8º Tema

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Universidade de Brasília – UnB - Faculdade de Direito Disciplina: Teoria Geral do Direito Privado Professora: Ana Frazão AS PESSOAS JURÍDICAS Noções essenciais sobre as pessoas jurídicas Seres ideais que, ao lado das pessoas físicas, também podem ter direitos e obrigações. União de pessoas ou de bens organizada para a obtenção de fins comuns. Apesar de terem individualidade e autonomia, têm capacidade de direito mais reduzida do que a das pessoas físicas (princípio da especialização). No que se refere à capacidade de fato, sempre a terão de forma plena. Também conhecidas como pessoas morais o adjetivo “moral” não se dá por acaso; a idéia é a de que as pessoas jurídicas são meios de realização das qualidades superiores dos homens. Os direitos de personalidade são aplicáveis no que for possível, especialmente no que diz respeito à imagem, à reputação e à honra. Algumas explicações para a existência das pessoas jurídicas As limitações das pessoas físicas A necessidade da conjugação de esforços de vários indivíduos para a consecução de objetivos comuns, ainda mais quando estes transcendem a duração da vida humana A natureza gregária do homem A reunião de capitais (especialmente importante para as sociedades empresárias)

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  • Universidade de Braslia UnB - Faculdade de Direito Disciplina: Teoria Geral do Direito Privado Professora: Ana Frazo

    AS PESSOAS JURDICAS

    Noes essenciais sobre as pessoas jurdicas

    Seres ideais que, ao lado das pessoas fsicas, tambm podem ter direitos e obrigaes.

    Unio de pessoas ou de bens organizada para a obteno de fins comuns.

    Apesar de terem individualidade e autonomia, tm capacidade de direito mais reduzida do que a das pessoas fsicas (princpio da especializao).

    No que se refere capacidade de fato, sempre a tero de forma plena.

    Tambm conhecidas como pessoas morais o adjetivo moral no se d por acaso; a idia a de que as pessoas jurdicas so meios de realizao das qualidades superiores dos homens.

    Os direitos de personalidade so aplicveis no que for possvel, especialmente no que diz respeito imagem, reputao e honra.

    Algumas explicaes para a existncia das pessoas jurdicas

    As limitaes das pessoas fsicas

    A necessidade da conjugao de esforos de vrios indivduos para a consecuo de objetivos comuns, ainda mais quando estes transcendem a durao da vida humana

    A natureza gregria do homem

    A reunio de capitais (especialmente importante para as sociedades empresrias)

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    A criao dos entes polticos.

    Origem

    O direito romano j reconhecia alguns agrupamentos, atribuindo-lhes capacidade (ativa e passiva) de estar em juzo e autonomia patrimonial.

    A partir do sculo XIV, comea-se a se falar de persona ficta, mas em um sentido distinto do sculo XIX, somente para distinguir as coletividades das pessoas fsicas.

    Sculos XVII e XVIII a reflexo jurdica cede espao para o debate poltico (justificar a existncia do prprio estado e das pessoas jurdicas de direito pblico).

    Revoluo Francesa a questo ideolgica sobre a pessoa jurdica atinge o seu clmax. A hostilidade aos agrupamentos pode ser vista pela Lei Chapelier de 1791, que extingue as corporaes de ofcio. Em 1792, at mesmo as associaes religiosas e congregaes eram proibidas, tendo os bens confiscados pelo Estado como sendo de propriedade nacional.

    O Cdigo Napolenico s fala das pessoas fsicas. Houve um longo trabalho para que a jurisprudncia reconhecesse, em 1834, a personalidade das sociedades comerciais e somente em 1891 a personalidade das sociedades civis.

    Principais teorias

    A teoria da fico

    Conseqncia da idia de que a relao jurdica ocorre entre homens e que o direito subjetivo definido a partir da vontade (somente o homem pode ter vontade e ser sujeito de direito).

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    Savigny e a teoria da fico o direito atribui artificialmente a qualificao de sujeito de direito a certos grupos de pessoas ou bens (que no tm propriamente vontade) quando a finalidade destes no possa ser atingida por outros meios h necessidade da atribuio pelo legislador (expressa ou tcita).

    Algumas objees: (a) a vontade tambm no justifica a personalidade dos homens naturais, (b) risco do arbtrio legislativo GRANDE FLEXIBILIDADE.

    A teoria da realidade objetiva

    As pessoas jurdicas caracterizam-se por uma vontade/conscincia/organizao coletivos, independentemente da dos seus membros.

    Existncia prvia da pessoa jurdica o direito somente a reconhece FLEXIBILIDADE PEQUENA.

    Em suas verses mais extremadas (organicismo), as pessoas jurdicas so realidades vivas, que possuem corpus, animus e rgos para exprimir sua vontade (assemblia seria o crebro, etc.)

    A teoria institucionalista

    Pessoa jurdica como ncleo social autnomo pra preencher finalidades socialmente teis em torno das quais os indivduos se unem a instituio

    que alcana um certo grau de concentrao e organizao torna-se uma pessoa jurdica.

    A teoria da realidade tcnica

    A pessoa jurdica no uma criao jurdica arbitrria, mas uma necessidade da vida, especialmente para (a) a delimitao de um interesse (finalidade)

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    prprio, distinto dos seus membros e (b) a criao de uma organizao que possibilite ao ente manifestar a sua vontade e defender os seus prprios interesses.

    Outra finalidade importante, especialmente em se tratando das sociedades, a separao patrimonial, perfeita ou imperfeita.

    Grande repercusso no direito ocidental, inclusive no Brasil. Adotada por Saleilles, Geny, Michoud, Ferrara.

    Michoud o que define a personalidade no a vontade e sim o interesse

    (a) existncia de um interesse coletivo distinto dos interesses individuais e com um carter permanente (no necessariamente perptuo) e (b) uma organizao capaz de exprimir uma vontade que represente e defenda esse interesse.

    Dimenso funcional e finalstica da pessoa jurdica, com dois desdobramentos importantes: (a) um interesse coletivo suficientemente consistente se exprime em um mnimo de organizao e (b) a pessoa moral deve se beneficiar de todos os direitos necessrios para cumprir o interesse coletivo.

    Problemas: a impreciso da noo de interesse e a indeterminao da noo

    de organizao aspecto crucial nas sociedades empresrias (o interesse social pode no coincidir nem mesmo com o interesse da unanimidade dos scios)

    Apesar dos problemas, a jurisprudncia francesa construiu a pessoa jurdica exatamente a partir do interesse geral e da organizao.

    O debate na atualidade: crise da pessoa jurdica

    Grande desestmulo ao debate terico e predomnio de uma viso instrumental/tecnicista da pessoa jurdica.

    A proliferao e heterogeneidade de formas de pessoas morais colocam em dvida a possibilidade de edificar uma teoria coerente e unitria da pessoa

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    jurdica. Entes coletivos com capacidade processual. Para Pontes de Miranda, uma das questes mais complexas do direito.

    Abusos na utilizao da pessoa jurdica desconsiderao.

    Os grupos empresariais e a crise da pessoa jurdica no meio empresarial.

    As sociedades unipessoais e a separao patrimonial como elemento decisivo da pessoa jurdica.

    Oportunismo legislativo no direito comparado no sentido de se dispensar organizao ou interesse prprio: (a) existncia de pessoas morais sem agrupamento, (b) existncia de pessoas morais sem interesse diferenciado (condomnio, por exemplo), (c) pessoa jurdica como tcnica a favor dos imperativos econmicos.

    As discusses sobre a desconsiderao e da responsabilidade penal das pessoas jurdicas fizeram ressurgir um interesse maior sobre a questo.

    Os requisitos necessrios para a sua criao

    H basicamente trs sistemas:

    a) O regime da livre formao

    b) o regime das disposies normativas o atendimento dos requisitos legais + o registro (natureza constitutiva, ao contrrio do registro das pessoas naturais) o sistema adotado pelo Brasil, com excees (CC, art. 45)

    c) o regime de autorizao do poder pblico.

    Qualquer que seja a hiptese, necessria a vontade humana criadora a constituio pode ocorrer por ato inter vivos (associaes, sociedades e fundaes) ou tambm por causa mortis, no caso das fundaes.

    A necessidade do registro no implica que o direito no reconhea algum valor s organizaes ou entidades ainda no personalizadas. Reconhece isso no caso das sociedades; mesmo as no personificadas (em comum e em conta de participao) so reguladas pelo CC.

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    Finalidades do registro alm de provar a prpria existncia da PJ (CC, art. 46):

    a) a delimitao da personalidade e capacidade da PJ ( que est adstrita aos seus fins),

    b) suas caractersticas essenciais (denominao, fins, sede, tempo de durao, fundo social, reforma, extino e destinao do patrimnio),

    c) como a sua vontade ser manifestada (deliberao, administrao e representao)

    d) o regime patrimonial (separao absoluta ou relativa);

    e) como ser a sua responsabilidade da PJ perante terceiros.

    A relao entre pessoa jurdica e separao patrimonial

    No direito brasileiro, a PJ no tcnica apenas de separao patrimonial perfeita, mas tambm de separao patrimonial imperfeita (assim como na Frana).

    Para o direito alemo e o italiano, a PJ implica necessariamente a separao patrimonial perfeita.

    A relao entre pessoa jurdica e a qualidade de sujeito

    Sistema brasileiro a qualidade de sujeito depende da existncia da pessoa natural ou da PJ.

    Alemanha e Itlia a personalidade jurdica no atributiva da soggetivit, que se alcana com a simples criao da organizao, hiptese que, por si s, atrai a imputao de situaes subjetivas.

    Teoria dos rgos

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    As PJ manifestam sua vontade a partir de rgos encarregados de deliberao e administrao.

    No existe propriamente representao (no h duas vontades). Pontes de Miranda j dizia que tais rgos no representam e sim tornam a vontade presente.

    A PJ age por meio de administradores e prepostos que a obrigam contratualmente e extracontratualmente, nos termos da lei.

    Responsabilidade

    Ampla responsabilidade civil e administrativa: CC, art. 47 e a discusso entre a teoria do ultra vires a teoria da proteo ao terceiro de boa-f.

    Grandes controvrsias sobre a responsabilidade penal.

    A extino das pessoas jurdicas

    Mesmo aps a dissoluo ou a cessao de autorizao para funcionamento, a PJ subsistir at a concluso da liquidao (CC, art. 51). Aplica-se as disposies da liquidao das sociedades para as demais PJ.

    As causas de dissoluo so previstas na prpria lei ou nos atos constitutivos.

    As pessoas jurdicas de direito pblico

    O novo CC, mantendo a tradio do CC 16, divide as PJ em direito pblico, interno ou externo, e direito privado (CC, art. 40).

    As de direito pblico interno so os entes federativos, as autarquias, inclusive associaes pblicas e as demais entidades de carter pblico criadas por lei (CC, art. 41).

    J as pessoas jurdicas de direito pblico externo so os Estados estrangeiros e todas as pessoas que forem regidas pelo direito internacional pblico (CC, art. 42)

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    As pessoas jurdicas de direito privado

    A enumerao legal

    A redao original do CC falava em associaes, sociedades e fundaes, deixando claro que a disciplina das associaes se aplicaria subsidiariamente s sociedades (art. 44). Excluiu a referncia aos partidos polticos, que havia no CC16.

    Com a Lei 10.825/2003, foram includas dentre as pessoas jurdicas de direito privado as organizaes religiosas e os partidos polticos no que se refere

    s primeiras, ampla liberdade para criao, estruturao, organizao e funcionamento. No que se refere aos partidos, remeteu para a legislao especfica.

    A Lei 12.441/2011 acrescentou o inciso VI ao art. 44, para incluir como pessoa jurdica a empresa individual de responsabilidade limitada.

    De acordo com a importncia dos elementos pessoal e patrimonial na estrutura das PJ de direito privado, verificam-se as seguintes relaes: associao (elemento pessoal), fundao (elemento patrimonial) e sociedade (ambos).

    O CC classificou as PJ de direito privado principalmente de acordo com a

    finalidade somente as sociedades tm fins econmicos.

    O novo CC representa uma tentativa de democratizar e acabar com a tirania das maiorias. Disciplina mais detalhada e mais rgida da administrao das PJ.

    As associaes

    Aspecto pessoal marcante.

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    No CC anterior, havia uma certa confuso entre associaes e sociedades, o que foi superado pelo novo CC, no qual as primeiras so caracterizadas pelos

    fins no econmicos (art. 53) interesses difusos, coletivos e individuais homogneos.

    Liberdade associativa como valor constitucional.

    Algumas caractersticas importantes:

    (a) inexistncia de direitos e obrigaes recprocos entre associados (CC, ar. 53, nico), ao contrrio do que ocorre nas sociedades;

    (b) iguais direitos, embora possa haver categorias com vantagens especiais (CC, art. 55);

    (c) intransmissibilidade da qualidade de associado como regra (CC, art. 56);

    (d) custeio por contribuies dos associados, ao contrrio das sociedades (capital social) e das fundaes (patrimnio);

    (e) excluso do associado somente em caso de justa causa (CC, art. 57): jurisprudncia dos STF a favor do direito de defesa;

    (f) matrias privativas da assemblia geral (CC, art. 59): a finalidade a de democratizao da gesto;

    (g) direito de um quinto dos associados de promover a convocao da assemblia (CC, art. 60);

    (h) havendo a dissoluo, prevalece a regra do art. 61 quanto ao remanescente do patrimnio.

    As fundaes

    tambm chamadas pelos franceses de estabelecimentos de utilidade pblica.

    O novo CC agora especifica as finalidades, impedindo a instituio de fundaes para fins inclusive fteis.

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    De acordo com o CC, criada pela vontade do instituidor, por meio de escritura pblica ou testamento, que constitua uma dotao especial de bens livres, especificando os fins e declarando, se quiser, a maneira de administr-la.

    considerada a PJ com maior nvel de abstrao, pois se baseia apenas na idia de afetao patrimonial.

    Se os bens no forem suficientes, determina a lei que sero incorporados em outra fundao com fim igual ou semelhante, salvo se o instituidor no tiver disposto de forma contrria (art. 63). Aqui houve uma inovao em relao ao CC 16, que determinava a converso dos bens doados em ttulos da dvida pblica at que houvesse o aumento do valor dos mesmos com os rendimentos ou novas dotaes que perfizessem o capital suficiente para a constituio da fundao. Tambm no CC16, tal soluo s prevaleceria caso o instituidor no tivesse previsto regra distinta.

    Como o CC16 no continha regra expressa sobre a possibilidade de revogao da instituio, entendiam alguns que a instituio podia ser

    unilateralmente revogvel o novo CC tem regra expressa, entendendo que

    se a fundao for constituda por negcio jurdico entre vivos, o instituidor obrigado a transferir-lhe a propriedade, ou outro direito real sobre os bens dotados, sob pena de, no o fazendo, os bens serem registrados em nome da fundao por mandado judicial.

    Diante do interesse pblico envolvido, h uma grande participao de representantes do poder pblico em sua organizao e funcionamento:

    (a) o estatuto da fundao deve ser aprovado pela autoridade competente com recurso ao juiz (CC, art. 65)

    (b) caso o estatuto no seja feito no prazo determinado pelo instituidor ou, no havendo prazo determinado, em 180 dias, deve o MP elabor-lo (CC, art. 65, nico);

    (c) o MP velar pelas fundaes dos seus respectivos estados (CC, art. 66).

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    (d) A alterao estatutria, alm das regras especficas (quorum de 2/3 dos competentes para gerir e representar a fundao e impossibilidade de contrariar seus fins, precisa ser aprovada pelo MP, podendo o juiz suprir a negativa do MP (CC, art. 67).

    A lei prev a dissoluo nas hipteses de se tornar ilcita, impossvel ou intil a sua finalidade ou caso esteja vencido o seu prazo de existncia (CC, art. 69) a extino poder ser proposta por qualquer interessado ou pelo MP e o

    seu patrimnio, salvo disposio contrria do estatuto, ser incorporado em outra fundao, a ser designada pelo juiz, que se proponha a fim igual ou semelhante.

    A desconsiderao da personalidade jurdica

    Diferena entre desconsiderao e despersonalizao

    A finalidade essencial da desconsiderao afastar a separao patrimonial, para o fim de responsabilizar pessoalmente scios, controladores e administradores das PJ.

    Preocupao grande em relao s sociedades.

    Relaes com a teoria do abuso de direito.

    CC, art. 50: a confuso patrimonial no deixa de ser um desvio de finalidade.

    CDC basta a insolvncia.

    Diversos problemas processuais e relativos ao contraditrio soluo proposta pelo projeto de CPC.