893367_voto Dr. Carlos

12
PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 1ª REGIÃO APELAÇÃO CÍVEL Nº 1999.01.00.040000-7/DF Processo na Origem: 9500175061 RELATOR(A) : JUIZ FEDERAL CARLOS ALBERTO SIMÕES DE TOMAZ (CONV.) APELANTE : EDUARDO JORGE CALDAS PEREIRA ADVOGADO : BERNARDO BOTELHO PEREIRA DE VASCONCELOS E OUTRO(A) APELANTE : LUCIANA CARDOSO ADVOGADO : MARCOS JORGE CALDAS PEREIRA APELANTE : UNIAO FEDERAL PROCURADOR : HELIA MARIA DE OLIVEIRA BETTERO APELADO : ISMAEL JOSE CESAR E OUTROS(AS) ADVOGADO : UBIRAJARA ARRAIS DE AZEVEDO E OUTROS(AS) REMETENTE : JUIZO FEDERAL DA 4 A VARA - DF EMENTA CONSTITUCIONAL. AÇÃO POPULAR. MORALIDADE JURÍDICA (CF/88: ART. 37, CAPUT). NOMEAÇÃO DE FILHA DE PRESIDENTE DA REPÚBLICA PARA ADJUNTO DA SECRETARIA GERAL DA PRESIDÊNCIA. LESIVIDADE AO PATRIMÔNIO JURÍDICO. 1. A inserção de racionalidade moral, altamente legitimada em expectativa cognitiva social transformada em normativa e condensada no art. 37 da Carta, confere o nível conceitual da moralidade jurídica voltada para bloquear atos lesivos dos níveis de validade de correção (sinceridade, verdade e retidão), que o consenso popular brasileiro exige do agir de seus agentes públicos. 2. A pressão seletiva social assim plasmada no art. 37 da Carta, presente, portanto, no Estado de Direito brasileiro, afasta a atuação de agente público ocupante do cargo de Secretário Geral da Presidência da República no sentido de nomear a filha do Presidente da República para o cargo de Adjunto da Secretaria Geral da Presidência, porque isso implica um agir ocultamente estratégico voltado para a satisfação de interesses pessoais e não orientado para o entendimento, o acordo, o consenso, que gerou a condensação da expectativa normativa. 3. Apelações e remessa oficial não providas. ACÓRDÃO Decide a Segunda Turma Suplementar, por unanimidade, negar provimento às apelações e à remessa oficial. Brasília, 15 de dezembro de 2004. Juiz CARLOS ALBERTO SIMÕES DE TOMAZ Relator TRF-1ª REGIÃO/IMP.15-02-04 /home/website/convert/temp/convert_html/55cf8c755503462b138c99a7/document.doc Criado por TR79PS

description

asdasd

Transcript of 893367_voto Dr. Carlos

PODER JUDICIRIO

TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 1 REGIO

PODER JUDICIRIO

TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 1 REGIOfls.2/9EMBARGOS DE DECLARAO EM AGRAVO DE INSTRUMENTO N 96.01.26119-2/PA

Processo na Origem: 9400053959

APELAO CVEL N 1999.01.00.040000-7/DF

Processo na Origem: 9500175061

RELATOR(A):JUIZ FEDERAL CARLOS ALBERTO SIMES DE TOMAZ (CONV.)

APELANTE:EDUARDO JORGE CALDAS PEREIRA

ADVOGADO:BERNARDO BOTELHO PEREIRA DE VASCONCELOS E OUTRO(A)

APELANTE:LUCIANA CARDOSO

ADVOGADO:MARCOS JORGE CALDAS PEREIRA

APELANTE:UNIAO FEDERAL

PROCURADOR:HELIA MARIA DE OLIVEIRA BETTERO

APELADO:ISMAEL JOSE CESAR E OUTROS(AS)

ADVOGADO:UBIRAJARA ARRAIS DE AZEVEDO E OUTROS(AS)

REMETENTE:JUIZO FEDERAL DA 4 A VARA - DF

EMENTA

CONSTITUCIONAL. AO POPULAR. MORALIDADE JURDICA (CF/88: ART. 37, CAPUT). NOMEAO DE FILHA DE PRESIDENTE DA REPBLICA PARA ADJUNTO DA SECRETARIA GERAL DA PRESIDNCIA. LESIVIDADE AO PATRIMNIO JURDICO.

1. A insero de racionalidade moral, altamente legitimada em expectativa cognitiva social transformada em normativa e condensada no art. 37 da Carta, confere o nvel conceitual da moralidade jurdica voltada para bloquear atos lesivos dos nveis de validade de correo (sinceridade, verdade e retido), que o consenso popular brasileiro exige do agir de seus agentes pblicos.

2. A presso seletiva social assim plasmada no art. 37 da Carta, presente, portanto, no Estado de Direito brasileiro, afasta a atuao de agente pblico ocupante do cargo de Secretrio Geral da Presidncia da Repblica no sentido de nomear a filha do Presidente da Repblica para o cargo de Adjunto da Secretaria Geral da Presidncia, porque isso implica um agir ocultamente estratgico voltado para a satisfao de interesses pessoais e no orientado para o entendimento, o acordo, o consenso, que gerou a condensao da expectativa normativa.

3. Apelaes e remessa oficial no providas.

ACRDO

Decide a Segunda Turma Suplementar, por unanimidade, negar provimento s apelaes e remessa oficial.

Braslia, 15 de dezembro de 2004.

Juiz CARLOS ALBERTO SIMES DE TOMAZ

Relator

APELAO CVEL N 1999.01.00.040000-7/DF

Processo na Origem: 9500175061

RELATRIO

O EXMO. SR. JUIZ CARLOS ALBERTO SIMES DE TOMAZ: Sob julgamento apelao de sentena que julgou procedente em parte o pedido formulado por ISMAEL JOS CSAR E OUTROS, nos autos da ao de rito ordinrio ajuizada em desfavor do SECRETRIO GERAL DA PRESIDNCIA DA REPBLICA, da UNIO e de LUCIANA CARDOSO, em que objetiva a anulao do ato de nomeao de Luciana Cardoso, filha do ento Presidente da Repblica, no cargo de comisso de adjunto do gabinete da Secretaria-Geral da Presidncia da Repblica, bem como a condenao da beneficiria devoluo das parcelas recebidas, a ttulo de remunerao.

O i. Juzo da 4 Vara da Seo Judiciria do Distrito Federal rejeitou as preliminares e fundamentou sua deciso no fato de que o ato de nomeao era defensvel sob o enfoque do princpio da legalidade, pois a subordinada no guardava qualquer grau de parentesco com o chefe, conforme artigo 117, VIII, da Lei n 8.112/90. Em face do princpio da moralidade, todavia, considerou que a aplicao prtica do princpio, disposto no caput do art. 37 da Constituio Federal, era indispensvel para fins de nomeao de cargos em comisso, ou seja, a norma do inciso II do art. 37 da Constituio Federal sujeitava-se prescrio do caput. Concluiu pela suscetibilidade da declarao da inconstitucionalidade do art. 117, VIII do RJU, pois no cuidou de precaver-se contra as burlas ao princpio da moralidade. No colheu o argumento dos rus de que a moral administrativa diferia da moral comum. Afastou a condenao em perdas e danos, visto que no houve prejuzo ao errio. Arbitrou honorrios advocatcios de duzentos reais.

Eduardo Jorge Caldas Pereira, Secretrio-Geral da Presidncia da Repblica, em suas razes de apelao, alegou que o ato administrativo no era ilcito nem lesivo e no atentava contra o princpio da moralidade. Argiu que a sentena no analisou por inteiro as preliminares levantadas, em especial a de inpcia da inicial. Aduziu que no existia qualquer fundamento para a propositura da ao popular, pois esta no preenchia os trs requisitos necessrios para sua viabilizao, quais sejam, condio de eleitor, ilegalidade e lesividade. Sustentou que a r preenchia os requisitos para o exerccio da funo, uma vez que sua capacidade no foi questionada.

Luciana Cardoso, por sua vez, alegou que a sentena no examinou as preliminares submetidas na contestao e pediu acolhimento a estas. Argiu que a sentena no atentou s razes meritrias oferecidas em contestao afirmando que foi nomeada pelo ento Secretrio-Geral da Presidncia da Repblica para o cargo de adjunto daquele rgo e no para Adjunto do Gabinete do Excelentssimo Senhor Presidente da Repblica, como afirmaram os autores. Ressaltou, ainda, a moralidade e legalidade do ato administrativo.

Por fim, a Unio alegou que a nomeao da r para o cargo estava de acordo com o art. 117 da Lei n 8.112/90 e que o princpio da legalidade no deixou de ser observado. Argi que, segundo os princpios administrativos, a autoridade competente agiu de acordo com os moldes legais e que o ato de nomeao no contrariou os princpios constitucionais de legalidade e moralidade.

E aqui est o processo sem as contra-razes.

o relatrio.

VOTO

O EXMO. SR. JUIZ CARLOS ALBERTO SIMES DE TOMAZ:

1. Inpcia da inicial: inexistnciaA petio inicial no inepta e essa preliminar foi sucintamente afastada pela MMa. Juza a quo.

O pedido formulado decorre dos fundamentos da Lei 4.717/65, no deixando dvida de que o autor pretende anular o ato de nomeao da Luciana Cardoso para a assessoria do prprio pai na esfera da Administrao Pblica Direta, sob a alegao de que o princpio da moralidade administrativa foi ofendido frontalmente.

2. Extino do processo

A preliminar no deve ser conhecida.

De fato, o advogado da apelada Luciana Cardoso no leu atentamente a sentena, porque se tivesse lido teria percebido que a questo da restituio ao errio das parcelas recebidas foi apreciada pela Juza a quo em favor de sua cliente, quando afastou a condenao ao fundamento de que ao ordenamento jurdico repugna a prestao de servio de modo gracioso, o que gera o enriquecimento ilcito, pelo que no se pode falar em extino do processo.

3. Desvio de finalidade da ao

Na verdade, no se trata de uma questo preliminar, pois preciso verificar se a ao fundada, ou no, o que apenas o exame de mrito poder demonstrar.

4. Merecimento da causa

Enfrentando com acuidade a questo, a i. Juza Federal Substituta, Dra. Lana Lgia Galati, abordou com clareza e preciso inexorveis o princpio da moralidade jurdica. Vale exposto, ao fito esclarecedor, o seguinte excerto da sentena (fls. 174/178):

No mrito, a questo posta deve ser observada sob duplo prisma: legalidade e moralidade.

Do ponto de vista da legalidade, cabe invocar o art. 117, VIII, do Regime Jurdico nico dos Servidores Pblicos Civis da Unio ( Lei n 8.112, de 11 de dezembro de 1990 RJU), cuja redao a seguinte:

Art. 117. Ao servidor proibido:

...

VIII manter sob sua chefia imediata, em cargo ou funo de confiana, cnjuge, companheiro ou parente at o segundo grau civil:

...

Atento aos estritos termos da dico do dispositivo, afeioa-se legal o ato, porquanto o chefe imediato da Sr Luciana Cardoso o Sr. Secretrio-Geral, que no guarda qualquer relao de parentesco com a subordinada.

Em face, portanto, do princpio da legalidade, o ato e nomeao defensvel.

Sob o enfoque do principio da moralidade, a analise do caso posto encerra maior complexidade.

O legislador constituinte de 1988 fez constar do art. 37 da Carta vigente o princpio da moralidade, verbis:

Art 37. A administrao pblica direta e indireta de qualquer dos Poderes da Unio, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municpios obedecer aos princpios da legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficincia e, tambm ao seguinte:

...

II a investidura em cargo ou emprego pblico depende de aprovao prvia em concurso pblico de provas ou de provas e ttulos, ressalvadas as nomeaes para cargo em comisso declarado em lei de livre nomeao e exonerao;

...

leitura do inciso II verifica-se que a nomeao tambm no contraria a Constituio, porquanto includa no rol dos cargos em comisso, de livre nomeao e exonerao pelo Poder Pblico.

No entanto, no pode ser ignorado o caput do mesmo dispositivo legal, onde encontra-se inserto o princpio da moralidade.

Confrontando o inciso II com o caput seramos tentados a identificar um conflito entre as disposies: livre nomeao X moralidade. Obviamente que tal conflito no existe, pois, caso contrrio, estaramos admitindo a possibilidade de contratao imoral para a nomeao relativa a cargo em comisso, enquanto que, na realidade, o que sucede a obrigatoriedade da livre nomeao observar o princpio da moralidade, visto que a funo do princpio orientar e influenciar a interpretao e a aplicao das demais normas jurdicas, que tm o status de simples regras, bem como, por isso mesmo, de todos os atos do poder pblico (Canotilho, 1992: 177).

Quanto ao art. 117, VIII do RJU, em face do princpio constitucional da moralidade, temos a concluir pela suscetibilidade da declarao da inconstitucionalidade deste dispositivo, pois, no cuidou de precaver-se contra as burlas ao princpio da moralidade passveis de realizao. E, o que mais grave, serve de amparo legal para o drible de situaes que ele mesmo intenta prevenir.

Incontestvel a impossibilidade de aplicar dispositivo infraconstitucional, desatendendo-se ao estatudo na Constituio Federal, visto que esta o fundamento de todo o ordenamento jurdico.

Hoje, a quase totalidade da doutrina consagra a indissociabilidade entre a legalidade e a moralidade. Conhecido esclio doutrinrio de autoria do mestre Hely Lopes Meirelles dispe que:

O inegvel que a moralidade administrativa integra o Direito como elemento indissocivel na sua aplicao e na sua finalidade, erigindo-se em favor de legalidade. Da por que o TJSP decidiu, como inegvel acerto, que o controle jurisdicional se restringe ao exame da legalidade do ato administrativo; mas por legalidade ou legitimidade se entende no s a conformao do ato com a lei, como tambm com a moral administrativa e com o interesse coletivo.

Com esse julgado pioneiro, a moralidade administrativa ficou consagrada pela Justia como necessria validade da conduta do administrador publico.

A moralidade como parmetro de conduta deve ser exigida de todo servidor pblico, mas principalmente dos agentes polticos, pois quanto mais alto o grau de hierarquia do Estado, mais sujeito est as vicissitudes de toda natureza. Ademais, em se tratando de nomeao para cargos em comisso, a abservncia do princpio aludido deve ser mais cara, j que a disposio do alto escalo que eles se colocam.

No colhe o argumento posto pelos rus, segundo o qual a moral administrativa difere da moral comum. Como bem assinalou o parecer ministerial, s se pode conceber uma moral prpria da administrao se ela for mais rgida do que a moral popular, pois esta nem sempre se detm nas sutilezas e complexidades jurdicas que a administrao deve observar, de modo que pode tender, por vezes, a condescender com atitudes admissveis para o homem mdio, mas injustificveis sob a tica jurdico-administrativa.

A recproca, no entanto, bem mais facilmente compreensvel, isto , feriro a moral administrativa aqueles atos que ofendam tambm a moral comum. Maria Sylvia Zanella di Pietro concorda: Mesmo os comportamentos ofensivos da moral comum implicam ofensa ao princpio da moralidade administrativa (cf. Manoel de Oliveira Franco Sobrinho, 1974:11)

Conduta como a impugnada pelos autores populares trazem indiscutivelmente repercusso social de cunho negativo. O fato nunca passa desapercebido pelos meios de comunicao, que encontra eco na opinio popular.

A despeito de corriqueira a nomeao de parentes na histria brasileira, cumpre aguar, no momento poltico atual, a sensibilidade para perceber as mudanas operadas na sociedade. Tornou-se mais intensa a participao popular no zelo da coisa pblica, como se pode notar pelas incontveis aes populares propostas atualmente. Fortaleceu-se a voz popular. Enfraqueceu-se o arbtrio das altas autoridades.

imanente, diante da fundamentao apresentada, a perpetrao de ofensa ao principio da moralidade.

Tendo em vista que o princpio, seja ele explcito ou implcito, presta-se a orientar a interpretao da norma e, ainda que, necessite de anlise em face do caso concreto para obter aplicabilidade, inafastvel do que a norma do inciso II do art. 37 da Constituio Federal sujeita-se prescrio do caput, quanto aplicao prtica do princpio da moralidade, sendo indispensvel a observncia para fins de nomeao de cargos em comisso.

Por outro lado, por fora da deciso do Tribunal Regional Federal que cassou a liminar concedida pela MM. Juza Titular desta Vara, Dr Selene Maria de Almeida, de se supor que a nomeada prestou servios durante este perodo, desempenhando a funo para a qual foi nomeada. Ao ordenamento jurdico repugna a prestao de servios de modo gracioso, o que gera o enriquecimento ilcito. Por este mesmo motivo fica afastada a condenao em perdas e danos, visto que, em tese, no houve prejuzo ao errio.

Ante o exposto, JULGO PROCEDENTE, EM PARTE, o pedido para decretar a nulidade da Portaria n 1.201, de 26 de outubro de 1995, do Secretrio-Geral da Presidncia da Republica que nomeou a Sr Luciana Cardoso para o cargo de Adjunto do Gabinete do Secretrio- Geral da Presidncia da Republica.

Tem razo S. Exa. Em reforo desejo aduzir to apenas que o direito moderno perdeu efetivamente a fundamentao moral de carter religiosa ou sacra para admitir numa nova dimenso a conclamao por uma fundamentao moral jurdica. Impende, a partir da, precisar em que consiste essa hodierna fundamentao moral jurdica que impregna o direito moderno.

Para tanto, retomo, porque absolutamente pertinente, a lio de Niklas Luhmann para quem o direito moderno deve ser compreendido como controle das expectativas sociais normativas. O que o sempre lembrado socilogo do direito, de origem alem, quer dizer com isso que a sociedade moderna caracterizada por uma complexidade de expectativas orientadas para satisfao de interesses. Quanto mais complexa a sociedade, mais complexas so as expectativas de seus membros, cabendo ao direito condensar tais expectativas de modo a afastar a sua frustrao, donde advm a funo de controle da cincia jurdica.

Significa dizer, voltando para atual situao do Estado brasileiro, que constitui uma expectativa normativa do povo brasileiro a de que seus agentes pblicos atuem no campo da moralidade. A Constituio de 1988 condensou essa expectativa, primeiro de natureza cognitiva, porque, sem dvida, ela da maior parte dos brasileiros, que almejam que assim seus agentes atuem, e a transformou numa expectativa normativa, quando no seu art. 37 estabelece que a Administrao Pblica deve atuar dentro do campo da moral. E assim o fez, revelando a funo controladora do direito para inibir a frustrao dessa expectativa. Se assim , caber ao Poder Judicirio, diante de caso em concreto, estabelecer mecanismo para remediar a expectativa normativa frustrada, o que significa dizer, trazer para o campo da moralidade o agente que se desviou, e evitar, com isso, que o cdigo binrio do direito (lcito/ilcito) seja bloqueado por cdigos binrios de outros sistemas sociais, como a poltica (poder/no-poder) ou a economia (ter/no-ter).

Com efeito, a moralidade foi alada na Carta no mbito da funo controladora exercida pelo Direito como um princpio, portanto com muito maior densidade do que as regras, porque aquele serve de paradigma, de orientao, para a aplicao dessas.

Como um princpio, a moralidade na Constituio de 1988 , portanto, racional, material e reflexiva. Significa dizer que, a partir da positivao, as aes dos agentes do Estado devem subordinar-se ao consenso poltico da sociedade vazado na Carta, exigindo que a autoridade ao agir, sob a perspectiva do princpio, retoma a satisfao da vontade da coletividade que o elegeu para satisfao de uma expectativa. Da a reflexibilidade do princpio que h, necessariamente, de adquirir contorno material e no apenas restar paralisado na forma expressa na Carta.

Isso exige, sem dvida, da parte dos agentes do Estado uma ao comunicativa voltada para um agir instrumental, nos atos de fala, de pretenso, de agir e de validade direcionados para a satisfao do princpio que expressa, em ltima anlise, o interesse social comum, como sustenta Habermas.

No pode o agir dos agentes se tornar estratgico, seja abertamente estratgico, seja ocultamente estratgico, quando no orientado para o entendimento, o acordo, o consenso, que gerou a condensao da expectativa normativa, voltar-se para a satisfao de interesses pessoais bloqueadores dos nveis de validade de correo: sinceridade, verdade e retido.

Insta quadrar, nessa conformidade, que a conduta de um agente pblico brasileiro, Secretrio Geral do Presidente da Repblica, que nomeia a filha do prprio Presidente da Repblica para o cargo de Secretrio Adjunto da Presidncia da Repblica, revela um agir no mbito do sistema poltico bloqueador dos nveis de validade (sinceridade, verdade e retido) da expectativa de conduta alada no consenso normativo vazado no art. 37 da Carta.

De fato, no o Presidente que est formalmente nomeando sua filha, todavia, a filha do Presidente nomeada Adjunta da Secretria Geral da Presidncia e, obviamente, prestar assessoria a seu pai adjuntamente com o Secretrio Geral.

Evidencia-se, a todo modo, a conduta estratgica, j que agride abertamente a moralidade o Presidente da Repblica nomear sua prpria filha Secretria Geral da Presidncia e, portanto, busca-se disfaradamente, isto , sob o plio de um agir estratgico oculto desprovido dos nveis de validade de correo (sinceridade, verdade e retido), nome-la de forma oblqua sob o manto da condio de Secretrio Adjunto.

A moralidade jurdica assim concebida implica uma correspondncia da proposio normativa com a realidade, ou seja, com o consenso no qual deve se lastrear todo o agir comunicativo da parte dos agentes pblicos, na hiptese destes autos, flagrantemente violada porque o consenso plasmado na vontade coletiva do povo brasileiro no admite mais tais condutas e, com isso, valida e legitima a moralidade jurdica tal qual vazada no art. 37 da Carta.

Assim, no h dvida de que a conduta do ru Eduardo Jorge Caldas Pereira agride a moralidade jurdica, como igualmente a conduta do Presidente da Repblica, Fernando Henrique Cardoso, que anuiu com a nomeao no tomando qualquer medida para infirm-la na exata extenso em que atendeu a seus interesses pessoais. Lamentavelmente, a ao tambm no foi deduzida contra o ex-Presidente da Repblica, de modo que o comando emergente da posio que venha a ser sacramentada neste processo apenas atingir, em razo dos limites da coisa julgada, os rus que figuram na relao processual.

Evidencia-se, desde a, a lesividade ao patrimnio jurdico do Estado de Direito brasileiro a justificar a propositura da ao popular.

Assim expostos os fundamentos afetos ao meu convencimento, voto pelo no provimento das apelaes e da remessa oficial.

Sociologia do Direito. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1983, v. I, pp. 45-66.

Teora de la accion comunicativa, tomo I, Madrid, 1987, pp. 351-369; Conciencia moral e agir comunicativo. Rio de Janeiro, 1989, pp. 164-172.

TRF-1 REGIO/IMP.15-02-04C:\Documents and Settings\Server\Meus documentos\voto dr. Carlos.docCriado por TR79PSTRF-1 REGIO/IMP.15-02-04C:\Documents and Settings\Server\Meus documentos\voto dr. Carlos.doc