8 A COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA ELEITORAL NO ÂMBITO CRIMINAL

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8 A COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA ELEITORAL NO ÂMBITO CRIMINAL No âmbito criminal, a competência da Justiça Eleitoral dá pouca margem a controvérsias, visto que lhe cabe julgar os crimes eleitorais, capitulados no Código eleitoral e na legislação extravagante. Muitos desses crimes eleitorais assemelham-se com os crimes catalogados no Código penal, com a diferença de que o elemento subjetivo do tipo penal-eleitoral caracteriza-se pela motivação especial do agir ("para fins eleitorais"), vale dizer, exige-se que o dolo se volte a finalidades eleitorais, como nos crimes de falsidade material e ideológica. São nesses casos, de coincidência parcial de tipos penais comuns e eleitorais, que surgem as controvérsias em matéria de competência criminal da Justiça Eleitoral. Exemplo disso é aquele conhecido como "esquema Paubrasil". Foi instaurado processo criminal na Justiça Federal de São Paulo contra o ex-tesoureiro da campanha do ex-prefeito Paulo Maluf e contra o pianista João Carlos Martins, cuja empresa, Paubrasil, teria sido usada na arrecadação irregular de recursos, estimados em US$ 30 milhões, para financiar as campanhas de Maluf a governador ( 1990) e a prefeito ( 1992). Os crimes seriam, entre outros, de falsidade ideológica (emissão de notas frias e faturas falsas) e formação de quadrilha. O ex-tesoureiro suscitou conflito de competência ao STF, com o objetivo de deslocar a competência do processo criminal para a Justiça Eleitoral, na qual tramitava investigação judicial eleitoral por abuso de poder econômico e uso indevido dos meios de comunicação O STF não conheceu do conflito, mas deferiu habeas corpus de oficio em favor do suscitante, para anular, a partir da denúncia, inclusive, o processo criminal instaurado perante a Justiça Federal, visto que os crimes de falsidade ideológica tinham motivação eleitoral, qualificando-se assim como crimes eleitorais, e os demais crimes comuns eram conexos aos delitos eleitorais (CC n. 7.033-SP, Rei. Min. Sydney SANCHES, julgado em 02.10,96, Informativo do STF, n 48, p. 1) Havendo crimes eleitorais conexos a crimes comuns (de competência da Justiça Estadual ou Federal), prorroga- se, de regra, a competência da Justiça Eleitoral, por ser jurisdição especial, para o julgamento dos crimes comuns (Código eleitoral, arts. 35, II, e 364; Código de processo penal, art. 78, IV) Tem-se, aqui, caso tipico de expansão infraconstitucional da competência da Justiça Eleitoral, da qual se tratou no item 3 do presente artigo. Destarte, o art. 35, II, do Código eleitoral vale, por força do principio da recepção, como lei complementar, porque trata de matéria que a Constituição reservou a essa Lex speciafis (CF, art. 121, caput). Por outro lado, do ponto de vista material, tal expansão da competência da Justiça Eleitoral também se mostra constitucional, por lastreada em critério razoável, a conexão dos crimes. Também quanto à determinação da competência criminal da Justiça Eleitoral, o critério material é decisivo, preponderando sempre sobre o critério temporal, conforme aventado no item 6, supra. Assim, já assentou a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, ao qual cabe julgar conflitos entre juízes eleitorais e juizes de direito (CF, art. 105' I, "d"), que crime contra a honra, praticado embora durante o período eleitoral, quando vise mais à honra pessoal do que à do candidato propriamente dito, vale dizer, quando não tenha conotações eleitorais, é da competência da Justiça Comum (CC n. 3.852-SP, Rel. Min. José DANTAS, DJU, de 23.08.93; CC n. 4.187-PR, Rel. Min. Ademar Maciel, DJU, de 30.08.93). Atuação do Ministério Público Eleitoral O Ministério Público Eleitoral atua em todas as fase do processo eleitoral. Nas eleições municipais, agem os promotores eleitorais. Os procuradores regionais são responsáveis pelas ações contra candidatos a governador, deputado e a senador, pois o julgamento cabe ao Tribunal Regional Eleitoral. Também atuam nos recursos contra as decisões dos juízes de primeiro grau. Quando se trata de candidato à Presidência da República, a competência para julgar é do Tribunal Superior Eleitoral, e para propor ação, portanto, do procurador-geral Eleitoral.

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8 A COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA ELEITORAL NO ÂMBITO CRIMINAL

No âmbito criminal, a competência da Justiça Eleitoral dá pouca margem a controvérsias, visto que lhe cabe julgar os crimes eleitorais, capitulados

no Código eleitoral e na legislação extravagante. Muitos desses crimes eleitorais assemelham-se com os crimes catalogados no Código penal,

com a diferença de que o elemento subjetivo do tipo penal-eleitoral caracteriza-se pela motivação especial do agir ("para fins eleitorais"), vale

dizer, exige-se que o dolo se volte a finalidades eleitorais, como nos crimes de falsidade material e ideológica. São nesses casos, de coincidência

parcial de tipos penais comuns e eleitorais, que surgem as controvérsias em matéria de competência criminal da Justiça Eleitoral. Exemplo disso é

aquele conhecido como "esquema Paubrasil". Foi instaurado processo criminal na Justiça Federal de São Paulo contra o ex-tesoureiro da

campanha do ex-prefeito Paulo Maluf e contra o pianista João Carlos Martins, cuja empresa, Paubrasil, teria sido usada na arrecadação irregular

de recursos, estimados em US$ 30 milhões, para financiar as campanhas de Maluf a governador ( 1990) e a prefeito ( 1992). Os crimes seriam,

entre outros, de falsidade ideológica (emissão de notas frias e faturas falsas) e formação de quadrilha. O ex-tesoureiro suscitou conflito de

competência ao STF, com o objetivo de deslocar a competência do processo criminal para a Justiça Eleitoral, na qual tramitava investigação

judicial eleitoral por abuso de poder econômico e uso indevido dos meios de comunicação O STF não conheceu do conflito, mas deferiu habeas

corpus de oficio em favor do suscitante, para anular, a partir da denúncia, inclusive, o processo criminal instaurado perante a Justiça Federal, visto

que os crimes de falsidade ideológica tinham motivação eleitoral, qualificando-se assim como crimes eleitorais, e os demais crimes comuns eram

conexos aos delitos eleitorais (CC n. 7.033-SP, Rei. Min. Sydney SANCHES, julgado em 02.10,96, Informativo do STF, n 48, p. 1)

Havendo crimes eleitorais conexos a crimes comuns (de competência da Justiça Estadual ou Federal), prorroga-se, de regra, a competência da

Justiça Eleitoral, por ser jurisdição especial, para o julgamento dos crimes comuns (Código eleitoral, arts. 35, II, e 364; Código de processo penal,

art. 78, IV) Tem-se, aqui, caso tipico de expansão infraconstitucional da competência da Justiça Eleitoral, da qual se tratou no item 3 do presente

artigo. Destarte, o art. 35, II, do Código eleitoral vale, por força do principio da recepção, como lei complementar, porque trata de matéria que a

Constituição reservou a essa Lex speciafis (CF, art. 121, caput). Por outro lado, do ponto de vista material, tal expansão da competência da Justiça

Eleitoral também se mostra constitucional, por lastreada em critério razoável, a conexão dos crimes.

Também quanto à determinação da competência criminal da Justiça Eleitoral, o critério material é decisivo, preponderando sempre sobre o critério

temporal, conforme aventado no item 6, supra. Assim, já assentou a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, ao qual cabe julgar conflitos

entre juízes eleitorais e juizes de direito (CF, art. 105' I, "d"), que crime contra a honra, praticado embora durante o período eleitoral, quando vise

mais à honra pessoal do que à do candidato propriamente dito, vale dizer, quando não tenha conotações eleitorais, é da competência da Justiça

Comum (CC n. 3.852-SP, Rel. Min. José DANTAS, DJU, de 23.08.93; CC n. 4.187-PR, Rel. Min. Ademar Maciel, DJU, de 30.08.93).

Atuação do Ministério Público Eleitoral

O Ministério Público Eleitoral atua em todas as fase do processo eleitoral. Nas eleições municipais, agem os promotores eleitorais. Os

procuradores regionais são responsáveis pelas ações contra candidatos a governador, deputado e a senador, pois o julgamento cabe ao Tribunal

Regional Eleitoral. Também atuam nos recursos contra as decisões dos juízes de primeiro grau. Quando se trata de candidato à Presidência da

República, a competência para julgar é do Tribunal Superior Eleitoral, e para propor ação, portanto, do procurador-geral Eleitoral.

Observação -  As decisões do Tribunal Superior Eleitoral são irrecorríveis, salvo as que declararem a invalidade de lei ou ato contrário à

Constituição Federal e as denegatórias de habeas corpus ou mandado de segurança, das quais caberá recurso para o Supremo Tribunal Federal.

Exemplos da atuação do MPE no âmbito judicial:

Ação de Investigação Judicial Eleitoral (art. 22, da LC 64/90)

Tem por objetivo apurar denúncias de atos que configurem abuso de poder econômico e/ou político no período que vai do deferimento do registro

de candidatura até a eleição (atos praticados, portanto, durante a campanha eleitoral). Se for julgada após as eleições, cópia da AIJE deve ser

enviada ao Ministério Público para a propositura do Recurso contra Diplomação ou da Ação de Ipugnação de Mandato Eletivo.

Ação de Impugnação de Mandato Eletivo (art. 14, § 10, da Constituição)

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A AIME visa à cassação do mandato; por isso, tem de ser proposta em até 15 dias contados da diplomação. Ou seja, o candidato já está eleito,

empossado, mas existem provas de que ele praticou abuso de poder econômico, corrupção ou fraude durante o processo eleitoral, o que teria

viciado o seu mandato, obrigando à cassação.

Recurso Contra Diplomação (art. 262, I, do Código Eleitoral)

É uma espécie de ação eleitoral que visa a anular o resultado de um pleito, porque há prova de que determinados atos viciaram esse resultado,

tornando-o ilegítimo. O Código Eleitoral prevê as hipóteses específicas de cabimento do Recurso contra a Diplomação (por exemplo, a

interpretação equivocada da lei quanto à aplicação do sistema de representação proporcional; o erro de direito ou de fato na apuração final quanto

à determinação do quociente eleitoral ou partidário, contagem de votos e classificação de candidato, ou a sua contemplação sob determinada

legenda).

Representações e Reclamações

É toda denúncia de irregularidade que chega ao conhecimento da Justiça Eleitoral. As mais comuns são as representações por propaganda

eleitoral irregular previstas pela Lei 9.504/97.

Impugnações

As impugnações constituem espécie de contestação a atos administrativos ou judiciais praticados pelas autoridades durante o processo eleitoral.

Exs.: o Código prevê prazo de cinco dias para impugnação dos pedidos de 2ª via de título de eleitor (art. 52, § 2º); da mesma forma, é previsto

prazo de 10 dias para impugnação aos pedidos de transferência de domicílio eleitoral (art. 57); outra hipótese é a impugnação por violação de

urna, que deve ser apresentada à Junta Eleitoral antes da sua "abertura". 

Observação: a lei eleitoral utiliza o termo "impugnar" numa outra hipótese de natureza jurídica completamente diversa. Trata-se da ação de

impugnação a registro de candidatura (instrumento utilizado para impedir que uma pessoa se candidate a cargo eletivo, porque não apresentou

determinados documentos que comprovam sua habilitação, ou porque sua situação jurídico-eleitoral não satisfaz as exigências legais. Por

exemplo, um candidato a prefeito que é inelegível em razão de parentesco de primeiro grau com o antecessor).

Recursos Eleitorais

É todo recurso contra decisão da Justiça Eleitoral. Por exemplo, o juiz defere inscrição de eleitor contra a qual se opõe o promotor Eleitoral: o MP

poderá recorrer dessa decisão. Outra hipótese: o Ministério Público representou contra um partido político por propaganda eleitoral irregular e o

juiz julgou-a improcedente: o MP recorrerá ao TRE.

Ações Penais Eleitorais

São as ações que buscam a punição e a responsabilização daqueles que praticaram crimes eleitorais. A compra de votos é o crime eleitoral mais

conhecido, mas inúmeras outras condutas também configuram crime, apesar de comumente serem vistas apenas como meras irregularidades:

inscrição eleitoral fraudulenta; transporte irregular de eleitores no dia da votação; violar ou tentar violar o sigilo da urna; caluniar, difamar ou injuriar

por meio da propaganda eleitoral; realizar propaganda eleitoral em locais não permitidos etc. Importante salientar que, também na área eleitoral,

os crimes são de ação penal pública, ou seja, somente o Ministério Público é que está autorizado a oferecer denúncia por crime eleitoral.