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Revista ISSN 1983-0742

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Revista ISSN 1983-0742

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.SOLICITAÇÃO DE EXEMPLARES. UNIABEU – Centro Universitário Pró-Reitoria de Relações Institucionais Rua Itaiara, 301 – Centro CEP: 26113-400 – Belford Roxo – RJ Tel. (+55-21) 2104-0460 – Fax (+55-21) 2104-0461 Site: www.uniabeu.edu.br E-mail: [email protected]

Revista UNIABEU – Centro Universitário.

Ano I, nº 2, jul./dez. 2008. Belford Roxo – RJ, (2008 - ).

96 p., 21 x 28cm Semestral ISSN 1983-0742

1. Ciências Humanas - Periódicos. 2. Ciências Tecnológicas - Periódicos. I. UNIABEU – Centro Universitário. CDD 001.50

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A Revista UNIABEU HUMANAS E TECNOLÓGICAS (ISSN 1983-0742) é um periódico semestral, um instrumento de divulgação oficial da UNIABEU Centro Universitário, destinado a publicar a produ-ção acadêmico-científica das áreas de ensino de Graduação e Pós-graduação, de Pesquisa e de Ex-tensão. As informações e opiniões expressas nos artigos assinados são de responsabilidade dos autores. A citação de matérias é livre, desde que seja indicada a fonte.

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UNIABEU – Centro Universitário - Rua Itaiara, 301 - Centro - Belford Roxo - RJ Cep 26113-400

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UNIABEU – C entro U ni versitári o -

Revista UNIABEU Humanas e Tecnológicass

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Normalização Biblioteca Central

Revisão

Franklin Magalhães

Capa 40 Graus

Produção Gráfica Franklin Magalhães

Periodicidade

Semestral

Tiragem 500 exemplares

UNIABEU – C entro U ni versitári o -

Fundação

Campus Sede Belford Roxo (RJ), abril/2002.

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-SUMÁRIO-

09 - Entre os senhores e o Estado - Os escravos e as prisões na

Corte Joanina, 1808 – 1821

CARLOS EDUARDO MOREIRA DE ARAÚJO

25 - O intelectual no âmbito das atemporalidades ANDERSON FIGUERÊDO BRANDÃO

33 - Manutenção do som surdo das consoantes intervo-

cálicas em palavras eruditas e derivadas no português

SANDRA VERÔNICA VASQUE CARVALHO DE OLIVEIRA 43 - A literatura a serviço do preconceito racial: O Presidente

Negro, de Monteiro Lobato

ALEXANDER MEIRELES DA SILVA

55555555 ---- A influência da mudança organizacional no processo de aprendi-

zagem: um estudo de caso da Farmácia Roval de Manipulações

LUCIENE GOUVEIA BATISTA, ALESSANDRA MARIA DE SOUZA,

RENATA MARIA DA SILVA

66665555 ---- O Demônio de Hollywood ataca a Igreja do Papa: Filmes de terror e sua

relação com a Igreja Católica nos Estados Unidos

RONALD APOLINARIO DE LIRA

79 - Ditaduras no Brasil - Contraposições entre Estado Novo (1937/1945) e

Ditadura Militar (1964/1985)

RONALDO SÁVIO PAES ALVES, NARA MARIA CARLOS DE SANTANA

87 - Cursos de Pós-graduação - Especialização.

89 - Unidades acadêmicas por campus

92 - Instruções para colaboradores

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Revista Científica UNIABEU 7 Belford Roxo – RJ V. nº 2 – p. 7 - 95 jul-dez 2008

-EDITORIAL-

rezados leitores, Completamos dezoito meses da nova gestão de nosso Centro Universitário. Ao longo desse período, implementamos diversas ações voltadas à melhoria da qua-lidade do ensino oferecido aos nossos alunos, pautando no relacionamento entre to-dos os seguimentos que compõem nossa comunidade acadêmica, o diferencial que faz da UNIABEU uma instituição de Ensino Superior singular. A diminuição da distância entre discentes, docentes, colaboradores técnico-administrativos, coordenadores acadêmicos e administração superior vem nos permitindo identificar as lacunas exis-tentes no processo de formação de nossos alunos, ajudando-nos na busca pela reor-ganização e modernização da instituição. Dentre essas ações, destacam-se duas que têm interface direta com esta publicação. A primeira, a criação do Programa de Apoio à Pesquisa e Extensão - PROAPE, instituído através da Portaria da Reitoria nº 200. O PROAPE oferece bolsas de capacitação aos docentes que têm projetos de pesquisa ou extensão aprovados pe-la coordenação do programa. Além disso, cada projeto aprovado pode contar com dois alunos, que recebem bolsa integral para que se engajem nas ações extensionis-tas ou de pesquisa, configurando-se como iniciativa incomensurável de construção de novos conhecimentos, de atendimento às comunidades do entorno e, principal-mente, como campo de amadurecimento docente e discente, gerando um retorno considerável, o que nos permite, constantemente, avaliar a qualidade das atividades acadêmicas desenvolvidas no âmbito de cada curso e aumentar a nossa produção técnico-científica.

A outra ação foi, exatamente, a reestruturação de nossa revista acadêmica. Nesta segunda edição pudemos contar com uma rica e diversificada coletânea de artigos. Tratando de assuntos que vão desde a atualidade e relevância de temas li-gados aos movimentos sociais, como o MST, até o entendimento erudito da estrutura linguística portuguesa, este número da REVISTA UNIABEU, dividido em dois grandes grupos – EDUCAÇÃO E SAÚDE e HUMANAS E TECNOLÓGICAS - proporcionará aos leito-res a oportunidade de enriquecerem seus conhecimentos e vislumbrarem novas vi-sões científicas sobre assuntos multivariados. É importante ressaltarmos, também, que alguns dos artigos foram escritos em parceria entre docentes e discentes, o que a-ponta para o cumprimento da tarefa de aguçarmos a curiosidade e a competência no que tange à produção de conhecimentos por parte de nossos educandos.

Por fim, para nós é um prazer tê-lo como leitor e esperamos que a qualidade que pretendemos estampar em nosso periódico seja a credencial para que, em um futuro próximo, possamos ter a honra de tê-lo também como autor e colaborador da Revista UNIABEU.

Saudações acadêmicas e boa leitura.

Atenciosamente, Prof. Roberto Corrêa Reitor

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Revista Científica UNIABEU 9 Belford Roxo – RJ V. nº 2 – p. 9 - 95 jul-dez 2008

RESUMO - Com a expansão urbanística ocorrida no Rio de Janeiro no início do século XIX, devido à transmigração da Corte portuguesa para a cidade em 1808, os escravos urbanos detidos pelas autoridades policiais foram amplamente utilizados nas obras públicas. Surgia assim o duplo ca-tiveiro. Os escravos passaram a ter dois senhores: o poder privado e o poder público. Como se deu este uso da propriedade privada pelo Estado? Como os senhores urbanos reagiram a essa situação? E os escravos, como enfrentaram mais este cativeiro? Essas são as questões que procuraremos res-ponder neste artigo. A investigação se concentrou nas correspondências da Intendência Geral de Po-lícia da Corte e nos documentos da Casa de Suplicação, ambos depositados no Arquivo Nacional.

Palavras-chave: Sistema Prisional; Escravidão Urbana; Rio de Janeiro.

ABSTRACT - Further to the urban expansion that took place in Rio de Janeiro by the begin-ning of 19th century, due to Portuguese Court transmigration to the city in 1808, urban slaves ar-rested by Police authorities were largely used in public works. That’s how double captivity was born. Those slaves started to serve two masters: private power and public power. How this State use of private property happened? How urban masters reacted to this situation? And how about the slaves, how did they face this new kind of captivity? These are the questions we’ll try to answer in this ar-ticle. The search was concentrated in the mail of the Intendência Geral de Polícia da Corte and in documents of the Casa de Suplicação, both entrusted to the Arquivo Nacional do Rio de Janeiro.

Keywords: Prison System; Urban Slavery; Rio de Janeiro.

ENTRE OS SENHORES E O ESTADO

OS ESCRAVOS E AS PRISÕES NA CORTE JOANINA, 1808 – 1821

ARAÚJO, Carlos Eduardo Moreira de

Doutor em História Social pela UNICAMP Professor do Curso de História da UNIABEU

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Revista Científica UNIABEU 10 Belford Roxo – RJ V. nº 2 – p. 10 - 95 jul-dez 2008

INTRODUÇÃO

O início do século XIX, o Rio de Janei-ro contava com duas prisões civis: a Cadeia Pública ou Cadeia da Relação e o

Calabouço. As autoridades policiais procuravam estabelecer uma separação entre os detentos pela condição jurídica (livres ou escravos), sexo e tipo de crime praticado. Entretanto, esse pro-cedimento dificilmente era seguido à risca, da-da a quantidade de presos e os limitados espa-ços destinados ao encarceramento na cidade.

O Calabouço era uma prisão destinada exclusivamente aos escravos e, nessa época, estava localizada no Morro do Castelo. Para lá eram enviados apenas escravos detidos como fugidos, praticantes de capoeira, infratores das posturas municipais ou a mando de seus se-nhores. Nesta prisão sofriam o castigo de açoi-tes. Esta era a única prisão onde não se mistu-ravam os status jurídicos dos detentos. Todos ali estavam sob o jugo do cativeiro.1

A prisão do Aljube, antiga prisão eclesi-

ástica, estava localizada no sopé do Morro da Conceição. A história deste cárcere é represen-tativa, pois mostra a precariedade que rondava todas as prisões existentes no Brasil. No século XVIII, os detidos pelas autoridades coloniais eram encaminhados para a Cadeia da Relação, localizada no andar térreo do Senado da Câma-ra. Em 1808, os senadores e os detentos foram removidos do edifício, que passou a ser ocupa-do pela grande comitiva que acompanhou a Família Real. (AZEVEDO, 1862, Vol. 4, p 136)

As pequenas masmorras das fortalezas

militares mantinham presos além de sua capa-cidade. Para solucionar a falta de espaço, as autoridades solicitaram o cárcere pertencente à Igreja para ali abrigar os detentos oriundos da 1Segundo Mary Karasch, a partir de 1836 somente fugiti-

vos eram açoitados nesta prisão. A N Polícia da Corte, IJ6 – 173. Apud. KARASCH, 2000 pág. 575, nota 7.

Cadeia da Relação. Os religiosos mantiveram apenas uma das celas para os padres detidos pela instituição. O restante do espaço foi utili-zado pela Intendência de Polícia da Corte. Para os padrões eclesiásticos, o Aljube era suficien-te, afinal poucos religiosos foram presos no século XVIII. Mesmo no período colonial, essa prisão já não era um dos locais mais salubres.2 Em 1808 foi criada a instituição que administra-ria os cárceres do Rio de Janeiro até 1821: A Intendência Geral de Polícia da Corte.

Este órgão era o braço estatal mais for-

temente sentido pela população do Rio de Ja-neiro naqueles tempos. O cargo de Intendente de Polícia possuía atribuições que iam muito além do que o nome sugere. No decreto de 10 de maio de 1808, o Príncipe Regente Dom João cria o cargo de Intendente Geral da Polícia da Corte e do Estado do Brasil, entregue ao antigo Desembargador da Relação e Ouvidor do Crime do Vice-reinado, Paulo Fernandes Viana.

Como era próprio da burocracia lusa, os cargos mais importantes eram ocupados por pessoas que contavam com uma vasta experi-ência no governo das colônias portuguesas. Paulo Viana cuidava da segurança do Rio como Ouvidor do Crime desde 1800. Ele era profundo conhecedor dos becos, vielas e ruas da cidade; do trato com os escravos – agora mais abun-dantes - e principalmente do trato com os ho-mens bons, ocupantes do Senado da Câmara. Viana se mostrou a pessoa mais qualificada para o cargo.

Duas grandes frentes de trabalho foram tocadas por Paulo Fernandes Viana nos primei-ros meses da Intendência de Polícia. A primeira delas foi a transformação da urbe colonial em um local digno de ser a moradia de tão nobres cabeças. A segunda, e não menos importante, foi o controle da criminalidade nas ruas da ci-dade. O Rio de Janeiro é, nesse início do século 2 Para maiores detalhes sobre o início da ocupação do Aljube ver: ARAÚJO, 2004. Cap. 4.

N

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XIX, a maior cidade escravista das Américas. Isso sem falar no incontável número de estran-geiros que passavam pelo porto, fossem eles marinheiros, homens de negócio ou mesmo degredados.3

É nesse contexto que se desenvolve o duplo cativeiro, quando os senhores urbanos vão disputar com o Estado o uso da mão-de-obra no Rio de Janeiro entre 1808 – 1821. Montado o cenário, podemos partir à análise das implicações históricas desse processo.

A) Organizando a Urbe

Dando como certo que a Intendência terá o cuidado das ruas, seu asseio, comodi-dade de suas calçadas, estradas, pontes e fontes, e todos os artigos que por este lado estão ao cuidado da Câmara, embora exis-tindo ela, fique ainda existindo nela; mas fi-ca a Intendência também conhecendo cumu-lativamente destes objetos(...) 4

A organização da urbe era de funda-

mental importância para o estabelecimento do poder lusitano no Rio de Janeiro. Não que ele não estivesse presente em épocas anteriores. O que queremos salientar é que o poder nunca esteve tão próximo dos moradores como a par-tir de 1808. Através da documentação pode-mos visualizar o que cada um desses itens cita-dos na fonte transcrita acima queria dizer na prática. Para coibir um ato muito comum dos moradores da cidade, Paulo Viana determinou que “(...) toda a pessoa que for encontrada a deitar águas sujas, lixo e qualquer outra imun-dície nas ruas e travessas será presa, e não sairá da cadeia sem pagar dois mil réis para o

3 Em 1821 os escravos representavam 45,6 % da popula-

ção das freguesias urbanas do Rio de Janeiro (Sacra-mento, São José, Candelária, Santa Rita e Santana).

4 Coleção de Leis do Brasil Lei N º 15 em 22 de Junho de 1808.

cofre das despesas da Polícia.” (Arquivo Na-cional do Rio de Janeiro (doravante ANRJ). Polícia da Corte. Fls. 3. Edital de 20 / 04 / 1808.) Editais como esse eram afixados em lugares públicos para que a população tivesse acesso às determinações da Intendência. Não encontramos ninguém que tenha sido preso por “deitar águas sujas” nas ruas. Como era uma prática disseminada entre os habitantes da ci-dade, não haveria cadeias suficientes para prender tantas pessoas.

Ao longo do período de 1808 – 1821, em que esteve a frente da Intendência Geral de Polícia da Corte, Paulo Fernandes Viana lançou inúmeros Editais determinando a transformação da cidade em Corte de um Império. Esses do-cumentos mostram a ação do poder público influenciando diretamente a vida dos morado-res do Rio de Janeiro.

Muitos Editais, como o citado acima, fo-ram lançados ao longo do período em que a família real esteve na cidade. Foi difícil mudar os costumes locais na velocidade necessária para a transformação da cidade colonial em uma Corte imperial. A maior parte das punições aos desavisados era de prisão ou pagamento de multas. Como a maioria não queria enfrentar a dura vida do cárcere, os cofres da polícia fo-ram recolhendo o dinheiro que seria investido nas intervenções urbanísticas cada vez mais constantes.

O aterramento dos inúmeros pântanos se tornou cada vez mais importante para a sa-lubridade das ruas. O aumento populacional, ocorrido no rastro da transmigração real, tor-nou estas obras de extrema urgência. Vários desses aterros foram realizados nas ruas dos Inválidos, Lavradio, nos Arcos da Lapa e no Campo de Santana. A preocupação com a saú-de também era uma das atribuições da Inten-dência de Polícia. (ANRJ. Polícia da Corte. Códice

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318, Registro de Avisos e portarias da Polícia da Corte, Fls. 4v – 5. Em 25 / 04 / 1808.)

Paulo Fernandes Viana intensificou o controle do desembarque de escravos na praia do Valongo, medida que teve início ainda no tempo dos Vice-reis. Assolada constantemente por epidemias, a cidade precisava manter um rígido controle das doenças altamente trans-missíveis, como as “bexigas” que contamina-vam os escravos ao longo da travessia atlânti-ca. Segundo a determinação do Intendente, os escravos deveriam ser inspecionados pelo Pro-vedor da Saúde antes de desembarcarem no Trapiche do Valongo. Os contaminados deveri-am ser remetidos para a ilha das Enxadas, pró-xima a zona portuária, onde seriam tratados e devolvidos aos comerciantes. Como o tráfico se torna mais intenso nesse primeiro período de mudanças na cidade, podemos imaginar a car-ga de trabalho dos inspetores de saúde.5

Outra questão que também preocupava a Intendência de Polícia era o controle da en-trada dos escravos africanos na cidade, princi-palmente os conhecidos como Minas.6 Em ofício ao Juiz do Crime de Santa Rita, José da Silva Loureiro Borges, o Intendente pede ao magis-trado que faça listas onde constassem o núme-ro de desembarcados, a quem se destinavam, se provinham do porto da Costa da Mina ou de outro porto e se houve “algum desvio de direi- 5 A doença conhecida como “bexigas” na verdade era a

varíola. Doença infecto-contagiosa que provoca pústulas na pele sendo altamente mortal, principalmente em por-tadores com grave debilidade física, como era o caso dos escravos transportados pelo tráfico atlântico. ANRJ. Polícia da Corte. Fls. 17v – 18. Ofício expedido pelo Intendente ao Juiz de Fora em 27 / 05/ 1808.

6 Esta preocupação do Intendente se justifica se analisar-mos a atuação dos escravos africanos na Bahia, princi-palmente os Minas, nos diversos levantes ocorridos nes-ta Capitania no início do século XIX. Para maiores deta-lhes sobre a repressão na Bahia ver REIS, 1996. pp. 332 – 372.

tos.” 7 Já se esboçava o controle mais rígido que seria empreendido pelo Intendente nos anos que se seguiriam. Com o aumento de es-cravos circulando pela cidade, era extremamen-te útil saber o número de potenciais desordei-ros. (ANRJ. Polícia da Corte. Fls. 132 v. Em 10 / 12 / 1808.)

O livre deslocamento dos escravos pela cidade há muito tempo fazia parte das preocu-pações dos representantes do poder público no período colonial. A partir de 1808 essa preocu-pação cresceu à medida que o número de es-cravos desembarcados aumentava. A seguran-ça precisava ser reforçada. O principal artifício usado no controle dos escravos urbanos foi o toque de recolher. No período colonial esta prá-tica foi amplamente utilizada na tentativa de controlar os cativos. Sua eficácia era restrita, uma vez que tal medida foi diversas vezes edi-tada.

Tirando-se os salteadores, que peram-bulavam pelas ruas “ganhando” alguns troca-dos dos mais distraídos, ou um ou outro escra-vo que estivesse a serviço de seu senhor, as pessoas que circulavam pela cidade tinham um pouso certo - as tavernas, vendas ou mesmo zungús.8 Esses locais eram o ponto de encontro para diversão com jogos regados a muitas be-bidas e companhias femininas e carinhosas. 7 Para ajudar no controle dos delitos, em junho de 1808 a

cidade foi dividida em dois distritos judiciais que fica-vam sob responsabilidade de dois Juizes do Crime. Su-bordinados ao Intendente, esses magistrados exerciam as funções judicial e policial que Paulo Fernandes Viana desempenhava na cidade como um todo. Para maiores detalhes ver. HOLLOWAY, 1997. pág. 46.

8 Os zungús ou casas de angu eram locais que serviam de ponto de encontro para escravos e libertos. Nestas casas encontravam músicas, comida, prostituição, além da companhia de seus iguais, buscando fugir da interferên-cia senhorial ou policial. Os zungús eram considerados pelas autoridades policiais foco de rebeliões, levantes e acobertamento de fugas de escravos. Sobre zungús ver: SOARES, 1998.

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Revista Científica UNIABEU 13 Belford Roxo – RJ V. nº 2 – p. 13 - 95 jul-dez 2008

Profundo conhecedor do Rio de Janeiro, Paulo Fernandes Viana, antes mesmo de estar regu-lamentada a Intendência Geral de Polícia, lan-çou um Edital proibindo o funcionamento des-sas casas após as 22 horas. Caso a determina-ção não fosse cumprida a pena seria uma pe-sada multa de 1.200 réis, além da cadeia para os donos, caixeiros ou freqüentadores.9 Era difícil para escravos e livres pobres encontra-rem um local para seus divertimentos. A partir daquele momento o controle social tornou-se mais intenso e um descuido poderia levar qual-quer um para o cárcere. Outras preocupações também faziam parte do dia-a-dia do Intenden-te.

O controle da produção de alimentos também ficava a cargo da Intendência. Viana redigiu ofícios a diversos distritos próximos à Corte, em julho de 1808, ressaltando a impor-tância do cultivo de subsistência, pois “o grande número de pessoas que têm concorrido a esta Corte que excede 12 mil e os mais que nela se esperam” precisavam se alimentar. Os habitan-tes do Rio de Janeiro sofreram com o aumento dos gêneros alimentícios devido ao grande flu-xo de pessoas para a cidade. (ANRJ. Polícia

da Corte. Fls. 42. Em 16 / 07 / 1808.)

Para facilitar a ligação entre a nova Cor-te e os distritos mais distantes, a Intendência empreendeu diversas reformas nas estradas. Neste momento podemos ver claramente como o poder público solucionava os problemas fi- 9 “(...) Faço saber que importando a Polícia da cidade que

as vendas, botequins e casas de jogos não estejam toda a noite abertas para se evitarem ajuntamentos de ociosos e mesmo de escravos que faltando ao serviço de seus se-nhores se corrompem uns e outros, dão ocasião a delitos que se devem sempre prevenir, e se faz em maus cida-dãos, fica da data deste proibida pela Intendência Geral de Polícia a culposa licença com que até agora estas ca-sas se têm conservado abertas, e manda-se que logo às 10 horas se fechem e seus donos e caixeiros expulsem os que nela estiverem (...)”. ANRJ. Polícia da Corte. Fls. 11 v. Edital lançado em 7 / 05 / 1808.

nanceiros para a execução das obras – utiliza-va-se do poder privado. Podemos considerar que os homens bons da cidade e seus arredo-res estavam dispostos a ajudar D. João nesta empreitada, pelo menos num primeiro momen-to. Paulo Viana não se fez de rogado e utilizou muito a sua pena em ordens aos seus subordi-nados para que dessem início o mais rápido possível em obras públicas de suma importân-cia. A comunicação com a fazenda de Santa Cruz, pertencente a Coroa, necessitava de re-paros urgentes. A partir da cancela existente em São Cristóvão, cada morador do trajeto deveria fazer a sua parte na obra. Os mais a-bastados deveriam deslocar alguns de seus escravos para o serviço. Os mais pobres, prin-cipalmente os libertos, deveriam dar sua contri-buição. Quem se opusesse deveria ser preso e remetido para a Intendência para uma conver-sa com Paulo Viana. (ANRJ. Polícia da Corte. Fls. 9, ofício de 01 / 05 / 1808.) Mesmo com a pressão sobre os libertos e a convocação dos senhores locais, a estrada não teve suas obras finalizadas. O encarregado da intervenção, o Capitão João da Silva de Al-mada, informou ao Intendente que, apesar dos esforços, não conseguiu o número necessário de voluntários para a execução do serviço. Cin-co meses após o primeiro Edital, Viana decide pagar o aluguel de “meia dúzia” de escravos das redondezas. Os senhores desses escravos deveriam se dirigir à Intendência no fim de cada semana para receber o jornal, pois pensa-va que deste modo o encarregado da obra a-charia a mão-de-obra necessária “sem dúvida nem vexame algum”. (ANRJ. Polícia da Corte. Fls. 83, ofício de 07 / 10 / 1808.)

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Revista Científica UNIABEU 14 Belford Roxo – RJ V. nº 2 – p. 14 - 95 jul-dez 2008

A utilização de escravos particulares nas obras públicas não foi “privilégio” dos morado-res dos distritos mais afastados da cidade. Os senhores urbanos também deram sua contri-buição para a urbanização levada a cabo pela Intendência. A euforia inicial devido à instala-ção da Corte e também à necessidade de me-lhorar o saneamento com o propósito de evi-tar as epidemias que grassavam na cidade, fez com que os proprietários de escravos ur-banos não se furtassem em ajudar o Inten-dente a aterrar os pântanos. Num longo ofício expedido ao Juiz de Fora Agostinho Petra de Bittencourt, Viana explica como se deveria proceder dali por diante na questão das obras e cita como exemplo a intervenção que deve-ria ser iniciada o quanto antes nas ruas do La-vradio e dos Inválidos. (ANRJ. Polícia da Corte. Fls. 44 – 45, ofício de 19 / 07 / 1808.)

Primeiro os proprietários de terrenos não edificios deveriam ser avisados para que fizessem o aterro de suas propriedades num curto espaço de tempo. Caso não realizassem a intervenção teriam como pena a venda forçada de sua propriedade a outra pessoa que reali-zasse o serviço “(...) por não dever o bem pú-blico esperar pelas suas comodidades ou sofrer os seus desmandos (...)”. O entulho utilizado para tal empreitada deveria ser retirado do morro localizado ao fundo da rua do Rezende. Além de próximo, iria ao mesmo tempo abrindo esta rua para a Mata Cavalo (atual Frei Cane-ca). As carroças e carros de aluguel deveriam ser convocados para o serviço. Estes seriam controlados pelos Almotacés 10 para o posterior pagamento do serviço pelo Senado da Câmara. Os únicos transportes que não seriam utilizados

10 Este cargo foi criado ainda no século XVI e era subor-

dinado ao Senado da Câmara. Entre as suas atribuições destacamos: fiscalização do abastecimento de víveres e das obras, divisão da carne dos açougues entre os mo-radores da cidade, cuidar para que os profissionais de ofício guardassem as determinações da Câmara e zelar pela limpeza da cidade.

neste serviço seriam os baseados no Campo dos Ciganos (atual praça Tiradentes).

Paulo Fernandes Viana também queria que os moradores se empenhassem nessas obras, pois para ele não havia “(...) razão al-guma para que os moradores não concorram para este trabalho (...)”. A ajuda viria através dos braços escravos. Cada morador deveria ter um escravo retirando o entulho do morro e “outros” a carregá-lo e “outros” a espalhá-lo pelo trecho de rua em frente a suas casas. Este serviço seria acompanhado por um homem capaz de “feitorizar” e imprimir um ritmo maior ao trabalho.

É bem provavelmente que este serviço tenha sido executado, entretanto, não deve ter agradado aos moradores das ruas do Lavradio e Inválidos e muito menos aos senhores que tinham seus escravos ao ganho nas carroças e carros de aluguel pela cidade. Mas não eram somente os aterros que contavam com um a-poio mais direto do poder privado. O simples ato de se desfazer dos excrementos, hábito diário que mobilizava os escravos conhecidos como tigres, a partir de 1808, contou com a normatização da Intendência. O Campo de San-tana e as praias da cidade eram os locais mais utilizados para esse tipo de serviço, porém Via-na, ao andar pela cidade percebeu que alguns locais deveriam ser limpos e controlados.

As ruas do Rosário, Sabão, São Pedro e das Violas estavam repletas de “ciscos e imun-dícies” que tornavam a marinha desses locais “intransitável, mal sadia a ponto de já não po-der disfarçar”.11 Só havia uma solução para este caso: usar os escravos dos moradores

11 As ruas do Sabão e S. Pedro não existem mais. Eram

perpendiculares à atual rua Primeiro de Março. Com as obras realizadas na década de 1940, foram incorporadas à atual Avenida Presidente Vargas. A rua das Violas é a atual rua Teófilo Ottoni. (CAVALCANTI, 1998, pp. 73 – 90.)

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Revista Científica UNIABEU 15 Belford Roxo – RJ V. nº 2 – p. 15 - 95 jul-dez 2008

“mais vizinhos” dessas localidades. Um serviço que não contava muito com a atenção dos se-nhores – a eliminação dos excrementos – pas-sou a ser caso de Polícia. A partir daquele mo-mento, os senhores deveriam dispor de seus escravos para realizar a limpeza daquela região sob o comando de Oficiais de Justiça que a-companhariam o trabalho dos escravos que deveriam “deitar tudo ao mar” sob os olhares dos cabos das patrulhas.

De pás e enxadas em punho, os cativos deveriam realizar um serviço que antes de 1808 seria inimaginável – limpar as ruas da cidade. Paulo Viana sabia muito bem que so-mente esta medida não resolveria o problema. Por isso, através do Juiz de Fora, ordenou que alguns homens das rondas policiais, ao princi-piar a noite, deveriam montar guarda naque-la localidade e “ (...) insinuarem aos pretos que devem fazer os despejos na água e não na terra (...).” (ANRJ. Polícia da Corte. Fls. 94 v. Ofício de 22 / 10/ 1808. )

Esses foram alguns exemplos, entre tan-tos que encontramos nas fontes, para mos-trarmos como foram esses primeiros momentos da Intendência de Polícia no seu trabalho de transformação da cidade colonial na capital de um império.

A generosidade dos moradores da cida-de não ia ser suficiente para dar conta do vo-lume de obras que a nova Corte necessitava. Paulo Fernandes Viana precisava contar com um número maior e regular de braços para tocar o projeto de transformação do Rio de Janeiro numa Lisboa tropical. Como resolver este impasse? Na época do Vice-reinado, quan-do vários delitos tinham como pena os traba-lhos forçados ou galés, os detentos eram utili-zados nos mais diversos serviços. Esta prática chegou ao século XIX sendo intensificada e ultrapassando os limites aceitáveis para qual-quer senhor de escravos. A maior parte das

obras públicas realizadas durante os primeiros anos da Intendência de Polícia contou com a presença maciça dos escravos prisioneiros. Ve-jamos agora como o duplo cativeiro se tornou mais visível aos olhos dos senhores urbanos e principalmente dos escravos.

B) O duplo cativeiro e as obras públicas

Faço saber aos que (...) andarem nos carros pelas ruas e estradas dos subúrbios da Corte sem levarem os candeeiros diante e as carroças sem os pretos conduzirem as bestas pela arriata, mas atrás ou sentados no leito delas se terem seguido grandes males ao que passam pelas ruas e se tolhe o curso livre das seges, quando tudo se pode evitar indo os condutores diante em seus respectivos luga- res. Serão desta data punidos os carreiros e pretos de carroças que assim se encontrem com a pena os que forem escravos de 50 a çoites no Calabouço e os livres com 15 dias

de trabalhos em obras públicas e uns e ou tros por si, seus amos e senhores pagarão a lém disso mil réis ao cofre da Polícia. (NA RJ. Polícia da Corte. Fls. 27, Edital de 12 / 06 / 1808, grifo nosso. )

Este foi um dos primeiros Editais lança-dos por Paulo Fernandes Viana tratando da questão do uso de infratores nas obras públi-cas. Sabemos que o serviço de transporte neste período era realizado por escravos e libertos. Por isso o Edital faz questão de frisar que estes seriam os primeiros alvos do Intendente. Viana poupou, a princípio, os senhores dos escravos carreteiros deste tipo de infração, pois eles eram constantemente convocados para dar apoio logístico às obras, como vimos no caso do aterro das ruas dos Inválidos e La-vradio. Os libertos – devido a sua condição – conseguiam muitas vezes escapar dos trabalhos forçados nas obras públicas. Também não eram enviados ao Calabouço para serem açoitados. A partir da bibliografia sobre escravidão urbana

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constatamos que esse grupo era considerado o mais perigoso ao estabelecimento da ordem pública. Não poderiam ser castigados com o açoite, pois esta era uma pena exclusiva para escravos. Por sua vez, não possuíam nenhum senhor que impusesse qualquer tipo de contro-le, estando liberados a circular em todos os lugares da cidade.

Como estamos tratando de um período onde as práticas absolutistas ainda estavam imperando, quem iria controlar o prazo de 15 dias estabelecido pelo Edital? Geralmente estes “crimes” dos quais tratavam os Editais não ren-diam processos. O Juiz do Crime, ao receber das mãos das patrulhas os “criminosos”, enca-minhava-os de acordo com as determinações emanadas da Intendência de Polícia. Logo, o uso desses libertos poderia exceder o prazo de 15 dias nas obras públicas. Escapar do cativeiro senhorial através da alforria não significava que os libertos conseguiriam escapar do cativeiro público.

A questão da mão-de-obra era muito importante para o projeto de Paulo Fernandes Viana, mas não era o único problema enfrenta-do pela Intendência. Os materiais e principal-mente as ferramentas necessárias para a exe-cução das obras também precisavam estar dis-poníveis. A solução encontrada foi utilizar as ferramentas da Casa do Trem.12 Os Editais e a maneira como Viana vinha conduzindo a inter-venção na cidade não contavam com o apoio

12 “Em 1762, o então Vice-rei Conde de Bobadela manda erigir a Casa do Trem, ao lado do Forte de Santiago, des-tinado à guarda dos armamentos (trens de artilharias) das novas tropas enviadas por Portugal para reforçar a defesa da cidade, ameaçada por corsários em busca do ouro vindo das Minas Gerais. Com a elevação do Rio de Janei- ro à condição de capital do Estado do Brasil, foi construí-do, em 1764, junto à Casa do Trem, o Arsenal de Guerra destinado ao reparo de armas e fabricação de munições”. Atualmente este complexo é ocupado pelo Museu Histó-rico Nacional, na Praça XV, centro do Rio de Janeiro. Fonte: www.museuhistoriconacional.com.br. acessado em 03/11/2008.

unânime de outros representantes do poder público. Mesmo que não tenhamos encontrado nenhum manifesto contra a política do Inten-dente neste primeiro período, julgamos que as atitudes de alguns membros do governo deixa-vam isso claro. O Intendente da Casa do Trem não havia atendido as inúmeras solicitações de ferramentas feitas por Viana. Para solucionar o problema, o Intendente de Polícia pede a inter-venção de Dom Fernando José, Ministro de Estado dos Negócios do Brasil, para que a Casa do Trem emprestasse algumas ferramentas para a construção da estrada que ligaria o Campo de Santana à praia da Gamboa, pois se tratava de uma obra “pública e do serviço do Estado”. Na lista de ferramentas apresentada constava 18 enxadas, 6 carrinhos, 6 alabancas (sic), 12 picaretas e 40 cestos. Todo esse mate-rial deveria ser fornecido aos escravos que rea-lizavam o serviço. (ANRJ. Polícia da Corte. Fls. 92, ofício de 20 / 10/ 1808.)

Esta obra, ligando o Campo de Santana à Gamboa, estava tirando o sono do Intendente de Polícia, isto porque os moradores da locali-dade não estavam colaborando. Numa atitude um tanto extremada, Viana recomenda ao Juiz do Crime da freguesia de Santa Rita, José da Silva Lourenço Borges, responsável pela obra, que obrigue os vizinhos da estrada a ajudarem usando para isso penas “que julgar conveniente cominar”. Ao contrário do que ocorreu com a estrada entre São Cristóvão e Santa Cruz, esta obra não iria contar com o jornal pago aos es-cravos. A única despesa que a Intendência co-briria seria com a pólvora utilizada na pedreira. (ANRJ. Polícia da Corte. Fls. 107v, ofício de 15 / 11 / 1808.)

A freguesia de Santa Rita nesse período contava com uma grande movimentação, pois aí se localizava a praia do Valongo, ponto de desembarque e negociação dos escravos afri-canos na cidade. Era uma área carente de o-bras públicas. Os moradores do Largo de São Joaquim e das ruas do Sabão e São Pedro de-

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veriam construir muros em seus terrenos não edificados para evitar despejos de lixo e, além disso, aterrar o “meio da rua com cascalhos das pedreiras”. A recomendação ao Juiz do Crime era a mesma do ofício anterior – A Intendência não arcaria com nenhuma despesa e por isso o magistrado estava autorizado a tomar as medi-das que lhe parecessem “mais convenientes e cômodas” para tais melhoramentos. (ANRJ. Polícia da Corte.Fls. 114v – 115, ofício de 20 / 11 / 1808.)

Como podemos verificar, as atitudes de Paulo Viana à frente das obras públicas eram pragmáticas. Se a Intendência não possuía condições de arcar com os custos, que o ônus recaísse sobre os moradores. Mesmo contraria-dos, os senhores locais deveriam fornecer seus escravos para os desmandos do Intendente, ou então arcar com as conseqüências. Definitiva-mente, Viana era o braço do absolutismo por-tuguês mais pesado nos ombros dos moradores e escravos da cidade do Rio de Janeiro a partir de 1808.

Ferramentas, escravos, material. Esses elementos não eram suficientes para dar conta das obras públicas. Havia ainda a necessidade de profissionais qualificados para gerenciar os trabalhos. Mesmo que alguns presos e escravos de aluguel possuíssem algum ofício não eram suficientes para o volume das intervenções ur-banísticas levadas a cabo pela Intendência de Polícia. No início de 1809 essa carência de bra-ços especializados já se fazia sentir. O Inspetor da Brigada Rodrigo Pinto Guedes, responsável pelas obras que conduziriam água do rio Mara-canã para a cidade, relata a Paulo Fernandes Viana os transtornos que alguns carpinteiros estavam trazendo ao serviço:

(...) Joaquim José de Matos traba-lhou cinco dias na semana passada e não voltou; Ignácio da Silva retirou-se quinta-feira da mesma semana e me afirma que não retornará; Fabiano do Couto diz o Magistra-

do que não apareceu jamais no Bicame, e nem tem trabalhado nele. Disto se colhe que não existem e não posso remetê-los.

O Intendente havia solicitado alguns carpinteiros para a realização de reparos nos encanamentos que conduziam água do rio Ca-rioca para os chafarizes da cidade. O verão de 1808 – 1809 foi marcado por uma grave seca. O Inspetor fez um apelo a Viana:

(...) estimarei muito que mande pes-soas que os conheçam procurá-los e apreen-dê-los porque desde já convenho nisto, e de-

sejo dar mais prova de que não patrocino

tal deserção, nem fomento a insubordina-

ção, devendo saber que no aperto em que me tenho visto de falta de trabalhadores tendo dado ordens aos Magistrados para aceitar os que se fossem oferecer, ainda sem serem mandados por mim, o que todavia nunca se entendeu que fosse com conhecimento de causa serem desertores do Arsenal Real da

Marinha, pois que ao Inspetor do Arsenal já

mandei restituir dois(...). (ANRJ. Polícia

da Corte. Fls. 194. Em 09 / 03 / 1809, grifo nosso )

Este trecho final é esclarecedor. Ser de-tido para trabalhar nas obras públicas conduzi-das pela Intendência poderia ser o pior dos castigos, mas também poderia significar a re-denção de imposições muito piores, segundo a visão de alguns homens. O alistamento forçado representava para os homens livres o mesmo que a pena de trabalhos forçados nas obras públicas representava para os escravos e liber-tos. Enquanto os escravos e demais apenados contavam com vigilância de soldados, os livres que se ofereciam para os trabalhos não preci-savam ser acorrentados e nem vigiados, afinal estavam ali por livre e espontânea vontade.

Alguns militares “forçados” viam nas o-bras públicas uma grande oportunidade de fugi-rem ao rigor dos quartéis, principalmente do

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Arsenal de Marinha. Rodrigo Pinto Guedes que-ria aproveitar a força de que dispunha Paulo Fernandes Viana como Intendente Geral de Polícia da Corte para tentar conter as inúmeras deserções, muito freqüentes nesse período. Para o Intendente essa união entre os militares e a polícia nas obras públicas era extremamen-te importante. Algumas tropas de linha eram responsáveis pela vigilância dos escravos prisi-oneiros nas obras. Mas quanto a isso o respon-sável pelas intervenções urbanísticas na corte joanina pouco tinha a fazer. O controle sobre os soldados cabia às autoridades militares.

O intendente teve que lançar de outras medidas para suprir a grande carência de mão-de-obra que se impunha naquele momento. Como alternativa restava as prisões da cidade. Depósitos repletos de criminosos ociosos que só serviam para trazer insegurança e aumentar as despesas da Polícia. Entra em cena a antiga prisão eclesiástica, o Aljube.

C) Prisão do Aljube: A terrível face do cár-cere

Esta prisão, encostada ao morro da Conceição, é subterrânea de um lado, e de ou-tro faz frente á rua do mesmo nome; é, por isto defeituosíssima, porque a comunicação imedia-ta com a rua a torna pouco segura, e não per-mite que se estabeleça, no seu interior, a disci-plina conveniente para reforma dos presos; pela sua situação, já se vê que ela deve ser úmida, insalubre, inabitável, sobretudo do lado da montanha. (...) Foi com grande dificuldade que a Comissão pode vencer a repugnância que deve sentir todo o coração humano, ao pene-trar nesta sentina de todos os vícios, neste an-tro infernal, onde tudo se acha confundido, o maior facínora com uma simples acusada, o assassino o mais inumano com um miserável, vítima da calunia ou da mais deplorável admi-nistração da justiça. O aspecto dos presos nos faz tremer de horror: mal cobertos de trapos

imundos, eles nos cercam por todos os lados, e clamam contra quem os enviou para semelhan-te suplicio sem os ter convencido de crime ou delito algum.13

As visitas realizadas ao longo da década de 1830 pelos vereadores do Rio de Janeiro denunciaram as péssimas condições dos presos no Aljube. Esses relatórios foram bombásticos. Num período em que as idéias liberais ganha-vam espaço entre alguns setores da elite políti-ca do país, as condições subumanas a que es-tavam submetidos os presos da cidade fizeram com que fossem estabelecidos debates sobre novos métodos de punição para o controle da criminalidade. Finalmente chegava ao Brasil essa discussão e a busca de um modelo alter-nativo para o sistema prisional do Império. (MORAES, 2002 e ARAÚJO, 2004)

As descrições da prisão do Aljube são as piores possíveis. Era escura, úmida e pequena para o número de detentos que abrigava. Se-gundo Moreira de Azevedo, o Aljube “não era uma cadeia, era um antro; não era um cárcere, era um sepulcro”. Contava com nove celas distribuídas em três andares sendo um deles ao nível da rua. Neste local se localizavam as celas femininas e as enfermarias divididas por sexo. Os leitos das enfermarias eram fatais aos doen-tes. Poucos recuperavam a saúde; “quase todos envenenados pelo ar insalubre e pestífero da enfermaria passavam do leito da doença para o leito da morte”. Durante mais de 40 anos o Aljube serviu de depósito de criminosos, escra-vos e livres, libertos e militares, homens e mu-lheres. “Havia confusão de crimes, de idades, de sexos e de condições”. (AZEVEDO, 1862 p.137)

13 Relatório da Comissão encarregada de visitar os estabe-

lecimentos de caridade, as prisões públicas, militares e eclesiásticas apresentado a Ilustríssima Câmara Munici-pal da Corte em 1830, Apud MORAES, 1923, p.8.

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Na década de 1830, a prisão contava com um médico para tratar de todos os deten-tos. Consta no relatório que as instalações ti-nham capacidade para apenas 20 pessoas, mas os vereadores contaram mais de 390! Pode ser que as autoridades, impressionadas com o que viram tenham superdimensionado o número de presos. Contudo, há muito tempo que o Aljube tinha ultrapassado a sua capacidade de abrigar pessoas. Como a situação chegou a esse pon-to? Como foi conduzido o sistema prisional na cidade do Rio de Janeiro a partir de 1808?

Muito antes da década de 1830, o Alju-be já encontrava-se em um estado deplorável. O Senado da Câmara, sobrecarregado com a instalação da Corte, teve suas rendas divididas com a Intendência Geral de Polícia. No início do século XIX, o império português estava às vol-tas com as despesas da transmigração da famí-lia real para o Brasil e da Guerra com a França de Napoleão Bonaparte. O capital era escasso. Em julho de 1812 o carcereiro do Aljube, José da Fonseca Ramos, envia um ofício ao Corre-gedor do Crime, Antonio Felipe Soares de An-drade, informando da vistoria realizada na pri-são por alguns pedreiros e carpinteiros a man-do do Senado da Câmara.

(...) concluindo todos de comum acor-do que está em termos de cair e perigarem as pessoas que se acham dentro, e (...) disseram que estava no último perigo de se demolir e matar toda a gente que estiver dentro. (AN-RJ. Casa de Suplicação. Pacote 3. Ofício de 23 / 07 / 1812. )

Depois do relatório produzido pelos pro-fissionais encaminhados pelo Senado do Câma-ra, o carcereiro dá sua visão do que se passava no interior do Aljube:

As calamidades que sofrem os infe-lizes presos e outros muitos maiores que lhes ameaçam, me obrigam a dar parte a V. S ª que as cadeias estão no mais deplorável es-

tado, muitas de suas paredes fora do prumo,

seus madeiramentos todos podres, seus tetos

em total ruína de modo que tanto chove den-

tro como fora, o que aumenta cada dia mais sua destruição por cuja causa a custódia é cada dia mais dificultosa e temendo ficar na responsabilidade de algum caso repentino, que qualquer dia pode acontecer, tenho dado parte repetidas vezes e já se fez uma vistoria que confirmou isto tudo, os Mestres que em

algumas partes ameaçavam um próximo

princípio a que se agrega o grande número

de presos que de todas as partes concorrem,

que é tanto, que às vezes dormem por baixo

das tarimbas em um chão que mina água to-

do o ano, o que lhes tem ocasionado doen-

ças às vezes mortais. Além disso as cadeias não tem segredos, (...). ( ANRJ. Casa de Su-

plicação. Pacote 3. Ofício de 23 / 07 / 1812. Grifo da fonte.)

Deixamos o carcereiro - funcionário que convivia de perto com a realidade das prisões - relatar todas as mazelas enfrentadas por ele e principalmente pelos presos. A transformação do Tribunal da Relação do Rio de Janeiro em Casa de Suplicação do Reino fez com que o Aljube passasse a abrigar um grande número de detentos oriundos de diversas partes do império português. Sem nenhum planejamento e muito menos capital para investir em infra-estrutura, a prisão que já era pequena para atender ao número de presos da Corte e seus arredores passa a ser obrigada a receber os indiciados e condenados pela justiça de todo o império. Além dos presos a mando do Inten-dente de Polícia e alguns militares que acaba-vam indo parar na cadeia.

Como se não bastasse a super lotação, o espaço reduzido para abrigar tantos detentos estava ameaçado de “ruína”. A geografia do Aljube não ajudava. Encravado numa pedra e submetido às altíssimas temperaturas do verão, não temos dúvida de que aquilo era o verdadei-ro inferno na Terra. A partir dos relatos do

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carcereiro inicia-se um intenso envio de ofícios por parte do Corregedor do Crime, Antonio Fe-lipe Soares de Andrade, ao Príncipe Regente dando conta do estado do principal centro de detenção da Corte. O grande problema aponta-do pelo Corregedor era que diariamente a pri-são era alimentada pela chegada de presos de diversas Capitanias e Comarcas de Lisboa e Porto, além dos sentenciados ao degredo.

Com essas informações fica fácil imagi-nar um cenário aterrador para a prisão do Alju-be na primeira década do século XIX. Mas ape-nas reclamar não bastava e Antonio Felipe Soa-res também apresentou algumas soluções. A principal seria uma ampla comutação de penas, pois ajudaria a “reprimir o vício e o crime a benefício dos miseráveis criminosos”, aliviando assim a superlotação.

O Corregedor do Crime sabia que os presos encaminhados ao Aljube pela Intendên-cia de Polícia não poderiam ser liberados, pois dependeria da aprovação do Intendente. Para evitar um confronto com Paulo Fernandes Via-na, Antonio Felipe sugeriu que apenas os já sentenciados pela justiça tivessem suas penas comutadas para sentenças de trabalhos força-dos ou de degredo, excluindo os criminosos “mais atrozes”. Os que já haviam recebido a sentença de “morte civil” ou degredo, deveriam ser retirados do Aljube e encarcerados nas for-talezas onde trabalhassem o tempo necessário para seguirem os seus destinos. O Corregedor achava que deixando os degredados mais “ro-bustos” estes serviriam melhor nos presídios para onde foram realmente condenados. Presos no Aljube esses degredados seriam “inúteis a si próprios e ao Estado”.

A idéia do trabalho como uma das pos-síveis saídas para a regeneração dos presos parece estar presente no argumento do Corre-gedor do Crime da Corte. Mas há outras leituras possíveis para esses ofícios. Uma delas seria o

uso pelo Estado não somente dos escravos pre-sos pelo Intendente mas também dos degreda-dos que não traziam nenhum benefício sendo apenas depositados no Aljube. Seriam mais um reforço nas intervenções urbanísticas que a Intendência de Polícia realizava na cidade. Co-mo já apontamos, a mão-de-obra era escassa e irregular. (ANRJ. Casa de Suplicação. Pacote 3, ofício de enviado ao Príncipe Regente em 30 de julho de 1812.)

D) A reação dos senhores ao duplo cati-veiro

A natureza das fontes utilizadas neste trabalho tendem - a princípio – a oferecer a visão das autoridades representantes do Estado frente as suas necessidades de mão-de-obra para a construção da Corte no Rio de Janeiro. A visão dos escravos surgiu nas entrelinhas da documentação. Algumas vezes de forma explíci-ta, e muitas outras vezes de forma implícita. À medida que a pesquisa avançava surgiu uma preocupação: quando os senhores urbanos se apresentariam dando a sua visão do duplo cati-veiro?

Procuramos incansavelmente uma fonte mais objetiva, mais direta da reação dos senho-res urbanos ao duplo cativeiro imposto pelo Estado aos seus escravos. Na finalização da pesquisa uma senhora se apresentou para dar a sua opinião. Tratava-se de D. Anna Joaquina de Andrade. Ela entrou em conflito com um dos homens mais fortes do período joanino: o In-tendente Geral de Polícia da Corte. Para uma luta tão difícil era necessário que D. Anna pro-curasse um aliado de peso. Na Casa de Suplica-ção a senhora encontrou o magistrado José de Oliveira Pinto Mosquera.

A distinta senhora possuía um escravo de nome Bento. Querendo ampliar as rendas auferidas pelo cativo tratou de colocá-lo a a-prender um ofício. Sabemos que os escravos ao

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ganho com ofício especializado conseguiam trabalhos mais rentáveis para o senhor.14 Bento tornou-se carpinteiro. Escravo atencioso e dedi-cado, sempre atendendo às exigências de D. Anna, esta resolveu em 1804 conferir-lhe “gra-tuita e condicionalmente” a liberdade. A condi-ção era de que Bento continuasse a servir, a-companhar e prestar os jornais que ganhasse com o ofício de carpinteiro até a morte de sua senhora. Depois disso, liberdade total.

Em 1804, o Rio de Janeiro era a capital do Vice-reinado, escravos perambulando pelas ruas em busca de seus jornais, algumas obras muito pontuais realizadas pelas autoridades metropolitanas e só. Ninguém nessa época po-deria previr o que o futuro reservava para a cidade. Com a vinda da família real o Estado veio como um rolo compressor atropelando a relação senhor-escravo já estabelecida. Até este momento somente a cidade mudava. Ben-to continuava o mesmo escravo prestimoso e obediente a sua senhora. O tempo foi passando e o escravo antes solícito se transformou no pior exemplo de rebeldia:

(...) tinha [Bento] prevaricado em costumes (...), tornando-se bêbado, fugitivo e até pouco respeitoso [a sua senhora] de maneira que não só deixava de satisfazer-lhe muitas vezes os jornais e a insultava de pa- lavras (...) até atentar contra sua pessoa pondo-se então em fuga para fora da cidade (...). (ANRJ. Casa de Suplicação, Pacote 2, ofício de 30 de agosto de 1814.)

Podemos interpretar que a mudança de comportamento de Bento tinha um objetivo: antecipar a sua liberdade. Com o ofício de car-pinteiro poderia se sustentar tranqüilamente sem depender de sua senhora. Muito prova-velmente o escravo tentou convencer D. Anna

15 Para maiores detalhes sobre o trabalho dos escravos ao

ganho no Rio de Janeiro ver: SILVA, 1988 e AL-GRANTI, 1988.

de antecipar sua alforria por meios menos vio-lentos. Vendo frustrados seus objetivos, o cati-vo partiu para o confronto direto. Bebidas, in-sultos, fugas e até tentativa de assassinato. Tudo isso segundo a versão da senhora.

A cada fuga, Bento ia para mais longe da cidade, tornando sua captura uma despesa mais onerosa para D. Anna. Sua última fuga tinha sido para o então longínquo sítio de Cam-pinho, atual subúrbio da cidade. A única solu-ção encontrada pela senhora foi enviar o escra-vo ao Calabouço para correção e procurar uma forma de ganhar dinheiro sem ter que se rela-cionar com ele.

Portador do ofício de carpinteiro o escravo teria grande serventia nas diversas frentes de trabalho abertas pelo Estado nas primeiras décadas do século XIX. A intenção de D. Anna era empregar Bento nas obras da Casa do Trem. Assim a senhora poderia receber “os seus jornais livre de insultos e mais inconve-nientes”. Tudo estava encaminhado, após a temporada de correção no Calabouço, como era “permitido por antigo estilo aos de escra-vos para corrigir e castigar”, Bento deveria ser retirado da prisão e enviado direto para Casa do Trem. É nesse momento que entra na his-tória Paulo Fernandes Viana.

D. Anna Joaquina se dirige a prisão pa-ra resgatar seu escravo. Qual não é sua sur-presa ao ser informada que não poderia reti-rar Bento do Calabouço pois não poderia “re-vogar a liberdade [do escravo] senão por meios ordinários”. O escravo não poderia ser devolvido a sua senhora porque uma vez dada a alforria só através da justiça esta poderia ser revogada. Iniciou-se a batalha judicial.

Bento havia solicitado a Intendência de Polícia que o protegesse dos desmandos de sua ex-senhora. Segundo o cativo, D. Anna queria revogar a sua alforria. Qual interesse teria Pau-

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lo Fernandes Viana na liberdade de Bento? Ne-nhuma. Na verdade o que interessava realmen-te ao Intendente era o ofício de carpinteiro. Já abordamos há várias páginas atrás que a maior dificuldade de Viana era encontrar escravos especializados para trabalharem nas obras pú-blicas.

O Intendente determinou que Bento permanecesse no Calabouço a sua ordem e que D. Anna deveria pagar “fiança”. Os senhores tinham a sua disposição o Calabouço para cas-tigarem seus escravos, contudo este serviço não era gratuito. Além de pagar pelos açoites, os senhores deveriam pagar também as diárias da prisão. A senhora de Bento sabia disso, não era essa a questão. O magistrado José de Oli-veira Pinto Mosquera sabia qual era a questão:

Não é esta a primeira vez que eu te-nho visto em despachos do mesmo Intenden-te geral de Polícia intrometer-se no conhe-cimento de negócios meramente civis, até fazendo prender efetivamente na cadeia des-ta cidade algumas pessoas por dívidas civis; ao que não providenciei de modo algum nos requerimentos que as partes se tem feito a este respeito, por evitar questões e conflitos: definindo umas vezes que requeressem ao mesmo Intendente Geral de Polícia; estando aliás bem convencido que nenhuma das Leis e Ordens de V.A.R. concernentes ao seu cargo lhe confere jurisdição alguma sobre matéria civil. ( Casa de Suplicação, Pacote 2, ofício de 30 de agosto de 1814. Grifos nossos.)

Mosquera diz claramente que Paulo Fer-nandes Viana se excedia com freqüência a fren-te da Intendência, prendendo pessoas injusta-mente baseado em jurisdições que não eram de sua competência. O magistrado estava cansado destes desmandos.

D. Anna foi a Casa Suplicação indignada requerer seus direitos sobre o escravo. Seu

pedido foi encaminhado a D. João e este ,sem saber o que fazer, pediu aos magistrados que analisassem a questão. Mosquera chegou à conclusão que Viana queria “poder continuar no uso e posse em se achava” de Bento. Este era parecer que a senhora precisava.

O monarca decidiu que Bento deveria continuar em poder de D. Anna Joaquina de Andrade “na forma das cláusulas e condições da Escritura de Liberdade”. Nesta batalha entre o público e o privado venceu a senhora. Mas as vitórias de Paulo Fernandes Viana foram mui-tas. Muitos escravos aproveitaram-se dos confli-tos entre os senhores e as autoridades para melhor agenciar o seu cativeiro. Bento não con-seguiu. Qual terá sido o seu destino? Provavel-mente foi encaminhado para as obras da Casa do Trem. Pode ter sido vendido, ou ter fugido. O certo é que reatar a relação que mantinha com sua senhora, depois de todos os percalços enfrentados, era impossível.

Concluindo o percurso

Apresentamos aqui, de forma resumida, alguns dos desafios enfrentados pelos escravos, livres e libertos na tentativa de escapar do sis-tema prisional na cidade do Rio de Janeiro nas duas primeiras décadas do século XIX. Enquan-to tentavam sobreviver nos cárceres, o mundo “lá fora” não parou. Após o estabelecimento da nobreza lusa no Brasil e a criação de uma nova estrutura administrativa na cidade, era hora de usufruir a Corte que havia sido construída. Mas a História não pára. Em 1820 inicia-se a Revo-lução do Porto. Os portugueses exigem o retor-no de D. João e toda a família real.

Era hora de encarar a realidade. Embora a vontade de ficar fosse grande, o monarca precisava ir. Não podia perder um trono euro-peu. Seguiu com o coração partido, mas teve a sensibilidade de um estadista para perceber que as mudanças que provocou eram irrevogá-

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veis. O Brasil não seria mais o mesmo. Tem início o processo de independência. O embar-que de D. João VI em 1821 anunciou as mu-danças que a cidade iria sofrer, principalmente na questão do controle da criminalidade.

Em fevereiro de 1821, Paulo Fernandes Viana deixou a Intendência Geral de Polícia da Corte. Era o fim de um ciclo. Encerrou-se tam-bém um ciclo no sistema prisional do Rio de Janeiro. O traço absolutista da atuação de Pau-lo Fernandes Viana deixava de existir. O cenário deixado pelo período joanino e principalmente

pela atuação do Intendente de Polícia, ainda marcaria o sistema prisional por muitos anos.

Nos conturbados anos que se segui-ram, muitas coisas mudariam na política. Dom Pedro, de Príncipe Regente, se transformaria no primeiro Imperador do Brasil. Os embates entre agora brasileiros e portugueses levariam muitos desses homens para a cadeia. Mas isso é uma outra história. Ω

Referências Bibliográficas

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Revista Científica UNIABEU 25 Belford Roxo – RJ V. nº 2 – p. 25 - 95 jul-dez 2008

Doutor em Literatura Comparada (UFRJ)

Professor da UNIABEU.

RESUMO - Este artigo trata de diversos aspectos do trabalho do intelectual para desvendar, nos discursos atemporais, as instâncias de poder que lhe são inerentes. Palavras-chave: Literatura; Psicanálise; Intelectuais.

ABSTRACT - This article deals with various aspects of the intellectual work to unravel in timeless speeches, the bodies of power that are inherent in it. Key-words: Literature; Psychoanalysis; Intellectuals.

INTRODUÇÃO

A Memória é a arca de todas as coisas e se ela não se tornou a guardiã do que se pensou sobre as coisas e palavras, sabemos que todos os outros dotes do orador, por mais excelentes que possam ser, se reduzem a nada.

Alcuíno in De Nuptiis Mercurii et Philologiae

STE artigo foi escrito com base em pesquisas que fizemos sobre o papel da lembrança do intelectual e a função dessa em resgatar aspectos da memória coletiva para o desvelamento das relações de poder implícitas nos discursos voltados para a atemporalidade1.

No primeiro item deste estudo, intitulado “O Intelectual e as Atemporalidades”, apresentare-mos algumas palavras sobre a relação entre o trabalho do intelectual e o desvendamento da memória coletiva presente nos textos literários.

Traçaremos considerações sobre a obra de Freud por considerarmo-la um exemplo bastante significativo de uma postura metodológica embasada em atemporalidades: um tempo longuíssimo que uniria os homens sob um mesmo escopo de representações coletivas. Nesse sentido, buscaremos apontar determinados anacronismos no discurso psicanalítico. No entanto, iremos considerá-lo como um dos influenciadores de nossas considerações acerca da ligação entre a memória coletiva, a indivi-dual e a que pode emergir do texto literário.

1 Entendemos esse termo, segundo definição em Dicionário eletrônico Houaiss da Língua Portuguesa: s.f. (c1940) característica do que é atemporal, do que não é afetado pelo tempo; intemporalidade.

ETIM atemporal + -i- + -dade; ver temp(or)-

E

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Sobre a memória individual e a coletiva, traçaremos nossas considerações a partir da indução metonímica que a psicanálise faz, que parte de suas considerações clínicas individuais para abstrair conceitos sobre a cultura.

Falaremos sobre a multitemporalidade interna do texto literário, que guarda o passado em su-as linhas, é presentificado pela leitura e guarda, de forma latente, futuras atualizações advindas da interdiscursividade, sempre em aberto, que caracteriza o ato da leitura.

1 - O INTELECTUAL E AS ATEMPORALI-DADES

O trabalho daqueles que se preocupam em resgatar a memória coletiva não pode se limitar ao exíguo campo da atemporalidade, posto que as relações de poder, que lutam por manterem-se intocáveis, escondem-se sob os planos da ausência do tempo e da memória consciente. Resgatar elementos advindos da memória coletiva é desvendar as relações que há por trás dos textos, dos monumentos e ex-por os laços invisíveis que se escondem por trás das linhas e das formas.

Esse é o plano no qual devemos nos si-tuar para lançarmos um olhar crítico sobre as atemporalidades atribuídas às considerações relativas ao poder cerceador e norteador ine-rente aos discursos literário e histórico que, notadamente, são compatíveis com as posturas daqueles que não desejam situar, observar e discutir os conflitos referentes às mentalidades num âmbito temporal e historicizante.

No fim de Mal-estar na civilização, Sig-mund Freud define que o processo cultural é oriundo de vínculos libidinais que uniriam os homens sob uma mesma ordem. Seguindo uma linha importante que ligaria tais vínculos às questões relativas ao papel da identidade, Freud nos apresenta o seguinte raciocínio:

A repetição da mesma fórmula se justifica pela consideração de que tanto o processo da civilização humana quanto o do

desenvolvimento do indivíduo são processos vitais – o que equivale a dizer devem parti-lhar a mesma característica mais geral da vi-da [...] Só podemos ficar satisfeitos, portan-to, afirmando que o processo civilizatório constitui uma modificação que o processo vital experimenta sob influência de uma ta-refa que lhe é atribuída por Eros e incentiva-da por Ananké – pelas exigências da reali-dade – e que essa tarefa é a de unir indiví-duos isolados numa comunidade ligada por vínculos libidinais. (FREUD, 1974. p. 172).

Em primeiro lugar, notemos a relação entre a instância individual e a coletiva, carac-terística predominante na literatura freudiana.

Responsáveis pela relação metonímica entre o indivíduo e o outro e, por extensão, a socieda-de, as pulsões atuariam de forma paralela tanto no sujeito quanto nas instâncias coletivas.

A protoforma de organização de indiví-duos ligados por vínculos libidinais seria a famí-lia, considerada uma espécie de “célula mãe” da sociedade. É justamente nesse ponto que o intelectual acostumado a desvendar as atempo-ralidades inseriria a pergunta: que tipo de indi-víduo, em qual família, em qual tempo?

A família não tem sido a mesma no Oci-dente e os parâmetros existenciais não têm se mantido inalterados ao longo do tempo. Não há instituição, por estar irremediavelmente atrela-da à corrente ácida da História, que resista à corrosão das décadas.

Na época de Freud, o papel da mulher na família (as pacientes clássicas de Freud, as histéricas, eram advindas consideravelmente de

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famílias burguesas) era assim, conforme nos aponta o seguinte fragmento:

No início do século XIX, a mulher considera ou, pelo menos, trata ainda o seu marido como uma mistura de Deus, Percival e um capitão de indústria. O homem, pelo seu lado, adula a sua esposa, protege-a, dis-põe do seu dote e julga-a tão inacessível que prefere enganá-la. A mulher aborrece-se, de-finha e mergulha com nostalgia nos roman-ces, ricos em ardores recalcados, que consti-tuem a grandeza do século XIX. (BANT-MAN, 1998.p. 54).

Nem a mulher permanece a mesma, no

decorrer do século XX, nem mesmo a família, que passou por profundas mudanças em seu interior. No entanto, podemos dizer que ainda somos regidos pela longa duração de um patri-arcalismo que vem sobrevivendo ao longo dos séculos e não dá mostras de fenecer diante do capitalismo tardio de nossos dias. Ao contrário, cremos que as políticas de exclusão e de domi-nação do outro, caras tanto ao capitalismo quanto ao patriarcalismo, sejam consideravel-mente importantes no magma das mentalida-des ocidentais.

O intelectual deve estar atento às ins-tâncias moventes e às que tendem a se perpe-tuarem um pouco mais. Essas devem ser consi-deradas prioritariamente por todos aqueles que estudam as sociedades e, conseqüentemente, as suas produções artísticas: em primeiro lugar, há a mudança nas relações sociais que, no de-correr das décadas e séculos, vêm se alterando profundamente, haja vista o século XX, eivado de profundas mudanças nas relações e costu-mes humanos; por outro lado, o intelectual não pode deixar de observar o fenômeno da longa duração de determinadas posturas e costumes que, em sua estrutura profunda, não se alte-ram. Percebamos em nosso exemplo: as pro-fundas alterações na família não deixaram de transparecer, ainda que mais ou menos aparen-

tes, traços do patriarcalismo constante nas so-ciedades ocidentais.

Por outro lado, há ainda a possibilidade

de resgate dos testemunhos da memória que estão na estrutura profunda dos documentos. O resultado desse trabalho é a descoberta de novas temporalidades no interior dos textos que são, por um lado, testemunhas de sua pró-pria contemporaneidade e, por outro, depositá-rios de idéias, usos e costumes de tempos an-teriores, responsáveis por aspectos de sua for-mação. 2 - Sexo como interdição: aspectos de sua longa duração.

Uma das contínuas linhas comportamen-tais no Ocidente, a da interdição do sexo, por exemplo, é, na verdade, apenas uma das faces de um problema bem mais profundo, como nos ensina Foucault, em História da sexualidade. Vejamos:

Não digo que a interdição do sexo é

uma ilusão; e sim que a ilusão está em fazer dessa interdição o elemento fundamental e constituinte a partir do qual se poderia es-crever a história do que foi dito do sexo a partir da Idade Moderna. Todos esses ele-mentos negativos - proibições, recusas, cen-suras, negações - que a hipótese repressiva agrupa num grande mecanismo central des-tinado a dizer não, sem dúvida, são somente peças que têm uma função local e tática nu-ma colocação discursiva, numa técnica de poder, numa vontade de saber que estão lon-ge de se reduzirem a isso. (FOUCAULT, 1988.p.17).

O intelectual não pode se ater à superfí-

cie ligada à imobilidade de um poder que apa-rentemente se realiza eficazmente, visto que o lugar-comum da interdição pode ser uma más-cara aos que buscam uma explicação satisfató-ria sobre as posturas em relação às atitudes e

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comportamentos que possuem uma longa du-ração.

Por trás da proibição está uma busca de saber, de dominar, através do conhecimento, atitudes e posturas que, por sua própria natu-reza imprevisível, tendem a escapar dos códi-gos morais e comportamentais estipulados. Talvez seja essa a postura que vai caracterizar-se mais proeminente por baixo da longa dura-ção de cerceamentos de posturas sexuais transgressoras.

Por outro lado, sabemos que os compor-tamentos estão profundamente ligados à iden-tidade do indivíduo. Nesse ponto, temos que concordar com Freud, quando ele nos ensina que a essência do indivíduo é partícipe de seus conteúdos libidinais.

O conteúdo revelado a partir da compa-ração entre os textos de diferentes origens (te-óricos e artísticos ou religiosos, por exemplo) é uma ferramenta preciosa para os intelectuais que necessitam imperiosamente descobrir as relações de poder que existem nos subterrâ-neos das idéias e posturas pré-concebidas.

Vejamos mais um exemplo. Uma breve leitura do texto que explica as origens das soci-edades cristãs, o Gênesis, demonstra a noção de o quanto a tentativa de impor a primazia da lei paterna se dá através de um discurso que busca, através da instauração da ordem fun-damentada na sujeição e na privação da libido, a construção do paradigma masculino nas pos-turas e atitudes em relação ao sexo. Tal fato acarretará numa verdadeira proliferação de discursos sobre o sexo, como bem nos mostra a obra de Michel Foucault. Jacques Marcireau, em História dos ritos sexuais, observa que a princi-pal preocupação contida no Gênesis foi romper a idade do matriarcalismo e instaurar, através do dogma, que a primeira criatura fora o ho-mem e não a mulher.

Isso permite-nos compreender a fa-mosa passagem que, de outra forma, não te-ria o menor sentido: Javé criou primeira-

mente o homem. Em seguida – somente em seguida – criou a mulher. E como é que a criou? “Deus formou Eva tirando uma coste-la de Adão durante o seu sono”.

O texto original não fala de costela, mas sim de pênis.[...] Unicamente porque se tratava de estabelecer que o pênis é o criador da criança, não o órgão feminino, cujo papel passou a ser considerado secundário. (MARCIREAU, 1974. p.195).

Fundamentada no predomínio da lei pa-terna, que abomina o incesto e se sustenta a partir do controle da sexualidade, a lei patriar-cal estipula que seus ditames de cerceamento e manutenção de poder devem ser mantidos a todo custo.

Mais do que isso, a tentativa de busca da identidade, aliada, claro, ao controle ineren-te às instâncias de poder, tenderam a trans-formar atitudes e posturas em discursos sobre o sexo.

Se a sexualidade se constituiu como domínio a conhecer, foi a partir de relações de poder que as instituíram como objeto possível; e em troca, se o poder pôde torná- la como alvo, foi porque se tornou possível investir sobre ela através de técnicas de sa- ber e de procedimentos discursivos. (FOU- CAULT, 1988.p.93).

Portanto, a cultura está, a todo tempo,

retomando discursos que exemplificam ou con-duzem os comportamentos dos homens. De certa forma, são esses discursos os responsá-veis pela cristalização de idéias, conceitos e costumes ao longo dos séculos. 3 - A longa duração na teoria psicanalíti-ca: a nova temporalidade do inconsciente.

Freud revive textos clássicos como Édi-po-Rei e Electra, por exemplo, que passam a pertencer ao âmbito do que há de mais profun-do na natureza humana. Apesar de nos auxiliar, não podemos deixar de notar que, com isso, a

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teoria psicanalítica peca por considerar o que é pertinente ao berço da cultura ocidental, como se esse fosse o de toda a humanidade.

No entanto, ao eleger tais discursos re-presentativos como elementos basilares de nossa memória coletiva, Freud abriu-nos cami-nhos não só relativos ao desvendamento de nossas punções, mas a uma das nossas princi-pais chaves cognitivas: a construção de um passado através de um discurso singular volta-do não mais para um percurso exterior, mas interior. Freud instaura uma nova temporalida-de através da descoberta de um espaço (o in-consciente) onde o presente é contínuo.

Essa nova temporalidade é regida pela permanência de posturas e idéias que escapa-ram à constante mudança nos padrões de pen-samento e de comportamento. São essas as representações que unem a humanidade sob um mesmo escopo, apesar da superficial mu-dança nas culturas.

Estaria Freud, com o advento do ideário ligado à psicanálise, instaurando uma nova memória coletiva para o homem ou, ao contrá-rio, seu grande valor foi desvelar algo que, para nós, permaneceu sob o entorpecedor rio Letes1 durante os séculos anteriores ao aparecimento da teoria psicanalítica?

Freud instaurou, além de um ideário, uma nova perspectiva temporal na humanidade que, acreditamos, irá sobreviver durante algu-mas décadas desta centúria. Dessa forma, não há como negar: as representações e atitudes em relação ao sexo em nossos tempos ainda possuem um encaminhamento equacionado, em grande parte, pelo ideário psicanalítico.

4 – A memória coletiva e as obras literá-rias.

Desde o advento da psicanálise que sa-bemos que o que os conteúdos inconscientes

1 Segundo a mitologia clássica, o rio cuja água os mortos,

ao beberem-na, experimentariam o esquecimento.

nos indivíduos existem de forma latente e, em ocasiões específicas como, por exemplo, nos sonhos, afloram ao consciente. O aflorar de fragmentos do inconsciente na consciência se dá através do discurso, ou melhor, de uma nar-rativa preenchida de imagens mais ou menos opacas, mas que estão intimamente ligadas ao percurso existencial do sujeito.

Outrossim, se tal fato ocorre no nível in-dividual, por que não poderia se dar no coleti-vo? Não é esse o percurso metodológico que Freud usou para traçar as suas considerações sobre a cultura? Não poderíamos, concordando com o raciocínio freudiano, encarar as socieda-des como reflexos das instâncias psíquicas indi-viduais dos sujeitos que lhes compõem?

Vejamos a relação entre discursividade e memória apontada pela pesquisa de Jacques Le Goff, no livro História e memória.

Deste modo, Henri Atlan, estudando os sistemas auto-organizadores, aproxima "linguagens e memórias": "A utilização de uma linguagem falada, depois escrita, é de fato uma extensão fundamental das possibi- lidades de armazenamento da nossa memó- ria que, graças a isso, pode sair dos Limites físicos do nosso corpo para estar interposta quer nos outros, quer nas bibliotecas. Isto significa que, antes de ser falada ou escrita, existe uma certa linguagem sob a forma de armazenamento de informações na nossa memória" (LE GOFF, 1996.p.425).

A memória organiza-se, portanto, sob a forma de discurso e é justamente no nível da discursividade que reside o interesse deste nos-so artigo. É justamente nesse nível que as o-bras literárias irão se nos apresentar uma série de níveis de discursividade que nos auxiliarão em nosso intuito: revelar traços resultantes das tensões entre conteúdos latentes nos textos e conteúdos expressos. No nosso entendimento, a literariedade dos textos artísticos encontra-se, em uma parte considerável, nesse entre-espaço

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do que está expresso e do que não se revela, senão sob a forma de recordação, de aflora-mentos de conteúdos latentes no leitor.

Esses afloramentos no leitor não ocorre-riam se não fossem, de alguma forma, desper-tados. Tal fato se dá justamente porque o texto literário possui essa instância potencial, capaz de guardar uma multi-temporalidade, visto que o texto é presentificado pela leitura, mas é o depositário de uma temporalidade que é teste-munha do próprio pretérito que lhe serviu como base de composição.

As relações de poder, com as quais ini-

ciamos nossas considerações, aparecem intrin-secamente ligadas e esse fato, posto que qual-quer forma de discurso implica numa vontade expressa e, como tal, num posicionamento em relação às várias modalidades de poder estabe-lecidas. Mas, em que medida o texto literário, que pode revelar ao leitor vários conteúdos da memória coletiva, se une a essa gama de dis-cursos relativos ao poder e em qual medida esse mesmo poder se interessa pelos discursos que possuem a capacidade de reaflorar a me-mória no indivíduo? Vejamos mais um trecho de História e memória.

Finalmente, os psicanalistas e os psicólogos insistiram, quer a propósito da recordação, quer a propósito do esquecimen-to (nomeadamente no seguimento de Ebbin-ghaus), nas manipulações conscientes ou in-conscientes que o interesse, a afetividade, o desejo, a inibição, a censura exercem sobre a memória individual. Do mesmo modo, a memória coletiva foi posta em jogo de forma importante na luta das forças sociais pelo poder. Tornarem-se senhores da memória e do esquecimento é uma das grandes preocu-pações das classes, dos grupos, dos indiví-duos que dominaram e dominam as socieda-des históricas. Os esquecimentos e os silên-cios da história são reveladores desses me-canismos de manipulação da memória cole-tiva. (Idem. p 426.)

O texto literário possui a capacidade de revelar ao leitor vários traços da memória cole-tiva porque ele é fruto do entrecruzar do pre-sente e do passado que lhe constitui. De certa maneira, como vimos anteriormente, ele tam-bém é memória, posto que guarda, aprisionado em seu discurso, as várias temporalidades que lhe são interiores.

Desvendar as relações de poder que e-xistem por trás dos discursos é o trabalho do intelectual que, a todo momento, procura reve-lar as várias camadas responsáveis pela consti-tuição dos textos.

O intelectual deve estar sempre atento ao permanente conflito entre o passado tempo-ral (e não atemporal, como alguns partidários da atemporalidade dos mitos e dos que adotam uma leitura inflexível da psicanálise defendem) profundo do homem e o ideário contido nas atualidades. É desse conflito dialético e sempre aberto às novas possibilidades de reconstrução de sínteses que se dá a permanência dos dis-cursos, inclusive o literário, ao longo dos tem-pos.

O intelectual deve fazer o trabalho in-verso: desconstruir as camadas coladas entre as mentalidades que existem no interior dos discursos e refazer o percurso dos textos ao longo de seu próprio percurso num âmbito mui-to mais profundo que faríamos se o acompa-nhássemos simplesmente em sua evolução li-near.

Esse percurso está profundamente liga-do à reconstituição da memória coletiva, que explode diante o leitor e lhe faz interagir com sua própria memória, seu próprio avançar exis-tencial. Ousamos dizer: a memória contida no texto é revelada pela leitura, através da intera-ção com a memória pessoal do leitor.

Diversas temporalidades coexistem, por-tanto, no texto literário, posto que esse tipo de texto é capaz de suscitar o afloramento de con-teúdos presentes no inconsciente histórico cole-tivo. É essa coexistência de temporalidades que se presentificam na leitura e na fruição dos

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textos literários que caracterizam a sua especi-ficidade e permanência, enquanto discurso vi-vo, ao longo dos tempos.

Cabe aos estudiosos interessados no en-trecruzamento dos discursos histórico e literário desvelar essas camadas, situá-las no tempo para que possamos compreender que o que trazemos às gerações, no fundo, é um somató-rio de idéias que se fazem novas por conta de serem uma síntese entre o passado e o que esperamos manter ou modificar no futuro: o presente.

CONCLUSÃO Neste trabalho, escrevemos considera-

ções sobre a relação entre o intelectual e a memória. Apresentamos considerações sobre o labor do estudioso que se debruça sobre a rela-ção interdisciplinar entre a Psicanálise, a Histó-ria e a Literatura: a busca de fragmentos da memória coletiva nos textos. Vimos que essa busca é pertinente. Chegamos à conclusão que esse tipo de estudo deve apreciar o texto literá-rio como o documento onde podem ser encon-trados ecos do passado coletivo.

Por outro lado, traçamos considerações sobre o perigo das atemporalidades no discurso psicanalítico, mas não deixamos de notar que

tais representações são importantes para nos-sas considerações sobre a coletividade.

Portanto, apontamos alguns anacronis-mos no discurso psicanalítico, principalmente os relativos à constituição da família no Ocidente, apesar de aceitarmos a longa duração do patri-arcalismo, ainda que superficialmente simplifi-cado, nas relações familiares atuais.

Chegamos à conclusão que o texto lite-rário guarda, latente, uma temporalidade para-lela à da memória. É um depositário de idéias pretéritas. Ao mesmo tempo, é presentificado pela leitura. Tal qual a memória, o texto literá-rio guarda uma energia potencial voltada para o futuro, pois pode ser constantemente (re)atualizado através da interdiscursividade presente no ato de fruição do texto.

O intelectual deve estar atento a esse fato, pois é um instrumento imprescindível para que a análise das relações de poder implícito nos textos seja revelada.

Sobre a memória individual e a coletiva, falamos sobre a indução metonímica que a psi-canálise faz: parte de suas considerações clíni-cas individuais para abstrair considerações so-bre a cultura. Essa prática nos auxiliou a tra-çarmos nossas considerações sobre a memória coletiva, que teria traços da individual.Ω

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%% &'% %( %)%*+ Bacharel e Licenciada em Letras (Português – Latim), pela UFRJ,

Especialista em Língua Latina, pela UERJ e Mestranda em Letras Clássicas pela UFRJ. Professora da UNIABEU e da UFRJ

RESUMO - Este artigo tem como propósito realizar um estudo sobre a sonorização das con-soantes surdas intervocálicas – fenômeno fonético observado na evolução da língua latina para a língua portuguesa. Procura-se demonstrar que, em alguns casos, devido à frequência de uso, essas consoantes conservam o som surdo presente na palavra latina, mantendo, assim, a forma clássica e, em outros, apresentam a sonoridade na palavra primitiva portuguesa. Algumas palavras consideradas eruditas, assim como outras derivadas de palavras cuja evolução fonética apresentou a sonorização, são exemplos da manutenção do som surdo em termos do léxico português e da mudança para so-noro, em outros.

Palavras-chave: evolução fonética; latim; língua portuguesa. ABSTRACT - This article aims to conduct a study on the passage of no sound consonants, between the vowels, for the voiced - phonetic phenomenon observed in the evolution of Latin to Por-tuguese. It seeks to demonstrate that, in some cases, because of the frequency of use, these conso-nants retain the Latin's sound in the word, keeping the classical form, and others have the primitive sound in Portuguese. A few words considered erudite as well as other developments whose words derived from the phonetic sound submitted, are examples of the sound's maintenance in terms of the lexicon Portuguese and of the change in others.

Keywords: phonetic evolution; Latin; Portuguese language.

INTRODUÇÃO

S PALAVRAS da Língua Portuguesa, em sua evolução histórica, sofreram o que se chama de metaplasmos, ou seja, modificações fonéticas. Entre as alterações percebidas, pode-se destacar a sonorização das consoantes mediais surdas que ocorrem em contexto intervocálico,

obedecendo às leis fonéticas. A sonorização é um fenômeno fonético que consiste na mudança de um som surdo para um

som sonoro. Essa sonorização das consoantes surdas entre vogais ocorre devido à proximidade da-quelas com estes sons, que afetam a consoante, tornando-a sonora. (SILVA NETO, 1979)

Vale ressaltar que, analisando as palavras da Língua Portuguesa, percebe-se que algumas consoantes surdas, mesmo em ambiente intervocálico, não sofrem essa transformação.

A

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Acredita-se que isso se deva ao fato de algumas palavras terem sido introduzidas tardi-amente em nosso vocabulário – em épocas distintas, a partir do século IX e, com maior intensidade, a partir do século XIV. É o caso de algumas formas eruditas – aquelas que conser-vam a forma, apontando para o latim clássico, que deixou de ser falado espontaneamente após a queda do Império Romano. Assim como algumas palavras derivadas, que mantêm o radical latino clássico. Nesse caso, as consoan-tes intervocálicas conservam, muitas das vezes, o som surdo.

Todavia, ao estudar-se, por exemplo, o grau superlativo dos adjetivos, é comum encon-trar a ocorrência de duas formas para represen-tá-lo: uma apresentando a retomada do radical latino, com a preservação do som surdo e outra com presença da sonorização existente na pa-lavra vernácula primitiva.

Diante do exposto, este estudo tem por objetivo demonstrar casos em que acontece uma coisa e outra e sinalizar que tal fato possa ocorrer pela motivação do falante em escolher uma das formas no uso cotidiano (ou corrente) da língua.

1. METAPLASMOS

Nas palavras de Carvalho e Nascimento (1971), metaplasmos

são alterações que as palavras sofrem durante sua evolução do Latim para o Português. Essas alterações são apenas fonéticas, conservando, as palavras, a mesma significação (CARVALHO e NASCIMENTO, 1971, p. 40)

Segundo os autores supracitados, os metaplasmos ocorrem de quatro formas: por aumento, por supressão, por transposição e por transformação. Entre os metaplasmos por au-mento, há a prótese, que é um acréscimo de um fonema no início das palavras (sta-

re>estar); a epêntese, que é o acréscimo de um fonema no interior da palavra (humi-le>humilde) e a paragoge – acréscimo de um fonema no fim da palavra (ante>antes).

Os metaplasmos por supressão dividem-se em aférese, síncope, apócope e crase. A aférese é a queda de um fonema no início da palavra (acume>gume); a síncope é a supres-são de um fonema no interior da palavra (le-genda>lenda); apócope é a queda de um fo-nema no fim da palavra (amat>ama) e crase é a fusão de duas vogais em apenas uma (pe-de>pee>pé).

Existe um tipo diverso de síncope que se chama haplologia (Carvalho e Nascimento, 1971). Trata-se da supressão da primeira de duas sílabas sequenciais iniciadas pela mesma consoante (bondadoso >bondoso). Há também um tipo diferente de crase que leva o nome de sinalefa. Ela se caracteriza pela fusão da vogal final de uma palavra com a vogal inicial de ou-tra (de + intro >dentro).

Os metaplasmos por transposição ocor-rem por deslocação do fonema ou do acento tônico da palavra. Os tipos de metaplasmos por transposição são a metátese, que é a desloca-ção de um fonema na mesma sílaba (semper > sempre); a hipértese, que é o deslocação de um fonema de uma sílaba para outra (capi-o>caibo); a sístole – recuo do acento tônico (pantanu > pântano) e a diástole, que é o a-vanço desse acento na palavra (limite > limite).

O metaplasmo por transformação, por seu turno, abarca várias subdivisões: a vocali-zação, a consonantização, a nasalização, a des-nasalização, a assimilação, a dissimilação, a ditongação, a monotongação ou redução, a apofonia, a metafonia, a palatalização, a assibi-lação e a sonorização ou abrandamento.

A vocalização é a transformação de con-soante em vogal (nocte > noite); a consonanti-zação é a transformação de vogal em consoante (uita > vida); a nasalização é a transformação

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de um fonema oral em nasal (nec > nem); a desnasalização, ao contrário, é a passagem de um fonema nasal a oral ( bona > bõa > boa); a assimilação é a transformação de um fonema em igual ou parecido a outro da mesma palavra (ipsa > essa); a dissimilação é a modificação de um fonema por existir outro igual na palavra (liliu > lírio); a ditongação é a passagem a di-tongo (do >dou); a monotongação é a simplifi-cação de um ditongo em apenas uma vogal (fructu > fruito > fruto); a apofonia é a mu-dança de timbre de uma vogal pela influência de um prefixo (in + aptu > inepto); a metafo-nia é a mudança de timbre de uma vogal tônica por influência de outra (cobro >cubro); a pala-talização é a mudança de um ou mais fonemas em palatal (línea > linha); a assibilação é a transformação de uma ou mais consoantes em uma sibilante (lentiu > lenço) e a sonorização ou abrandamento é a passagem de uma conso-ante surda (não vozeada) a sonora (vozeada).

Este último tipo de metaplasmo é o que mais interessa ao propósito do estudo preten-dido por este artigo. O fenômeno da sonoriza-ção ocorre com as consoantes mediais surdas em posição intervocálica com em: ripa > riba; lupu > lobo; uita > vida; rota > roda; acutu > agudo; aqua > água; acetu > azedo, em que [p], [t], [s], e [k] são fones surdos e [b], [d], [z] e [g] são fones sonoros.

Com a evolução da língua latina para a língua portuguesa, ocorreram esses metaplas-mos de transformação por sonorização, porém é comum verificar-se a manutenção da conso-ante surda, presente na palavra latina de ori-gem, em palavras da língua portuguesa. Como exemplo pode-se citar: rotatório, vitalício, a-quário, que mantêm no radical as consoantes surdas [t] e [k] presentes nas formas latinas rota, vita, aqua.

Como se observou, a sonorização é um metaplasmo por transformação. Carvalho e Nascimento (1971, p. 40) a denominam tam-bém de abrandamento e assim a definem: “É a passagem de uma consoante surda à sua ho-

morgânica sonora. Só ocorre a sonorização se a consoante surda estiver em posição intervocáli-ca.”

Entre outros fatores, as consoantes sur-das intervocálicas parecem ter sofrido uma so-norização recente na história da língua, como assevera Serafim da Silva Neto, por estarem entre dois sons sonoros. Essa condição das vogais teria influenciado a precipitação da evo-lução de tais consoantes. Segundo o autor, a sonorização das consoantes oclusivas intervocá-licas começou em uma fase ainda latina, por volta dos séculos II, III d.C. Todavia, a genera-lização dessa ocorrência se deu somente duran-te os séculos V e VI. Assim o autor nos revela: “(...) facilitada pelo fato de tratar-se de um som surdo colocado entre duas vogais, isto é, pre-mido por dois sons sonoros.” (SILVA NETO, 1979, p. 208)

Sobre a evolução das consoantes latinas intervocálicas, Clare comenta:

O ímpeto assimilatório que desenca- deou esta evolução latina se não fora trava- do, acabaria num resultado único, que seria a assimilação total. Mas foi refreado por res- trições do sistema (restrições paradigmáti- cas) que impediram as vogais de fazer desa- parecer totalmente algumas consoantes que entre elas se encontravam (recorde-se que o contexto para este tipo de assimilação é in- tervocálico). (CLARE, 2007, p.1

Sendo assim, algumas consoantes em ambiente intervocálico não desapareceram, mas sofreram influência dos sons vizinhos.

O latim clássico foi continuamente reto-mado por falantes da língua portuguesa, em vários períodos da história, sob forma de pala-vras cultas, as quais não apresentam, geral-mente, alterações fonéticas recorrentes. Do mesmo modo, algumas palavras derivadas, no português, não apresentam em sua forma a sonorização existente nas formas primitivas, como aquário, derivada de água, que sonorizou a consoante intervocálica – a palavra derivada

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mantém a consoante com o traço surdo presen-te na palavra latina de origem aqua.

A hipótese com a qual se trabalha neste artigo é a de que essas formas não apresenta-riam as modificações ocorridas nos termos po-pulares, por tratar-se de palavras com menor tempo de uso na história da língua, ou até mesmo, de uso menos frequente. Ao contrário, as formas populares (que evoluíram diretamen-te do latim), após a fragmentação do Império Romano, permaneceram a ponto de formarem as línguas neolatinas, com todas as transforma-ções fonéticas. Por serem mais antigas, sofre-ram o processo de evolução natural, com algu-mas modificações, que foram perfeitamente adaptadas ao sistema.

Há uma regularidade nesses usos em palavras que evoluíram diretamente do latim vulgar, enquanto em algumas palavras eruditas e em algumas derivadas, as consoantes surdas permaneceram com a propriedade do não vo-zeamento.

2. MUDANÇA MOTIVADA E FREQUÊNCIA DE USO

As mudanças diacrônicas são motivadas e os falantes introduzem e aceitam essas mu-danças apenas quando se trata de inovações úteis, que tenham funcionalidade, ou utilidade funcional.

A sonorização das consoantes surdas in-tervocálicas pode ser entendida como funcional já que faz com que haja menor dispêndio de esforço para a fala, quando é adaptado o voze-amento das vogais às consoantes, facilitando a ação articulatória. Isso poderia derivar da moti-vação inconsciente do falante em despender menor energia na produção de determinados fones. O falante poderia ter a intenção de des-pender o mínimo de esforço na fala, pois, como diz Haspelmath, os falantes “exercem controle sobre ampla gama de escolhas, que acabam

por levar à mudança” (HASPELMATH, 2002, tradução e adaptação de Freitas e Nobre, 2007)

A conservação do não vozeamento des-sas consoantes em contextos intervocálicos, em algumas palavras eruditas e derivadas, poderia estar relacionada à intenção/motivação incons-ciente do falante em preservar a estrutura clás-sica (um modo de preservar o latim clássico assim como a cultura clássica). A preservação teria, assim, uma utilidade ou funcionalidade dentro da história da língua, além de represen-tar que a menor freqüência ou tempo de uso poderia propiciar essa manutenção.

De acordo com a Fonologia de Uso, no que tange à freqüência de ocorrência, as pala-vras mais frequentes sofrem primeiro as mu-danças foneticamente motivadas.(BYBEE, 2001) Na sonorização das consoantes surdas em am-biente intervocálico, ocorre uma mudança fone-ticamente motivada. O contexto entre as vogais favorece o vozeamento dessas consoantes sur-das mediais em palavras de grande frequência e de aparecimento mais antigo na língua, no que diz respeito à evolução da língua desde o latim vulgar1. Enquanto nas palavras de apare-cimento posterior, ou seja, em épocas diversas posteriores, principalmente a partir do século XIV (TEYSSIER, 2004) isso pode não ocorrer.

Essas mudanças que ocorrem em um sistema lingüístico são facilmente verificáveis e, por outro lado, o mesmo não funciona se só existem mudanças. Um sistema é formado por constâncias e por modificações. Menção feita por Bally a esse respeito se coaduna com tal perspectiva. De acordo com o autor, “as línguas mudam sem cessar e não podem funcionar

1- Latim Vulgar é, segundo Carvalho e Nascimento (1971,

p. 14), “a linguagem do povo que transmite espontne-amente (sic) suas idéias sem a preocupação de sub-meter a fala ao cinzel dos preceitos gramaticais”. É, portanto, a linguagem, o falar latino corrente entre as diversas classes sociais e de qualquer pessoa da soci-edade romana. Em oposição, Latim Clássico é o latim literário, “a língua das escolas ou Academias”.

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senão não mudando” (BALLY apud CLARE, 2007 p. 3)

Talvez, por isso, algumas palavras resis-tam a mudanças que parecem comuns na evo-lução das línguas, como é o caso da sonoriza-ção das consoantes surdas intervocálicas, na evolução do latim ao português.

O que se pode salientar é o fato de ser a língua, enquanto viva2, passível de alterações, de mudanças. Ela tem a capacidade de se refa-zer constante e incessantemente, pois, como Coseriu assevera, ela é um “fazimento” (COSE-RIU, 1979, p. 15). É um processo dinâmico que serve para o propósito da comunicação, ou seja, tem a função de comunicar. Nesse conti-nuum exigido pela comunicação, verifica-se o continuum do se refazer, do se mudar, do se adaptar.

3. PALAVRAS ERUDITAS E PALAVRAS PO-PULARES

As palavras eruditas são termos toma-dos de empréstimo ao latim clássico e por isso mantêm a forma dessa modalidade da língua. Não assumem a evolução encontrada em ou-tras palavras oriundas do latim vulgar. Para Teyssier, palavras eruditas são as “criadas, em todas as épocas, com base no latim e no grego” (2001, p. 24).

Carvalho e Nascimento assim as defi-nem:

São palavras que entraram para o Português trazidas diretamente do Latim Clássico, a partir do século XIV, e princi- palmente no século XVI, com o Renasci- mento. Êsses (sic) vocábulos são os chama-

2 - Carvalho e Nascimento (1071, p. 10) apontam como

língua viva “a que serve de instrumento de comunica-ção entre os indivíduos componentes de uma nação”, em oposição à língua morta “que não mais é falada, mas da qual temos conhecimento através de docu-mentos escritos”, o caso do Latim.

dos latinismos, e, ao passarem para o Portu- guês não sofreram transformações fonéticas, a não ser ligeira acomodação à língua. (1971, p. 95)

Observa-se que Teyssier, Carvalho e Nascimento diferem em suas opiniões sobre a definição exata de palavras eruditas. Enquanto para o primeiro são as que tiveram a base da criação no latim e no grego e foram criadas em todas as épocas, Carvalho e Nascimento as entendem como palavras oriundas do latim clássico, que foram introduzidas a partir do século XIV.

Os termos populares são oriundos do romanço lusitânico, por meio do processo de continuidade lingüística, que favorece as altera-ções fonéticas. Já os termos eruditos são toma-dos da vertente clássica do latim, conservando algumas estruturas originais. Essas palavras são entendidas por Said Ali como “injeções do latim no português” (ALI, 1971)

Isso acontece em larga escala, a partir dos séculos XV e XVI, período em que essas formas tiveram grande entrada na língua em detrimento das formas populares. Era uma é-poca de retomada aos moldes clássicos, de reconstituição erudita.

Teyssier afirma serem as formas popula-res “palavras que se mantiveram vivas desde a época latina, e que constituem o ‘patrimônio hereditário’ da língua” (TEYSSIER, 2001, p. 24). Carvalho e Nascimento as tomam como “as que entraram para o romance em época antiqüíssi-ma e sofreram todas as transformações fonéti-cas próprias da língua popular.” (1971, p. 94)

Como diferenciação entre palavras evo-luídas normalmente do latim vulgar e as que foram introduzidas mais tarde, em épocas di-versas, temos a palavra latina materia, que evoluiu, no português, para a forma erudita matéria e para a forma popular madeira.

É mister notar que na palavra erudita o radical latino se manteve, com a preservação

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da consoante surda, o que não aconteceu com a palavra popular. O mesmo ocorre em duplo, palavra latina que evoluiu para a erudita duplo e para a popular dobro.

4. MUDANÇAS NO SISTEMA

Sobre as mudanças que ocorrem no sis-tema lingüístico, Lucchesi (2004) levanta um questionamento a respeito da natureza de o porquê de um sistema que funciona bem ter a necessidade de mudar. Segundo o autor, para que se responda a isso deve-se atentar

Para as relações que a língua man- tém com a sociedade, ou para fatores fisio- lógicos envolvidos na fonação e na percep- ção dos sons vocais, ou ainda para tendên- cias inerciais que são postuladas em níveis imponderáveis da estruturação histórica das línguas. (LUCCHESI, 2004, p. 15)

Como já mencionado, a língua viva não é estática. Ela está em constante processo de transformação e, por isso, muitas vezes, sofre mudança no seu sistema.

Entre os fatores apontados por Lucchesi como possíveis responsáveis pelas mudanças ocorridas no sistema de uma língua, pode-se destacar, no estudo aqui desenvolvido, os fato-res “fisiológicos envolvidos na fonação e na percepção dos sons”. É viável dizer que o falan-te realiza a assimilação de características dos sons vizinhos à consoante surda (as vogais) e acaba por reproduzir nestas propriedades da vizinhança, mudando, assim, o sistema lingüís-tico.

Conforme reflexões de Martelotta, Votre e Cezario (1996), a gramática de uma língua natural está sujeita a mudanças, pois não é estática e acabada. Existem, na gramática, vista sobre o prisma sincrônico, “padrões regulares, rígidos, e padrões que não são completamente fixos, mas fluidos” (1996, p. 11). Esses afirmam ser a gramática, enquanto sistema, autônoma, mas concomitantemente adaptativa, já que responde a pressões externas ao sistema. Seria

o caso de relacionar a motivação do falante pelo menor esforço, quando da produção dos sons, como uma forma de pressão externa.

Essa noção de gramática apresentada é a mesma que compartilham linguistas como Hopper, Dubois, Givón, Thompson e outros. (MARTELOTTA, VOTRE e CEZARIO, 1996)

A gramática é, desse modo, um sistema de regularidades que resultam das pressões de uso. A freqüência de uso de determinado item gramatical não regular o transforma em regu-lar, fazendo que se torne parte do sistema.

4.1 MOTIVAÇÃO

O desenvolvimento de novas estruturas decorre da motivação. O falante seria, portanto, motivado por algumas necessidades. Para Votre (1996, p. 27)

(...) os usuários vêm sendo concebidos como criadores, continuadores, atores, transforma- dores das estruturas, dos itens e dos proces- sos que se verificam nas línguas, e, enfim, como responsáveis pelo estado e forma da língua, em cada momento que se lhe aborde a estrutura e o funcionamento.

De acordo com o entendimento desse autor (1996), esse ângulo do estudo esbarra nas propriedades cognitivas dos usuários da língua, nas potencialidades e restrições de uso e também na busca de “princípios universais que conformam a produção e recepção lingüís-tica, que mostram como a língua opera” (1996, p. 27)

Segundo Votre, Cezario e Martelotta (2004), na base das mudanças que ocorrem na estrutura da língua, estão forças de natureza cognitiva, atualizadas pelo uso, que agem de forma atemporal, fazendo com que determina-das características e peculiaridades linguísticas permaneçam constantes.

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5. A SONORIZAÇÃO OU NÃO EM PALA-VRAS NOVAS

A sonorização das consoantes surdas in-tervocálicas seria, então, um exemplo de que a língua está em constante mutação, propiciando que tenham hoje construções com respaldo na diacronia. Por outro lado, algumas palavras eruditas e derivadas introduzidas em épocas distintas na língua, como a grande retomada na Renascença de termos eruditos, não participa-riam desse processo.

A língua está permanentemente em pro-cesso de mutação, transformando-se, enrique-cendo-se, ou seja, evoluindo. O processo de formação de palavras é um fator altamente dinâmico. A todo momento palavras são modifi-cadas, transformadas e também palavras são inseridas de variadas maneiras no léxico. O conteúdo lexical da língua portuguesa é forma-do em grande parte de palavras evoluídas do latim, além de acréscimos de outras origens, como os estrangeirismos, e de palavras forma-das na própria língua.

A derivação e a composição são pro-cessos de formação de palavras dentro da lín-gua que ampliam, largamente, o vocabulário. Na composição, uma palavra nova é formada pela junção de dois ou mais radicais. Segundo Kehdi, “ A composição ocorre quando dois ou mais radicais se combinam” (KEHDI, 1999 p. 7) Ex.: amor-perfeito.

A derivação é um processo segundo o qual um vocábulo é formado de apenas um radical, ao qual são anexados afixos (prefixos e sufixos). Exs.: in+feliz = infeliz; feliz+mente = felizmente. De acordo com Cunha, as palavras derivadas são “as que se formam de outras palavras da língua, mediante o acréscimo ao seu radical de um prefixo ou um sufixo” (CU-NHA, 1970 p.58).

Prefixo é o acréscimo antes do radical da palavra. Sufixo é a junção após o radical da palavra. Em relação à derivação sufixal, segun-do Cunha (1970), através dela, se formaram e, ainda se formam novos substantivos, adjetivos, verbos e até mesmo advérbios.

Os sufixos podem ser classificados em sufixo nominal, quando se junta a um radical para formar um substantivo ou um adjetivo (pont-inha, pont-udo); em verbal quando dá origem a um verbo (anoit-ecer); e adverbial, quando o sufixo –mente se junta a um adjetivo (bondosa-mente).

No que diz respeito à formação vernácu-la do léxico português, a derivação é também um processo em que se pode observar a manu-tenção de formas do latim clássico.

No quadro a seguir, estão exemplos em que a palavra latina evoluiu para a palavra em português, apresentando a sonorização das consoantes surdas intervocálicas, mas algumas derivadas preservaram o radical latino, man-tendo o traço surdo da consoante medial.

L A T I M

P O R T U G U Ê S / P R I M I T I V AC O M S O N O R I Z A Ç Ã O

P O R T U G U Ê S / D E R I V A D A

M A N T É M O T R A Ç O S U R D O

A P IC U L A

L A T U

M A R IT U

M U T A R E

N A T A R E

R O T A

V IT A

A B E L H A

L A D O

M A R ID O

M U D A R

N A D A R

R O D A

V ID A

A P IC U LT U R A

L A T E R A L

M A R IT A L

M U T Á V E L

N A T A Ç Ã O

R O T A T Ó R IO

V IT A L

Q U A D R O I

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Uma questão se torna latente nessa in-vestigação: a manutenção da forma latina em algumas palavras eruditas e em alguns termos derivados, no caso das consoantes intervocáli-cas, pode se dever ao fato de serem eles tardi-amente (a partir do século XIV, no caso das eruditas) introduzidos no léxico português e, portanto, de uso mais recente.

É importante salientar que o Português é uma língua românica, assim como outras lín-guas (espanhol, francês, italiano, romeno etc.) e, portanto, vem do Latim. Contudo, as pala-vras não foram introduzidas ao mesmo tempo. As palavras utilizadas amplamente pelo povo – as populares – têm longa tradição e são as que mais sofreram mudanças. Algumas que não se modificaram, ou não se adaptaram às leis foné-ticas, são tardias, portanto de uso menor (no tempo) em relação às outras.

5.1. O USO NO GRAU SUPERLATIVO

No que diz respeito à derivação sufixal, os adjetivos, através do grau superlativo, po-dem ter a significação ampliada, ao se acres-centar um sufixo. Existe, por exemplo, o grau superlativo absoluto sintético (CUNHA,1970), que é expresso por uma só palavra, formada de um adjetivo mais um sufixo. O superlativo, por princípio, encarece a significação do adjetivo, mas não se pode deixar de perceber o surgi-mento de um outro vocábulo quando do acrés-cimo do sufixo. Pode-se, assim, dizer que há a formação de uma palavra com significação um pouco diferente, isto é, ampliada no significado, portanto, diversa, em grau diferente, derivada do adjetivo primitivo.

O superlativo de alguns adjetivos, que com a evolução da língua sonorizaram a conso-ante surda intervocálica presente na forma lati-na, apresenta a retomada do radical latino, preservando o traço surdo dessa consoante. Na verdade, esses adjetivos superlativos foram introduzidos, conforme Coutinho (1970), so-

mente no século XVI, sendo a forma com con-soante inserida de forma artificial. Isso aponta para a reflexão de que alguns termos com me-nos tempo de uso na língua não sofrem alguns fenômenos de mudança que outros, inseridos séculos antes – ou com maior tempo de uso – apresentam.

O quadro a seguir apresenta alguns e-xemplos dessa ocorrência:

L AT I MP O R T U G U Ê S

( GR AU NOR MAL )P O R T U G U Ê S

(GRAU SUPERLATI VO)

A M I C U S

A N T I Q U U S

M A C E R

P A U P E R

S A C E R

S A P I E N S

S U P E R B U S

A M I G O

A N T I G O

M A G R O

P O B R E

S A G R A D O

S Á B I O

S O B E R B O

A M I C Í S S I M O

A N T I Q U Í S S I M O

M A C É R R I M O

P A U P É R R I M O

S A C R A T Í S S I M O

S A P I E N T Í S S I M O

S U P E R B Í S S I M O

QUADRO II

Contudo, no uso, muitas vezes é encon-trada, ao contrário, uma forma de superlativo que preserva a sonorização da consoante surda intervocálica da forma primitiva vernácula. Duas formas de superlativo, então, convivem: uma com a retomada do radical latino, apresentando a consoante ainda com traço surdo (paupérri-mo); e outra com presença da sonorização e-xistente na palavra primitiva portuguesa (po-bríssimo).

A preferência ou escolha de uma das formas estaria relacionada à preferência de uso ligada à intenção de erudição – na forma que mantém o radical latino – ou à intenção de uso mais descontraído, popular – na forma com traço de sonorização. O uso erudito seria prefe-rido em contextos mais formais, enquanto o uso popular figuraria nos mais informais.

Adiante encontram-se exemplos dos dois tipos de uso em alguns superlativos:

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CONCLUSÃO

No caso de algumas palavras eruditas e de algumas outras derivadas que não apresen-tam tal sonorização esperada, o motivo poderia ser, como já referido, a introdução tardia des-sas palavras no sistema da Língua Portuguesa (após o século XIV, com mais intensidade, no caso das eruditas) e/ou a baixa freqüência de uso. Parece provável que a escolha feita pelo falante, influenciado pela motivação inconscien-

te, ora de facilidade na produção dos sons – ou economia de esforços; ora de desejo de erudi-ção, com a retomada de radicais latinos, nos quais a consoante ainda era surda. Nesse últi-mo caso, vale lembrar a questão da introdução, na Renascença, de grande quantidade de pala-vras eruditas com o intuito de retomar os mol-des clássicos e, até mesmo, de mostrar erudi-ção através dessa retomada.

No caso da preservação da sonoridade presente na palavra portuguesa primitiva, como acontece em alguns superlativos, esse uso po-de ser preferido pela economia de esforço na produção do som ou pelo fato de se tratar de uma forma mais descontraída, propícia a de-terminados contextos informais. Além disso, é bom lembrar que nem todos os falantes têm acesso à forma erudita, estando expostos ape-nas ao uso popular.Ω

Referências Bibliográficas

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AAAA LITERATURA A SERVIÇO DO PRECONCEITO RACIAL: LITERATURA A SERVIÇO DO PRECONCEITO RACIAL: LITERATURA A SERVIÇO DO PRECONCEITO RACIAL: LITERATURA A SERVIÇO DO PRECONCEITO RACIAL: O PRESIDENTE NEGROO PRESIDENTE NEGROO PRESIDENTE NEGROO PRESIDENTE NEGRO, DE MONTEIRO LOBATO, DE MONTEIRO LOBATO, DE MONTEIRO LOBATO, DE MONTEIRO LOBATO

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Doutor em Literatura Comparada (UFRJ). Mestre em Literaturas de Língua Inglesa (UERJ). Professor de Literaturas de Língua Inglesa da UNIABEU, da UFRJ e do ISAT.

A polícia era o grande terror daquela gente, porque, sempre que penetrava em qualquer estalagem, havia grande estrupício: à capa de evitar e punir o jogo e a bebedeira, os urbanos invadiam os quartos, quebravam o que lá es-tava, punham tudo em polvorosa. Era uma questão de ódio velho.

Aluísio Azevedo (O cortiço)

RESUMO - Este trabalho analisa a expressão da vertente romanesca da literatura fantástica conhecida como Ficção Científica dentro do cenário da Literatura Brasileira durante o período da República Velha (1889-1930) como um instrumento ideológico das elites contra a população afro-brasileira. Assim como ocorrera na Europa, as grandes questões dos perío-dos do entre guerras promoveram as condições para o surgimento da Ficção Científica no Brasil. Em nosso país, essa forma literária se apresentou através da Literatura de Distopia. No Brasil, a Literatura de Distopia refletiu o interesse das elites dirigentes com as teorias eugenistas da época e com a constituição miscigenada do povo brasileiro.

Palavras-chave: Literatura Comparada; Literatura Brasileira; Ficção Científica.

ABSTRACT - This work focuses on the rise and expression of the form of fantastic literature known as Science Fiction in the setting of Brazilian Literature during the period of the Old Republic (1889-1930) as an ideological instrument of the elites against the Afro-Brazilian population. As it was observed in relation to Europe, the context of the period be-tween the two World Wars provided the conditions for the appearance of Science Fiction in Brazil. In this country, this literary form was expressed through the Dystopian Literature. In Brazil, Dystopian Literature reflected the interest of Brazilian elites about the eugenic theo-ries of the time and about miscegenation as a crucial element in the constitution of the coun-try’s people.

Keywords: Comparative Literature; Brazilian Literature; Science Fiction.

INTRODUÇÃO

STE estudo pretende analisar como a Ficção Científica (FC) se manifestou dentro do cenário da literatura brasileira nas primeiras décadas do século XX, mais especificamente durante o período histórico conhecido como a República Velha

(1889-1930), como um veículo ideológico das elites contra a população afro-brasileira. De fato, como o trabalho irá mostrar, a ficção científica brasileira teve nesse momento duas fases distintas: a primeira, desenvolvida no período cultural conhecido como a Belle Époque

E

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(1898-1914), reflete a influência das idéias eu-ropéias, e em especial francesas e britânicas, sobre a sociedade carioca da época nas esferas sociais, científicas e artísticas. Nessa fase se pôde observar a presença de uma ficção cientí-fica alicerçada em suas raízes góticas, gerando assim uma vertente chamada de Ciência Gótica1 e exemplificada na obra de escritores como Coelho Neto e João do Rio.

A segunda fase da ficção científica no Brasil do começo do século XX, e que será de-talhada neste texto, ficou restrita ao período do entre guerras da República Velha (1914-1930) e foi marcada pelas tensões, angústias e deba-tes do período entre guerras que promoveram a ascensão de regimes totalitários. Assim como na literatura da Inglaterra da época, esse am-biente fomentou no Brasil a definitiva suplanta-ção da literatura de distopia em detrimento das utopias literárias. Neste cenário nenhum escri-tor brasileiro foi mais representativo da ideolo-gia excludente das elites brasileiras da época que Monteiro Lobato. A fim de demonstrar esta proposta, este artigo irá analisar o romance O Presidente negro, ou O choque das raças (1926).

O desenvolvimento da questão proposta neste projeto procurará demonstrar a maneira como esta forma literária, considerada aqui como uma das vertentes do Fantástico, se inse-riu no cenário da literatura européia e norte-americana, as circunstâncias que promoveram o aparecimento da ficção científica no Brasil, e as particularidades temáticas da FC brasileira em comparação com o modelo estrangeiro.

1 Para Bráulio Tavares, “Na ciência gótica, a parafernália tecnológica e a pseudo-racionalização materialista estão a serviço de situações bizarras, grotescas, impressionantes” (TAVARES, 2003, p.15). O exemplo clássico dessa for-ma literária, como aponta o crítico, é o romance Fran-

kenstein (1818), da escritora inglesa Mary Shelley por representar um divisor de águas na Literatura Gótica ao apresentar a ciência como um elemento causador da mesma angústia e inquietação antes exclusivamente gera-da pelo sobrenatural.

Quando e como a Belle Époque chegou ao fim? Quando e como o entusiasmo e a espe-rança no poder do progresso e do racionalismo herdado do século XIX perderam a sua força para dar lugar ao desencanto e ao desespero? Um prenúncio do fim ocorreria em 1912 quando o super-transatlântico Titanic, um marco da tecnologia de seu tempo, naufragou nas águas do Atlântico Norte em sua viagem de inaugura-ção, matando mil quinhentas e vinte e três pes-soas a bordo. O navio que, “mesmo Deus não poderia afundar” (DAPIEVE, 1999, p.122), co-mo teria dito um marinheiro da embarcação a um passageiro, não durou cinco dias no mar, afundando em duas horas e quarenta minutos. A fé na ciência divina afundaria com o colosso de aço. Mas, certamente seria com o advento da Primeira Guerra Mundial (1914-1918) que a crença depositada no pensamento científico pelo homem da Belle Époque como instrumen-to para o desenvolvimento da humanidade so-freria um golpe definitivo.

Antes da Primeira Guerra Mundial, o úl-timo grande conflito armado a envolver as prin-cipais nações da Europa e das Américas havia sido as Guerras Napoleônicas, ainda no início do século XIX. Era uma guerra travada com soldados elegantemente vestidos portando bai-onetas e manuseando canhões puxados a cava-lo. As gerações seguintes guardariam uma vi-são romântica deste período como uma época em que os jovens foram para a batalha defen-der bravamente o seu país para logo depois voltarem honrados aos braços de seus entes queridos. Essa concepção de guerra ajuda a entender o impacto que a Primeira Grande Guerra deixaria na mente das gerações futuras.

É difícil, hoje, entender o entusiasmo com que as declarações de guerra foram rece-bidas pelas populações dos países envolvidos: milhares se apresentaram como voluntários. Conforme afirmou Proença Junior em seu artigo “Nas trincheiras sangrentas, a inocência mor-reu” (1999), houve manifestações patrióticas entusiasmadas de todos os setores das socie-

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dades das nações em guerra. Esse entusiasmo ingênuo via o acontecimento como um momen-to glorioso, um recurso necessário para o en-grandecimento das nações. A expectativa dos jovens combatentes e dos generais era de que a guerra terminasse, gloriosa e favorável, antes do final de 1914. Nada os preparara, porém, para o horror causado pela utilização de um elemento inédito em conflitos armados até en-tão: a Ciência.

A Primeira Guerra Mundial foi o primeiro momento na história da humanidade em que os produtos do pensamento científico foram utili-zados com o propósito específico de liquidar vidas humanas. O submarino, a metralhadora, os lança-chamas, os projéteis explosivos e o avião foram algumas das inovações tecnológi-cas que estrearam como armas de guerra em 1914. O resultado disso foi o traumático fim da Belle Époque, que enterrou o sonho de que o Progresso só podia ser bom, junto com um sal-do de dez milhões de mortos, vitimas da guer-ra. O suicídio de Santos Dumont em 1932, mo-tivado pela depressão iniciada ao testemunhar o seu invento sendo usado como arma de des-truição no conflito, é um emblema deste fato.

O fim da guerra em 1918, todavia, não trouxe a paz duradoura esperada. A assinatura do Tratado de Versalhes no qual se impuseram duras penas à Alemanha, o colapso econômico provocado pelo pós-guerra em muitos países e a Revolução Russa de 1917 fomentaram um ambiente de medos, angústias e ressentimen-tos que contribuiu para agravar profundamente os problemas sociais. Temendo a ameaça ao seu controle, as elites econômicas revelaram-se favoráveis à formação de governos autoritários que pudessem recompor a ordem social sem questionamento do funcionamento do capita-lismo. Essas idéias políticas abriram espaço para o avanço dos regimes totalitários que leva-riam o mundo à Segunda Guerra Mundial. O fascismo na Itália e o nazismo na Alemanha estão entre os exemplos mais significativos destes regimes.

No Brasil, o processo que culminaria na chegada de Getúlio Vargas ao poder, dando início ao autoritarismo da Era Vargas (1930-1945), ganhou impulso ao fim da Primeira Grande Guerra, quando a depressão econômica que se seguiu provocou a percepção de que a República Velha e sua política do café-com-leite havia esgotado as expectativas que nortearam a sua fundação com a proclamação da Repúbli-ca em 1889. Sinais disso ocorriam em todo o território nacional, como a eclosão de várias greves operárias pelo país a partir de 1916, a fundação do Partido Comunista Brasileiro em 1922, a questão do Nordeste marginalizado nos fenômenos do cangaço e do Padre Cícero e a marcha da Coluna Prestes em 1925. Para os intelectuais da época, chegara o momento de “explicar o Brasil” a fim de se buscar alternati-vas para a realização de novos ideais. Desta proposta são as obras de Paulo Prado, Sérgio Buarque de Holanda e Caio Prado Júnior dentre outros. Oliveira Viana e Azevedo Amaral, dois dos principais ideólogos do pensamento autori-tário brasileiro, como lembra Boris Fausto em O pensamento nacionalista autoritário (2001), inserem-se também nesta moldura. É importan-te ressaltar que no caso brasileiro, diferente-mente do observado na Europa, este traço au-toritário na política já encontrava seu berço, como assinala J. M. de Carvalho em Os bestiali-zados: o Rio de Janeiro e a república que não foi (1987), bem antes da eclosão da grande guerra em 1914, com as históricas práticas oli-gárquicas exemplificadas na fraude eleitoral, a escassa participação política da população e o controle do país pelos grandes estados que enfraqueciam o poder da União.

Um ponto em comum entre os ideólogos do autoritarismo no Brasil e na Europa é a utili-zação do discurso científico para justificar e validar idéias sobre a posição inferior das ca-madas populares em relação à elite. Vejam-se as palavras de Fausto a esse respeito:

Pensadores como Oliveira Viana e Azevedo Amaral trataram de desvendar,

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com base nas ciências humanas, as razões da existência no Brasil de um povo, mas não de uma nação, buscando definir, a partir desse diagnóstico, os caminhos para a construção nacional. (FAUSTO, 2001, p. 19).

A grande presença de negros e mestiços na população brasileira também despertava comentários negativos entre os observadores estrangeiros, como comenta J. M. de Carvalho. Para o representante inglês eles eram “dregs” (“escória”), para o francês, a “foule” e para o português, a “escuma social”.

Como se vê, portanto, ao tentar encon-trar respostas para o atraso econômico e cultu-ral do país em relação à Europa, pensadores nacionais e estrangeiros se voltaram para a análise da sociedade brasileira e viram na cons-tituição do povo um dos fatores que impediam o desenvolvimento nacional. A epígrafe de O cortiço (1890), de Aluísio Azevedo, que abre este artigo, exemplifica bem este relacionamen-to conturbado entre a ideologia dominante e o povo. Como Jeffrey D. Needell atesta sobre o modo de pensar da elite governante do Brasil nas primeiras décadas do século XX:

Com freqüência a elite percebia o

Brasil de forma semelhante aos coloni-zadores europeus da época, que em ou-tras partes do mundo viam as colônias propriamente ditas como uma área de ri-quezas potenciais, cuja exploração era dificultada pela presença de raças e cul-turas inferiores (NEEDELL , 1987, p.50, tradução nossa).

A postura da elite dominante do Brasil, ao refletir uma mentalidade neocolonial ou im-perialista ao longo de toda a República Velha, evidenciava a presença de um “Darwinismo social”. Este conceito, exemplificado na idéia da “sobrevivência do mais capaz”, foi criado na Inglaterra na segunda metade do século XIX pelo filosofo inglês Herbert Spencer e tentava justificar os atos de uma classe social sobre a

outra através de uma pretensa superioridade.2 Aqui é fundamental esclarecer que o próprio Darwin não era um darwinista social, preferindo acentuar a cooperação entre as sociedades humanas como o fator primordial da sobrevi-vência. O pai da Teoria da Evolução, no entan-to, esteve diretamente ligado à outra idéia de cunho pseudo-científico com forte presença na ideologia corrente do mundo entre guerras, que veio a exercer papel chave na ficção científica da Europa, dos Estados Unidos e do Brasil de então: a eugenia. Um conjunto de idéias pseu-do-científicas que encontraram em O Presidente Negro um espaço de divulgação.

Desde a sua publicação em 1926 em folhetins no jornal carioca A Manhã, o romance científico de Lobato vem sendo o pomo da dis-córdia entre os críticos literários que se pro-põem abordá-lo tendo em vista a polêmica ra-cial que o cerca. Dentre aqueles favoráveis ao escritor, duas posturas são observadas: a pri-meira, exemplificada por Edgar Cavalheiro, ten-ta amenizar a relevância do livro, considerando-o uma obra menor pelo fato de que Lobato não teria tido tempo para trabalhar em sua estrutu-ra devido à viagem à América do Norte: “Não chega a ser um grande romance. Lobato escre-veu-o às pressas, em três semanas” (CAVA-LHEIRO, 1962, p. 36). A segunda postura, que também envolve o tratamento dado à persona-gem Tia Nastácia da série do Sítio do Pica-pau Amarelo, procura justificar o preconceito de Lobato, contextualizando-o dentro do pensa-mento dominante na época da publicação das obras. Sobre esse ponto, Nelly Novaes Coelho comenta:

Aos [sic] que chamaram Lobato de racista, por criar essa personagem preta e ig-

2 O Darwinismo Social é a tese de que a evolução social e a história social são governadas pelos mesmos princípios que governam a evolução das espécies na Natureza, de modo que conflitos entre e dentro das culturas se consti-tuem numa luta pela existência que é o motor do progres-so. (CAUSO, 2003, p.137).

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norante, não perceberam que dentro de seu

universo literário não há preconceito racial nenhum, pois Tia Nastácia é respeitada e querida por todos. E que, tirando-a do uni-verso real onde a conheceu, ele estava sendo apenas realista (COELHO, 1997, p. 127).

Um argumento que enfraquece a posi-ção tanto de Edgar Cavalheiro sobre a falta de tempo de Lobato para desenvolver o enredo do livro quanto de Nelly Novaes Coelho sobre a postura do escritor para com a raça negra é a constatação de que em 1945 - quase vinte anos depois de sua primeira publicação - O Presiden-te negro foi reeditado em plena maturidade e com anuência do autor, sem nenhuma altera-ção. Portanto, ao contrário do Jeca Tatu que foi “redimido” por Lobato, o negro continuou sen-do visto como um entrave ao pleno desenvol-vimento social do país. Por esta razão, visto o impacto do pensamento de Monteiro Lobato sobre o momento histórico-literário do Brasil de entre guerras, a ficção distópica de O Presiden-te negro se apresenta como um representativo retrato não apenas da ficção científica praticada nas primeiras décadas do século XX no país, mas também da crença vigente nele e na Euro-pa sobre o papel do pensamento científico na solução dos problemas da sociedade.

O romance de Monteiro Lobato se estru-tura em dois planos: no primeiro o leitor é pos-to frente à narrativa do protagonista Ayrton sobre o seu enfadonho emprego como contador na firma Sá, Pato & Cia e à descrição da sua ânsia em adquirir um automóvel Ford. Após um acidente de trânsito em que destrói o carro, o personagem é resgatado pelo professor Benson e é convidado a testemunhar os experimentos do cientista enquanto recupera a sua saúde. Neste ínterim, Ayrton se apaixona pela filha de Benson – Miss Jane – e passa a tentar fazer com que a jovem perceba os seus sentimentos em relação a ela. Já no segundo plano, Lobato retrata uma América onde, após a vitória ines-perada de um candidato negro à Presidência, um cientista cria um produto que estira o cabe-

lo crespo da população negra, visto que, se-gundo o seu criador, o maior sonho desta é ter o cabelo liso. O que os negros não sabem, po-rém, é que este procedimento também os deixa estéreis, se constituindo assim como uma estra-tégia para a extinção desta raça em poucas gerações.

Os elementos que levaram O Presidente negro a ser considerado, na expressão de Faus-to Cunha, “um precursor indesejável” (CUNHA, 1974, p. 7) da ficção científica brasileira, devido ao seu teor elitista, excludente e racista, estão presentes desde o início do enredo, ambientado no período do entre guerras. Um exemplo disso está expresso pelo desejo do personagem Ayr-ton de possuir um automóvel. Mais do que um simples bem material, o automóvel é para Ayr-ton um meio de acesso para um admirável mundo novo, um passaporte para outro nível social, outra casta:

Ora, na rua eu via a humanidade dividida em duas castas, pedestres e ro-dantes, como os batizei aos homens co-muns e aos que circulavam sobre quatro pneus. O pedestre, casta em que nasci e em que vivi até aos 26 anos, era um ser inquieto, de pouco rendimento, forçado a [...] operar prodígios para não ser amar-rotado pelo orgulhoso e impassível ro-dante, o homem superior que não anda, mas desliza veloz.(LOBATO, 1966, p. 131-132) 3

Não se pode deixar de notar aqui a se-melhança entre o romance de Lobato e A Má-quina do Tempo, de H. G. Wells, no que se refere ao papel dos produtos do progresso na constituição do tecido social. Neste romance de 1895, a viagem ao futuro de um cientista vitori-ano revela a divisão da humanidade em duas

3 Citações subseqüentes pertencem a esta edição e serão

identificadas no texto pelo número da página.

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raças distintas: os pacíficos e passivos morado-res da superfície chamados de Elóis e os selva-gens canibais habitantes do subsolo de nome Morlocks. A representação destes dois lados do homem foi considerada uma clara crítica do escritor inglês aos rumos da Revolução Indus-trial e o que poderia acontecer com o proletari-ado (os Morlocks) caso continuassem a serem excluídos e explorados pelas classes mais abas-tadas (os Elóis). A influência das teorias de Darwin também está presente no retrato dos Elóis e dos Morlocks como resultado da evolu-ção de seus ambientes. Este princípio científico foi deturpado pelas classes dirigentes na Euro-pa e no Brasil para igualar pobreza a marginali-dade. As semelhanças entre Lobato e Wells, contudo, não param por aí.

Escrito originalmente em 1926 para o rodapé da revista A Manhã de Mário Rodrigues, O Presidente negro ou O choque das raças (romance americano do ano 2228) apresenta em sua segunda edição, de 1945, um prefácio bastante elucidativo da ideologia que estrutura o seu enredo. Conforme afirmam os editores do livro:

[...] [o romance] encerra um qua-dro do que realmente seria o mundo de amanhã, se fosse Lobato o reformador – e em muitos pontos havemos de concor-dar que sob aparências brincalhonas bri-lha um pensamento de grande penetração psicológica e social. O conserto do mun-do pela eugenia, [...] Como H. G. Wells, Monteiro Lobato talvez não tenha ima-ginado coisas, e sim apenas antecipado coisas (p. 125).

Monteiro Lobato e H. G. Wells comparti-lharam do mesmo zeitgeist ao elaborarem en-redos onde a ciência era aplicada como um instrumento de intervenção direta na organiza-ção da sociedade. No caso especifico de O Pre-sidente negro esse dialogo entre a ficção cientí-fica britânica e a brasileira se torna mais estrei-

to devido ao envolvimento dos dois escritores no debate das grandes questões sociais do seu tempo.

O romance ganha um novo impulso quando Ayrton sofre o acidente de carro duran-te um passeio em alta velocidade na serra de Friburgo, no Rio de Janeiro. Ao acordar no cas-telo do professor Benson, Ayrton (e o leitor) é exposto a uma longa e complicada explanação ministrada pelo cientista. Toda essa seção do romance tem o propósito de explicar a Ayrton o princípio da maior invenção do professor Ben-son: o “porviroscópio”. Ou seja, é uma máquina que, como o nome indica, tem a capacidade de oferecer uma janela de visão de eventos futu-ros.

Na explicação sobre os limites temporais da máquina, Jane comenta a perplexidade sen-tida por ela e o pai ao constatarem que a po-pulação da França do ano 3527 apresentava sinais evidentes de mongolismo: “Tinham-se derramado pela Europa os mongóis e se substi-tuído á raça branca” (p. 173). Diante do horror de Ayrton tentando entender as razões dessa realidade, Jane comenta: “O amarelo vencerá o branco europeu por dois motivos muito sim-ples: come menos e prolifera mais. Só se salva-rá da absorção o branco da América” (p. 174). Percebe-se no comentário da personagem de Lobato o preconceito racial contra o imigrante de origem diferente da pretensa “raça branca”. Essa postura de cunho eugenista encontrou eco de forma especifica na América Latina onde o desejo de transformação racial esteve direta-mente ligado à formação das identidades na-cionais e ao desejo de mudar a visão negativa de europeus sobre a realidade racial da região. No Brasil em particular a miscigenação da po-pulação foi combatida, conforme afirma Pietra Diwan em Raça pura: uma história da eugenia no Brasil e no mundo (2007), como uma ques-tão de deterioração racial contra a qual projetos de branqueamento do povo brasileiro foram colocados em prática através do incentivo à entrada no Brasil de imigrantes europeus.

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A ressalva feita por Miss Jane de que “Só se salvará da absorção o branco da Améri-ca” abre espaço para a análise da sociedade norte-americana, razão principal do romance. O fascínio que os Estados Unidos exercem sobre Ayrton (e Monteiro Lobato) leva a filha de Ben-son a convidá-lo a escrever um romance a par-tir dos eventos que serão mostrados. O narra-dor fica entusiasmado com a proposta e revela como irá desenvolver este projeto: “Será ro-mance como os de Wells, porém verdadeiro, o que lhe requintará o sabor. Quanta novidade!” (p. 183). Este elemento meta-ficcional não dei-xa dúvidas sobre a leitura de obras de H. G. Wells feita por Monteiro Lobato, em especial a dos romances Uma Utopia Moderna e História dos tempos futuros. Esta afirmação se confirma na descrição da sociedade norte-americana do futuro na qual se constata a presença de dife-rentes elementos originários das ficções distó-picas wellsianas e que se tornaram convenções da Literatura de Distopia. Uma delas é a ênfase na organização racionalista da sociedade cujas raízes remontam à República de Platão.

Outra face das ficções distópicas presen-te na narrativa de Lobato é a menção a um espaço isolado da cidade onde os habitantes podem desfrutar de uma aparente liberdade da sociedade opressora. Dessa forma, em Admirá-vel Mundo Novo, o Estado Mundial se opõe à Reserva Selvagem, enquanto em Mil Novecen-tos e Oitenta e Quatro o estado totalitário da Oceania é justaposto com o escape oferecido pelo interior pastoral, um local de liberdade anárquica. Na América do Norte de Lobato, esse locus é representado pela cidade de Ero-polis, assim descrita por Jane: “Uma cidade das Mil e Uma Noites [...] exclusivamente dedicada ao Amor. Para lá iam os enamorados, os casa-dos em lua de mel, nela só permanecendo du-rante o período da ebriedade amorosa” (p. 245). Sobre esses espaços é interessante per-ceber que, assim como o observado nas obras de Huxley e Orwell, o desenho arquitetônico de Eropolis se contrapõe ao padrão geométrico do

resto da América do Norte. Essa caracterização do espaço urbano também foi um elemento de crítica para os escritores de distopias. Conforme refletido nos cidadãos de Nós, Admirável Mundo Novo e Mil Novecentos e Oitenta e Quatro, a vertiginosa altura das construções das cidades das distopias encolhia, segundo Baker, o indiví-duo ao mesmo tempo em que os padrões geo-métricos ordenados dessas influenciavam em maior ou menor grau seu comportamento a favor da razão e da ordem. Por esta razão, Ja-ne ressalta que: “Em vez de ruas geométricas, meandros irregulares, /.../ Tudo fora planejado em Eropolis como intento de dar às criaturas as mais finas sensações estéticas,” (p. 246).

Todavia, como destaca Tom Moylan, o ponto principal que caracteriza uma distopia é a opressão do indivíduo pela sociedade através de mecanismos de controle e coerção. Neste aspecto, o romance de Monteiro Lobato tem no choque das raças mencionado no seu subtítulo os elementos constituintes da relação opressor x oprimido. Esse cenário começa a ser delinea-do na narrativa por Miss Jane quando esta questiona Ayrton sobre a tensão existente entre brancos e negros no Brasil e nos Estados Uni-dos. Diante da resposta do contador de que o Brasil foi mais pragmático por promover a mis-cigenação entre as raças como solução para o desaparecimento dos negros, a cientista retru-ca:

A nossa solução foi medíocre. Estragou as duas raças, fundindo-as. O negro perdeu as suas admiráveis qualidades físicas de selva-gem e o branco sofreu a inevitável peora de caráter, conseqüente a todos os cruzamentos entre raças dispares. Caráter racial é uma cristalização que ás lentas se vai operando através dos séculos. O cruzamento perturba essa cristalização (p. 206).

A crítica de Jane à miscigenação deixa entrever que o projeto social de Monteiro Loba-to em O Presidente negro refletia a persistente influência no Brasil da República Velha das teo-

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rias degeneracionistas européias do século XIX que criticavam a mistura de raças da América Latina. Como destaca Diwan: “Apesar do para-doxo racial, implantar a eugenia no Brasil era visto por cientistas e intelectuais do período como um caminho para elevar um país povoado por uma legião de jecas” (DIWAN, 2007, p. 80). Essa crença no poder da ciência como instru-mento de purificação da sociedade brasileira encontraria seu defensor maior na figura do médico Renato Kehl, que em 1918, como nos informa Waldir Stefano em “Relações entre eugenia e genética mendeliana no Brasil” (2004), introduz oficialmente a eugenia no país com a fundação da Sociedade Eugênica de São Paulo, inicialmente contando com cento e qua-renta associados, dentre os quais estavam o fundador da Faculdade de Medicina de São Paulo, Arnaldo Vieira de Carvalho, o sanitarista Arthur Neiva, o psiquiatra Franco da Rocha e o educador Fernando de Azevedo. Posteriormente Kehl se mudou para o Rio onde fundou em 1920 a Liga Brasileira de Higiene Mental, cujo intuito era combater, segundo cita Diwan, os “fatores comprometedores da higiene da raça e a vitalidade da Nação”. Miguel Couto, presiden-te da Faculdade Nacional de Medicina do Rio de Janeiro, Carlos Chagas, diretor do Instituto Os-waldo Cruz, e Edgar Roquette-Pinto, diretor do Museu Nacional, estavam entre os mais de cen-to e vinte associados da Liga. Como parte desta mesma elite paulista e carioca, como se posi-cionou Lobato? Com a palavra o próprio escritor em carta ao amigo médico Renato Kehl:

Renato, tu és o pai da eugenia no Brasil e a ti devia eu dedicar meu Choque, grito de guerra pró-eugenia. Vejo que errei não te pondo lá no frontispício, mas perdoai a este estropeado amigo. [...] Precisamos lançar, vulgarizar estas idéias. A humanidade preci-sa de uma coisa só: poda. É como a vinha. Lobato (apud DIWAN, 2007, p. 81)

Ao contrário do que o senso comum pode imaginar, foi nos Estados Unidos e não na Alemanha que se implementou o mais bem-

sucedido e organizado plano de eugenização social da história. Ainda segundo Diwan, entre 1905 e a década de 1920, instituições eugêni-cas proliferaram por todo o território norte-americano vindo a influenciar a criação de polí-ticas públicas eugenistas em alguns estados através da esterilização de parte da população. Em virtude deste quadro se pode compreender a expectativa de Lobato de que seu único ro-mance seria bem recebido na América do Nor-te. O entusiasmo do escritor pela eugenia como solucionadora dos males sociais, expresso na citação acima, talvez ajude a entender o seu desapontamento extremo quando a publicação de O Presidente negro foi recusada nos Estados Unidos. A afinidade com Renato Kehl também revela que Monteiro Lobato nutria simpatia pelo que veio a ser conhecido como “eugenia nega-tiva”. Conforme explica Diwan, diferente da sua versão “positiva” que era profilática, não radical e voltada para a higiene, a “eugenia negativa” postulava que a inferioridade é hereditária e a única maneira de livrar a espécie da degenera-ção seria utilizar métodos como a esterilização, a segregação, a concessão de licenças para a realização de casamentos e a adoção de leis de imigração restritiva. Na distopia de Lobato, es-ses elementos encontraram nos Estados Unidos da América o palco ideal para se desenvolver e transformar o país em um laboratório eugenis-ta. Como explica Miss Jane revelando sua apro-vação ao modelo norte-americano:

Desapareceram os peludos – os surdo-mudos, os aleijados, os loucos, os morféti-cos, os histéricos, os criminosos natos, os fanáticos, os gramáticos, os místicos, os re-tóricos, os vigaristas, os corruptores de don-zelas, as prostitutas, a legião inteira de mal-formados no físico e no moral, causadores de todas as perturbações da sociedade hu-mana (p. 213)

A apresentação da América do Norte regida pela eugenia toma impulso a partir do capítulo XI intitulado “No ano 2228” (p. 209) no qual Monteiro Lobato tem a chance de apresen-

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tar em detalhes a sua visão sobre como a soci-edade humana seria estruturada e organizada caso fosse ele o responsável por tal projeto. Mais uma vez deve ser ressaltado que Lobato veiculou em O Presidente negro idéias e dese-jos nutridos pela classe dirigente ao longo de todo o período da República Velha, quando o propósito de imitar a Europa levou o Brasil a renegar o seu próprio povo. Estas idéias e de-sejos se traduziram em outras distopias brasi-leiras no período do entre guerras, tais como O Reino de Kiato, de Rodolpho Theophilo, e Sua Excia. a Presidente da República no ano 2500, de Adalzira Bittencourt.

Em O Presidente negro esse projeto social lobatiano tem um alvo direto: o negro. Considerada um entrave ao pleno desenvolvi-mento dos Estados Unidos da América, a popu-lação negra passou a ser objeto de uma série de medidas que visavam controlar a sua expan-são. Para isso foi criado um “Ministério da Sele-ção Artificial” cujo objetivo era aplicar a Lei Owen de 2031, quando a eugenia se tornou política pública e passou a eliminar os impuros, ou seja, as pessoas com deficiência física e mental, criminosos e prostitutas. No entanto, apesar de terem sido submetido aos mesmos procedimentos que os brancos indesejados, os negros não apenas sobreviveram como também aumentaram o seu número. A expatriação dos negros não é um processo viável devido aos altos custos envolvidos na operação. Outro fa-tor agravante na situação dos negros norte-americanos em O Presidente negro foi a des-pigmentação a que os mesmos se submeteram para eliminar a cor escura, transformando-os em albinos. Esse procedimento aumentou o ódio dos brancos por igualar negros e brancos em termos de cor de pele, e isso mostra que o racismo se alicerça em bases invisíveis, se ali-mentando da intolerância em relação ao Outro.

A tensão entre negros e brancos alcan-ça o seu limite na octogésima oitava eleição presidencial norte-americana, dividida inicial-mente entre o candidato à reeleição do Partido

Masculino (uma fusão dos Democratas e Repu-blicanos) – o Presidente Kerlog - e a candidata feminista do Partido Feminino - Miss Evely As-tor. Astor é uma seguidora do Elvinismo (p. 223), que prega uma versão radical do Femi-nismo e espera contar com o apoio do líder negro Jim Roy, com o argumento de que, uma vez unidos, mulheres e negros poderiam acabar com séculos de opressão do patriarcado cauca-siano. Kerlog, por sua vez, conta com a condi-ção masculina de Roy e uma promessa de ate-nuação da lei eugênica contra os negros para contar com o apoio destes. Todavia, para sur-presa de Kerlog e Astor, Jim Roy se aproveita da divisão do eleitorado branco e se apresenta como candidato, vencendo a eleição com os votos dos negros.

A eleição do Presidente negro Jim Roy age como um catalisador da causa branca. Lo-bato aproveita a situação para tecer uma visão negativa do feminismo ao mostrar o abandono do Elvinismo por Evely Castor para voltar à submissão junto aos homens em prol da defesa do status quo. Jim, por sua vez, visita o Presi-dente Kerlog para propor um novo futuro de convivência pacífica entre brancos e negros. Kerlog, porém, surpreende o líder negro: “Co-mo homem admiro-te, Jim . Vejo em ti o irmão e sinto o gênio. Mas como branco só vejo em ti o inimigo a esmagar...” (p. 271). Neste momen-to Lobato não perde a chance de mostrar o negro como um ser de natureza vacilante e débil, como se quisesse demonstrar a sua inca-pacidade de liderança: “O sangue branco tinha a dureza do diamante. [...] Tudo isso, num cla-rão, viu Jim Roy naquele homem que sereno o arrostava. E o que ainda havia de escravo no sangue do grande negro vacilou. Jim sentiu-se como retina ferida pelo sol” (p. 272)

Os brancos não tardam a agir, mesmo que desafiando a Constituição ao não legitimar o vitorioso de uma eleição livre. Kerlog, no en-tanto, tem resposta para isso: “Acima da Cons-tituição vejo o Sangue Ariano. O negro nos de-safia. Cumpre-nos aceitar a luva e organizar a

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guerra” (p. 279). A resposta para o Presidente negro vem de uma invenção do cientista Du-dley. Contando com a felicidade dos negros norte-americanos por terem eleito um Presiden-te dos seus, o cientista oferece uma solução para os cabelos crespos da população através da exposição aos raios Omega: “Vir agora, e assim de chofre, o resto, o cabelo liso e sedoso, a supressão do teimoso estigma de Cam,” (p. 298). O que os negros não sabiam, porém, era que o mesmo tratamento voltado para alisar-lhes o cabelo tinha como propósito verdadeiro a completa esterilização da raça negra. Apenas o líder negro descobre o estratagema dos bran-cos, mas tarde demais: “Dos negros um só tive-ra a sua revelação, Jim Roy, mas levara-o con-sigo para o forno crematório.” (p. 321). Os me-ses passam e a taxa de natalidade entre a po-pulação negra cai drasticamente até que o pla-no seja revelado à nação norte-americana atra-vés da revisão da lei eugênica: “A convenção da raça branca decide alterar a Lei Owen no sentido de incluir entre as taras que implicam a esterilização o pigmento negro camuflado...” (p. 322). A América do Norte está limpa. Monteiro Lobato fecha a apresentação do seu projeto social para o pleno desenvolvimento de uma nação.

Como os editores do romance na edição de 1966 ressaltam: “[o romance] encerra um quadro do que realmente seria o mundo de

amanhã, se fosse Lobato o reformador [...] Como H. G. Wells, Monteiro Lobato talvez não tenha imaginado coisas, e sim apenas anteci-pado coisas” (LOBATO, 1966, p. 125). Assim, O Presidente negro demonstra como a ficção ci-entífica brasileira se manifestou na segunda metade da República Velha, através da Litera-tura de Distopia, em consonância com o ambi-ente também explorado por escritores britâni-cos, marcado por tensões políticas, econômicas e a crença em teorias pseudo-científicas, que foram usadas para sustentar ideologicamente a opressão contra grupos marginais.

Ao longo dos últimos anos, escritores e críticos brasileiros e estrangeiros como Roberto de Sousa Causo, Bráulio Tavares e Elizabeth Ginway vêm buscando mudar a situação que levou Fausto Cunha a considerar a ficção cientí-fica no Brasil como “um planeta quase desabi-tado” (CUNHA, 1974, p. 7). Este trabalho se insere nesta linha ao apontar algumas das ra-zões para a pouca penetração desta forma nar-rativa na nossa literatura, as manifestações da FC no Brasil e as circunstâncias histórico-culturais do seu aparecimento em nosso meio. Longe de serem conclusivas, as idéias aqui ex-postas devem ser consideradas um convite para que futuros pesquisadores empreendam mais visitas ao admirável mundo novo da ficção cien-tífica brasileira na República Velha. Ω

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Mestre em Gestão e Estratégia em Negócios pela UFRRJ. Administradora de Empresas pela UCB.

Gestora do Campus 4 UNIABEU. Coordenadora da Pós-Graduação MBA em RH.

Docente da Pós-Graduação e do Curso de Graduação em Administração da UNIABEU, Campus 4

- *%% %% Bacharel em Administração. Especialista em Responsabilidade Social e Ambiental – Uniabeu Campus 4.

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RESUMO - Este trabalho visa ressaltar a importância e a influência da mudança organizacio-nal no processo de aprendizagem das empresas. A metodologia utilizada para o desenvolvimento foi o estudo de caso da Farmácia Roval de Manipulações. Entende-se por mudança organizacional qual-quer transformação capaz de gerar impacto na organização. Apesar das mudanças pressuporem uma reação de oposição, é possível neutralizar a resistência ao prever as restrições das pessoas. A empre-sa estudada mostrou que, para que as mudanças sejam implementadas, foi necessário um estudo antecipado dos valores e crenças predominantes na organização, o reforço de uma nova cultura or-ganizacional com a inserção de novos valores, e adoção sistemática de uma política de treinamento, ações essas que, somadas, convergiram para o desenvolvimento do processo de aprendizagem.

Palavras-chave: Mudança Organizacional; Organizações de Aprendizagem; Resultados.

ABSTRACT - This work aims to stress the importance and the influence of the organizational change in the learning process of the companies. The methodology used for the development of this paper was the Study of Case of the Pharmacy Roval of Manipulations. By organizational change it is understood any transformation able to produce impact in the organization. Despite changes presup-pose an opposition reaction, it is possible to neutralize the resistance by foreseeing people's restric-tions. The studied company showed that so that the changes are implemented, was necessary an anticipated study of the values and beliefs predominant in the organization, the reinforcement of a new organizational culture with the insertion of new values, and systematic adoption of one politics of training, action these that, added, had converged to the development of the learning process.

Keywords: Organizational Change; Learning Organizations; Results.

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INTRODUÇÃO

M DOS PROBLEMAS do indivíduo em relação às mudanças, de um modo geral, não está em resistir à mudança

em si. As pessoas resistem a serem mudadas, o que é perfeitamente legítimo. Ninguém muda por livre e espontânea vontade, sem angústia nem ansiedade, rumo ao desconhecido. A mu-dança traz consigo a incerteza, e esta leva ao medo (HELLER, 2002).

É neste ponto que a Aprendizagem Or-ganizacional tem um papel decisivo, fazendo com que as organizações desenvolvam a capa-cidade de se modificarem, de se adaptarem e de oferecerem alternativas criativas para a so-lução dos problemas com que se defrontam; em outras palavras, de aprenderem, como con-dição de sua própria sobrevivência.

Este trabalho procura revelar a preocu-pação central de demonstrar que uma das for-mas da sociedade organizacional manter sua vitalidade, principalmente em um ambiente de mudanças contínuas e imprevisíveis, é através de um constante e auto-renovado processo de aprendizagem.

Essa aprendizagem é a capacidade de se usar o conhecimento, produto do resultado da prática e da experiência crítica. Tal dinâmica produz, então, uma mudança relativamente permanente no comportamento dos indivíduos ligados à organização (SENGE, 2000).

Parte-se para uma abordagem na qual a aprendizagem organizacional situa o indivíduo como o “sujeito” do processo. Neste enfoque, a empresa é consciente de seus valores e de suas deficiências, onde os mecanismos de consulta e de participação, o diálogo e o pensamento críti-co predominam.

1 A MUDANÇA ORGANIZACIONAL

Atualmente organizações de todos os ti-

pos, grandes, pequenas, públicas, privadas,

industriais e de serviços, com ou sem fins lucra-tivos, estão passando por uma mudança de paradigmas ou de modelos, substituindo práti-cas administrativas tradicionais que não funcio-nam mais.

A necessidade de mudar não se restrin-ge a empresas que estejam passando por difi-culdades, perdendo dinheiro ou tornando-se obsoletas. Mesmo as líderes de mercado preci-sam mudar e melhorar.

Mudança organizacional significa aban-donar a maneira antiga de fazer as coisas, ado-tando novas práticas que proporcionem resul-tados melhores. As mudanças podem ser difí-ceis e até penosas.

Uma definição ampla de mudança orga-nizacional pode ser enunciada da seguinte for-ma, segundo Wood Jr. (1992) apud Coopers & Lybrand (1997): “Mudança Organizacional é qualquer transformação de natureza estratégi-ca, estrutural, cultural, tecnológica, humana ou de qualquer outro fator capaz de gerar impacto na organização”.

Antigamente, as mudanças organizacio-nais eram feitas através de decisões tomadas pela alta administração e implementadas atra-vés da autoridade e poder. Essa maneira de mudar não funciona atualmente porque a alta administração não detém mais as informações necessárias à concepção, planejamento e exe-cução das mudanças (ANDERSEN, 1999).

Nas organizações modernas predomi-nam os trabalhadores do conhecimento, que lidam com informações que seus chefes não dominam. Para mudar com sucesso é preciso envolver todos os colaboradores nas decisões, no planejamento e na implementação da mu-dança.

Um aspecto importante é reconhecer e gerenciar para um presente em constante mu-dança garantindo o sucesso no futuro (HELLER, 2002).

U

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O mundo empresarial está sendo afeta-do por tendências poderosas que obrigam as empresas a reinventarem-se. Estamos assistin-do a uma incontestável alteração do recurso estratégico: as pessoas assumem, na sociedade de informação, um papel vital e crucial. A in-formação, o conhecimento, a criatividade, o sentido de oportunidade, são recursos estraté-gicos nesta era, que ganham uma redobrada importância.

A empresa só pode chegar com sucesso a esses bens através das pessoas. Assim, o pressuposto básico da empresa reinventada é que as pessoas são o seu bem mais escasso e precioso, que constituem a pedra angular da competitividade de qualquer organização (SENGE, 2000).

Nesse sentido, Fernandes (2003) salien-ta que um dos principais agentes de transfor-mação de uma organização, ou um dos seus maiores entraves, são os seus gestores organi-zacionais (todos aqueles que possuem sob seu comando outras pessoas na estrutura formal da organização), uma vez que toda mudança, para se efetivar, tem que contar com o comprome-timento desse estrato organizacional.

O mercado de trabalho também não es-capa aos ventos de mudança que se fazem sentir e que ameaçam redobrar de intensidade. Estamos nos encaminhando para um mercado de trabalho em que assistimos a uma competi-ção feroz pela conquista dos melhores colabo-radores.

Identificar e compreender as forças de pressão para a mudança estratégica e organi-zacional constitui, portanto, o primeiro passo importante para estar apto a gerir o processo.

Uma mudança organizacional bem suce-dida depende da compreensão e do envolvi-mento de todas as pessoas afetadas. Os líderes e agentes de mudança devem trabalhar no sen-tido de criar um ambiente que estimule o en-tendimento e a implementação das mudanças, reforçando comportamentos construtivos atra-

vés de treinamento, disponibilidade de informa-ções, estímulo à inovação e à iniciativa, além de indicadores consistentes da realização das me-tas estabelecidas. Isso deve levar a um sistema coerente de incentivos, recompensas e respon-sabilidades.

A resistência à mudança é um fato. To-do ser humano, possui reticências ao novo, e precisa de um período de adaptação e de acei-tação, e deve-se ter coerência para evidenciar as diferenças que ocorrem entre os indivíduos.

A mudança é um processo que deve o-correr de forma paulatina, pois, se ocorrer de maneira abrupta, irá causar rejeição pelos componentes da equipe de trabalho, pois atu-am de forma direta sobre as decisões e com-portamentos.

Está implícito na mudança, o caráter gradual, pois deve ser efetivada através de uma adaptação às novas diretrizes, devendo-se evi-tar ao máximo o desconforto inicial da mudan-ça.

Para que a mudança ocorra sem trau-matismos, é necessário que seus pontos positi-vos sejam evidenciados, o que irá garantir uma aceitação mais rápida. Portanto, considera-se que há um paralelo importante com o processo de aprendizagem.

Keller (1999) diz que as mudanças sem-pre pressupõem uma reação de oposição. Mas é possível neutralizar a resistência ao prever as restrições das pessoas.

2 CULTURA ORGANIZACIONAL E MOTI-VAÇÃO

No entendimento de Schein (1985) Apud Pereira & Nunes (2002. p. 20):

“cultura organizacional é o conjunto de pressupostos básicos que um grupo in-ventou, descobriu ou desenvolveu ao apren-der como lidar com os problemas de adapta-ção externa e integração interna e que fun-

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cionaram bem o suficiente para serem con-siderados válidos e ensinados a novos mem-bros como a forma correta de perceber, pen-sar e sentir, em relação a esses problemas”.

A cultura e o poder nas organizações guardam um estreito relacionamento, que não pode ser ignorado nas estratégias de mudanças organizacionais.

Como um aspecto-chave da mudança estratégica, Oliveira (1989) propõe a mudança no núcleo das crenças e dos pressupostos bási-cos dos principais tomadores de decisão. Ou seja, propõe mudar as crenças dos detentores do poder legal ou formal representado através da estrutura.

Portanto, para que mudanças sejam fei-tas, é necessário um estudo antecipado sobre os valores e as crenças que predominam na organização, pois, tais elementos da cultura organizacional condicionam e direcionam o comportamento das pessoas ou grupos.

Motivação é a força que nos estimula a agir. No passado, acreditava-se que essa força necessitava ser "injetada” nas pessoas, hoje se sabe que cada um de nós tem uma motivação própria, gerada por fatores distintos e pessoais (Heller, 1998).

Pereira (1997, p. 258) salienta que uma decisão será tão mais efetiva quanto maior for a motivação. Quando está motivado, o homem se mobiliza.

3 PROCESSO DE APRENDIZAGEM NAS ORGANIZAÇÕES

Aprendizagem é um processo de mu-dança, resultante de prática ou experiência anterior, que pode vir, ou não, a manifestar-se em uma mudança perceptível de comportamen-to.

Senge (2000) comenta que o ser humano vem ao mundo motivado a aprender, explorar e experimentar. Infelizmente, a maioria das insti-tuições em nossa sociedade é orientada mais para controlar do que aprender, recompensan-

do o desempenho das pessoas em função de obediência a padrões estabelecidos e não por seu desejo de aprender.

As organizações devem criar um ambien-te que propicie a aprendizagem, facilitando a troca e a sua busca no ambiente externo, refor-çando comportamentos receptivos e não defen-sivos e facilitando a recuperação e retenção intencional do conhecimento.

Ao pensar-se em aprendizagem organiza-cional é necessário estar atento para a relevân-cia do aprendizado individual, objetivando a eficácia da formação do conhecimento organi-zacional. A aprendizagem individual e, conse-quentemente, a organizacional, precisam estar conectadas entre si, sendo que o alvo da a-prendizagem está em proporcionar condições para que o indivíduo extraia o conhecimento de si próprio.

As políticas de Recursos Humanos de-vem se preocupar com as necessidades de cada trabalhador, de cada departamento e como esse trabalhador pode contribuir com o desen-volvimento da organização, sem deixar de levar em consideração os seus objetivos pessoais. É uma parceria entre empresa e empregado, en-tre objetivos individuais e objetivos organiza-cionais.

No âmbito das organizações de aprendi-zagem, a educação deve concorrer para a for-mação de um educando que participe efetiva-mente do processo de criação e comunicação de conhecimentos no dia-a-dia do seu trabalho. O foco da atenção, nesse caso, está no apren-diz, que assume responsabilidade compartilha-da nos processos de aprendizagem individual e organizacional.

Segundo Silva (2002, p.138) diz, “para que haja esta inter-relação, são indispensáveis as participações do ser humano e um ambiente favorável à troca de experiências, à aquisição de conhecimento e habilidades e também à memorização e absorção do conhecimento”.

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Na gestão do conhecimento há alguns fatores que merecem atenção especial, um des-tes fatores é o compartilhamento do conheci-mento. Assim, o gerenciamento eficiente do conhecimento nas organizações dependerá primeiramente do gerenciamento individual dos fatores e, posteriormente, da sinergia entre estes.

Davenport e Prusak (1998) fazem alusão a algumas práticas de compartilhamento de conhecimento que podem ser adotadas e, ao mesmo tempo, incentivadas nas organizações. Estas práticas objetivam um maior nível de comprometimento no compartilhamento do conhecimento. São exemplos: bebedouros e conversas, feiras e fóruns abertos do conheci-mento, e outros métodos.

Quando os objetivos da organização são compartilhados, a aprendizagem transformado-ra torna-se possível, pois os membros da orga-nização estão comprometidos, as equipes estão alinhadas com os objetivos estratégicos da em-presa assumem responsabilidade direta pelo sucesso das iniciativas organizacionais.

3.1 ORGANIZAÇÕES DE APRENDIZAGEM As organizações que se propõem a

construir estruturas e estratégias visando à dinamização e o aumento do potencial de a-prendizagem têm sido denominadas de organi-zações que aprendem (“Learning Organizati-ons”).

Difundida a partir dos anos 90 como Le-arning Organization, é traduzida no Brasil por Organizações de Aprendizagem (OA). O que essa abordagem traz de novo é que esse a-prendizado passa a ser planejado e administra-do para que, de maneira rápida e sistemática, alinhe-se aos objetivos estratégicos da empre-sa.

Senge (2000) define Learning Organiza-tions como instituições onde as pessoas se vol-tam para a aprendizagem coletiva, comprome-tida com resultados motivadores. Segundo este

mesmo autor, as organizações que aprendem são aquelas nas quais as pessoas expandem continuamente sua capacidade de criar os re-sultados que realmente desejam, onde se esti-mulam padrões de pensamentos novos e a-brangentes, a aspiração coletiva ganha liberda-de e onde as pessoas aprendem continuamente a aprender juntas.

O termo aprendizagem organizacional vem sendo usado para descrever organizações ágeis, pois devido às grandes turbulências, as organizações mais hierarquizadas não conse-guem adaptar-se com rapidez e, outras, sequer conseguirão sobreviver. Aprender tem muito pouco a ver com informar-se. Em essência, aprender consiste em melhorar a capacidade, criando e construindo a possibilidade em fazer algo que antes não podia, o aprendizado está intimamente relacionado com a ação, o que não acontece com a absorção da informação. Assim, organizações de aprendizagem são a-quelas que vão continuamente aprimorando a capacidade para criar.

3.2 A MUDANÇA E O PROCESSO DE A-PRENDIZAGEM

O processo de mudança organizacional está muito associado a uma mudança na ma-neira de atuar de seus empregados (muito es-pecialmente de seu corpo gerencial), quanto aos novos princípios e métodos de trabalho. Na mesma lógica, não há como esquecer que essa nova maneira de atuar depende de um verda-deiro processo de aprendizagem, através do qual as pessoas desenvolvem a apropriação dos novos princípios e métodos, num contexto de aprendizagem coletiva.

De acordo com Caravantes e Bretas Pe-reira (1981) apud Pereira (1997, p. 4) a apren-dizagem pode ser definida como

processo de aquisição da capacidade de se usar o conhecimento, que oferece co- mo resultado da prática e da experiência

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crítica, produzindo uma mudança relativa mente permanente no comportamento.

A mudança tem trazido uma clara ênfa-se sobre a importância do aprendizado organi-zacional – o processo de adquirir conhecimento e utilizar as informações para se adaptar com sucesso a novas circunstâncias. As organiza-ções devem ser capazes de mudar de forma constante e positiva, principalmente nos dias atuais, que estão repletos de desafios. As orga-nizações devem estar comprometidas com a busca contínua de novas idéias e oportunidades de aperfeiçoamento. O comprometimento deve envolver todos os funcionários da empresa e de todos os níveis hierárquicos, devendo ser um movimento harmônico e unidirecional.

4 O Estudo de Caso da Farmácia Roval Manipulações Número de funcionários: 105 Ramo de Atuação: Farmacêutico Nome do Entrevistado: Arion Medeiros dos San-tos Cargo Ocupado: Sócio-Gerente (Farmacêutico)

A Empresa:

A Farmácia Roval de Manipulações está no mercado farmacêutico de Recife há quinze anos. Sua criação foi em outubro de 1988.

Porém, sua história teve início um pouco antes, no início do ano de 1976, quando os farmacêuticos Rogério Tokarski e Romelita To-karski, recém-casados, inauguraram, em Brasí-lia, a Farmacotécnica, uma farmácia até hoje vista como referência no segmento de manipu-lação no Brasil. Em 1985, Rogério convidou seu irmão, o advogado Valfrido Tokarski para as-sessorá-lo em Brasília. Após três anos, eles ex-pandiram os negócios para o Nordeste e cria-ram a Farmácia Roval de Manipulações, no Re-cife.

Atualmente, a empresa conta com sete lojas espalhadas no Grande Recife e mais uma

filial localizada na cidade de João Pessoa. Jun-tas, essas unidades atendem cerca de 25 mil clientes por mês.

Desde sua criação, a Roval tem como princípios básicos o respeito à ética e a perma-nente busca pela qualidade, sempre tendo em vista a satisfação de seus clientes.

Para garantir a eficácia de um de seus princípios, que é a qualidade, a empresa aposta na implementação de um sistema de Gestão de Qualidade que visa o aprimoramento contínuo de seus produtos e serviços.

A empresa criou um Comitê de Qualida-de formado por colaboradores de diferentes setores, cuja função principal é disseminar o Sistema da Qualidade junto aos membros de seu setor. O resultado deste trabalho foi a con-quista da Certificação de Qualidade ISO 9001/2000.

Esta Certificação da Qualidade gerou à em-presa as seguintes vantagens:

• Assegurou aos clientes maior confiança na qualidade dos pro-dutos e serviços;

• Maior credibilidade por parte dos clientes (externos e internos) e fornecedores e uma consequente expansão de mercado e maior competitividade;

• Maior número de treinamentos e trabalhos em equipe, resultando em um crescimento profissional e pessoal dos colaboradores.

A empresa recebeu, no ano de 2003, do Guia da Revista Exame, dois importantes prêmios:

• Foi a única empresa nordestina apontada como uma das 40 me-lhores para a mulher trabalhar no Brasil. A empresa é uma das orga-nizações mais femininas do Brasil, tendo 77% de seu quadro formado por mulheres. A maioria dos car-

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gos de chefia da empresa é ocu-pada por mulheres.

• Foi classificada entre as 20 melho-res empresas de 100 a 199 fun-cionários, apresentando um fatu-ramento bruto, em 2002, de 2,3 milhões de Reais. Os fatores de maior destaque foram: os treina-mentos oferecidos pela empresa, que incluem, além dos conheci-mentos técnicos, aulas de compor-tamento, ética e língua portugue-sa; 88% dos funcionários se sen-tem valorizados e vêem ótimas oportunidades de desenvolvimento profissional.

Recursos Humanos:

A empresa apresenta uma forte preocu-pação com relação aos seus funcionários, aos quais se refere como “colaboradores”. Razão pela qual recebeu dois prêmios muito importan-tes relacionados à gestão de recursos humanos.

A empresa oferece aos seus colaborado-res vários incentivos, que vão desde aulas de ginástica laboral até o patrocínio de cursos de capacitação.

O treinamento, como já visto anterior-mente, é o grande destaque dentre as políticas de recursos humanos da empresa.

A Roval foi apontada, segundo o Guia da Revista Exame (2003), como uma das empre-sas do país que mais facilitam o equilíbrio entre a vida pessoal e profissional dos seus funcioná-rios, priorizando a família e o crescimento pro-fissional.

A Mudança Organizacional e a Apren-

dizagem Organizacional:

A Roval passou por uma mudança organi-zacional há aproximadamente cinco anos,

quando elaborou o primeiro planejamento es-tratégico da empresa. Esse planejamento foi realizado junto com representes de cada setor da empresa. Nele foram definidas a Missão, a Política da Qualidade e os Valores básicos da Organização. A mudança cultural proporcionada pelo planejamento estratégico culminou na Cer-tificação ISO 9001/2000 em novembro de 2001.

Para tornar a mudança organizacional bem aceita por todos, a Direção da empresa precedeu esse processo com atividades de conscientização e conversas com os colabora-dores. A empresa buscou, de todas as formas, difundir as mudanças organizacionais que esta-vam sendo propostas e, ao mesmo tempo, mostrando a importância dessas mudanças, não só para a organização, mas também para cada um dos colaboradores. Apesar de todos os esforços empreendidos, houve alguns choques, principalmente por parte de alguns chefes mais antigos, que sentiram ameaçado o seu “status quo” (situação atual).

O resultado deste choque gerou o afas-tamento de 80% dos gerentes que não aceita-vam as mudanças organizacionais; os outros 20% conseguiram entender e aceitar o proces-so de mudança.

Cada setor da Roval recebe treinamento específico durante o ano todo. Em 2002, foram 2300 horas de treinamento oferecidas. Os téc-nicos de laboratório e farmacêuticos recebem 1 hora semanal de treinamento. O setor de ven-das recebe treinamento mensal. Esse treina-mento, como já ressaltado anteriormente, ex-cede o conhecimento técnico, incluindo outros conhecimentos.

A Roval possui um Programa de Incentivo ao Conhecimento que dá ao funcionário a pos-sibilidade de participar de cursos, congressos e seminários fora da empresa. A Roval patrocina, parcial ou totalmente, as despesas do partici-pante nesses eventos. Todos os funcionários são incentivados e estimulados a buscarem o aprendizado também fora da empresa.

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A empresa acredita que a cultura organi-zacional ajudou-a no processo de implementa-ção das mudanças organizacionais, já que os fatores que foram difundidos, como a ética, a satisfação do cliente, a capacitação e a melho-ria constante, foram fundamentais para a cons-cientização de todos, como profissionais e cida-dãos.

Para a Farmácia Roval, a mudança orga-nizacional influenciou os funcionários, assim como a empresa a buscarem aprendizagem. Pois, em virtude das novas demandas trazidas pelas mudanças, a cada ano a empresa percebe que é crescente o número de solicitações por parte dos próprios funcionários para participa-rem de cursos de vários assuntos.

CONCLUSÃO Como pode-se observar no estudo de ca-

so, ficou evidenciado que a empresa iniciou seu crescimento mais intenso, a partir de uma deci-são do empreendedor no sentido de lançar-se frente a novos mercados, sempre baseado em estudos de estratégias empresariais, que deli-nearam os caminhos a serem seguidos.

Pode-se também verificar que a política empreendedora da Roval obteve sucesso, a partir dos treinamentos efetivados sobre os seus colaboradores, que passaram a enxergar a empresa como um apêndice de sua realização pessoal. É nesta fidelização dos funcionários que se tem fundamentado o crescimento da empresa.

Outro fator de fundamental importância é a conscientização de todo o corpo empresarial acerca da rapidez como as mudanças são im-plementadas, e isto tem relação intrínseca com agilidade de mudanças no ambiente externo da empresa. Isto nos dá a certeza que soluções utilizadas com sucesso no passado têm pouca chance de funcionar no presente ou no futuro.

Neste estudo de caso, ficou claro que a aprendizagem ou adaptação organizacional passou a assumir um papel de destaque, prin-cipalmente ao se associar à abordagem sistêmi-ca.

Desta forma, passa a ganhar cada vez mais importância no cenário administrativo a chamada "Quinta Disciplina" (Senge, 1990) ou abordagem sistêmica, que partindo da concep-ção da organização como um sistema aberto, desenvolve uma teoria voltada para a interde-pendência dos subsistemas organizacionais. Lugar de destaque nestes estudos é conferido às chamadas "Learning Organizations", ou Or-ganizações de Aprendizagem, nas quais, mais do que padrões rígidos que devem ser cumpri-dos de forma crítica e automática por todos os funcionários, o que é necessário é a existência de pessoas que sejam capazes de "aprender a aprender".

O aprendizado necessário para se tornar uma Organização de Aprendizagem é, antes de tudo, um aprendizado de transformação. Não existem problemas externos que possam ser solucionados independentemente da maneira como se age e se pensa sobre eles. Mais do que a aquisição de novos instrumentos e técni-cas, este aprendizado pressupõe uma revisão sobre o comportamento, sobre a forma pela qual cada um age no mundo, pois aquilo que cada um é está intimamente ligado às idéias e aos pressupostos que são tecidos sobre o mun-do circundante.

Considera-se que a empresa estudada viabilizou a organização a tornar-se uma Orga-nização de Aprendizagem. Um fator indispensá-vel para isto foi a mudança de mentalidade. As pessoas deixaram de se ver separadas do mun-do, e passaram a se sentir parte integrante e essencial deste.

A instabilidade do meio ambiente vem exigindo das pessoas e das empresas que te-nham uma maior capacidade de adaptação, o que tornou necessário afastar de suas rotinas a utilização de modelos mentais que se prendem a uma lógica improdutiva e contrária, que fragmenta a realidade e a própria existência e que impedem o pleno desenvolvimento do po-tencial humano em todas as dimensões de seu ser.

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Não é novidade que toda a mudança traz con-sigo um sentimento de insegurança, de medo, pois não é assim tão fácil trocar aquilo que co-nhecemos, aquilo que dominamos, aquilo que já se apresenta "seguro", por algo novo, desco-nhecido, potencialmente gerador de problemas, mas também potencialmente criador de novas soluções. Falar que é necessário mudar, trans-formar-se, é bem diferente de mudar efetiva-mente.A experiência retratada neste estudo de

caso mostrou que a mudança organizacional influencia o processo de aprendizagem, à me-dida que os funcionários percebem suas limita-ções face ao ambiente em que operam, bus-cando desenvolver novos conhecimentos, o que influencia a criação de uma organização de aprendizagem.A necessidade de aprendizagem é importante e até mesmo imprescindível para sobrevivência em um mundo tão mutável quan-to o que hoje se apresenta diante de nós. Ω

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%* 4*% Mestre em Ciências Sociais pela UERJ – PPCIS.

Professor Titular e Pesquisador do Centro Universitário ABEU

RESUMO - Propõe-se, no presente trabalho, apresentar como o Mal, configurado na figura do Diabo ou fatos a ele referentes – o fim do mundo, exorcismos, possessão, etc. –, é comumente rela-cionado ao Catolicismo Romano nos filmes de Hollywood. Nesse contexto, sempre que o Diabo deseja causar mal à humanidade, ele o faz através de conceitos católicos, mesmo sendo a população dos EUA majoritariamente protestante. Nenhuma outra igreja é atingida nas tramas, nem seus clérigos ou fiéis. Ainda, mesmo sendo a Igreja Católica Romana o centro de todas as tramas diabólicas, ela é sempre profanada. A existência do Mal é tratada dentro da esfera encantada representada pela mino-ria católica, não atingindo realmente a seriedade da religião majoritária. Valemo-nos de análises da Antropologia e também da Sociologia da Religião para esse estudo.

Palavras-chave: Sociologia da Religião; Cinema; Diabo.

ABSTRACT - On this article we want to show how the Evil, configured by the representations of the devil and relevant facts referred to him – the end of the world, exorcisms, possession, etc. – is commonly related to the Roman Catholicism on Hollywood movies. Into this context, whenever the devil tries to harm humanity, he does so through catholic conceptions, nevertheless the majority of The USA population is composed by Protestants. No other church is affected into these plots, nor their clerics or church members. Even though the Roman Catholic Church can be the core of all di-abolic plots, it can always be profaned by the evil. The existence of Evil is treated inside the enc-hanted circle, represented by the catholic minority, not affecting the serious role of the majority’s religion. The analysis of Sociology and Anthropology of Religion are the main path we go through this study.

Keywords: Sociology of Religion; Cinema; Devil.

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INTRODUÇÃO

LUGAR-COMUM o conhecimento de que as religiões cristãs ocidentais que podemos ver nos dias de hoje possuem

um mesmo berço de origem: a igreja católica pré-reforma. À Reforma de Lutero seguiu-se um movimento de multiplicação de comunida-des e denominações diferentes, sendo as mais conhecidas o Calvinismo (presbiterianismo ou puritanismo, no caso britânico) nascido na Suí-ça e o Anglicanismo, fundado na Inglaterra. Esses grupos continuaram seus processos de subdivisão, por motivos diversos, até que te-mos hoje, um grande número de igrejas cristãs em todo o mundo. Diversos trabalhos sobre a multiplicação denominacional podem ser encon-trados nas pesquisas de Sociologia da Religião, onde temos a figura de Peter Berger como um importante nome no campo (BERGER, 2004).

Um dos fatores de ruptura entre o cato-licismo e as igrejas protestantes foi a rejeição da estrutura episcopal do modelo católico, prin-cipalmente o que diz respeito à religião de Cal-vino. A tentativa de construir uma congregação de santos, a racionalização dos ritos e o comba-te à hierarquia de um episcopado é marca fre-quente da doutrina calvinista (WEBER, 2006).

Essa revisão da história do cristianismo ocidental pode nos levar a um ponto específico, que principalmente nos interessa no presente trabalho: esse seria o da colonização dos Esta-dos Unidos pelos protestantes ingleses, em sua maioria calvinista – puritanos – inauguraram a sua ideologia no continente, principalmente na Nova Inglaterra. Com o passar do tempo, mais grupos de teor protestante influenciaram bas-tante a cultura estadunidense, como os meto-distas e os batistas ingleses, dentre outros. Fatos ricamente ilustrados por Max Weber nas vastas notas de seu estudo acerca do protes-tantismo (WEBER, 2006).

Nos dias de hoje, nos EUA, a maioria da população é de credo protestante, sendo que o

grupo católico é visivelmente minoritário no país. Os imigrantes levaram o credo romano para o país, principalmente nos séculos XVIII e XIX, com os movimentos migratórios da Irlan-da. Atualmente, segundo senso religioso recen-te apresentado pelo site Adherents.com (2007), que resume números de institutos de pesquisa, a população de católicos daquele país é de 24,5%, contra uma população de protestantes de 53%, não levando em conta uma série de grupos não católicos como as Testemunhas de Jeová e os menonitas, entre outros. O mesmo site nos mostra dados do jornal Washington Times, na seção de Jenifer Harper: "Entre os pesquisados, 53% afirmaram que eram protes-tantes, 23% católicos, 7% ‘outros cristãos’... a mais comum denominação protestante foi a Batista, com 12%, seguida pela Metodista, Ba-tista do Sul, Presbiteriana, ‘não-denomi-nacional’, Luterana, Igreja de Cristo e Episco-pal.”.1

O célebre estudo de Max Weber: A Ética Protestante e o Espírito do Capitalismo (WE-BER, 2006), nos mostra como o protestantismo calvinista pôde assimilar de uma forma eficaz a doutrina capitalista na Europa. Seu estudo se dá principalmente na Europa, mas sua teoria alcança uma distância mais ampla, já que a partir dela podemos analisar outros grupos reli-giosos protestantes em outros países. Os EUA foram deveras afetados pela ideologia demons-trada por Weber na formação do seu Estado nacional. Um dos fundadores do Estado, Ben-jamin Franklin, em seus escritos afirma que “Tempo é dinheiro”; essa premissa de dignida-de do lucro pelo trabalho, que encontra reflexos na religião, pode ser considerada, segundo Weber (2006), como Ascetismo Intramundano, onde o trabalho tem o poder de trazer dignida- 1 "Among the respondents, 53 percent said they were

Protestant, 23 percent Catholic, 7 percent 'other Chris-tian,'... The most common Protestant denomination was Baptist at 12 percent, followed by Methodist, Southern Baptist, Presbyterian, ‘nondenominational’, Lutheran, Church of Christ and Episcopalian." Tradução nossa.

É

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de espiritual para o ser humano e, o lucro, dei-xa de ser um ato de usura para se tornar um bem ontológico. De acordo com Weber, uma das idéias que baseavam o protestantismo moderno seria, além da idéia do trabalho, o que ele veio a chamar de Desencantamento do Mundo, que segundo o autor “[...] teve início com as profecias do judaís- mo antigo e, em conjunto com o pensamento científico helênico, repudiava como supers- tição e sacrilégio todos os meios mágicos de busca da salvação, encontrou aqui sua con- clusão. O puritanismo genuíno ia ao ponto de condenar até mesmo todo o resquício de cerimônias fúnebres e enterrava seus [mor- tos] sem canto nem música, só para não dar ao aparecimento da superstition isto é, da confiança em efeitos salvíficos à maneira mágico-sacramental.”(WEBER,2006.p. 96)

Ainda acompanhando o trabalho do so-ciólogo alemão, temos uma contribuição decisi-va para entendermos o papel da religião pro-testante no ethos capitalista estadunidense, seu artigo As Seitas protestantes e o Espírito Capi-talista, onde ele estuda o caso americano do movimento congregacionalista das ‘seitas’. Se-gundo o autor o papel das agremiações protes-tantes de filiação espontânea, seguidas de uma pesquisa de “bons antecedentes” dos preten-dentes, formaria uma rede de crédito, não só financeiro, mas também no que diz respeito à probidade moral (WEBER, 2002). A importância desse artigo para nós é que ele pode ser consi-derado como a continuação d’A Ética, feito a partir de uma viagem de Weber aos Estados Unidos, elucidando assim um estudo de caso tipicamente americano. A influência da idéia de uma religiosida-de anti-episcopal, enraizada nos padrões da realidade do trabalho e da fé, sem intermédios de qualquer aparato religioso, desencantada, é sentida em boa parte do material cinematográ-fico estadunidense. Observando o corpus dos

trabalhos hollywoodianos, vemos que seus pro-dutores tentam nos mostrar um catolicismo recheado de idéias encantadas, onde a produ-ção de rituais estaria aberta para uma visão mágica do mundo. Essa versão da fé católica se aproximaria bastante da expressão popular que podemos ver principalmente nos países da A-mérica Latina, inclusive no Brasil, onde o culto dos santos e a apropriação de fatores sincréti-cos reconfiguram a face do catolicismo tradicio-nal romano.

Assim, quando os diretores de filmes produzem películas que tratam de fatores não relativos à sua base religiosa desencantada comum – criaturas demoníacas, possessões e todo tipo de fantasmagoria – é no culto católico que esses pontos vêm ser costurados.

Ao invés de trabalharmos com uma série de filmes, analisando-os um a um, tentaremos fechar o nosso escopo através de visíveis mani-festações de construção de estereótipos da fé católica, como as crenças no fim do mundo, a chegada do anticristo e a possessão. Tais luga-res-comuns, tão revisitados nos filmes de Hol-lywood, tecem uma clara visão da construção da alteridade, que reflete toda a incongruência religiosa cristã. Seria um trabalho hercúleo levantarmos uma busca cinematográfica sobre todos os fil-mes de terror americanos que tratam sobre o diabo. Na impossibilidade de construirmos uma filmografia completa acerca de películas sobre o Diabo e sua relação com a Igreja Católica, é possível tecermos uma lista de títulos famosos onde o tema do poder satânico compreendido pela visão de mundo católica se faz notar. Ao invés de uma lista de acordo com os maiores sucessos de bilheteria, optamos, principalmen-te, por apontar filmes onde a questão principal seja a que aqui discutimos: a relação entre uma realidade encantada, representada pela igreja católica romana, e o Diabo, onde esse coexiste com tal visão de mundo. Outro quesito de esco-lha foi a obrigatoriedade desses filmes serem conhecidos pelo público nacional. Assim temos:

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• O Exorcista (1973); O Exorcista II, o He-rege (1977) e O Exorcista III (1990)

• A Profecia (1976); A Profecia 2 (1978); A Profecia 3 (1981)

• Warlock, o Demônio (1989) • Advogado do Diabo (1997) • O Fim dos Dias (1999) • O Exorcista, o início (2004) • O Exorcismo de Emily Rose (2005 )

Filmes de vampiro poderiam, em parte, ser

colocados nessa lista, mas sairíamos do critério principal, já que, mesmo corroborando com a eficácia da doutrina católica para o combate contra vampiros – a hóstia, a água benta e o crucifixo como repelentes – a entidade em questão não se trataria do Diabo, mas sim de um outro ser maligno.

Decidimos, fechar nosso escopo para quatro

filmes presentes na pequena lista acima: O Exorcismo de Emily Rose (The Exorcism of Emily Rose - 2005 ); O Exorcista (The E-xorcist - 1973); A Profecia (The Omen - 1976 ) e O Fim dos Dias (The End of Days - 1999). O que nos levou a escolha desses filmes foi, principalmente, o fato de que neles temos, em claro espectro, os pontos principais aborda-dos por esse trabalho: o uso do apocalipse e suas alegorias, além da presença do demônio na terra representado pela possessão de pes-soas. Esses fatores corroboram a idéia de que, mesmo não sendo o público alvo de maioria católica, ele se reportaria ao arcabouço de ritos católico para lidar com idéias bíblicas que não se encaixam no seu padrão religioso desencan-tado. A Igreja Católica seria, ao mesmo tempo, lugar de fácil entrada do Diabo e a instância portadora de rituais usualmente eficazes para frustrar seus planos em todos os filmes citados. Quando não se trata de uma invasão in loco do templo católico (presente principalmente em “O Fim dos Dias”, “O Exorcismo de Emily Ro-se” e “A Profecia”) o sacerdote católico se desloca com seu aparato ritual – cruz, livro de orações, crucifixo e água benta – para o local

da manifestação diabólica, como é o caso da série de filmes “O Exorcista”.

Um último aspecto deve ser elucidado antes de discutirmos os temas propostos. Para a melhor compreensão acerca dos filmes aqui abordados, preferi incluir em um anexo (Anexo A) uma série de sinopses curtas de cada um desse filmes. Dessa forma é possível uma con-sulta pontual sem o prejuízo da fluência da lei-tura do artigo. Assim, quando for o caso de uma situação específica ou um fato relativo a uma das películas, deve-se dirigir ao anexo para a consulta. No Anexo B pode-se encon-trar uma lista mais detalhada das fichas técni-cas de cada filme, de forma mais ampliada que a citação cinematográfica das referências. 1 A PRODUÇÃO DE FANTASMAS Advogada: Este livro que eu estou lendo é de uma antropóloga, sobre casos contem-porâneos de possessão, a maioria é no terceiro mundo. Estagiário: Claro, é gente primitiva e su-persticiosa!

Essas são as palavras de dois persona-gens do filme “O Exorcismo de Emily Rose”, uma produção que segue parcialmente o pa-drão hollywoodiano de terror contemporâneo.2

Hollywood tem produzido diversos tipos de filmes de terror durante sua longa existên-cia, eles têm diferentes abordagens, vão desde vampiros até espíritos irrequietos; possessões do demônio a canibais zumbis. Mas ao assistir diversos das produções do terror hollywoodia-no, pudemos notar certo padrão na representa-ção da figura do mal em uma série de filmes. Esse padrão representativo nos fez ver um pa-radoxo ainda não muito discutido no meio aca-

2 Com “parcialmente” queremos dizer que, esse filme não

se encaixa no padrão de filmes de possessão: os outros filmes giram em torno da narrativa puramente mágica, enquanto esse se utiliza de um ambiente jurídico, tra-tando do caso em sucessivos flashbacks.

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dêmico: por que, num país de maioria protes-tante, se produziriam filmes onde o mal - con-centrado no diabo ou em fatores a ele ligados -, quando ameaça a humanidade, sempre o faz dentro dos padrões do catolicismo? Por que os rituais católicos – hóstias, crucifixos, rezas co-mo a Ave Maria e todo o aparato clerical – são tidos como eficazes contra o Demônio ou al-guns de seus sequazes?

Dentro desse pensamento, de uma cul-tura baseada no desencantamento religioso, o clero católico e seus lugares-comuns possuem legitimidade unânime quanto ao combate ao mal; ainda assim eles sempre são maculados ou profanados até que, no fim, funcionem co-mo uma última cartada (mesmo que a cartada final não seja dada por um católico, mas neces-sariamente dentro dos padrões significantes do catolicismo).

Esse paradoxo nos põe a pensar qual é o papel do imaginário cinematográfico acerca do Mal, de Deus e da igreja Católica Romana. Depois de examinar um número limitado de filmes, pôde-se observar mais uma forma de “Orientalismo” – ainda que esse termo possa ser visto como um lugar-comum, ele nos pare-ce muitíssimo útil para esse estudo – construin-do um catolicismo representado a partir de ob-servações protestantes, legitimando uma su-posta postura da Igreja nos filmes, ainda que a mesma Igreja não possua tais posturas na rea-lidade.

O mundo desencantado pela religião protestante é privado de toda a ameaça mági-ca, pois ela foi empacotada nas paredes do Vaticano e de suas práticas.

Nos filmes, os católicos são os únicos que conseguem enxergar o mal em sua forma real, já que sua realidade encantada estria sin-tonizada nessa freqüência – a mesma freqüên-cia da superstição ( a “superstitio” de Weber [WEBER, 2006])– os personagens sempre des-denham de todos os avisos dados pelos padres nos filmes, somente os envolvidos na trama

que, depois de incredulidade inicial, aceitam a situação como verdadeira. Esse mal pretende destruir toda a sociedade, seja ela católica ou não, mas a população, pelo menos a maioria, está ocupada demais para crendices, eles têm trabalho a fazer, não fazem idéia que o seu mundo está correndo perigo. É necessário que alguém penetre nesse mundo encantado para lá lutar de igual para igual contra o demônio que o ameaça. É quase sempre o modelo do estrangeiro que penetra num universo encanta-do, sem acreditar nele e que, no fim, dá cabo de todos os perigos e salva o mundo (que per-manece alheio à ameaça).

Não podemos ser parciais, assumindo que essa – a primazia exclusiva da Igreja cató-lica – é a única linha de terror assumida nos filmes de possessões ou ameaças diabólicas, mas ela seria uma vertente visualmente majori-tária na produção hollywoodiana do padrão possessão/Apocalipse/fim do mundo. A ausên-cia da representação de templos protestantes e sua teologia é um ponto a ser notado em uma esmagadora maioria de filmes, mas isso não significa que ela não exista. Sim, ela existe, mas a proporção é deveras diminuta. Até o momento, só pude notar em um filme sobre o Diabo a presença do evangelismo protestante: ela se passa no “Advogado do Diabo”, de Ta-ylor Hackeford, encenado por Keanu Reeves e Al Pacino. Mas, mesmo assim, não há referên-cias sobre exorcismo, e, ainda assim, é num templo Católico que o Demônio (Al Pacino) de-safia a Deus, fazendo ferver a água benta (HACKFORD, Taylor. 1997). 2 O APOCALIPSE DE SÃO JOÃO

Em certos filmes, veremos que as pas-

sagens bíblicas mais citadas são retiradas do Apocalipse de São João. Esse livro controverso poderia ser tido como o menos compreendido e com o maior número de interpretações da Bí-blia. Suas alegorias contêm passagens maca-bras, como o fim do mundo; a chegada de um

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anticristo; a Besta-Fera, o Anjo caído, entre outras. O que podemos notar, assistindo os seguintes filmes: “O Exorcismo de Emily Rose”, “OExorcista” , “A Profecia” e “O Fim dos Dias”, é que essa é a única fonte bíblica para o que neles se passa; no mais, toda a alegoria religio-sa fica entregue aos escritos de exorcismos feitos pela Igreja Católica Romana como o ma-nual de exorcismo Rituale Romanum, e o mais moderno aceito pela Sé, De exorcismis et supplicationibus quibusdam. Esse novo manual de exorcismo, promulgado pela Igreja Católica em 1999. (SANTA SÉ, 2007).

A leitura escatológica da bíblia não en-contraria solidez em uma realidade totalmente desencantada de superstições, assim, é a igreja católica que deve assumir o livro bíblico que as religiões desencantadas não conseguem. O catolicismo é mais um ponto orientalista, onde seus interlocutores talham uma saída para o maravilhoso, uma morada para o fantástico, esse que não consegue ser absorvido pela sua própria religião. 3 O ANTICRISTO A crença no anticristo é um tema co-mum em Hollywood, seus filmes possuem uma armação quase que padrão: o filho do demônio nascerá na terra, ele reinará sobre todas as nações. Esse motivo se baseia, principalmente, na leitura do livro do Apocalipse e as citações sobre a Besta e do Falso Profeta, dois persona-gens que surgiriam no fim dos tempos. A cita-ção seguinte nos dá uma idéia acerca do assun-to:

A Besta que eu vi parecia uma pan-tera. Os pés eram de urso e a boca era de le-ão. O Dragão entregou para a Besta o seu poder, o seu trono e uma grande autoridade. A terra inteira se encheu de admiração e se-guiu a Besta, e adorou o Dragão por ter en-tregue a autoridade à Besta. E adoraram

também a Besta dizendo: ‘Quem é como a Besta? E quem pode lutar contra ela?’ [...] Aqui é preciso entender: quem é esperto cal-cula o número da Besta, é um número de homem; o número é seiscentos e sessenta e seis. (Apocalipse. 13, 2-4; 18)

Existe uma grande diferença se compararmos a citação bíblica com suas interpretações do ci-nema.

O surgimento da Besta, que vem para a

terra inaugurar o tempo do “Dragão” recebe formas diferentes nos filmes. Em “A Profecia” e “O Fim dos Dias”, enquanto no primeiro, datado de 1976, temos um menino, filho adotivo de um casal que sabe de seus poderes malignos e que rejeita ir à igreja, no segundo, a ameaça ainda não se concretizou, mas a mulher que deverá ser possuída pelo Demônio é preparada desde seu nascimento para tal fato.

O papel da Igreja nos dois filmes é cru-cial, já que é ela quem deve, além de reconhe-cer a ameaça iminente, combatê-la. Em “A Pro-fecia”, filme que tem mais duas continuações, temos uma série de tentativas para destruir o menino, filho da Besta, que se mostram vãs: os sacerdotes católicos são mortos por acidentes naturais, animais matam freiras e padres, in-cêndios etc. Em “O fim dos Dias”, temos a Igre-ja dividida em duas: um grupo católico extre-mista quer matar a mulher (Robin Tunney), futuro receptáculo do mal (se trata de uma Ordem Maçônica católica, especialista em “ser-viço sujo”) e, um outro grupo legalista que a defende, incluindo o papa. Todos os esforços para fazer com que o mal seja detido se tornam vãos: o clero católico não consegue deter o avanço do mal. Nem seus templos são poupa-dos: em “O fim dos dias” o Demônio se materi-aliza dentro de uma igreja, destruindo toda a área dos bancos e dos paramentos sagrados do templo. Apenas um terceiro, um ex-policial a-teu, que consegue parar a investida diabólica sacrificando sua própria vida.

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4 EXORCISMOS O mais famoso filme de exorcismo é “O Exorcista”, de William Friedkin, único filme de terror a ser indicado ao Oscar, ganhando duas estatuetas, de melhor som e roteiro adaptado, e quatro Globos de Ouro, segundo o site Adoro Cinema (Adoro Cinema.com.2005). Ele trata da história de uma menina possuída por um espíri-to diabólico, que recebe a visita de dois padres para a retirada do espírito. O filme, assim como “A Profecia”, tem mais duas continuações con-secutivas e uma retroativa - narrando a origem do padre que exorciza a menina. Um outro titu-lo mais recente, o filme “O Exorcismo de Emily Rose”, é uma produção americana, possui um caráter narrativo diferente, juntando o fantas-magórico do rito de exorcismo com o teor noir dos filmes de tribunal. Neste filme, uma menina católica americana, filha de pais muito religio-sos, se vê possuída por seis demônios, entre eles Lúcifer e Nero. Ela é morta durante uma seção de exorcismo, o que leva o padre ao tri-bunal, acusado de assassinato culposo. O mais interessante é a ênfase dada ao promotor: um homem religioso, anunciado como sendo meto-dista e totalmente voltado ao “mundo real”, que denuncia o obscurantismo dos ritos católi-cos e suas superstições. Os dois filmes foram baseados em fatos reais, segundo a enciclopédia on-line Wikipédia (2007), que possuem histórias diferentes em vários aspectos: no primeiro, se trata de um menino, e no segundo, trata-se de uma mulher alemã como protagonista. O fato de os filmes serem baseados em fatos reais não nos vem ao caso, já que o que realmente nos interessa é como os produtores se utilizam de suas produções para alcançarem um fim específico. As trocas de lugares e gêne-ro só corroboram a necessidade de adaptar ao apelo orientalista, uma luta da realidade, no caso do segundo filme, metodista, e o obscu-rantismo católico norte-americano.

5 - A CONSTRUÇÃO DA ALTERIDADE

Segundo Homi Bahba: “O sujeito coloni-al é sempre ‘sobredeterminado de fora’ (...). É através da imagem e da fantasia – aquelas or-dens que figuram transgressivamente nas bor-das da história e do inconsciente [...].” (BAHBA, 2005). Esse discurso nos faz retomar à epígrafe do estagiário e da advogada no capítulo dois, o maravilhoso e fantástico se encontram residen-tes dentro da igreja católica. Mas uma igreja católica reconstruída a partir de códigos coloni-ais. É apenas exportando o que não pode ser qualificado em sua religião que os produtores estadunidenses podem consumar a promessa do mundo desencantado protestante. O signo católico funciona como lar da ignorância do colonizado, crédulo e necessitado do salvamen-to do protestante colonizador (“O Fim dos Di-as”). Se o ocidental educado não se faz presen-te, não há salvação para a vítima (“O Exorcismo de Emily Rose”, onde o metodista, sinônimo da ascese, denuncia o primitivismo católico; “A Profecia”, onde o anticristo sai vitorioso até o fim). O advento do protestantismo fez com que o mundo do trabalho, o que chamamos mundo real, se tornasse o único mundo possí-vel para a vida. Ao exorcizar-se todo o misti-cismo e obscurantismo, não sobraria muito de uma mensagem religiosa, esses fatores presen-tes na bíblia – seja ela católica ou protestante – são protelados e endereçados aos católicos. Podemos ver em certos filmes de Hollywood – todos os citados – que os cidadãos (não católi-cos) que cercam as atividades mágicas católi-cas, raramente são atingidos por ela, se assim o fazem, quase nunca sabem o que lhes acon-teceu (em “O Fim dos Dias”, pedestres sofrem “acidentes” causados pelo demônio). A presen-ça do mal incorporado, seja no anticristo ou na pessoa do exorcizado, é sempre ambígua, um misto de verdade e fantasia para o resto do elenco. A ambivalência se mostra explícita quando o templo é profanado. Ninguém conse-

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gue deter o demônio de entrar na igreja Católi-ca. Ele zomba dos símbolos e destrói templos, mata padres, zomba do rito, acende/apaga velas e surge do chão em uma forma gigante (um monstro de 20 metros em “O Fim dos Di-as”). Mas ainda assim é nos moldes católicos – mesmos que performados por não católicos – que o final se reproduz: nenhuma outra deno-minação religiosa sabia da existência do mal iminente, nem como dar cabo dele (já que tais práticas não fazem parte de seus manuais de fé desencantados). Para matar Damien, o anticris-to, é necessário que sejam enterrados sete punhais sagrados no seu peito, e o ritual tem que ser feito no altar católico. O padre é o pro-tagonista do exorcismo de Emily Rose, assim como o da menina Reagan – ambos os padres são derrotados: o primeiro vai preso, o segundo sofre um ataque cardíaco. Jericho Cane, herói ateu de “O fim dos Dias”, combate o diabo den-tro da igreja e salva o mundo se empalando na espada de um anjo, uma estátua do altar. CONCLUSÃO Não é possível ter uma visão homogê-nea da produção de filmes em Hollywood, pois eles são inúmeros, como já foi explicado. Usa-se o referencial da igreja católica como um có-digo pleno, possível de abarcar toda a rebarba

bíblica que não encontra espaço no mundo de-sencantado. A idéia do apelo a um código sim-bólico que possa abarcar a totalidade de refe-renciais de alguém, como os Romanos de Ro-land Barthes (BARTHES, 2003). Se, em Barthes, a franja dos romanos do cinema é o que os torna romanos, nos filmes de Hollywood, é a presença do rito católico que torna o apocalipse uma realidade e, como no tempo espetacular, onde a temporalidade pode ser consumida, a realidade catastrófica é adiada/desarmada para a manutenção do espetáculo, que sempre pede uma continuação.

Seria lícito questionar: onde andam os pastores de Nova Iorque? O que se passa den-tro dos templos batistas e como agem seus pastores a respeito do Apocalipse de São João. Não. O demônio não bate na porta do mundo real. Nem sempre temos a sorte de encontrar uma confirmação precisa da inocuidade do De-mônio como vimos nos filmes “O Exorcismo de Emily Rose”: o misticismo ignorante, tratado de modo visível nos atores da família de Emily (Jennifer Carpenter), ela própria e a posição incontestável do promotor metodista, limpo, barbeado e, ainda que “um homem religioso”, como é dito a seu respeito no filme, não deixa que a lógica perca para a superstição. Ω

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BERGER, Peter. O Dossel Sagrado. Petrópolis: Vozes. 2004.

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FRIEDKIN, William. O Exorcista. EUA: Warner Bros. 1973. 1 DVD. Dolby Surround 5.1. Cor.

HACKFORD, Taylor. O Advogado do Diabo. EUA: Warner Bros. 1997. 1 DVD. Surround 5.1 Cor.

HYAMS, Peter. O Fim dos Dias. EUA: Universal Pictures. 1999. 1 DVD. Surround 5.1. Cor.

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ANEXO A: SINOPSES Para que possamos discorrer sobre os filmes analisados, sem que seja necessário vol-tar às suas histórias a todo o momento, será de grande utilidade uma breve sinopse de cada filme. O Exorcismo de Emily Rose (The Exorcism of Emily Rose) O filme se passa nos EUA, onde uma série de exorcismos mal sucedidos são feitos pelo padre Richard Moore (Tom Wilkinson) em uma jovem pertencente a uma família extre-mamente católica, Emily Rose (Jennifer Carpen-ter). Depois de várias tentativas de retirar seis demônios de dentro do corpo de Emily, a jovem morre de complicações de saúde. O padre é então acusado de negligência, pois, segundo a Justiça que apura o caso, a menina sofria de doenças reais – epilepsia e paranóia – não de possessão demoníaca. Para a acusação do pa-dre contrata-se um promotor famoso por sua eficácia, Ethan Thomas (Campbell Scott), me-todista e implacável; para defesa, a advogada Erin Bruner (Laura Linney), que se declara ag-nóstica. O plot passa a girar em flashbacks da jovem sendo possuída e depois de seus exor-cismos e cenas de tribunal. Tal história se ba-seia em uma história real ocorrida na Alemanha na década de 1970. O Exorcista (The Exorcist) Filmado na década de 1970, a partir do livro de William Peter Blattty, ele se passa com a possessão da jovem Regan MacNeil (Linda Blair) por um demônio, que a faz cometer atos horríveis de autoflagelação. Inicialmente, sua mãe tenta diagnosticar uma possível doença

em sua filha, levando-a a diversos médicos, mas nada parece funcionar, e as coisas vão piorando drasticamente. A menina é visitada por um padre, Damien Karras (Jason Miller) que tenta tirar dela o demônio, mas não consegue. Um segundo sacerdote, mais experiente, é con-vidado por Karras, padre Merrin (Max von Sy-dow). Os exorcismos se sucedem, e os padres conseguem finalmente exorcizá-la, mas com o preço da vida do padre Merrin. O que se faz notar é que a ineficácia do processo de exor-cismo se dava pela não permissão da Igreja para tal ato naquela situação. A Profecia (The Omen) Um casal de diplomatas americanos na Itália, Robert e Katherine Thorn (Gregory Peck e Lee Remick ), estão prestes a ter um bebê, mas a mãe tem sérias complicações, o que a faz perder a criança. Os padres do hospital dão ao pai um outro bebê, sem que a mãe saiba. Essa criança seria o filho do demônio: o anti-cristo. O casal se muda para Londres, seu filho, Damien (Harvey Stephens) cresce e muitas ocorrências estranhas acontecem em torno do menino e sua família: uma babá se enforca; o padre Brennan (Patrick Troughton), que tenta avisar ao pai do menino, é empalado por um pára-raios na sua igreja e uma nova babá se torna cúmplice na morte da mulher do diploma-ta. O embaixador Thorn desconfia dos avisos do padre Brennan e segue de volta à Itália. Lá ele recebe informações sobre a verdadeira na-tureza de seu filho. Voa, com um fotógrafo que sabe da situação do menino, para a cidade de Megido, em Israel. Lá ele encontra um ex-exorcista, o qual lhe explica que somente ma-tando o menino será possível acabar com tudo; ele lhe entrega sete punhais para o feito. Ao fim, o embaixador quase consegue matar o menino, dentro de uma igreja, mas é morto

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pela polícia antes. Damien é adotado pela famí-lia do presidente dos EUA. O Fim dos Dias (The End of Days) O Vaticano prevê que uma criança nas-cerá para ser a futura mãe do anticristo. A San-ta Sé não sabe onde nascerá a criança. 23 anos depois, exatamente em 1999, nos EUA, a espe-rada criança nasce e, logo ao nascer, é prepa-rada para seu destino pelos próprios médicos, agentes do Diabo, em um ritual iniciático. A menina, Christine York (Robin Tunney), cresce, perde sua mãe e é criada pela enfermeira que a ajudou no nascimento, responsável pela trama, junto com o médico obstetra. Ainda nos EUA, onde todos os eventos ocorre-rão, o segurança particular, Jericho Cane (Ar-nold Schwarzenegger), que não crê em mais

nada depois do assassinato de sua família, consegue evitar um atentado a seu protegido, um banqueiro poderoso (Gabriel Byrne) – que na verdade se trata do corpo onde o Diabo se encontra incorporado. Ao tentar descobrir o atentado, Jericho se envolve na trama, conse-guindo até mesmo salvar Christine da morte, por uma Ordem maçônica da Igreja. Por fim, depois de uma série de explosões e tiros, típi-cos dos filmes do ator, Jericho e Christine en-frentam o demônio. Jericho destrói o corpo hospedeiro, mas sua forma original, um mons-tro imenso, brota do chão e incorpora no segu-rança, que se suicida em prol da humanidade.

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ANEXO B: FICHAS TÉCNICAS COMPLETAS O EXORCISMO DE EMILY ROSE Título Original: The Exorcism of Emily Rose Gênero: Terror Tempo de Duração: 119 minutos Ano de Lançamento (EUA): 2005 Site Oficial: www.oexorcismodeemilyrose.com.br Estúdio: Lakeshore Entertainment / Firm Films Distribuição: Sony Pictures Releasing Direção: Scott Derrickson Roteiro: Paul Harris Boardman e Scott Derrick-son Produção: Paul Harris Boardman, Beau Flynn, Gary Lucchesi, Tom Rosenberg e Tripp Vinson Música: Christopher Young Fotografia: Tom Stern Desenho de Produção: David Brisbin Direção de Arte: Sandi Tanaka Figurino: Tish Monaghan Edição: Jeff Betancourt Elenco: Laura Linney (Erin Bruner) Tom Wilkinson (Padre Richard Moore) Campbell Scott (Ethan Thomas) Jennifer Carpenter (Emily Rose) Colm Feore (Karl Gunderson) Joshua Close (Jason) Kenneth Welsh (Dr. Mueller) Duncan Fraser (Dr. Cartwright) JR Bourne (Ray) Mary Beth Hurt (Juiz Brewster) Henry Czerny (Dr. Briggs) Shohreh Aghdashloo (Dra. Adani) Mary Black (Dra. Vogel)

O FIM DOS DIAS Título Original: End of Days Gênero: Suspense Tempo de Duração: 126 minutos Ano de Lançamento (EUA): 1999 Site Oficial: www.end-of-days.com Estúdio: Universal Pictures Distribuição: Universal Pictures / UIP Direção: Peter Hyams Roteiro: Andrew W. Marlowe Produção: Armyan Bernstein e Bill Borden Música: John Debney Direção de Fotografia: Peter Hyams Desenho de Produção: Richard Holland Direção de Arte: Charles Daboub Jr. Figurino: Bobbie Mannix Edição: Jeff Gullo e Steven Kemper Efeitos Especiais: Centropolis Effects / Rhythm & Hues / Stan Winston Studio / The Chandler Group / Todd-AO Digital Images Elenco Arnold Schwarzenegger (Jericho Cane) Gabriel Byrne (Diabo) Robin Tunney (Christine York) Kevin Pollak (Chicago) CCH Pounder (Detetive Margie Francis) Derrick O'Connor (Thomas Aquinas) Rainer Judd (Mãe de Christine) Miriam Margolyes (Mabel) Udo Kier (Padre) Luciano Miele (Conselheiro do Papa) Jack Shearer (Kellogg) Rod Steiger (Padre Kovak).

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O EXORCISTA Título Original: The Exorcist Gênero: Terror Tempo de Duração: 123 minutos Ano de Lançamento (EUA): 1973 Site Oficial: www.theexorcist.net Estúdio: Warner Bros. / Hoya Productions Distribuição: Warner Bros. Direção: William Friedkin Roteiro: William Peter Blatty, baseado em livro de William Peter Blatty Produção: William Peter Blatty Música: Jack Nitzsche Direção de Fotografia: Owen Roizman e Billy Williams Desenho de Produção: Bill Malley Figurino: Joseph Fretwell III Anthony Nicholls (Dr. Becker) Edição: Norman Gay, Evan A. Lottman e Bud S. Smith Elenco Ellen Burstyn (Chris MacNeil) Max von Sydow (Padre Merrin) Lee J. Cobb (Tenente Kinderman) Kitty Winn (Sharon Spencer) Jack MacGowran (Burke Dennings) Jason Miller (Padre Damien Karras) Linda Blair (Regan MacNeil) Reverendo William O'Malley (Padre Dyer) Barton Heyman (Dr. Klein) Peter Masterson (Barringer) Rudolf Schündler (Karl) Gina Petrushka (Willi) Robert Symonds (Dr. Taney) Reverendo Thomas Birmingham (Reitor da Uni-versidade) Mercedes McCambridge (Voz do demônio).

A PROFECIA Título Original: The Omen Gênero: Terror Tempo de Duração: 110 minutos Ano de Lançamento (EUA): 1976 Estúdio: 20th Century Fox Distribuição: 20th Century Fox Film Corporation Direção: Richard Donner Roteiro: David Seltzer Produção: Harvey Bernhard Música: Jerry Goldsmith Direção de Fotografia: Gilbert Taylor Direção de Arte: Carmen Dillor Edição: Stuart Baird Elenco Gregory Peck (Robert Thorn) Lee Remick (Katherine Thorn) David Warner (Jennings) Billie Whitelaw (Sra. Baylock) Harvey Stephens (Damien) Patrick Troughton (Padre Brennan) Martin Benson (Padre Spiletto) Robert Rietty (Monge) Tommy Duggan (Padre) John Stride (Psicanalista)

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Mestre em História Social - Docente da Rede Pública Estadual e da Secretaria Estadual de Ciência e Tecnologia (FAETEC). -Docente do curso de Licenciatura em História da UNIABEU

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Doutora em História Social - Docente do Centro Federal de Ensino Técnico (CEFET/RJ)

RESUMO - O Estado Novo de Getúlio Vargas (1937/45) e a Ditadura Militar (1964/85), estando distantes aproximadamente 20 anos, constituem-se em importantes passagens do século XX na História do Brasil. Apesar de cronologicamente próximos, encontram-se em contextos opostos, no que se refere às ideologias dominantes no cenário nacional, que refletiram as tensões do cenário in-ternacional. O presente estudo tem assim o objetivo de discutir algumas aproximações e distancia-mentos entre estes dois momentos, com destaque para o contexto sócio-político-econômico nacional e internacional antes e durante cada um deles; as ações golpistas que implantaram tais regimes; e os mecanismos de controle social e os esforços de legitimação do poder, com destaque para a propa-ganda ideológica. A questão das ações de propaganda merece uma abordagem mais atenta, tendo em vista que o DIP (Departamento de Imprensa e Propaganda) foi quem imprimiu um caráter perso-nalista à ditadura de Getúlio Vargas, enquanto que durante a ditadura militar, este personalismo não se fará presente. Cabe destacar, também, alguns aspectos econômicos, principalmente no que se refere ao fortalecimento da atividade produtiva estatal e aos investimentos estrangeiros nos mais diversos setores. Palavras-chave:Ditadura; Estado Novo; Propaganda.

ABSTRACT - The New State of Getulio Vargas (1937/45) and the Military Dictatorship (1964/85), being distant to approximately twenty years, consist in important passages of the twen-tieth century in the History of Brazil. Although chronologically next, they meet in opposing contexts, as regards the dominant ideologies in national scenario, which reflected the tensions of international scenario. This study thus has the objective to discuss some approaches to differences between these two moments, with emphasis on the sociopolitical context, national and international, before and dur-ing each of them; the actions coup leaders that have laid such schemes; and the mechanisms of so-cial control and the efforts of legitimization of power, with emphasis on the ideological propaganda. The question of the actions of propaganda deserves a more careful approach, with a view that the DIP (Department of the Press and Propaganda) was who gave a personalist character to the dictator-ship of Getulio Vargas, while, during the military dictatorship, this personalism will not be present. It is highlighted also, some economic aspects, especially with regards to the strengthening of productive activity of the state and foreign investments in various sectors.

Keywords: Dictatorship; New State; Propaganda.

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INTRODUÇÃO

uando pensamos na proposta deste arti-go, procuramos unir duas áreas distintas de pesquisa – o Estado Novo varguista,

ocorrido de 1937 a 1945, e a Ditadura Militar, ocorrida entre 1964 e 1945 – que, apesar de estarem separadas por quase 20 anos, são pro-cessos que encontram-se permeados de simili-tudes e contraposições. Entendemos também que estes são eventos que, para alguns seg-mentos sociais, bem como para alguns historia-dores, são contínuos e complementares. Com-preendemos, no entanto, que as contraposições existem efetivamente no modus operandi de ambos os casos, e mesmo nem sempre tão claras e bem definidas, às vezes muito sutis, marcaram expressivamente estes dois momen-tos históricos. O grau de dificuldade que encon-tramos nesta discussão reside no fato de que, em essência, são acontecimentos muito pareci-dos, e as diferenças, como dissemos, são muito sutis na maioria dos casos. Talvez daí surja o inusitado que torna a investigação tão excitan-te.

O Perfil dos Estados Autoritários

O que nos chama atenção de imediato nestes processos é o seu caráter de mudança e de transformação, que nem sempre se dão em grande escala, no que diz respeito aos agentes que ocupavam e aos que passaram a ocupar o poder central.

Os militares ligados a Escola Superior de Guerra em 1964 viam em João Goulart e em suas Reformas de Base uma concreta ameaça comunista. É claro que o sentimento anticomu-nista existia desde antes do Estado Novo, mas seu combate permanente somente se institu-cionalizou após a criação da Escola Superior de Guerra (ESG) em 1949. A justificativa legitima-dora era então a de livrar o país da ameaça

comunista, inserida num contexto tido à época como de fragilidade no poder central, ou ainda de uma tendência deste a posturas comunistas. Sem querer aqui julgar o mérito da questão, era muito mais fácil para o cidadão comum acreditar na ameaça existente naquele momen-to. Afinal, as propostas de João Goulart apon-tavam para um ideal de sociedade igualitária, com a reforma agrária e a socialização dos a-cessos à educação, saúde, infra-estrutura, e as reformas das áreas econômicas e fiscais.

Com o golpe desfechado em 1964, saem de cena os agentes que representavam a pos-sibilidade de reformas profundas, e, ao mesmo tempo, herdeiros do trabalhismo getulista, o sindicalismo organizado, e organizações de tendência comunista. Entram em cena novos atores que irão representar o conservadorismo de direita (num primeiro momento); os interes-ses políticos do capitalismo norte-americano que permeavam a Guerra Fria, expressos no binômio segurança e desenvolvimento da Dou-trina de Segurança Nacional defendida pela ESG.

Em suma, o golpe desfechado em 1964 determinou profundas transformações no con-texto sócio-político-econômico brasileiro, ferin-do a constituição ao retirar do poder um grupo legal e democraticamente eleito, instalando uma ditadura violenta, agressora dos direitos civis dos cidadãos. O novo grupo nada tinha de democrático, embora sua justificativa legitima-dora fosse a defesa da democracia. Persegui-ções e cassações se sucederam, como em qualquer regime autoritário, mas a mudança no poder central determinou novos rumos no ritmo de funcionamento dos poderes da nação. Até porque, o grupo que ali se instalou, o fez aten-dendo a uma nova ordem mundial de face capi-talista e anticomunista que se estabelecia no ocidente.

O golpe desfechado em novembro de 1937 por Getúlio Vargas acabou por confirmar uma centralização que já vinha se desenhando

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desde o movimento de 1930. Vargas realizou o que podemos entender como um golpe contra as instituições políticas que ele mesmo repre-sentava, permanecendo no poder por oito anos, numa ditadura conhecida como personalista, atendendo certamente, antes de tudo, aos seus interesses pessoais.

Logo de imediato, detectamos que aí re-sidem duas grandes diferenças entre os dois processos. Primeiro, o fato de Vargas ter articu-lado e desfechado o golpe, e ter governado sozinho, fazendo ele mesmo o jogo político, caracterizou sua ditadura como personalista, seguindo o modelo ditatorial europeu, princi-palmente da Alemanha nazista de Adolf Hitler e da Itália fascista de Benito Mussolini.

A segunda diferença diz respeito ao ca-ráter de transformação na cúpula do poder cen-tral, que, ao contrário do movimento de 1964, em 1937, não aconteceu. Vargas se manteve no cargo, através do fechamento do Congresso Nacional. O mais curioso neste aspecto é que a justificativa legitimadora de 1937 se parece muito com a de 1964: a defesa da democracia, e o combate à ameaça comunista. Aqui, a ame-aça se traduzia na intensa atividade do Partido Comunista Brasileiro e nas suas tentativas revo-lucionárias.

É possível se perceber em Vargas seu projeto pessoal de poder político e sua crença de que somente um governo de pulso forte livraria o Brasil das garras do comunismo. Ocor-re que, se as instituições políticas estavam em perigo, a fragilidade era do poder central que então não conseguiria enfrentá-lo. A falácia da descoberta do Plano Cohen legitima o golpe, esconde as reais fragilidades do Governo Cons-titucional e o seu iminente desgaste, diante da possibilidade de fracasso eleitoral no ano se-guinte. Com a implacável perseguição às princi-pais lideranças comunistas (como a Luís Carlos Prestes, preso desde o ano de 1936) e o com-bate aos levantes ocorridos, Vargas não de-monstrava perda de controle sobre este tipo de

situação. Mas a ameaça calava fundo na alma da fatia conservadora da sociedade brasileira, e nada mais legitimador que o discurso antico-munista e de manutenção da liberdade e da democracia.

Podemos então perceber que o Estado Novo foi uma ditadura de caráter absolutamen-te personalista, que defendeu a manutenção da liberdade e da democracia, com ordem, ao mesmo tempo em que seguia o mesmo modelo totalitário europeu, o que era uma enorme con-tradição.

Outra face passível de se confrontar com a ditadura militar passa exatamente pelo caráter personalista do Estado Novo e o culto à imagem de Getúlio Vargas.

A Imagem e a Propaganda Legitimadora

A forma de encarar e proceder o esforço de legitimação junto à sociedade tem faces dife-rentes, quando confrontamos os dois momen-tos ditatoriais. Normalmente um Estado Autori-tário se impõe pela força, e pela força e pelo medo se sustenta. Mas existem alternativas de suporte. Na sua tentativa de se legitimar, o Estado autoritário pode também utilizar violên-cia simbólica, na tentativa de formar um con-senso junto à sociedade. Chamamos de violên-cia simbólica a iniciativa de se estabelecer uma dominação ideológica, cultural e comportamen-tal da sociedade. Para tanto, junto à propagan-da, torna-se indispensável o controle da forma-ção educacional da sociedade, e da veiculação de informações.

Durante a Ditadura Militar a propaganda oficial viveu momentos diferenciados. Enquanto Cas-tello Branco (1964/1967) declarou sua aversão à propaganda oficial, foi no governo Médici (1969/1974) que esta aconteceu com maior eficiência, investimento e profissionalismo. Os demais presidentes militares (Costa e Silva –

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1967/1969; Ernesto Geisel – 1974/1979; e João Figueiredo – 1979/1985) sentiram a necessida-de do uso e lançaram mão da propaganda, mas normalmente o trabalho que serve de compara-ção foi o proporcionado pela AERP (Assessoria Especial de Relações Públicas) durante o go-verno Médici. Será este trabalho que confronta-remos com o do DIP (Departamento de Im-prensa e Propaganda) estadonovista.

A propaganda oficial produzida pela A-ERP, em sua incessante busca de formar um consenso em torno da legitimação do regime vigente, usou basicamente o binômio Seguran-ça/Desenvolvimento como escopo de suas campanhas. A propaganda ideológica tentou então vender para a população brasileira a idéia de que ela era coadjuvante de um grande processo de desenvolvimento. O objetivo era penetrar no imaginário popular e causar uma alteração de comportamento, características básicas da propaganda, como vimos, principal-mente a propaganda ideológica. Segundo Nel-son Jahr Garcia:

A propaganda ideológica (...) é mais ampla e mais global. Sua função é a de for-mar a maior parte das idéias dos indivíduos e, com isso orientar todo o seu comporta-mento social. As mensagens apresentam uma versão da realidade, a partir da qual se propõe a necessidade de manter a sociedade nas condições em que se encontra ou de transformá-la em sua estrutura econômica, regime político ou sistema cultural. (GAR-CIA, 1985)

A propaganda ideológica sempre foi uti-lizada em nosso país pelos mais diversos go-vernantes e grupos. Uns para manter o status quo e garantir seu poder, outros para transfor-mar a sociedade, todos procurando envolver as massas para alcançar seus objetivos.

Na maioria dos casos, a propaganda i-deológica assume uma característica que cer-tamente é uma de suas principais: a subjetivi-

dade. Assim, nem sempre é muito fácil perce-ber que se trata de dominação ideológica, e que há pessoas ou grupos tentando convencer outras a se comportarem de determinada ma-neira. As idéias difundidas nem sempre deixam transparecer sua origem, nem os objetivos a que se destinam. Por trás delas, porém, sempre existem certos grupos que precisam do apoio e participação de outros para a realização de seus intentos, e, com este objetivo, procuram persuadi-los a agir numa certa direção. E eles conseguem, muitas vezes, controlar todos os meios de comunicação, manipulando o conteú-do das mensagens, deixando passar algumas informações e censurando outras, de tal forma que só é possível ver e ouvir aquilo que lhes interessa. Visto dessa forma, a censura é tam-bém outro componente importante na domina-ção ideológica. É neste aspecto de subjetividade que o trabalho do DIP e o da AERP se confrontam. Veremos a seguir que a AERP cuidou de fazer campanhas exatamente desta forma, usando sutileza e subjetividade para alcançar seus ob-jetivos, enquanto o DIP, de forma inversa tra-balhava com o principio de afirmação da figura de Vargas, como centralizador e realizador de tudo o que fosse necessário para o país.

Como já pudemos verificar, o presidente Castello Branco era totalmente contrário ao uso de propaganda oficial. Acreditava na idéia de que a verdade se impõe por si só. Mais do que isso, acreditava que propaganda oficial era ins-trumento de regimes totalitários. Quando da criação da AERP, e principalmente a partir da gestão de Octávio Costa, a realização de cam-panhas de aparência despolitizada, sem o cará-ter de chapa branca tinham também o interesse em não deixar transparecer nenhum vestígio que pudesse trazer à lembrança o trabalho do DIP.

Criado em 1939, o Departamento de Imprensa e Propaganda, inicialmente sob a direção do jornalista Lourival Fontes, foi um dos pilares de sustentação do Estado Novo. Tinha

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duas atribuições: propaganda e censura. Sua cartilha interna definia perfeitamente suas atri-buições, quais eram:

...centralizar, coordenar, orientar e superintender a propaganda nacional, interna ou externa (...) fazer a censura do teatro, do cinema, funções recreativas e esportivas (...) da radiodifusão, da literatura (...) e da im-prensa(...) promover, organizar, patrocinar ou auxiliar manifestações cívicas ou exposi-ções demonstrativas das atividades do Go-verno. (GOULART, 1990)

O DIP fazia uma propaganda extrema-

mente personalista, e, por isso, totalmente cen-tralizada na figura do presidente. Getúlio Var-gas era apresentado como o Pai dos Pobres, aquele que estava conduzindo o Brasil ao de-senvolvimento, à prosperidade e à paz. Mas ele fazia isso sozinho, e ao povo caberia apenas a confiança do seu destino ao ditador.

Ao contrário do DIP, a AERP não centra-lizou suas campanhas na pessoa do presidente da república. Na verdade, orientou seu trabalho no sentido de buscar a participação popular ao projeto implementado pelos militares. Sua ação para com a imagem do Presidente Médici não era a de pai protetor, que faria tudo sozinho pelo povo, apesar de ter buscado incessante-mente sua popularização. Médici não foi apre-sentado como um super-herói. Ao contrário, as campanhas visavam um comprometimento po-pular, onde o povo teria uma figura tão desta-cada quanto a do presidente. Longe do estereó-tipo apresentado pelo DIP, não havia em torno de Médici a mística que foi criada em torno de Vargas.

A AERP, ao contrário do DIP, não fazia parte do aparato de censura. Como vimos aci-ma, o DIP tinha formalmente em suas diretrizes a tarefa da estabelecer a censura nos meios de comunicação. A AERP cuidava apenas da pro-paganda. Isto fez dela um organismo discreto e eficiente. Já o DIP tornou-se famoso e absolu-tamente temido. Principalmente por aqueles

que buscavam fazer do meio artístico ou da imprensa canais de resistência e oposição ao Estado Novo. O DIP fazia parte do aparato de informações e repressão do governo Vargas. Enquanto, no governo Médici, esta tarefa esta-va a cargo do SNI (Serviço Nacional de Infor-mações).

É possível verificar que o DIP utilizou-se em larga escala da mais moderna tecnologia existente à época. As transmissões de rádio, e as máquinas mais velozes e eficientes de im-pressão gráfica. Aliado a isso, montou também um monstruoso serviço de distribuição. Neste ponto encontramos uma semelhança entre os dois órgãos, tendo em vista que a AERP tam-bém utilizou o que havia de mais moderno em meios de comunicação e difusão.

O DIP ainda se caracterizou pelas pro-gramações cívicas, marcadas por grandes comí-cios, marchas e desfiles; utilização de cartazes, estandartes e galhardetes; grandes concentra-ções de massa, onde a figura central era o pre-sidente Getúlio Vargas. Isto mostra a aproxima-ção do modelo de dominação ideológica do governo, com o modelo nazi-fascista de Hitler e Mussolini. A AERP contrasta exatamente no seu estilo de propaganda. Era preciso, diga-se de passagem, desvincular a face ditatorial do re-gime militar, do totalitarismo dos regimes nazi-fascistas, bem como das ditaduras comunistas, principalmente do leste europeu.

Cabe destacar que o contexto interna-cional após a II Guerra ficou conhecido como Guerra Fria, quando boa parte do planeta vivia um processo de bipolarização política, econômi-ca, militar e ideológica, entre os Estados Unidos (liderança do Bloco Capitalista) e a União Sovié-tica (liderança do Bloco Comunista). O estereó-tipo do Bloco Capitalista, ao qual o Brasil estava se alinhando, era de defesa da democracia, liberdades civis, livre iniciativa e propriedade. Na verdade, em alguns países da América Lati-na, foram implantadas violentas ditaduras mili-tares, com o objetivo de impedir a presença

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comunista na região, bem como garantir a su-premacia dos Estados Unidos no ocidente.1 No caso brasileiro, como já abordamos, o binômio segurança e desenvolvimento expressava o mote de ação legitimadora do governo. No en-tanto, tal postura não combina com as práticas utilizadas para a manutenção do poder. Assim, a força da propaganda tornou-se essencial para transparecer normalidade, em meio à violência da repressão física e simbólica.

Verificamos então que, por caminhos di-ferentes, o Estado Novo (através do DIP) e a Ditadura Militar (particularizando o trabalho da AERP) buscaram o apoio popular com vistas à legitimação dos seus regimes. As intenções eram as mesmas, mas o modo como as ações se processaram foi diferente. Porém não pode-mos nos esquivar da constatação de que ambos os organismos, ao menos em um determinado espaço de tempo, obtiveram sucesso em suas atividades, e que os respectivos regimes encon-traram uma certa legitimidade junto à socieda-de.

O Modelo Econômico

Getúlio Vargas, ao longo do Estado No-vo, praticou um fervoroso nacionalismo. Isto se refletiu diretamente na economia, com uma política de criação de empresas estatais de grande porte, garantindo uma forte presença do Estado no setor produtivo.

Fazia parte da política estadonovista de Vargas manter factível, para a grande massa de trabalhadores, que havia por parte do governo a permanente preocupação tanto com o desen-volvimento da nação, como com o bem estar da população. Para tanto, deu continuidade às

1 Além do Brasil, na segunda metade do século XX, gol-

pes militares implantaram ditaduras na Argentina, Chile, Paraguai, El Salvador, Bolívia, Nicarágua, Granada, en-tre outros.

profundas transformações iniciadas ainda no Governo Provisório (1930 – 1934). Entre outras medidas, criou o salário mínimo (1938); regu-lamentou a Justiça do Trabalho (1941); criação da Consolidação das Leis Trabalhistas (1944). Fez parte de seu discurso também a geração de empregos, tendo em vista os investimentos do governo na produção, principalmente com a criação de grandes empresas.

Como já observamos, o discurso nacio-nalista de Vargas se refletiu diretamente na economia. A linha adotada por ele foi a de manter forte a presença do Estado no setor produtivo. Assim, o governo criou em 1938 o Conselho Nacional do Petróleo (CNP), fundou em 1941 a Companhia Siderúrgica Nacional (CSN), em 1942 a Fabrica Nacional de Motores (FNM) e a Companhia Vale do Rio Doce (C-VRD); e também a Cia. Hidrelétrica do São Francisco (CHESF).

O capital estrangeiro se fez presente em todas estas realizações, mas nos casos citados as empresas serviram de mote para o discurso nacionalista varguista. Cabe ressaltar que a presença do capital estrangeiro foi constante ao longo dos dois processos aqui estudados.

Se no Estado Novo o capital estrangeiro esteve presente subvencionando a presença do Estado no setor produtivo, durante a ditadura militar, este capital deixou de ser tão somente produtivo e passou a ser também especulativo.

A economia da ditadura Militar sofreu profundas variações ao longo do período. Basi-camente foram três as etapas. Num primeiro momento houve o que conhecemos com reces-são calculada. No período de 1964 a 1969 (Castello Branco a Costa e Silva) houve um gigantesco arrocho salarial e um rigoroso con-trole de preços. Desta forma o governo, con-tando também com a entrada de capitais via empresas multinacionais, e com um aumento da arrecadação tributária, preparava a econo-mia para o momento seguinte.

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Durante os anos de 1969 a 1974 (Médi-ci), o Brasil viveu a euforia econômica do frágil, porém decantado como forte e definitivo, Mila-gre Econômico Brasileiro. O Milagre controlou a inflação, estabilizou a moeda e tornou mais eficiente a arrecadação de impostos. Aumentou a produção industrial, o volume das vendas e a geração de empregos. Proporcionou captação de divisas, construiu casas, pontes, usinas e estradas. O Milagre, utilizado como instrumento de propaganda na busca de legitimação do re-gime, deveria fazer o povo acreditar que estava bem, não percebendo a defasagem dos seus salários. Mas o Milagre aumentou assustadora-mente a dívida externa2 e a dívida interna. Au-mentou as desigualdades sociais, fazendo dos ricos cada vez mais ricos, e dos pobres ainda mais pobres.

O Milagre ruiu como um suntuoso caste-lo de areia muito na beira do mar. Uma primei-ra onda mais forte o derrubou. E esta onda veio em forma de falta de lastro financeiro para sus-tentá-lo, crise internacional, principalmente do setor energético, e desgaste das ditaduras lati-no-americanas , inclusive a brasileira. O terceiro momento econômico da ditadura militar diz respeito exatamente à tentativa de se adminis-trar a crise, nos anos de 1975 a 1985 (Geisel e Figueiredo). Foram momentos de hiperinflação, desvalorização acentuada da moeda, desabas-tecimento e desemprego.

A crise de fins do Estado Novo é uma crise mundial pós-guerra. Previsível, tendo em vista a magnitude do conflito. No caso da Dita-dura Militar, ela é, antes de tudo, o resultado de um projeto ambicioso, excludente, arriscado e também, por isso, irresponsável.

2 A corrida desenfreada por captação de divisas fez crescer a

divida externa de US$ 3,9 bilhões em 1968, para US$ 12,5 bilhões em 1973.

CONCLUSÃO Em tese, estas foram as mais significati-vas contraposições que percebemos nos dois eventos estudados. É claro que ainda podería-mos aprofundar alguns elementos já citados e realizar outras investigações mais aprofunda-das. Percebemos que, grosso modo, os dois momentos ditatoriais em muito se parecem, principalmente no que diz respeito à brutalida-de da repressão. Em ambos os casos, encon-tramos momentos de picos repressivos e mo-mentos mais brandos. Porém o perfil dos per-seguidos era o mesmo, como aliás em geral acontece nos regimes autoritários: opositores. Não obstante as diferenças, que dizem respeito a números e/ou siglas, os resultados humanos foram muito parecidos. Sofreu a população. Sofreram os trabalhadores. Prisões, torturas, mortes, perseguições, clivagem social, inflação, dor, fome... Ω

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Referências Bibliográficas

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ALVES, Maria Helena Moreira. Estado e Oposição no Brasil (1964 – 1984). Petrópolis: Vozes. 1985. ARQUIDIOCESE DE SÃO PAULO. Brasil: Nunca Mais. Petrópolis: Vozes. 1985.

FICO, Carlos. Reinventando o Otimismo - ditadura, propaganda e imaginário Social no Brasil. Rio de Janeiro: Fundação Getúlio Vargas. 1997. FILHO, Ciro Marcondes. Tudo o Que o Cidadão Precisa Saber Sobre Ideologia. Série Sociedade e Estado. Ca-dernos de Educação Política. Rio de Janeiro: Global. 1990.

GARCIA, Nelson Jahr. Estado Novo – Ideologia e Propaganda Política. São Paulo: Edições Loyola. 1982

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MENDONÇA, Sonia Regina de. Estado, Violência Simbólica e Metaforização da Cidadania. In: Revista Tempo. No 1 . Depto História - UFF. Niterói: 1996.

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Revista Científica UNIABEU 87 Belford Roxo – RJ V. nº 2 – p. 87 - 95 jul-dez 2008

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LETRAS Exegese Bíblica Literatura e Cultura Brasileiras

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SAÚDE Anatomia Funcional e Biomecânica: Clínica e Desportiva Enfermagem de Alta Complexidade em UTI Enfermagem do Trabalho Farmácia Hospitalar Farmacologia Clinica Fisioterapia Pneumofuncional em Terapia Intensiva Medicina Desportiva e Ciências da Atividade Física Musculação e Treinamento de Força: Biomecânica e Fisiologia Programa de Saúde da Família

TECNOLÓGICA Análise, Projeto e Gerência de Sistemas MBA em Gerência e Segurança de Redes Tecnologia da Produção de Biocombustíveis MULTIDISCIPLINAR Políticas Sociais Terapia Familiar

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Revista Científica UNIABEU 89 Belford Roxo – RJ V. nº 2 – p. 89 - 95 jul-dez 2008

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UNIABEU Campus 1 – (SEDE) Belford Roxo Rua Itaiara, 301 – Centro. CEP: 26113-400 – Belford Roxo – RJ Tels: (21) 2104-0450 – Fax: (21) 2104-0461 E-mail: [email protected]

HUMANAS E SOCIAIS - ADMINISTRAÇÃO Modalidade: Bacharelado - CIÊNCIAS CONTÁBEIS Modalidade: Bacharelado - GESTÃO EM MARKETING Modalidade: Tecnológico - GESTÃO AMBIENTAL Modalidade: Tecnológico - GESTÃO EM RECURSOS HUMANOS Modalidade: Tecnológico - SERVIÇO SOCIAL Modalidade: Bacharelado

SAÚDE - CIÊNCIAS BIOLÓGICAS Modalidade: Licenciatura e Bacharelado - EDUCAÇÃO FÍSICA Modalidade: Licenciatura e Bacharelado - ENFERMAGEM Modalidade: Bacharelado - FARMÁCIA Modalidade: Bacharelado - FISIOTERAPIA Modalidade: Bacharelado - NUTRIÇÃO Modalidade: Licenciatura e Bacharelado

TECNOLOGIA - ENGENHARIA CIVIL Modalidade: Licenciatura e Bacharelado - ENGENHARIA DE PRODUÇÃO Modalidade: Licenciatura e Bacharelado - ENGENHARIA QUÍMICA Modalidade: Bacharelado - QUÍMICA Modalidade: Bacharelado

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As Revistas UNIABEU são publicadas pelo ABEU – Centro Universitário, e destinam-se a publicar tra-balhos de áreas e temáticas diversificadas, ligadas ou não aos cursos ministrados pela instituição.

Revista UNIABEU – HUMANAS E TECNOLÓGICAS – destina-se à publicação de trabalhos que tratem de temáticas relacionadas às áreas das Ciências Humanas e de Tecnologia.

Revista UNIABEU – EDUCAÇÃO E SAÚDE – destina-se à publicação de trabalhos que tratem de temá-ticas relacionadas às áreas da Educação e da Saúde.

Os artigos apresentados, inéditos ou não, são de responsabilidade do(s) autor(es). A UNIABEU não deterá a exclusividade de publicação do artigo, porém caberá ao(s) autor(es) notificar ao Conselho Editorial se a matéria é inédita ou não.

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PREPARAÇÃO DE MANUSCRITOS

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O corpo do texto de artigos originais deve ser estruturado contendo introdução, metodologia, resul-tados e discussão, conclusão, agradecimentos (opcional) e referências bibliográficas.

O corpo do texto de artigos de revisão deve conter uma introdução, o desenvolvimento do tema, conclusão, agradecimentos (opcional) e referências bibliográficas.

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As figuras, tabelas, gráficos etc. deverão ser colocados após as referências bibliográficas, devidamen-te legendadas e numeradas com algarismos arábicos, indicando, no texto, o lugar em que devem ficar inseridos. Devem ter qualidade gráfica adequada (usar somente fundo branco) e, se escanea-das, devem ser em alta resolução. Fotografias devem estar em formato jpg ou tif, com alta defini-ção. As figuras escaneadas ou fotografias que não apresentarem boa condição de reprodução gráfica não poderão ser publicadas. As legendas das tabelas devem ser colocadas acima destas. As legendas das figuras, gráficos, fotografias etc devem ser colocadas abaixo destas.

Figuras coloridas devem ser evitadas. Se o colorido for extremamente necessário, o custo de publica-ção será repassado aos autores, quando da publicação. Esse valor só poderá ser informado aos auto-res quando o trabalho estiver previsto para ser publicado, ocasião em que a gráfica fornece o orça-mento.

Para figuras, tabelas, fotografias etc, idênticos aos já publicados anteriormente na literatura, deve ser verificada a necessidade de solicitação de permissão de publicação. Em caso positivo, os autores de-vem solicitar a permissão à empresa/sociedade/organização que detenha os direitos autorais e enviá-la à Revista UNIABEU, junto com a versão final do manuscrito (versão final do autor, modificada após o parecer da Revista).

As Referências Bibliográficas devem conter exclusivamente os autores e textos citados no trabalho e ser apresentadas ao final do manuscrito, em ordem alfabética, obedecendo os exemplos abaixo (a-tente-se às letras em itálico, maiúsculas e minúsculas, aos pontos, dois pontos e vírgulas e à ordem das informações):

1. Livros:

SANTOS, Júlio César Furtado dos, (2009). Aprendizagem significativa: modalidades de aprendizagens e o papel do professor. 2ª ed. Porto Alegre, RS: Editora Mediação.

Obs: a) se o livro for uma tradução, indicar o nome do tradutor no final (Tradução de ...)

b) para mais de um autor, separar os nomes por vírgula.

Exemplo: APPLE, M. W., (1989). Educação e poder. 2ª ed. Porto Alegre: Artes Médicas. Tradução de Maria Cristina Monteiro.

2. Capítulos de livro e coletâneas:

PESSANHA, Andréa Santos (2008). André Rebouças e a questão racial no século XIX. In: NASCIMEN-TO, A., PEREIRA, A., OLIVEIRA, L. F. (orgs.) Histórias, culturas e territórios negros na educação: re-flexões docentes para uma reeducação das relações étnico-raciais. Rio de Janeiro: FAPERJ / E-papers. p. 121-136.

Obs: a) se houver mais de uma edição, esta deve ser indicada após o título da obra, separada por ponto.

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Humanas e Tecnológicas

Revista Científica UNIABEU 95 Belford Roxo – RJ V. nº 2 – p. 95 - 95 jul-dez 2008

b) se o livro for uma tradução, indicar o nome do tradutor no final (Tradução de ...)

c) para mais de um autor, separar os nomes por vírgula.

3. Artigos:

ANJOS, Roberto Corrêa dos, (2008). Da heteronomia à autonomia: uma abordagem desenvolvimen-tista da formação de valores através do desporto escolar. Revista UNIABEU Educação e Saúde, Ano 1, no.2, p 19-26.

Obs: a) o nome do periódico deve vir por extenso.

b) para mais de um autor, separar os nomes por vírgula.

4. Patentes:

HUSSONG, R.V., MARTH, E.H., VAKALERIS, D.G. January 1964. Manufacture of cottage cheese. U.S. Pat. 3, 117, 870.

5. Teses e dissertações acadêmicas:

RAMOS, Aline de Souza, (2006). Produção de aroma de coco em fermentação semi-sólida. Disserta-ção de Mestrado. Universidade Federal do Rio de Janeiro.

6. Comunicações em eventos (Simpósios, Conferências, etc):

MEDEIROS, S.F., LEITE, S.G.F., FREITAS, A.C.C., WILLIAMSON, J.S. (2000). Hydroxylation of 10-deoxoartemisinin by Mucor ramannianus. 41 Annual Meeting of the American Society of Pharmacog-nosy, Seattle, WA, EUA.

7. Publicações na WEB:

STRONACH, Bill. (2004) Álcool e redução de danos. In: BRASIL. Ministério da Saúde. Secretaria de Atenção à Saúde. Departamento de Ações Programáticas Estratégicas. Álcool e Redução de Danos. Uma abordagem inovadora para países em transição. 1a ed. Versão traduzida e ampliada. Brasília: Editora MS. Tradução: Mariane A. R. de Oliveira. Disponível em:

http://portal.saude.gov.br/portal/arquivos/pdf/Livro%20Alcool.pdf

8. Webpage

OBSERVATÓRIO Brasileiro de Informações sobre Drogas (OBID). http://obid.senad.gov.br. Acesso em: 13 de outubro de 2008.