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A adequação da ideia de monopólio de jurisdição com os meios alternativos de resolução de litígios desjudicialização da execução. Samy Garson 1. O Problema Ao ultrapassarmos mais de 20 anos de vigência da Constituição da República, é certo que na quadra histórica em que vivemos se faz necessário convidar a comunidade jurídica para uma fundamental reflexão acerca de dogmas desde há muito enraizados em nossas mentes, mas que paulatinamente vão sendo ultrapassados pela carência de efetividade e eficácia dos instrumentos jurídicos postos à disposição da sociedade. O sentido do direito, para nós hoje, é tema que se nos revela fortemente problemático,a ponto de atingir inclusive a sua subsistência. De fato, ultrapassado pela alta complexidade estrutural, dimensional e intencional das sociedades atuais, a suscitar um mundo de questões novas e atingido pela radical mutação dos referentes axiológicos e culturais, o direito existente e o seu sistema, conforme asseverado por Castanheira Neves 1 , revela‑ se insuficiente em sua índole normativa, seus modelos dogmáticos e nas suas possibilidades institucionais. Embora reconheçamos que o legislador pátrio, sobretudo a partir de meados dos anos 90 do século passado, esmerou‑se em incorporar novas soluções jurídicas e institucionais à estrutura judiciária brasileira, é cediço que ainda há muito o que fazer, inclusive em termos de se corrigir equívocos e desvios decorrentes das alterações legislativas ocorridas durante a tramitação de diversos projetos relacionados com o processo civil. Sem prejuízo, conforme adiante veremos, o próprio Poder Judiciário, ao implantar as alterações legislativas, por vezes se torna refém de dogmas, que ao cabo contribuem para a ineficiência do aparelho estatal. Mais precisamente: em nossas exíguas linhas realizaremos uma crítica àquilo que com muita precisão o filósofo de Coimbra, Castanheira Neves, 1 In “O Direito hoje e com que sentido ‑ O problema actual da autonomia do direito”. Lisboa: Instituto Piaget, 2002.

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A adequação da ideia de monopólio de jurisdição com os meiosalternativos de resolução de litígios ‑ desjudicialização daexecução.

SamyGarson

1.OProblema

Ao ultrapassarmos mais de 20 anos de vigência da Constituição daRepública, é certo que na quadra histórica em que vivemos se faz necessárioconvidar a comunidade jurídica para uma fundamental reflexão acerca dedogmasdesdehámuitoenraizadosemnossasmentes,masquepaulatinamentevão sendo ultrapassados pela carência de efetividade e eficácia dosinstrumentosjurídicospostosàdisposiçãodasociedade.

Osentidododireito,paranóshoje,étemaquesenosrevelafortementeproblemático,apontodeatingirinclusiveasuasubsistência.

De fato, ultrapassado pela alta complexidade estrutural, dimensional eintencional das sociedades atuais, a suscitar ummundo de questões novas eatingido pela radicalmutação dos referentes axiológicos e culturais, o direitoexistenteeoseusistema,conformeasseveradoporCastanheiraNeves1,revela‑se insuficienteemsua índolenormativa, seusmodelosdogmáticosenas suaspossibilidadesinstitucionais.

Embora reconheçamos que o legislador pátrio, sobretudo a partir demeados dos anos 90 do século passado, esmerou‑se em incorporar novassoluções jurídicase institucionaisàestrutura judiciáriabrasileira,écediçoqueainda há muito o que fazer, inclusive em termos de se corrigir equívocos edesvios decorrentes das alterações legislativas ocorridas durante a tramitaçãode diversos projetos relacionados com o processo civil. Semprejuízo,conformeadianteveremos,opróprioPoderJudiciário,aoimplantarasalteraçõeslegislativas,porvezessetornarefémdedogmas,queaocabo contribuem para a ineficiência do aparelho estatal. Mais precisamente: em nossas exíguas linhas realizaremos uma críticaàquilo que com muita precisão o filósofo de Coimbra, Castanheira Neves,                                                             1In“ODireitohojeecomquesentido‑Oproblemaactualdaautonomiadodireito”.Lisboa:InstitutoPiaget,2002.

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reputou como a “normatividade inadequada”, que no presente momentoanalisaremos sob o ponto de vista da “obsoleta interpretação” do comandoconstitucionalvoltadoparaomonopóliode jurisdiçãoeda reservadoagentejudicial (juiz), que irremediavelmente se traduzna insuficiência da realizaçãodo direito, justamente num momento fulcral do processo, qual seja, o daexecução, quando o direito é finalmente traduzido em fato2. Valendo‑nosdasrecentesalteraçõeslegislativashavidasnoordenamentojurídicoportuguês,relacionadascomacompatibilizaçãodaideiademonopóliode jurisdição com o explícito reconhecimento dos chamados “tribunaisextrajudiciais”, pretendemos debater, mesmo que de forma perfunctória, ainsuficiênciadaideiacorrentedequea jurisdiçãoéexclusivamenteestatalemvirtude do monopólio preceituado em nossa Constituição. Nesse passo, como adiante demonstraremos, a recente reformaintroduzidanoprocessodeexecução,apartirdoadventodaLein.11.382,de6de dezembro de 2006, a nosso ver, afigura‑se como institucionalmenteineficiente,postoquedecorrentedeumaestruturalfuncionalidadejásuperada,inclusivenotocanteàsuaprópriacapacidadeinstitucionalderesposta,afimdepacificarosconflitos.

A exaustão institucional, que pode ser facilmente aferível a partir dosinjustificáveisencargoseminentementeadministrativos(ex.:“penhoraonline”,arresto de veículos automotores e de imóveis), que, de forma simplista, têmsidoatribuídosdosagentesjudiciais(juízes),sabidamenteatoladosemmilharesdeprocessodealtíssimacomplexidade,decorrentesdanecessidadedesesuprirlacunas provenientes da atuação ou omissão do Estado naquilo que deveriaproporcionar à sociedade, mas que, por vezes, somente realiza a partir daintervenção jurisdicional, jános induzàconclusãodequeao juiznãosepodedispensar todas as atribuições relacionadas com a pacificação social3. No seio de umEstado cooperativo, semnunca dispensar a atuação dojuiznoquadrodacomplexidadedasmúltiplasquestõesqueefetivamentelhesdevem ser postas a analisar e julgar, se deve incentivar a busca de soluçõesextrajudiciaisdelitígios,desdequealicerçadasnaparticipaçãosocialetendoo                                                             2SegundoFrancescoCarnelutti,oprocessodeconhecimentotransformaofatoemdireito,eoprocessodeexecuçãotraduzodireitoemfatos(in“Dirittoeprocesso”,Nápoles,Morano,1958)3KazuoWatanabeesclarecequeaexpansãododireitoseligatambém“aoproblemadafalênciadoEstado‑providência,que,parapoderestabelecerocontroledasociedade,administrandoascontradiçõessociais,políticaseregionais,eosconflitosdelasresultantes,temprocuradoampliardireitossociais,mesmosemteracertezadaexistênciaderecursosfinanceirosnecessáriosparatanto,consagrando‑osinclusivenascartaspolíticas”,sendoquetais“direitosounãosãoefetivamenteimplantadosou,emboraimplantadosou,emboraimplementados,nãosãocumpridosacontentooudemodocompletopeloEstado,oquegeraconflitossócio‑jurídicos,quevãopararnaJustiça”.(in“Processocivileinteressepúblico:oprocessocomoinstrumentodedefesasocial”,SãoPaulo:RevistadosTribunais,2003,p.19‑20).

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próprio Estado como agente regulador e promotor de novas políticas deorganizaçãojudiciária,nabuscadesoluçõescriativas,equânimes, imparciaiseindependentes. Note‑sequeanossaprovocaçãodecorre,inclusive,dodebatejáhámuitoiniciadonoseiododireitocomunitárioeuropeu,doqualPortugal,assimcomoos demais membros da chamada União Européia, extrai soluçõesdesjudicializantes eficientes, no que couber, para os problemas comumenteenfrentadosnumasociedadeeminentementeurbanaedeconsumoemmassa.

2.Coordenadasparaaresoluçãodoproblema

O problema da interpretação do monopólio de jurisdição não estácircunscrito a ummero campo do direito processual constitucional,mas sim,dentrodeumaperspectiva que envolve osprincípios estruturantesde toda aordem constitucional, como é o caso do controle jurisdicional, daimparcialidadeeda independênciado juiz (artigo5º, incisosXXXV,LIVeLVdaConstituiçãodaRepública).

Portanto, ao analisarmos o monopólio judiciário, previsto no incisoXXXV do artigo 5º da Constituição, que declara que a lei não excluirá daapreciaçãodoPoderJudiciáriolesãoouameaçaadireito,talabordagemdeverálevar em conta as condicionantes constitucionais para que se afira a própriaconstitucionalidadeounãodosmeiosalternativoseextrajudiciaisderesoluçãodelitígios.

Para tanto, valendo‑nos do escólio de Gomes Canotilho4, os tópicosprincipaisaseremobservadosnaeventuallegitimaçãodeórgãosextrajudiciaisderesoluçãodelitígiosresultamnoseguinte:

i.) a expressa rejeição constitucional de “auto‑defesa”, de “justiça privada” ou“justiça pelas próprias mãos” (excepcionando apenas alguns casos de direito deresistência)implicanecessariamenteaatribuiçãodarealizaçãoconcretadodireito,comfim de solucionar litígios, a órgãos imparciais particularmente qualificados; ii.) os órgãos/poder especialmente qualificadospara estas funçõesde jurisdictiodevemteromonopóliodajurisdição,poisissoéumadimensãoinelimináveldoprincípiodo estado de direito e um corolário material do princípio da divisão de poderes; omonopólio jurisdicional é hoje, seguramente, um princípio constitucional materialconcretizadoroudensificadordestesprincípios.

                                                             4In“DireitoconstitucionaleteoriadaConstituição”.Coimbra:Ed.Almedina,7ªedição,2003,p.661.

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A jurisdição pode, “em termos aproximativos, ser qualificada comoatividadeexercidaporjuízesedestinadaàrevelação,extrinsecaçãoeaplicaçãododireitonumcasoconcreto.Essaatividadenãopodecaracterizar‑setendoemconta apenas critérios materiais ou substantivos. Está organizatoriamenteassociadaaopoderapenas jurisdicional,eésubjetivo‑organicamenteatribuídaatitularesdotadosdedeterminadascaracterísticas(juízes).Estáaindajurídico‑objetivamente regulada quanto aomodo de exercício por regras e princípiosprocessuais (processo)”.Dissodecorreoprincípiodaexclusividadeda funçãodejulgarporpartedosjuízes,justamenteemvirtudedaindependênciaquelhesé conferida pelo Estado para exercer a função jurisdicional, o que implica nareservadejurisdiçãorelativamenteadeterminadosassuntos.

Note‑sequeaoreferirmosqueemrelaçãoa“determinadosassuntos”háa reservade juiz, optamospordeixar claro que não será em toda e qualquersituação que caberá ao juiz não apenas a última, mas também a primeirapalavra; o que se admitiria, por exemplo, quandoo réu estiver sujeito aumapena restritivade liberdade,por forçadoprincípiodenulla poena sine judicio. Aodistinguir osprincípiosda reservade juiz eda reservade tribunal,Canotilho5 alude que “relativamente a algumas situações é legítima aintervenção de outros poderes (designadamente administrativos) desde quesejaasseguradodepoisodireitodeacessoaos tribunais.Nareservade juiz,otribunal intervém logo no início; na reserva de tribunal o apelo aos juízesocorre, a maior parte das vezes, sob a forma de recurso. Dito por outraspalavras:nareservadejuizverifica‑seomonopóliototaldafunçãojurisdicionalquanto à decisão de certas questões; na reserva de tribunal, o exercício dafunção jurisdicional é parcial, posto que no mais das vezes não se exige aintervençãoinicialdojuiz”.

Portanto,nachamadareservade juizoureservaabsolutade jurisdição,fruto de uma opção estatal de cunho jurídico‑constitucional, decorrente darelevância e necessária proteção dos direitos em causa, podemos afirmar quenãohaveráespaçoparaumprocedimentonãojudicialderesoluçãodelitígios. Por outro lado, é assente a idéia de que quando nos referimos aomonopóliodostribunais,agarantiadeacessoaoJudiciáriopoderásersemprereclamadaemcasosdelesãooudeameaçadeviolaçãodedireitoseinteressesdos particulares por medidas e decisões provenientes de outros poderes,

                                                             5In“DireitoconstitucionaleteoriadaConstituição”.Coimbra:Ed.Almedina,7ªedição,2003,p.665.

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autoridadespúblicaseórgãosdelegadosdaJustiça,apontodeafrontaraordemjurídicajusta.

Sublinha‑se que o diferimento do controle judicial, naquilo em que oEstado‑legislador entender pertinente na perspectiva da adequaçãoconstitucional e da necessidade organizacional judiciária, é amplamentecompatívelcomareservarelativadejurisdição.

Não é pormotivo outro que o SupremoTribunal Federal, ao apurar aconstitucionalidade dos artigos 6º, parágrafo único, 7º e 41 da Lei deArbitragem (Lei nº 9.307/96), assentou o convencimento de que o artigo 5º,incisoXXXVdaLeiMaiorasseguraodireitodeação,enãoodeverdeação6.Portanto,anossover,trata‑sedeumequívocoaideiadequenecessariamentetodasascontrovérsiasdevemserdirimidaspeloEstado‑juiz.

Indubitavelmente existemparcelas de juridicidade que em virtude dosinteresses em jogopoderão serdelegadasa terceirosquenãooEstado,desdequeseassegureocontrolesancionáriodoEstado‑juizemrelaçãoaoseventuaisdesviosdecondutaporventurapraticadosporaqueleaquemsedelegoupartedejurisdição.

Assim, entendeu o legislador que em questões versando sobre direitosdisponíveis, a lei de arbitragem revela‑se constitucional, ao permitir que aspartes estabeleçam cláusula compromissória, estando, na sua estipulação,inviabilizada a provocação da tutela judicial estatal, visto que a competênciaparaaapreciaçãodacontrovérsiaéabsolutadoárbitro,legitimadopeloEstado,e, por conseguinte, munido de parcela de jurisdição e do poder de prolatarsentençacaracterizadacomotítuloexecutivojudicial.

Note‑se que por uma opção legislativa, a reserva de jurisdição naarbitragem terá lugar, tão‑somente, nas remotas hipóteses expressas em lei(artigo 32 da Lei nº 9.307/96) e sempre a posteriori (através de embargos, nostemosdoartigo33,§3º).

Aoanalisaraconstitucionalidadedosmeiosalternativosderesoluçãodelitígios, Cândido Rangel Dinamarco7 reconhece que “é tão grande aconvergência teleológica entre estes e a jurisdição estatal, que já se chegou asustentar, sem qualquer heresia sistemática, a natureza jurisdicional dos

                                                             6STF‑REn.5.206,Pleno,rel.Min.SepúlvedaPertence,m.v.,j.12.12.2001,CJU,de30.4.2004.7In“Execuçãocivil”,SãoPaulo:Malheiros,8ªedição,2002,p.191.

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processosarbitrais.Namedidadesualegitimidadesocialepolítica,quecertosórgãos alternativos cumprem também a missão que em sede jurisdicional oEstadoporlongotempomonopolizou”.

AorefletirsobreaexclusividadedaatividadejurisdicionalporpartedoPoder Judiciário, Nelson Nery Junior sustenta que atualmente no direitobrasileironãosubsistemdúvidasacercadocaráterjurisdicionaldaatividadedoárbitro,istoé,deaplicarodireitoaocasoconcreto.

Embora reconheça que a “atividade jurisdicional é típica, mas nãoexclusivadoPoder Judiciário”, o eminenteprocessualistaNelsonNery Juniorreconhece que “o conceito de jurisdição não tem sido desenvolvido peladoutrinabrasileira,nosentidodeacompanharaevoluçãoqueo institutovemsofrendonosordenamentosmaismodernos(...)8”.

E,apartirdoadventodaLeinº11.441,de4dejaneirode2007,tambémnão poderá ser negada a atividade jurisdicional do notário que realizar oinventário, a partilha, a separação consensual e o divórcio consensual, desdequenãoenvolvendointeressesdemenores,ouseja,dentrodopermissivolegal. A incensurável crítica formulada por Nelson Nery Junior é assazrelevanteparaqueseviabilizemnadoutrinabrasileiraasbasesnecessáriasparaquese justifiqueummaduroeprofícuodiálogocomodireitoportuguês,que,conformealhuresmencionado,estáapassos largosà frentenoamplodiálogocom os demais ornamentos jurídicos europeus, ou melhor, inserido numcontexto voltado para a eleição das melhores soluções jurídicas postas àdisposição para o melhor fluxo de pessoas e bens na União Européia. Diante das considerações realizadas até o presente momento, nãopodemos concordar com a visão de Luiz GuilhermeMarinoni e Sérgio CruzArenhartaonãoreconheceremqueaatividadedosárbitrospodeternaturezajurisdicional,inclusivequandoafirmamque“váriasatividadesprivadaspodemlevaràpacificaçãosocial,ejamaisalguémousou,sóporisso,classificá‑lascomojurisdicionais”9.

ConsoanteGomesCanotilho,“aformatradicionaldesoluçãodelitígiosatravésdos tribunais emediantedecisãodeum juiz imparcial é considerada,hoje, como incapaz de assegurar, só por si, a paz jurídica e de garantir emtempo razoável alguns direitos e interesses das pessoas”, sendo certo que a

                                                             8In“PrincípiosdoprocessocivilnaConstituiçãoFederal”.SãoPaulo:RevistadosTribunais,8ªEdição,2004.9In“Manualdoprocessodeconhecimento”,SãoPaulo:Ed.RevistadosTribunais,4ªEdição,2005,PP.34‑35.

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“formaçãoconstitucionalde jurisdiçãoassenta,emgrandemedida,nomodeloclássico de juízes, tribunais e jurisprudência. Não há, porém, obstáculosincontornáveis à institucionalização de formas alternativas (oucomplementares)dejustacomposiçãodosconflitosporacordodaspartese/oucom auxílio de um mediador. Tratar‑se‑ia de forma de prestação de justiçaprópriadeumestadocooperativo”10.

A esse propósito, o constitucionalista da escola de Lisboa, JorgeMiranda11, refere que no direito constitucional português não se aplica oprincípiodo“monopólioestadualdafunçãojurisdicional”ouexclusividadeda“justiça pública”, tendo em vista a possibilidade de surgirem normas queinstitucionalizem instrumentos e formas de composição não‑jurisdicional deconflitos (art. 205º, nº 4, da Constituição da república Portuguesa12), semdiminuiropostuladodatutelajurisdicionaldosdireitos.

Defato,oartigo202ºdaConstituiçãoPortuguesa13,sobonossopontodevista,éumnorteaseralcançadopelodireitopátrio,pois,ao tratarda funçãojurisdicional, reconhece os tribunais como órgãos de soberania, podendo sercoadjuvadosporoutrasautoridades,inclusiveadministrativas,noexercíciodassuas funções, podendo a lei institucionalizar instrumentos e formas decomposiçãonão‑jurisdicionaldeconflitos.

Da análise do texto constitucional português depreendemos que asformas de resolução alternativa de litígios ganharam força no ordenamentojurídico do país, sendo insuscetível de discussão a sua legalidade elegitimidade. Noentanto,tambémdocotejodanormaconstitucional,seinferequeostribunaiseosjuízesmantiveramoprotagonismonaestruturajudiciáriadopaís,sendo que às autoridades administrativas e às formas de composição

                                                             10In“DireitoConstitucionaleTeoriadaConstituição”.Coimbra:Ed.Almedina,7ªEdição,2003,p.672‑673.11In“Manualdedireitoconstitucional”.Coimbra:CoimbraEditora,2000,2ªEdição,v.4,p.29.12ApósaReformaconstitucionalde1989,houveaaglutinaçãosemalteraçãoderedaçãodosprimitivosartigos205º.(Definição),206º(funçãojurisdicional)e209º(coadjuvaçãodeoutrasautoridades)‑quepassaramaconstruir,respectivamente,osn.1,2,e3donovoartigo202º,cujaepígrafecorrespondeàdoantigoartigo206º.Aatualformataçãodoartigo202ºdecorredaReformaConstitucionalde1997,pois,anteriormente,apossibilidadedecoexistênciadeformasalternativasderesoluçãodelitígiosvinhaenunciadapeloartigo205º,conformealudidopeloilustreconstitucionalistaJorgeMiranda.13Oatualartigo202º,daConstituiçãodaRepúblicaPortuguesatratadafunçãojurisdicionaledispõeque:1.Ostribunaissãoórgãosdesoberaniacomcompetênciaparaadministrarajustiçaemnomedopovo;2.Naadministraçãodajustiçaincumbeaostribunaisasseguraradefesadosdireitoseinteresseslegalmenteprotegidosdoscidadãos,reprimiraviolaçãodalegalidadedemocráticaedirimirosconflitosdeinteressespúblicoseprivados;3.Noexercíciodassuasfunçõesoutribunaistêmdireitoàcoadjuvaçãodasoutrasautoridades;4.Aleipoderáinstitucionalizarinstrumentoseformasdecomposiçãonãojurisdicionaldeconflitos.(Canotilho,J.J.Gomes;Moreira,Vital.“ConstituiçãodaRepúblicaPortuguesa”,Coimbra:CoimbraEditora,6ªedição,2002,p.128).

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extrajudicialdeconflitosfoiasseguradaumaposiçãocomplementar,realmentede coadjuvação em relação à indelegável função jurisdicional estatal. Ressalta‑se que o próprio texto constitucional português condiciona ainstitucionalização de instrumentos e formas de composição não‑jurisdicionalde conflitos à lei. Portanto, somente o Estado, através do legislativo, é quepoderá delegar legitimidade e parcela de jurisdição a terceiros, que não ostribunais e os agentes judiciais, para dirimirem controvérsias. Historicamente,aocriarachamadareservadejurisdição,oEstadovisouassegurarqueasnormasdedireitomaterialesubstantivoefetivamentefossemcumpridas, e, conseqüentemente, conduzissem aos efeitos nelas enunciados,fazendo o agente judicial aplicar em cada caso concreto os objetivos sociaisfirmadosnanorma.

Prosseguindo numa visão que nos remete aomomento pós‑RevoluçãoFrancesaequeensejouopositivismo,àquelaalturaprevaleciaaconcepçãodeque a partir do monopólio de jurisdição seria preservado o ordenamentojurídicoemsuaautoridadee,porconseguinte,promover‑se‑iaapazsocialeaordemnasociedadepormeiodaatuaçãodoEstado‑juiz.

Contudo, partilhamos do entendimento de que o extraordináriofortalecimentodoEstado,aoqualsealiouaconsciênciadasuaessencialfunçãopacificadora,lastreadanoiusimperii,conduziu,apartirdacognitioextraordinemromana (sobretudo com o advento doCorpus Iuris Civilis de Justiniano) e aolongo dos séculos, à falsa convicção da dependência social da exclusividadeestatalnoexercíciodafunçãojurisdicional.

Sobretudo nos últimos vinte e cinco anos, tal concepção vem sendocolocadaemxequenoambientedaciênciadodireito,postoqueapassoslargosganhavolumeaconscientizaçãodequeparaseobteraefetividadedoprocesso,é imperiosoquesegarantaodevidoprocesso legal,ocontraditórioeaampladefesa, mas que tais garantias podem ser preservadas por meio de soluçõesalternativas,quenãosomenteaquelaqueconduzexclusivamenteaomonopóliodafunçãojurisdicionalestatal.Note‑sequeAntônioCarlosdeAraújoeCintra,AdaPellegriniGrinovereCândidoRangelDinamarco,jánoiníciodadécadade90 do século passado, ou seja, logo após a promulgação da Carta Magna,haviamidentificadoqueàquelaalturaia“ganhandocorpoaconsciênciadeque,se oque importa épacificar, torna‑se irrelevanteque apacificaçãovenhaporobradoEstadoouporoutrosmeios,desdequeeficientes.Poroutrolado,crescetambém a percepção de que o Estado tem falhado muito na sua missão

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pacificadora, que inexoravelmente ele tenta realizar mediante o exercício dajurisdição”14. Realmente, há situações em que se afigura legítima e necessária aintervenção de outros agentes não‑estatais devidamente legitimados peloEstado,desdequesejaasseguradoaojurisdicionado‑mesmoqueaposteriorieemsituaçõesrestritasparaseevitarindesejáveischicanasprocessuais‑odireitodeacessoaostribunais.

Iniludivelmente, numa sociedade constituída por instituições fortes,dotadas de credibilidade no seio social, e com cidadãos democraticamenteresponsáveis, cientes de que o Estado por si só não é capaz de resolver amultiplicidade dos litígios envolvendo questões muitas vezes sem a menorcomplexidade jurídica, fruto de contratos realizados em massa, tem‑se porassentequeoacessoàordemjurídicajustatambémpoderáserasseguradopormeio de agentes imparciais e independentes, que não estritamente os juízesestatais. ApropósitodaideiadereservadejurisdiçãoedomonopólioestataldafunçãojurisdicionalemPortugal,PauloCastroRangelaludeque“nãosobejamdúvidas,emfacedaletradotextoconstitucionalsaídodaRevisãode1982,deque a nossa Constituição prevê a arbitragem como um modo legítimo decomposição dos litígios. Se dúvidas havia, elas aí se dissiparam, consoanteresulta, de resto, do atual artigo 209º, n. 2 da CRP 76. Esta admissãoconsubstancia, aliás, um indício forte de um fenômeno de alcance bemmaislargoequeapontaparaumaprogressivadesintegraçãodocaráterestadualdostribunais”15. Independentementedeconsiderarmosqueaideiade“desintegração”docaráter estatal dos tribunais não seja condizente com as aspirações sociaishodiernas, visto que sob a nossa ótica os meios alternativos de solução delitígiosdevempossuirummatizsupletivodecorrentedeumaopçãogerencial(ouorganizativa)dopróprioEstado,afimde justamenteprivilegiaraatuaçãodoEstado‑juiznaquelascontrovérsiasqueefetivamentenãopodemprescindirda sua análise (monopólio absoluto da jurisdição), convém observar que a

                                                             14In“Teoriageraldoprocesso”.SãoPaulo:Ed.Malheiros,9ªedição,1992,p.29.15OAutorsublinhaqueostribunaisdecorremdeuma“idéiavectora”deautonomiaprivadanoâmbitodosdireitosdisponíveis,quejáseincrustavamnatradiçãojurídica,razãopelaqual,pelofatodeasdecisõesarbitraisnãofundaremasuaauctoritasnoEstado,nãopodemserqualificadoscomoórgãosdesoberania;issonãosignificaquenãosejamverdadeirostribunais,vezque“percebe‑sebemqueoprincípiodereservadejurisdiçãosesatisfaçacomapossibilidadedeaspartespleitearemperanteumtribunalarbitralvoluntário.Aliás,oTribunalConstitucionalreconheceu,noAcórdãon.506/96,que‘paraaConstituição,nãoháapenastribunaisestatais’”(“Odireitoaopoder”,inRepensaropoderjudicial:fundamentosefragmentos”.Porto:UniversidadeCatólica,2001,p.291‑292e294).

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organizaçãojudiciáriaématériaindelegáveleirrenunciáveldopróprioEstado. O artigo 209º, 2, daConstituição daRepública Portuguesa, inserido nocapítulo destinado à organização dos tribunais, dispõe que poderão existirtribunais arbitrais e julgados de paz, sendo que compete à lei determinar oscasos e as formas em que os tribunais podem ser constituídos. Portanto, na órbita de um Estado cooperativo, mister se faz o Estadoassumir uma atitude demobilização ativa e empreendedora da revolução dotecidosocial,queporumadecisãoestratégicasua,sobretudoapartirdoiníciodesteséculo,abriuevemabrindomãodepartedasuaautoritáriaeexclusivafunção jurisdicional emprolde interessesmaiores, relacionados comoacessoaosdireitosnadistribuiçãoequitativadajustiça.

Nessa senda, compete ao Estado ser o protagonista da coordenação earticulaçãodosmeiosalternativos,nãoapenasderesoluçãodelitígios,nasearadaquiloqueconhecemoscomoprocessodeconhecimento,mastambémnoquediz respeito à realização do direito corporificado num título judicial ouextrajudicial(processodeexecução).

Para tanto, somos amplamente favoráveis àparticipaçãodosdiferentesatoressociaisnacoisapública,desdequefiáveis,organizadosesuficientementemaduros para respeitar e proclamar a ordem jurídica vigente no interessepúblico; participação esta que não se exaure na simples formação dasinstituições representativas, que efetivamente constituem um estágio daevoluçãodoEstadoDemocrático,massimnumaprofícuasomatóriadeesforçosvoltadosparaapacificaçãosocialeobemcomum.

Por conseguinte, no que diz respeito à constituição das câmeras outribunaisarbitrais, somosamplamentedesfavoráveisàomissãoestatalnoquedizrespeitoànecessidadedesubordiná‑lasaopróprioEstado.

Asoluçãoportuguesa,nosentidodesubordinarostribunaisarbitraisaoMinistério da Justiça é um sinal de que a soberania estatal não pode serignorada em hipótese alguma, seja na criação ou extinção daquilo queefetivamente não converge para o fim delineado na norma que autoriza ofuncionamento do meio alternativo de resolução extrajudicial de litígios16.

                                                             16ÀguisedeexemplodaparticipaçãoestatalnaformataçãodamolduradosmeiosalternativosderesoluçãodelitígiosemPortugal,aLein.70/2001,de13deJulhode2001,disciplinaaorganização,competênciaefuncionamentodoschamadosjulgadosdepaz,criadosparaestimularajustacomposiçãodoslitígiosporacordodaspartesatravésdaconciliaçãoedamedição.OsjulgadosdepazserãocriadospordiplomadoGoverno,ouvidosoConselhoSuperiordaMagistratura,aOrdemdosAdvogados,aAssociaçãoNacionaldeMunicípiosPortugueseseaAssociaçãoNacionaldeFreguesias.EncampandoaRecomendaçãodaComissãodaUniãoEuropéian.98/257/CE,de30deMarço,relativaaos

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NãoépormotivooutroqueoDecreto‑lein.435/86de27deDezembropermite às entidades portuguesas ‑ que no âmbito da Lei n. 31/86, de 29 deAgosto, pretendam promover com caráter institucionalizado a realização dearbitragensvoluntárias‑requereremaoMinistrodaJustiçaautorizaçãoparaacriaçãodosrespectivoscentrosdearbitragem.Oartigo1º,n.2,doDecreto‑lein.425/86dispõequenorequerimentodefuncionamentodocentrodearbitragema entidade interessada deverá expor de forma circunstanciada as razões quejustificamasuapretensão,delimitandooobjetodasarbitragensquepretendemlevar a efeito. Ao apreciar os pedidos formulados, oMinistro da Justiça, pormeiodedespachofundamentado,devetomaremcontaarepresentatividadedaentidaderequerenteeasuaidoneidadeparaaprossecuçãodaatividadequesepropõea realizar, comvistaaverificar se estãopreenchidasas condiçõesqueasseguremumaexecuçãoadequadadetalatividade(artigos2ºe3ºdoDecreto‑lei n. 425/86)17. Inclusive, ocorrerá a revogação da autorização concedida, pormeiodedespacho fundamentado, seocorreralgumfatoquedemonstrequeaentidade deixou de possuir condições técnicas ou de idoneidade para arealização de arbitragens voluntárias institucionalizadas (artigo 5º). O entendimento que nestemomento defendemos, no sentido de que oEstadonãopodeseimiscuirdaadequadalegitimaçãodosmeiosalternativosderesoluçãode litígios, seaplicaaqualquersituaçãoenvolvendoadelegaçãodeparcelamaioroumenordejurisdiçãoaentesparalegais,inclusiveemrelaçãoàdesjudicialização do processo executivo, solução que defendemos em outroestudo idealizado pelo Centro de Extensão Universitária18. O interesse público deve ser resguardado pelo Estado em qualquersituação. Com inspiração decorrente do diálogo havido com o direito ibérico, játivemos a oportunidade de sustentar a viabilidade da desjudicialização doprocessoexecutivo,lastreado,inclusive,naexperiênciaportuguesa,introduzidaao ordenamento jurídico do país a partir do Decreto‑lei n. 38/2003, de 8 deMarço,queentrouemvigorem15deSetembrode2003.

Considerando que nestas exíguas linhas estamos a analisar acompatibilidadedosmeios alternativosde resolução extrajudicialde conflitoscom princípios constitucionais, que, embora encampados na ordem                                                                                                                                                                                   princípiosaplicáveisaosorganismosresponsáveispelaresoluçãoextrajudicialdelitígiosdeconsumo,oDecreto‑lein.146/99,de4deMaio,estabeleceosprincípioseregrasaquedevemobedeceracriaçãoeofuncionamentodeentidadesprivadasderesoluçãoextrajudicialdeconflitosdeconsumo,cujopedidoderegistrodeveráserendereçadoaoInstitutodoConsumidor,ligadoaoMinistériodaJustiça.17Dias,JoãoÁlvaro.“ResoluçãoExtrajudicialdeLitígios”.Coimbra:Ed.Almedina,2002,PP.98‑99.18SamyGarson,DireitoProcessualCivil,cit.,pp.503‑547.

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constitucional brasileira a partir da Constituição de 1988, diante dasnecessidadeseconômico‑sociaisqueseimpõem,necessitamseranalisadosàluzda mudança dos paradigmas que anteriormente iluminavam as opções donossolegisladorconstituinte,nãopodemosdeixarderechaçarveementementeas soluções legislativas infraconstitucionais que ‑ conforme adiantedemonstraremos‑,anossover,temaviltadoaatuaçãodoagentejudicial(juiz),semquesequerasdiversasassociaçõesdemagistradosouoConselhoNacionaldeJustiçaseinsurjamcontrataissoluções.

Na esteira da viabilidade de se desjudicializar parcelas de jurisdição,retomamos,mesmoquede formaperfunctória, a soluçãodesjudicializantedoprocessodeexecução,introduzidanoordenamentojurídicoportuguêsapartirdo Decreto‑lei n. 38/2003 de 8 de Março, que entrou em vigor em 15 deSetembro de 2003, que representa um marco na mudança de paradigma doprocessodeexecução,sobretudoporqueviabilizouadesjudicializaçãodosatostípicosdoprocessodeexecução.

ConformesalientaPaulaCostaeSilva19,“atéareforma,todososatosdeexecuçãodeviamserpraticadosoupelaspartesoupelo tribunal”, todavia,nopresente momento, é ao agente de execução (solicitador) que compete “arealizaçãodetodasasdiligênciasdoprocessodeexecução,nestasseincluindocitações, notificações, publicações, atos de penhora, venda e pagamento (art.808‑1 e 6 doCódigode ProcessoCivil português), devendo estas funções serexercidassobocontroledojuizdeexecução(art.808‑1),detalformaqueagorao Tribunal só intervém quando é de todo impossível negar a naturezajurisdicionaldoatoapraticar”.

Note‑sequeembora“rarefeita”,é indiscutívelquenaaçãodeexecuçãoexistecogniçãorelacionadaprecipuamentecomaverificaçãodopreenchimentodos pressupostos para a cobrança; todavia, não podemos olvidar que aexecuçãosealicerçanaliquidez,certezaeexigibilidadedeumtítuloque,peloelevadograudesegurançaqueoferece,proporcionaoudeveriaproporcionarasatisfaçãodocréditoexeqüendosemsuscitarquestõesdemaioresindagações20.

SegundooescóliodeMiguelTeixeiradeSouza21,aatribuiçãodafunçãoexecutiva a um órgão não‑estatal, que permanece sujeito à supervisão e ao

                                                             19In“Areformadaacçãoexecutiva”.Coimbra:CoimbraEditora,4ªEdição,2004,p.13.20KazuoWatanabedelineiadeformainequívocaasbasesparaamelhorcompreensãodaexíguacogniçãonoprocessodeexecuçãoedaaceitaçãodosembargoscomoaçãodecognição.21In“Areformadaacçãoexecutiva”.Lisboa:Lex,2004,p.14.

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controledo tribunalde execução (juizde execução),pressupõeque a açãodeexecução possui caráter jurisdicional e, por isso, não é equiparável a umprocedimento administrativo; todavia, “os atos de apreensão e de venda debens‑deixamdeserpraticadospelojuizdeexecuçãoepassamaserentreguesaumaentidadenãojurisdicional”.

No âmbito constitucional pátrio, para se verificar a harmonia existenteentre a desjudicialização da execução com os princípios constitucionais domonopóliodejurisdiçãoedainafastabilidadedaapreciaçãodoPoderJudiciáriodelesãoouameaçaadireito,bastarelembrarqueédetodoplausívelsubmetera atividade do agente de execução legitimado pelo Estado ao controlesancionatório do próprio Estado‑juiz, que poderá ser exercido a posteriori, talcomo já sucede no regime da execução conduzida pelo agente de execuçãoportuguês. No que diz respeito a uma abordagem constitucional dadesjudicialização da execução, Gomes Canotilho22 ressalta que “é possíveldistinguir no processo dimensões processuais materialmente jurisdicionais edimensões processuais que não exigem intervenção do juiz, podendo serdinamizadasporoutrosagentesouoperadoresjurídicos(cf.porex.,oDecreto‑lei n. 38/2003, de 8 deMarço, que confia ao agente de execução importantesfunçõesnoâmbitodaaçãoexecutiva)”.

Noâmbitodasdimensõesprocessuaisquedispensama intervençãodojuizna execução, JoséLebredeFreitas23 ressaltaque emPortugal, tal qualnaFrança e na Alemanha, houve a opção pela desjurisdicialização relativa doprocessoexecutivo,vezque“nasdiligênciasdoprocessodeexecuçãocabemosatosexecutivosfundamentais(apenhora,avendaeopagamento)eoutrosque,relativamente a esses, exercem função meramente instrumental”, incluídas acitação,anotificaçãoeaspublicações.

Entretanto, sem prejuízo de, conforme alhures sublinhado,preconizarmos firmemente a desjudicialização do processo de execução,passadosmais de vinte anos de vigência daCartaMagna, causa‑nos espantoverificar que o legislador ainda atribui ao juiz funções que afrontam edificultamsobremaneiraasuaprópriaatuaçãoearelegamaosegundoplano.

                                                             22J.J.GomesCanotilho,DireitoconstitucionaleteoriadaConstituição,cit.,p.664.23In“Areformadaacçãoexecutiva:agentedeexecuçãoepoderjurisdicional”.Themis:RevistadaFaculdadedeDireitodaUniversidadeNovadeLisboa,ano4,n.7,2003,PP.24‑25.

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Conforme preconiza a doutrina24, as reformas introduzidas nocumprimentode sentença e na execuçãode títulos extrajudiciaisdemonstramqueolegisladorpátriofoiamplamenteinfluenciadopelassoluçõeshavidasnoordenamento jurídico português a partir da reforma processual entãoencampadapelo saudosoAntunesVarela no anode 1995, que, àquela altura,manteveaexecuçãoconduzidaexclusivamentepeloagentejudicial.

No entanto, a reformadecorrentedo adventodaLein. 11.382,de 6deDezembrode2006,sobanossaótica,jásurgiusuperadaemtermoslegislativosface ao quadro atual da execução portuguesa, que, conforme é cediço, estáharmonizadacomasdiversassoluçõesencampadaspelamaioriadosdiversospaísesquecompõemaUniãoEuropéia25.

Aotomarmoscontatodiretocomaexperiênciaportuguesa,verificamos,porexemplo,queoatualartigo655‑AdoCódigodeProcessoCivilbrasileiro,introduzidonoordenamentojurídicopátrioapartirdaLein.11.382/2006,queatribuiexclusivamenteàautoridadejudiciáriaosatostendentesàrealizaçãodachamada “penhora on line”, reitera uma superada burocracia estatizante, quenãosejustificasobopontodevistateleológico.

Ao tentar conciliar a efetividade da execução e o sigilo de dados e aintimidade do devedor, o legislador pátrio reconheceu exclusivamente nomagistradoacapacidadederealizardeformaseguraeeficazosatostendentesàconstriçãodeativosfinanceirosdodevedor.

Eopior:édeconhecimentoqueaojuiztambémincumbiráarealizaçãodearrestosde imóveis edeautomóveis, tudoatravésde sistemaseletrônicos,interligados com o Banco Central do Brasil, Departamentos de Trânsito eCartóriosdeRegistrodeImóveiseaReceitaFederal.                                                             24SegundoLuizAugustoAzevedodeAlmeidaHoffmann,éperceptível“ainfluênciadalegislaçãolusaemrelaçãoàmudançadaexpropriaçãodebens(...)”(in“AsmudançasnaexpropriaçãodebensemfacedasdisposiçõesdaLein.11.382/2006”.“Anovaexecuçãodetítulosextrajudiciais”.CoordenaçãodeLuísFernandodeLimaCarvalho.RiodeJaneiro:ElsevierEditora,2008,p.83).25Nosistemaeuropeu,identificamosomodelosuecodaexecução,realizadoatravésdeumserviçoadministrativoespecializado,queprescindedequalquercontroleporpartedotribunal,egenericamenteéseguidonosdemaispaísesnórdicos.NaFrança,osistemadohuissierdejustice,reconhecidocomoauxiliardajustiça,portanto,estandosubmetidoaocontrolesancionatóriojurisdicional,tambémfoiadotadopelaBélgica,Holanda,Suíça,Grécia,Luxemburgo,Polônia,Eslováquia,Romênia,Hungria,estando,inclusive,paraserimplantadoempaísescomoaRepúblicaCheca,Lituânia,BulgáriaeAlbânia.LecionaoeminenteprocessualistaportuguêsJoséLebredeFreitasque“talcomoohuissierfrancês,oagentedeexecuçãoéummistodeprofissionalliberalefuncionáriopúblico,cujoestatutodeauxiliardajustiçaimplicaadetençãodepoderesdeautoridadenoprocessoexecutivo.Asuaexistência,semretiraranaturezajurisdicionaldoprocessoexecutivo,implicaasualargadesjudicialização(entendidacomomenorintervençãodojuiznosatosprocessuais)etambémadiminuiçãodosatospraticadospelasecretaria.NãoimpedearesponsabilidadedoEstadopelosatosilícitosqueosolicitadordeexecuçãopratiquenoexercíciodafunção,nostermosgeraisdaresponsabilidadedoEstadopelosatosdosseusfuncionárioseagentes”(in“acçãodeexecutivadepoisdareforma”.Coimbra:CoimbraEditora,4ªedição,2004,p.27‑28).

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A par de reputarmos imprescindível o recurso a todos os meioseletrônicosdisponíveis para adesmaterializaçãodoprocesso, não raras vezesconstituídoporinfindáveisvolumesdepapel,que,inclusive,nãose justificamnumasociedadevoltadaparaapreservaçãodomeioambiente,desagrada‑nosprofundamente assistir a redução da valiosíssima função jurisdicional doagente judicial a atos absolutamente delegáveis a auxiliares da justiça. Conforme defendemos já nas linhas introdutórias do nosso estudo, osentidododireito e amanutençãodas suas instituições exigemque oEstadoproporcione a participação da sociedade organizada e democraticamenteresponsávelnosórgãosauxiliaresdajustiça.

Continuando em nosso diálogo com as soluções recentementeintroduzidasnoordenamentojurídicoportuguês,masque,respeitandoassuaspeculiaridades, de certa forma remontam à solução francesa do huissier dejustice,previstanoartigo18daLeide9deJulhode199126daFrança,convémsublinharqueaamplareformarecentementerealizadanaexecuçãoportuguesaimpôs a criação de um registro informático de execuções, que é atualizadodiariamente, sem a necessidade de despacho judicial que a autorize. No aludido registro de execuções deverá constar, dentre outrasinformações, a identificação do executado, dos bens penhorados, o rol deexecuções findas,pendentes, e as suspensaspor faltadebenspenhoráveisdoexecutado. Considerando que o registro conterá dados pessoais, “prevê‑se que arespectivaconsultasejaapenasdeferidairrestritamenteaotitulardosdadoseomagistrado judicial ou do Ministério Público. Qualquer outro sujeito quepretendaconsultaroregistrotemdefazerprovadaexistênciadeumaligaçãoespecial como titulardosdados (assimsucedecomomandatário constituídonos autos, compessoaque exiba título executivo contrao titulardosdados epretenda consultar o registro antes de propor a execução, com pessoa quedemonstreterobtidooconsentimentodotitulardosdados),oudoexercíciodasfunçõesnaexecução(v.g.,oagentedaexecuçãodesignado,paraqueesseacessolhedeferido)”27.

Portanto,emPortugalfoiatribuídoaoagentedeexecução,que,repita‑seestá sujeito ao controle sancionatório judicial, o acesso a dados pessoais do                                                             26OprofessorChristofeLefortressaltaqueaohuissierdejusticecompetearealizaçãodaexecuçãoforçadaeasapreensõesdebensparaaconservação(in“Procédurecivile”.Paris:Daloz,2005,p.123.27PaulaCostaeSilva,Areformadaacçãoexecutiva,cit.p.18.

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devedor,compoderespararealizaraconstriçãodosbenspassíveisdepenhora,inclusiveosativosfinanceiros28.

Exercendo intensamente a advocacia em âmbito nacional, eestabelecendo um profícuo debate com as autoridades judiciárias, não rarasvezes nos deparamos com manifestações de desagrado em relação à formacomo foi implantada a constrição eletrônica dos ativos financeiros dosdevedoresnoprocessobrasileiro.

Indubitavelmente,a“penhoraon line”éumaconquistada sociedade, ecomotal,tornou‑seimprescindívelparaosfinsdoprocessoexecutivo;todavia,não se pode impor ao agente judicial a árdua tarefa de despachar, instruir,julgar,e,nosminutoseventualmentedisponíveis,realizaraconstriçãodebensdo devedor. Note‑se que não estamos nos referindo a uma ou duasprovidências. São inúmeros acessos eletrônicos que devem ser realizadosdiariamente,afimdetornarrealidadeodireitoreconhecidonotítuloexecutivojudicialouextrajudicial.

SeporumladoaConstituiçãoFederalprivilegiaafunçãojurisdicionalapartirdomonopóliodo judiciário,deoutro ladoo legisladorordinário impõedemasiadas obrigações e responsabilidades ao juiz, que indiscutivelmentepoderiam serdelegadas a terceiros, se éque jánão estão sendo realizadasnapenumbradoexcessodetrabalhoqueindevidamentefoiprovocadoaoagentejudicial. Portanto, em nosso entendimento, num primeiro momento se faznecessário compatibilizar a atividade executiva, decorrente da penhora pelomeioeletrônico,comoauxiliardajustiça,independentementedanomenclaturaque se utilize para o cargo a ser ocupado, desde que conte com formaçãojurídica e com a necessária qualificação profissional e treinamento para omelhor desempenho das suas funções que, decerto, estarão subordinadas aocontroleepodersancionatóriodoagentejudicial.

Uma vez rompida a tênue linha que separa a credibilidade dadesconfiança,sugerimosoaprofundamentododiálogoentreosdiversosentessociais(OrdemdosAdvogados,AssociaçãodosMagistrados,etc.)eoEstado,a

                                                             28MiltonPaulodeCarvalhoFilho,embrilhanteartigopublicadosobotítulo“Aplicaçãodoprincípiodaproporcionalidadeàexecução,àluzdasLeisn.11.232/2005e11.382/2006”,aodefendereconjugaroprincípiodaproporcionalidadenaexecuçãocomodireitodocredor,asseverouqueadecretaçãodaquebradosigilobancárionãoserádeterminadadeimediato,nemtampoucosemacorrespondentecomprovação,pelocredor,dediligênciasefetuadas,edoregularcontraditório”(in“Direitoprocessualcivil”,CoordenaçãodeMiltonPaulodeCarvalho.SãoPaulo:Ed.QuartierLatin,2007,p.489). 

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fimdefinalmentesedarazoàanálisedaadequaçãoenecessidadedeseadotarumeficientemeiodesjudicializantedaexecuçãonopaís.

3.Conclusões

Deacordocomosnossosestudos,podemosafirmarqueamultiplicidadee a complexidade das questões que hordienamente são postas ao exame doagenteestatal(juiz),que,inclusive,atuadeformasupletivanocumprimentodeuminfindávelnúmerodedireitosque foramintroduzidosnosistema jurídicopátrio a partir da decadência do welfare state, impõem a busca de soluçõesalternativasparaaresoluçãodelitígios.

Osprincípiosconstitucionaisdomonopóliodejurisdição,reservadojuize da inafastabilidade da apreciação de lesão e ameaça de direito pelo PoderJudiciário,que,comovimos,estruturamopróprioEstadodeDireito,admitemperfeitamentenãosóaadoçãopeloEstadodosmeiosalternativosderesoluçãode litígios já amplamete conhecidos e implantados em nosso ordenamentojurídico(separação,divórcioeinventárioextrajudicial,conciliação,mediaçãoearbitragem),masdeoutrosaindanãolegitimadospeloEstado.

Areservarelativade jurisdição,queautorizaumcontrolesancionatóriodo Estado posteriormente à realização da resolução extrajudicial do conflito,permite que o chamado monopólio de jurisdição seja alcançado a partir daintervenção dos diversos agentes sociais coordenados pelo Estado, este simdetentordaindelegávelsoberaniaparadecidiracercadasmelhoressoluçõesaseremencampadasnaordemjurídicadecadapaís.

Portanto, A Constituição Federal não é um sistema fechado aoschamados meios alternativos de resolução extrajudicial de litígios. Pelocontrário,oaperfeiçoamentoda“Constituiçãocidadã” imperanaparticipaçãosocial, através de instituições fortes e de cidadãos democraticamenteresponsáveis. AssimcomosucedeuemPortugal,cujaConstituição,conformeécediço,foipromulgadaemAbrilde1976,ouseja,aproximadamentedoisanosapósaqueda do regime salazarista, que sucedeu em 25 de Abril de 1974, a nossaConstituição Federal de 1988 veio para romper com um regime autoritário e

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extirpar da sociedade a falsa ideia de que somente o “Governo” é capaz desolucionar os problemas econômicos, sociais e políticos, vivenciados numasociedadecadavezmaiscomplexaedinâmica.

Ao relacionarmos a nossa Constituição Federal com a da RepúblicaPortuguesa,notadamentenoquedizrespeitoàaceitaçãodosmeiosalternativosde resolução extrajudicial de litígios já conhecidos, além de outros queporventura sejam criados a partir da intervenção legislativa, não podemosdeixarderessaltarquearedaçãodosatuaisartigos202º(funçãojurisdicional)e209º (categorias de tribunais) da Constituição lusa também decorrem dainserçãodopaísnumespectromaiordediscussões,que,inclusive,envolvemaadoção de soluções amplamente testadas, reconhecidas e aceitas em outrosordenamentos jurídicos. Inserido no contexto daUnião Européia, conforme écediço, o País teve que realizar alterações constitucionais de relevo, a fim deharmonizaro seuordenamento jurídico comsoluçõeshá tempos consagradasem outros ordenamentos (vide a desjudicialização da execução a partir daadoçãodoagentedeexecução,muitopróximaaomodelodohuissierde justicefrancês). Até 2001, ou seja, passados vinte e sete anos da sua promulgação, aConstituição da República Portuguesa já havia sofrido cinco revisõesconstitucionais, sendo certo que a velocidade imprimida na adoção dasdiretivas e regulamentos europeus proporcionaram ao país um inegávelincrementoemseuarcabouçojurídico,sobretudonotocanteaoreconhecimentoda importância do protagonismo da reserva de jurisdição ‑ todavia, com acoadjuvação dos meios alternativos de resolução de litígios. A reserva de jurisdição não é um fim em si mesmo, podendo serperfeitamenterelativizadaconsoanteaimportânciadosinteressesemjogo,sobpena de engessar a capacidade do Estado gerir os anseios sociais e obter acredibilidade necessária para viabilizar a pacificação social num mundoglobalizadoecomarealizaçãodenegóciosinterdependentes.

ReiteramosqueoEstadodeveatuarde formaa controlar a criação e aextinção dos órgãos complementares de jurisdição, de tal forma que deve sevalerda sua soberaniapara legitimar as soluçõesmais eficientes na buscadaordem jurídica justa, lastreada por órgãos independentes e imparciais. Omonopóliodejurisdiçãonãopodeserconfundidocomaexclusividadede jurisdição por parte do Estado‑juiz, que, tão‑somente, pode ser entendidocomo a possibilidade de se realizar um controle a posteriori de determinadas

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questões delineadas pelo legislador em suas opções legislativas. O juiz não pode ser tratado como sendo a única pessoa íntegra ecomprometidacomaordemjurídica,apontodeexclusivamentepoderrealizaruma“penhoraonline”.Aprosseguirtalinclinação,apassoslargosolegisladorbrasileiroproporcionaráoestrangulamentodaatividadejurisdicional,quenumEstadodemocráticodedireitodeveriaserprivilegiada,afimdeproporcionaràsociedade a segurança jurídica, a efetividade da justiça e a pacificação social. Se na órbita do Estado cooperativo não houver espaço para aparticipação social na autocomposição de litígios, todos os investimentos emcontrataçãode juízes,depessoaldeapoio, edeconstruçãodenovosedifíciosserão insuficientes para a realização da justiça no Estado democrático. SaudamosanossaCartaMagna, todavia,acenandocoma formalizaçãoda sua abertura, em sede de futura reforma, aos mais diversos meiosalternativos de resolução de litígios, sempre de forma complementar àjurisdiçãoestatal.

Contudo, sublinhamos que o monopólio de jurisdição preceituado naConstituição da República não é impeditivo de medidas desjudicializantes,postoqueno conceitodemonopóliode jurisdição, comovimos, tambémestáinserida a chamada reserva relativa de jurisdição naquilo em que o entesoberano ‑ Estado‑legislador ‑ entender como passível de transferência deparceladejurisdição.

Porderradeiro, firmamosonosso compromisso cidadãodepersistirnadefesadadesjudicializaçãodaexecução,justamentecomoescopodeprivilegiara judicatura e, sobretudo, a buscadeuma justiça ágil, equânime e eficiente àsociedade.

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