A ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA PARA A DEMOCRACIA: 'ALGUNS...

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jJ~(J COLABORAÇÃO INTERNACIONAL . A ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA PARA A DEMOCRACIA: 'ALGUNS ASPECTOS ESTRATÉGICOS - 11* • José Constantino Nalda García Presidente do INAP - Instituto Nacional de Administración Pública, Espanha. Tradução de José Roberto Felicíssimo, Sociológo, Doutor em Ciências Sociais, Professor Assistente-Mestre da FEA-PUC/SP, Consultor. * RESUMO: Este artigo é o segundo de uma série de três sobre as bases que sustentam a modernização administra- tiva no setor público espanhol. Está estruturado de forma modular, sem remeter o leitor necessariamente ao primei- ro artigo da série. Em particular, nesta segunda parte, o autor focaliza sua atenção na resposta às questões: para que a Administração Pública? Como torná-la realidade? Utiliza o referencial teórico apresentado na Parte I e in- troduz o conceito de "espaço de qualidade" para superar as dimensões custo-benefício. Delimita este espaço com três eixos: limitação de recursos, novas tecnologias e in- formação, com os quais analisa o papel central do capital humano na nova organização prestacional e de garantias, com base no caso espanhol, apontando dificuldades e pos- síveis ações futuras. 50 Revista de Administração de Empresas * PALAVRAS-CHAVE: Administração Pública, democracia, espaço de qualidade, capital humano, organização. * ABSTRACT: This article is the second of a three serie about the base that support the administrative moderniza- tion in the Spanish public sector. It is structured in a mo- dular way, without send the reader to the firs.t article. Espe- cially, in the second pari, the autor focus his attention on some questions as: what for public administration? How to make it reality? He uses the theoretical frame of reference presented in Part I and introduces the "space of qualitv" concept to surpass the dimensions of cost-benefit analysis. Such space is framed by three axes: limiied resources, new technologies and information. Based on Spanish case the autor analises the central role of human capital in the new organization which offers services and guarantees. He points out difficulties and possible future actions. * KEY WQRDS: Public administraiion, democracy, space of quality, human capital, organization. * Artigo publicado originalmente sob o título La Administración Pública para la Democracia - alguns aspectos estratégicos, pelo Centro Latínoamerícano de Administración para el Desarrollo (CLAD),Caracas, Venezuela. São Paulo, 33(5):50-66 Set./Out. 1993 Administração pública

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jJ~(JCOLABORAÇÃO INTERNACIONAL .

A ADMINISTRAÇÃO PÚBLICAPARA A DEMOCRACIA:'ALGUNS ASPECTOS ESTRATÉGICOS - 11*• José Constantino Nalda García

Presidente do INAP - Instituto Nacional deAdministración Pública, Espanha.

Tradução de José Roberto Felicíssimo, Sociológo,Doutor em Ciências Sociais, Professor Assistente-Mestreda FEA-PUC/SP, Consultor.

* RESUMO: Este artigo é o segundo de uma série de trêssobre as bases que sustentam a modernização administra-tiva no setor público espanhol. Está estruturado de formamodular, sem remeter o leitor necessariamente ao primei-ro artigo da série. Em particular, nesta segunda parte, oautor focaliza sua atenção na resposta às questões: paraque a Administração Pública? Como torná-la realidade?Utiliza o referencial teórico apresentado na Parte I e in-troduz o conceito de "espaço de qualidade" para superaras dimensões custo-benefício. Delimita este espaço comtrês eixos: limitação de recursos, novas tecnologias e in-formação, com os quais analisa o papel central do capitalhumano na nova organização prestacional e de garantias,com base no caso espanhol, apontando dificuldades e pos-síveis ações futuras.

50 Revista de Administração de Empresas

* PALAVRAS-CHAVE: Administração Pública, democracia,espaço de qualidade, capital humano, organização.

* ABSTRACT: This article is the second of a three serieabout the base that support the administrative moderniza-tion in the Spanish public sector. It is structured in a mo-dular way, without send the reader to the firs.t article. Espe-cially, in the second pari, the autor focus his attention onsome questions as: what for public administration? How tomake it reality? He uses the theoretical frame of referencepresented in Part I and introduces the "space of qualitv"concept to surpass the dimensions of cost-benefit analysis.Such space is framed by three axes: limiied resources, newtechnologies and information. Based on Spanish case theautor analises the central role of human capital in the neworganization which offers services and guarantees. Hepoints out difficulties and possible future actions.

* KEY WQRDS: Public administraiion, democracy, space ofquality, human capital, organization.

* Artigo publicado originalmente sob o título La AdministraciónPública para la Democracia - alguns aspectos estratégicos, peloCentro Latínoamerícano de Administración para el Desarrollo(CLAD),Caracas, Venezuela.

São Paulo, 33(5):50-66 Set./Out. 1993

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ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA PARA A DEMOCRACIA ...

o ESPAÇO DA QUALIDADE

Consideraremos, sob esta epígrafe, aresposta a uma pergunta que seria ime-diata ao que acabamos de analisar: paraque a Administração? O nosso interesse,e daí o título, é superar esquemas muitolineares - de certo modo também anti-quados - de abordar estas questões.

No desenvolvimento realizado até omomento, aprecia-se com facilidade, quea Administração tem tido como objetomanter as estruturas dominantes e a per-petuidade do modelo de rigidez e estabi-lidade que descrevemos. Era, portanto,uma Administração de normas e potenta-dos (domínio) (potestades) para, numa si-militude esportiva, manter as regras dojogo, os limites do campo e os jogadoresparalisados em posições predetermina-das, o que, às vezes, exigia o outorgamen-to - gracioso? - de certos benefícios ouserviços sociais e, além do mais, de umsistema que evitasse as perturbações.1

Este não pode ser o espaço em que de-ve se mover uma Administração numasociedade democrática, plural, complexae dinâmica como a descrevemos. O esta-belecimento de condições gerais de acessoaos bens e serviços sociais, para um exer-cício real das liberdades e a igualdade; aparticipação e o controle que deverão serestabelecidos sobre as políticas públicas -que definem a produção e distribuiçãodesses bens, e sobre aqueles que tenham aresponsabilidade na decisão e execução;as exigências que venham a derivar deuma maior qualidade; e menores custos(diretos ou indiretos) a serem suportadospelos cidadãos, são eixos que definem umâmbito completamente distinto para asações administrativas.

Neste estágio da questão é convenientefazer uma pequena digressão para enri-quecer a perspectiva que estamos explo-rando. Iniciamos com algumas perguntasque, de imediato, responderemos. Desdeeste novo marco, não observamos seme-lhanças com objetivos, métodos e propo-sições que pareciam reservados, anterior-mente, ao domínio privado? Não sãocoincidentes as exigências das demandascom as que se realizam às empresas queoferecembens e serviços?Não está sendosolicitada, ao mesmo tempo, maior inter-venção reguladora e impulsionadora, em

setores da economia anteriormente consi-derados como paradigmas da ação priva-da? E, finalmente: poderia ser esperadaoutra evolução, considerando-se que amanutenção de uma sociedade desenvol-vida, moderna e eqüitativa requer umagestão eficaz para boa parte da riquezanacional?" As respostas surgem sem difi-culdade. Um país que pretenda manterum sistema democrático e descentraliza-do de poder, que tenha a eqüidade e ajustiça como princípios orientadores eque gere um grau razoável de bem-estar,necessita de uma Administração que in-troduza critérios de eficiência, eficácia equalidade em sua gestão.

Não é estranho, portanto, o título dadoa esta seção, já que trata-se de ver a Ad-ministração funcionando, transformandorecursos (inputs) nos serviços que satisfa-zem as aspirações (outputs). Tal esquemadeve ser considerado a partir de dois ân-gulos diferentes e complementares: o âm-bito psicológico e subjetivo daquilo quese deseja e a medida do esforço que se es-tá disposto a suportar, ou a perspectivamais racional dos parâmetros econômi-cos de custo-benefício.

Na figura 1, representamos a tendên-cia de um processo no plano do custo-be-nefício. É evidente que cumpre-se o idealsempre para a linha de rendimento máxi-mo que se corresponderia com aquelasde menor custo e máximo benefício. Pelocontrário, uma situação indesejável cor-responderia com aquela de maior custo emenor benefício. Em todo caso, o que po-de ser entendido como socialmente acei-tável move-se em uma fronteira de flu-tuação definida em custos e benefícios,de modo que na realidade o processo deprestação de um serviço deve evoluirdesde os pontos que representam maiorcusto e mínimos benefícios aos associa-dos com menores custos e máximos be-nefícios com a introdução de mecanismosde eficáciae eficiência.

Sem dúvida que o processo não res-ponde a uma trajetória simples de ida eregresso, senão que apresenta aspectosde inércia e memória (recuerdo) que mo-dificam as tendências e lhes dão maiorcomplexidade e, ao mesmo tempo, umgrau de dinamismo que pode facilitar amanutenção de entornos de estabilidade.A figura 2 representa o que seria este

1. Uma segunda leitura - e su-gestões de bons amigos! -obrigam-me a suavizar as afir-mações deste parágrafo, princi-palmente, com o relacionado aseguir. Em primeiro lugar, evitarqualquer sensação, ou tensão,entre etapas: uma, perversa e, aoutra, cheia de possibilidades.Nada é assim e, sobre isto,mais uma vez, pode-se encon-trar uma prova de que o proces-so passa por sucessivos está-gios intermediários de não-equilíbrio, nos quais se auto-or-ganizam os distintos compo-nentes. Neste dinamismo, a Ad-ministração também jogou seupapel: às vezes, como elementode rigidez e, outras - muitas, seconsiderarmos os últimos tem-pos da ditadura espanhola -produzindo as condições deprofissionalização que favore-ciam a dinâmica renovadora.

2. Na Espanha, aproximada-mente 45% do valor bruto agre-gado é gerido pelo conjunto dasAdministrações públicas; e,desse total, 60% é destinado abeneficiários e agentes priva-dos.

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iJ~11COLABORAÇÃO INTERNACIONAL

--- LINHA DE MÁXIMORENDIMENTO

BENEFíCIO

processo dinâmico de qualidade. Obser-vando-se a figura, obtém-se as razõesque estamos explicando. Em primeiro lu-gar, existe uma tendência natural nos in-divíduos e nos agrupamentos - se per-mitem utilizar o termo cliente ou equiva-lente - a maximizar benefícios e a redu-zir custos. Como indicamos anterior-mente, existem alguns valores mínimos emáximos que, por umas ou outras ra-zões, não podem ser ultrapassados, mui-to embora que, durante o dinamismo,sempre seja produzido um certo grau dedeslocamento, em função do sentido da

em - - - - - - - - 1'"

Trecho A - Alto rendimento.Trecho D - Dificuldades por encarecimento excessivo.Trecho R - Reajuste por um novo valor de custos.Trecho I - Instabilidade - Exigência de um processo de melhoria

0,1 - - - - - - - - -I II I

I

BENEFíCIO

TENDÊNCIA À AMPLIAÇÃO

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tendência. Isto corresponde com os valo-res Bm e BM para os benefícios mínimose máximos e Cm e CM para os custosequivalentes.' Abaixo de um determina-do nível de benefício Bm mesmo que fo-ra a um custo menor de Cm, o cliente re-cusa o serviço e, também, o produtor nãose coloca essa situação como desejável naempresa. A partir daí, está demonstradoque podem ser produzidos incrementosnotáveis de benefícios, com suaves au-mentos de custos, principalmente se seprocura melhorar a eficácia e a eficiênciaconcomitante com uma adequada ativi-dade promocional. A partir de um deter-minado ponto a evolução muda maisbruscamente, de modo que para suavesmelhoras no benefício aparecem custosque se elevam, aproximando-se, rapida-mente, do valor máximo que em tal con-figuração está-se disposto a suportar. Is-so obriga os responsáveis a rever o siste-ma produtivo, a linha de oferta, o incre-mento do rendimento, automatização,realocação de recursos humanos etc., istoé, voltar a situações de menor custo.

O que acontece, então? Simplesmente,para manter o interesse pela qualidadepor parte dos clientes, vão se realizandoajustes suaves que, às vezes, não são tãoreduzidos, considerados sob a ótica dosbenefícios. Assim, a trajetória seguiráuma curva afastada (alejada) e sobre a an-terior até que os defeitos na qualidade danova configuração não possam ser assu-

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míveis. Neste momento teria início umanova trajetória, deslocada da anterior, emorigem e em ponto de possível retorno,gerando-se um novo itinerário de quali-dade. O processo terá estabilidade e exis-tirá uma relação frutífera e positiva entreprestadores e usuários do serviço se astrajetórias estiverem incluídas dentro daárea delimitada pelos valores mínimos emáximos que definam a adequada rela-ção de custos e benefícios.

É possível completar esta visão se mar-carmos o processo de qualidade em umespaço pluridimensional tomando-se emconta três eixos direcionais, que já consi-deramos em outras seções, e que supe-ram, se bem que sob condições, as di-mensões custo-benefício. Em primeiro lu-gar, é evidente que os processos de pro-dução e prestação de serviços ocorrerãocom "limitação de recursos". Não é pos-sível pensar em crescimentos ilimitadosde demanda sem ter presente que vêmcondicionados pela finitude e conserva-cionismo dos recursos.

Um segundo eixo seria aquele associa-do com as novas tecnologias. É umaorientação que vem contribuir para supe-rar os impedimentos anteriores mas, que,por sua vez, gera necessidades de adap-tabilidade, flexibilidade e acomodaçãonos processos produtivos e na capacita-ção dos recursos humanos. 3

A terceira direção, com a qual vamosconstruir nosso espaço de qualidade deserviços, está associada à informação comoelemento de intercomunicação e de reali-mentação entre a oferta e as demandas.

Isso está na figura 3 naquilo que cha-mamos de o "tetraedro da qualidade".Cada plano configurante é a zona de en-contro entre o exterior - clientes e usuá-rios - e o interior - Administração, no ca-so - ressaltando, fundamentalmente, opapel especial que jogarão os recursoshumanos e algumas qualidades favorá-veis para resolver as áreas de contacto.

O espaço da qualidade, como o chama-mos, é essencial para responder com vali-dade a pergunta colocada no início destaseção: para que a Administração? Comoconsiderá-la na realidade?

Chegamos, pois, ao papel central queos recursos humanos devem desempe-nhar nesta organização prestacional e degarantias que é a Administração. Per cor-

RentabilidadeEficáciaEficiência

remos, para isso, desde a idéia de Admi-nistração em permanente atualização pa-ra realizar suas missões em uma socieda-de em mudança, não univocamente de-terminista que, como conseqüência dascontribuições tecnológicas, move-se emum espaço de probabilidade e incerteza,passando pelos processos dinâmicos quepermitem manter graus de estabilidadena qualidade dos atendimentos exigidospelos cidadãos para exercer, realmente,seus direitos e liberdades. As seções se-guintes são dedicadas, portanto, à analisedo papel dos recursos humanos.

OS RECURSOS HUMANOS NAORGANIZAÇÃO ADMINISTRATIVA

Se o tetraedro é o espaço de definiçãoda Administração como organização fun-cionando - com o intercâmbio, atravésdas superfícies, dos recursos e insumos,os bens e serviços, a inovação e a infor-mação - os recursos humanos aparecemcomo o elemento dinâmico do sistema.Tentaremos construir uma figura com-preensiva dos âmbitos distintos com osquais se relaciona, como se configura equal o papel que joga a denominada cul-tura administrativa (ver figura 4).

Em síntese, são produzidas duas gran-des áreas de necessidades e interessesque se comunicam e dão origem à culturaadministrativa. Desde o exterior, e coe-

AdaptabilidadeInovação

Adequação P.T.

3. A respeito de todas essasquestões convém consultar ostrabalhos de pensadores comoPeter Drucker. R. Muller ou K.Bleicher. Eles entendem que, nofuturo, o elemento humano seráo fator decisivo para permitir adescoberta das oportunidades eevitar os riscos.

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4. Algum leitor crítico. dos ras-cunhos iniciais, apresentou-mealgumas questões que, entendo,não são apenas pertinentes, co-mo requerem maior atenção.Em sintese, a pergunta poderiaser: no modelo em que estãosuperpostos os planos de cida-dão e cliente, como é conside-rada a dimensão política do ci-dadão, enquanto participante,pelo voto, da definição dos pro-jetos políticos?Poderia pensar-se numa visãotecnocrata que rechaça a vonta-de política, expressa através daconcordância ou desacordo dasofertas programáticas dos parti-dos políticos, através do recur-so da indução ou interpretaçãodas preferências dos clientes,pelos encarregados do rnarke-ting público. Esta situação deveser descartada. Mas, para isso,é peremptório que os líderes eresponsáveis pelos partidos po-líticos entendam, também, qualpossa ser o seu lugar em umasociedade aberta e pluralista,com múltiplos caminhos e me-canismos de interação e afasta-da dos princípios deterministasque sustentaram sua formaçãono século XIX. Para que cum-pram com os objetivos de inter-mediação social que lhes cor-respondem, e sejam capazes deformular, propor e dirigir proje-tos políticos que agreguem am-

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rente com o modelo de sociedade, estãoos cidadãos como usuários ou clientes dosistema e as entidades coletivas - gruposformais ou informais - através das quaispodem se constituir. Estará, aí, o entornosócio-político, produto do próprio mode-lo de convivência, que será concretizadoem um marco legal sobre o qual atuarãoos avanços das tecnologias, em particulara informação. Estes dois grandes coleti-vos atuam sobre o nível de garantias edemandas. Os dois setores seguintes en-tram, ou podem entrar, em competiçãocom a atividade da organização, facilitan-do ou dificultando o seu sucesso: os quesubministram recursos (entre os quais es-tá a potencial fonte para o recrutamentode pessoal próprio) e o setor de empresasprivadas (que produzem serviços e atua-rão sobre o mesmo âmbito que o setorpúblico) .4

É preciso insistir um pouco mais sobreesta parte da zona externa de influências.Já explicitamos as proximidades cada vezmaiores existentes entre os modelos or-ganizacionais público e privado, forçadapela necessidade de atender demandas,desde a eficácia à qualidade. É útil incluira reflexão a respeito da exigência de com-petição com produtos análogos sobre o

mesmo espectro de usuários e clientes. Écada vez mais tênue a distinção entre osclássicos sistemas produtivos de bensmateriais e o atendimento dos bens ima-teriais ou serviços. Isto pode ser observa-do em qual é a distribuição da atividadenos três setores: o primário, da agricultu-ra e a extração; o secundário, da transfor-mação industrial; e o terciário, da distri-buição, o sistema financeiro e os mecanis-mos assistenciais, educativos ou sócio-culturais. Todos já conhecem a relaçãoentre sociedade avançada e domínio dosetor de serviços, no qual a iniciativa pri-vada já ocupa um espaço notável, alémde poder participar e receber encomen-das sobre outros temas deste setor. Sendoassim, a Administração, ao conviver comesta situação, deve dispor de métodos emeios que lhe outorguem a capacidadesuficiente para este desafio. A Adminis-tração, que não limita o seu papel à bene-ficência e à seguridade de finais do sécu-lo passado, deve constituir-se como umaempresa com o objetivo de produção edistribuição de serviços em um sistemade concorrência, dentro de um marco ju-rídico de garantias e com a obrigação decontribuir para o ajuste da legalidade aomodelo de sociedade. Pode-se esquema-tizar com facilidade, o interior descritona figura 4, porém não é tão simples asua ordenação e explicação. Isto, porqueestamos falando de recursos humanos ede uma organização que se constrói des-de e com os próprios seres que a consti-tu.em. Uma primeira questão de esclareci-mento seria a necessária separação entreo que é a Administração como sistemaorganizacional complexo - destinado aatender as necessidades sociais dos cida-dãos em justiça e eqüidade - e o âmbitoda formulação e decisão das políticas quea Administração deverá aplicar e execu-tar, no qual deve-se produzir a interação,o conflito e o acordo até que se defina omodelo que atende ao interesse da maio-ria. Às vezes, não é tão nítida a separaçãoe isso pode ser a causa de disfunções gra-ves. Deve estar suficientemente claro queo espaço da definição de modelos e polí-ticas faz parte do setor externo à Admi-nistração (ver nota 4).

Considerados os matizes anterioresdevemos, agora, ressaltar a necessidadeda Administração constituir-se com a ob-

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servância de critérios organizacionais cu-ja origem está vinculada às seguintes per-guntas: quais objetivos e finalidades te-mos que satisfazer?A resposta a isso con-dicionará a estrutura formal. Uma admi-nistração exclusivamente de potentadosrequer, apenas, uma linha hierárquica decomando, sem cadeia de responsabilida-de, nem processos de descentralização,coordenação ou cooperação. Os critériosde qualidade, eficácia e eficiência nãolhes serão aplicáveis, pois sua tarefa sejustifica no próprio "império" da lei. Ou-tra coisa ocorrerá se exigimos que a Ad-ministração produza os bens sociais ne-cessários para o atendimento, com quali-dade, das demandas. É neste momentoque poderá ser apreciada a obsolescênciado modelo hierárquico e centralizado; eserá necessária uma estrutura distribuí-da, de responsabilidade dos agentes, beminformada e, acima de tudo, capaz deresponder com critérios análogos aos quesão produzidos nas entidades privadascomplexas.

Falta, sem dúvida, uma referência aum elemento estratégico fundamentalneste tipo de organização: os dirigentes eresponsáveis intermediários. Os primei-ros, como planejadores, impulsionadorese elementos de inter-relação com a esferade decisão.Os segundos níveis, mais pró-ximos à execução e ao atendimento dosclientes, são decisivos para que funcionea realimentação do sistema, ajustando aoferta de serviços à demanda e aos crité-rios de satisfação.

Todo este conjunto configura a "cultu-ra administrativa", quando se observa,desde o exterior, com um caráter de glo-balidade e, às vezes, desde a parcialida-de. Diríamos que é somente - mas quan-to! - uma visão mediada (promediada)-suavizada, portanto, em defeitos e virtu-des - da Administração, de seus recursoshumanos, funcionando. E, em conse-qüência, a observamos com lentes dife-rentes, segundo a sensibilidade, a aten-ção ou a insatisfação do observador. Re-conhecendo isso teremos, portanto, querealizar maiores esforços para que essafaixa da imagem seja o reflexo da Admi-nistração modernizada que respondaadequadamente aos desejos daqueles quefornecem os recursos e esperam algunsbeneficiosde seu correto funcionamento.

Não é menos certo, também, que o in-terior veja o exterior através da "culturaadministrativa". Os empregados públi-cos, os funcionários, contemplam os de-mais cidadãos através dela. Daqui sededuz uma condição qual seja que a pe-lícula não seja convertida em bolha pro-tetora, separadora e deformadora darealidade. Antes, pelo contrário, deveriater as características ópticas que facili-tem a concentração no interior de quan-tas informações cheguem do exteriorpara poder emitir a necessária e ade-quada resposta.

Novamente nos encontramos com umsímile dinâmico de membrana comunica-dora através da qual fluem sinais que in-diquem as deficiênciase os produtos que,gerados rapidamente, atendam a suaproteção e cuidado. A Administração se-rá, assim, um sistema aberto. Como é,também, a pergunta que deriva de ime-diato: como gerir, neste marco conceitual,a crucial questão das políticas de recur-sos humanos no setor público? As próxi-mas seções são dedicadas a encontrar al-gumas respostas.

POLíTICAS DE RECURSOS HUMANOSEM ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA:O CASO ESPANHOL

É o momento de concretizar com umcaso prático e nenhum é mais apropria-do do que a nossa própria experiência.Para facilitar o acompanhamento, esta-belecemos um esquema temporal emque se considera o período 1984-1986co-mo de mudança de tendência. Antes dis-so existia somente uma administraçãode pessoal. Durante esses dois anos sãopercebidas as incongruências do modelovigente, em relação com as expectativasgerais da sociedade e das demandas ge-radas sobre a Administração; e é a partirde 1986que começa a considerar-se aAdministração como empresa prestado-ra de serviços que, por sua vez, necessitade uma atualização permanente de seusmétodos, procedimentos e ofertas paraentregar aos cidadãos-clientes os bensrequeridos. É, então, que se nota a au-sência de uma autêntica política de re-cursos humanos e se inicia o caminhopara superar tais carências. Estamos,pois, imersos no processo de moderniza-

pios interesses cidadãos e cole-tivos, devem dispor dos meca-nismos de análise, comunica-ção e avaliação que, conformedetectamos, existem em outrascorporações industriais e deserviços, e que propusemos pa-ra a Administração. Somenteassim serão capazes de ofere-cer alternativas que dentro decada projeto definidor no qualestejam contemplados os valo-res fundamentais de liberdade,justiça, eqüidade e solidarieda-de - congreguem os apoios ne-cessários. Isto, como conse-qüência de uma confluênciapreferencial entre os interessesindivid uais e coletivos - mas,egoístas - com aqueles propos-tos pelo partido político, com olouvável propósito, da mais am-pla extensão que pode tender,em certas situações, à universa-lidade.O novo panorama consistiriaem parlamentos eleitos, repre-sentando as vontades políticasdos cidadãos, configuradas peloconhecimento das alternativasaos seus problemas mutáveis,que lhes são oferecidas por Par-tidos Políticos que ajustam suaspropostas a um marco definidode valores. Sua tarefa, então,seria a de planejamento supe-rior das políticas públicas, apartir da realidade social plurale o controle sobre o exercíciodestas políticas, com a duplamissão de acompanhar a reali-zação do que foi projetado e decomunicar-se com o cidadão,para perceber a satisfação, ounão, de suas aspirações, tendoem vista o prosseguimento ou acorreção das políticas planeja-das.Neste esquema, como instru-mento de execução, a Adminis-tração na elaboração dos planose projetos; aconselharia sobreas normas que, no seu enten-der, são mais adequadas paraalcançar os fins propostos;prestaria, com diligência e eficá-cia, os atendimentos esperadospelos cidadãos-clientes, deduzi-das da concretização em políti-cas públicas da planificação po-lítica; comunicaria os sucessose fracassos e carências obser-vados na aplicação das diversaspolíticas; e estaria submetida aocontrole, associado com a ava-liação de suas atividades, tantoem relação às suas competên-cias executivas, como em rela-ção à materialização, através desua ação, dos planos e projetospolíticos aprovados pelo Parla-mento, como expressão dos in-teresses e da vontade dos cida-dãos.

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5. É este o caso de algumas dasreformas empreendidas recen-temente, na França, Japão eSuécia. Em nossa opinião, afas-tam-se dessa perspectiva, porsua origem ou por seus fins, ascitadas por outros comentaris-tas, referentes à Grã-Bretanhaou aos Estados Unidos; se bemque é verdade que nestes paí-ses, produziu-se uma mudançanotável na orientação originalapós as últimas mudanças polí-ticas.

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ção que acompanhará as mudanças or-ganizativas e estruturais, com a adequa-ção dos recursos pessoais e materiais pa-ra que o resultado seja uma cultura ad-ministrativa que forneça, com eficácia,eficiência e qualidade, os atendimentospúblicos.

Na figura 5, estão sintetizados os ele-mentos mais característicos desses pe-ríodos, mencionando como objetivos acumprir os que se indicam à guisa decompromisso para o período pós 1986,no qual estamos transitando.

Uma advertência preliminar é que oprocesso espanhol que estamos comen-tando não está excessivamente afastado

dos processos análogos produzidos nospaíses de nosso entorno. É sabido que oselementos de crise, associados à limita-ção de recursos, à implantação de novastecnologias e às exigências de maiorqualidade e competitividade são os queobrigam os responsáveis políticos a to-marem decisões que conduzam a umaAdministração mais eficiente e eficaz - emenos burocratizada - que adquire legi-timidade à medida que saiba atendermelhor os cidadãos." Daí que, no trans-curso dos últimos anos, tenha se produ-zido uma eclosão de ações tendentes àmodernização (renouveau, na França) dasAdministrações Públicas.

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Deve-se levar em conta que esses pro-cessos vêm estimulados pela necessáriaconvergência imposta pela ComunidadeEuropéia. A decisão de avançar nestaunião implica no adequado tratamentonas administrações dos países membros,de modo que em todas elas se atue sob asmesmas pautas e critérios, sobretudopriorizando a atenção para que sejam al-cançados graus homologáveis na quali-dade de vida.

Mas, além disso, o processo de integra-ção é a expressão mais evidente dessa so-ciedade aberta e em intercâmbio perma-nente. Fonte de energia que, para mantero dinamismo, requer, ao mesmo tempoque uma cultura administrativa assentadana flexibilidade, a adequação, a responsa-bilidade, a coordenação e a informação,em correlação ao modelo de organizaçãoque descrevemos nas seções anteriores.

Uma preocupação adicional poderiasurgir se a Administração empreendessea renovação com o pé forçado com res-peito a ações análogas empreendidas pe-las empresas e corporações privadas.Mas não é este o caso, antes pelo contrá-rio, já que o que se está programandonessas matérias - desde a informação e oatendimento mais personalizado aosusuários dos serviços, passando pela im-plantação de sistemas de gestão baseadosem critérios de rendimento e eficácia, atéo impulso à gerência e direção públicas -são totalmente congruentes com as inicia-tivas privadas. Poderíamos afirmar queexiste sintonia entre as condições de mo-dernização do conjunto da sociedade e osparâmetros que definem tais condiçõespara a Administração.

Quando nos referimos à situação origi-nal anterior a 1984queremos explicar quetrata-se do modelo que se aplicava desdeos finais dos anos 50, que é o que chegaaté o período mais recente. É preciso re-conhecer que nas circunstâncias políticasdaquele momento é meritório o esforçode profissionalização e racionalizaçãodas estruturas administrativas produzidoao lado da implantação de um sistema le-gitimador baseado nas garantias da nor-ma e procedimento. Agora vejamos, sus-tentar a reforma administrativa no enre-dado (en el entramado) de corpos de fun-cionários, se era coerente com os postula-dos corporativistas do regime, introdu-

zia, ao mesmo tempo, um sistema decontrole que conduziria ao seqüestro bu-rocrático da Administração, mencionadoanteriormente." No fundo, o que aconte-ce - e isso que comentamos o confirma -é que: ou bem a sociedade, a Administra-ção, obedece a sistemas abertos de ges-tão, ou o sistema é fechado, e gera atranspiração protetora mediante meca-nismos reservados aos iniciados, expul-sando aos restantes - inclusão feita dospróprios demandantes que seriam a justi-ficaçãode sua existência.

Outros efeitos derivados desses postu-lados são:

a. a múltipla e caótica ordenação em sis-temas de corpos da função públicaconcebidos, também, como redutos depoder e controle;

b. associada a isso, uma perversão nosmétodos de seleção, acesso e promo-ção;

c. a ausência de mecanismos motivado-res;

d. a falta absoluta de sentido gerencial;e. como invólucro e imagem do conjunto,

a cultura administrativa hierárquica elabiríntica, distanciada dos interessesdos cidadãos e, na mesma medida,opressora dos mesmos.

As peculiaridades do processo de tran-sição, no caso espanhol, permitiram umaconvivência - não isenta de transforma-ção, desde o modelo corporativo própriode "antigo regime" até o que poderia serbase profissionalizada de uma Adminis-tração para uma sociedade plural e de-mocrática. Assim, chega-se a 1984 sempraticamente nenhuma ação que pudessesignificar uma mudança de orientação. Éno período 1984-1986,como indicado nafigura 5, quando se percebe, em profun-didade, a separação existente entre o mo-delo que sustenta a sociedade e o que es-tabeleceu as condições básicas sobre asquais se apóia a Administração. Isto dáorigem às primeiras medidas regulamen-tadoras e legislativas com as quais se pre-tendia remediar a caótica situação descri-ta e, acima de tudo, aproximar a Admi-nistração a uma sociedade que requeria,a cada dia, mais e melhores atenções.

Convém que sejam ressaltados algunsaspectos que significaram uma mudança

6. Alguns acadêmicos viram edenunciaram os perigos de talsistema, contribuindo comidéias que, posteriormente, fo-ram acolhidas.

57Administração pública

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~~~ COLABORAÇÃO INTERNACIONAL

Sendo rigorosos, diríamos que as resis-tências foram muito fortes para que pu-dessem ser vencidas por estes, muito em-bora estivessem amparados pela lei. Hojeem dia as Relaçõesde Postos de Trabalhonão cumprem, nem refletem, as previsõesenquanto instrumentos de planejamentofundamentais da organização. Tambémnão foi superada a dificuldade essencial,gerada pela própria lei, de uma Adminis-tração que repousa na filosofia organiza-cional de distribuição de tarefas e de pos-tos de trabalho, com a manutenção departes do modelo de corpos, o que dá ori-gem a graves disfunções. E, por nos limi-tarmos a três aspectos-chave no equilí-brio entre administração de normas e po-tentados ou administração de bens e ser-viços, impediu-se - pela inércia e por suautilização demagógica - que o sistema re-tributivo cumprisse com as orientações edesejos do legislador, para que, por seuintermédio, fosse possível estabelecer umadequado sistema de controle e avaliaçãode desempenho.

Estamos, agora, em condições para ex-plicar a etapa seguinte - em cujo desen-volvimento nos encontramos, e, também,para entender um aforisma romano quevem bem a calhar neste momento: "Quidlege sine moribus", Para que as leis semcostumes? Não se muda a sociedade -nem, no caso concreto que estamos anali-sando, a Administração, sem que antessejam produzidas transformações nos há-bitos, nos costumes, que minimizem asinércias e facilitem o estabelecimento,aplicação e obediência das leis.

Com esta reflexão que se afasta notempo, buscando a experiência daquelesordena dores da vida pública, que foramos romanos, começamos a viagem pelosanos mais recentes. Prosseguindo com afigura do viajante, a sociedade demandada Administração uma condução segu-ra, sem quebras violentas, por caminhobem definido e com estações e apeadei-ros onde cada um possa se abastecer dosbens e atenções requeridos por uma me-lhor qualidade de vida. E isto, sem que opreço do desfrute seja insuportável, tor-nam inviáveis novos itinerários ou pon-tos de abastecimento ou, ainda, a ques-tão fundamental, que o veículo, além deconfortável, tenha manutenção perma-nente. Isto significa que a Administração

na tendência e abriram caminho a modi-ficaçõesposteriores:

1. se atua sobre o sistema de corpos eli-minando condicionantes na seleção,promoção, emprego e designação es-pecífica de tarefas, suportes da estru-tura de poder burocrático, com a pre-tensão de convertê-la em mecanismoclassificador e regulador dos funcioná-rios públicos;

2. tem início um esforço de organização,de modo que os distintos Departamen-tos ou Organismos da Administraçãodisponham de algumas Relações dePostos de Trabalho. Nelas, pela pri-meira vez na história da Administra-ção, se recolhem sua descrição (dospostos de trabalho), incluindo desdeos perfis requeridos naqueles que po-dem desempenhar o posto, até a cargade trabalho e tarefas encomendadas e,em conseqüência, os vencimentos re-tributivos associados. É em funçãodestas relações e das necessidades quevenham a ser produzidas anualmenteque se realiza a convocação de OfertaPública de Emprego;

3. vinculado ao anterior, produz-se umanova orientação nos sistemas de sele-ção e carreira, eliminando graus dediscricionariedade e atendendo aosprincípios de mérito, capacidade e pu-blicidade;

4. é estabelecido um novo sistema retri-butivo no qual a avaliação de desem-penho e dedicação do funcionário po-de ter sua satisfaçãomediante a aplica-ção dos complementos de produtivi-dade que completam o sistema retribu-tivo associado às qualificaçõese títulospessoais e à dificuldade e especificida-de de tarefas constatada nos postos detrabalho. Associado com tal processo éregulado o regime de incompatibilida-de entre postos e funções a serem de-sempenhados simultaneamente pelosfuncionários.

Desta enumeração poderíamos obteruma impressão excessivamente favoráveldo período que se inicia com a promulga-ção da Lei 30/1984 e que se prolonga,com muitas interrupções, até a sentençado Tribunal Constitucional e adequação àmesma que é realizada pela Lei23/1988.

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ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA PARA A DEMOCRACIA ...

deverá ser cada vez mais organização,complexa e em processo dinâmico deadaptação, que rechaça fórmulas este-reotipadas e rígidas para que possacumprir, com qualidade, suas funçõesde produtora e provedora de serviços.Como conseqüência, deve-se introduziruma política para os recursos humanos,que esteja compatibilizada às previsõesda organização e superadora das disfun-ções resumidas anteriormente.

No último bloco da figura 5, estão re-sumidas algumas ações que vão contri-buir e promover as condições para quetorne-se possível o citado anteriormente.Sua concretização não é resultado de umato singular (nem sequer de vários) noqual se concentrem saberes e intuições.Será um processo tenaz, contínuo, noqual os mecanismos empíricos de ensaioe erro são fundamentais para aproximaros projetos às expectativas e, também,no qual a potencialização de capacida-des de direção e gerência públicas ad-quirem valor estratégico. São estratégi-cos, da mesma forma, a introdução decritérios de eficácia, eficiência e qualida-de; as políticas de recursos humanos quesejam incentivadoras, atraentes, impul-sionadoras do espírito de iniciativa einovação; a atribuição de autonomia eresponsabilidade aos gestores públicos;e, finalmente, envolvendo a todos essesvalores, um adequado recrutamento epromoção dos ativos de modo que a for-mação e preparação permanentes sejamos pilares sobre os quais repouse a novacultura administrativa.

Às vezes, pretende-se insinuar, de ma-neira interessada, que com este processose foge do marco e limites legais comouma tentativa - em casos desde a igno-rância - de provocar inquietações na ci-dadania e de provocar o ressurgimentode reações contra o modelo. É preciso in-sistir na natureza contrária a essas opi-niões. São errôneas, pois, o respeito à le-galidade não há de ser somente uma ati-tude passiva de cumprimento e escudoprotetor, senão que deve entender-se co-mo elemento impulsionador na execuçãodas políticas para que cumpram com osfins e objetivos propostos na Constituiçãopara o desenvolvimento equilibrado ejusto. Os princípios de mudança mencio-nados não estão em conflito, senão que,

como exposto em outras seções, são prin-cípios legitimadores, complementares naação administrativa.

ALGUMAS DIFICULDADES EPOSSíVEIS AÇÕES

É evidente que, ao nos aproximarmosdos constituintes elementares das políti-cas de recursos humanos, nos encontra-mos com os indivíduos que realizam suavida, com suas esperanças e frustrações,na organização. No caso da Administra-ção, sua importância é sem dúvidamaior, pois, além de seu papel na pro-dução, serão aqueles que aproximam oproduto, quem o "vende", além de aten-der aos serviços "pós venda". E, caso sedeseje acrescentar mais complicações,eles também são cidadãos e clientes;mais que isso - devem ser o sistema decomunicação pelo qual são canalizadasas aspirações e as respostas adequadasque pretende-se venham a ser adotadaspelos responsáveis políticos das deci-sões. Parece-me que é justo reconhecer omérito que representa o fato de o coleti-vo de pessoal das Administrações Públi-cas ter adotado, como opção para a rea-lização de sua vida, a de ajudar e procu-rar que o resto da sociedade tenha algu-mas garantias no desfrute e qualidadede sua vida.

Mas, feita esta declaração, temos queanalisar algumas disfunções que são pro-duzidas no funcionamento ordenado daAdministração e que são achacadas comopossíveis erros nas políticas de recursoshumanos. Entre as mais perturbadoras,encontram-se as seguintes:

a. uma carência de acomodação entre adistribuição e a ordenação dos postosde trabalho e do pessoal e as necessi-dades e tarefas que devem ser desem-penhadas pela organização;

b. uma falta e deterioração, mais visívelem alguns setores que noutros, nosmecanismos de incentivo e motivação;

c. a ausência de uma cultura gerencial naAdministração, o que justifica, de certomodo, as dificuldades anteriores.

Quais são, então, algumas das possí-veis ações que contribuiriam para desataro nó górdio (ver figura 6).

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7. Para isso, é preciso que, naAdministração, as "carreiras" deseus empregados sejam formu-ladas e programadas, não tantocomo reduto de garantia de di-reitos individuais e, sim, maisem acorde com as necessida-des e orientações da organiza-ção.

8. Além disso, é preciso - e deacordo com o mencionado nanota 11 - que o princípio de le-galidade seja reformulado paraque, nessas circunstâncias, nãose contemple como espada deDamocles de forma a manter osdirigentes em tal grau de temorque lhes dificulta a tomada dedecisão e a responsabilidadeconseqüente.

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Para a acomodação dos Recursos Hu-manos às necessidades da Organizaçãodeveríamos atuar sobre:

1. a análise dos objetivos e finalidades,com o que seriam definidas as necessi-dades objetivas dos departamentos ouunidades da administração;

2. poderíamos adequar os R.P.T. (Rela-ções de Postos de Trabalho) a estes ob-jetivos":

3. o estabelecimento de uma correlaçãoentre necessidades reais e mecanismosde provisionamento;

4. em último lugar, deveria atribuir-semaior autonomia e responsabilidadeaos órgãos dirigentes das unidades. 8

Entre as ações que poderiam contri-buir para a superação da débil iniciativae as carências de motivação podem men-cionar-se:

1. gerar condições que estimulem a ino-vação, a criatividade, a dedicação e as-sumpção de responsabilidades, em re-sumo naqueles quantos aspectos queincidem na satisfação pelo trabalho eatividade bem feitos;

2. estabelecer um sistema de carreirascoerente com os objetivos da organiza-ção que estivesse vinculada com a ex-periência e com a formação, de modomuito personalizado para que existaum certo grau de previsão para o futu-ro individual;

3. atuar sobre o sistema retributivo, ade-quando-o com os postos de trabalho eestimulando e valorizando o esforço, adedicação, a responsabilidade e entre-ga do pessoal.

Por último,quanto à potencializaçãodasatitudes gerenciais,que requer longo tem-po de maturação,deveriampromover-se:

1. uma adequação a estes objetivos nossistemas de incorporação de novos ati-vos, seleção, acesso e promoção;

2. formação integrada que se incorporena função de recursos humanos e quefacilite atitudes favoráveis à inovaçãoe à mudança;

3. conseqüente com o principal, objetivaestabelecer uma política de formação epromoção de dirigentes e gerentes pú-

blicos capazes de assumir a responsa-bilidade, de gerir o imprevisto e, acimade tudo, de dinamizar uma Adminis-tração que atenda com qualidade aseus usuários.

É evidente que, com estas medidas,pretendemos mudar as moribus antes queas lege, para que, em sendo possível,exista um ambiente social favorável àtransformação da Administração emuma organização que atendesse com efi-cácia e qualidade ao conjunto de necessi-dades em que está assentado o EstadoSocial e de Direito. Não é um objetivofrívolo e contamos com que existam múl-tiplas dificuldades e resistências. Acredi-tamos que, a favor, joga a própria dinâ-mica da sociedade, que entende que osseus direitos e liberdades não estão ga-rantidos apenas com o cumprimento mi-nucioso e passivo da legalidade, senãoque necessita de um comportamentomais ativo e diligente que permita perce-ber, de maneira efetiva, a concretizaçãodos princípios de igualdade, justiça enão discriminação. Por isso que é umaexigência peremptória que a Administra-ção acomode procedimentos, métodos erecursos humanos para que possa cum-prir corretamente com estes objetivos.

A partir deste argumento não será es-tranho que abordemos, com algumaatenção suplementar, o tema do acesso epromoção do pessoal ao serviço das Ad-ministrações Públicas, por ser a etapa ini-cial, origem da expectativa futura quetem os recursos humanos. De início, te-ríamos que afirmar a inconveniência, pa-ra os fins que propomos, do atual méto-do de seleção e, em grande parte, tam-bém dos mecanismos de promoção. Emnenhum dos dois casos se obedece a umprojeto (diseiio) global sobre quais sejamos objetivos que devem ser alcançadospela Organização e, menos ainda, sobre opapel que, nessa Organização, devam de-sempenhar os seus empregados. No má-ximo, são contempladas, sem ordem nemajuste, conjecturas primárias de organiza-ção devidas a voluntarismo dos gestorese responsáveis, administrativos ou políti-cos, antes que uma decidida aposta paramodificar tradicionais e obsoletos siste-mas de recrutamento e promoção. Comoconfigurar uma nova realidade?

Administração pública

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Sistema de remuneração• Adequado ao .P.T.-Cnmpetltlvo• Valorativo

.• Estimulador

Maior responsabilidadedos dirigentes egi!$tores na elaboraçãoe cobertura das R.p.r.

Adequaçãodos sistemasde seleção ede ingresso

Iniciemos por aquilo que, provavel-mente, possa provocar menores resistên-cias. A aplicação das novas tecnologiasnos escritórios (oficinas). O que tem sidochamado de "ofimática ", pressupõe amudança radical com respeito ao que eranormal há apenas uma década. Sem ha-ver chegado, ainda, ao "escritório sempapéis", produziu-se um avanço conside-rável. O parque informático multiplicou-se consideravelmente, nos últimos anos,e o problema que se coloca é dar ocupa-ção e rentabilidade a este esforço de in-vestimento. Não é uma moda passageira,nem um adorno do escritório. São ele-mentos de trabalho de alta capacidade ecusto que podem incrementar a produ-ção, ou que podem ser um novo desper-dício a criticar. Os responsáveis pelasunidades devem ser os primeiros interes-sados em obter o máximo rendimento,

porque lhes evitará tarefas repetitivas erotineiras, lhes permitirá a administraçãoem tempo real de múltiplos dados, rela-cionar e seguir os expedientes, estabele-cer valorações e métodos de medida deseus objetivos e atividades, mas, acimade tudo, facilitará para que se possa ofe-recer ao cidadão uma atenção mais con-fiável, próxima e personalizada.

Naturalmente, isso implica uma novacultura na qual a máquina, o processadorou o ordenador pessoal não seja visto co-mo um inimigo ou rival desleal, senãocomo um colaborador que, trocando in-formação, ajude o funcionário a exerceras competências. É uma dimensão quedeverá ser adquirida, também, pelos ges-tores e dirigentes públicos.

A partir desta perspectiva, que sentidotem seguir mantendo distinções na pre-paração e qualificação de ingresso, exigí-

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veis para ofícios que estão sofrendo mo-dificações em razão da incorporação dasnovas tecnologias? Parece que não exis-tem razões que avalizem a existência se-parada e de difícil comunicação entre osque se conhecem como corpo administra-tivo e auxiliares. Os conhecimentos de-terminantes de acesso estarão vinculadoscom o que devem ser as tarefas reais: ma-nejo de ordenador, gestão de bases dedados, arquivo eletrônico etc. e não limi-tar-se a uma divisão (decimonica) entre astarefas manuais de produção de docu-mentos e escritos daquelas outras maispróprias da classificação e ordenação doescritório. A proposta que se possa apre-sentar deverá acolher esta orientação econsolidar um espaço de postos de traba-lho diferenciados por sua função, dedica-ção a temas de atenção personalizada aosusuários, apoio nos trabalhos de direçãoe gestão, responsabilidade no manejo eguarda de bases de dados, documentaisou de gestão econômica, de maneira quese possa estabelecer pela organização, e apartir dos interesses pessoais, as condi-ções de mobilidade que permitam a ade-quação das expectativas de carreira pes-soal às previsões organizativas para me-lhor atender ao serviço público. Os meca-nismos para a promoção deverão con-templar atitudes pessoais e experiência,levando em conta o aproveitamento nacapacitação e aquisição das técnicas e ha-bilidades requeridas pelos diversos pos-tos de trabalho.

A aplicaçãode critérios gerenciais,con-cordes com os requisitos que são feitos àAdministração, obriga a um reposiciona-mento (replanteamiento) sobre quais serãoos perfis adequados que devem possuiraqueles que vão desempenhar as novas ta-refas administrativas. Não podem ser ado-tados os mesmos métodos de seleçãoapli-cados pela administração de normas e po-tentados, rígida e burocratizada, quandopretende-se obter respostas ágeis e efica-zes às demandas de uma sociedade plurale dinâmica. Enquanto que na primeira hi-pótese, seria correto dispor de pessoascom pouca iniciativa - dóceis à influênciada hierarquia e, por sua vez, frágeis trans-missores da mesma - com escassa capaci-dade para assumir riscos e responsabilida-de, embora isso sim, reconhece-seexplici-tamente, comamplos e numerosos saberes

sobre a norma e de suas reviravoltas. Noentanto, na hipótese de Administração pa-ra uma sociedade na incerteza, o que serárequerido são qualidades e atitudes total-mente diferentes, como a intuição, o espí-rito de inovação,uma concretacapacidadede resposta frente a situações imprevistas,disposição para assumir responsabilida-des e, além disso, a reflexão, prudência econhecimentos que lhe ajudem a tomardecisões e na cuidadosa atenção às de-mandas sociais.

Este novo espectro de atitudes e capa-cidades deve ser reconhecido nos siste-mas de seleção, acesso e promoção dosempregados que tenham responsabilida-des de direção, gerência e gestão dos ser-viços e assuntos públicos. Daí que pro-pugnemos transformações nos métodosseletivos e de avaliação e no sistema decarreira daquelas pessoas que, dados ospostos a desempenhar, deverão contarcom níveis de formação médios e supe-riores e estarão destinadas a cumprir ta-refas próprias daquilo que em sentidogeral poderíamos chamar de gerênciapública.

Se, juntamente aos critérios de aptidãoe de atitude, expostos, incluímos os con-dicionantes constitucionais de mérito ecapacidade, acredito que poderia ser es-tabelecido um sistema que contemplasseduas vias de acesso, mais uma promoçãocom a regulação adequada e, na qual seconsiderasse a experiência, os conheci-mentos e as habilidades que serão neces-sárias para os diversos postos de trabalhoe que poderia adquirir-se através dosprocessos de formação externos e pró-prios da organização.

Deveríamos concretizar a atenção nonível superior da pirâmide de emprego eenfatizar a necessidade de pessoal diri-gente que suporte a máxima responsabi-lidade no bom funcionamento da organi-zação para o cumprimento dos objetivose finalidades que sejam encomendados eque, por sua vez, deve ser o elemento di-nâmico de conexão e comunicação com oâmbito de análise e decisão políticas. Se-rão estes funcionários públicos aquelesque terão a seu encargo a modelagem dasdiversas políticas públicas em programasconcretos de execução, respondendo comeficácia e qualidade aos requisitos da so-ciedade. Sendo assim, são também os

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mediadores entre os cidadãos-clientes -que emitem suas manifestações de agra-do ou insatisfação pelos serviços que re-cebe, e a organização - enquanto produ-tora desses bens cuja melhoria lhe com-pete, além de ser transmissores dos inte-resses plurais e da adequação das respos-tas aos órgãos públicos de decisão. Confi-gura-se, então, um dirigente público comespírito de iniciativa, capaz de dinamizare impulsionar sua organização, sensívelàs aspirações de seus clientes - reais oupotenciais, que possua habilidades paracomunicação e negociação. Enfim, quepossa projetar e programar suas ativida-des orientadas para o serviço públicodentro de um marco de qualidade e res-ponsabilidade.

Com estas tarefas e o perfil de qualida-des que expusemos, o papel do funcioná-rio dirigente não se afasta sensivelmentedaquele desempenhado por um dirigentede qualquer corporação industrial, ou deserviços. Daí que, quanto a sistemas deseleção, promoção, compensação e retri-buição, devemos também facilitar a apro-ximação e, inclusive, permeabilizar possí-veis caminhos de mobilidade entre estetipo de responsáveis.

Realizamos esta análise com base nu-ma matriz tradicional de empregos queestá na figura 7. Não obstante, com elanão serão respondidas as múltiplas inter-rogações que dizem respeito a uma socie-dade aberta, dinâmica e em incerteza. Te-remos que avançar um pouco mais emuma provisão que nasce de situações quepodem ser observadas desde já, princi-palmente naquelas atividades de maioraplicação da inovação tecnológica.

QUAL PODE SER O FUTURO DE"CAPITAL" HUMANO?

Até aqui procurei considerar quais po-deriam ser os efeitos sobre uma estruturapiramidal tradicional de postos de traba-lho, onde entende-se como normal umaampla base de postos que não requeremuma excessiva preparação e uma cúpuladirigente que detém o máximo poder nahierarquia e para a qual supõe-se comonecessária uma qualificação especial.Agora, do próprio texto pode deduzir-se,imediatamente, que não é suficiente comuma maquilagem - por ampla que seja-

dos requisitos para ocupar os postos pre-figurados nas relações de hierarquia quesustentam a pirâmide, senão que é preci-so - diria até que já adquire um certograu de peremptoriedade! - atuar sobre aprópria estrutura, de maneira a que seacomode à nova realidade de postos detrabalho que vão surgindo; e, sobretudo,aos fenômenos de ruptura dos condicio-nantes imperativos horizontais e a gera-ção de comunicações que favorecem ocompartilhar no processo de tomada dedecisão e execução.

Estimo que ambas as situações - incre-mento nas necessidades de qualificação(ou, caso se deseje, a redução evidente nonúmero de empregos que exigem poucapreparação) e uma direção mais partici-pada, com maior dispersão dos centrosde responsabilidade e a presença de pos-tos dirigentes que planejem mais, que se-jam coordenados ou estimuladores dasatividades - irão modificar a estruturatradicional em uma tendência ao rebaixa-mento do vértice e redução da base comoa figura de pirâmide deverá ser substituí-da por outra que suporte uma menor ri-gidez, maior flexibilidade e comunicação.

Na figura 8, mostra-se o que podería-mos pensar sobre qual será a evoluçãoem futuro próximo, passando, possivel-mente, por uma situação intermediáriaem que, contudo, serão mantidos certosgraus de estrutura hierarquizada na qualdeverão ser flexibilizados os procedi-mentos de comunicação vertical que faci-litam a promoção e, coerente com o quese disse, serão reduzidos os postos asso-ciados aos princípios autoritários de hie-rarquia, rebaixando o vértice, e será re-duzido drasticamente o volume de pos-tos que requerem baixas qualificações. Édifícil precisar a duração desta etapa in-termediária, já que, somente a sua visão,pode provocar muitos mal-estares: incô-modo, naqueles aspirantes com dificul-dades de acesso a níveis mais elevadosde formação básica ou que desejam umacolocação que não exija esforços pessoaisexcessivos; rejeição daqueles que enten-dem a sociedade e a Administração co-mo um sistema autoritário e que susten-tam seu posto na escala social através demanifestações impositivas de hierarquia;temores de que a maior mobilidade dêorigem a atitudes de competição mais

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DirigentesPúblicos

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) .1 Formação

Acesso - Provasde atitudes e de

aptidões

B- Formação

AcessoProvas deaptidões

9. Poderíamos acrescentar, ex-pressamente, um espírito de efi-ciência que combine análiseseconômicas de custo-benefíciocom a inegável sensibilidadepara os problemas sociais; emparticular, aqueles origináriosdos âmbitos mais desassistidosda cidadania.

acentuada que perturbem situações esta-cionárias e inerciais, conseqüência debaixos níveis de atividade; finalmente, amaior distribuição da responsabilidade -que deve estar associada às unidades deatuação, obrigará a um novo entendi-mento da direção, como elemento de ani-mação, coordenação e planejamento dasdistintas políticas públicas, ao mesmotempo que comunicador das aspirações enecessidades - ou dos resultados alcan-çados em sua aplicação, para que os en-carregados da direção política possamproceder à contínua adequação de suasofertas programáticas.

É evidente que este processo de trans-formação está iniciando sua caminhada.Pode comprovar-se em muitas corpora-ções industriais ou de serviços, principal-mente naquelas que necessitam ou já im-plantaram um maior suporte tecnológico.A Administração Pública também deveajustar-se a esta tendência evolutiva e épor isso que, no caso esp anh ol, umagrande parte dos projetos consideradosno Plano de Modernização, aprovado re-centemente, conduzem à incorporação denovas tecnologias, a uma maior atençãona qualidade dos serviços, a produziruma ampliação das unidades de respon-

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sabilidade e a gerar mecanismos de coo-peração e coordenação que permitamprestar o serviço em proximidade com ademanda e, ao mesmo tempo, uma ade-quada comunicação, para evitar disfun-cionalidades ou situações indesejáveis,de agravamento ou discriminação. Quan-to tempo poderá agüentar, imperturbá-vel, um esquema de relações trabalhistas,ou de funcionários, ancorado, com pe-quenas oscilações, no século passado?Minha impressão é que cada vez são me-nores as ligações; que aparecem rombosno casco envelhecido deste barco (barcovarado en aiioranzae); e que a própria pres-são das demandas dos cidadãos - que serealimenta nas milhares de informaçõesque recebe e com as quais pode comparara sua realidade - terminará por romperum cascarrão, bastante ôco e em grandeparte encobre procedimentos espúriosutilizados em proveito próprio por aque-les que constróem o seu ninho no velho earrumado.

Por isso, é conveniente aprofundar areflexão sobre o papel dos recursos hu-manos na organização administrativa,pelo menos a partir de duas perspectivascomplementares:

a. quais são os perfis de atitudes e conhe-cimentos básicos que serão requeridosdas pessoas que ascendem no serviçopúblico. Esta questão afetará, sem dú-vida, os projetos de currículos acadê-micos e, sobre os quais conviria iniciar,sem muita demora, análises e estudoscomparativos com outros países - so-bretudo com os mais próximos de nos-so entorno europeu, que possam con-duzir a um grau eficiente de acordo.Para abrir o debate, contemplo o admi-nistrador público do futuro como umapessoa de ampla cultura, com atitudesde flexibilidade e adaptabilidade àsmudanças e à inovação, sensível às de-mandas dos cidadãos, capaz de estabe-lecer meios de comunicação que facili-tem o vazamento de informação bidi-recional entre os cidadãos-usuários eos centros encarregados pela progra-mação e planejamento das políticaspúblicas, que disponha de um espíritoanalítico que complemente o raciocíniológico necessário para a modelização econseqüente avaliação e, finalmente,

Administração pública

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ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA PARA A DEMOCRACIA ...

esteja disposto a assumir a iniciativa ea responsabilidade nas decisões quelhe estão afetas." Se acrescentarmos aestas atitudes as habilidades e conheci-mentos que devem lhes ser própriaspara o exercício de sua função, estare-mos preparando alguns recursos - ca-pital - humanos que poderão geren-ciar as tarefas de uma Administraçãopara a incerteza que possa acomodar,a todo instante, os mecanismos de res-posta à evolução das demandas dos ci-dadãos.Acrescentaria a este perfil do emprega-do público do futuro, um aspecto quetem a ver com a situação aberta e deintercomunicação que consideramoscomo princípio básico e dinamizador.Não somente no caso dos países euro-peus - que devem estar aproximados auma relação e interpenetração, mastambém de uma perspectiva global, énecessária uma educação básica pluri-lingüística, que complete a identidadeprópria pertencente a uma determina-da história cultural com a pertencênciaa um mundo inter-relacionado para oqual é requerido o conhecimento ativo,ou, no mínimo, passivo, de alguns dosidiomas mais utilizados na comunica-ção internacional;

b. o outro ângulo de observação seriadesde a própria organização adminis-trativa e consiste em saber como seriaestabelecida a correlação entre as ne-cessidades da organização - em funçãode suas competências e tarefas que de-ve cumprir - com a satisfação das aspi-rações, desejos de estímulo, compensa-ção de esforços, motivação no trabalhoetc. dos próprios empregados.

Nesta perspectiva, é preciso entenderque, enquanto a estrutura piramidal émuito estratificada e com frágil intercâm-bio entre os diversos níveis, as simetriasmais esferoidais resultam da mobilidade;podendo-se afirmar que o dinamismo é acaracteristica mais evidente que pode serobservada neste tipo de estruturas. Freiá-lo significa que apareçam efeitos estratifi-cantes que tendem ao repouso e, desde oponto de vista sócio-trabalhista, a confor-mismos e inércias pouco estimulantes.

Portanto, a organização terá que pre-ver as necessidades de postos requeridos

ESTRUTURATRADICIONAL

Diminuição da !hierarquia autoritári:,,' ••

, ., . Ampliação donúcleo de decisãoe responsabilidade-+--ESTRUTURA

INTERMEDIÁRIAMaior

mobilidade

.... -- ....•...

TENDÊNCIA

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jJ!J[J COLABORAÇÃO INTERNACIONAL

não de um modo estático, mas sim pen-sando que devem ser produzidas as di-nâmicas que permitam aos empregadosdesenvolver todas as suas potencialida-des, facilitando não só o que atenda satis-fatoriamente uma determinada incum-bência. mas, também, o que ao longo desua vida profissional possa ser incumbi-do de outras responsabilidades, tanto empostos de posição análoga ou em outras

Novos projetos não poderiam mantec-s:esem uma formação dl!s pessoas responsáveis ,por seu desempenlto ..Disso' derivou,°amploacordo sobre a impoTtância que passam aadquirir, nas corporações emplesari.ais~..

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as unidades encaire,gadas das tarefas de, adequação dos recursos 'humanqs~.

que lhe possam ser atribuídas, seja porestímulo próprio ou por interesses da or-ganização. E evidente, muito emborasempre fosse desejável, a produção dedeslocamentos positivos, nem sempre is-to é possível, seja por dificuldades pes-soais como a de correlacionar interessesdiversos e, às vezes, contraditórios. Comisso, quero ressaltar que a configuraçãode postos de trabalho da organização temque ser adequada às finalidades que devecumprir mas, no entanto, tem que pos-suir, a tempo, mecanismos que permitama sua acomodação permanente e, além detudo, caminhos através dos quais sejamrealizados os itinerários pessoais dos di-versos empregados, de modo a contem-plar suas aspirações, sem distorcer os ob-jetivos organizacionais.

Mudança, inovação, estímulo, respon-sabilidade, iniciativa, capacitação, devemestar na base da mobilidade. E esta podeintroduzir energia no sistema de recursoshumanos para que sejam obtidos melho-res rendimentos, maior atenção e maisqualidade nos serviços.

Existe um observatório desde o qual épossível contemplar ambas perspectivase que até recentemente não tem sido de-vidamente cuidado e, às vezes, nem se-

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quer alcançado, pelas diversas organiza-ções, tanto privadas como públicas. É olugar que haverá de ser ocupado pelasunidades que se dedicam à seleção e for-mação dos empregados.

É possível que, antes da década de 70,não houvesse a consciência da necessida-de de dispor de pessoal capacitado e dis-posto a assumir novas tarefas. A estrutu-ra rotin.eira do trabalho permitia a exis-tência de uma multidão de postos quenão requeriam maior aprendizagem queaquela associada com uma prática quasemecânica, sem contribuições intelectuaisde nenhuma espécie, repetitiva e, emmuitos casos, alienante. Não era precisodispor de atitudes especiais, nem de pro-ver-se de outras habilidades e conheci-mentos que aqueles da disponibilidadeobediente com um modelo estático, comcomunicações débeis e no qual as rela-ções de dependência eram estabelecidaspor períodos indefinidos. O incrementode riqueza passava por investimentosmateriais em instalações e utilidades.

Isso ocorreu até o momento em que aintrodução de novas tecnologias - emparticular as associadas com a informa-ção e a informatização rompeu com osvínculos anteriores. O incremento de in-versões em tecnologia nova conduziu aocontrário, em alguns casos, a situações dequebra, o que abriu os olhos de muitosresponsáveis por empresas, iniciando-seum ciclo - em que nos encontramosatualmente, que obriga a considerar apreparação do capital humano como umelemento tão essencial, ou mais, que o ca-pital financeiro ou material. Novos proje-tos não poderiam manter-se sem umaformação das pessoas responsáveis porseu desempenho. Disso derivou o amploacordo sobre a importância que passam aadquirir, nas corporações empresariais,as unidades encarregadas das tarefas deadequação dos recursos humanos.

Se, a estas necessidades derivadas daincorporação tecnológica, acrescentarmosas condições da sociedade em rápida mu-dança e o fenômeno da comunicação, te-remos que certificar-nos de nossa percep-ção sobre o papel que deve ser exercidopela formação, na origem e no desenvol-vimento dos itinerários dos trabalhado-res - em particular dos empregados pú-blicos, em suas organizações. O

Artigo recebido pela Redacão da RAE e aprovado para publicação em junho/93

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