A ameaça de um modelo único para a EaD no Brasil
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Colabor@ - Revista Digital da CVA - Ricesu, ISSN 1519-8529Volume 5, Número 17, Julho de 2008
A ameaça de um modelo único para a EaD no Brasil
João VianneyCoordenador da Rede Interamericana de Educação e Telemática (RIF-ET) no Brasil.
Diretor do campus Unisul Virtual, unidade de educação a distância da Universidade do Sul de SantaCatarina – UNISUL.
1. Parte I
Um dos pontos em destaque no debate contemporâneo entre a sociedade
científca brasileira e agentes propositores de políticas públicas para a educação a
distância (EAD) está centrado na ‘natureza’ da modalidade a distância. A discussão é se
a EAD tem ou não uma identidade e operacionalidade própria, sufciente para oferecer
uma formação de qualidade aos alunos matriculados em cursos superiores oferecidos
por esta modalidade. Ou, se, de outra parte, estaria a EAD na dependência de ter a sua
organização vinculada à educação presencial para que pudesse ler levada a efeito com
qualidade.
A natureza de uma modalidade educacional não é dada pelo nome com o qual
ela é denominada, mas pelo que ela é em si mesma. É natureza acrescenta ao conceito
os princípios internos que caracterizam a sua operação. Não o contrário. A educação a
distância, como modalidade, por natureza, por conceito ou por operação, é sibi
inhaerente realizada com o apoio de meios técnicos para promover o acesso a conteúdose atividades de aprendizagem e para propiciar a integração entre os agentes do processo
de ensino-aprendizagem1.
A natureza, o conceito e a operação da educação a distância, apropriados e
defnidos institucionalmente por estabelecimentos públicos e privados de ensino superior
geram características organizacionais próprias e em acordo com as abordagens
metodológicas, acadêmicas e dos recursos tecnológicos adotados em cada instituição. E,
ao início de 2007 não se verifcavam no campo da educação a distância imperativo legalou determinação científca, quer no Brasil, quer em outros países, que obrigassem ou
conduzissem à adoção de um modelo organizacional único para estabelecer metodologia
ou tecnologia padrão para a modalidade como um fator gerador de qualidade. Não se
encontravam relações de causalidade verifcada a partir de investigações de qualquer
ordem que subordinassem a efetividade da aprendizagem por educação a distância a um
ou outro modelo organizacional.
1 Parte do texto deste capítulo foi retirado de um documento de análise de políticas públicas brasileiras sobre educação a distância,elaborado em 2007 por univesidades católicas, metodistas e comunitárias, e no mesmo ano encaminhado ao Ministério da Educação.
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Essa discussão, ainda que pareça tardia ou defasada em relação às universidades
estrangeiros com maior tradição tanto na educação presencial quanto na educação a
distância, foi colocada em cena no Brasil no início de 2007. A partir daquele período o
Ministério da Educação defagrou uma série de mudanças em marcos legais que redefnia
os contornos da modalidade da EAD, chegando a obter no fnal do mesmo ano junto à
Presidência da República um decreto que praticamente obrigava a EAD a funcionar
como uma modalidade semipresencial nas instituições vinculadas ao sistema federal de
ensino2.
A premissa colocada a público pelos gestores do Ministério da Educação (MEC)
para promover estas mudanças foi a de que uma maior carga de presencialidade nos
cursos a distância propiciaria aos alunos um maior contato com os colegas de turma e
com professores tutores, serviços de apoio como secretaria, biblioteca e laboratórios de
informática, e que a ausência destes fatores seriam limitadores para uma aprendizagem
de qualidade. Contudo, não foram apresentadas pelo MEC pesquisas nacionais ou
internacionais que pudessem trazer comprovações desta premissa, de forma a dar
sustentação acadêmica às ações então desencadeadas.
O fato de a EAD estar presente no ensino superior brasileiro apenas a partir de
1994 provocou um hiato no país em relação à investigação de como se processa a
aprendizagem nesta modalidade de quais formas de organização metodológica, de uso
de diferentes suportes tecnológicos ou de mecanismos para se exercer a tutoria de apoio
aos alunos, e de como avaliar a aprendizagem destes para efetivamente se chegar aos
resultados de uma formação universitária de qualidade.
No entanto, no cenário internacional teria sido possível ao Ministério da
Educação consultar pesquisas sobre a qualidade de aprendizagem alcançada por ex-
alunos de universidades a distância como a Universidade Aberta da Inglaterra (The
Open University), a Universidade Aberta e a Distância da Espanha (UNED), ou a
FernÜniversitat, universidade a distância de Hagen, na Alemanha. Da Inglaterra teria
sido possível ao MEC saber que nos evantamentos comparados de performance de
estudantes de todas universidades daquele país de que os alunos da Open University tem
classifcação sempre entre as cinco melhores instituições daquele país. Ainda nos
2 O conjunto dos instrumentos utilizados pelo Governo Federa para tentar reconceituar a educação a distância e induzir um modelosemipresencial para a educação a distância compreendeu: a Portaria MEC n.º 02/07; uma nova redação para um documentointitulado Referenciais de Qualidade para Educação a Distância, editado pela Secretaria de Educação a Distância do MEC;
formulários a serem utilizados por avaliadores em etapas de Credenciamento e Recredenciamento de instituições para atuar por EaDno ensino superior, e formulários para serem utilizados em etapas de autorização e de reconhecimento de cursos superiores adistância; a Portaria MEC n.º 40/07; e o Decreto n.º 6.303/2007.
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contatos com a Open University o MEC poderia perceber que há uma liberdade
metodológica entre as faculdades que integram aquela instituição, e que a forma de se
organizar e de oferecer um curso a distância em Direito, por exemplo, é distinta na
metodologia, recursos tecnológicos, materiais didáticos e forma de tutoria de um curso
de Administração. E que a Open entende como uma virtuosidade a possibilidade de que
cada faculdade defna e implemente a sua metodologia. O foco é a aprendizagem que se
pretende, sendo o método apenas um recurso, um instrumento para se alcançar o
propósito do ensino superior, seja em conhecimento, seja em habilidades seja em
atitudes3.
Em contato com os pesquisadores da alemã FernÜniversitat – e que
regularmente visitam o Brasil para apresentar seminários sobre a EAD naquela
instituição –, teria sido possível ao MEC conhecer pesquisas de acompanhamento de
egressos mostrando que, observadas as trajetórias profssionais de alunos concluintes de
cursos presenciais e de cursos a distância equivalentes, de que, após 20 anos de atuação
em uma mesma organização, aqueles que tinha concluído seus cursos a distância
estavam ocupando funções superiores em relação aos seus colegas formados no ensino
presencial. Os fatores considerados para compreender este fenômeno eram os da
autonomia e da determinação necessária aos alunos para poder acompanhar as
exigências de estudos autônomos, característica dos cursos a distância daquela
universidade4.
Missões brasileiras em visitas técnicas a outros países para tomar conhecimento
de experiências exitosas no ensino superior a distância, desde 1972, quando da
elaboração do Relatório Sucupira, por membros do então Conselho Federal de
Educação, e até 2007, produziram relatos que mostraram distintas soluções encontradas
por instituições em todo o Planeta, e sempre com soluções metodológicas plurais e
diversas. E, no Brasil, da mesma forma, os estudos consolidados pela Associação
Brasileira de Educação a Distância (ABED) registram modelos diversos e em operação
com qualidade. Os relatórios produzidos pelo Ministério da Educação, desde o ano de
1998, para se proceder ao Credenciamento de instituições de ensino superior para a
oferta de educação a distância registram um amplo e variado painel brasileiro de
modelos de educação a distância, tanto na esfera pública quanto na esfera privada. Não
3As informações do desempenho acadêmico dos alunos da The Open University, bem como sobre a fexibilidade metodológica
permitida pela universidade em suas diferentes faculdades, são públicas e constam no site da instituição, em apresentaçõesdisponibilizadas pelo Departamento de Relações da The Open University.4As informações sobre o desempenho dos ex-alunos da FernÜniversitat foram presentadas pelo professor Wolfram Laaser, em
conferências na Universidade Federal de Santa Catarina, feitas a intervalos de três a quatro anos, desde 1996 e até o ano de 2007.
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se encontra, portanto, um modelo ad nunum para a educação a distância. No Brasil
consolidaram-se cinco vertentes etodológicas principais, como mostra o quadro a
seguir:
Quadro 1 – Modelos de EAD estruturados e em funcionamento no Brasil (1994-2008)
MODELO DESCRIÇÃO INSTITUIÇÕES
1. Tele-educaçãovia satélite
Geração e transmissão de tele-aulas com recepçãoem franquias ou tele-salas. Suporte de tutoriapresencial e on-line aos alunos, com entrega dematerial didático impresso ou em meio digital(CD) ou on-line, via internet.
Eadcom/UNITINS; FTC;UNOPAR; UNIDERP;COC; UNIP; UNINTER;CESUMAR; Estácio;UNIMEP; UNISA,METODISTA;CLARETIANOS;CESUMAR.
2. Pólos de apoio presencial(semipresencial)
Atendimento aos alunos em locais cominfraestrutura de apoio para aulas e tutoriapresencial, e serviços de suporte como biblioteca,laboratório de informática. Uso de materiaisimpressos de apoio, ou de conteúdos em mídiadigital (CD ou on-line).
Instituições do consórcio
CEDERJ; UFMT; UnB;UFAL; UDESC; UFPR;UFSC; UFSM; UFOP;UDESC; e instituiçõesvinculadas ao ProgramaUniversidade Aberta doBrasil, do Ministério daEducação.
3. UniversidadeVirtual
Uso intensivo de tecnologias de comunicaçãodigital para o relacionamento dos tutores com osalunos, e destes entre si com. Bibliotecas digitais eenvio aos alunos de material didático impresso oudigitalizado. Os tutores atendem remotamente aosalunos a partir da unidade central da instituição.Os locais de apoio aos alunos são utilizadosapenas para realização de provas.
Univs. Católicas do PR; MG;DF e RS; UNISUL; FGV;AIEC; UFSC; UNIFESP;UNIS; NewtonPaiva;UNIVERSO; UnB; UFF;
UNIFESP; UFPE;ANHEMBI; IESBE.
4. Vídeo-educação
Atendimento aos alunos em vídeo-salas comequipamento para reprodução de aulas pré-gravadas, material didático impresso como apoioàs aulas em vídeo. Tutoria presencial e on-line.
ULBRA; Univ. CasteloBranco; UNIASSELVI;IESDE.
5. Unidade Central
Sistema onde a unidade central da instituiçãorecebe regularmente a visita dos alunos paraatividades presenciais de práticas de laboratório. Atutoria é feita de maneira remota durante o períodode oferta das disciplinas de base conceitual.
Universidade Federal deLavras. Algumas IES fazemuso deste modelo, como aUnB e a UNISUL, pararealizar etapas com uso delaboratório em determinadosprogramas.
2. Parte II
No entanto, a discussão acerca da natureza, do conceito e da operação da
educação a distância no Brasil intensifcou-se a partir dos pronunciamentos feitos pelo
dirigente responsável pela Secretaria de Educação a Distância (SEED) do Ministério da
Educação (MEC), no segundo semestre de 2007. Nas participações em eventos na área
de EAD, nas sessões de abertura do seminário Educação a Distância – legislação eimpacto social, em Belo Horizonte (MG), no dia 1º de outubro, e do Congresso 2007 da
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Associação Brasileira de Tecnologia Educacional (ABT), na cidade do Rio de Janeiro
(RJ), no dia 8 de outubro, o dirigente da SEED afrmou que, no Brasil, a partir de 2007 a
EAD seria uma modalidade semipresencial. E, ainda, em reunião promovida pela
Associação Brasileira de Educação a Distância (ABED) nas dependências das
Comissões de Educação da Câmara dos Deputados e do Senado Federal, no Congresso
Nacional, em Brasília, no dia 16 de outubro, com a afrmação complementar de que, no
Brasil, a EaD não se daria em modelo de uma U-Virtual, explicitando de que por ‘U-
Virtual’ entendia uma educação a distância oferecida pelo uso intensivo de tecnologias
da informação e da comunicação (TICs) para realizar as atividades de oferta e acesso a
conteúdos, atividades de aprendizagem, bases de dados, tutoria e outros
relacionamentos próprios à atividade educacional5.
O secretário de educação a distância do MEC disse no seminário de Belo
Horizonte e na reunião na Comissão de Educação a Distância do Senado de que os
brasileiros não teriam discernimento sufciente para distinguir o que seria ou não uma
oferta de curso a distância de qualidade, e que por isso seria necessária a ação do MEC
no sentido de fltrar a atuação das instituições e de determinar um modelo de atuação. No
primeiro semestre de 2008, ao apresentar o estágio de implantação do programa
Universidade Aberta do Brasil, o coordenador do projeto incluiu nas telas utilizadas
durante congresso nacional de EAD realizado na cidade de Gramado a expressão
“indução de um modelo” para ilustrar que um dos propósitos era o de padronizar a
atuação das instituições de ensino superior vinculadas ao MEC numa organização
metodológica semipresencial, derivada do projeto implementado no Estado do Rio de
Janeiro pelo consórcio CEDERJ6.
Destaca-se que, em todas essas oportunidades, a SEED apresentou o modelo
preferencial de organização institucional para a oferta de EAD no ensino superior com
uma proposta que considerava obrigatória a instalação de unidades físicas compostas
por: salas de aula, salas de recepção, salas de professores, salas de estudo biblioteca,
salas de informática e laboratórios específcos. Espaços necessários à realização de
atividades regulares presenciais por alunos de cursos a distância, bem como da
5 Os posicionamentos da Secretaria de Educação a Distância do MEC foram apresentados pelo então dirigente da pasta, CarlosBielschowski, e pelo diretor de políticas públicas da pasta, Hélio Chaves Filho.
6 O propósito da indução de um modelo preferencial de EaD foi apresentado por Celso Costa, então coordenador da implantação doPrograma Universidade Aberta do Brasil.
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assistência a estes de tutores presenciais e demais equipes de suporte e funcionamento
dos serviços vinculados aos espaços citados.
O posicionamento da SEED adotado no início de 2007 difere das posturas e das
políticas públicas apoiadas por esta Secretaria desde a sua instalação, em 1995. As
políticas públicas para a área da educação a distância tinham as suas pautas defnidas
pelo apoio à pesquisas e ao desenvolvimento tecnológico e científco de metodologias e
de tecnologias que pudessem ser utilizadas no país para promover a qualidade e a ampla
difusão da educação a distância. Foram contempladas tanto a criação de experiências-
piloto quanto a consolidação e o aperfeiçoamento contínuo de distintos modelos de
educação a distância, como só é próprio à atividade científca. Nas políticas públicas
anteriores ao ano de 2007, não se registra orientação pela criação ou implementação de
um modelo único ou mesmo preferencial pelo Governo Federal para a oferta de
educação superior a distância no Brasil. E, de fato, em 13 anos de educação superior a
distância, desde o lançamento do primeiro curso superior a distância, em 1994, o país
não apenas criou como consolidou os distintos e qualifcados cinco modelos para a
oferta de EAD.
Um ponto de infexão na discussão acerca da imposição de um modelo
preferencial por parte da Secretaria de Educação a Distância do MEC surgiu em
setembro de 2007, quando, pela primeira vez, o grau de qualidade alcançado pela EAD
no país pôde ser verifcado por diversos indicadores ofciais, com a publicação pelo
Instituto Nacional de Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (INEP) de um estudo
comparado entre o desempenho de alunos de cursos de graduação a distância e alunos
de cursos presenciais.
Um detalhamento dos resultados do ENADE nos anos de 2005 e 2006,
comparando o desempenho de alunos a distância e alunos do ensino presencial foi
sistematizado pelo professor Dilvo Ristoff, diretor de avaliação e estatísticas do ensino
superior do Instituto Nacional de Pesquisas e Estudos Educacionais Anísio Teixeira
(INEP)7. O estudo, publicado em setembro de 2007, apontou que o desempenho dos
alunos matriculados nos primeiros semestres de cursos de graduação a distância foi
superior em nove de 13 áreas avaliadas, comparativamente aos alunos de cursos
presenciais equivalentes. E, quando comparadas as notas obtidas de alunos matriculados
nas fases fnais dos cursos, a performance dos alunos a distância foi superior em sete das
7 Dilvo Ristoff atuou como diretor do INEP desde 2003 até o início de 2008.
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13 áreas submetidas aos exames, como registram os dois quadros a seguir. As setas na
coluna da direita apontam os cursos em que os alunos a distância obtiveram melhor
desempenho:
Quadro 2 – Alunos Ingressantes
CURSO PRESENCIAL A DISTÂNCIA
Administração 35,1 36,7
Biologia 30,4 32,8
Ciências Contábeis 33,3 32,6
Ciências Sociais 38,4 52,9
Filosofa 29,8 30,4
Física 30,6 39,6
Formação de Professores 41,0 41,2
Geografia 36,8 32,6
História 36,5 31,6
Letras 34,0 33,0
Matemática 29,8 34,0
Pedagogia 39,9 46,8
Turismo 43,1 52,3
Quadro 3 – Alunos Ingressantes e Concluentes
CURSO PRESENCIAL A DISTÂNCIA
Administração 37,7 38,0
Biologia 32,7 32,8
Ciências Contábeis 35,0 32,6
Ciências Sociais 41,2 52,9Filosofa 32,5 30,4
Física 32,5 39,6
Formação de Professores 42,8 41,2
Geografia 39,0 32,6
História 38,5 31,6
Letras 35,7 33,1
Matemática 31,7 34,2
Pedagogia 43,4 46,1
Turismo 46,3 85,3
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Ao divulgar os resultados, o professor Dilvo Ristoff destacou a importância
deles para contrapor com a evidência científca do INEP com a melhor performance dos
alunos a distância a todo um conjunto difuso de formulações do senso comum que
aludiam à EAD como uma formação de qualidade inferior:
“Apesar de inúmeras experiências bem-sucedidas em outros países, o
ensino a distância continua sob fogo cruzado no Brasil, com o argumento
de que vai piorar a qualidade. Alguns até reconhecem o seu efeito
democratizante, mas temem que traga ainda mais difculdades a um
sistema educacional com problemas. Os dois últimos Enades (2005 e
2006), no entanto, mostram que este temor é injustifcado”.8
9
Os resultados de uma aprendizagem equivalente ou mesmo superior na formação
por educação a distância, inequívoco na perspectiva da avaliação ofcial do Ministério daEducação e do órgão encarregado de proceder ao levantamento, o INEP, trouxeram para
a academia brasileira novos desafos para a pesquisa vinculada à área. Com a massa de
dados colocada à disposição do público torna-se possível investigar se a diferença de
performance estaria ou não vinculada aos diferentes fatores que distinguem os alunos da
educação presencial e da educação a distância. A base de dados do INEP permite
identifcar uma série de variáveis que podem ser correlacionadas para buscar a
compreensão do fenômeno.
Diversas hipóteses para se chegar ao entendimento do desempenho superior dos
alunos a distância foram colocadas. A exigência de autonomia e disciplina nos estudos
que se faz a distância, por exemplo, poderia ser um fator para a diferenciação. O uso de
conteúdos de aprendizagem previamente estruturados e organizados didaticamente em
distintas modelagens de educação a distância pode ser um fator diferenciador, defende,
por exemplo, Michael Moore, diretor e pesquisador de educação a distância na
PennState University, nos Estados Unidos. O próprio Dilvo Ristoff levantou como
possibilidade para entender o resultado favorável à EAD por um possível alinhamento
entre os conteúdos curriculares utilizados na EAD com as diretrizes curriculares
nacionais utilizadas como base para o planejamento das provas do ENADE, o que em
tese pode não ocorrer no ensino presencial em que o conteúdo indicado nas ementas não
necessariamente é cumprido integralmente em sala de aula. Os diferentes métodos ou
modelos utilizados na EAD, e as estratégias para o uso de distintas tecnologias na
8 Dilvo Ristoff. Entrevista ao jornal Folha de S. Paulo, publicada em 10 de setembro de 2007.
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modalidade podem também ser investigados para verifcar se são observadas
discrepâncias ou não na aprendizagem aferida.
Uma outra hipótese recorrentemente formulada levanta como premissa o fato de
que na educação a distância os alunos são mais velhos e que9, por uma possibilidade de
maior experiência profssional e de vida, estes, em tese, poderiam auferir resultados
melhores em exames, quando comparados com alunos mais jovens e que freqüentassem
na educação presencial cursos equivalentes10. Tal hipótese foi descartada a partir de
cruzamento dos resultados das notas dos alunos segmentados em faixas por idade,
agrupados nas categorias de ‘mais de 24 anos’ e ‘24 anos e menos’. O resultado
mostrou que independente da modalidade de ensino, a performance dos alunos mais
jovens é superior, como mostra a tabela a seguir:
Tabela 1 – Performance dos Alunos nas Modalidades de Ensino Presencial e a Distância
MAIS DE 24 ANOS 24 ANOS E MENOS ÁREA
Presencial Distância Presencial Distância
Administração 38,5 39,8 37,0 33,2
Biologia 31,6 30,5 33,1 38,7
Ciências Contábeis 31,1 28,5 29,6 25,0
Filosofa 32,9 30,0 32,1 33,4
Física 32,4 39,4 32,5 40,2Normal Superior 42,6 41,9 43,3 40,2
Geografia 36,8 32,7 39,9 29,9
História 38,3 34,4 38,6 36,0
Letras 35,1 32,9 36,3 35,6
Matemática 31,2 34,0 32,1 34,6
Pedagogia 43,8 46,0 42,5 48,4
Turismo 45,7 48,1 46,6 53,9
3. A EaD como inclusão social: O perfil socioeconômico dos alunos
Ainda na extração de dados fornecida pelo professor Dilvo Ristoff, a partir da
base de dados dos exames do ENADE em 2005 e 2006, constam características de
diferenciação socioeconômica entre os alunos dos cursos presenciais e dos cursos a
distância. Os dados mostraram que os alunos a distância são preponderantemente
9 Na Universidade do Sul de Santa Catarina, por exemplo, a média de idade dos alunos matriculados em cursos a distância no anode 2007 era de 34,8 anos, enquanto nos cursos presenciais da mesma instituição a média de idade fcava em 21,7 anos. 10
Hipótese formulada por João Vianney durante a primeira exposição do prof. Dilvo Ristoff com dados socioeconômicos dapesquisa do ENADE 2005-2006, em seminário na Universidade do Sul de Santa Catarina, em novembro de 2007. Os dados foramretrabalhados pelo prof. Dilvo Ristoff, que descartou a hipótese ao verifcar que os alunos mais jovens obtêm notas mais altas que osalunos mais velhos, tanto no ensino presencial quanto na educação a distância.
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casados, têm flhos, são menos brancos, mais pobres, contribuem em maior proporção
para o sustento da família, têm menos acesso à internet em casa e utilizam mais os
recursos da rede no ambiente do trabalho, e cursaram o ensino médio majoritariamente
em escolas públicas, e têm pai e mãe com menor escolaridade em relação aos alunos dos
cursos presenciais, como mostra a tabela a seguir.
Tabela 2 – Perfil Socioeconômico: Alunos a Distância X Alunos do Ensino Presencial
CRITÉRIO / INDICADOR ALUNO
POR EAD(EM %)
ALUNOPRESENCIAL
(EM %)
01 Percentual de alunos casados 52 19
02 Alunos com 2 ou mais flhos 44 11
03 Cor da pela branca 49 68
04 Renda familiar de até 3 salários mínimos 43 26
05Renda familiar acima de 10 saláriosmínimos
13 25
06 Trabalha e ajuda a sustentar a família 39 19
07 É a principal renda da família 23 07
08 Pai com ensino médio ou superior 18 51
09 Mãe com ensino médio ou superior 24 54
10 Tem acesso à internet 82 92
11 Usa o computador em casa 55 72
12 Usa o computador no trabalho 65 53
13 Estuda mais de 3 horas por semana 53 5114
Cursou o ensino médio em escolapública
67 51
15Cursou o ensino médio em escolaPrivada
15 33
Os indicadores do quadro anterior revelam o forte caráter inclusivo da educação
superior a distância no país. A simples confrontação entre os perfs socioeconômicos dos
alunos da EAD com os alunos do ensino presencial de cursos equivalentes comprova a
importância social desempenhada pelas instituições que implantaram cursos superiores
a distância no país. No fnal do ano de 2006 foi apresentada na Universidade Federal deSanta Catarina a primeira pesquisa sobre As Representações Sociais da Educação a
Distância no Brasil. O estudo foi realizado para descobrir como os alunos matriculados
em cursos de graduação a distância e em cursos presenciais conceituavam esta
modalidade de acordo com as suas próprias palavras, e não a partir de defnições ou
conceitos listados na bibliografa especializada11. O levantamento estudou 391
11
As Representações Sociais da Educação a Distância. Tese de doutorado defendida na Universidade Federal de Santa Catarina, no
Programa de Pós-Graduação Interdisciplinar em Ciências Humanas, por João Vianney, com orientação do prof. Dr. BrígidoCamargo. Texto na íntegra disponível em www.bu.ufsc.br.
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questionários com respostas livres registradas pelos alunos, de acordo com as
metodologias adequadas para um estudo das representações sociais a partir das teorias
desenvolvidas por Serge Moscovici e Jean Claude Abric. As defnições criadas pelos
estudantes foram sistematizadas e alinhadas nos pontos de maior concordância a partir
dos elementos de maior permanência nas frases, bem como a consideração dos mesmos
na estrutura das orações criadas pelos alunos.
As expressões de maior ocorrência para o grupo dos alunos de cursos a distância
foram: oportunidade; economia; fexibilidade (horário fexível); facilidade (de ingresso);
comodidade; e dedicação. O processamento dos dados obtidos possibilitou conhecer
qual era a representação social que os próprios alunos faziam da modalidade, com o
seguinte resultado:
“Estudar a distância é uma oportunidade econômica de ingressar no
ensino superior. Oferece fexibilidade pela facilidade de escolher os locais
e horários mais cômodos para estudar. Porém, exige dedicação por parte
do aluno”.
A mesma pesquisa processou os dados constantes nos questionários para formar
pares associados entre as expressões mais freqüentes, listando ainda os pontos de
contato entre as expressões que apareciam formando pares associados nas defnições
feitas pelos estudantes e os relacionamentos destas expressões com as outras que
surgiam com maior freqüência. Este processamento resulta numa visualização dos
principais pares associados que se apresentavam nas formulações feitas pelos próprios
alunos, mostrando os principais eixos de relacionamento entre as expressões que
identifcavam os elementos estruturantes das representações sociais da educação a
distância. A imagem resultante está na fgura a seguir:
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A amostra utilizada para esta pesquisa de representações socais apresentava
ainda indicadores distintos para os perfs dos alunos de cursos a distância e dos alunos de
cursos presenciais. A média de idade entre os alunos a distância era superior em quase
dez anos em relação aos alunos do ensino presencial, reiterando na amostra a
característica clássica da EAD como um produto direcionado para o atendimento
universitário de parcelas da população adulta, como mostra a tabela a seguir:
Tabela 3 – Caracterização dos Perfis de Alunos de Cursos presenciais e de cursos adistância
SEXO EXPERIÊNCIA
ANTERIOREM EAD AMOSTRA E VARIÁVEIS DESCRITIVAS:
NúmeroMédia
de idade
Masc. Fem. Sim Não
Alunos de cursosa distância
20133,94anos
70,87% 29,13% 27,25% 72,75%
Alunos de cursospresenciais
19524,27anos
49,84% 50,14% 17,45% 82,55%
FONTE: Dados da amostra utilizada para a pesquisa As Representações Sociais da Educação a Distância.Op. Cit.
A identidade entre as informações apuradas na pesquisa As Representações
Sociais da Educação a Distância em relação à maneira como os alunos descreviam as
características de fexibilidade e economia da modalidade, e da necessidade de dedicação
para se alcançar os objetivos, e os resultados obtidos pelos levantamentos do ENADE
nos anos de 2005 e de 2006, pode ser visualizada ainda com a observação sobre como
os alunos matriculados nos cursos de EAD avaliados pelo Ministério da Educação
valoraram com indicadores superiores critérios que indicam a qualidade acadêmica dos
programas em que estavam matriculados. Eles apontaram com notas superiores que os
seus colegas de cursos presenciais o atendimento extraclasse oferecido pelos professores
dos cursos; valoraram positivamente, em escores superiores, a vinculação das
disciplinas com os currículos dos cursos, e também a pertinência dos conteúdos
essenciais que deveriam ser estudados, como mostra a tabela a seguir:
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Tabela 4 – Perfil Acadêmico: Alunos a Distância x Alunos do Ensino Presencial
CRITÉRIO / INDICADOR ALUNO
POR EAD. (EM %)
ALUNOPRESENCIAL.
(EM %)
01Existe vinculação entre as disciplinase o currículo do curso
66,9 51,1
02Atendimento extraclasse pelosprofessores
50,1 16,9
03Conteúdos essenciais constam dosplanos de ensino
73,1 54,5
4. Conclusão Em síntese, para um exercício de compreensão do fenômeno da expansão da
educação superior a distância no Brasil não são sufcientes em si as análises que
contemplam apenas o caráter de inclusão social de camadas menos favorecidas
economicamente, bem como não são sufcientes análises que possam apontar para o
fenômeno da interiorização do ensino superior pela EAD, ou do mérito acadêmico
conquistado pelos alunos nos exames do ENADE. O fenômeno é amplo e de múltiplas
facetas passíveis de análise, pois os alunos evidenciaram na representação social
apurada que estão cientes das oportunidades logísticas e de fexibilidade que a
modalidade oferece, bem como destacam o fator econômico favorável à compra desta
modalidade de ensino e as difculdades que enfrentam para vencer as necessidades de
aprendizagem, com uma exigência de dedicação especial.
Em conclusão, a partir da observação do cenário internacional e dos indicadores
coletados no Brasil, é possível afrmar que não foram encontradas evidências de
qualquer ordem que pudessem dar sustentação à proposta de indução de um modelo
único de educação a distância para o País. Tal proposição é tão-somente inibidora do
crescimento da modalidade da EAD na geração dos comprovados benefícios em
inclusão social e disseminação de competências universitárias com uma aprendizagem
de qualidade.
A tentativa de se induzir um modelo semipresencial para a EAD no país é
inconstitucional porque contrária ao dispositivo da Carta Magna de que a educação se
faz com pluralidade de idéias e de métodos. E é uma ameaça, e não uma oportunidade,
para o desenvolvimento do progresso da ciência da educação e da tecnologia aplicada à
educação no País.
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A tentativa de redefnir a educação a distância para uma modalidade
semipresencial é a negação da natureza própria do objeto, e para a qual não se apresenta
como sufciente substituir nominalmente a conceituação ou uma denominação legal, por
imposição.
5. Referências
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