagem literal, inspirado por Ivan Kalyayev) diz antes de comer um

assassinato: ―E o outro caminho – um caminho cristão para um cristão...Olha, se você ama

muito, realmente ama, então você pode matar, não pode?‖

Além disso...

―...deve-se sofrer o tormento da cruz, deve-se determinar a fazer tudo isso de amor e por amor.

Mas absolutamente de amor e por amor...Então, por quê eu vivo? Talvez seja pela minha morte.

Eu oro: Senhor, dai me uma morte em nome do amor. Você não pode rezar para matar, ou

pode?‖

Savinkov viveu, pensou, escreveu, e assassinou, depois de Dostoievsky. Mas nada é

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acrescentado à Raskolnikov. Raskolnikov assassina não só pela humanidade (embora por isso

também), ele assassina por Amor. A fim de passar pelo sofrimento, ele tem de morrer, para

matar a morte em si mesmo e nos outros. Ivan Kalyayev, assim como Savinkov, é

profundamente russo, profundamente Cristão Ortodoxo, profundamente do ―tipo dostoiesky‖:

ter uma personalidade evidentemente divina, juntamente com toda a nação, imponente, um

pensamento Cristão Ortodoxo paradoxal, uma comparação que faz as filosofias Ocidentais mais

refinadas e profundas tornarem-se insípidas. Os russos não formulam uma teologia, eles a

aturam, eles a vivem em todas as suas vidas. Essa é a teologia, vinda através dos poros, da

respiração, das lágrimas, do sono e das caretas de raiva. Através do tormento e da tortura.

Através do úmido e do sangrento, carnal e espiritualizado, elemento da Nova Vida.

De Amor e por Amor pode-se fazer qualquer coisa. Não significa que deve-se fazer qualquer

coisa e que todos os Mandamentos devem ser revogados e rejeitados. Em hipótese nenhuma.

Deve-se demonstrar com sua vida e gestos que há –e essa é a principal parte – outra medida do

ser, a nova luz, a luz do Amor.

O lugar do assassinato da velha agiota é São Petersburgo. Logo, esse é o lugar do Amor na

Rússia, locus amoris.

Rodion levanta as duas mãos, dois sinais angulares, dois ‗sinew plexus‘, duas runas sobre o

crânio seco e invernal da Capital. Na sua mão há um artigo bruto e cruel, o ritual central da

história russa, e do mistério russo, foi executado. O espectro materializa, o momento cai fora do

sistema da vida terrena (Goethe teria ido imediatamente louco, tendo visto que o momento de

fato parou...). Duas teologias, dois testamentos, duas revelações, encontram-se no ponto mágico.

Este ponto é absoluto.

Machado é seu nome.

LABRIS

A curta genealogia do machado.

As hipóteses mais brilhantes em relação a esse artigo – sua origem e seu simbolismo – foi

adiantado por Hermann Wirth, um gênio científico alemão e um especialista na esfera da pré-

história humana e escrituras antigas. Wirth mostrou que o duplo machado é o símbolo

primordial do ano, do círculo, das suas duas metades, uma segue o solstício de inverno, a outra é

exposta. O machado padrão (não duplo) simboliza uma metade do ano, como regra a primavera,

a metade ascendente.

Além disso, o uso utilitário de um machado para o corte de árvores, também de acordo com

Wirth, carrega uma relação com o simbolismo anual, Árvore na Tradição significa Ano. Suas

raízes são os meses de inverno, e sua coroa os do verão. Portanto, cortar árvores é

correlacionado, no contexto primordial simbólico das sociedades sacras, com o advento do

Novo Ano e com o fim do antigo.

O machado é, simultaneamente, o Novo Ano e o instrumento do qual o velho é destruído.

Simultaneamente, é um instrumento cortante, que divide o Tempo, cortando o cordão umbilical

fora no ponto mágico do Solstício de Inverno, quando o maior Mistério do Sol da morte e da

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ressurreição vem à tona.

A runa no calendário rúnico antigo representando o machado é chamada de ‗thurs‘ e foi

dedicada ao Deus Thor. Isso cai no primeiro mês do Novo Ano. Thor foi o Deus-Machado, ou

seu equivalente simbólico, o Deus-Martelo ou Miollnir. Com seu Martelo-Machado, Thor

esmagou o crânio da Serpente do Mundo, Irmunganthr, que flutuou nas águas baixas da

escuridão. De novo, o mito óbvio do Solstício, conectado ao ponto do Novo Ano. A Serpente é

o Inverno, o frio, as águas baixas do ano Sacro, onde o sol polar se põe. Thor, aqui ele é tanto o

Sol como o espírito solar, supera o frio e estabelece a Luz em liberdade. Nos estágios mais

tardios do mito, o Sol – a imagem da Luz é dividida em duas – o salvador e o salvo – e então em

três com o acréscimo do instrumento da salvação, o machado. A forma primordial, todas essas

personalidades foram algo unido – Deus-Sol-Machado(Martelo).

A inscrição mais antiga do símbolo do martelo nas cavernas antigas do Paleolítico e gravuras

em rocha foram analisadas por Herman Wirth na luz do ritual inteiro e da estrutura calendária.

Ele traçou a interessante constância do proto-senso machado pelas mais diferentes idades

através de culturas e líguas dos locais geográficos. Ele mostrou a etimológica e semântica

relação de palavras que significam ‗machado‘ com outras noções simbólicas e assuntos

mitológicos, dos quais são também relacionados com o mistério do Novo Ano, o meio do

Inverno, o Solstício de Inverno.

Especialmente interessantes são as indicações de que o significado simbólico de ―machado‖ é

estritamente idêntico em outros dois antigos itens de palavras hieróglifas: ―labirinto‖ e ―barba‖.

O ―labirinto‖ é um desenvolvimento da idéia de uma espiral anual, curvando-se ao Novo Ano e

em seguida começando a endireitar. A ―barba‖ é meramente a luz solar masculina no outono-

inverno, metade do círculo anual (o cabelo como um todo são os raios solares). Portanto, no

círculo rúnico, outra runa – ―peorp‖ – se parece com o machado, mas significa a barba. No meio

do labirinto vive Minotauro, o monstro, o búfalo-homem, o equivalente a Irmunganthr, a

Serpente do Mundo e...a bruxa usurária. Dostoievsky descreveu o tópico mitológico antigo, o

paradigma secreto de uma sucessão simbólica, o ritual primordial, o qual nossos ancestrais

praticaram por muitos milênios. Mas não é apenas um anacronismo ou uns fragmentos

descoordenados do inconsciente coletivo. De fato, a matéria é sobre uma muito mais importante

pintura escatológica, sobre o senso e o final do Fim dos Tempos, sobre um momento sacro

apocalíptico, quando o tempo colide com a Eternidade, quando o fogo do Dia do Juízo

resplandece.

Os russos são a nação abençoada, e a história da Rússia é um resumo da história mundial. Em

nós, assim como um em um ímã espacial, temporal e étnico, o senso de destino dos séculos

gravita em movimento acelerado. A primeira e a segunda Roma só existiram para a terceira

existir. O império bizantino foi a profecia da Rússia Sacra. A Rússia Sacra, no sentido

apocalíptico, atentou a si mesma para a cidade-fantasma São Petersburgo, onde o maior profeta

russo Fiodor Dostoievsky surgiu. A cena da sua principal novela, ―Crime and Punishment‖, é

montada no ―labirinto‖ das ruas de São Petersburgo e os principais personagens da novela são

as principais figuras russas. Entre eles, os mais importantes foram Raskolnikov, a bruxa usurária

e o machado. Acrescentando, o machado é a barra que conecta Raskolnikov com a bruxa

usurária. Consequentemente, a história mundial – através da história de Roma, do Império

Bizantino, da Rússia, de Moscou, de São Petersburgo, de Dostoievsky, de ―Crime and

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Punishment‖, através da história dos mais importantes personagens – resumem o MACHADO.

Raskolnikov divide a cabeça da bruxa capitalista. O nome ―Raskolnikov‖ (―Raskol‖ significa

literalmente uma ―divisão‖) indica o machado e sua ação. Raskolnikov executa o ritual do Ano

Novo, o mistério do Juízo Final, a celebração da ressurreição do Sol.

O capitalismo, deformando a Rússia pelo Ocidente, do lado do pôr sol, carnalmente representa a

serpente do mundo. Seu agente é a bruxa-aranha que tece a teia da escravidão usurária. Ela

também é parte disso.

Raskonlikov trás o machado do Leste.

O machado do nascer do Sol, da Liberdade e do Novo Amanhecer.

A novela deveria ter terminado de uma maneira triunfal com a completa justificação de Rodion.

O crime de Raskolnikov é o castigo pela usura. A era do Machado e da Revolução proletária

está proclamada. Mas...forças adicionais entraram na discussão. A Porfiria investigativa torna-se

especialmente traiçoeira. Esse representante da jurisprudência de Kafkian e do pseudo-

humanitarismo farisaico começa uma intriga complicada para difamar o caráter principal e suas

ações nos olhos de Raskolnikov. A Porifiria, em meio termo, ilude os fatos, lidera Raskolnikov

para um labirinto cego de dúvidas, de nervosismos e perturbação mental. Ele não somente tenta

colocar Rodion na cadeia, mas busca suprimi-lo espiritualmente. O personagem principal

deveria ter tratado aquela escória do mesmo que fez com a bruxa: ―esmagar a cabeça da

serpente‖. Mas nosso personagem acaba por ser incapaz de se reerguer...Então, o resto do mito

também acaba por se desenredar. Raskolnikov, de acordo com o cenário primordial, deveria ter

buscado a Sabedoria-Sophia fora do bordel, assim como a Gnose-Simon fez com Helena.

Mesmo com a cena da recitação, a evangélica narrativa sobre a ressurreição de Lazarus

manteve-se na forma original: Sophia, resgatada por Amor e ao ser libertada da escravidão

usurária, propaga a ressurreição universal. Mas aqui, por alguma razão ela se une à conspiração

com o ―humanitarismo da serpente-adoração‖, a Porifiria. Ela começa a sugerir a Raskolnikov

uma idéia: que a velha mulher, assim falou, deveria ter sido poupada, que ela ―não é um

piolho‖. A sociedade do amor aos animais, incluindo a serpente do mundo da escuridão. Um

carinho à uma lágrima capitalista.

Como tudo isto poderia ser explicado?

Dostoievsky foi um profeta e teve o dom da clarividência. Ele previu não somente a revolução

(o golpe na cabeça com o machado), mas também sua degeneração, sua traição, seu ser posto no

mercado. O socialismo de Sophia gradualmente degradado ao ansioso humanitarismo farisaico.

A Porifiria penetrou no partido e debilitou as bases do domínio escatológico do país Soviético.

Primeiramente, eles desistiram da revolução permanente, então, os expurgos, e então Sonya, sob

o aspecto dos últimos intelectuais Soviéticos, começou de novo a choramingar sobre o mais

idiota – de ―não matar‖...E o sangue jorrou como um rio. Não era o sangue das bruxas usurárias,

mas de crianças inocentes.

Existe uma versão virtual do ―Crime and Punishment‖, que tem um fim absolutamente

diferente. Tem que ver com a nova história russa, que se aproxima. Até agora, vivemos através

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da primeira versão. Mas agora está tudo acabado. O novo mito está encarnando, a espada

escarlate de Boris Savinkov está ardendo nas mãos da nova e jovem Rússia, a Rússia dos

Últimos Tempos.

Machado é o nome desta Rússia.

NOTAS

*Observamos o fato de que pouquíssimos conceitos desse artigo são sugeridos por uma leitura

do muito interessante trabalho de V. Kushev, ―730 passos‖, no qual o autor analisa o paradigma

de ―Crime and Punishment‖.

**Stirner escreveu em ―German Ideology‖: ―Mensch, es spukt in deinem Kopfe!‖, que poderia

ser traduzido como ―Cara, é sua cabeça que está sendo assombrada por fantasmas‖. Quanto a

exata tradução do verbo alemão ―spuken‖, é derivado de ―der Spuk‖ (espectro), e é análogo ao

francês ―hanter‖ e ao inglês ―to haunt‖. O pai Seraphim indicou a nós uma importante analogia,

tendo lembrado que em antigo russo existiu o verbo ―stuzhati‖, significando o mesmo que o

―spuken‖ do alemão – para ser superado pelos maus, foi possuído pelos seres invisíveis. Jacques

Derrida no seu texto ―Hamlet and Hecuba‖ (1956) pontuou a semelhança entre o drama de

Shakespeare e o ―Manifesto‖ de Marx. Em ambos casos, tudo começa com os fantasmas, da

expectativa da sua aparência. Derrida assinala precisamente que ―o momento dos fantasmas não

pertencem a um momento normal‖. Em outras palavras, o tempo do mundo dos fantasmas não

possui qualquer medida em comum com o tempo do mundo humano. É muito conectado à

essência de São Petersburgo, a cidade-fantasma, vivendo entre o tempo sacro da história da

Rússia, em um misterioso descanso, tontura sideral. Essa é a eternidade fantasmagórica de

Svidrigaylov. Essa cidade com ―jeito de holandês voador‖, suas luzes, seus lustres, suas velas e

lâmpadas, e seu Iluminismo, são nada mais que as luzes de Santo Elm, a luminescência fictícia

de uma quase-existência pantanosa. Stuzhalyy gorod, a cidade assombrada, la ville hantee...o

lugar da insanidade, da doença, da febre, da perversão, do vício e...da consciência que

amanhece.

***Na geopolítica moderna, Leviatan e Behemoth significam o poder marítimo e o poder

terreno, respectivamente. O Leviatan é o atlantismo, o Ocidente, os Estados Unidos, o mundo

anglo-saxão, e a ideologia de mercado. Behemoth é a Eurásia, estrutura continental, e é

associada com a Rússia, com a hierarquia e com a tradição.

Traduzido pelo Yrminsul, através da versão em inglês de Vladislav Ivanov

Sobre a queda das Nações Unidas

Neste momento existe uma crise global nas Nações Unidas, e esta crise está rapidamente se

tornando aparente. Mas para entendê-la, devemos primeiro lembrar o que é a ONU. A

Organização das Nações Unidas é uma instituição criada de acordo com os resultados da

Segunda Guerra Mundial e que favoreceu os interesses dos dois campos ideológicos globais que

foram os vencedores da Guerra. Ou seja, os representantes do mundo socialista e capitalista.

Stalin da URSS e também Churchill e Roosevelt; e na verdade estes eram os países que

controlavam os dois principais jogos políticos. Isto é, os países do Ocidente sob o comando de

Inglaterra e Estados Unidos e os países da Europa Oriental, ocupados pela União Soviética.

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Estes eram os dois blocos centrais de países que, de acordo com o Resultado da 2GM, dividiram

sua influência ao redor do mundo. E é claro que havia um terceiro grande grupo de países que

eram considerados independentes, e no contexto deste mundo bi-polar, poderiam escolher o seu

próprio caminho de desenvolvimento. E isto era as Nações Unidas. Ela refletia essa estrutura de

um mundo dividido em dois polos.

Em 1991 este mundo bi-polar entrou em colapso, e os Estados Unidos começaram a construir u

mundo uni-polar. A estrutura da comunidade internacional que pressupunha duas super-

potências e os diversos países entre elas rapidamente se tornou obsoleta. Países, poderosos ou

não, começaram a desenvolver seus próprios interesses, e as funções da ONU foram,

eventualmente, bloqueadas.

Por causa disso, os Estados Unidos, tomando lugar da ONU, decidiram construir uma ―Nova

Liga de Democracias‖, ou seja, a America e seus aliados. Nós, nos últimos anos, começamos a

financiar o ONU por uma razão principal: vemos nela uma instrumento pelo qual podemos

contra-atacar a hegemonía unilateral Americana. Mas nós não podemos mais agir como uma

super-potência mundial, e por essa razão, nós vemos a ONU tanto como uma estrutura do

passado, quanto como um projeto para o futuro. Isto é, como eu entendo, a ONU aos olhos do

nosso governo pode agir como um instrumento de um mundo multi-polar do futuro. Mas dentro

disso, há uma certa ingenuidade, porque para mim, parece extremamente improvável que os

EUA irão deixar-nos fazer uma mudança de maneira tão suave. Isto é, colocar, ao invés de um

segundo polo (que caiu nos anos 90), um número maior de polos, e então tornar a ONU em uma

instituição pós-uniploarismo, mas um modelo multi-polar do mundo. Mas de qualquer modo, a

tentativa é digna, mesmo que, caso avancemos nos esforços, creio que a ONU será rapidamente

desintegrada. Porque os Americanos podem, a qualquer momento, afundar o navio e criar no

seu lugar uma Nova Liga de Democracias. Por esta razão, eu acho que devemos nos focar na

criação de um novo modelo de mundo multi-polar, e sobre uma nova jurisdição que governará

as relações internacionais, o que poderá acontecer apenas após a destruição deste mundo uni-

polar.

Dizer que nada aconteceu e que o mundo é o mesmo de antes da queda da União Soviética, é

impossível. O mundo deve ser multi-polar. Isso foi reiterado ha não muito tempo pelo nosso

presidente Dmitry Medvedev. Mas a multipolaridade é uma filosofia do todo. E mais do que

isso, a multipolaridade é de fato uma ideologia. E não é a ideologia da ONU, porque a ideologia

da ONU é uma ideologia inspirada em Yalta, de um mundo bi-polar.

Alexander Dugin

DUGIN, CARVALHO E O FUTURO DA AMÉRICA DO SUL

Por : Edu Albuquerque*

O capital financeiro internacional não é uma entidade metafísica, embora essa imagem possa

auxiliar no entendimento da crescente porosidade das atuais fronteiras nacionais. Explico: o

capital, por mais apátrida que seja, em algum momento precisa territorializar-se, isto é, assumir

uma forma produtiva. Isto é o que se chama tecnicamente de reprodução ampliada do capital.

Esta introdução é necessária para entendermos a polêmica travada entre o russo Aleksandr

Dugin (Alexandre Duguin) e o brasileiro Olavo de Carvalho, o primeiro defensor do

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eurasianismo a partir do heartland, o segundo apoiador do projeto atlantista neoliberal. Ao não

compreender o ciclo completo da materialidade do capitalismo, o prof. Carvalho apresenta um

mero esboço de sociologização weberiana das relações internacionais, propositadamente

negligenciando o contexto histórico-geográfico do capitalismo em nome de proposições

moralistas tipicas de um corte idealista das relações internacionais. Desta forma, o prof.

Carvalho não percebe que o Poder da Plutocracia Ocidental é também um Poder Militar, ainda

que esta ligação seja por demais evidente desde a estruturação do Complexo Industrial-Militar

da Guerra Fria ―denunciado‖ por D. Eisenhower, e em verdade ainda anteriormente, com seu

embrião remontando à Guerra Hispano-Americana (1898) pelo controle do Caribe e Pacífico.

Gostaria de frisar que compartilho do pensamento geopolítico e esquerdista (embora prefira o

termo ―defesa da coletividade‖) do professor Dugin, assim como, quero crer, que ambos

teríamos concordado ao tempo do realista britânico Edward Caar quando, pressentindo o início

da hegemonia estadunidense no Entre-Guerras, defendia uma aliança Inglaterra-União Soviética

para opor o poder naval estadunidense. Infelizmente a Inglaterra preferiu uma aliança com o

poder plutocrático estadunidense (de matriz puramente niilista-consumista e anti-

regulacionista), talvez pesando os laços culturais, talvez a necessidade de ajuda financeira

externa mais imediata, provavelmente ambos.

E como equacionar a realidade política brasileira no debate Dugin x Carvalho? A tese do

―Choque de Civilizações‖ formulada por S. Huntington é o verniz ideológico da nova estratégia

norte-americana de contenção no pós-Guerra Fria, mas apesar disto, reside na obra do autor um

pensamento que poderia ser usado para entendermos o Brasil atual: somos um ―país dividido‖

entre os valores ocidentais e os valores sociais-nacionais. As últimas eleições presidenciais

confirmaram esta divisão da sociedade brasileira quando computados os votos para Serra

(PSDB) e Dilma (PT), mas infelizmente parece que o recém empossado governo não é tão

diferente assim do que seria um novo governo do tucanato, ainda quão duro seja eu admitir

depois de ter votado na candidata.

Claro que é cedo para julgarmos um governo que ainda não passou pelo primeiro semestre de

mandato, mas a receptividade demonstrada durante a visita apoteótica de Obama sinaliza que

serão ampliados os fluxos financeiros ao Brasil, o que fará pender esta ―divisão cultural‖ da

sociedade brasileira em favor do Ocidente. O subproduto inevitável será o aprofundamento das

diferenças regionais no âmbito sul-americano, uma vez que os pequenos países da região não

possuem mercado consumidor suficiente para justificar fluxos financeiros mais elevados,

enquanto que o Brasil reforçará sua posição subimperialista como locus regional das empresas e

capitais transnacionais.

Iria mais longe, o Brasil da ex-guerrilheira e ex-esquerdista Dilma Roussef tende a romper -

quem diria - ainda mais com o movimento nacionalista e esquerdista sul-americano, isolando

Chávez e Morales. Dilma já deu sinais desta mudança de postura da diplomacia brasileira diante

de outro movimento nacional anti-liberal, alterando a política externa de Lula em relação ao Irã,

e passando a condenar aquele país junto à ONU em matéria de direitos humanos...

Quero reiterar que não me vejo representado nesse projeto de Brasil, e creio que terá vida ainda

mais curta que a ascensão nipônica promovida pelo mesmo EUA, pois aqui a reprodução

ampliada do capital externo será garantida apenas nos segmentos agrominerais e de energia.

Desde o desenvolvimentismo promovido pela aliança Washington-Pequim que a China tornou-

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se ávida consumidora de matérias-primas e alimentos, necessitando da soja e do minério de

ferro brasileiros. E mergulhados no inicio de uma temerosa crise energética, os EUA querem do

Brasil o etanol e o petróleo do Pré-Sal. Mas não temos mais que isto a oferecer ao capital

internacional, pois a zona industrial do projeto atlantista neoliberal é a China, nossa concorrente

direta no fornecimento de commodities industriais.

O atual projeto de governo – assim como de todos os anteriores, salvo talvez o efêmero governo

de João Goulart – está baseado no aprofundamento da inserção brasileira nos fluxos financeiros

internacionais. Esse é um projeto limitado historicamente porque não passa de uma nova versão

da modernização conservadora que experimentamos no passado, cuja industrialização parcial e

tardia não logrou alçar o país à condição de primeiro mundo.

* O Prof. Dr. Edu Silvestre de Albuquerque é Doutor em Geografia pela UFSC

O Gnóstico

Por Alexander Dugin

Chega o momento de mostrar a verdade, de fazer uma essência espiritual do que os ―lambe-

botas‖, homens médios definem como "extremismo político". Temos os confundido, mudando

os registros de nossas simpatias políticas, a coloração dos nossos heróis, passando do fogo ao

frio, do ―direitismo‖ para o "esquerdismo" e vice-versa. Tudo isso foi apenas uma preparação de

artilharia intelectual, uma espécie de um aquecimento ideológico.

Temos assustado tanto a extrema-direita quanto a extrema-esquerda, e agora ambas perderam

suas linhas orientadoras, ambos sairam das suas trilhas batidas. Isso é maravilhoso. Como o

grande Evgeniy Golovin gostava de repetir: "Aquele que vai contra o dia, não deve ter medo da

noite". Não há nada mais agradável do que o sentimento do chão fugindo sob seus pés. Esta é a

experiência do primeiro vôo. Ela vai matar os vermes. Vai endurecer os anjos.

Hoje é possível responder a essas perguntas, sem equívocos e definições evasivas. Embora com

esse fim em vista, é necessário fazer uma breve digressão sobre a história do espírito.

A humanidade sempre teve dois tipos de espiritualidade, dois caminhos - "Caminho da Mão

Direita" e o "Caminho da Mão Esquerda". O primeiro é caracterizado pela atitude positiva para

com o mundo circundante, o mundo é visto como harmonia, paz, equilíbrio, bondade. Todo o

mal é visto como um caso particular, um desvio da norma, algo dispensável, transitório, sem

profundas razões transcendentais. O Caminho da Direita é também chamado de "O Caminho do

Leite". Não fere pessoa, a preserva da experiência radical, a retira da imersão em sofrimento, do

pesadelo da vida. Este é um caminho falso. Ele leva a um sonho. Quem segue por ele, não

chegará a lugar algum...

O segundo caminho, o "Caminho da Mão Esquerda", vê tudo em uma perspectiva invertida.

Não a ―tranquilidade láctea‖, mas o sofrimento negro; não a calma silenciosa, mas o drama

tortuoso e impetuoso de uma vida angustiante. Este é "O Caminho do Vinho". Ele é destrutivo e

terrível, a raiva e a violência reinam lá. Para quem está seguindo por este caminho, toda a

realidade é percebida como o inferno, como o exílio ontológico, como tortura, como a imersão

no coração de alguma catástrofe inconcebível originária das alturas do espaço. Se no primeiro

caminho tudo parece tão bom, no segundo - muito mal. Este caminho é monstruosamente difícil,

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mas apenas este caminho é verdadeiro. É fácil tropeçar nele, e é ainda mais fácil de perecer. Ele

não garante nada. Ele não tenta ninguém. Mas apenas este caminho é o único e verdadeiro.

Quem o segue - vai encontrar a glória e a imortalidade. Quem resistir - vai conquistar, vai

receber o prêmio, que é maior que a vida.

Aquele que segue pelo "Caminho da Mão Esquerda" sabe, que um dia o aprisionamento terá

terminado. A prisão de substância entrará em colapso, tendo se transformado em uma cidade

celestial. A cadeia do iniciado passionalmente prepara um momento desejado, o momento do

fim, o triunfo da libertação total.

Estes dois caminhos não são duas diferentes tradições religiosas. Ambos são possíveis em todas

as religiões, em todas as confissões, em todas as igrejas. Não há discrepâncias externas entre

eles. Eles apelam para os aspectos mais íntimos de uma pessoa, a sua essência secreta. Os

caminhos não podem ser escolhidos. São eles que escolhem uma pessoa como vítima, como

servo, como uma ferramenta, como um instrumento.

O Caminho da Mão Esquerda é chamado de "gnosis", "conhecimento". É amargo como o

conhecimento, que gera dor e tragédia fria. Na Antiguidade, quando a humanidade ainda

relegava importância decisiva para os aspectos espirituais, os gnósticos desenvolveram suas

teorias a um nível filosófico, como uma doutrina, como mistérios cosmológicos, como um culto.

Aos poucos, as pessoas a foram degredando, deixaram de prestar atenção ao reino do

pensamento, afundaram-se na fisiologia, na busca de privacidade e da vida caseira. Mas os

gnósticos não desapareceram. Eles transferiram a disputa para o nível das coisas compreensíveis

para pessoas médias modernas. Alguns deles proclamaram os slogans de "justiça social",

desenvolveram a teoria da luta de classes, o comunismo. "O Mistério de Sofia" tornou-se

"consciência de classe", a "luta contra o mal-intencionado Demiurgo criador do mundo maldito"

ganhou o caráter de lutas sociais. Os pensamentos tecidos pelo antigo conhecimento levaram à

Marx, Nietcháiev, Lenin, Stalin, Mao, Che Guevara .... O Vinho da revolução socialista, o

prazer da revolta contra as forças do destino, sagrada paixão berserk para a destruição total de

tudo que é negro, com o intuito de achar uma nova luz sobrenatural ...

Outros focaram na energia secreta da raça, o murmúrio de sangue para a vulgaridade. Erigiram

as leis da nova pureza divina, proclamaram o retorno à Idade do Ouro, o Grande Retorno contra

a degradação e a mistura. Nietzsche, Heidegger, Evola, Hitler, Mussolini transformaram a

vontade gnóstica, em doutrinas raciais e nacionais.

É verdade que os comunistas não tinham nenhum interesse em particular nos trabalhadores, e

Hitler - nos alemães. Mas de nenhuma maneira devido ao seu cinismo. Ambos foram

esmagados por uma mais profunda, mais antiga aspiração, mais absoluta - o espírito gnóstico

comum, secreto e terrível, a luz do Caminho da Mão Esquerda. Não os trabalhadores, não os

"arianos"... São cavalos de cores diferentes.

Personalidades criativas também foram chamadas pelo Caminho da Mão Esquerda, em um

caminho da gnose balançando, para lá e para cá, entre o "vermelho" e o "negro", o "branco" e o

"marrom", apressados em buscas espirituais. Sendo confundidos pelas doutrinas políticas, indo

para extremos, sendo incapazes de expressar claramente os contornos metafísicos de suas

posses, os artistas de Shakespeare até Arteau, de Michelangelo até Max Eemans, dos trovadores

até Breton, alimentaram-se com um vinho secreto de sofrimento, absorvendo avidamente na

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sociedade, nas paixões, em seitas e confrarias ocultistas, os fragmentos separados da doutrina

terrível que privam você de uma oportunidade para sorrir. Cavaleiros Templários, Dante,

Lautréamont ... Eles nunca sorriram. É o sinal de terem sido especialmente escolhidos, traço de

uma experiência monstruosa que foi comum a todos os "viajantes do Caminho da Mão

Esquerda". Um gnóstico vigia o nosso mundo com o seu olhar pesado. O mesmo olhar de seus

precursores, elos de uma cadeia antiga de escolhidos, escolhidos pelo horror que tiveram. Os

padrões repelentes aparecem para eles. O Ocidente distraído em sua psicose consumista, o

Oriente - repugnante no seu raciocínio lento e na sua obediência miserável. Um mundo afogado,

um planeta no fundo do poço

"Na floresta subaquática o impulso é inútil e o gesto cessa ..." (Evgeniy Golovin)

Mas os gnóstico se manterão firmes em seu trabalho de vida. Nunca, nem hoje, nem amanhã.

Pelo contrário, há todas as razões para triunfar internamente. Não dissemos aos ingênuos

otimistas do "Caminho da Mãos Direita", onde sua confiança ontológica excessiva vai levá-los ?

Não previmos a degradação do seu instinto criativo se transformar na paródia grotesca que é

representado pelos conservadores modernos que renunciaram a tudo, que horrorizaram os seus

mais atraentes (mas não menos hipócrita) precursores de um par de milhares de anos atrás? Eles

não nos ouviram... Agora deixe-os culpar apenas a si mesmos e ler livros "New Age" ou

manuais de marketing.

Não temos perdoado ninguém, não temos esquecido nada.

Não temos sido enganados pelas mudanças de cenário social e atores políticos.

Nós temos uma memória muito boa, temos braços ―muito longos‖.

Nós temos uma tradição muito severa.

Labirintos da vida, espirais de idéias, vórtices de raiva.

Cinco Teses no Significado da Vida por Alexander Dugin Du

Já é hora de chamar as coisas pelos seus próprios nomes, sem prestar atenção à correções

estilísticas ou tons excessivamente acadêmicos. Torna-se claro que, em qualquer caso, ninguém

vai entender-nos ou receber-nos. Portanto não há nenhuma razão real para dar ao discurso um

tom mais estilístico. Não jogamos xadrez no final da Kali-Yuga. Todos devem deixar claro para

ele(a) mesmo(a), o que queremos e o que nós queremos de você pessoalmente. A pergunta é

sobre o sentido da vida. Uma pergunta típica. Durante os tempos de passagem, temos de

enfrentá-la sem quaisquer risos ou rodeios. Nosso objetivo tem vários níveis.

1. Primeiro nível. Deve-se entender o curso da história.

Sem isso, várias coisas são deixadas incompreendidas: o contexto em que nos encontramos, a

língua que falamos, os arredores com que estamos lidando. Quem não entender o curso da

história e seus modelos é tão inútil quanto um corvo na borda de um campo. Ele está sujeito a

forças externas, e suas capacidades intelectuais são mínimas. Todo e qualquer idiota deve ter

pelo menos alguma idéia do curso da história. N‘outros tempos as pessoas não se atreveriam a

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aparecer em público sem conhecer certas idéias sobre o curso da história. Hoje, a pergunta pode

parecer um pouco abstrata demais para os filósofos profissionais, historiadores e presidentes.

Grease e a televisão tornaram-se as próteses cérebrais da nação. Alguém está falando sobre algo

- possivelmente brincando, ou contando uma história sobre como ele acabou de sair da prisão. O

espírito do nosso tempo está contra nós, que nos mantemos firmes para a compreensão da

história. Isso seria apenas uma coincidência?

2. Segundo nível. Deve-se tomar parte no curso da história.

Mas só depois de entendê-lo, pelo menos, aproximadamente. Caso contrário, nós nos

encontramos em uma situação paralela a ter forças desconhecidas perfuraçando os nossos

dentes. Uma vez que tenhamos obtido algum tipo de modelo do curso da história, nos

tornaremos mais qualificados para tomar parte. Agora, o processo de existência obtém tons

revoltantes. As primeiras diferenciações tomam lugar. As primeiras experiências existenciais e

gnosseologicas acontecem. Alguma coisa e alguém irão ficar contra seus esforços, alguma e

alguém irão apoiá-lo. A vida toma um novo significado, concretude vectorial. Tomar parte não

quer dizer, necessariamente, fazer alguma coisa grande. Às vezes, pequenas coisas são

suficientes, as atividades cotidianas. Por exemplo, você se lembra que você está vivendo o fim

da história. Como resultado, você bebe o seu café ou da um passeio no parque ou bate em

alguém - mas não é assim tão simples, já que você está agindo como um ser que trabalha para o

fim da história. Todos movimento seus, todas suas condições, as suas próprias emoções ganham

novas dimensões. É claro, dificilmente você vai mantê-lo no nível do dia-a-dia sem tentar

socializar sua própria experiência. Por esta razão, você será levado para o terceiro nível,queira

você ou não.

3. Terceiro nível. Deve-se mudar o curso da história.

Esta é a consequência lógica do segundo nível. Se sua parte no curso da história não mostra em

suas mudanças, seja até mesmo as menores mudanças, sua parte é fictícia. Isso é claro. Ao tentar

mudar até mesmo as menores partículas dentro do curso da história, você está testando o estado

do seu próprio ser histórico. É um caminho perigoso, e que detém muitas armadilhas e buracos.

Aqui você terá que aprender a distinguir entre os vários espíritos. Primeiro o demônio rindo de

vaidade, seu irmão gêmeo do mal, sai. Ele tenta persuadi-lo a afunilar-se no redemoinho escuro,

e isso vai parecer para você como se você estivesse amadurecendo e deixando vestígios de uma

grande massa de tempo, mas na verdade os seus ouvidos estão circundadas pelo seu próprio

eixo de macarrão. Pseudodandism fricassé. Leve o seu eixo de macarrão e vá impressionar as

fêmeas em algum museu. Uma mudança real no curso da história - mesmo um grau - é uma

conquista. Isso é muito, verdadeiramente. No caso de você ter passado por os dois primeiros

níveis, o que é. No caso contrário, tudo isso é apenas alucinações de um toco de cinza.

4. Quarto nível. Um tem que virar o curso da história 180 graus.

Um movimento inesperado. Sshhhhh, fique quieto, aqui começamos a desvendar a essência de

nossos pensamentos secretos. Este é o nível mais alto em mudar o curso da história. Se você

girar o curso da história completamente, você é igual à própria história, você é o seu

doppelgänger - homem-tempo. Isto significa que você está dentro, não fora. E o ciclo de eventos

está circulando você. Mas apenas heróis e santos são capazes de fazer isso. Mas quem disse que

porcos de duas são tolerados pela ontologia? Quem carrega a forma humana deve ser humano

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ou ser punido. Mas não há razão para levar tanto a si próprio ou outros a se desviarem. A nossa

forma não existe fora da transgressão. Nossa essência é que nos falta a definição final, o solo

base final. Nós nunca podemos dizer com total responsabilidade "Humano - isso é algo!" Há

sempre um lugar para um orador, para um orador, convincente claro. Como para não-alguma-

coisa ... Estamos perdendo terreno ... Alguém está destruído, alguém finalmente aprendeu a

banhar-se nas regiões de fogo. Levando a semente perdida de volta para si mesmo, enfiando a

palavra pronunciada de volta na garganta. Quando lhe disserem que algo está dentro, que

alguma coisa é a ―conversa do dia‖, e, finalmente, "algo é aqui e agora" - responda com um riso

mal, piscando os olhos, assobiando e dançando em círculos. Nada é assim, nada é, nada de

contemporâneo. Prove, depois de ter conseguido tudo, e jogue-o no esgoto. Topmodels são

vítimas ontológicas de franco-atiradores metafísicos. No inferno, Naomi Campbell morta toca

uma bateria-de-cérebro feita dos ossos de Yakubovich. O novo "Campo dos Milagres"

Nacional-Bolchevique. Vlad, ele estava vivo um minuto atrás ... Nós nunca devemos nos

esquecer de você ... O que quer dizer, "nunca se esqueça"? Devemos tomar decisões razoáveis

com isso. Tempo - para trás!

5. Quinto nível. O último. É preciso parar o curso da história.

Este é entendido (oh, vamos lá ...). Se somos capazes de girar o curso da história 180 graus, nós

nos encontramos em um mundo onde tudo não é como ontem, não como hoje, nem amanhã.

Haverá alguma história depois de ter girado o seu curso para trás? Poderíamos chamá-lo de

Jordão, onde Nosso Salvador pisou, e o rio parou de correr, por puro terror? Ou as águas que se

dividiram sobre o Mar Vermelho, onde Moisés andou ", à beira-mar"? Poderíamos ser

chamados de "partido"? A sutil diferença continua tudo a mesma coisa. Indo para trás ou mesmo

sem um curso... Parece um horizonte distante, mas não é uma discussão vazia. Vamos ter de

resolver este problema importante dentro deste corpo. O corpo vai, naturalmente, ser um pouco

diferente, um pouco mais açucarado, mas um corpo, no entanto. Para trás ou em lugar nenhum?

Para iniciar novamente ou ficar na mesma? Para ser tão claro quanto possível, nós vamos

responder com sinceridade: Teremos que detê-lo, embora alguns poderes deste mundo não

concordem com isso. Um complexo, insuportável drama em uma posição estática, a dinâmica

imóvel de um problema colossal.

Mas vamos ter que parar ...

Visão Eurasianista

Por Alexandr Dugin

Princípios básicos da plataforma doutrinária eurasianista

―Segundo 71% dos cidadãos russos pesquisados, a Rússia pertence a uma civilização peculiar –

‗eurasiática‘ ou Ortodoxa -, portanto ela não segue o modo ocidental de desenvolvimento.

Apenas 13% considera a Rússia como parte da civilização ocidental.‖

(Pesquisa pela VCIOM, Centro Panrusso para o Estudo da Opinião Pública, 2-5 de Novembro

de 2001)

A amplitude da época

Cada época histórica possui seu próprio peculiar ‗sistema de coordenadas‘ – políticas,

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ideológicas, econômicas e culturais. Por exemplo, o séc.XIX na Rússia passou sob o signo da

disputa entre ‗Eslavófilos‘ e ‗Pró-ocidentais‘[zapadniki]. No séc.XX o divisor de águas passou

entre ‗Vermelhos‘ e ‗Brancos‘. O séc.XXI se tornará o século da oposição entre ‗atlantistas‘*

(os apoiadores de um ‗globalismo unipolar‘ **) e ‗eurasistas‘***.

* Atlantismo – termo geopolítico significando:

- sob o ponto de vista histórico e geográfico, o setor ocidental da civilização mundial;

- sob o ponto de vista estratégico-militar, os países membros da OTAN (em primeiro lugar, os

EUA);

- sob o ponto de vista cultural, a rede unificada de informações criada pelos impérios midiáticos

Ocidentais;

- sob o ponto de vista social, o ‗sistema de mercado‘, afirmado como sendo absoluto e negando

todas as formas diferentes de organização da vida econômica.

Atlantistas – os estrategistas da civilização ocidental e seus apoiadores conscientes em outras

partes do planeta, objetivando colocar todo o mundo sob controle e impondo os estereótipos

sociais, econômicos e culturais típicos da civilização ocidental ao resto da humanidade.

Os atlantistas são os construtores da ‗Nova Ordem Mundial‘ – o sistema mundial sem

precedentes o qual beneficia uma minoria absoluta da população do planeta, o chamado ‗bilhão

dourado‘.

** Globalismo – o processo de construção da ‗Nova Ordem Mundial‘, ao centro do qual estão

os grupos oligárquicos político-financeiros do Ocidente, é chamado de globalização. As vítimas

desse processo são os Estados soberanos, as culturas nacionais, as doutrinas religiosas, as

tradições econômicas, as manifestações de justiça social, o meio-ambiente – cada variedade

espiritual, intelectual e material no planeta. O termo ‗globalismo‘ no léxico político costumeiro

significa apenas ‗globalismo unipolar‘, ou seja, não a fusão das diferentes culturas, sistemas

econômicos e sócio-políticos em algo novo (como seria com o ‗globalismo multipolar‘,

‗globalismo eurasianista‘), mas sim a imposição de estereótipos ocidentais sobre a humanidade.

*** Eurasianismo (em seu sentido mais amplo) – termo geopolítico básico indicado:

- sob o ponto de vista histórico e geográfico, o mundo inteiro, excluindo o setor ocidental da

civilização mundial:

- sob o ponto de vista estratégico-militar, todos os países que não aprovam as políticas

expansionistas dos EUA e seus parceiros da OTAN;

- sob o ponto de vista cultural, a preservação e desenvolvimento de tradições culturais nacionais,

étnicas e religiosas orgânicas;

- sob o ponto de vista social, as formas diferentes de vida econômica e a ‗sociedade socialmente

justa‘.

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Eurasianismo (eu seu sentido histórico estrito) é uma corrente filosófica surgida na década de 20

do séc.XX entre os emigrantes russos. Seus autores fundamentais são N.S. Trubetskoy, P.N.

Savitsky, N.N. Alekseev, V.G. Vernadsky, V.I. Ilyn, P.P. Suvchinski, E. Khara-Davan, Ya.

Bromberg, e outros. Da década de 50 até a década de 80 essa corrente foi mais desenvolvida e

aprofundada por L.N. Gumilyov.

Neo-eurasianismo – surgiu aos fins da década de 80 (o fundador sendo o filósofo A.G. Dugin) e

ampliou o escopo dos conceitos tradicionais de eurasianismo, combinando-o a novos blocos de

idéias e metodologias – tradicionalismo, geopolítica, metafísica, ‗Nova Direita‘, ‗Nova

Esquerda‘, ‗Terceira Via‘ na economia, teoria dos ‗direitos dos povos‘, ecologia, filosofia

ontológica, vetor escatológico, novos entendimentos na missão universal da história russa,

perspectiva paradigmática da história da ciência, etc.

Contra o estabelecimento da ordem mundial atlantista e a globalização estão os defensores de

um mundo multipolar – os eurasianistas. Os eurasianistas defendem por princípio a necessidade

de se preservar a existência de cada povo na Terra, a variedade florescente de culturas e

tradições religiosas, o direito inquestionável dos povos de escolher independentemente seu

caminho de desenvolvimento histórico. Os eurasianistas saúdam a generalidade de culturas e

sistemas de valores, o diálogo aberto entre povos e civilizações, a combinação orgânica entre

devoção às tradições e o impulso criativo.

Eurasianistas são não apenas os representantes dos povos vivendo no continente Eurasiático. Ser

eurasianistas é uma escolha consciente, o que significa combinar a aspiração de reservar as

formas tradicionais de vida com a aspiração ao desenvolvimento cultural livre (pessoal e social).

Desse jeito, eurasianistas são personalidades criativas livres que reconhecem os valores da

tradição; entre eles estão também os representantes das regiões que objetivamente formam as

bases do atlantismo.

Eurasianistas e atlantistas se opõem um ao outro em tudo. Eles defendem duas imagens

diferentes, alternativas, mutuamente excludentes do mundo e de seu futuro. É a oposição entre

eurasianistas e atlantistas que define os contornos históricos do século XXI.

A visão eurasianista do mundo futuro

Os eurasianistas consequentemente defendem o princípio da multi-polaridade, se posicionando

contra o globalismo unipolar imposto pelos atlantistas.

Como pólos desse novo mundo não estarão os Estados tradicionais, mas sim novas formações

civilizacionais integradas (‗grandes espaços‘), unidos em ‗cinturões geo-econômicos‘ (‗zonas

geo-econômicas‘).

Segundo o princípio de multi-polaridade, o futuro do mundo é imaginado como uma relação de

parceria benevolente e equitativa entre todos os países e povos, organizados – segundo um

princípio de proximidade em termos de geografia, cultural, valores e civilização – em quatro

cinturões geo-econômicos (cada um consistindo, por sua vez, em alguns ‗grandes espaços‘).

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- Cinturão Euro-Africano, incluindo 3 ‗grandes espaços‘: A União Européia, África Árabe-

Islâmica, África sub-tropical;

- Cinturão Pacífico-Asiático, incluindo Japão, os países do Sudeste asiático e Indochina,

Austrália e Nova Zelândia;

- Cinturão continental Euroasiático, incluindo 4 ‗grandes espaços‘: Rússia e os países da

Comunidade dos Estados Independentes (CEI), os países do Islã continental, Índia e China;

- Cinturão Americano, incluindo 3 ‗grandes espaços‘: América do Norte, América Central e

América do Sul.

Graças a tal organização do espaço global, conflitos globais, guerras sangrentas e formas

extremas de confrontação, ameaçando a própria existência da humanidade, se tornará

improvável.

Rússia e seus parceiros no cinturão continental euroasiático estabelecerão relações harmônicas

não apenas com os cinturões vizinhos (Euro-africano e Pacífico-asiático), mas também com o

cinturão em sua antípoda – o Cinturão americano, que será chamado a desempenhar um papel

construtivo no hemisfério ocidental no contexto da estrutura multi-polar.

Tal visão da humanidade futura é o oposto dos planos globalistas dos atlantistas visando criar

um mundo unipolar estereotipados sob o controle das estruturas oligárquicas do Ocidente, na

perspectiva de criar o ‗Governo Mundial‘.

A visão eurasianista da evolução do Estado

Os eurasianistas consideram o Estado-Nação, em suas características presentes, como uma

forma obsoleta de organização de espaços e povos, típica do período histórico do séc.XV ao

séc.XX. No lugar dos Estados-Nação novas formações políticas devem surgir, combinando em

si mesmas a unificação estratégica dos grandes espaços continentais com o complexo sistema

multidimensional de autonomias nacionais, culturais e econômicas dentro de si. Algumas

características de tal organização dos espaços e povos podem ser observadas tanto nos impérios

antigos do passado (por exemplo, o império de Alexandre da Macedônia, o Império Romano,

etc.) e nas estruturas políticas mais recentes (União Européia, CEI).

Os Estados contemporâneos encaram hoje as seguintes perspectivas:

1. A auto-liquidação e integração em um único espaço planetário sob dominação americana

(atlantismo, globalização);

2. Opor-se à globalização, tentando preservar suas próprias estruturas administrativas (soberania

formal) independentemente da globalização;

3. Ingressar em formações supra-estatais de tipo regional (‗grandes espaços‘) com base em

comunidades históricas, civilizacionais e estratégicas.

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A terceira variante é a eurasiana. Sob o ponto de vista da análise eurasiana, esse é o único meio

de desenvolvimento capaz de preservar tudo de mais valioso e original que os Estados

contemporâneos são chamados a salvaguardar face à globalização. A mera aspiração

conservadores de preservar o Estado a qualquer custo está fadada à derrota. A orientação

consciente das lideranças políticas dos Estados em se dissolver no projeto globalista é estimada

pelos eurasianistas como a renúncia àqueles valores correlatos cuja preservação tem sido o

dever dos Estados históricos para com seus súditos.

O séc. XXI será a arena da decisão fatal das elites políticas contemporâneas no que concerne a

questão das três perspectivas possíveis. A luta pela terceira variante de desenvolvimento se

encontra nas fundações de uma nova e ampla coalizão internacional de forças políticas, em

sintonia com a visão-de-mundo eurasianista.

Os eurasianistas consideram a Federação Russa e a CEI como o núcleo de uma formação

política vindoura – a ‗União Eurasiática‘ (‗Eurásia nuclear‘), e ademais de um dos quatro

cinturões geo-econômicos básicos (‗bloco continental eurasiático‘).

Ao mesmo tempo, os eurasianos são convictos defensores do desenvolvimento de um sistema

multidimensional de autonomias*.

*Autonomia (grego antigo: autogoverno) – a forma de organização natural de um coletivo

popular unido por qualquer signo orgânico (nacional, religioso, profissional, familiar, etc.). Uma

característica distintiva da autonomia é a maior liberdade naquelas esferas não relacionadas aos

interesses estratégicos das formações políticas de dimensão continental.

Autonomia está em oposição à Soberania – uma característica das organizações de pessoas e

espaços típica dos Estados-Nação em sua forma presente. No caso da Soberania, nós lidamos

com o direito prioritário a uma ordenação independente e livre de um território; autonomia

pressupõe independência nas questões da organização da vida coletiva de povos e regiões, não

ligadas à ordenação do território.

O princípio de autonomia multidimensional é visto como a estrutura de organização ótima da

vida dos povos, dos grupos sócio-culturais e étnicos, na Federação Russa como na União

Européia, no ‗cinturão continental euroasiático‘ como em todos os restantes ‗grandes espaços‘ e

‗cinturões geo-econômicos‘ (‗zonas‘).

Todas as terras (territórios) das novas formações político-estratégicas (‗grandes espaços‘)

devem se encontrar sob administração direta de um centro de governo estratégico. Dentro da

competência da autonomia devem as questões estar ligadas à aspectos não-territoriais do

governo das coletividades.

O princípio eurasiano da divisão de poderes

O princípio eurasiano de administração política pressupõe dois níveis diferentes de governo:

local e estratégico. Ao nível local, o governo é realizado por meio das autonomias – obviamente

sendo composto de associações de diferentes tipos (dos povos com vários milhões às pequenas

coletividades de uns poucos trabalhadores). Esse governo atua segundo à absoluta liberdade e

não é governado por qualquer instância superior. O modelo para qualquer tipo de autonomia é

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livremente escolhido, brotando a partir da tradição, das inclinações, como expressão

democrática direta da vontade das coletividades orgânicas – sociedades, grupos, organizações

religiosas.

Sob a administração das autonomias são encontradas:

1 – questões civis e administrativas,

2 – a esfera social,

3 – os serviços médicos e educacionais,

4 – cada esfera da atividade econômica.

Ou seja, tudo, à parte dos setores estratégicos e daquelas questões relacionadas à segurança e

integridade territorial dos ‗grandes espaços‘.

O nível de liberdade dos cidadãos, graças à organização da sociedade segundo o princípio

eurasiano de autonomia é elevado de um modo sem precedentes. Ao homem são dadas

possibilidades de auto-realização e desenvolvimento criativo jamais vistas antes na história da

humanidade.

As questões de segurança estratégica, as atividades internacionais para além do quadro do

espaço continental singular, as questões macroeconômicas, o controle sobre recursos e

comunicações estratégicas – se encontram sob a administração de centro estratégico singular*.

*Centro estratégico singular – definição convencional para todas aquelas instâncias para as

quais estão sendo delegados os controles sobre o governo estratégico regional dos ‗grandes

espaços‘

As esferas de competência dos níveis de poder local e estratégico são estritamente delimitadas.

Qualquer tentativa de introduzir a autonomia nas questões encontradas sob a competência do

centro estratégico singular deve ser afastada. O reverso também é verdadeiro.

Desse jeito, os princípios eurasianos de governo combinam organicamente em si mesmos a

direita tradicional e religiosas, as tradições locais e nacionais, levam em consideração todas as

riquezas dos regimes sócio-políticos que se formaram no curso da história, e, portanto oferecem

uma garantia sólida de estabilidade, segurança e inviolabilidade territorial.

A visão eurasiana da economia

O atlantista tem por objetivo impor a todos os povos do mundo um único modelo de construção

econômica, erguendo a experiência do desenvolvimento econômico da parte ocidental do

mundo nos séc. XIX-XX ao status de um standard.

Ao contrário, os eurasianos estão convencidos de que o regime econômico deriva das

características históricas e culturais do desenvolvimento de povos e sociedades;

consequentemente, na esfera econômica elas se conformam à variedade, pluralidade de regimes,

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investigação criativa, livre desenvolvimento.

Sujeitos a controle rígido devem estar apenas os campos estratégicos de larga escala, ligados à

necessidade de garantir a segurança geral (o complexo militar-industrial, transportes, recursos,

energia, comunicações). Todos os setores econômicos remanescentes devem se desenvolver de

modo livre e orgânico segundo as condições e as tradições das autonomias concretas onde a

atividade econômica naturalmente ocorrer.

Eurasianismo chega à conclusão de que no campo da economia não é verdade última – as

receitas de liberalismo* e marxismo** podem ser apenas parcialmente aplicadas, dependendo

das condições concretas. Na prática, o que é necessário é combinar de várias maneiras o livre-

mercado com o controle sobre áreas estratégicas, e operar a redistribuição de lucros segundo os

objetivos nacionais e sociais da sociedade como um todo. Desse jeito, o eurasianismo se

conforma ao modelo de ‗terceira via‘*** na economia.

*Liberalismo – doutrina econômica que mantêm que apenas a máxima liberdade de mercado e a

privatização de todos os instrumentos econômicos criam as condições óptimas para o

crescimento econômico. Liberalismo é a doutrina econômica dogmática de atlantistas e

globalistas.

**Marxismo – doutrina econômica que mantêm que apenas o controle completo dos processos

econômicos por alguma instância social, a lógica da planificação compulsória geral, e a

distribuição dos excedentes de produção entre todos os membros da sociedade (coletivismo)

podem estabelecer as fundações econômicas de um mundo justo. Marxismo rejeita o mercado e

a propriedade privada.

*** Economia de ‗Terceira via‘ – conjunto de teorias econômicas, combinando a abordagem de

mercado com uma parcela definida de economia regulada tendo como base a certos critérios e

princípios supra-econômicos.

A economia do Eurasianismo deve ser erguida sobre os seguintes princípios

1 – subordinação da economia a alguns valores espirituais e civilizacionais superiores;

2 – princípio da integração macroeconômica e da divisão do trabalho na escala dos ‗grandes

espaços‘ (‗união alfandegária‘);

3 – fronteiras econômicas diferenciadas com ‗grandes espaços‘ e ‗zonas geo-econômicas‘;

4 – controle estratégico do centro nas divisões essenciais do sistema e, paralelamente, máxima

liberdade de atividade econômica aos níveis das pequenas e médias empresas;

5 – combinação orgânica das frmas de administração (estrutura de mercad) com as tradições

sociais, nacionais e culturais das regiões (ausência de um padrão econômico uniforme nas

grandes e médias empresas).

A visão eurasiana das finanças

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O centro estratégico singular da União Euroasiática deve considerar como estrategicamente

relevante também a questão do controle sobre a circulação monetária.

Nenhum meio de pagamento singular deve se pretender o papel universal de moeda de reserva

mundial. É necessário criar uma moeda de reserva euroasiática própria, sendo a divisa legal nos

territórios pertencentes à União Euroasiática. Nenhuma outra moeda deverá ser usada dentro da

União Euroasiática como moeda de reserva.

Por outro lado, devem ser encorajadas de todos os modos a criação de meios locais de

pagamento e troca, sendo a divisa legal dentro de uma ou mais autonomias vizinhas. Essa

medida previne a acumulação de capital para propósitos especulativos e garante um estímulo

para sua circulação. Ademais, aumenta o tamanho dos investimentos no setor real da economia.

Portanto, os fundos serão investidos em primeiro lugar onde eles possam ser produtivamente

empregados.

No projeto eurasiano, a esfera financeira é vista como um instrumento de produção real e de

troca, dirigida para o lado qualitativo do desenvolvimento econômico. Diferentemente do

projeto atlantista (globalista), a esfera financeira não deve ter qualquer autonomia

(financialismo*)

*Financialismo – o sistema econômico da sociedade capitalista no estágio pós-industrial, sendo

a lógica resultado do desenvolvimento ilimitado de princípios liberais na economia. Sua

característica distintiva é que o setor real da economia se torna subordinado às operações

financeiras virtuais (mercados de ações, papéis do mercado financeiro, investimentos na bolsa

de valores, operações com dívidas internacionais, transações futuras, previsões especulativas

das tendências financeiras, etc.) Financialismo se apóia em políticas monetaristas, separando a

área monetária (reservas mundiais de divisas, moeda eletrônica) da produção.

A visão regional do mundo multi-polar pressupõe níveis diferentes de moeda:

1 – moeda geo-econômica (moeda e papés-moeda, sendo a divisa legal dentro de uma zona geo-

econômica, como o instrumento de relações financeiras entre os centros estratégicos de um dado

‗grande espaço‘);

2 – moeda dos ‗grandes espaços‘ (moeda e papéis-moeda, sendo a divisa legal dentro um dado

‗grande espaço‘ – particularmente dentro da União Euroasiática -, como o instrumento de

relações financeiras entre as autonomias);

3 – moeda (formas diferentes de equivalências de trocas) ao nível das autonomias.

Em conexão a esse esquema, instituições crédito-financeiras (bancos) e de emissão de moedas –

bancos regionais, bancos dos ‗grandes espaços‘, bancos (e seus equivalentes) das autonomias –

devem ser organizados.

A atitude eurasiana em relação à religião

Na fé da herança espiritual dos profetas, no grande valor da vida religiosa, o eurasianista vê um

símbolo da renovação autêntica e o desenvolvimento social harmônico. Os atlantistas em

princípio se recusam a ver qualquer coisa além do que é efêmero, do que é temporário, do

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presente. Para eles essencialmente não há nem passado, nem futuro. A filosofia do

eurasianismo, ao contrário, combina a fé profunda e sincera no passado, com uma atitude aberta

frente o futuro. Os eurasianos saúdam a fidelidade às fontes como também a livre pesquisa

criativa. O desenvolvimento espiritual é para os eurasianos a maior prioridade da vida, cuja

ausência não pode encontrar compensação em qualquer bem econômico ou social. Na opinião

dos eurasianos, cada tradição religiosa local ou sistema de fé, até mesmo os mais

insignificantes, é o patrimônio de toda a humanidade. As religiões tradicionais dos povos,

conectadas com diferentes heranças espirituais e culturais, merecem o maior dos cuidados e

preocupações. As estruturas representativas da religião tradicional devem receber o apoio dos

centros estratégicos. Grupos cismáticos, associações religiosas extremistas, seitas totalitárias,

pregadores de doutrinas religiosas não-tradicionais, e qualquer outra força orientada para a

destruição devem ser ativamente combatidos.

A visão eurasiana da questão nacional

Os eurasianistas consideram que cada povo no mundo – daqueles que fundaram grandes

civilizações aos menores, cuidadosamente preservando suas tradições – são uma riqueza

inestimável. A assimilação através da influência externa, a perda da língua ou do modo

tradicional de vida, a extinção física de qualquer um dos povos da Terra é uma perda irreparável

para toda a humanidade. A profusão de povos, culturas, tradições é chamada pelos eurasianistas

de ‗florescente complexidade‘ – um sinal do desenvolvimento saudável e harmônico da

civilização humana. Os Grandes Russos, nessa conexão, representam um caso único da fusão de

três componentes étnicos (Eslavo, Turco e Fino-Úgrico) em um povo, com uma tradição

original e uma rica cultura. No mesmo fato da ascensão dos Grandes Russos a partir da síntese

de três grupos étnicos, uma potencial integração de valor excepcional está contida. Por essa

mesma razão a Rússia mais de uma vez se tornou a núcleo da união de muitos diferentes povos

e culturas em um tecido civilizacional. Os eurasianistas acreditam que a Rússia está destinada a

desempenhar o mesmo papel também no séc. XXI.

Os eurasianistas não são isolacionistas, à mesma extensão que eles não são apoiadores da

assimilação a qualquer custo. A vida e o destino dos povos é um processo orgânico que não

tolera qualquer interferência artificial. Questões inter-étnicas e internacionais devem ser

decididas segundo sua lógica interna. A cada povo da Terra deve ser concedida a liberdade de

fazer independentemente suas próprias escolhas históricas. Ninguém tem o direito de forçar

qualquer povo a perder sua singularidade no ‗caldeirão global‘, como o atlantista gostaria de

fazer.

Os direitos dos povos não são menos significativos para o eurasianista do que os direitos do

homem.

Eurásia como um planeta

Eurasianismo é uma visão-de-mundo, uma filosofia, um projeto geopolítico, uma teoria

econômica, um movimento espiritual, um núcleo ao redor do qual se deve consolidar um amplo

espectro de forças políticas. Eurasianismo está livre de dogmatismo, da submissão cega às

autoridades e das ideologias do passado. Eurasianismo é a plataforma ideal do habitante do

novo mundo, ao qual disputas, guerras, conflitos e mitos do passado tem apenas um interesse

histórico. Eurasianismo como com um princípio é a nova visão-de-mundo para as novas

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gerações do novo milênio. Eurasianismo deriva sua inspiração de diferentes doutrinas

filosóficas, políticas e espirituais, que até agora apareciam como reciprocamente irreconciliáveis

e incompatíveis.

Junto a isso, eurasianismo possui um conjunto definido de idéias básicas e fundacionais, das

quais não se pode desviar sob quaisquer circunstâncias. Um dos principais objetivos do

eurasianismo é a oposição consequente, ativa e ampla ao projeto globalista unipolar. Essa

oposição (diferente da simples negação ou conservadorismo) possui um caráter criativo. Nós

compreendemos a inevitabilidade de alguns processos históricos definidos: nosso objetivo é

estar consciente deles, tomar parte neles, liderá-los naquela direção que corresponde a nossos

ideais.

Pode ser dito que o eurasianismo é a filosofia da globalização multi-polar, chamando à união de

todas as sociedades e povos na Terra para construir um mundo original e autêntico, cada

componente do qual organicamente deriva de tradições históricas e culturas locais.

Historicamente, as primeiras teorias eurasianistas tiveram seu aparecimento entre pensadores

russos dos inícios do séc.XX. Mas essas idéias eram consoantes com a busca filosófica e

espiritual de todos os povos da Terra – pelo menos, daqueles que perceberam a natureza

limitada e inadequada dos dogmas banais, a falha e o beco-sem-saída às quais os clichês

intelectuais estavam destinados, a necessidade de escapar dos quadros usuais na direção de

novos horizontes. Hoje podemos atribuir ao eurasianismo um significado novo e global; nós

podemos perceber como nossa herança eurasiática não é a obra de uma única escola russa, mais

ou menos identificada sob esse nome, mas também uma enorme veia cultural e intelectual de

todos os povos da Terra, não estritamente pertencendo ao quadro estreito do que até pouco

tempo (no séc.XX) era considerada como ortodoxia imutável (liberal, marxista e nacionalista).

Em seus sentidos maiores e mais amplos, o eurasianismo adquire uma nova significância

extraordinária. Agora não é apenas a forma da idéia nacional para a nova Rússia pós-comunista

(como havia sido considerada pelos pais-fundadores do movimento e pelos neo-eurasianistas

contemporâneos na primeira fase), mas como um vasto programa planetário de relevância

universal, excedendo em muito as fronteiras da Rússia, do mesmo continente Euroasiático. Do

mesmo jeito que o conceito de ‗americanismo‘ hoje pode ser aplicado à regiões geográficas

encontradas além das fronteiras do mesmo continente americano, ‗eurasianismo‘ significa uma

escolha civilizacional, cultural, filosófica e estratégica peculiar, que pode ser feita por qualquer

representante da espécie humana, qualquer que seja o ponto do planeta em que ele vive, ou a

cultura nacional e espiritual a qual ele perteça.

De modo a garantir a esse significado do eurasianismo um conteúdo real, há muito ainda a ser

feito. E na medida que novos setores culturais, nacionais, filosóficos e religiosos se unirem em

nosso projeto, o mesmo significado global do eurasianismo será ampliado, enriquecido,

modificado em suas características...Porém tal evolução do sentido da plataforma eurasianista

não deve permanecer simplesmente uma questão teórica – muitos aspectos devem encontrar sua

expressão e realização apenas através da prática política concreta.

Na síntese eurasiana, nem palavra pode ser pensada sem ação, nem ação sem palavra.

O campo de batalha espiritual pelo sentido e resultado da história é o mundo inteiro. A escolha

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do lado pertence a todos pessoalmente. O tempo decidirá o resto. Porém, mais cedo ou mais

tarde, através de grandes realizações e à custa de lutar dramáticas, à hora da Eurásia virá.

Traduzido por Raphael Machado.