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A ADMISSÃO DA USUCAPIÃO PRÓ-FAMÍLIA NAS UNIÕES HOMOAFETIVAS: UMA INTERPRETAÇÃO EXTENSIVA DO ARTIGO 1.240-A DO CÓDIGO CIVIL
TAUÃ LIMA VERDAN RANGEL: Doutorando vinculado ao Programa de Pós-Graduação em Sociologia e Direito da Universidade Federal Fluminense (UFF), linha de Pesquisa Conflitos Urbanos, Rurais e Socioambientais. Mestre em Ciências Jurídicas e Sociais pela Universidade Federal Fluminense (UFF). Especializando em Práticas Processuais - Processo Civil, Processo Penal e Processo do Trabalho pelo Centro Universitário São Camilo-ES. Bacharel em Direito pelo Centro Universitário São Camilo-ES. Produziu diversos artigos, voltados principalmente para o Direito Penal, Direito Constitucional, Direito Civil, Direito do Consumidor, Direito Administrativo e Direito Ambiental.
Resumo: Um dos aspectos mais proeminente do Direito, enquanto ciência, está
intimamente atrelado ao seu progressivo e constante aspecto de mutabilidade,
albergando em seu âmago as carências da sociedade, as realidades fática que
possuem o condão de motivar a renovação do sedimento normativo. Neste aspecto,
cuida salientar que o instituto civil da usucapião rememora à Lei das Doze Tábuas,
de 455 antes de Cristo, sendo um instrumento direcionado para a aquisição da
propriedade, quer seja de bens móveis, quer seja de bens imóveis. Para tanto, o
único requisito observado concernia a posse continuada por um (annus) ou dois
anos (biennun). Como maciço exemplo da progressiva evolução da Ciência Jurídica,
mister se faz uma análise do instituto da usucapião pro-família, introduzido no
Ordenamento Jurídico, por meio do art. 1-240-A, o qual inaugura um novo instituto,
com desdobramentos maciços. Neste aspecto, o presente, a fim de estabelecer uma
interpretação harmoniosa com o consolidado entendimento jurisprudencial acerca do
reconhecimento da união entre pessoas do mesmo sexo como unidade familiar,
debruça-se sobre a incidência de aludido instituto sobre tal célula familiar.
Palavras-chaves: Usucapião Pro-Família. União Homoafetiva. Cabimento.
Sumário: 1 Considerações Iniciais; 2 Usucapião: Abordagem Histórica; 3
Usucapião: Abordagem Conceitual do Tema; 4 Da Usucapião Pro-Família: Aspectos
Caracterizadores; 5 A Admissão da Usucapião Pró-Família nas Uniões
Homoafetivas: Uma interpretação extensiva do artigo 1.240-A do Código Civil
1 Considerações Iniciais
Em linhas inaugurais, ao se dispensar uma análise ao tema central do
presente, necessário se faz examinar a Ciência Jurídica, assim como suas múltiplas
e distintas ramificações, a partir de um viés norteado pelas relevantes modificações
que passaram a permear o seu arcabouço teórico-doutrinário, bem como seu
sedimento normativo. Nesta perspectiva, valorando os aspectos característicos de
mutabilidade que passaram a emoldurar o Direito, é plenamente possível grifar que
não subsiste a visão na qual a ciência ora aludida era algo pétreo e estanque,
indiferente à gama de situações produzidas pela coletividade, enquanto elemento de
convívio entre o ser humano. Como resultante do acinzelado, infere que não mais
vigota a imutabilidade dos cânones que outrora orientavam o Direito, o aspecto
estanque é achatado pelos anseios e carências vivenciados pela sociedade.
Ainda nessa trilha de exposição, “é cogente a necessidade de adotar
como prisma de avaliação o brocardo jurídico 'Ubi societas, ibi jus', ou seja, 'Onde
está a sociedade, está o Direito', tornando explícita e cristalina a relação de
interdependência que esse binômio mantém”1. Com efeito, a utilização da
Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, como axioma maior de
sustentação é mecanismo proeminente, quando se tem, como objeto de ambição, a
adequação do texto genérico e abstrato das normas, que integrem o arcabouço
pátrio, às nuances e complexidades que influenciam a realidade moderna. Ao lado
disso, há que se citar o voto magistral proferido pelo Ministro Eros Grau, ao apreciar
a Ação de Descumprimento de Preceito Fundamental Nº. 46/DF, “o direito é um
organismo vivo, peculiar porém porque não envelhece, nem permanece jovem, pois
é contemporâneo à realidade. O direito é um dinamismo. Essa, a sua força, o seu
fascínio, a sua beleza”2. Com grossos traços e cores fortes, prossegue o eminente
Ministro Eros Grau abordando que:
É do presente, na vida real, que se toma as forças que lhe conferem vida. E a realidade social é o presente; o presente é vida --- e vida é movimento. Assim, o significado válidos dos textos é variável no tempo e no espaço, histórica e culturalmente. A interpretação do direito não é mera dedução dele, mas sim processo de contínua adaptação de seus textos normativos à realidade e seus conflitos3.
Como bem pontuado, o fascínio da Ciência Jurídica jaz, justamente, na
constante e imprescindível mutabilidade que apresenta, decorrente do dinamismo
que reverbera na sociedade e orienta a aplicação dos Diplomas Legais e os
institutos jurídicos neles consagrados. Ao lado do esposado, quadra negritar que a
visão pós-positivista que passou a permear o Direito, ofertou, por via de
consequência, uma rotunda independência dos estudiosos e profissionais da Ciência
Jurídica. Por necessário, há que se citar o entendimento de Verdan, “esta doutrina é
2 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental. Empresa Pública de Correios e Telégrafos. Privilégio de Entrega de Correspondências. Serviço Postal. Controvérsia referente à Lei Federal 6.538, de 22 de Junho de 1978. Ato Normativo que regula direitos e obrigações concernentes ao Serviço Postal. Previsão de Sanções nas Hipóteses de Violação do Privilégio Postal. Compatibilidade com o Sistema Constitucional Vigente. Alegação de afronta ao disposto nos artigos 1º, inciso IV; 5º, inciso XIII, 170, caput, inciso IV e parágrafo único, e 173 da Constituição do Brasil. Violação dos Princípios da Livre Concorrência e Livre Iniciativa. Não-Caracterização. Arguição Julgada Improcedente. Interpretação conforme à Constituição conferida ao artigo 42 da Lei N. 6.538, que estabelece sanção, se configurada a violação do privilégio postal da União. Aplicação às atividades postais descritas no artigo 9º, da lei. Acórdão proferido em ADPF 46/DF. Órgão Julgador: Tribunal Pleno. Relator: Ministro Marcos Aurélio. Julgado em 05 ago. 2009. Disponível em: <http://www.stf.jus.br>. Acesso em 17 abr. 2016. 3 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental. Empresa Pública de Correios e Telégrafos. Privilégio de Entrega de Correspondências. Serviço Postal. Controvérsia referente à Lei Federal 6.538, de 22 de Junho de 1978. Ato Normativo que regula direitos e obrigações concernentes ao Serviço Postal. Previsão de Sanções nas Hipóteses de Violação do Privilégio Postal. Compatibilidade com o Sistema Constitucional Vigente. Alegação de afronta ao disposto nos artigos 1º, inciso IV; 5º, inciso XIII, 170, caput, inciso IV e parágrafo único, e 173 da Constituição do Brasil. Violação dos Princípios da Livre Concorrência e Livre Iniciativa. Não-Caracterização. Arguição Julgada Improcedente. Interpretação conforme à Constituição conferida ao artigo 42 da Lei N. 6.538, que estabelece sanção, se configurada a violação do privilégio postal da União. Aplicação às atividades postais descritas no artigo 9º, da lei. Acórdão proferido em ADPF 46/DF. Órgão Julgador: Tribunal Pleno. Relator: Ministro Marcos Aurélio. Julgado em 05 ago. 2009. Disponível em: <http://www.stf.jus.br>. Acesso em 17 abr. 2016.
o ponto culminante de uma progressiva evolução acerca do valor atribuído aos
princípios em face da legislação”4. Destarte, a partir de uma análise profunda de
sustentáculos, infere-se que o ponto central da corrente pós-positivista cinge-se à
valoração da robusta tábua principiológica que Direito e, por conseguinte, o
arcabouço normativo passando a figurar, nesta tela, como normas de cunho
vinculante, flâmulas hasteadas a serem adotadas na aplicação e interpretação do
conteúdo das leis. Gize-se a brilhante manifestação apresentada pelo Ministro Marco
Aurélio, que, ao abordar acerca das linhas interpretativas que devem orientar a
aplicação da Constituição Cidadã, expôs:
Nessa linha de entendimento é que se torna necessário salientar que a missão do Supremo, a quem compete, repita-se, a guarda da Constituição, é precipuamente a de zelar pela interpretação que se conceda à Carta a maior eficácia possível, diante da realidade circundante. Dessa forma, urge o resgate da interpretação constitucional, para que se evolua de uma interpretação retrospectiva e alheia às transformações sociais, passando-se a realizar a interpretação que aproveite o passado, não para repeti-lo, mas para captar de sua essência lições para a posteridade. O horizonte histórico deve servir como fase na realização da compreensão do intérprete5.
Nesta toada, os princípios jurídicos são erigidos à condição de elementos
que trazem em seu âmago a propriedade de oferecer uma abrangência ampla,
contemplando, de maneira única, as diversas espécies normativas que integram o
ordenamento pátrio. Em razão do esposado, tais mandamentos passam a figurar
como supernormas, isto é, “preceitos que exprimem valor e, por tal fato, são como
pontos de referências para as demais, que desdobram de seu conteúdo”6. Percebe-
se, a partir da teoria em testilha, que os dogmas jurídicos são desfraldados como
verdadeiros pilares sobre os quais o arcabouço teórico que compõe o Direito se
4 VERDAN, 2009, s.p. 5 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental. Empresa Pública de Correios e Telégrafos. Privilégio de Entrega de Correspondências. Serviço Postal. Controvérsia referente à Lei Federal 6.538, de 22 de Junho de 1978. Ato Normativo que regula direitos e obrigações concernentes ao Serviço Postal. Previsão de Sanções nas Hipóteses de Violação do Privilégio Postal. Compatibilidade com o Sistema Constitucional Vigente. Alegação de afronta ao disposto nos artigos 1º, inciso IV; 5º, inciso XIII, 170, caput, inciso IV e parágrafo único, e 173 da Constituição do Brasil. Violação dos Princípios da Livre Concorrência e Livre Iniciativa. Não-Caracterização. Arguição Julgada Improcedente. Interpretação conforme à Constituição conferida ao artigo 42 da Lei N. 6.538, que estabelece sanção, se configurada a violação do privilégio postal da União. Aplicação às atividades postais descritas no artigo 9º, da lei. Acórdão proferido em ADPF 46/DF. Órgão Julgador: Tribunal Pleno. Relator: Ministro Marcos Aurélio. Julgado em 05 ago. 2009. Disponível em: <http://www.stf.jus.br>. Acesso em 17 abr. 2016. 6 VERDAN, 2009, s.p.
estrutura, segundo a brilhante exposição de Tovar7. Por óbvio, essa concepção deve
ser estendida a interpretação das normas que dão substrato de edificação à
ramificação Civilista da Ciência Jurídica, mormente o princípio da função social da
propriedade, no que pertine ao instituto da usucapião e seus múltiplos
desdobramentos. Trata-se, portanto, de assentar uma ótica analítica influenciada
robustamente pela extensão dos princípios jurídicos, os quais, corriqueiramente, têm
o condão de permitir a adequação da norma abstrata a situações concretas,
assegurando, desta feita, a contemporaneidade do ordenamento jurídico.
2 Usucapião: Abordagem Histórica
In primo loco, cuida argumentar que o instituto civil da usucapião
rememora q Lei das Doze Tábuas, de 455 antes de Cristo, como bem anota Farias &
Rosenvald8, afigurando-se como instrumento empregado para a aquisição da
propriedade, quer seja de bens móveis, quer seja de bens imóveis. Para tanto, o
único requisito observado implicava na posse continuada por um (annus) ou dois
anos (biennun). O primeiro prazo era destinado a móveis e outros direitos (coeterum
rerum), ao passo que o segundo prazo era aplicado aos imóveis (fundi)9. Nesta
trilha, guarda harmonia como o expendido os ensinamentos de Madeira, ao lecionar
sobre a Sexta Tábua, dicciona que “além de diversas outras disposições, estabelece
tal tábua o prazo de dois anos para usucapir bens imóveis e de um ano para o
usucapião de bens móveis (VI.5)” 10.
Com efeito, há que se salientar que, durante o período da vigência da
Doze Tábuas Romanas, a aquisição da propriedade estava restrita aos cidadãos
romanos, ou seja, “somente o cidadão romano podia adquirir a propriedade;
somente o solo romano podia ser seu objeto, uma vez que a dominação
7 TOVAR, Leonardo Zehuri. O Papel dos Princípios no Ordenamento Jurídico. Revista Jus Navigandi, Teresina, a. 10, n. 696, 1 jun. 2005. Disponível em: <http://jus2.uol.com.br>. Acesso em: 17 abr. 2016. 8 FARIAS, Cristiano Chaves; ROSENVALD, Nelson. Direitos Reais. Rio de Janeiro: Editora Lumen Juris, 2007, p. 257. 9 Neste sentido: FERREIRA, Marcus Vinicius Mendes. Análise Sistemática da Ação de Usucapião no Ordenamento Jurídico Brasileiro. Juris Way. Disponível em: <http://www.jurisway.org.br>. Acesso em: 17 abr. 2016. 10 MADEIRA, Eliane Maria Agati. A Lei das XII Tábuas. Disponível em: <http://helciomadeira.sites.uol.com.br>. Acesso em: 17 abr. 2016, p. 13.
nacionalizava a terra conquistada”11. Com o passar dos séculos, as fronteiras do
Império Romano são expandidas, quando começa a se observar o alargamento da
possibilidade de usucapir, vez que o possuidor peregrino, passam a ter acesso ao
instituto em comento, o qual passa a figurar como uma espécie de prescrição.
Desta feita, vislumbra-se um instrumento de exceção (excepitio), cujo pilar
de sustentação tange à posse por longo tempo da coisa, atentando-se para os
prazos de 10 (dez) e 20 (vinte) anos. Neste sentido, “o legítimo dono não mais teria
acesso à posse se fosse negligente por longo prazo, mas a exceção de prescrição
não implicava perda da propriedade”12. Assim, ainda que o peregrino pudesse valer-
se da exceção, o que já se revelava um avanço no pensamento da época no que
pertine à concepção de cidadão e peregrino/estrangeiro, esta não tinha o condão de
retirar o domínio do proprietário negligente. Neste sentido, Ferreira destaca:
Os dois institutos (usucapio e praescriptio) passaram a coexistir. O primeiro só vigorou para os peregrinos e também quanto aos imóveis provinciais a partir de 212; o segundo (longi temporis) teve vigência desde o ano de 199, sendo que a diferença entre ambos era quanto ao prazo – ano e biênio para a usucapio, dez anos (para os presentes – inter praesentes) e vinte anos (para ausentes – inter absentes) para a praescriptio. O prazo foi aumentado devido à grande extensão do império romano. Essa prescrição de longo tempo foi estendida aos imóveis provinciais e coisas móveis, e constituía um meio de defesa processual – praescriptio, isto é, uma prescrição extinta da ação reivindicatória13.
Justiniano, em 528 depois de Cristo, funde em um único instituto a
usucapio e a praescriptio, vez que, em decorrência a própria evolução do Direito
Romano e dos instrumentos ora aludidos, não mais se observava diferenças entre a
propriedade civil (objeto da usucapio) e a pretoriana (passível de praescriptio).
Houve, a partir das ponderações estruturadas, a unificação dos institutos em um
único, denominado usucapião, possibilitando ao possuidor de longo tempo (longi
temporis) a utilização ação de cunho reivindicatório, com o escopo de obter a
propriedade e não uma mera a exceção, contrapondo-se ao que ocorria no instituto
da praescriptio. Em decorrência da evolução do Direito Romano, constata-se que a
11 MOREIRA, Tiago da Rocha. Das Diferenças entre a Prescrição Aquisitiva e a Ação de Usucapião. ViaJus. Porto Alegre. Disponível em: <http://www.viajus.com.br>. Acesso em: 17 abr. 2016. 12 FARIAS; ROSENVALD, 2007, p. 257. 13 FERREIRA, Marcus Vinicius Mendes. Análise Sistemática da Ação de Usucapião no Ordenamento Jurídico Brasileiro. Juris Way. Disponível em: <http://www.jurisway.org.br>. Acesso em: 17 abr. 2016.
usucapião, de maneira simultânea, se converteu em modo de perda e aquisição de
propriedade, razão pela qual é chamada de “prescrição aquisitiva”. Logo, em razão
da fusão dos institutos, verifica-se que a praescriptio passa a se desdobrar em dois
instrumentos distintos: a primeira de caráter geral destinada a extinguir todas as
ações e a segunda, um modo de adquirir, representado pela antiga usucapião.
Ambas as instituições do mesmo elemento: a ação prolongada do tempo. Trata-se
de instituto que passou a gozar de rotunda relevância no Direito.
3 Usucapião: Abordagem Conceitual do Tema
Com o escopo de sedimentar as bases sólidas acerca do instituto em
estudo, quadra trazer à baila as noções conceituais, doutrinariamente,
estruturadas acerca da usucapião. Pois bem, como se infere dos argumentos
algures apresentados, o instituto da usucapião afigura-se como instrumento que tem
o condão de dar azo à aquisição da propriedade, em razão da posse continuada, no
decorrer de determinado defluxo de tempo, sendo, para tanto, imprescindível a
observação dos requisitos acinzelados pelo arcabouço jurídico pátrio.
Complementando tal ótica, pode-se destacar, com grossos traços, que a prescrição
configura modo originário de aquisição de propriedade e de outros direitos reais pela
posse prolongada da coisa, acrescida de demais requisitos legais. Em substrato
similar, leciona Rodrigues que a usucapião é “modo originário de aquisição de
domínio, através da posse mansa e pacífica, por determinado espaço de tempo,
fixado na lei”14 (usucapio est adjectio dominii per continuationem possessionis
temporis lege definit).
Faz-se mister avençar que para a substancialização da usucapião, é
imprescindível a conjugação de determinados, que abrangem tanto às pessoas a
quem o instituto da usucapião importa, às coisas em que a usucapião pode incidir
quanto à forma que a mesma se constituirá. Destarte, denotam-se três categorias
distintas em que os mencionados requisitos podem ser albergados, quais
sejam: pessoais, reais e formais. No que concernem aos requisitos pessoais,
14 RODRIGUES, Sílvio. Direito Civil: Direito das Coisas. v. 5. São Paulo: Saraiva, 2009, p. 108.
segundo os dizeres de Orlando Gomes15, os requisitos pessoais são exigências
relativas à pessoa do possuidor (usucapiente) que ambiciona adquirir a coisa
através da usucapião, bem como do proprietário, que, em decorrência da aquisição
da propriedade pelo usucapiente, perde a sua. Ab initio, revela-se importante
destacar que o adquirente da propriedade, através da usucapião, seja considerado
capaz e detenha qualidade para adquiri-la de tal forma.
Por oportuno, há que se registrar que por se tratar de uma prescrição
aquisitiva, logo, aplicam-se ao instituto em comento as mesmas causas
impeditivas e suspensivas da prescrição, entalhadas nos artigos 197 e 198,
ambos da Lei Nº 10.406, de 10 de Janeiro de 200216, que institui o Código Civil.
Deste modo, “não correndo a prescrição entre ascendentes e descentes, entre
marido e mulher, entre incapazes e seus representantes, nenhum deles pode
adquirir bem do outro por usucapião”17. Vale registrar que, uma vez dissolvida a
sociedade conjugal e terminado o poder familiar, os prazos têm início e passam
a ser contados. Em relação àquele que sofre os efeitos decorrentes da
prescrição aquisitiva, não se infere nas normas pátrias qualquer exigência relativa
à capacidade, bastando, tão-somente, que seja proprietária da coisa hábil (res
habilis) de ser usucapida. Há que se registrar, neste ponto, que os incapazes podem
sofrer os efeitos decorrentes da usucapião, vez que cabe àqueles que os
representam impedir a ocorrência. Nesta linha de dicção, Farias & Rosenvald não
coadunam com tal entendimento, para tanto, expõem que “da mesma forma
ninguém poderá usucapir um bem de titularidade do menor de 16 anos de idade
ou de pessoa sob regime de curatela”18.
Em se de requisitos reais, quadra salientar que, neste item, atrelam-se
às coisas e direitos suscetíveis de serem usucapidos, pois há direitos e coisas
que a prescrição aquisitiva não incide. Assim, há certos bens que são eivados de
imprescritibilidade, a exemplo dos bens públicos, ou seja, aqueles pertencentes a
pessoas jurídicas de direito público interno. “Quanto aos bens dominiais, não se
admite sejam adquiridos por usucapião, embora suscetíveis de aquisição por outros
15 GOMES, Orlando. Direitos Reais. 20 ed. Rio de Janeiro: Editora Forense, 2010, p. 181. 16 BRASIL. Lei Nº. 10.406, de 10 de Janeiro de 2002. Institui o Código Civil. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br>. Acesso em: 17 abr. 2016. 17 GOMES, 2010, p. 182. 18 FARIAS; ROSENVALD, 2007, p. 261.
modos”19. Quadra destacar que a prescrição aquisitiva incide apenas nos direitos
reais que recaem sobre coisas prescritíveis. Consoante aduz Farias & Rosenvald,
“somente os direitos reais que recaiam em coisas usucapíveis poderão ser
obtidos por este modo de aquisição originário (seja a título de propriedade,
servidão, enfiteuse, usufruto, uso e habitação” 20.
Os denominados requisitos formais da usucapião são responsáveis por
atribuir a fisionomia característica da prescrição aquisitiva, oscilando de acordo com
os lapsos temporais estabelecidos nos dispositivos legais. Todavia,
independentemente da espécie de usucapião, é pungente a necessidade de dois
requisitos, a saber: a posse (possessionis) e o lapso temporal (tempus). Aos que se
caracterizam pela duração mais curta, exige-se, ainda, a boa-fé (bona fides) e o
justo título. A posse ensejadora da usucapião deve ser exercida com animus
domini, sendo considerada como o mais importante de seus requisitos, vez que atua
como base de sustentação do próprio instituto. Nesse sentido, valiosa é a lição de
Orlando Gomes, em especial, quando acrescenta, em relação ao tema em
construção, com bastante propriedade, que:
A posse que conduz à Usucapião, deve ser exercida com animus domini, mansa e pacificamente, contínua e publicamente. a) O animus domini precisa ser frisado para, de logo, afastar a possibilidade de Usucapião dos fâmulos da posse. [...] Necessário, por conseguinte, que o possuidor exerça a posse com animus domini. Se há obstáculo objetivo a que possua com esse animus, não pode adquirir a propriedade por usucapião. [...] Por fim, é preciso que a intenção de possuir como dono exista desde o momento em que o prescribente se apossa do bem21.
Neste giro, cuida explicitar que o animus domini configura a posse
qualitativa que possui o condão de evidenciar, ao mundo exterior, que o usucapiente
atua como possuidor, externando comportamento ou postura de quem considera, de
fato, proprietário da coisa. Mais que isso, na verdade, só existe o ânimo do dano
quando a vontade aparente do possuidor se identifica com a do proprietário, isto é,
quando explora a coisa com exclusividade e sem subordinação à ordem de quem
quer que seja. Por derradeiro, quanto ao animus domini, há que se citar as
19 GOMES, 2010, p. 182. 20 FARIAS; ROSENVALD, 2007, p. 264 21 GOMES, 2010, p. 166.
considerações de Lenine Niquete, que aduz:
[...] por definição, é o ‘animus domini’ a vontade (ainda que de má-fé) de possuir alguém como se fosse dono, donde o dizer-se que existe mesmo no ladrão, que sabe que a coisa lhe pertence. Mas [...] entende-se que para caracterizá-lo não basta aquela vontade: é preciso que ela resulte da ‘causa possessionis’, isto é, do título em virtude do qual se exerce a posse: de modo que se esta foi iniciada por uma ocupação, pacífica ou violente, pouca importa, haverá o ânimo; se, ao contrário, originou-se de um contrato, como o de locação, por exemplo, que implica no reconhecimento do direito dominial de outrem, não se pode reconhecê-lo22.
Ao se examinar o instituto da usucapião, denota-se que, em relação aos
bens móveis, o lapso temporal exigido é mais curto, porquanto o encurtamento tem
como marco justificatório a dificuldade de individualizar os bens móveis
usucapiendos, como também a facilidade de sua circulação. Quadra explicitar ainda
que, na realidade, em termos econômicos, vigora o ideário de que bens móveis têm
menor importância econômica. D'outro passo, o prazo exigido para usucapir bens
imóveis é maior, em razão de se entender que “maior deve ser o lapso de tempo no
qual o proprietário fique com a possibilidade de opor-se à posse do prescribente,
reivindicando o bem”23. Vigora a premissa que o proprietário do bem imóvel detém
maior interesse em conservá-lo, de tal maneira que sua inércia deve ficar sujeita à
prova durante um ínterim maior do que em relação aos bens móveis. Ademais, há
que salientar que a diversidade de prazos escora-se, também, em decorrência dos
requisitos exigidos para a consumação da usucapião. Por exemplo, o lapso
temporal é abreviado quando restam comprovados a boa-fé do usucapiente e o
justo título da coisa usucapienda.
Ao lado disso, por oportuno, destaque-se, com fortes cores, que é
plenamente viável juntar posse para promover a prescrição aquisitiva. É permitido ao
possuidor acrescentar à sua posse a do seu antecessor, desde que ambas sejam
consideradas contínuas e pacíficas, pois em ocorrendo o contrário, tal possibilidade
não subsistirá. Isto é, a soma de posses é permitida no ordenamento jurídico
pátrio, mas para sua utilização é necessário o preenchimento de alguns requisitos.
Nesta esteira, há que se evidenciar que aquele que obtém posse precária,
clandestina ou violenta, não poderá somar o período anterior para completar o 22 NEQUETE, Lenine. Da prescrição aquisitiva (usucapião). 3 ed. Porto Alegre: Ajuris, 1981, p. 121. 23 GOMES, 2010, p. 183.
decurso temporal exigido pelo instituto da usucapião/prescrição aquisitiva.
4 Da Usucapião Pro-Família: Aspectos Caracterizadores
Tendo como pilares de ponderação as bases ideológicas trazidas à baila
alhures e como fruto da própria evolução do Direito, constata-se que o novel instituto
denominado de usucapião pro-família, nomeado também de usucapião familiar ou
por abandono de lar, foi introduzido por meio da Lei Nº. 12.42424, de 16 de junho de
2011, acresceu o artigo 1.240-A à Lei Substantiva Civil. Infere-se, em um primeiro
momento, que o um instituto em tela decorre dos anseios da sociedade, buscando,
precipuamente, ofertar uma resposta ao cônjuge/companheiro abandona, assim
como colocar termo a uma situação que prosperava, quando havia os términos dos
relacionamentos conjugais, a manutenção de um condomínio, mesmo que houvesse
a perda de contato. Pois bem, com efeito, há que se citar a redação do dispositivo
em comento, que foi responsável por introduzir maciças modificações ao instituto da
usucapião no Direito Civil:
Art. 1.240-A. Aquele que exercer, por 2 (dois) anos ininterruptamente e sem oposição, posse direta, com exclusividade, sobre imóvel urbano de até 250m² (duzentos e cinquenta metros quadrados) cuja propriedade divida com ex-cônjuge ou ex-companheiro que abandonou o lar, utilizando-o para sua moradia ou de sua família, adquirir-lhe-á o domínio integral, desde que não seja proprietário de outro imóvel urbano ou rural. §1o O direito previsto no caput não será reconhecido ao mesmo possuidor mais de uma vez. §2o (VETADO)25.
Em uma primeira plana, cuida salientar que o dispositivo
supramencionado traz em seu bojo uma nova modalidade de usucapião,
apresentando, inclusive, os requisitos a serem observados, para que reste
consubstanciada a espécie em testilha. Em verdade, há que se grifar que o rol
24 BRASIL. Lei Nº. 12.424, de 16 de junho de 2011. Altera a Lei no 11.977, de 7 de julho de 2009, que dispõe sobre o Programa Minha Casa, Minha Vida - PMCMV e a regularização fundiária de assentamentos localizados em áreas urbanas, as Leis nos 10.188, de 12 de fevereiro de 2001, 6.015, de 31 de dezembro de 1973, 6.766, de 19 de dezembro de 1979, 4.591, de 16 de dezembro de 1964, 8.212, de 24 de julho de 1991, e 10.406, de 10 de janeiro de 2002 - Código Civil; revoga dispositivos da Medida Provisória no 2.197-43, de 24 de agosto de 2001; e dá outras providências. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br>. Acesso em: 17 abr. 2016. 25 BRASIL. Lei Nº. 10.406, de 10 de Janeiro de 2002. Institui o Código Civil. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br>. Acesso em: 17 abr. 2016.
apresentado no artigo 1.240-A em muito se assemelha a espécie urbana do instituto
em destaque, com fito de moradia. Nesta senda, pode-se enumerar como requisitos
a posse ininterrupta, sem oposição do ex-cônjuge/ex-companheiro, de área urbana
de 250m² (duzentos e cinquenta metros quadrados), destinada à moradia do
usucapiente ou de sua família, por alguém que não possua outro imóvel, urbano ou
rural, e que não tenha adquirido imóvel através de sentença declaratória de
usucapião em mesma espécie.
Além disso, quadra colocar em destaque que os aspectos diferenciadores
do novel instituto introduzido no Ordenamento Brasileiro dos demais já previstos
alicerça-se no período exigido, bem como na característica peculiar do imóvel ser de
propriedade do casal. Constata-se que o lapso temporal apresentado pelo legislador
revela-se exíguo, quando comparado às demais modalidades estabelecidas na Lei
Substantiva Civil e leis extravagantes. Em ressonância, há que se citar que a
usucapião pro-família “difere, no entanto, no requisito tempo que na usucapião
familiar é de dois anos (sendo de cinco anos para a usucapião pro moradia) e na
característica do imóvel usucapienda: a propriedade deve ser do casal”26. Em
mesmo sentido, Tartuce leciona, com bastante propriedade, que:
A principal novidade é a redução do prazo para exíguos dois anos, o que faz com que a nova categoria seja aquela com menor prazo previsto, entre todas as modalidades de usucapião, inclusive de bens móveis (o prazo menor era de três anos). Deve ficar claro que a tendência pós-moderna é justamente a de redução dos prazos legais, eis que o mundo contemporâneo exige e possibilita a tomada de decisões com maior rapidez.27
Denota-se, a partir das ponderações esposadas até o momento, que o
requisito positivado no Diploma Civilista alberga em seu bojo, como objetivo
precípuo, permitir que o companheiro ou o cônjuge, que permaneceu no imóvel,
obtenha o domínio pleno, após o decurso do biênio, a contar do abandono do lar
pelo outro consorte, fulminando, por conseguinte, com a situação de condomínio em
relação ao imóvel. Quadra salientar que a concepção de abandono do lar consiste
26 CARDOSO, Simone Murta. Uma nova modalidade de usucapião. Jus Navigandi, Teresina, ano 16, n. 2.948, 28 jul. 2011. Disponível em: <http://jus.com.br>. Acesso em: 17 abr. 2016. 27 TARTUCE, Flávio. A Usucapião Especial Urbana por Abandono do Lar Conjugal. Instituto Brasileiro de Direito de Família (IBDFAM). Disponível em: <http://www.ibdfam.org.br>. Acesso em: 17 abr. 2016, p. 02.
no ato voluntário de saída do domicílio conjugal, bem como a ausência de
consentimento do outro cônjuge e o decurso de tempo. Insta frisar que a modalidade
em testilha se restringe a tão-somente o imóvel pertencente ao casal, devendo, com
efeito, a ação ser aforada por um dos ex-companheiros ou ex-cônjuges em face
daquele que abandonou o lar. Ora, com a introdução do artigo 1.240-A no Código
Civil vigente, põem-se termo a uma pendência que decorria em razão do término
dos relacionamentos conjugais, notadamente quando havia a perda de conta entre
os ex-cônjuges/ex-companheiros, consistente na impossibilidade do possuidor
exercer todos os poderes inerentes à propriedade, a saber: usar, fruir e dispor, este
último em especial. No mais, há que se anotar que a pretensão social a que se
destina o dispositivo acrescido impõe uma interpretação do abandono do lar jungida
à partir da função social da propriedade e não associada ao ideário de culpa pela
dissolução do vínculo existente.
Conforme Amorim, “não é de se analisar se o abandono de fato
caracterizou culpa, ou se a evadir-se foi legítimo ou até mesmo urgente. Buscará
apenas qual dos dois permaneceu dando destinação residencial ao imóvel e pronto,
independente da legitimidade da posse e do abandono”28. Todavia, há
entendimentos que divergem de tal ótica, considerando a usucapião pro-família
como mecanismo implementado pelo legislador para punir o cônjuge/companheiro
que abandonou ao lar, trazendo à baila novas discussões sobre a culpa no término
do relacionamento conjugal. “Noutras palavras, o cônjuge que abandona o lar,
portanto o culpado pela dissolução da sociedade conjugal, poderá sofrer uma
sanção patrimonial através da perda da propriedade de sua parte no imóvel do
casal, independente da fração do imóvel que lhe pertença”29. Outrossim, impende
evidenciar que, além da ocorrência do abandono, é relevante que os
cônjuges/companheiros estejam separados de fatos, pois, em havendo pedido de
divórcio ou mesmo de dissolução de união estável, no biênio subsequente, resta
operada a oposição em relação ao imóvel ocupado pelo abandonado. Ao lado do
exposto, mister se faz arrazoar que a jurisprudência e a doutrina já vinham se
28 AMORIM, Ricardo Henrique Pereira. Primeiras Impressões sobre a Usucapião Especial Urbana Familiar e suas Implicações no Direito de Família. Instituto Brasileiro de Direito de Família (IBDFAM). Disponível em: <http://www.ibdfam.org.br>. Acesso em: 17 abr. 2016, p. 03. 29 CARDOSO, 2011, s.p.
posicionando no sentido de que era possível a incidência do instituto da usucapião
entre cônjuges, como se percebe do entendimento a seguir:
Ementa: Apelação Cível. Reais e Família. Usucapião entre Cônjuges. Separação de Fato. Sentença Extintiva, sem resolução de mérito. - Recurso da Autora. Possibilidade Jurídica do Pedido. Situação excepcional caracterizada. Alegado abandono da família e patrimônio pelo marido há mais de 20 anos. Prescrição e prazo para o usucapião. Naturezas jurídicas distintas. Inaplicabilidade literal do art. 168, I, do CC/16 ou art. 197, I, do CC/02. Interpretação extensiva dos dispositivos inviável. Fim da norma de suspensão não atendido. Posse aparentemente exercida exclusivamente e não em razão da mancomunhão. Carência de ação afastada. – Sentença cassada. Recurso Provido - A considerar a natureza jurídica distinta da prescrição e do prazo para aquisição propriedade por usucapião, sendo equívoca a utilização da expressão "prescrição aquisitiva" como ensinam Clóvis Beviláqua, Caio Mário da Silva Pereira e Orlando Gomes, não há aplicar, em razão da interpretação literal, as causas de suspensão da prescrição previstas no art. 168, I, do CC/16 ou no art. 197, I, do CC/02. - Não obstante se reconheça a possibilidade de aplicação extensiva dos dispositivos citados, por meio de interpretação teleológica, ao prazo da usucapião, inviável utilizar desse expediente quando, em tese, não há relação afetiva familiar ou harmonia entre as partes a serem preservadas – fim precípuo da causa de suspensão da prescrição entre os consortes. - Nessas hipóteses excepcionais, se a posse exercida por um dos cônjuges sobre o bem não decorre da mancomunhão (como acontece, e.g., na mera tolerância do outro enquanto não realizada a partilha ou somente em razão da medida de separação de corpos), mas sim de forma exclusiva em virtude do abandono pelo esposo da família e bens há mais de 20 anos, não se vê impossibilidade jurídica do pleito de usucapião entre cônjuges. (Tribunal de Justiça do Estado de Santa Catarina – Terceira Câmara de Direito Civil/ Apelação Cível nº 234708/ Relator Desembargador Henry Petry Júnior/ Julgado em: 11.11.2010)
À luz do expendido, pode-se anotar que as hipóteses em que o
cônjuge/companheiro tem que se afastar por motivos de trabalho, a fim de obter o
sustento para prover sua célula familiar, têm o condão de afastar a incidência do
instituto em destaque. De igual forma, o afastamento compulsório, proveniente de
uma determinação judicial, como ocorre comumente em situações de violência
doméstica, não configurarão o abandono, já que há a ausência do aspecto volitivo
do cônjuge/companheiro e a ausência de concordância do outro. Nesta hipótese,
cuida anotar, oportunamente, que inexiste o elemento subjetivo de voluntariedade do
ato e a intenção de não mais retornar para a residência familiar, sem que tenha
ocorrido motivo justo para tal situação. Nesta linha, a decisão judicial que afasta o
companheiro/cônjuge do imóvel suprime o aspecto subjetivo, porquanto busca
resguardar a integridade física e psicológica daquele que figura como vítima, como
se infere nas medidas cautelares da Lei Maria da Penha e que versa sobre a
violência em âmbito doméstico. Comunga de tal entendimento Cardoso, em especial
quando evidencia que “muitas vezes, deixa-se o lar para preservar a integridade
física e psicológica de um dos cônjuges ou dos filhos, em virtude mesmo de decisão
judicial. E sendo este um afastamento compulsório, não se pode dizer configurado o
abandono”30. Em mesmo sentido, Tartuce pondera que “em havendo disputa,
judicial ou extrajudicial, relativa ao imóvel, não ficará caracterizada a posse ad
usucapionem, não sendo o caso de subsunção do preceito”31. Ora, não subsiste
qualquer impedimento para que o cônjuge ou companheiro que abandonou o lar
notifique o ex-consorte anualmente, com o escopo de demonstrar o impasse
existente em relação ao bem, afastando, por consequência, o cômputo do prazo.
Trata-se de mecanismo apto a afastar a incidência do prazo elencado pela redação
do artigo 1.240-A do Código Civil Brasileiro, já que há a demonstração de
comportamento que ambiciona ofertar oposição ao cônjuge/companheiro
abandonado que permanece no imóvel conjugal e manter o domínio.
5 A Admissão da Usucapião Pró-Família nas Uniões Homoafetivas: Uma
interpretação extensiva do artigo 1.240-A do Código Civil
Tecidos os comentários ora apresentados, cuida trazer à colação que a
República Federativa do Brasil, ao estruturar a Constituição Cidadã, concedeu,
expressamente, relevo ao princípio da dignidade da pessoa humana, sendo
colocada sob a epígrafe “dos princípios fundamentais”, sendo positivado no inciso III
do artigo 1º. Com avulte, o aludido preceito passou a gozar de status de pilar
estruturante do Estado Democrático de Direito, toando como fundamento para todos
os demais direitos. Nesta trilha, também, há que se enfatizar que o Estado é
responsável pelo desenvolvimento da convivência humana em uma sociedade
norteada por caracteres pautados na liberdade e solidariedade, cuja regulamentação
fica a encargo de diplomas legais justos, no qual a população reste devidamente
representada, de maneira adequada, participando e influenciando de modo ativo na
30 CARDOSO, 2011. 31 TARTUCE, s.d., p. 02.
estruturação social e política. É permitida, inda, a convivência de pensamentos
opostos e conflitantes, sendo possível sua expressão de modo público, sem que
subsista qualquer censura ou mesmo resistência por parte do Ente Estatal.
Nesse alamiré, verifica-se que a principal incumbência do Estado
Democrático de Direito, em harmonia com o ventilado pelo dogma da dignidade da
pessoa humana, está jungido na promoção de políticas que visem a eliminação das
disparidades sociais e os desequilíbrios econômicos regionais, o que clama a
perseguição de um ideário de justiça social, ínsito em um sistema pautado na
democratização daqueles que detém o poder. Ademais, não se pode olvidar que
“não é permitido admitir, em nenhuma situação, que qualquer direito viole ou
restrinja a dignidade da pessoa humana”32, tal ideário decorre da proeminência que
torna o preceito em comento em patamar intocável e, se porventura houver conflito
com outro valor constitucional, aquele há sempre que prevalecer. Frise-se, por
carecido, que a dignidade da pessoa humana, em razão da promulgação da Carta
de 1988, passou a se apresentar como fundamento da República, sendo que todos
os sustentáculos descansam sobre o compromisso de potencializar a dignidade da
pessoa humana, fortalecido, de maneira determinante, como ponto de confluência
do ser humano. Com o intuito de garantir a existência do indivíduo, insta realçar que
a inviolabilidade de sua vida, tal como de sua dignidade, se faz proeminente, sob
pena de não haver razão para a existência dos demais direitos. Neste diapasão,
cuida colocar em saliência que a Constituição de 1988 consagrou a vida humana
como valor supremo, dispensando-lhe aspecto de inviolabilidade.
Evidenciar se faz necessário que o princípio da dignidade da pessoa
humana não é visto como um direito, já que antecede o próprio Ordenamento
Jurídico, mas sim um atributo inerente a todo ser humano, destacado de qualquer
requisito ou condição, não encontrando qualquer obstáculo ou ponto limítrofe em
razão da nacionalidade, gênero, etnia, credo ou posição social. Nesse viés, o
aludido bastião se apresenta como o maciço núcleo em torno do gravitam todos os
direitos alocados sob a epígrafe “fundamentais”, que se encontram agasalhados no
32 RENON, Maria Cristina. O Princípio da Dignidade da Pessoa Humana e sua relação com a convivência familiar e o direito ao afeto. 232f. Dissertação (Mestre em Direito) – Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis, 2009. Disponível em: <http://www.egov.ufsc.br>. Acesso em 17 abr. 2016, p. 19.
artigo 5º da Constituição Cidadã. Ao se perfilhar à umbilical relação manutenida
entre a dignidade da pessoa humana e os direitos fundamentais, pode-se tanger
dois aspectos basais. O primeiro se apresente como uma ação negativa, ou passiva,
por parte do Ente Estatal, a fim de evitar agressões ou lesões; já a positiva, ou ativa,
está atrelada ao “sentido de promover ações concretas que, além de evitar
agressões, criem condições efetivas de vida digna a todos”33.
Comparato alça a dignidade da pessoa humana a um valor supremo, eis
que “se o direito é uma criação humana, o seu valor deriva, justamente, daquele que
o criou. O que significa que esse fundamento não é outro, senão o próprio homem,
considerando em sua dignidade substância da pessoa”34, sendo que as
especificações individuais e grupais são sempre secundárias. A própria estruturação
do Ordenamento Jurídico e a existência do Estado, conforme as ponderações
aventadas, só se justificam se erguerem como axioma maciço a dignidade da
pessoa humana, dispensando esforços para concretizarem tal dogma. Mister se faz
pontuar que o ser humano sempre foi dotado de dignidade, todavia, nem sempre foi
(re)conhecida por ele. O mesmo ocorre com o sucedâneo dos direitos fundamentais
do homem que, preexistem à sua valoração, os descobre e passa a dispensar
proteção, variando em decorrência do contexto e da evolução histórico-social e
moral que condiciona o gênero humano. Não se pode perder de vista o corolário em
comento é a síntese substantiva que oferta sentido axiológico à Constituição da
República Federativa do Brasil de 198835, determinando, conseguintemente, os
parâmetros hermenêuticos de compreensão.
A densidade jurídica do princípio da dignidade da pessoa humana no
sistema constitucional há de ser, deste modo, máxima, afigurando-se, inclusive,
como um corolário supremo no trono da hierarquia das normas. A interpretação
conferida pelo corolário em comento não é para ser procedida à margem da
realidade. Ao reverso, alcançar a integralidade da ambição contida no bojo da
33 BERNARDO, Wesley de Oliveira Louzada. O Princípio da Dignidade da Pessoa Humana e o Novo Direito Civil. Breves Reflexões. Revista da Faculdade de Direito de Campos, ano VII, nº 08, p. 229-267, junho de 2006. Disponível em: <http://fdc.br/Arquivos/Mestrado/Revistas/Revista08>. Acesso em 17 abr. 2016, p. 236. 34 COMPARATO, Fábio Konder. Fundamentos dos direitos humanos. In: Direito Constitucional. José Janguiê Bezerra Diniz (coordenador). Brasília: Editora Consulex, 1998, p. 176. 35 BRASIL. Constituição (1988). Constituição (da) República Federativa do Brasil. Brasília: Senado Federal, 1988. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br>. Acesso em 17 abr. 2016.
dignidade da pessoa humana é elemento da norma, de modo que interpretações
corretas são incompatíveis com teorização alimentada em idealismo que não as
conforme como fundamento. Atentando-se para o princípio supramencionado como
estandarte, o intérprete deverá observar para o objeto de compreensão como
realidade em cujo contexto a interpretação se encontra inserta.
Ao lado disso, nenhum outro dogma é mais valioso para assegurar a
unidade material da Constituição senão o corolário em testilha. Como bem salientou
Sarlet, “um Estado que não reconheça e garanta essa Dignidade não possui
Constituição”36. Ora, considerando os valores e ideários por ele abarcados, não se
pode perder de vista que as normas, na visão garantística consagrada no
Ordenamento Brasileiro, reclamam uma interpretação em conformidade com o
preceito em destaque. Nesta toada, entalhadas tais lições, ao se direcionar uma
interpretação para o Direito de Famílias, cuida ter uma visão pautada em valores
sensíveis, em razão dos próprios sentimentos que impregnam as relações afetivas.
Trata-se de ramificação da Ciência Jurídica em que se pode contemplam
a materialização dos ideários de afeto e de busca pela felicidade. Nesta esteira,
ainda, infere-se que o afeto se apresenta como a verdadeira moldura que enquadra
os laços familiares e as relações interpessoais, impulsionadas por sentimentos e por
amor, com o intento de substancializar a felicidade, postulado albergado pelo
superprincípio da pessoa humana. Ao lado disso, tal preceito encontra-se hasteada
como flâmula a orientar a interpretação das normas, inspirando sua aplicação diante
do caso concreto, dando corpo a um dos fundamentos em que descansa a ordem
republicana e democrática, venerada pelo sistema de direito constitucional positivo.
Nessa linha de exposição, conforme se tem colhido em atuais entendimentos
jurisprudenciais, notadamente os consolidados pelo Supremo Tribunal Federal, o
afeto e a busca pela felicidade passaram a ser reconhecidos como valores jurídicos
imersos em natureza constitucional, apresentando-se como novos paradigmas que
informam e inspiram a formulação da própria acepção de entidade familiar. Ora, os
reconhecimentos do afeto e da busca pela felicidade encontram robusto descanso
na extensa rubrica de direitos compreendidos pelo superprincípio da dignidade da
36 SARLET, Ingo Wolfang. Dignidade da pessoa humana e direitos fundamentais na Constituição Federal de 1988. 2 ed. Porto Alegre: Editora Livraria do Advogado, 2002, p. 83.
pessoa humana, atuando como pilares integrativos e de reconhecimento de tal
entidade como célula familiar. Para tanto, cuida trazer a lume os seguintes arestos:
Ementa: Agravo Regimental no Recurso Extraordinário. Benefício de pensão por morte. União homoafetiva. Legitimidade constitucional do reconhecimento e qualificação da união civil entre pessoas do mesmo sexo como entidade familiar. Possibilidade. Aplicação das regras e consequências jurídicas válidas para a união estável heteroafetiva. Desprovimento do recurso. 1. O Pleno do Supremo Tribunal Federal, no julgamento da ADI 4.277 e da ADPF 132, ambas da Relatoria do Ministro Ayres Britto, Sessão de 05/05/2011, consolidou o entendimento segundo o qual a união entre pessoas do mesmo sexo merece ter a aplicação das mesmas regras e consequências válidas para a união heteroafetiva. 2. Esse entendimento foi formado utilizando-se a técnica de interpretação conforme a Constituição para excluir qualquer significado que impeça o reconhecimento da união contínua, pública e duradoura entre pessoas do mesmo sexo como entidade familiar, entendida esta como sinônimo perfeito de família. Reconhecimento que deve ser feito segundo as mesmas regras e com idênticas consequências da união estável heteroafetiva. [...] No julgamento do RE nº 477.554/AgR, da Relatoria do Ministro Celso de Mello, DJe de 26/08/2011, a Segunda Turma desta Corte, enfatizou que “ninguém, absolutamente ninguém, pode ser privado de direitos nem sofrer quaisquer restrições de ordem jurídica por motivo de sua orientação sexual. Os homossexuais, por tal razão, têm direito de receber a igual proteção tanto das leis quanto do sistema político-jurídico instituído pela Constituição da República, mostrando-se arbitrário e inaceitável qualquer estatuto que puna, que exclua, que discrimine, que fomente a intolerância, que estimule o desrespeito e que desiguale as pessoas em razão de sua orientação sexual. (…) A família resultante da união homoafetiva não pode sofrer discriminação, cabendo-lhe os mesmos direitos, prerrogativas, benefícios e obrigações que se mostrem acessíveis a parceiros de sexo distinto que integrem uniões heteroafetivas”. (Precedentes: RE n. 552.802, Relator o Ministro Dias Toffoli, DJe de 24.10.11; RE n. 643.229, Relator o Ministro Luiz Fux, DJe de 08.09.11; RE n. 607.182, Relator o Ministro Ricardo Lewandowski, DJe de 15.08.11; RE n. 590.989, Relatora a Ministra Cármen Lúcia, DJe de 24.06.11; RE n. 437.100, Relator o Ministro Gilmar Mendes, DJe de 26.05.11, entre outros). 4. Agravo regimental a que se nega provimento. (Supremo Tribunal Federal – Primeira Turma/ RE 687.432 AgR/ Relator: Ministro Luiz Fux/ Julgado em 18 set. 2012/ Publicado no DJe em 01 out. 2012). Ementa: União civil entre pessoas do mesmo sexo - Alta relevância social e jurídico-constitucional da questão pertinente às uniões homoafetivas - Legitimidade constitucional do reconhecimento e qualificação da união estável homoafetiva como entidade familiar: Posição consagrada na jurisprudência do Supremo Tribunal Federal (ADPF 132/RJ e ADI 4.277/DF) - O afeto como valor jurídico impregnado de natureza constitucional: A valorização desse novo paradigma como núcleo conformador do conceito de família - O direito à busca da felicidade, verdadeiro postulado constitucional implícito e expressão de uma idéia-força que deriva do princípio da essencial dignidade da pessoa humana - Alguns precedentes do Supremo Tribunal Federal e da Suprema Corte Americana sobre o direito fundamental à busca da felicidade - Princípios de Yogyakarta (2006): Direito de qualquer pessoa de constituir família, independentemente de sua orientação sexual ou identidade de gênero - Direito do companheiro, na união estável homoafetiva, à percepção do benefício da pensão por morte
de seu parceiro, desde que observados os requisitos do art. 1.723 do Código Civil - O art. 226, § 3º, da Lei Fundamental constitui típica norma de inclusão - A função contramajoritária do Supremo Tribunal Federal no Estado Democrático de Direito - A proteção das minorias analisada na perspectiva de uma concepção material de democracia constitucional - O dever constitucional do Estado de impedir (e, até mesmo, de punir) “qualquer discriminação atentatória dos direitos e liberdades fundamentais” (CF, art. 5º, XLI) - A força normativa dos princípios constitucionais e o fortalecimento da jurisdição constitucional: Elementos que compõem o marco doutrinário que confere suporte teórico ao neoconstitucionalismo - Recurso de agravo improvido. Ninguém pode ser privado de seus direitos em razão de sua orientação sexual. - Ninguém, absolutamente ninguém, pode ser privado de direitos nem sofrer quaisquer restrições de ordem jurídica por motivo de sua orientação sexual. Os homossexuais, por tal razão, têm direito de receber a igual proteção tanto das leis quanto do sistema político-jurídico instituído pela Constituição da República, mostrando-se arbitrário e inaceitável qualquer estatuto que puna, que exclua, que discrimine, que fomente a intolerância, que estimule o desrespeito e que desiguale as pessoas em razão de sua orientação sexual. Reconhecimento e qualificação da união homoafetiva como entidade familiar. - O Supremo Tribunal Federal - apoiando-se em valiosa hermenêutica construtiva e invocando princípios essenciais (como os da dignidade da pessoa humana, da liberdade, da autodeterminação, da igualdade, do pluralismo, da intimidade, da não discriminação e da busca da felicidade) - reconhece assistir, a qualquer pessoa, o direito fundamental à orientação sexual, havendo proclamado, por isso mesmo, a plena legitimidade ético-jurídica da união homoafetiva como entidade familiar, atribuindo-lhe, em consequência, verdadeiro estatuto de cidadania, em ordem a permitir que se extraiam, em favor de parceiros homossexuais, relevantes consequências no plano do Direito, notadamente no campo previdenciário, e, também, na esfera das relações sociais e familiares. - A extensão, às uniões homoafetivas, do mesmo regime jurídico aplicável à união estável entre pessoas de gênero distinto justifica-se e legitima-se pela direta incidência, dentre outros, dos princípios constitucionais da igualdade, da liberdade, da dignidade, da segurança jurídica e do postulado constitucional implícito que consagra o direito à busca da felicidade, os quais configuram, numa estrita dimensão que privilegia o sentido de inclusão decorrente da própria Constituição da República (art. 1º, III, e art. 3º, IV), fundamentos autônomos e suficientes aptos a conferir suporte legitimador à qualificação das conjugalidades entre pessoas do mesmo sexo como espécie do gênero entidade familiar. - Toda pessoa tem o direito fundamental de constituir família, independentemente de sua orientação sexual ou de identidade de gênero. A família resultante da união homoafetiva não pode sofrer discriminação, cabendo-lhe os mesmos direitos, prerrogativas, benefícios e obrigações que se mostrem acessíveis a parceiros de sexo distinto que integrem uniões heteroafetivas [...] (Supremo Tribunal Federal – Segunda Turma/ RE 477.554 AgR/ Relator: Ministro Celso de Mello/ Julgado em 16 ago. 2011/ Publicado no DJe em 26 ago. 2011).
Por oportuno, torna-se forçoso o reconhecimento que o novel ideário, no
âmbito das relações familiares, com a promulgação da Constituição Federal de
198837, com o fito de estabelecer direito e deveres decorrentes de vínculo familiar,
37 BRASIL. Constituição (1988). Constituição (da) República Federativa do Brasil. Brasília:
consolidando na existência e no reconhecimento do afeto, tal como pela busca da
felicidade. Consoante se extrai do entendimento jurisprudencial coligido, os preceitos
mencionados algures, decorrem do feixe principiológico advindo da dignidade da
pessoa humana, sendo dotados de proeminência e maciço destaque na caminhada
pela afirmação, gozo e ampliação dos direitos fundamentais. Ao lado disso, não se
pode olvidar que sobreditos paradigmas se revelam como instrumentos aptos a
neutralizar práticas ou mesmo omissões lesivas que comprometem os direitos e
franquias individuais. Nesta senda de exposição, “o direito de família é o único ramo
do direito privado cujo objeto é o afeto”38.
Denota-se, portanto que o reconhecimento das uniões homoafetivas
como núcleos familiares que refletem a dinâmica contemporânea, a liberdade
constitucional de constituição familiar e a liberdade de gênero substancializam,
robustamente, o superprincípio da dignidade da pessoa humana. Neste aspecto,
guardadas às peculiaridade porventura estabelecidas na legislação, ao exercitar
uma hermenêutica integrativa e constitucional, cuida reconhecer que o comando
entalhado no artigo 1.240-A compreende tanto cônjuges ou companheiros, incluindo-
se as relações homoafetivas, conforme interpretação estruturada recentemente pelo
Supremo Tribunal Federal, como entidade familiar, equiparada à união estável. Mais
que isso, reconhecer a possibilidade de incidência da usucapião pró-família, em
sede de uniões homoafetivas, é assegurar a isonomia formal de tratamento aos
companheiros de mesmo gênero, estendendo-se os requisitos e efeitos do artigo
1.240-A do Código Civil à célula familiar reconhecida pela jurisprudência. Em
arremate, a interpretação extensiva encontra ancoradouro no supreprincípio da
dignidade da pessoa humana como instrumento legitimador da possibilidade de
ampliação da hipótese capitulada no dispositivo em comento.
Referências:
AMORIM, Ricardo Henrique Pereira. Primeiras Impressões sobre a Usucapião
Senado Federal, 1988. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br>. Acesso em 17 abr. 2016. 38 CALHEIRA, Luana Silva Os princípios do direito de família na Constituição Federal de 1988 e a importância aplicada do afeto: o afeto é juridicizado através dos princípios?. Boletim Jurídico, Uberaba/MG, a. 5, n. 229. Disponível em: <http://www.boletimjuridico.com.br/ doutrina/texto.asp?id=1791> Acesso em: 17 abr. 2016.
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