8 fundamentos da psicanálise

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Naturalmente, devemos estar advertidos, embora esses temas epistemológicos interessem direta e fundamentalmente à psicanálise, não se trata exatamente do conhecimento que essa teoria trata. Mas nem por isso são temas menos importantes a ela.

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Ao contrário, o tema da realidade e suas questões associadas atravessam a teoria freudiana de ponta a ponta. Não é preciso muito para estabelecer o ponto. Nós vemos, com efeito, que se formam ao redor desta problemática algumas de suas noções fundamentais.

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Por exemplo, Freud vai distinguir entre realidade material e realidade psíquica, a primeira designando tudo o que é obtido a partir do mundo exterior, a segunda designando ao mesmo tempo as construções fantasmáticas do desejo e a apropriação que ele faz da realidade material.

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Ele vai, de outra parte, opor o princípio do prazer ao princípio da realidade, atribuindo a este o papel de princípio “corretivo” do primeiro. E, finalmente, não devemos esquecer que Freud definiu a neurose como uma espécie de fuga de um fragmento insuportável da realidade (material) e a psicose como a rejeição e um remodelamento dramático desta última.

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O QUE É O INCONSCIENTE?

Depois de um século de existência da teoria e da prática psicanalíticas, tal pergunta poderia, de fato, parecer irrisória. Não é essa a posição que defendo: tal questão insiste em exigir de nós uma maior elaboração, desde que Freud introduziu em seus primeiros trabalhos psicanalíticos o conceito de inconsciente.

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De fato, a questão sobre “o que é o inconsciente?” foi continuamente sustentada por Jacques Lacan — cujo ensino constitui nosso eixo condutor da leitura de Freud — enquanto enigma maior que exige decifração.

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Num de seus escritos mais tardios, por exemplo, Lacan surpreende ao estabelecer uma analogia entre inconsciente/psicanálise e natureza/física e asseverar que “a estrutura, sim, da qual a psicanálise impõe o reconhecimento, é o inconsciente.

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Parece bobo lembrá-lo, mas o é muito menos quando se percebe que ninguém sabe o que isso é. Isto não deve nos deter. Nós também não sabemos nada sobre o que é a natureza, o que não nos impede de ter uma física, e de um alcance sem precedente, pois ela se chama a ciência”.

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Considero sobretudo que, precisamente porque não temos podido dar uma resposta mais abrangente à tal questão sobre o que é o inconsciente, a psicanálise tem sido alvo de inúmeros equívocos.

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Mais essencialmente, vê-se que a psicanálise tem sido repudiada pelos outros saberes em algumas de suas teses fundamentais ou, ainda, tem sido fonte de grandes mal-entendidos entre os próprios psicanalistas.

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O conceito freudiano de pulsão, para tomar um exemplo central nos desenvolvimentos deste volume e cujo estatuto transdisciplinar pretendo enfatizar, é revelador disso:

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Considerado por Lacan um dos quatro conceitos fundamentais da psicanálise, a pulsão não abriu via de reflexão junto aos outros saberes, e, mesmo entre os psicanalistas, prestou-se até hoje a equívocos básicos, que podem ser atestados pela desvirtuação produzida pela escola inglesa ao traduzir o termo alemão Trieb por instinto.

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A história da incompreensão desse conceito talvez possa ser lida como essencialmente ligada à história das resistências à psicanálise — a história de uma verdadeira repulsão à pulsão. No entanto, como veremos, segundo a leitura lacaniana de Freud, a pulsão é o conceito psicanalítico que mais se revela inseparável da questão sobre o que é o inconsciente.

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A PSICANÁLISE E SEU FUNDAMENTO EPISTEMOLÓGICO Nos anos iniciais do século XX houve uma intensa e efetiva contestação da cientificidade da psicanálise, o que levou Freud a enfatizar a cientificidade da nova ciência por meio de sua publicação Os instintos e suas vicissitudes (1915). Esta contestação, como vimos, era oriunda de filósofos, psicólogos e médicos, os quais contestavam a pretensão à cientificidade por parte da psicanálise.

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Com efeito, esta rejeição teve início desde que Freud realizou uma conferência em Viena, em 1886, na qual apresentou a teoria do trauma e da sedução das psiconeuroses. Nesta ocasião suas teorias foram consideradas “um conto de fadas científico” pelo eminente Krafft Ebing, que escrevera uma obra de referência da sexologia chamada psicopatia sexuais. Em 1900, ao publicar A interpretação dos sonhos, o não reconhecimento científico persistiu a ponto de seu tratado ser considerado um trabalho estético sobre os sonhos e não como uma teoria científica.

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Segundo o Empirismo lógico, a condição para legitimar e reconhecer cientificamente um enunciado teórico seria a possibilidade de verificá-lo empiricamente, desta maneira os enunciados científicos seriam dotados de sentido.

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E o que se colocava, então, para a psicanalise era a impossibilidade de verificação dos enunciados metapsicológicos, como os conceitos de instinto (ou pulsão) de vida e de morte. Estes, por sua vez, não teriam sentido, pois não poderiam ser verificados empiricamente.

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Portanto, foi por causa destas oposições que Freud retomou a problemática da fundação epistemológica da psicanálise na sua obra Os instintos e suas vicissitudes (1915) para oferecer uma justificativa para a metapsicologia e para a psicanálise, juntamente com diversas monografias clínicas com preocupações epistemológicas, além de promover a difusão da psicanálise e a formação de analistas (BIRMAM, 2009).

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Até o presente momento nota-se a irrefutabilidade da existência de um registro inconsciente no psiquismo humano, registro este ratificado pela experiência clínica, da qual surgiu legitimamente uma nova ciência: a ciência que possui por objeto material os processos inconscientes.

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Todavia, não seria possível para Freud desenvolver os conceitos fundamentais da psicanálise sem uma epistemologia, sem a qual também não é possível a construção metodológica de qualquer discurso científico, pois, com efeito, necessariamente um existe em referência a outro.

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A argumentação freudiana é simultaneamente simples e clara ao sustentar a cientificidade da psicanálise, pois, a psicanálise não empregaria nenhum procedimento distinto daquele realizado no campo dos demais discursos científicos.

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A psicanálise deve ter o mesmo tratamento reservado às demais ciências. Desta forma, é preciso enfatizar que as ciências em geral não surgiram conceitualmente prontas. Com efeito, todas demoraram muito até fixarem seus conceitos fundamentais e sua metodologia.

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Ademais, não foi pela construção clara e bem definida destes que as ciências foram estabelecidas e reconhecidas. Foi preciso, portanto, que elas ultrapassassem momentos de dúvida até que seus conceitos fundamentais pudessem ser estabelecidos.

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Com efeito, ao comparar a psicanálise com a medicina, por exemplo, é possível afirmar que a segunda possui por objeto material definido o corpo humano, e como objeto formal, o conhecimento da causa das doenças com o intuito de atenuá-las e promover a saúde.

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Por seu turno, a psicanálise, em síntese, possui por objeto material o inconsciente e por objeto formal a etiologia das neuroses, seu significado subjetivo, objetivando, por conseguinte, sua cura pelo método da associação livre.

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Assim como o corpo humano e as doenças são dados empíricos imediatos na medicina (não obstante seus desenvolvimentos históricos, desde Hipócrates até os nossos dias, ora abandonando conceitos, ora aprimorando-os), a psicanálise, igualmente, possui seu objeto material de estudo na qualidade de dado inegável da experiência, a saber, o inconsciente e suas manifestações, sobre o qual, então, deve erigir seu edifício conceitual.

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O quadro da presença da psicanálise na cultura neste fim de século XX, que comemora um centenário da descoberta freudiana, é ambíguo, senão confuso.

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Na cultura, a psicanálise tem sido alvo de enorme assimilação e, simultaneamente, de grande repúdio: a onipresença da psicanálise nos quadros da universidade, por um lado, e no discurso diário da mídia, por outro, atesta o primeiro fato; ao passo que um certo descrédito do meio savant, ilustrado pontualmente, mas de maneira bastante significativa, pela recente suspensão e adiamento da exposição “Freud, conflito e cultura” pela Biblioteca do Congresso de Washington, manifesta o segundo.

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Cada um a seu turno, Freud e Lacan ressaltaram que a cultura norte-americana sempre se pautou por uma poderosa resistência ao discurso psicanalítico.

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Decorre desse fato que a pluralidade das produções teóricas mais criativas da psicanálise contemporânea venha se norteando por uma referência quase absoluta aos desenvolvimentos trazidos pelo ensino de Lacan.

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Como apontou recentemente Alain Didier-Weill, a “tarefa que Lacan nos deixou, por seu trabalho de retorno a Freud, é de uma grande exigência, pois reconhecemos que esse retorno se especifica por não poder ser realizado de uma vez por todas”.

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Se não tivermos em mente que o retorno a Freud é um ato que deve ser repetido em sua virulência, nosso pensamento se desenvolverá sob o ascendente exclusivo do princípio de prazer e não resistirá “à tentação que lhe é proposta pelo pensamento dogmático, ou ideológico, cuja função é a de fazer com que se cale a questão singular, trazendo-lhe, de uma vez por todas, uma resposta coletiva”.

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Por um lado, a vida da psicanálise depende da abertura que ela mantenha para o novo, trazido continuamente pelo aprofundamento da especificidade de sua experiência.

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Sua vitalidade depende de ela não se tornar uma intrincada armadura teórica afastada da experiência clínica, da escuta do sujeito em análise, a partir da qual sua teoria se fundou e da qual ela continua retirando sua força.

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