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8 SISTEMAS DE TROVOADAS O trovão é o som que resulta da rápida e violenta expansão do ar quando ele é aquecido intensamente a temperaturas de 10,000 ºC ou mais em um canal de apenas alguns centímetros de largura, ao longo do caminho do relâmpago. O relâmpago é uma faísca enorme causada pela descarga de eletricidade estática que pode ocorrer entre uma nuvem e o solo, entre duas nuvens, ou mais raramente de uma parte da nuvem para outra. Há um atraso de aproximadamente três segundos para cada quilômetro de distância que separa o observador e o relâmpago original, pois a velocidade da luz é de 3x10 5 km/seg, enquanto que a velocidade do som é somente de 3,3x10 -1 km/seg. Assim, o relâmpago é visto quase imediatamente, enquanto que o som viaja a aproximadamente um terço de quilômetro por segundo. O efeito estrondoso típico do trovão é causado pela diferença no tempo que o som de diferentes partes do relâmpago leva para chegar ao ouvido do observador, combinado com efeitos de eco. Estima-se que ocorram cerca de dezesseis milhões de tempestades com trovões (ou trovoadas) sobre a Terra a cada ano, e a qualquer hora é provável que cerca de 2000 delas estejam ocorrendo em partes diferentes da Terra. No entanto, sua distribuição não é proporcional; poucas são registradas além dos 60º de latitude (em direção aos polos), enquanto que, no geral, os números tendem a crescer em direção ao Equador. Sua quantidade é reduzida localmente sobre áreas oceânicas frias e onde fatores dinâmicos influenciam a estabilidade da atmosfera muito poucas ocorrem no ar subsidente dos anticiclones subtropicais, por exemplo. Kampala, em Uganda, tem uma média de 242 dias com trovoadas por ano, uma das maiores médias do planeta. As condições que favorecem o desenvolvimento de trovoadas são basicamente as mesmas que favorecem o crescimento de nuvens cumulonimbus vigorosas: (1) Uma camada profunda e instável, ou potencialmente instável, preferivelmente do solo até a tropopausa; (2) Grande disponibilidade de vapor de água, especialmente próximo ao solo, onde a maior parte do ar das nuvens se origina; e (3) Ventos fortes na alta troposfera (no nível do escoamento de saída da tempestade). Além disso, dois fatores são necessários para a geração de carga elétrica dentro da tempestade; parte da nuvem deve estar situada na faixa de temperatura entre -20º e - 40ºC, de forma que isso possibilite a formação de grandes quantidades de cristais ou grãos de gelo; e deve haver pouco cisalhamento vertical do vento na nuvem, de forma que uma coluna convectiva profunda com um eixo vertical possa se desenvolver. O gatilho necessário para iniciar a convecção profunda pode ser de muitos tipos diferentes, operando sozinho ou juntamente com outros: (1) O aquecimento em baixos níveis sobre o continente ou oceano produz células ascendentes de ar quente, úmido e instável. Isto tem uma variabilidade diurna e sazonal marcante, com a maior frequência e intensidade nos dias de verão à tarde. (2) A ascensão de ar sobre colinas ou montanhas pode desencadear instabilidade condicional.

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8 – SISTEMAS DE TROVOADAS

O trovão é o som que resulta da rápida e violenta expansão do ar quando ele é

aquecido intensamente a temperaturas de 10,000 ºC ou mais em um canal de apenas

alguns centímetros de largura, ao longo do caminho do relâmpago. O relâmpago é uma

faísca enorme causada pela descarga de eletricidade estática que pode ocorrer entre uma

nuvem e o solo, entre duas nuvens, ou mais raramente de uma parte da nuvem para

outra. Há um atraso de aproximadamente três segundos para cada quilômetro de

distância que separa o observador e o relâmpago original, pois a velocidade da luz é de

3x105km/seg, enquanto que a velocidade do som é somente de 3,3x10

-1km/seg. Assim,

o relâmpago é visto quase imediatamente, enquanto que o som viaja a aproximadamente

um terço de quilômetro por segundo. O efeito estrondoso típico do trovão é causado

pela diferença no tempo que o som de diferentes partes do relâmpago leva para chegar

ao ouvido do observador, combinado com efeitos de eco.

Estima-se que ocorram cerca de dezesseis milhões de tempestades com trovões

(ou trovoadas) sobre a Terra a cada ano, e a qualquer hora é provável que cerca de 2000

delas estejam ocorrendo em partes diferentes da Terra. No entanto, sua distribuição não

é proporcional; poucas são registradas além dos 60º de latitude (em direção aos polos),

enquanto que, no geral, os números tendem a crescer em direção ao Equador. Sua

quantidade é reduzida localmente sobre áreas oceânicas frias e onde fatores dinâmicos

influenciam a estabilidade da atmosfera – muito poucas ocorrem no ar subsidente dos

anticiclones subtropicais, por exemplo. Kampala, em Uganda, tem uma média de 242

dias com trovoadas por ano, uma das maiores médias do planeta.

As condições que favorecem o desenvolvimento de trovoadas são basicamente

as mesmas que favorecem o crescimento de nuvens cumulonimbus vigorosas:

(1) Uma camada profunda e instável, ou potencialmente instável, preferivelmente do

solo até a tropopausa;

(2) Grande disponibilidade de vapor de água, especialmente próximo ao solo, onde a

maior parte do ar das nuvens se origina; e

(3) Ventos fortes na alta troposfera (no nível do escoamento de saída da tempestade).

Além disso, dois fatores são necessários para a geração de carga elétrica dentro

da tempestade; parte da nuvem deve estar situada na faixa de temperatura entre -20º e -

40ºC, de forma que isso possibilite a formação de grandes quantidades de cristais ou

grãos de gelo; e deve haver pouco cisalhamento vertical do vento na nuvem, de forma

que uma coluna convectiva profunda com um eixo vertical possa se desenvolver.

O gatilho necessário para iniciar a convecção profunda pode ser de muitos tipos

diferentes, operando sozinho ou juntamente com outros:

(1) O aquecimento em baixos níveis sobre o continente ou oceano produz células

ascendentes de ar quente, úmido e instável. Isto tem uma variabilidade diurna e sazonal

marcante, com a maior frequência e intensidade nos dias de verão à tarde.

(2) A ascensão de ar sobre colinas ou montanhas pode desencadear instabilidade

condicional.

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(3) Convergência de ar devido a causas térmicas ou dinâmicas pode resultar em

convecção intensa (onde duas brisas do mar convergem das costas oeste e leste da

Flórida, por exemplo, ou dentro dos aglomerados de nuvens que formam a Zona de

Convergência Intertropical nos trópicos).

(4) Ascensão frontal, onde o ar à frente de uma frente fria ativa é particularmente

instável, pode ocasionar o desenvolvimento de trovoadas ao longo da linha da frente

(especialmente importante no desenvolvimento de linhas de instabilidade).

As trovoadas são sistemas atmosféricos locais (de mesoescala), onde as

condições ambientais locais influenciam os padrões de temperatura e escoamento de ar

em escalas de até dezenas de quilômetros; elas normalmente são muito pequenas e

localizadas para serem mostradas em mapas de tempo de escala sinótica.

É importante ter conhecimento da estrutura das trovoadas e as condições de

tempo associadas a elas, porque elas são componentes importantes de muitos outros

sistemas atmosféricos, incluindo ciclones tropicais, a Zona de Convergência

Intertropical, e frentes frias ativas. As trovoadas normalmente são classificadas de

acordo com sua organização, tamanho e intensidade.

AS TEMSPESTADES DE MASSA DE AR

Tesmpestades de massa de ar se desenvolvem como resultado de aquecimento

superficial dentro de massas de ar quentes, úmidas e instáveis, onde nuvens

cumulunimbus individuais crescem até atingirem proporções de tempestades. A maior

parte do conhecimento inicial da estrutura e dinâmica destas nuvens foi adquirida por

observações detalhadas realizadas ao nível do solo e em aeronaves no “Thunderstorm

Project” (Projeto Trovoada), um estudo extenso e detalhado realizado na Flórida em

1946 e sudoeste de Ohio em 1947. Usando dados de um grande número de estudos de

caso, foi desenvolvido o modelo clássico da evolução de uma trovoada de massa de ar.

Foi demonstrado que uma tempestade tem um padrão característico de evolução, e que

ela consiste numa aglomeração de células. Estas células de tempestades tem um ou

alguns quilômetros de largura e contém vigorosas ‘chaminés’ de ar ascendente e

descendente. O tempo de vida típico de uma célula individual é de trinta minutos a uma

hora, embora uma tempestade grande, que é um aglomerado de células que continuam a

se desenvolver, pode persistir por até doze horas.

O ciclo de vida de uma célula de tempestade pode ser resumido em três estágios.

Eles estão ilustrados nas fotografias em sequência na página 62; a circulação dentro da

célula é mostrada na figura 8.1.

Estágio de cumulus

Neste estágio inicial, a nuvem cumulus é formada pela ascensão sucessiva de bolhas de

ar quente que se originam de uma superfície aquecida de uma célula de cerca de 1-5 km

de diâmetro e um topo de cerca de 6 km de altura. Como pode ser visto na figura 8.1a,

correntes ascendentes prevalecem em toda a célula; tipicamente, elas tem uma

velocidade vertical de cerca de 10 m/seg, aumentando para um máximo de 60 m/seg no

topo da nuvem onde a aceleração é máxima. Fora da nuvem, prevalece subsidência

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lenta. As temperaturas dentro da nuvem são mais altas do que as externas (devido à

instabilidade), e este efeito é incrementado pela liberação de calor latente de

condensação nas correntes ascendentes. Neste estágio, não ocorre precipitação nem

trovoadas, pois mesmo que a chuva ou a neve se desenvolvam, os movimentos

ascendentes são tão vigorosos que elas ficam em suspensão na atmosfera.

Estágio Maduro

A célula de tempestade alcança seu estado maduro assim que a chuva começa a cair.

Como pode ser visto na Fig. 8.1b, tanto as correntes ascendentes quanto as descendentes

ocorrem simultaneamente na metade inferior da célula. As correntes descendentes são

induzidas pelo efeito de resfriamento e atrito por fricção das partículas de precipitação

(frequentemente congeladas) que caem através da célula; mas uma vez iniciadas, podem

continuar a ocorrer sem serem induzidas pela fricção. As correntes ascendentes

alcançam sua velocidade máxima na parte central e superior da célula, alcançando, por

vezes, velocidades de 320 km/h; elas podem ser a principal causa de instabilidade

dentro da nuvem e são muito perigosas para o tráfego aéreo. As temperaturas no interior

das correntes ascendentes instáveis são normalmente mais altas do que as do exterior da

nuvem (incrementadas pela liberação de calor latente de condensação), enquanto que as

temperaturas das correntes descendentes são mais baixas do que as de fora (o ar seco

que entra de fora da nuvem para as correntes descendentes dentro da nuvem causa

evaporação de parte da precipitação, e o resfriamento resultante reforça o seu empuxo

negativo). Contrastes horizontais de temperatura de 4-5ºC dentro da nuvem aumentam a

velocidade das correntes ascendentes.

As correntes descendentes frias alcançam a superfície como uma rajada de vento frio

logo antes do início de precipitação intensa; há uma queda acentuada na temperatura

acompanhada por ventos turbulentos (frequentemente vistos antes do início de uma

tempestade, quando se observa poeira sendo carregada pelo vento e galhos de árvore

balançando no vento forte e turbulento), e um escurecimento no céu (devido à grande

profundidade da nuvem que obscurece o céu). As rajadas ocorrem devido ao ar frio que

subside ao nível do solo e se espalha lateralmente na forma de uma cunha de ar frio e

denso, cortando o ar quente adjacente na superfície.

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Figura 8.1 Estágios de desenvolvimento de uma célula de tempestade de massa de ar.

Os topos destas nuvens de tempestade em desenvolvimento frequentemente alcançam o

nível da tropopausa (12 km ou mais) e algumas vezes devido ao grande empuxo das

correntes ascendentes, elas podem adentrar brevemente a estratosfera. A nuvem neste

nível de altitude é composta por cristais de gelo e flocos de neve e adquire a forma

característica de ‘bigorna’ de nuvens cirrus de altos níveis que se projetam na direção do

vento; isto ocorre devido ao vento forte presente nestas altitudes que distorcem o topo

da nuvem. A bigorna – a principal região de escoamento de saída da nuvem – adquire

uma aparência fibrosa e tênue devido à sua composição por cristais de gelo e pode se

estender na direção do vento em até 10 km.

Durante este estágio maduro de desenvolvimento, tudo se desenvolve em sua máxima

intensidade: a atividade dos relâmpagos alcança seu clímax, a turbulência dentro da

nuvem devido às correntes ascendentes e descendentes alcança seu máximo, e a chuva

mais intensa, eventualmente granizo, precipita da nuvem.

Estágio de dissipação

Durante o estágio de dissipação, o topo da nuvem em bigorna adquire seu maior

desenvolvimento, mas em baixos níveis, o fornecimento de ar quente e úmido se esgota

(isso pode ser influenciado pelo resfriamento das correntes descendentes e a

precipitação associada). As correntes ascendentes finalmente cessam, e toda a parte

inferior da célula apresenta suaves correntes descendentes com movimento vertical

desprezível em altos níveis. As correntes descendentes, por sua vez, se tornam mais

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fracas conforme o volume de água que as alimenta é removido. O ar da nuvem

lentamente retorna para a temperatura da atmosfera no entorno e a nuvem gradualmente

se dissipa.

Estima-se que somente 20% do vapor de água condensado nas correntes ascendentes

alcançam o solo como precipitação, o resto acaba evaporando nas correntes

descendentes ou permanece na nuvem que se dissipa e consequentemente evapora.

Desta forma, se uma tempestade típica neste estágio produz cerca de 6 mm de

precipitação na forma de chuva e granizo sobre uma área de 64 km2, isso representa

uma massa total de cerca de 400.000 toneladas de água que circularam dentro do

sistema de nuvens. O calor latente de condensação liberado nesses processos é enorme,

representando uma quantidade de energia equivalente à liberada na explosão de doze

bombas atômicas do tamanho das que foram lançadas em Hiroshima.

Granizo

Quando a circulação das tempestades é particularmente intensa, pedras de granizo

podem ser produzidas pela nuvem. Elas são pedaços de gelo quase esféricos,

transparentes ou parcialmente opacos,vujo diâmetro varia de 5 mm (partículas menores

são chamadas de “grãos de gelo”) a 10 cm ou mais. A maior pedra de granizo já

registrada caiu em Coffeyville, Kansas, EUA, em 3 de setembro de 1970. Ela pesava

758 gramas e media 190 mm de diâmetro e 444 mm de circunferência. A pedra de

granizo mais pesada a cair na Grã-Bretanha ocorreu em Horsham em Sussex, em 5 de

setembro de 1958, pesando 142 gramas; 50 acres de macieiras foram destruídos pela

tempestade de granizo e pequenos buracos ficaram nos gramados, marcando onde as

pedras de granizo haviam caído e derretido.

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Uma visão sequencial da evolução de uma célula de tempestade. (a) até (c) mostram

uma célula madura se desenvolvendo ao fundo e produzindo uma nuvem em forma de

bigorna, com uma nova célula se desenvolvendo do estágio de cumulus para o estágio

maduro logo à frente. É raro se observar nuvens se desenvolverem assim num ambiente

sem outras nuvens. Gentilmente cedidas por Carol Unkenholz e Prof. R. S. Scorer.

Se uma pedra de granizo desta natureza fosse dissecada e examinada à luz polarizada

para demonstrar sua estrutura interna, seria visto que ela consiste de diversas camadas

concêntricas, de forma similar a cebolas, compostas de gelo claro e opaco em volta de

um núcleo central, que é frequentemente um grão de gelo (veja a foto na pág. 64). O

granizo se forma em regiões de correntes ascendentes violentas e altas concentrações de

gotículas de água super-resfriadas (em temperaturas abaixo do ponto de congelamento)

dentro de nuvens cumulonimbus. A estrutura interna,de camadas, da pedra de granizo, é

principalmente controlada pelo tempo que ela passou em diferentes áreas da nuvem,

cada uma com proporções diferentes de cristais de gelo e gotículas de água super-

resfriadas. Uma pedra de granizo é comumente carregada por uma corrente ascendente

forte e suspensa no ar contra a força da gravidade, enquanto que gotas mais leves serão

conduzidas mais rapidamente pelas correntes ascendentes. Assim, em poucos segundos,

ocorrerão muitas colisões entre as gotas em movimento. Quando a pedra de granizo está

em um ambiente com alto teor de água líquida, a água se acumula no núcleo com

velocidade maior do que ela congela, e uma camada úmida se forma, que dá origem a

uma camada mais clara de gelo quando ela finalmente congela. Quando a pedra de

granizo cai através de um ar com gotas menores ou em menor número, elas podem

congelar imediatamente após o impacto, prendendo bolhas de ar e produzindo o gelo

opaco. Dentro de uma tempestade severa, as pedras de granizo podem ser carregadas

diversas vezes por sucessivas correntes ascendentes e descendentes, e recicladas várias

vezes através de grandes mudanças de temperatura, o que resulta em sua estrutura em

forma de camadas e seu tamanho. A probabilidade de granizo em uma tempestade

aumenta tanto com a intensidade quanto com a extensão vertical da mesma.

Relâmpago

Uma das características mais impressionantes de uma tempestade com trovões são os

relâmpagos; eles são responsável por cerca de 150 mortes por ano no mundo e também

danos a propriedades e florestas. O relâmpago é essencialmente uma descarga breve,

mas concentrada, de eletricidade, de cerca de 20 coulombs, envolvendo uma diferença

potencial de 108 a 10

9 volts. Embora Benjamin Franklin tenha demonstrado a natureza

elétrica das tempestades com trovão a cerca de 200 anos e a distribuição da carga dentro

da tempestade seja conhecida há tempos (as partes superiores são carregadas mais

positivamente, enquanto que as regiões centrais e inferiores são carregadas mais

negativamente, às vezes com um segundo centro de carga positiva próximo à base da

nuvem próximo à chuva), cientistas ainda não tem certeza dos processos que separam as

cargas elétricas dentro da nuvem, e como elas se concentram em certas regiões. Existem

diversas teorias, mas muitas falham porque são incapazes de produzir a diferença

potencial necessária no limitado tempo disponível. A maioria deles concorda, contudo,

que a presença de partículas de gelo nas regiões superiores da nuvem de tempestades em

desenvolvimento juntamente com precipitação ativa sejam pré-requisitos importantes.

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Quatro mecanismos principais parecem ser responsáveis pela separação das cargas:

1) As cargas são separadas quando gotículas super-resfriadas colidem com partículas de

gelo; ambas são carregadas negativamente em suas superfícies inferiores e cargas

positivas em suas superfícies superiores, e quando as partículas da nuvem colidem com

as partículas de precipitação que se movem para baixo, as cargas negativas serão

transferidas para as últimas por indução.

2) Gotículas de água super resfriadas congelam de fora para dentro; assim, quando a

água interna finalmente congela, ocorre expansão e as camadas de gelo externas se

desfazem em pequenos fragmentos. Fragmentos de gelo carregando uma carga positiva

serão levados para o topo da nuvem nas correntes ascendentes, enquanto que os cristais

de gelo com suas cargas negativas cairão para a base da nuvem.

3) Gotículas de nuvens ou cristais de gelo que caem podem capturar apenas íons

negativos na atmosfera.

4) As cargas se separam quando grandes gotas de chuva se quebram ao atingirem seu

tamanho máximo por coalescência (com 3 mm de raio).

Um corte horizontal fino em uma pedra de granizo gigante. A foto, tirada na luz

refletida, mostra as camadas concêntricas de gelo claro e opaco, formada pela sua

passagem através de diferentes regiões da tempestade. Gentilmente fornecida por Dr. K.

A. Browning.

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Uma imagem de satélite de uma linha de instabilidade no meio-oeste dos EUA em 31 de

maio de 1985. Note as tempestades grandes ao longo da linha de instabilidade (a partir

da qual diversos tornados severos se desenvolveram) intercaladas com um grande

número de células menores. Gentilmente fornecida pela NOAA.

Desenvolvimento e movimento das células

Muitas tempestades consistem de várias células em diferentes estágios de

desenvolvimento; observações de radar demonstraram que o tempo de vida de uma

célula individual é de aproximadamente meia hora. Imagens de satélite e de radar

também demonstraram que novas células tendem a se formar mais rapidamente na

proximidade das correntes descendentes de células pré-existentes, na dianteira do ar frio

da frente de rajada. A corrente descendente fria se espalha lateralmente no nível do solo

e o seu limite toma a forma de uma frente fria em miniatura. Ela converge com o ar

quente e potencialmente instável do ambiente, causando sua ascensão, e uma nova

célula no estágio cumulus pode se desenvolver. Este processo é particularmente efetivo

onde as correntes descendentes de duas células adjacentes convergem. Esta nova célula

é então desencadeada à frente das correntes descendentes e então poderá passar pelo

mesmo ciclo de vida de sua antecessora, que se dissipará atrás dela. Uma tempestade

formada assim pode persistir por várias horas, embora o tempo de vida de cada célula

seja limitado. Em condições de ventos fracos, a tempestade pode se mover de forma

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irregular, de acordo com o crescimento e decaimento de suas células Quando o campo

de vento é bem definido, a tempestade tende a viajar na direção aproximada do vento.

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TEMPESTADESMULTI-CÉLULAS

Uma tempestade de multi-células é um grande sistema de tempestades composto de

diversas células em diferentes estágios de desenvolvimento. Embora a maioria das

correntes ascendentes e descendentes dentro de cada célula individual de tempestade

conforme descritas para as tempestades de massas de ar, ainda possa ser identificada

(usando-se radar) nas tempestades de múlti-células, um certo grau de organização está

presente. Tempestades desta categoria tendem a ser mais severas do que as tempestades

de massa de ar. Muitas tempestades severas deste tipo se desenvolvem sobre o centro

dos EUAquando um escoamento de ar quente e úmido de sul, vindo do Golfo do

México em baixos níveis é sobreposto por um escoamento mais seco, de oeste, vindo

das Montanhas Rochosas; o vento neste caso apresenta cisalhamento vertical, isto é,

mudando de direção no sentido horário no Hemisfério Norte e anti-horário no

Hemisfério Sul.

Em tal situação, percebeu-se que enquanto as células individuais se movem na direção

dos ventos da média troposfera (os ventos no nível da principal massa de nuvens), a

tempestade como um todo se move para a direita no Hemisfério Norte (esquerda no

Hemisfério Sul) dos ventos predominantes no ambiente da média troposfera, como

demonstrado esquematicamente na figura 8.2. O escoamento de ar de baixos níveis em

direção à tempestade ocorre preferencialmente ao longo do lado direito da tempestade

(normalmente de sul) e novas células desenvolvem-se aqui, enquanto que células

antigas tendem a se dissipar no flanco esquerdo da tempestade, onde a disponibilidade

de ar quente e ascendente é limitada. É este padrão de desenvolvimento e decaimento

das células componentes que confere à tempestade uma propagação efetiva para a

direita dos ventos da média troposfera. Na média, em situações com ventos

apresentando cisalhamento vertical, grandes tempestades multi-células movem-se em

um ângulo de cerca de 20º à direita do vento médio na camada de 850-500 mb. No

hemisfério sul, há evidências da África do Sul de que tempestades semelhantes se

movem para a esquerda dos ventos da média troposfera.

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Fig. 8.2 Uma tempestade demulti-células se movendo para a direita dos ventos da

média troposfera (Hemisfério Norte). O desenho da tempestade é mostrado em

intervalos de quinze minutos conforme se move da esquerda para a direita através do

diagrama. Note que novas células se formam à direita da tempestade e células

antigasse dissipam à esquerda (C: estágio de cumulus. M: estágio maduro; D: estágio

de dissipação).

LINHAS DE INSTABILIDADE

Uma linha de tormentas ou de instabilidade é uma linha de tempestades bem definida,

normalmente desencadeada nas latitudes médias por uma frente fria. As tempestades

que a compõe normalmente tem estruturas variadas e frequentemente se encontram em

diferentes estágios de desenvolvimento ao longo da linha de instabilidade. Este tipo de

sistema normalmente está associado com tempo severo – precipitação intensa, ventos

fortes, relâmpago, granizo e ocasionalmente tornados. Eles são especialmente

observados no verão em áreas continentais nas latitudes médias, especialmente no

centro e leste dos EUA. Neste caso, eles se formam quando uma cunha de ar quente,

úmido e condicionalmente instável no setor quente de uma depressão se encontra à

frente de uma frente fria e abaixo do lado leste de um cavado nos ventos de oeste em

altitude (produzindo divergência em altitude para se livrar do ar que flui para dentro do

sistema). Nos trópicos elas foram bem documentadas na África do Oeste ao sul do

Saara.

O mecanismo que desencadeia a liberação de instabilidade na atmosfera é normalmente

fornecido pela frente fria avançando no setor de ar quente em baixos níveis e causando

o desenvolvimento simultâneo de diversas tempestade ao longo de seu limite posterior.

Isto normalmente aparece nas imagens de radar ou de satélite como uma linha contínua

de tempestades com uma linha de avanço bem definida; a atividade convectiva é

dominada por um pequeno número de tempestades grandes intercaladas com um grande

número de células pequenas (veja a fotografia na pág. 64).

A estrutura básica de uma linha de instabilidade é demonstrada em seção vertical na fig.

8.3. Mesmo com configuração variada ao longo do comprimento da linha de

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instabilidade, a linha de instabilidade é, de qualquer forma, muito organizada na seção

vertical; o ar quente, úmido e instável é forçado a ascender à frente da frente de rajada

fria, que por sua vez é produzida pela subsidência de ar frio e denso da corrente

descendente atrás dela. O ar instável é conduzido para cima, além de seu nível de

condensação (normalmente marcado por uma base de nuvem escura e bem definida) e

então o ar se eleva espontaneamente formando nuvens cumulonimbus profundas.

Grandes quantidades de chuva são precipitadas, e parte desta precipitação cai na área

das correntes descendentes, onde ocorre evaporação, com o resfriamento resultante

reforçando a corrente descendente. O ar dentro do sistema converge na superfície e

diverge em altitude. O sistema é então organizado e autopropagante; os processos

responsáveis pelas correntes ascendentes e descendentes são complementares,

permitindo à linha de instabilidade atravessar grandes extensões como um sistema

aberto com uma organização bidimensional marcada. Tais sistemas foram observados

por horas em telas de radar.

A frente de rajada demonstrada na figura 8.3 é normalmente uma característica

marcante da circulação; pois sua passagem ali representa uma rápida queda na

temperatura (de cerca de 5-10ºC), uma elevação abrupta na pressão, fortes rajadas de

vento (às vezes superando 25m/seg) e uma marcante mudança na direção do vento.

Fig. 8.3 Uma seção vertical esquemática de uma linha de instabilidade.

TEMPESTADES DE SUPER-CÉLULAS

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Muitas pesquisas tem sido realizadas nas últimas décadas centradas no entendimento e

modelagem das circulações dentro de tempestades locais severas bem estabelecidas que

produzem tempo violento, granizo e ocasionalmente tornados. O uso de radares,

averiguando a tempestade nos planos vertical e horizontal, tem permitido melhor

entendimento de sua constituição, tanto em termos de seções verticais bidimensionais e

– mais recentemente – de modelos tridimensionais.

A tempestade de super-célula é uma tempestade grande e violenta, dominada por uma

única célula enorme ou super-célula em um estágio maduro de desenvolvimento, que

pode persistir de forma estável durante horas. A tempestade de super-célula é mais

organizada, maior, mais persistente e mais severa do que todos os outros tipos de

tempestades. O ar é continuamente inserido na tempestade por baixo e emitido por cima

(efetivamente virando a troposfera de cabeça para baixo) enquanto se propaga

continuamente para a direita dos ventos médios na troposfera (no hemisfério norte) –

diferentemente dos ‘saltos’ discretos em uma direção da tempestade de multicélulas. O

termo “super-célula” foi primeiramente usado para estas tempestades por Browning em

1962, descrevendo a tempestade de Workingham de 1959, da qual caíram

continuamente grandes pedras de granizo durante horas ao longo de um trecho de 200

km de largura no sudeste da Inglaterra.

Para seu desenvolvimento, as tempestades de super-célula requerem as seguintes

condições:

1) uma atmosfera potencialmente instável (frequentemente a convecção é limitada por

uma inversão, mas quando esta inversão é superada pelo aquecimento superficial ou

mudanças na circulação, convecções explosivas podem ocorrer);

(2) convergência em baixos níveis com circulação divergente acima; e

(3) forte cisalhamento vertical do vento, com o vento mudando de força e direção com a

altura.

As principais características das tempestades de super-células são demonstradas

esquematicamente na figura 8.4. Esta figura enfatiza que este tipo de tempestade é

frequentemente assimétrico, tanto no formato quanto na distribuição dos seus elementos

de tempo, com um lado “esquerdo” e “direito”; ela ainda realça a necessidade de um

forte cisalhamento vertical do vento no ambiente para que essas tempestades se

desenvolvam. Tanto as correntes de ar ascendentes quanto as descendentes são resultado

do ar que se aproxima da tempestade com fortes componentes de movimento do seu

lado direito, enquanto que os escoamentos de saída tem um componente de movimento

para a esquerda da direção em que tempestade se move (no Hemisfério Norte). O ar

ascendente, quente e úmido entra na tempestade pelo flanco direito em baixos níveis,

gira ciclonicamente por 270º enquanto se aproxima da retaguarda do sistema antes de

deixar a tempestade na bigorna, perpendicularmente em relação à direção na qual entrou

na tempestade. Isto ocorre primariamente pela mudança na direção do vento com a

altitude. O ar frio e descendente é inserido no sistema pela direita no nível da média

troposfera, à frente da corrente ascendente, ele sofre um giro ciclônico de cerca de 90º

ao redor da corrente ascendente antes de deixar a tempestade pelo lado esquerdo, na

retaguarda. O ar que entra na tempestade nestes níveis é seco e apropriado para manter a

corrente descendente por resfriamento evaporativo, que é reforçado pelo resfriamento

devido à evaporação de gotas precipitando dentro dele vindas das correntes ascendentes

acima.

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Gotas de chuva formando-se na região da corrente ascendente da nuvem são varridas

para cima na tempestade pela circulação violenta e mantidas em suspensão em altitude,

de onde podem ser reinseridas diversas vezes nas correntes ascendentes ou descendentes

através da nuvem (demonstrado nas linhas tracejadas na Fig.8.4), frequentemente

produzindo grandes pedras de granizo. Quando elas atingem tamanho suficiente, sua

velocidade de queda se torna maior do que a força da corrente ascendente. A maior parte

do granizo tende a ocorrer abaixo da região das correntes ascendentes, enquanto que a

maior parte da chuva tende a ocorrer próximo do flanco posterior esquerdo da

tempestade ou na região das correntes descendentes.

Tornados

Tornados são talvez os subprodutos mais assustadores e violentos de sistemas

convectivos intensos tais como tempestades de super-células ou linhas de instabilidade.

Eles apresentam as mais altas velocidades do vento já registradas, ocorrem de forma

súbita e em pouquíssimo tempo uma trilha de destruição total é deixada em seu rastro.

Um tornado normalmente aparece como uma nuvem estreita e negra, em formato de

funil, estendendo-se quase que verticalmente da base de uma nuvem cumulonimbus até

o chão ou muito próximo disso (veja a foto na pág. 70). Tornados tem extensão pequena

e são fenômenos de curta duração; a tabela 8.1 indica dimensões típicas e outras

características. Os fortíssimos ventos ciclônicos que ocorrem dentro destes vórtices são

devido à enorme e repentina queda de pressão dentro deles; tipicamente, a queda de

pressão excede 25 mb, mas quedas de pressão de até 200 mb não são incomuns! A

condensação em seu interior resultante desta queda súbita na pressão (e o consequente

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resfriamento) os tornam visíveis. A pressão em superfície dentro de um tornado é

aproximadamente a mesma do que a da base da nuvem que o originou.

Uma nuvem funil de tornado estendendo-se da base de uma nuvem cumulonimbus.

Gentilmente fornecida pela NOAA.

Tabela 8.1 Características dos tornados

Característica Magnitude padrão Variação típica

Diâmetro 100 metros ou menos 2m a 3 km

Comprimento do rastro

(distância percorrida

através do terreno)

3 km Poucos metros a centenas

de km

Duração 4 minutos Poucos segundos a várias

horas

Velocidade do vento 90m/s 80 a 225m/s

Velocidade de deslocamento 10 a 20 m/s 0 a 20m/s

Direção de deslocamento Sudoeste a nordeste (HN) Variável

Queda na pressão 25 mb 20 a 200 mb

Tornados deixam uma quantidade enorme de danos em sua passagem. Isto ocorre tanto

devido aos ventos extremamente violentos envolvidos e à queda brusca na pressão

durante sua passagem, que pode fazer com que construções explodam. Os detritos

resultantes são então carregados pelo vento e arremessados a grandes velocidades,

causando danos adicionais. As fortes correntes ascendentes dentro deles tem força

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suficiente para arrancar raízes de árvores e levantar objetos pelo ar, realizando feitos

que podem parecer incríveis aos desinformados. Existem inúmeros relatos, bem

fundamentados, de animais sendo carregados pelo ar, de trens serem levantados

inteiramente dos trilhos sobre as quais estavam viajando, e de construções sendo

erguidas e movidas em suas fundações (dando origem à manchetes de jornal como

“garagem colide com um carro!”) e até mesmo galinhas perderem suas penas durante a

passagem de um tornado (devido à explosão do volume contido em cada pena). Os

detritos presentes na nuvem afunilada contribuem para sua aparência escura.

Em média, 100 mortes por ano são causadas por tornados nos EUA e eles podem causar

mais de $150 milhões em danos de propriedades a cada ano – mas estes números podem

disfarçar enorme variabilidade. Em 1973, um dos piores anos que se tem registro, 1.107

tornados foram reportados nos EUA, causando 87 mortes e $600 milhões de danos. No

chamado ‘super surto’ de tornados de 3-4 de abril de 1974, que se estendeu por treze

estados, da Georgia ao Michigan no meio-oeste americano, cerca de 148 tornados

ocorreram em 16 horas e 10 minutos. Ele foi descrito pelo Serviço Nacional de

Meteorologia dos EUA como ‘o mais devastador surto de tornados já registrado em

qualquer lugar do mundo’; o rastro total foi de 4.157 km, 323 pessoas foram mortas e

5.484 ficaram feridas.

Tornados tendem a ocorrer mais nos EUA do que em qualquer outro lugar no mundo.

Todos os estados americanos em algum momento já tiveram alguma ocorrência de

tornados, mas há uma região preferencial para o desenvolvimento deles, na região das

Grandes Planícies no meio-oeste e nos Estados do Golfo (conhecida como caminho dos

tornados), onde as condições no verão frequentemente favorecem o desenvolvimento de

tempestades severas (com ar quente e úmido vindo do Golfo do México em baixos

níveis, cobertos por uma camada de ar mais frio e seco vindo das Montanhas Rochosas,

do oeste). A maior incidência dos Tornados ocorre no início do verão no Hemisfério

Norte (a maioria ocorre em maio e junho) e 80% ocorrem entre as 14 e 22 horas, com o

pico de incidência no final da tarde, às 17 horas.

Tornados também ocorrem em outros locais do mundo e não são incomuns no Reino

Unido. Desde 1971 a Grã-Bretanha tem uma média de 18 dias com a ocorrência de

tornados a cada ano, e com uma média de 45 tornados por ano; em 1981 houve 152

tornados reportados somente em 12 dias, incluindo 105 no dia 23 de novembro de 1981

devido a uma frente fria muito intensa – o maior surto de tornados na história da

Europa. Contudo, eles tendem a ser muito menos severos, no geral, comparados aos que

ocorrem nos EUA; a maioria se desenvolve de convecção violenta em frentes frias bem

definidas associadas com depressões que se aprofundam rapidamente nos meses mais

frios do ano.

As razões para o desenvolvimento de tornados são ainda em sua maioria incertas e esses

vórtices permanecem um grande enigma meteorológico. Citando o Glossário

Meteorológico do Escritório Meteorológico dos EUA em 1972: “Embora as condições

necessárias para a formação de um tornado sejam semelhantes às necessárias para uma

tempestade severa...as condições precisas que causam os tornados (e não simplesmente

tempestades) ainda não são conhecidas”. Embora haja uma extensa literatura que

associe seu desenvolvimento com a presença de elementos como granizo, relâmpagos e

desenvolvimento rápido de cumulus, ainda não há uma teoria aceitável para explicar sua

formação, nem sua manutenção.

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Pode-se dizer que seu desenvolvimento esteja associado com (a) grande instabilidade,

(b) forte convergência, e (c) correntes ascendentes persistentes e muito vigorosas dentro

da nuvem. Evidências recentes de radar demonstraram que os tornados mais violentos

se formam abaixo das correntes ascendentes instáveis das tempestades de super-células.

Como já foi descrito, o escoamento de ar para dentro do sistema converge e alimenta a

corrente ascendente que gira ciclonicamente por 270º (HN). Aparentemente, nas

condições certas, a corrente ascendente e a convergência alcançam tal magnitude que,

para que o ar conserve seu momento angular, assume a forma de um vórtice fino de raio

pequeno, levando a uma súbita queda na pressão e ao desenvolvimento da nuvem funil.

Por exemplo, a camada de ar que penetra no sistema pode ficar restritaà uma camada

superficial rasa fora da tempestade devido à uma inversão. Ao entrar na circulação da

tempestade, o ar desta camada converge subitamente e é acelerado dentro da corrente

ascendente a altos níveis (de forma análoga a retirar a tampa de um ralo em uma pia

cheia de água), e um vórtice se desenvolve. Em alguns casos, a circulação de tornado se

estende para dentro da nuvem, formando um ciclone-tornado rotacional.