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POLÍCIA MILITAR DE SANTA CATARINA UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ DIRETORIA DE INSTRUÇÃO E ENSINO CENTRO DE ENSINO DE BIGUAÇU CURSO DE GRADUAÇÃO EM SEGURANÇA PÚBLICA A APLICAÇÃO DA LEI DE ABUSO DE AUTORIDADE NO ÂMBITO ADMINISTRATIVO DA POLÍCIA MILITAR DE SANTA CATARINA FELIPE AUGUSTO DE JESUS FLORIANÓPOLIS 2009

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POLÍCIA MILITAR DE SANTA CATARINA UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ

DIRETORIA DE INSTRUÇÃO E ENSINO CENTRO DE ENSINO DE BIGUAÇU

CURSO DE GRADUAÇÃO EM SEGURANÇA PÚBLICA

A APLICAÇÃO DA LEI DE ABUSO DE AUTORIDADE NO ÂMBITO

ADMINISTRATIVO DA POLÍCIA MILITAR DE SANTA CATARINA

FELIPE AUGUSTO DE JESUS

FLORIANÓPOLIS

2009

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FELIPE AUGUSTO DE JESUS

A APLICAÇÃO DA LEI DE ABUSO DE AUTORIDADE NO ÂMBITO

ADMINISTRATIVO DA POLÍCIA MILITAR DE SANTA CATARINA

Trabalho de Conclusão de Curso apresentado como

requisito parcial para obtenção do grau de Bacharel em

Segurança Pública da Universidade do Vale do Itajaí.

Professor Orientador: Sancler Adilson Alves .

Florianópolis

2009

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FELIPE AUGUSTO DE JESUS

A APLICAÇÃO DA LEI DE ABUSO DE AUTORIDADE NO ÂMBITO

ADMINISTRATIVO DA POLÍCIA MILITAR DE SANTA CATARINA

Este Trabalho de Conclusão de Curso foi julgado adequado e aprovado em sua forma

final pela Coordenação do Curso de Segurança Pública da Universidade do Vale do

Itajaí, em 24 de junho de 2009.

_________________________________________________ Prof. Msc. Moacir José Serpa

Univali – CE Florianópolis Coordenador do Curso

Banca Examinadora:

Prof. Esp. Cap PM Sancler Adilson Alves

Univali – CE Florianópolis Professor Orientador

Prof. Esp. Maj PM Adilson Luiz da Silva

Univali – CE Florianópolis Membro

Prof. Esp. 1º Ten PM Carlsbad Von Knoblauch CEUSCI - PMSC

Membro

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3

Dedico este trabalho a minha mãe Rosely, ao

meu pai Mário e a minha irmã Fernanda,

alicerces da minha vida.

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AGRADECIMENTOS

A Deus, por proteger a todos aqueles que amo,

pois sem eles eu nada seria;

A PMSC, que possibilitou a minha formação acadêmica e profissional;

Ao meu orientador, pela maestria na indicação dos

rumos a seguir;

A minha família, que nunca mediu esforços para me ajudar;

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EPÍGRAFE

Todas as pessoas nascem livres e iguais em dignidade

e direitos. São dotadas de razão e consciência e devem

agir em relação umas às outras com espírito de

fraternidade. (Artigo 1º da Declaração Universal dos

Direitos Humanos).

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RESUMO

A presente pesquisa aborda a atividade policial militar frente a Lei no 4.898/65, que trata dos crimes de abuso de autoridade, no qual o agente poderá ser responsabilizado administrativa, civil e penalmente. Enfatizou-se a responsabilidade administrativa, pois

esta serve como um controle para a administração miliciana para reprimir condutas inaceitáveis daqueles profissionais que tem o dever de zelar pelos cidadãos. Como

sabemos, o serviço policial militar, não raras vezes, exige uma intervenção enérgica e em alguns casos até mesmo com o uso da força para resolução de conflitos, contudo, isto não pode significar que seus agentes utilizem dessa autorização para cometer as

mais diversas arbitrariedades. O abuso, independentemente de sua forma, é reprovável e inadmissível no Estado Democrático de Direito, uma vez que diversas das condutas

descritas na Lei são afrontas a direitos e garantias fundamentais previstas na Constituição da República. Não obstante, essa série de direitos destinados aos cidadãos não são absolutos e por isso mesmo permitem a atuação policial militar dentro

da legalidade para a preservação da ordem pública. Para falar a respeito de abuso de autoridade, é necessário abordar os direitos e garantias fundamentais, fazendo sua

diferenciação, mostrando a história em gerações dos direitos fundamentais, bem como seus limites. Além disso, realizou-se uma caracterização dos crimes mais intimamente ligados a atividade policial militar e demonstrando aos policiais militares sua sujeição

através das três esferas distintas de responsabilidades. Foi definido o que vem a ser mérito administrativo, haja vista ser inerente aos atos administrativos discricionários,

estes representando as punições da administração militar. Visto, por fim, o controle desses atos pelo judiciário e a legalidade da aplicação das sanções administrativas previstas na Lei 4.898/65 pela autoridade policial militar.

Palavras-chave: Abuso de autoridade, sanção administrativa, ato administrativo.

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ABSTRACT

The present research approaches the military police activity front the Law nº 4.898/65,

that it deals with the crimes of abuse of authority, in which the agent could be made

responsible administratively, civilly and criminally. It was emphasized the administrative

responsibility, because it serves as a control for the military administration to repress

unacceptable behaviors of those professionals whom the duty has to watch over for the

citizens. As we know, the military police service, often, requires an energetic intervention

and in some cases even though with the use of the force for conflicts resolutions,

however, this cannot mean that its agents use of this authorization to commit the most

diverse arbitrariness. The abuse, regardless of its form,it is reprehensible and

unacceptable in a Law Democratic State, once that diverse described behaviors in the

Law are affront to fundamental rights and guarantees foreseen in the Republic

Constitution. However, this series of rights destined to the citizens are not absolute and

therefore allows the military police acting within the law to preserve public order. To talk

about abuse of authority, it is necessary to approach the fundamental rights and

guarantees, making their differentiation, showing the history in generations of the

fundamental rights, as well as its limits. Besides, it was accomplished a characterization

of the crimes most closely associated with military police activity and demonstrating to

the military policemen their subjection through the three distinct spheres of

responsibilities. It was defined what it comes to be administrative merit, has seen to be

inherent to the discretionary administrative acts, these representing the punishments of

the military administration. Accept, finally, control of such acts by the judiciary and the

legality of the application of administrative sanctions foreseen in the Law 4.898/65 by

the military police authority.

Key words: Abuse of authority, administrative sanction, administrative act.

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LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS

CC – Código Civil CP – Código Penal CPM – Código Penal Militar

CPPM – Código de Processo Penal Militar CPP – Código de Processo Penal

CR – Constituição da República Dec. – Decreto PM – Polícia Militar

PMSC – Polícia Militar de Santa Catarina RDPMSC – Regulamento Disciplinar da Polícia Militar de Santa Catarina

STJ – Superior Tribunal de Justiça STF – Supremo Tribunal Federal

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SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO ......................................................................................................................... 11

1.1 TEMA...................................................................................................................................... 12

1.2 PROBLEMA DE PESQUISA .............................................................................................. 12

1.3 OBJETIVOS .......................................................................................................................... 12

1.3.1 Objetivo Geral .................................................................................................................. 12

1.3.2 Objetivos Específicos .................................................................................................... 12

1.4 JUSTIFICATIVA.................................................................................................................... 13

1.5 APRESENTAÇÃO GERAL DO TRABALHO ................................................................... 14

2 FUNDAMENTOS METODOLÓGICOS ................................................................................ 16

2.1 MÉTODO ............................................................................................................................... 16

2.2 PESQUISA ............................................................................................................................ 17

2.3 TIPO DE PESQUISA ........................................................................................................... 17

2.4 TÉCNICAS DE PESQUISA ................................................................................................ 18

2.5 COLETA E ANÁLISE DOS DADOS .................................................................................. 20

3 OS DIREITOS FUNDAMENTAIS FRENTE AO ABUSO DE AUTORIDADE ............... 22

3.1 DIREITOS E GARANTIAS FUNDAMENTAIS ................................................................. 22

3.2 GERAÇÕES DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS............................................................ 25

3.2.1 Direitos fundamentais de primeira geração ............................................................ 26

3.2.2 Direitos fundamentais de segunda geração............................................................ 27

3.2.3 Direitos fundamentais de terceira geração.............................................................. 28

3.2.4 Direitos fundamentais de quarta geração................................................................ 30

3.3 LIMITES DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS................................................................... 31

4 A LEI DE ABUSO DE AUTORIDADE ................................................................................. 34

4.1 CONCEITO DE AUTORIDADE.......................................................................................... 34

4.2 A TUTELA JURÍDICA DA LEI DE ABUSO DE AUTORIDADE .................................... 37

4.3 AS CONDUTAS TIPIFICADAS NA LEI DE ABUSO DE AUTORIDADE .................... 38

4.3.1 Atentado à liberdade de locomoção .......................................................................... 40

4.3.2 Atentado à inviolabilidade do domicílio ................................................................... 41

4.3.3 Atentado à incolumidade física do indivíduo.......................................................... 45

4.3.4 Submissão a vexame ou constrangimento ............................................................. 47

5 A APLICAÇÃO DA LEI DE ABUSO DE AUTORIDADE PELA AUTORIDADE POLICIAL MILITAR NO ÂMBITO ADMINISTRATIVO ........................................................ 49

5.1 A TRÍPLICE RESPONSABILIDADE ................................................................................. 49

5.1.1 Responsabilidade Penal ............................................................................................... 50

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5.1.2 Responsabilidade Civil.................................................................................................. 52

5.1.3 Responsabilidade Administrativa .............................................................................. 54

5.2 PODER DISCIPLINAR ........................................................................................................ 57

5.3 COMPETÊNCIA E ATRIBUIÇÃO COMO REQUISITO DO ATO ADMINISTRATIVO ....................................................................................................................................................... 59

5.3.1 Distinção entre competência e atribuição ............................................................... 61

5.3.2 Competência administrativa ........................................................................................ 62

5.4 A AUTORIDADE POLICIAL MILITAR FRENTE A SANÇÃO ADMINISTRATIVA DA

LEI DE ABUSO DE AUTORIDADE.......................................................................................... 63

5.4.1 Definição de Autoridade Policial Militar ................................................................... 64

5.4.2 Procedimentos da Autoridade Policial Militar para apuração da infração administrativa prevista na Lei de abuso de autoridade ................................................. 65

5.4.3 Atribuição da Autoridade Policial Militar para aplicar as sanções

administrativas da Lei de abuso de autoridade ............................................................... 68

6 CONSIDERAÇÕES FINAIS .................................................................................................. 74 7 REFERÊNCIAS ....................................................................................................................... 81 ANEXO I ....................................................................................................................................... 87

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1 INTRODUÇÃO

Tomando por base os primórdios da humanidade, o Estado, ficção jurídica, surge

com a formação dos grupos humanos, que tinham como finalidade garantir a

sobrevivência de cada membro desse bando. Dessa forma, originam-se os

agrupamentos sociais que mais tarde formariam a sociedade moderna, sendo que a

segurança representou uma das causas mais importantes para essa união. Ocorre que

para a formação desse ente abstrato, cada indivíduo cedeu parte de sua liberdade

natural. Surge, pois, um pacto de convivência pacífica, a ser monitorada exatamente

pelo Estado.

Acontece, entretanto, que o Estado, não pode agir senão por pessoas por ele

escolhidas, o que indiretamente significa também escolhidas pelo grupo que assentiu

no pacto social. Nasce dessa escolha o conceito embrionário de autoridade,

significando, em sua forma elementar, um poder de fiscalização do corpo social, em

nome da escolha do Estado, ou seja, uma outorga que se origina do próprio corpo

social.

Assim, as autoridades constituídas, de um modo geral, têm sentido e se

conscientizado da nobre tarefa que lhes tem sido posta às mãos pela sociedade, que os

poderes que lhes são delegados assim o são para a proteção e resguardo dos

interesses da própria sociedade delegante e não para os seus próprios. Nada obstante,

e infelizmente diga-se, muitos ainda recalcitram nesta nefasta prática que a todos

repugna: da truculência gratuita, das prisões canhestras, da carteirada fácil e outras

condutas tantas que ainda pululam no país e que reclamam efetivo combate por parte

de todos. O abuso, em quaisquer de suas formas, é inaceitável e intolerável num país

que se pretenda democrático e defensor das garantias individuais.

Este trabalho trará à discussão a Lei nº 4.898, de 9 de dezembro de 1965, que

regula o direito de representação e o processo de responsabilidade administrativa, civil

e penal, contra as autoridades que, no exercício de suas funções, cometerem abusos,

com enfoque na aplicação da sanção administrativa pela Autoridade Policial Militar. O

atendimento às ocorrências policiais pode gerar a possibilidade do cometimento de

abusos por parte dos policiais, na qual a autoridade militar que, ciente de

irregularidades cometidas por um subordinado, tem o dever funcional de agir.

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Destaca-se de antemão uma impropriedade na denominação abuso de

autoridade, sendo o correto abuso de poder, pois este trata das relações dos agentes

públicos com particulares, já aquele está mais afeto as relações privadas.

1.1 TEMA

A aplicação da Lei de abuso de autoridade no âmbito administrativo da Polícia

Militar de Santa Catarina.

1.2 PROBLEMA DE PESQUISA

Considerando o grande número de policiais militares respondendo processos por

abuso de autoridade e que a incidência na Lei que trata deste assunto sujeita o infrator

a sanções na esfera administrativa, civil e penal, elabora-se o seguinte problema de

pesquisa: É aplicável a Lei de abuso de autoridade no âmbito administrativo da Polícia

Militar de Santa Catarina?

1.3 OBJETIVOS

1.3.1 Objetivo Geral

Analisar a aplicação da Lei de abuso de autoridade no âmbito administrativo da

Polícia Militar de Santa Catarina.

1.3.2 Objetivos Específicos

Descrever a história dos Direitos Fundamentais;

Definir Autoridade Policial Militar;

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Conceituar abuso de poder;

Verificar os bens juridicamente tutelados pela Lei de Abuso de Autoridade;

Apontar as condutas que podem gerar responsabilidade aos policiais militares

pelo cometimento de abusos de autoridade no exercício de suas atividades;

Analisar a responsabilidade administrativa a que está sujeita a autoridade que

incidir na Lei nº 4.898/65;

Identificar os requisitos para a aplicação da sanção administrativa pela

Autoridade Policial Militar.

1.4 JUSTIFICATIVA

A lei de abuso de autoridade sanciona condutas praticadas por agentes públicos

que afrontam direitos e garantias fundamentais do cidadão, assegurados

constitucionalmente. Portanto, basta tal constatação para perceber a importância

extrema da lei que ora se analisa para a sociedade, uma vez que esse preceito legal

reflete o resultado de séculos de lutas entre a liberdade e o poder, entre o indivíduo e o

Estado.

Assim, o policial que incidir na lei poderá ser responsabilizado administrativa, civil

e penalmente, já que essas esferas são autônomas e independentes de seus

resultados. A relevância do presente trabalho na vida do acadêmico está em pesquisar

sobre algo que possibilitará uma aplicação prática na profissão que se pretende

exercer, bem como trata de um assunto ainda envolto numa penumbra dentro das

Corporações Militares e fora delas, haja vista que a própria Lei de Abuso de Autoridade

trata da aplicação das sanções administrativas, mas não menciona de maneira clara

como se deve proceder a este respeito.

Não raras vezes, a atividade policial se destaca pela atuação arbitrária e

truculenta de alguns de seus agentes, maculando a imagem da instituição e de seus

integrantes. Dessa forma, a lei em comento é essencial para a Polícia Militar, pois veio

servir como mais uma ferramenta no controle interno da corporação miliciana para

reprimir condutas inaceitáveis daqueles profissionais que tem o dever de zelar pelos

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cidadãos num Estado Democrático de Direito, pois o respeito aos direitos fundamentais

do indivíduo deve ser o ponto de partida para o exercício desta missão.

Não obstante, o presente estudo também se faz importante para Polícia Militar

na medida em que a instituição não pode estar exposta ao risco de cometer, no âmbito

de sua própria administração, arbitrariedade, fazendo aplicar um instituto que, em tese,

pode não ser de sua competência, ou então, deixar de aplicar um instituto que teria o

condão de conter condutas abusivas de policiais militares que pudesse vir a depor

contra os princípios institucionais.

1.5 APRESENTAÇÃO GERAL DO TRABALHO

O presente trabalho está estruturado em sete capítulos com o intuito de introduzir

o conteúdo de uma forma didática possibilitando facilitar a compreensão do tema

proposto. Com essa finalidade, num primeiro momento apresenta-se o capítulo

introdutório com destaque para o problema de pesquisa, os objetivos geral e específico

dessa pesquisa e sua justificativa.

A metodologia utilizada para atingir os objetivos desta pesquisa é apresentada

no segundo capítulo.

O terceiro capítulo aborda os direitos e garantias fundamentais, realizando-se a

diferenciação entre eles, pois muitas vezes esses termos são usados como sinônimos.

Feito isso, apresenta-se a história em gerações dos direitos fundamentais e seus

limites. A importância desse capítulo está que diversas condutas descritas na Lei de

abuso de autoridade são afrontas a esses dispositivos constitucionais.

É no quarto capítulo que se adentrará especificamente na Lei de abuso de

autoridade, definindo o conceito de autoridade e demonstrando a dupla objetividade

jurídica da lei, qual seja, o interesse ao normal funcionamento da administração pública

e a plena proteção aos direitos e garantias fundamentais. Em seguida, são

caracterizados os crimes que tenham uma relação mais próxima à atividade policial

militar.

Considerando que o indivíduo que incidir na Lei de abuso de autoridade poderá

ser responsabilizado administrativa, civi l e penalmente , é de extrema relevância que no

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capítulo quinto estudar-se-á as três esferas de responsabilização, haja vista serem

essas instâncias independentes, não sendo necessário aguardar a decisão de uma

para iniciar o processo em outra. Como os instrumentos internos aptos a punir o policial

que infrinja as normas de funcionamento do serviço policial militar decorrem dos

poderes hierárquico e disciplinar, é realizado um breve comentário sobre este.

Sabido que Administração Pública exterioriza sua função executiva através de

atos administrativos, foi conceituado o que vem a ser um ato administrativo e

mencionado seus requisitos – competência, forma, objeto, motivo e finalidade – para

que seja válido e eficaz. No entanto, pormenorizou-se apenas o requisito competência,

pois para a prática do ato administrativo ela é a condição primeira de sua validade. Em

seguida, realizou-se a distinção entre competência e atribuição, haja vista serem tais

expressões normalmente utilizadas como sinônimos.

Foi definido quem é a autoridade policial militar competente para instauração do

processo administrativo disciplinar para apurar possíveis faltas funcionais, bem como

apresentado os procedimentos dessa apuração, já que os crimes de abuso de

autoridade se aproveitam da forma de processamento administrativo dos estatutos a

que estão sujeitos os funcionários públicos.

Por fim, momento em que se enfatizou o conteúdo específico do estudo em

questão, analisando a possibilidade da aplicação das sanções administrativas previstas

na Lei de abuso de autoridade pela autoridade policial militar.

No capítulo sexto, levantou-se algumas considerações a respeito do tema abuso

de autoridade, com a intenção de verificar se os objetivos da pesquisa foram

alcançados e, no sétimo e último capítulo serão apresentadas as referências que deram

fundamento ao estudo.

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2 FUNDAMENTOS METODOLÓGICOS

A fim de obter respostas para o problema de pesquisa, busca-se obedecer a um

elenco de etapas metodológicas, que serão apresentadas neste capítulo, necessárias

ao desenvolvimento da presente pesquisa, alcançando-se assim os objetivos

propostos. Sobre estes, Fachin (2001, p. 113) explica que “[...] indicam o que se

pretende conhecer, medir, ou provar no decorrer da investigação.”

2.1 MÉTODO

Em sentido amplo, método em pesquisas, independente do seu tipo, é a escolha

de procedimentos sistemáticos para descrição e explicação do estudo. Porém, o

desenvolvimento de uma pesquisa não precisa ficar vinculado somente com um

método, podendo aparecer outras formas. (FACHIN, 2001).

Conceituando método, as autoras Marconi e Lakatos (2006, p. 83) afirmam que

“é o conjunto das atividades sistemáticas e racionais que, com maior segurança e

economia, permite alcançar o objetivo – conhecimentos válidos e verdadeiros –

traçando o caminho a ser seguido, detectando erros e auxiliando as decisões do

cientista.”

A técnica de raciocínio a ser empregada na presente pesquisa será do método

indutivo, onde de acordo com Marconi e Lakatos (2006, p. 86):

Indução é um processo mental por intermédio do qual, partindo de dados particulares, suficientemente constatados, infere -se uma verdade geral ou universal, não contida nas partes examinadas. Portanto, o objetivo dos

argumentos indutivos é levar a conclusões cujo conteúdo é muito mais amplo do que o das premissas nas quais se basearam.

Portanto, de uma forma mais breve Gil (1999) informa que tal método parte do

particular e coloca a generalização como produto posterior do trabalho de coleta de

dados particulares.

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2.2 PESQUISA

Buscando esclarecer o que vem a ser atividade de pesquisa, Fachin (2001, p.

123) diz que “pesquisa é um procedimento intelectual para adquirir conhecimentos pela

investigação de uma realidade e busca de novas verdades sobre um fato (objeto,

problema).” Na mesma página a autora reza que “com base em métodos adequados e

técnicas apropriadas, o pesquisador busca conhecimentos específicos, respostas ou

soluções para o problema estudado.”

Nesse sentido, Gil (2002, p. 17) define pesquisa como “procedimento racional e

sistemático que tem como objetivo proporcionar respostas aos problemas que são

propostos.” Acrescenta ainda que “a pesquisa é desenvolvida mediante o concurso dos

conhecimentos disponíveis e a utilização cuidadosa de métodos, técnicas e outros

procedimentos científicos.”

Trazendo à tona os ensinamentos de Lakatos e Marconi (1987, p. 44), que ao

analisarem o conceito de pesquisa afirmam que “pode ser considerada um

procedimento formal com método de pensamento reflexivo que requer um tratamento

científico e se constitui no caminho para descobrir verdades parciais.” Não obstante,

ressalta que representa muito mais do que procurar tão somente à verdade, pois

consiste em encontrar respostas para questões propostas, utilizando métodos

científicos.

2.3 TIPO DE PESQUISA

Visando alcançar os objetivos do trabalho, será realizada uma pesquisa

exploratória, julgando-se aquela que:

[...] têm como objetivo proporcionar maior familiaridade com o problema, com vistas a torná-lo mais explícito ou a constituir hipóteses. Pode-se dizer que estas pesquisas têm como objetivo principal o aprimoramento de idéias ou a descoberta de intuições. Seu planejamento é, portanto, bastante flexível, de modo que possibilite a consideração dos mais variados aspectos relativos ao fato estudado. (GIL, 2002, p. 41).

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A pesquisa exploratória “é realizada especialmente quando o tema escolhido é

pouco explorado e torna-se difícil sobre ele formular hipóteses precisas e

operacionalizáveis.” (GIL, 1996, p. 43).

2.4 TÉCNICAS DE PESQUISA

Antes de se discutir qual técnica será utilizada na pesquisa, é importante

ressaltar que “técnica é um conjunto diferenciado de informações, reunidas e acionadas

em forma instrumental, para realizar operações intelectuais ou físicas, sob o comando

de uma ou mais bases lógicas investigatórias.” (PASOLD, 2000, p. 86).

Portanto, não se pode confundir o método com a técnica, o primeiro, é a base

lógica sobre a qual irá se desenvolver a pesquisa. A segunda é o instrumento, o meio

que irá ser utilizado para realizar a busca de conhecimentos da pesquisa científica, com

o intuito de ajudar na utilização do método.

Quanto ao método e a técnica de pesquisa, Fachin (2001, p. 29) ensina que:

Vale a pena salientar que métodos e técnicas se relacionam, mas são distintos. O método é um plano de ação, formado por conjunto de etapas ordenadamente dispostas, destinadas a realizar e antecipar uma atividade na busca de uma

realidade, enquanto a técnica está ligada ao modo de realizar a atividade de forma mais hábil, mais perfeita. O primei ro está relacionado à estratégia e o segundo à tática. Para melhor entendimento sobre a distinção entre método e

técnica, o método refere-se ao atendimento de um objetivo, enquanto a técnica operacionaliza o método.

Realizada a distinção entre o método e a técnica de pesquisa, as técnicas de

pesquisa a serem empregadas são do tipo bibliográfica e documental.

Pesquisa Bibliográfica é definida por Fachin (2001, p. 125) como:

[...] conjunto de conhecimentos humanos reunidos em obras. Tem como base fundamental conduzir o leitor a determinado assunto e a produção, coleção, armazenamento, reprodução, utilização e a comunicação das informações

coletadas para o desempenho da pesquisa.

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Neste mesmo caminho, Marconi e Lakatos (2006, p.185) explicam que a

pesquisa bibliográfica diz respeito a:

[...] toda bibliografia já tornada pública em relação ao tema de estudo, desde

publicações avulsas, boletins, jornais, revistas, livros, pesquisas, monografias, teses, material cartográfico etc., até meios de comunicação orais: rádio, gravações em fita magnética e audiovisuais: filmes e televisão. Sua finalidade é

colocar o pesquisador em contato direto com tudo o que foi escrito, dito ou filmado sobre determinado assunto, [...].

Contudo, ressaltam as autoras que a pesquisa bibliográfica “não é mera

repetição do que já foi dito ou escrito sobre certo assunto, mas propícia o exame de um

tema sob novo enfoque ou abordagem, chegando a conclusões inovadoras.”

(MARCONI e LAKATOS, 2006, p. 185).

Com relação à pesquisa documental, embora seja semelhante à pesquisa

bibliográfica, Gil (2002, p.45) explica que a diferença essencial entre ambas está na

natureza das fontes:

Enquanto a pesquisa bibliográfica se utiliza fundamentalmente das contribuições dos diversos autores sobre determinado assunto, a pesquisa

documental vale-se de materiais que não recebem ainda um tratamento analítico, ou que ainda podem ser reelaborados de acordo com os objetos da pesquisa.

A característica da pesquisa documental, segundo Marconi e Lakatos (2006, p.

176), “é que a fonte de coleta de dados está restrita a documentos, escritos ou não,

constituindo o que se denomina de fontes primárias, [...]” referindo-se “[...] a

documentos de arquivos públicos em geral, como documentos oficiais e publicações

parlamentares; arquivos particulares, isto é, domiciliares; fontes estatísticas;

documentos jurídicos etc.” (MARCONI, 2001, p. 56).

Dessa forma, com base nas fontes bibliográficas e documentais é que se

desenvolverá todo o delineamento teórico do trabalho, bem como, procurar-se-á obter

respostas da competência da autoridade policial militar para a aplicação da Lei de

Abuso de Autoridade.

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2.5 COLETA E ANÁLISE DOS DADOS

A coleta dos dados será realizada por meio das fichas bibliográficas e das fichas

de citações do material bibliográfico e documental estudados, buscando organizar e

facilitar a procura de apontamentos ou citações já pesquisadas. Fichas bibliográficas,

segundo Marconi (2001, p. 61):

[...] refere-se à indicação de toda referência bibliográfica relativa a determinado texto (legislação, jurisprudência, regulamentos, doutrina etc.) pontuando o campo do saber que é abordado, os problemas significativos tratados, as

conclusões alcançadas, as contribuições especiais em relação ao assunto do trabalho, as fontes dos dados e os métodos de abordagem e dos procedimentos utilizados pelo autor.

Já fichas de citações consistem “na reprodução fiel de frases ou sentenças

consideradas relevantes ao estudo em pauta.” (MARCONI e LAKATOS, 2006, p. 57).

Nesse sentido, as autoras ensinam que:

Para o pesquisador, a ficha é um instrumento de trabalho imprescindível. Como o investigador manipula o material bibliográfico, que em sua maior parte não lhe

pertence, as fichas permitem: a) identificar as obras; b) conhecer seu conteúdo; c) fazer citações; d) analisar o material; e) elaborar críticas. (MARCONI e LAKATOS E, 2006, p. 49 - 50).

Após a coleta e organização dos dados, estes serão objetos de análises e

interpretações, permitindo-se correlacionar os preceitos legais e os pensamentos dos

doutrinadores, respondendo, assim, o problema proposto nesta pesquisa.

Marconi (2001, p. 64) diz que “a análise de dados é realizada após a coleta de

dados, quando o pesquisador lança mão da crítica, procurando interpretar bem o

pensamento do autor. Por isso, é importante a compreensão e o entendimento dos

fatos.”

Seguindo esse entendimento, Pasold (2005, p. 228) conceitua a análise como:

[...] apreciação fundamentada sobre o conteúdo examinado, tendo como desiderato uma crítica cientificamente responsável, ou seja, logicamente

coerente com a fundamentação do exame efetuado; a crítica pode, obviamente,

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ser positiva e/ou negativa, e incidir sobre o todo ou partes do conteúdo em

questão.

Segundo Marconi e Lakatos (2006, p. 170), a interpretação dos dados obtidos

por meio da pesquisa:

É a atividade intelectual que procura dar um significado mais amplo às respostas, vinculando-as a outros conhecimentos. Em geral, a interpretação

significa a exposição do verdadeiro significado do material apresentado, em relação aos objetivos propostos e ao tema. Esclarece não só o significado do material, mas também faz ilações mais amplas dos dados discutidos.

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3 OS DIREITOS FUNDAMENTAIS FRENTE AO ABUSO DE AUTORIDADE

Algumas condutas tuteladas pela Lei de abuso de autoridade assemelham-se as

declarações dos direitos do Homem, que protegem também a liberdade de locomoção,

o sigilo de correspondência, a inviolabilidade de domicílio, a incolumidade física e

outros valores consagrados constitucionalmente. Assim, para melhor compreensão do

trabalho é relevante primeiramente fazer a distinção entre direitos e garantias

fundamentais, termos muitas vezes empregados erroneamente como sinônimos, e

posteriormente apresentar a evolução dos direitos fundamentais.

3.1 DIREITOS E GARANTIAS FUNDAMENTAIS

Direitos fundamentais representam um conjunto de normas, princípios,

prerrogativas, deveres e institutos inerentes à soberania popular, assegurando a

convivência pacífica, digna, livre e igualitária, independentemente de credo, raça,

origem, cor, condição econômica ou status social. Dessa forma, pode-se afirmar que

com a ausência dos direitos fundamentais, o homem não vive, não convive, e, em

alguns casos, não sobrevive. (BULOS, 2007).

Buscando esclarecer a distinção entre direitos e garantias fundamentais,

Bonavides refere-se a direito como “a faculdade reconhecida, natural, ou legal, de

praticar ou não praticar certos atos.” (BARBOSA, apud BONAVIDES, 2001, p. 483-484).

Prosseguindo, diz que “garantia ou segurança de um direito, é o requisito de legalidade,

que o defende contra a ameaça de certas classes de atentados de ocorrência mais ou

menos fácil.”

A existência da garantia se justifica em decorrência de um interesse que

demanda proteção e de um perigo que se deve afastar. As dificuldades aparecem

quando a expressão é empregada na esfera política e jurídica, assumindo, fora do

significado técnico, uma dimensão conceitual, de cunho axiológico, fixando-se aos

valores da liberdade e da personalidade como instrumento de sua proteção.

(BONAVIDES, 2001).

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Em relação a garantia, que é um meio de defesa, esta se coloca então diante do

direito, mas com este não se deve confundir. (BONAVIDES, 2001).

Versando sobre latitude do instituto, Moraes (2007, p. 28-29) assim prescreve:

As garantias traduzem-se quer no direito dos cidadãos a exigir dos poderes públicos a proteção dos seus direitos, quer no reconhecimento de meios processuais adequados a essa finalidade (exemplo: direito de acesso aos

tribunais para defesa dos direitos, princ ípios do nullum crimen sine lege e nulla poena sine crimen, direito de habeas corpus, princ ípio do non bis in idem).

Ressalta Moraes que a mesma diferenciação faz Jorge Miranda afirmando que:

Clássica e bem actual é a contraposição dos direitos fundamentais, pela sua

estrutura, pela sua natureza e pela sua função, em direitos propriamente ditos ou direitos e liberdades, por um lado, e garantias por outro lado. Os direitos representam só por si certos bens, as garantias destinam-se a assegurar a

fruição desses bens; os direitos são principais, as garantias, acessórias e, muitas delas, adjectivas (ainda que possam ser objecto de um regime constitucional substantivo); os direitos permitem a realização das pessoas e

inserem-se directa e imediatamente, por isso, as respectivas esferas jurídicas, as garantias só nelas se projectam pelo nexo que possuem com os direitos; na acepção juracionalista inicial, os direitos declaram -se, as garantias

estabelecem-se. (MIRANDA, apud MORAES, 2007, p. 29).

Miranda (apud BONAVIDES, 2001, p. 484) continua fazendo a diferença ainda

mais persuasiva quando se reporta daquela categoria de direitos inseparável do Estado

Liberal: os direitos da liberdade, como segue:

“– As liberdades assentam na pessoa, independentemente do Estado; as garantias reportam-se ao Estado em atividade de relação com a pessoa;

– As liberdades são formas de a pessoa agir, as garantias modos de organização ou de atuação do Estado; – As liberdades valem por aquilo que vale a pessoa, as garantias têm valor

instrumental e derivado.”

Carlos Sánchez Viamonte (VIAMONTE, apud BONAVIDES, 2001, p. 483) faz

uma caracterização conceitual expressiva assinalando que somente merece o nome de

garantia “a proteção prática da liberdade levada ao máximo de sua eficácia.”

Bonavides, na mesma página, lembra que o publicista Viamonte, opondo-se à

sinonímia com o direito, define “garantia é a instituição criada em favor do individuo,

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para que, armado com ela, possa ter ao seu alcance imediato o meio de fazer efetivo

qualquer dos direitos individuais que constituem em conjunto a liberdade civil e política .”

O jurista argentino, Rafael Bielsa, preocupado em estabelecer com nitidez o

conceito de garantia, diz “as garantias são normas positivas – e, portanto, expressas na

Constituição ou na lei –, que asseguram e protegem um determinado direito.” (BIELSA,

apud BONAVIDES, 2001, p. 483).

Rui Barbosa (BARBOSA, apud BONAVIDES, 2001, p. 486) no intuito de

elucidar o sentido que têm as garantias constitucionais, formulou um conceito lapidar

acerca da natureza e da extensão dessas garantias, como segue:

Verdade é que também não se encontrará, na Constituição, parte, ou cláusula

especial, que nos esclareça quanto ao alcance da locução “garantias constitucionais.” Mas a acepção é óbvia, desde que separemos, no texto da lei fundamental, as disposições meramente declaratórias, que são as que

imprimem existência legal aos direitos reconhecidos, e as disposições assecuratórias, que são as que, em defesa dos direitos, limitam o poder. Aquelas instituem os direitos; estas, as garantias; ocorrendo não raro juntar-se

na mesma disposição constitucional, ou legal, a fixação da garantia com a declaração do direito. [...].

Uma importante contribuição para dissipar a confusão da garantia com o direito

partiu de Juan Carlos Rébora (RÉBORA, apud BONAVIDES, 2001, p.483), o qual,

depois de assinalar que as garantias funcionam em caso de desconhecimento ou

violação do direito, asseverou: “O fracasso da garantia não significa a inexistência do

direito; suspensão de garantias não pode significar supressão de direitos.”

Assim, as garantias tem por fim “fazer eficaz a liberdade tutelada pelos poderes

públicos e estampada nas célebres e solenes declarações de direitos.” (BONAVIDES,

2001, p. 482).

Não obstante, lembra Bulos (2007, p. 404) que “[...] pouco importa um direito

fundamental ser reconhecido ou declarado se não for garantido, pois existirão

momentos em que ele poderá ser alvo de discussão e até de violação.”

Na sua explanação sobre a classificação das garantias fundamentais, Bulos

(2007), com fundamento na Constituição de 1988, expõe que elas (gênero) classificam-

se em duas espécies, quais sejam, as garantias fundamentais gerais e as garantias

fundamentais específicas.

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As garantias fundamentais gerais manifestam-se nas normas constitucionais que

“[...] proíbem abusos de poder e todas as formas de violação aos direitos que

asseguram.” (BULOS, 2007, p. 405). Para materializar o entendimento dessas

garantias, o autor prossegue que elas se esboçam através de princípios insculpidos na

Constituição, sendo exemplos:

Princípio da legalidade (art. 5º, II); liberdade (art. 5º, IV, VI, IX, XIII, XIV, XV, XVI, XVII, etc.); inafastabilidade do controle jurisdicional (art. 5º, inciso XXXV);

juiz e promotor natural (art. 5º, XXXVII e LIII); devido processo legal (art. 5º, LIV); contraditório (art. 5º, LV); publicidade dos atos processuais (arts. 5º, LX, e 93, IX) etc.

Já as garantias fundamentais específicas, são as garantias propriamente ditas,

pois “[...] instrumentalizam os direitos fundamentais e fazem prevalecer as próprias

garantias fundamentais gerais. Por meio delas, os titulares dos direitos encontram a

forma, o procedimento, a técnica, o meio de exigir a proteção de suas prerrogativas.”

(BULOS, 2007, p. 405, grifo do autor).

Neste sentido, Bulos (2007, p. 405) relaciona um rol de garantias

fundamentais específicas, tais como:

habeas corpus, mandado de segurança, mandado de segurança coletivo, mandado de injunção, habeas data, ação popular, ação civil pública. Todos

esses institutos de tutela constitucional, postos ao dispor dos indivíduos e coletividades, encarregam-se de garantir os direitos fundamentais.

Assim, em Direito Constitucional, direitos são dispositivos declaratórios que

imprimem existência ao direito reconhecido. Por sua vez, as garantias podem ser

compreendidas como elementos assecuratórios, ou seja, são os dispositivos que

asseguram o exercício dos direitos e, ao mesmo tempo, limitam os poderes do Estado.

3.2 GERAÇÕES DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS

Para facilitar o entendimento da evolução dos direitos fundamentais,

modernamente, segundo Bulos (2007), a doutrina utiliza um critério didático,

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apresentando-nos esses direitos classificados em gerações sucessivas, baseando-se

na ordem histórica cronológica em que passaram a ser constitucionalmente

reconhecidos.

3.2.1 Direitos fundamentais de primeira geração

O caráter distintivo político francês exprimiu em três princípios cardeais todo o

conteúdo possível dos direitos fundamentais, esculpindo o slogan revolucionário do

século XVIII, profetizando até mesmo a seqüência histórica de sua gradativa

institucionalização: liberdade, igualdade e fraternidade. (BONAVIDES, 2001).

Nesta senda, o autor afirma que os direitos fundamentais passaram a manifestar-

se em três gerações sucessivas, que traduzem sem dúvida um processo cumulativo e

qualitativo, o qual, “[...] nos deparam direitos da primeira, da segunda e da terceira

geração, a saber, direitos da liberdade, da igualdade e da fraternidade, [...].”

(BONAVIDES, 2001, p. 517).

Os direitos da primeira geração assinalados por Bonavides (2001, p. 517) “[...]

são os direitos da liberdade, os primeiros a constarem do instrumento normativo

constitucional, a saber, os direitos civis e políticos, que em grande parte correspondem,

por um prisma histórico, àquela fase inaugural do constitucionalismo do Ocidente.” A

respeito de tais direitos, segue o autor dizendo “[...] já se consolidaram em sua projeção

de universalidade formal, não havendo Constituição digna desse nome que os não

reconheça em toda a extensão.”

Leciona Moraes (2007, p. 26) que “os direitos fundamentais de primeira geração

são os direitos e garantias individuais e políticos clássicos (liberdades públicas),

surgidos institucionalmente a partir da Magna Charta.”

Referindo-se aos direitos civis, Vieira (2006, p. 39) explica que é a capacidade

“[...] de não sermos molestados pelo Estado, direito de termos nossa integridade, nossa

propriedade, além de nossa liberdade, a salvo das investidas arbitrárias do Poder

Público. Esse grupo de direitos demarcaria os limites de ação do Estado Liberal.” Mais

adiante, Oscar Vilhena Vieira faz referência a direitos políticos como “[...]. Partindo do

pressuposto de que as pessoas são dotadas de igual valor, a todos deve ser dado o

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direito de participar em igual medida do processo político. Esses direitos são

constitutivos dos regimes democráticos.”

Quanto a titularidade dos direitos da primeira geração ou direitos da liberdade,

Bonavides (2001, p. 517) assevera que eles “[...] têm por titular o indivíduo, são

oponíveis ao Estado, traduzem-se como faculdades ou atributos da pessoa e ostentam

uma subjetividade que é seu traço mais característico; enfim, são direitos de resistência

ou de oposição perante o Estado.”

Nesta primeira geração dos direitos fundamentais, Bulos (2007, p. 403) lembra

que “[...] prestigiam-se as denominadas prestações negativas, as quais geravam um

dever de não fazer por parte do Estado, com vistas à preservação do direito à vida, á

liberdade de locomoção, à expressão, à religião, à associação etc.”

Neste sentido, Bonavides (2001, p. 517-518) diz que esses direitos:

Entram na categoria do status negativus e fazem também ressaltar na ordem

dos valores políticos a nítida separação entre a Sociedade e o Estado. Sem o reconhecimento dessa separação, não se pode aquilatar o verdadeiro caráter anti-estatal dos direitos da liberdade, conforme tem sido professado com tanto

desvelo teórico pelas correntes do pensamento liberal de teor clássico.

Conclui o publicista que “são por igual direitos que valorizam primeiro o homem-

singular, o homem das liberdades abstratas, o homem da sociedade mecanicista que

compõe a chamada sociedade civil, da linguagem jurídica mais usual.” (BONAVIDES,

2001, p. 518).

3.2.2 Direitos fundamentais de segunda geração

Ao comentar sobre os direitos fundamentais de segunda geração, Bulos (2007)

relata que tal geração teve sua origem logo após a Primeira Grande Guerra. Essa

geração compreende, segundo Bonavides (2001), os direitos sociais, culturais e

econômicos bem como os direitos coletivos ou de coletividades, que objetivam garantir

o bem-estar e a igualdade, impondo ao Estado uma prestação positiva, no sentido de

fazer algo de natureza social em prol do homem. Ressalta o autor que esses direitos

“[...] nasceram abraçados ao princípio da igualdade, do qual não se podem separar,

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pois fazê-lo equivaleria a desmembrá-los da razão de ser que os ampara e estimula.”

(BONAVIDES, 2001, p. 518).

Referindo-se aos direitos de segunda geração que se identificam com as

liberdades positivas, reais ou concretas, reforçando o princípio da igualdade, Moraes

utilizou-se dos ensinamentos de Themistocles Brandão Cavalcanti, dizendo que:

O começo do nosso século viu a inclusão de uma nova categoria de direitos nas declarações e, ainda mais recentemente, nos princ ípios garantidores da liberdade das nações e das normas da convivência internacional. Entre os

direitos chamados sociais, incluem-se aqueles relacionados com o trabalho, o seguro social, a subsistência, o amparo à doença, à velhice etc. (CAVALCANTI, apud MORAES, 2007, p. 26).

Nesse contexto, é obrigação do Estado suprir as necessidades vitais do homem,

de sorte a possibilitar-lhe a vida com o mínimo de dignidade, não bastando que o

cidadão tivesse as ditas liberdades públicas (liberdade de iniciativa privada, por

exemplo) se não tem nem condições de se manter vivo por seus próprios recursos.

Assim, deve realizar atividade objetivando o exercício de tais direitos, aspiração esta

que é alcançada mediante a prestação de serviços. Podem ser elencados os direitos a

educação, a seguridade social, a proteção à saúde, a habitação, etc. (BERTOLO,

2003).

3.2.3 Direitos fundamentais de terceira geração

A divisão do mundo entre nações desenvolvidas e subdesenvolvidas ou em fase

de precário desenvolvimento motivou a busca duma outra dimensão dos direitos

fundamentais, até então desconhecida. Trata-se dos chamados direitos de

solidariedade ou fraternidade, representando, assim, os direitos de terceira geração.

(BONAVIDES, 2001).

Possuindo altíssimo teor de humanismo e universalidade, os direitos da terceira

geração:

[...] tendem a cristalizar-se neste fim de século enquanto direitos que não se destinam especificamente à proteção dos interesses de um indivíduo, de um

grupo ou de um determinado Estado. Têm primeiro por destinatário o gênero

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humano mesmo, num momento expressivo de sua afirmação como valor

supremo em termos de existencialidade concreta. [...] Emergiram eles da reflexão sobre temas referentes ao desenvolvimento, à paz, ao meio ambiente, à comunicação e ao patrimônio comum da humanidade. (BONAVIDES, 2001, p.

523).

Nesse sentido, o constitucionalista Bulos (2007) reforça que a terceira geração

abrange os direitos de solidariedade e fraternidade, sendo incorporados nos

ordenamentos constitucionais positivos e vigentes de todo o mundo. São representados

pelos direitos difusos em geral, por exemplo, o meio ambiente equilibrado, a vida

saudável e pacífica, o progresso e a autodeterminação dos povos. Moraes (2007)

lembra que tais direitos difusos representam os interesses de grupos menos

determinados de pessoas, não havendo entre elas um vínculo jurídico ou fático preciso.

No entender de Bertolo (2003), os direitos fundamentais de terceira geração

diferenciam-se dos demais por objetivarem manter a existência do ser humano.

Adverte Bonavides (2001) que esta relação de direitos é apenas indicativa

daqueles que mais nitidamente se destacaram contemporaneamente, nada impedindo

o surgimento de outros direitos à medida que o processo universalista se for

desenvolvendo.

Mbaya (apud BONAVIDES, 2001, p. 523) admite que a descoberta e a

formulação de novos direitos é e será sempre um processo sem fim, de tal modo que

quando “um sistema de direitos se faz conhecido e reconhecido, abrem-se novas

regiões da liberdade que devem ser exploradas.”

No atual período de desenvolvimento do Direito, os princípios da solidariedade e

da fraternidade, segundo Mbaya, exprime-se de três maneiras:

1. O dever de todo Estado particular de levar em conta, nos seus atos, os interesses de outros Estados (ou de seus súditos);

2. Ajuda rec íproca (bilateral ou multilateral), de caráter financeiro ou de outra natureza para a superação das dificuldades econômicas (inclusive com auxílio técnico aos países subdesenvolvidos e estabelecimento de preferências de

comércio em favor desses países, a fim de liquidar déficits); e 3. Uma coordenação sistemática de política econômica. (MBAYA, apud BONAVIDES, 2001, p. 524).

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Pelo que até agora foi apresentado, fica evidente que a primeira geração é a dos

direitos de liberdade; a segunda, dos direitos de igualdade; e, a terceira, os direitos de

fraternidade. Nota-se, portanto, que essas três gerações completam o lema da

Revolução Francesa: liberdade, igualdade, fraternidade. (FERREIRA FILHO, apud

MORAES, 2007).

3.2.4 Direitos fundamentais de quarta geração

O publicista Bertolo (2003) relata que os doutrinadores inseriram mais uma

espécie na classificação dos direitos fundamentais, tratando-se da quarta geração. A

esse respeito, Bulos (2007) assevera que o início do novo milênio manifesta sinais que

permitem afirmar que haverá alterações na vida e no comportamento dos homens,

posto que os direitos sociais das minorias, os direitos econômicos, os coletivos, os

difusos, os individuais homogêneos passarão a conviver com outros de igual

importância e envergadura, quais sejam, os já mencionados direitos fundamentais de

quarta geração, que são relativos à informática, softwares, biociências, eutanásia,

alimentos transgênicos, sucessão dos filhos gerados por inseminação artificial,

clonagem, dentre outros acontecimentos ligados à engenharia genética. Tais direitos

são frutos do processo de globalização do Estado neoliberal.

Por sua vez, Bonavides (2001, p. 525) esclarece que são “direitos da quarta

geração o direito à democracia, o direito à informação e o direito ao pluralismo.”

Acrescido a estes, Bertolo (2003) relaciona ainda o direito ao desarmamento nuclear,

como forma de preservação da própria espécie humana.

O que deu origem aos direitos de quarta geração foi o desenvolvimento

tecnológico dos países, que engenharam armas nucleares com vistas à ascensão no

poder e ao reconhecimento. Cientes que tais obras representavam um mal à sociedade,

iniciaram o desarmamento nuclear como forma de preservação da humanidade.

(BERTOLO, 2003).

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3.3 LIMITES DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS

Para que a vida em sociedade seja harmônica, torna-se necessário limitar e

regular os direitos de cada indivíduo, pois nenhuma prerrogativa pode ser exercida de

modo danoso à ordem pública e aos direitos e garantias fundamentais de outrem. Tal

limitação visa tutelar a integridade do interesse social, bem como assegurar a

convivência regular das liberdades, dessa forma evitando colisões ou atritos entre elas.

“Evita-se, assim, que um direito ou garantia seja exercido em detrimento da ordem

pública ou com desrespeito aos direitos e garantias de terceiros.” (BULOS, 2007, p.

406).

Carvalho (2002, p. 262), afirma que os direitos fundamentais não são absolutos

ou ilimitados. A imposição de limites, segundo o autor, tem sua justificativa nos

seguintes aspectos:

[...] Encontram-se limitações na necessidade de se assegurar aos outros o exercício desses direitos, como se tem ainda limites externos, decorrentes da necessidade de sua conciliação com as exigências da vida em sociedade,

traduzidas na ordem púbica, ética social, autoridade do Estado etc., resultando daí, restrições dos direitos fundamentais em função dos valores aceitos pela sociedade.

Nesse sentido, o artigo XXIX, 2, da Declaração Universal dos Direitos Humanos

de 1948 reconheceu a relatividade dos direitos fundamentais rezando que:

No exercício de seus direitos e no desfrute de suas liberdades, todas as pessoas estarão sujeitas às limitações estabelecidas pela lei com a única finalidade de assegurar o respeito dos direitos e liberdades dos demais, e de

satisfazer as justas exigências da moral, da ordem pública e do bem-estar de uma sociedade democrática.

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Assim, Bulos (2007) infere que há de se estabelecer parâmetros para o exercício

dos direitos e garantias fundamentais, os quais não podem servir de substrato para a

salvaguarda de práticas i lícitas.

Semelhante rumo é seguido por Moraes (2007, p. 27), o qual sustenta que os

direitos humanos fundamentais “[...] não podem ser utilizados como um verdadeiro

escudo protetivo da prática de atividades ilícitas, tampouco como argumento para

afastamento ou diminuição da responsabilidade civil ou penal por atos criminosos, [...].”

Moraes (2007) segue expondo que os direitos e garantias fundamentais consagrados

pela Constituição da República não são ilimitados, haja vista encontrarem seus limites

nos demais direitos ali igualmente consagrados. Esta delimitação ou conjugação de

direitos o autor denomina de princípio da relatividade ou convivência das liberdades

públicas.

Prosseguindo em suas explicações, Moraes (2007, p. 28) assim manifesta:

Dessa forma, quando houver conflito entre dois ou mais direitos ou garantias fundamentais, o intérprete deve utilizar-se do princ ípio da concordância prática ou da harmonização, de forma a coordenar e combinar os bens jurídicos em

conflito, evitando o conflito total de uns em relação aos outros, realizando uma redução proporcional do âmbito de alcance de cada qual (contradição dos princ ípios), sempre em busca do verdadeiro significado da norma e da

harmonia do texto constitucional com suas finalidades precípuas.

Ainda quanto à relatividade dos direitos fundamentais, Moraes (2007, p. 28)

afirma que eles “[...] nascem para reduzir a ação do Estado aos limites impostos pela

Constituição, sem contudo desconhecerem a subordinação do indivíduo ao Estado,

como garantia de que eles operem dentro dos limites impostos pelo direito.”

Não obstante, Bulos (2007, p. 406-407) abre uma exceção salientando que “[...]

há situações em que um direito ou garantia fundamental é absoluto, devendo ser

exercido de maneira irrestrita.” Seria o caso da proibição à tortura e do tratamento

desumano ou degradante, não existindo, nesses casos, relatividade alguma.

Diante do exposto, num Estado Democrático de Direito observa-se a limitação

dos direitos e garantias de cada indivíduo, com o objetivo único de assegurar à ordem

pública e o respeito das liberdades de terceiros.

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No próximo capítulo será abordada a Lei de abuso de autoridade no qual poderá

ser visto que as figuras incriminadas desta Lei são afrontas aos direitos fundamentais

de primeira geração, ou seja, os direitos da liberdade ou as prestações negativas, que

gerariam um dever de não fazer por parte do Estado.

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4 A LEI DE ABUSO DE AUTORIDADE

A partir da leitura do art. 61, II, “f” e “g” do Código Penal, verifica-se que o

legislador desejou diferenciar abuso de autoridade de abuso de poder, como segue:

Art. 61 - São circunstâncias que sempre agravam a pena, quando não

constituem ou qualificam o crime: [...] f) com abuso de autoridade ou prevalecendo-se de relações domésticas, de

coabitação ou de hospitalidade, ou com violência contra a mulher na forma da lei específica; g) com abuso de poder ou violação de dever inerente a cargo, ofício, ministério

ou profissão;

Nesse sentido, Santos (2003) afirma que quando se tem por base uma relação

de direito público ou função pública na qual se cometem abusos, correto seria empregar

o termo abuso de poder e não abuso de autoridade, uma vez que esta expressão é

mais apropriada nos casos de abusos, excessos ou desvios no campo das relações

privadas. Referindo-se a Lei de Abuso de Autoridade, comenta Santos (2003, p. 17)

que:

na realidade, a expressão correta seria “abuso de poder”, pois nem todo funcionário público exerce uma função de autoridade. Não é só quem detém um cargo de autoridade que pode ser sujeito ativo deste crime; basta ver o conceito

legal de funcionário público. Também os funcionários públicos que não são considerados autoridade pública podem ser sujeito ativo.

Apesar da impropriedade na denominação da Lei 4.898/65, continuaremos a

utilizar a expressão abuso de autoridade para não provocar dúvidas de que está se

referindo a Lei em comento.

4.1 CONCEITO DE AUTORIDADE

A Lei 4.898/65 determina quem é autoridade para seus efeitos no artigo 5º:

“Considera-se autoridade, para os efeitos desta lei, quem exerce cargo, emprego ou

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função pública, de natureza civi l, ou militar, ainda que transitoriamente e sem

remuneração.”

Para os efeitos penais, funcionário público é conceituado no art. 327 do Código

Penal, como:

Art. 327 - Considera-se funcionário público, para os efeitos penais, quem,

embora transitoriamente ou sem remuneração, exerce cargo, emprego ou função pública. § 1º - Equipara-se a funcionário público quem exerce cargo, emprego ou função

em entidade paraestatal, e quem trabalha para empresa prestadora de serviço contratada ou conveniada para a execução de atividade típica da Administração Pública.

[...]

Freitas e Freitas (1999, p. 89) concluem a não obrigatoriedade que o indivíduo

seja funcionário público, mas sim “[...] necessário é que exerça uma função pública, a

qual é qualquer atividade que realiza fins próprios do Estado, ainda que exercida por

pessoas estranhas à administração Pública ou gratuitamente .”

A Lei em comento traz em seu artigo primeiro que: “O direito de representação e

o processo de responsabilidade administrativa civi l e penal, contra as autoridades que,

no exercício de suas funções, cometerem abusos, são regulados pela presente lei.”

(grifou-se). Não obstante, é importante ressaltar que o agente, embora não esteja no

exercício de sua função, pode cometer o crime de abuso de poder.

Isto se dará quando o funcionário, apesar de não estar no regular exercício funcional ao praticar o abuso, use ou invoque a autoridade de que é investido. É o caso, por exemplo, de um policial que estando de folga, fora, portanto, de

suas funções, invocando o cargo que ocupa, detenha, sem qualquer base legal, um cidadão. (FREITAS e FREITAS, 1999, p. 91).

A configuração do abuso de poder, segundo Meirelles (2000, p. 102) ocorre

“quando a autoridade, embora competente para praticar o ato, ultrapassa os limites de

suas atribuições ou se desvia das finalidades administrativas.” O autor prossegue

afirmando que o abuso de poder é gênero, que apresenta duas espécies: o excesso de

poder e o desvio de finalidade ou poder. Desse modo pensam Alexandrino e Paulo

(2006) e Cretella Jr. (2005).

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Ocorre excesso de poder quando a autoridade, embora competente para praticar

o ato, vai além do que lhe permitiu a lei, exorbitando no uso de sua competência

(MEIRELLES, 2000). Ou seja, o excesso existe quando o agente age fora dos limites de

sua competência administrativa, invadindo competência de outros agentes ou

praticando atividades que a lei não lhe conferiu.

Já o desvio de finalidade ou de poder verifica-se quando a autoridade atua nos

limites de sua competência, praticando o ato por motivos ou com fins diversos daqueles

estabelecidos na lei ou exigidos pelo interesso público (MEIRELLES, 2000).

Para Delgado (2005) o abuso de poder pode ficar configurado quando há

excesso ou desvio de poder. Clarificando a diferenciação entre abuso e usurpação de

poder, que são coisas diferentes, segue Delgado (2005, p. 33) parafraseando Pontes

de Miranda:

Abuso de Poder é o exerc ício irregular do poder. Usurpa poder quem, sem o

ter, procede como se o tivesse. A falsa autoridade usurpa-o; a autoridade incompetente que exerce poder que compete a outrem, usurpa; a autoridade competente não usurpa; se de certo modo exorbita, abusa do poder.

Existem ainda doutrinadores que caracterizam o abuso de poder como realidade

jurídica autônoma do excesso de poder e do desvio de finalidade, referindo-se que o

primeiro atinge a execução e os últimos atacam o ato. Gasparini (2005, p. 141) afirma

que:

O abuso de poder tem sua sede na fase executória do ato administrativo legal

ou ilegal. É, portanto, vício que ocorre na execução do ato e que diz respeito tão-só aos aspectos materiais de sua concretude. O ato é executado, torna-se uma realidade, com inobservância dos meios e cuidados necessários à sua

concretização. [...] o que está em jogo é o modus operandi do agente público. É a irregularidade da execução que o legislador procurou reprimir. O ato há de ser executado adequadamente, sob pena de abuso de poder.

Independente das espécies que ele se apresente, o abuso do poder configura

crime de abuso de autoridade, de acordo com a tipificação prevista na Lei 4.898/65.

Trata-se de condutas típicas e que serão apresentadas adiante, detalhando aquelas

correlacionadas à atividade policial militar, pois como a Lei se refere à autoridade de

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forma geral, ela engloba outras categorias como juízes, políticos, policiais civis e

demais categorias de funcionários públicos.

4.2 A TUTELA JURÍDICA DA LEI DE ABUSO DE AUTORIDADE

A Lei 4.898/65 pode ser considerada de dupla objetividade jurídica, pois visa, ao

mesmo tempo, tutelar o interesse ao normal funcionamento da administração pública, a

partir do exercício regular de seus poderes delegados pelo povo – objetividade jurídica

mediata – e a plena proteção aos direitos e garantias fundamentais constitucionalmente

consagrados – objetividade jurídica imediata. (MORAES e SMANIO, 2006).

Convêm notar que o referido diploma legal busca tutelar principalmente os

direitos fundamentais de primeira geração que:

São aqueles que se fundamentam na liberdade, civil e politicamente

considerada. São as liberdades públicas negativas que limitam o poder do Estado, impedindo-o de interferir na esfera individual. O direito à integridade física e à intimidade são exemplos. A liberdade é a essência da proteção dada ao indivíduo, de forma abstrata, que a merece apenas por pertencer ao gênero

humano e estar socialmente integrado. (CAPEZ, 2007, p. 4).

Neste diapasão, salienta Santos (2003), que a lei visa tutelar de forma imediata

as garantias constitucionais da pessoa física ou jurídica e de forma mediata o serviço

público. Corroborando com esse entendimento, Fonseca (1997) afirma que de maneira

principal se protege os direitos do cidadão e de maneira secundária o bem jurídico a ser

protegido é o normal funcionamento da administração pública.

Sobre o normal funcionamento da administração pública, adverte Fonseca (1997,

p. 28):

Embora a administração atue através de atos administrativos, que possuem como atributo a presunção de legitimidade, a imperatividade e a auto-executoriedade, ditos atos não são absolutos, porque se regram pela

legalidade. Fora da legalidade, os atos da administração são um nada jurídico, ou são nulos, ou são anuláveis.

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Portanto, verifica-se que a Lei de Abuso de Autoridade tutela essencialmente os

direitos e garantias fundamentais, sendo puramente uma conseqüência atingir o normal

funcionamento da administração pública. Nas palavras de Freitas e Freitas (1999, p. 18)

a Lei veio “[...] complementar a Constituição para que os direitos e garantias nela

assegurados deixem de constituir letra morta em numerosíssimos Municípios

brasileiros.”

4.3 AS CONDUTAS TIPIFICADAS NA LEI DE ABUSO DE AUTORIDADE

As condutas tipificadas na Lei 4.898/65 estão descritas nos arts. 3º e 4º, como

segue:

Art. 3º. Constitui abuso de autoridade qualquer atentado: a) à liberdade de locomoção;

b) à inviolabilidade do domicílio; c) ao sigilo da correspondência; d) à liberdade de consciência e de crença;

e) ao livre exerc ício do culto religioso; f) à liberdade de associação; g) aos direitos e garantias legais assegurados ao exerc ício do voto;

h) ao direito de reunião; i) à incolumidade física do indivíduo; j) aos direitos e garantias legais assegurados ao exercício profissional.

Art. 4º Constitui também abuso de autoridade: a) ordenar ou executar medida privativa da liberdade individual, sem as

formalidades legais ou com abuso de poder; b) submeter pessoa sob sua guarda ou custódia a vexame ou a constrangimento não autorizado em lei;

c) deixar de comunicar, imediatamente, ao juiz competente a prisão ou detenção de qualquer pessoa; d) deixar o Juiz de ordenar o relaxamento de prisão ou detenção ilegal que lhe

seja comunicada; e) levar à prisão e nela deter quem quer que se proponha a prestar fiança, permitida em lei;

f) cobrar o carcereiro ou agente de autoridade policial carceragem, custas, emolumentos ou qualquer outra despesa, desde que a cobrança não tenha apoio em lei, quer quanto à espécie quer quanto ao seu valor;

g) recusar o carcereiro ou agente de autoridade policial recibo de importância recebida a título de carceragem, custas, emolumentos ou de qualquer outra despesa;

h) o ato lesivo da honra ou do patrimônio de pessoa natural ou jurídica, quando praticado com abuso ou desvio de poder ou sem competência legal;

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i) prolongar a execução de prisão temporária, de pena ou de medida de

segurança, deixando de expedir em tempo oportuno ou de cumprir imediatamente ordem de liberdade. (grifou-se).

De Plácido e Silva (2005, p. 155), traz o significado do termo “atentado”, que

significa no Direito Penal, de forma geral, “[...] toda espécie de agressão, ataque ou

ofensa às pessoas, às coisas ou à moral, ou seja, todo delito que perturbe a ordem

social, protegida pelo Direito Penal.” Nota-se que a expressão é muito genérica,

abrangendo qualquer conduta que possa vir a atentar contra os bens jurídicos acima

listados.

Por essa razão, o art. 3º é de duvidosa constitucionalidade, ofendendo o princ ípio da legalidade. De acordo com esse princípio, não há crime sem descrição pormenorizada do fato contida na lei, sendo a taxatividade uma

decorrência lógica da legalidade. Assim, sem a definição dos elementos componentes da conduta típica, não se concebe a existência de crime (CR, art. 5º, XXXIX). (CAPEZ, 2007, p. 9).

Contudo, Capez (2007) preleciona que mesmo vago e impreciso, o tipo não foi

reconhecido inconstitucional pela doutrina e tão pouco pela jurisprudência.

No que tange à tentativa, os crimes capitulados no art. 3º, não a admitem, uma

vez que qualquer atentado é punido como crime consumado, ou seja, tem-se que o

simples tentar já configura o crime. São os chamados delitos de atentado. (CAPEZ,

2007). Referente às figuras do art. 4º, tem-se que nos crimes omissivos é impossível a

figura da tentativa, e nas demais, será possível a tentativa. (FREITAS E FREITAS,

1999).

Os crimes de abuso de autoridade somente admitem a modalidade dolosa, ou

seja, “a livre vontade de praticar o ato com a consciência de que exorbita do seu poder.

É inadmissível a punição a título de culpa.” (CAPEZ, 2007, p. 8). Assim, conforme

Moraes e Smanio (2006, p. 35), salientado pela jurisprudência:

Nos abusos de autoridade, o elemento subjetivo do injusto deve ser apreciado com muita perspicácia, merecendo punição somente as condutas daqueles que,

não visando à defesa social, agem por capricho, vingança ou maldade, com o conseqüente propósito de praticarem perseguições e injustiças. O que se condena, enfim, é o despotismo, a tirania, a arbitrariedade, o abuso, como

indica o nomen júris do crime, pois, se o agente age objetivando a defesa

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social, embora possa se enganar na interpretação dos fatos, supondo que sua

ação é correta e legítima, não há que se falar em abuso de autoridade, dada a inexistência do dolo. (JUTACrim 84/400).

Destarte, é imprescindível a ocorrência do dolo, não cometendo o crime “[...] o

policial que, na suposição de estar agindo corretamente, executa prisão em flagrante,

dada a inexistência de dolo.” (MORAES e SMANIO, 2006, p. 35).

A seguir serão abordadas as principais condutas tipificadas na Lei 4.898/65 de

uma forma mais detalhada e que tem relação próxima à atividade policial militar, pois

como a Lei se refere à autoridade de uma forma geral, ela engloba outras categorias

como juízes, políticos, policiais civis e demais categorias de funcionários públicos.

4.3.1 Atentado à liberdade de locomoção

A Constituição da República assegura em seu art. 5º, inc. XV, o direito à livre

locomoção no território nacional em tempo de paz, o qual prevê que “é livre a

locomoção no território nacional em tempo de paz, podendo qualquer pessoa, nos

termos da lei, nele entrar, permanecer ou dele sair com seus bens.” Contudo, a

liberdade de locomoção não é absoluta, lembrando Freitas e Freitas (1999, p. 29) que

“[...] necessárias são certas restrições, não só em face da liberdade dos demais

indivíduos, como à do Estado.”

A regra é o estado de liberdade, sendo a prisão uma exceção. No entanto,

admite-se a privação de liberdade com fundamento no art. 5º, LXI, da CR, rezando que

“ninguém será preso senão em flagrante delito ou por ordem escrita e fundamentada de

autoridade judiciária competente, salvo nos casos de transgressão militar ou crime

propriamente militar, definidos em lei.” Já o art. 139 da Constituição da República reza

que na vigência do estado de sítio decretado com fundamento no art. 137, inc. I, “as

pessoas poderão ser obrigadas a permanecer em localidade determinada ou poderão

ser detidas em edifício não destinado a acusados ou condenados por crimes comuns.”

(CAPEZ, 2007, p. 10). Observa-se, então, que a própria Constituição prevê em que

situações a regra poderá ser quebrada com a privação da liberdade de alguém.

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Existem, contudo, situações em que o policial militar poderá cercear

momentaneamente a liberdade de ir e vir do cidadão, sem que isto configure abuso de

autoridade. Isto se dará quando prevalecer o interesse da coletividade em detrimento

do cerceamento de parcela da liberdade individual. Capez (2007, p. 10) esclarece da

seguinte forma:

Com base no art. 244 do CPP, é possível a interceptação de um veículo ou de um transeunte sempre que haja suspeita de que transporte ou esteja na posse de arma proibida ou de objetos ou papéis que constituam corpo de delito. Da

mesma forma, com base no poder de polícia, não haverá atentado contra à liberdade de locomoção, por exemplo, na hipótese em que a autoridade, realizando barreira policial, vistoria veículos e realiza a identificação dos seus

condutores, ou quando concretiza blitz em boates com o fim de apreender substâncias entorpecentes. É que, no caso, agem as autoridades no intuito de prevenir e reprimir a prática de crimes, hipótese em que está configurado o

estrito cumprimento do dever legal. Obviamente que elas devem agir dentro dos rígidos limites de seu dever, fora dos quais desaparece essa excludente da ilicitude. Os excessos cometidos poderão constituir crime de abuso de

autoridade.

Outra conduta policial muita utilizada tempos atrás, é a chamada prisão para

averiguações. Como conseqüência do art. 5º, inc. LXI, da CR, supracitado, esta atitude

não mais pode ser admitida ou tolerada, enquadrando-se o autor no crime em comento.

(STOCO et al, 1997). Nesse entendimento acompanha a jurisprudência pátria:

ABUSO DE AUTORIDADE - Atentado à liberdade de locomoção - Prisão para averiguações - Inadmissibilidade - Modalidade não prevista em lei e proibida pela Constituição da República (art. 5.º, LXI) - Delito que absorve o tipificado no

art. 4.º, "e", da Lei 4.898/65 - Aplicação do art. 3.º, "a", do referido diploma. (Tribunal de Justiça do Paraná - Curitiba, 26 de outubro de 1989 - LUIZ VIEL, pres., sem voto – MARTINS RICCI, relator - SÉRGIO MATTIOLI - ANTÔNIO

CARLOS SCHIEBEL).

4.3.2 Atentado à inviolabilidade do domicílio

A Constituição da República assegura a inviolabilidade do domicílio em seu art.

5º, inc. XI, dispondo que “a casa é asilo inviolável do indivíduo, ninguém nela podendo

penetrar sem consentimento do morador, salvo em caso de flagrante delito ou desastre,

ou para prestar socorro, ou, durante o dia, por determinação judicial.” O art. 245 do

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Código de Processo Penal vem reforçando este princípio consti tucional, rezando que:

“As buscas domiciliares serão executadas de dia, salvo se o morador consentir que se

realizem à noite, [...].” Logo, somente se pode entrar na casa de outrem mediante as

hipóteses acima descritas, fora disso, o agente incorrerá em crime. (MORAES e

SMANIO, 2006).

Existe uma discussão doutrinária, devido ao Brasil estar inserido num espaço

geográfico com quatro fusos horários, do que vem a ser a palavra “dia”: para alguns, a

expressão “dia” deve ser compreendida entre a aurora e o crepúsculo; para outros,

deve ser entendida como o período que vai das seis às dezoito horas. Porém, o que

deve ser compreendido é que no período noturno o mandado judicial já não poderá ser

cumprido, salvo se o morador consentir, devendo o executor da medida aguardar até o

amanhecer, para daí sim cumprir o mandado. (CAPEZ, 2007).

Quanto a expressão casa, o Código Penal dispõe no art. 150, §§ 4º e 5º que:

A expressão "casa" compreende: I - qualquer compartimento habitado; II - aposento ocupado de habitação coletiva;

III - compartimento não aberto ao público, onde alguém exerce profissão ou atividade. § 5º - Não se compreendem na expressão "casa":

I - hospedaria, estalagem ou qualquer outra habitação coletiva, enquanto aberta, salvo a restrição do nº II do parágrafo anterior; II - taverna, casa de jogo e outras do mesmo gênero.

O termo domicílio, em Direito Constitucional, tem sentido muito mais amplo do

que aquele que lhe dá o Código Civil. Nesse entendimento Capez (2007, p. 11-12):

A expressão “domicílio” não tem, nem pode ter, o significado a ela atribuído pelo direito civil, não se limitando à residência do indivíduo, ou seja, o local

onde o agente se estabelece com o ânimo definitivo de moradia (CC/2002, art. 70), tampouco o lugar que a pessoa elege para ser o centro de sua vida negocial. [...] Assim, considera-se domicílio: (a) qualquer compartimento

habitado, do mais humilde cubículo ao mais suntuoso palacete. Abrange, portanto, o barraco da favela, casa, apartamento etc. Inclui-se, neste conceito, a coisa móvel destinada à moradia: trailer, iate; (b) aposento ocupado de

habitação coletiva: cuida-se do espaço ocupado por várias pessoas, como o cômodo de um cortiço ou o quarto de um hotel. Somente é objeto da proteção legal a parte ocupada privativamente pelos moradores (p. ex., os aposentos). Excluem-se, portanto, os lugares de uso comum (p. ex., sala de espera); (c)

compartimento não aberto ao público, onde alguém exerce profissão ou atividade: trata-se do espaço não destinado propriamente à habitação, mas ao desenvolvimento de qualquer profissão ou atividade, por exemplo, o escritório

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do advogado, o consultório do médico. Ressalve-se, contudo, que a parte

desses locais aberta ao público não é objeto da proteção penal. Excluem-se dessa proteção os restaurantes, bares e lojas, mas a sua parte interna (p. ex. o escritório, o estoque) tem a inviolabilidade resguardada pela lei penal. Incluem-

se nesse conceito as dependências da casa, como quintal, garagem, celeiros, adegas etc. Quanto aos jardins, é necessário que estejam murados ou cercados. (grifos do autor).

Bastante clara é a lição de Noronha (apud Freitas e Freitas, 1999, p. 33), que diz:

“Taverna é a bodega, botequim, a tasca, a casa de pasto ordinária, freqüentada, em

regra, por indivíduos que, se não criminosos, tangenciam o Código Penal.”

O presente dispositivo, nas palavras de Freitas e Freitas (1999), dá margem à

abordagem de dois aspectos que se referem ao conflito aparente de normas. O primeiro

diz respeito ao possível conflito existente entre o dispositivo em comento e o § 2º, do

art. 150 do CP:

Art. 150 - Entrar ou permanecer, clandestina ou astuciosamente, ou contra a vontade expressa ou tácita de quem de direito, em casa alheia ou em suas dependências:

Pena - detenção, de um a três meses, ou multa. [...] § 2º - Aumenta-se a pena de um terço, se o fato é cometido por funcionário

público, fora dos casos legais, ou com inobservância das formalidades estabelecidas em lei, ou com abuso do poder.

A lei penal qualificou a violação do domicílio quando praticada por funcionário

público, enquanto a Lei de abuso de autoridade pune qualquer atentado à

inviolabilidade de domicílio cometido por todo aquele que exerce cargo, emprego ou

função pública. Assim, Freitas e Freitas (1999, p. 37) prelecionam que “tais

circunstancias se enquadram perfeitamente no princípio da especialização, segundo o

qual a lei especial prepondera sobre a geral.”

A respeito desse princípio, ressalta Jesus (apud Freitas e Freitas, 1999, p.37):

Diz-se que uma norma penal incriminadora é especial em relação a outra, geral, quando possui em sua definição legal todos os elementos t ípicos desta, e mais alguns, de natureza objetiva ou subjetiva, denominados especializante,

apresentando, por isso, um minus ou um plus de severidade. (grifo do autor).

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Desta forma, Freitas e Freitas entendem que deve ser aplicado o art. 3º, b, da Lei

nº 4.898/65, em virtude do princípio da especialidade. Já Alberto Silva Franco acredita

que deveria ser aplicado o art. 150, § 2º, do CP, pois o abuso de poder constitui

circunstância legal específica de outro crime. (MORAES e SMANIO, 2006).

Santos (2003) vem ao encontro de Freitas e Freitas acrescentando que no caso

de o crime ser cometido de acordo com o § 1º do art. 150 do CP, a pena torna-se mais

severa, vindo a absorver o crime de abuso de poder.

Contudo, para os militares, existe a previsão no art. 226 do CPM: “Entrar ou

permanecer, clandestina ou astuciosamente, ou contra a vontade expressa ou tácita de

quem de direito, em casa alheia ou em suas dependências: Pena - detenção, até três

meses.”

Assis (1994, p. 72) reza que “[...] o código penal militar, lei especialíssima por

excelência, deve preponderar sobre a lei de abuso de autoridade, pelos mesmos e

corretos motivos expostos para dirimir o conflito da letra „b‟ do art. 3º da Lei nº 4.898/65

com o Art. 150, § 2º, do CP.” Segue o autor dizendo que: “[...] após a demonstração do

princípio da especialidade, que o PM ao arrepio do amparo legal, simplesmente

ingressando em uma casa estará violando o domicílio e cometendo o crime do art. 226

do CPM, sobrepujando o art. 3º, letra “b” da Lei 4.898/65.”

Concluindo o assunto quanto ao primeiro aspecto de possível conflito aparente

de normas, verificam-se três dispositivos penais protetores do domicílio, ou seja, o art.

3º, b, da Lei 4.898/65; o art.150 do CP e o art. 226 do CPM. Portanto, dependendo de

quem for o agente poderá ser dado o enquadramento diferente.

O segundo aspecto referente ao conflito aparente de normas, diz respeito à

violação de domicílio como sendo crime meio para realização de outro delito. Nesta

senda, Freitas e Freitas (1999, p. 38) “se o ocupante de um cargo, função ou emprego

público, fora dos casos legais, simplesmente ingressa em uma casa, sem outras

pretensões, estará violando o domicílio e, portanto, infringindo o disposto na letra b do

art. 3º da Lei 4.898, de 09.12.1965.” Noutro parágrafo complementa o autor que

“todavia, se assim agir, com intenção outra, como por exemplo a de prender um

morador para “averiguações”, fazer cessar uma reunião etc., a figura da inviolabilidade

do domicílio estará subsumida pelo delito fim.”

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Dessa forma, estamos diante do princípio da consunção, que, para Jesus (1999,

p. 107):

[...] ocorre quando um fato definido por um a norma incriminadora é meio

necessário ou normal fase de preparação ou execução de outro crime, bem como quando constitui conduta anterior ou posterior do agente, cometida com a mesma finalidade prática atinente àquele crime. Nestes casos, a normal fase de

preparação ou execução do outro crime, ou a conduta anterior ou posterior, é excluída pela norma a este relativa.

4.3.3 Atentado à incolumidade física do indivíduo

O atendimento de ocorrências exige em alguns casos, por parte do policial

militar, o uso de meios coercitivos levando essa categoria de agente público a incorrer,

não raras vezes, no crime de atentado à incolumidade física do indivíduo.

Sobre o assunto, Nogueira (1992, p. 204):

Não se pode deixar de reconhecer que a atividade policial é com plexa, dificílima, delicada, importante porque requer decisões rápidas, que devem ser

tomadas em segundos (prender ou não prender, perseguir ou não perseguir, atirar ou não atirar), pois não é fácil enfrentar reações coletivas, violentas, sem também usar a violência necessária; resolver problemas ou rixas familiares, que

a própria família não conseguiu superar; enfrentar toda sorte de neurose, que só tende a agravar com as próprias dificuldades da vida.

Esse crime, segundo Capez (2007, p.17) engloba “toda ofensa praticada pela

autoridade, desde uma simples contravenção de vias de fato até homicídio. Estão

abrangidas tanto a violência física quanto a moral.” Santos (2003, p. 57) caracteriza o

que vem a ser violência moral, “o emprego de hipnose, o emprego de gases tóxicos,

disparos de armas de fogo próximos à vítima, a prática de “roleta russa”, disparos de

festim, emprego do “soro da verdade”, substancias químicas etc.”

Não obstante, deve-se ressaltar que nem toda violência praticada por um agente

público, no exercício de sua função, deverá acarretar abuso de autoridade. Existem as

causas de excludente de ilicitude previstas em lei, bem como o CPP em seu art. 292

reza que:

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Se houver, ainda que por parte de terceiros, resistência à prisão em flagrante

ou à determinada por autoridade competente, o executor e as pessoas que o auxiliarem poderão usar dos meios necessários para defender-se ou para vencer a resistência, do que tudo se lavrará auto subscrito também por duas

testemunhas.

“Assim, a violência empregada pela autoridade na execução da lei ou de ordem

judicial nela baseada, quando demonstrar-se necessária, não configurará o crime em

estudo, constituindo hipótese de estrito cumprimento do dever legal.” (CAPEZ, 2007, p.

18).

Em relação à matéria abordada no art. 322 do CP (Praticar violência, no

exercício de função ou a pretexto de exercê-la), esta foi integralmente disciplina pelo

artigo em comento, art. 3º, i, da lei no 4.898/65. Capez (2007, p. 18) afirma que “[...] o

art. 322 do CP foi revogado tacitamente pela mencionada lei especial. Esse é, inclusive,

o posicionamento que prevalece na doutrina, embora na jurisprudência haja corrente

em sentido contrário.”

Destaca-se que quando a violência praticada por autoridade for cometida com a

finalidade de obter informação, declaração ou confissão, ou para provocar ação ou

omissão de natureza criminosa, a conduta será caracterizada como tortura, Lei

9.455/97, prevalecendo os dispositivos especiais e mais graves dessa lei.

Importante analisar a hipótese de resultar lesões corporais da conduta abusiva

do agente, configurando o crime no art. 129 do CP ou no art. 209 do CPM. Existem,

segundo Freitas e Freitas (1999, p. 55-56), duas correntes em relação a esse tema:

“uma sustentando que, se além do abuso, o agente praticar lesões na vítima, ocorre o

concurso formal. Outra, afirmando, que no caso, deve ser aplicada a regra do concurso

material.” Na opinião dos autores, a lesão corporal não é absorvida pelo abuso devendo

ser aplicado o concurso material de delitos, uma vez que as objetividades jurídicas dos

crimes são diferentes.

Nesta senda, Moraes e Smanio (2006, p. 45) defendem a ocorrência de concurso

material de delito, salientando que “o crime de abuso de autoridade tem por objetivo

resguardar os direitos constitucionais da cidadania [...], finalidade esta diversa da do art.

129 do CP, que é a proteção da integridade física ou da saúde da pessoa.” E completa

Capez (2007, p. 18) “de qualquer modo, seja pelo concurso formal imperfeito (uma só

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conduta com dois ou mais resultados), seja pelo concurso material (duas condutas com

dois resultados), a conseqüência acaba sendo a mesma: somam-se as penas.”

4.3.4 Submissão a vexame ou constrangimento

A conduta descrita está tipificada na Lei 4.898/65, em seu art. 4º, b, constituindo-

se abuso de autoridade submeter pessoa sob sua guarda ou custódia a vexame ou a

constrangimento não autorizado em lei. “Esse dispositivo legal, na prática, tem sua

aplicação voltada à manutenção dos direitos do preso não afetados pela restrição a sua

liberdade de locomoção.” (MORAES E SMANIO, 2006, p. 51). Não raras vezes,

verificam-se policiais militares processados pela presente norma, pois são estes que,

normalmente, estão com a guarda ou custódia de pessoas presas.

Os presos conservam todos os direitos fundamentais reconhecidos à pessoa

livre, com exceção daqueles incompatíveis a pessoa presa (liberdade de locomoção,

livre exercício de qualquer profissão, inviolabilidade domiciliar em relação à cela,

exercício de direitos políticos).

A Constituição da República vigente dispõe em seu art. 5º, XLIX, que “é

assegurado aos presos o respeito à integridade física e moral.” Ratificando o

dispositivo, vem o art. 38 do CP, segundo o qual “o preso conserva todos os direitos

não atingidos pela perda da liberdade, impondo-se a todas as autoridades o respeito à

sua integridade física e moral.”

Como se vê, não há como se permitir qualquer ato de constrangimento ou prática vexatória contra encarcerados. Por constrangimento ilegal deve -se

entender o ato de coagir, obrigar, forçar a praticar determinado ato e por vexame a afronta, a desonra, o escândalo. É a situação que humilha a pessoa do preso. (FREITAS e FREITAS, 1999, p. 71).

Na tentativa de definir o que seja o vexame ou constrangimento, Faria (1959, p.

200) salienta que “[...] permitir a exposição pública do preso, obrigá-lo a trabalho não

previsto e deprimente, permitir que alguém o injurie, impedir-lhe a higiene corporal,

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sujeitá-lo a castigos injustificados, etc., são fatos expressivos de vexame ou

constrangimento.” Santos (2003) exemplifica os abusos como a exibição pública de um

preso, constrangimento do preso a dar entrevistas, colocação do preso em cela escura,

a utilização de galés ou grilhões e crimes sexuais cometidos contra o preso.

A respeito do tema, tem a jurisprudência entendido que: “configura-se delito de

abuso de autoridade a exposição pública de preso sob custódia policial a vexame, com

imposição de conduzir pelas ruas o objeto do crime por ele praticado e cartazes

alusivos a este. (RF 207/330).” (FREITAS e FREITAS, 1999, p. 73).

De acordo com Capez (2007, p. 24), a conduta em análise “[...] não se confunde

com aquele previsto no art. 1º, § 1º, da Lei de Tortura: [...]. Aqui, não se trata de

submeter o detido a simples vexame, mas de infligir-lhe sofrimento, isto é, intensa dor

física ou mental.”

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5 A APLICAÇÃO DA LEI DE ABUSO DE AUTORIDADE PELA AUTORIDADE

POLICIAL MILITAR NO ÂMBITO ADMINISTRATIVO

Neste capítulo será exposto se o policial militar está sujeito as sanções

administrativas previstas na Lei de abuso de autoridade, bem como se a autoridade

policial militar possui atribuição para tal aplicação.

Não obstante, primeiramente apresentar-se-á a tripla responsabilidade da Lei em

comento, uma vez que estas instâncias são independentes, não sendo necessário

aguardar a decisão de uma para iniciar o processo em outra e vice-versa.

5.1 A TRÍPLICE RESPONSABILIDADE

A Lei de abuso de autoridade reza em seu art. 9º que “simultaneamente com a

representação dirigida à autoridade administrativa ou independentemente dela, poderá

ser promovida pela vítima do abuso, a responsabilidade civil ou penal ou ambas, da

autoridade culpada.” Como se vê, a lei prevê sanções de natureza administrativa, civil e

penal, e de acordo com Capez (2007) essas instâncias são independes, não sendo

necessário aguardar a decisão de uma para iniciar o processo em outra. E o que se tira

da leitura do § 3º, art. 7º, da lei em comento, ou seja, “O processo administrativo não

poderá ser sobrestado para o fim de aguardar a decisão da ação penal ou civil.”

Neste sentido, Freitas e Freitas (1999, p.117) diz que:

Tais procedimentos são autônomos, independendo, na apuração de qualquer um deles, da decisão a ser proferia no outro, pois “... as comunicações civis, penais e disciplinares poderão cumular-se, sendo umas e outras independentes

entra si, bem assim as instâncias civis, penais e administrativas .” (RTJ 37/21).

Quanto ao direito de representação, o art. 2º da Lei 4.898/65 reza que:

Art. 2º O direito de representação será exercido por meio de petição:

a) dirigida à autoridade superior que tiver competência legal para aplicar, à autoridade civil ou militar culpada, a respectiva sanção; b) dirigida ao órgão do Ministério Público que tiver competência para iniciar

processo-crime contra a autoridade culpada.

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No entanto, a Lei 5.249/67 dispõe que “a falta de representação do ofendido, nos

casos de abusos previstos na Lei 4.898/65, não obsta à iniciativa ou ao curso da ação

pública”, ou seja, o legislador ordinário converteu o fato delituoso em crime de ação

pública incondicionada.

Assim, mesmo que não haja dita representação, tomando a autoridade ciência

dos fatos por qualquer meio, deve esta determinar, de ofício, a instauração do inquérito.

Ademais, quando o policial militar ciente de um abuso de autoridade não tomar as

providências necessárias para apuração dos fatos, incorrerá nas sanções do disposto

no art. 322 do CPM, que trata do delito de condescendência criminosa, se não incorrer

no delito de prevaricação, previsto no art. 319 do mesmo estatuto. (FONSECA, 1997).

Finalizando, salienta Freitas e Freitas (1999, p. 114) que “recebida a

representação da vítima, ou tomando conhecimento da infração por qualquer outro

meio, deverá a autoridade instaurar inquérito para a apuração da falta, [...].”

5.1.1 Responsabilidade Penal

As sanções penais da Lei 4.898/65 estão previstas no art. 6º, § 3º e são as

seguintes:

§ 3º A sanção penal será aplicada de acordo com as regras dos artigos 42 a 56 do Código Penal e consistirá em:

a) multa de cem a cinco mil cruzeiros; b) detenção por dez dias a seis meses; c) perda do cargo e a inabilitação para o exercício de qualquer outra função

pública por prazo até três anos. § 4º As penas previstas no parágrafo anterior poderão ser aplicadas autônoma ou cumulativamente.

§ 5º Quando o abuso for cometido por agente de autoridade policial, civil ou militar, de qualquer categoria, poderá ser cominada a pena autônoma ou acessória, de não poder o acusado exercer funções de natureza policial ou

militar no município da culpa, por prazo de um a cinco anos.

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Com a reformulação da parte geral do Código Penal, as penas pecuniárias

começaram a ser tratadas pelo critério do dia-multa, de acordo com o que dispõe os

arts. 49 e s. do CP. (CAPEZ, 2007).

O máximo da pena privativa de liberdade é de seis meses, sendo passível de

substituição por multa. Entretanto, a súmula 171 do STJ reza que “cominadas

cumulativamente, em lei especial, penas privativa de liberdade e pecuniária é defeso a

substituição da prisão por multa.”

As penas principais existentes no nosso ordenamento jurídico penal são

divididas em três espécies: as privativas de liberdade, as restritivas de direito e as

pecuniárias. Ressalva-se que desde 1984 com a Reforma Penal, foram extintas as

penas acessórias. Pois bem, em qual modalidade se enquadra a perda do cargo e a

inabilitação para o exercício de qualquer outra função pública?

O Código Penal institui no art. 92, inc. I, letra „a‟, que a perda do cargo como

efeito da condenação só possa ser aplicada quando a pena cominada for igual ou

superior a um ano, no entanto sem efeitos para a Lei de Abuso de Autoridade, haja

vista a pena máxima cominada é de apenas seis meses. Contudo, a imposição da

perda do cargo e a inabilitação para o exercício de qualquer outra função pública é uma

pena principal e autônoma, sendo que a presente lei é uma norma especial, podendo

haver o estabelecimento de requisitos e regras especiais, distintos do Código Penal.

(MORAES e SMANIO, 2006). Nesse sentido, o STJ se manifes tou como:

A pena de perda do cargo e inabilitação para o exercício de função pública, prevista no art. 6º, § 3º, alínea „c‟, da Lei 4.898/65, é de natureza principal,

assim como as penas de multa e detenção, previstas, respectivamente, nas alíneas „a‟ e „b‟ do mesmo dispositivo, em nada se confundindo com a perda do cargo ou função pública, prevista no art. 92, inciso I, do Código Penal, como

efeito da condenação. (STJ, 6º Turma, Rel. Min. Hamilton Carvalhido, REsp. 279429/SP, j. 21-10-2003, DJ, 15-12-2003, p. 411).

Finalmente, conforme o dispositivo no § 5º, sobre o acusado exercer funções de

natureza policial ou militar no município da culpa, tratando-se de pena acessória e,

como tal, extinta pelo Código Penal, não mais podendo ser aplicada. (CAPEZ, 2007).

Freitas e Freitas (1999) afirmam que o parágrafo em comentário, quanto a pena

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acessória, não é mais contemplado no Código Penal. Poderá sim ser aplicado como

pena autônoma.

5.1.2 Responsabilidade Civil

De acordo com o art. 6º, § 2º, da lei de abuso de autoridade, “a sanção civi l, caso

não seja possível fixar o valor do dano, consistirá no pagamento de uma indenização de

quinhentos a dez mil cruzeiros.” Como se vê, o valor da indenização tornou-se letra

morta, por causa da desvalorização da moeda. Não obstante, o quantum indenizatório

será determinado conforme dispõe o Código Civil em seus arts. 944 a 954.

Santos (2003) salienta que em relação ao dano material, o valor da indenização

pode ser calculado facilmente. Tão logo, o legislador pretendeu ressarcir o que

chamamos de dano moral. Isso nada mais é do que a responsabilidade civil objetiva da

Administração Pública, uma vez que a conduta criminosa do agente gera possibilidade

de indenização por dano moral.

Sobre esse tema, ensina Meirelles (1999, p. 589):

O abuso no exercício das funções por parte do servidor não exclui a

responsabilidade objetiva da Administração. [...] Desde que a Administração defere ou possibilita ao seu servidor a realização de certa atividade administrativa, a guarda de um bem ou a condução de uma viatura, assume o

risco de sua execução e responde civilmente pelos danos que esse agente venha a causar injustamente a terceiros.

Ponto a se destacar é o art. 9º, o qual traz em sua redação “[...] poderá ser

promovida, pela vítima do abuso, a responsabilidade civil ou penal ou ambas, da

autoridade culpada.” Esse dispositivo oferece uma faculdade a vítima, acionando

diretamente a autoridade culpada, não sendo obrigada a intentar ação contra a pessoa

jurídica à qual esteja ela subordinada. De nenhuma forma esse artigo pretende vedar o

ingresso contra o Estado, haja vista este direito está estampado no texto constitucional.

(FREITAS e FREITAS, 1999).

Em resumo, a vítima poderá dirigir seu pedido contra o Estado, contra a

autoridade e, nada impedindo, contra ambos simultaneamente.

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A Carta Magna em seu art. 37, § 6º, prevê a responsabilidade objetiva do Estado

no qual o servidor que, no exercício das suas funções, cometer abusos, a ação será

promovida em face da pessoa jurídica de direito público a qual esse agente está

subordinado, sem necessidade de comprovação de dolo ou culpa (basta provar o nexo

causal entre o abuso e o dano), ficando a entidade com o direito de promover a ação

regressiva em face do causador do dano, devendo, nesse caso, demonstrar o seu dolo

ou a culpa. (CAPEZ, 2007).

Assunto que tem suscitado profundos estudos é sobre a autonomia das

responsabilidades civil e penal e a influência que pode ser exercida entre as duas

jurisdições, principalmente quando da ocorrência da coisa julgada. (FREITAS e

FREITAS, 1999). Nesse sentido, Capez (2007, p. 34) “não se deve esquecer que um

dos efeitos da condenação definitiva é tornar certa a obrigação de reparar o dano (CP,

art.91, I), e que a sentença condenatória transitada em julgado é titulo executivo judicial

no juízo cível. (CPP, art.63, e CPC, art.584, II).” O professor Dias (apud FREITAS e

FREITAS, 1999, p. 120) traz algumas considerações como:

A decisão condenatória não só tranca a discussão no c ível, como, [...] tem força executória, reduzindo a simples operação de liquidação às atribuições do Juízo

Civil. A sentença de absolvição fundada em estado de necessidade, legítima defesa, cumprimento estrito de dever legal ou exerc ício regular de direito impede a ação

de reparação de dano. A sentença criminal que não tiver categoricamente negado a existência material do fato ou a sua autoria, não se impõe à jurisdição civil.

A respeito da sanção civil nos casos de abuso de autoridade, a jurisprudência

tem assentado que:

No caso de reparação de danos resultantes de prisão ilegal, não é apenas a autoridade que a ordenou a responsável; a Fazenda Pública responde igualmente pelos mesmos, em virtude do princípio geral fixado no art.194 da CR

e pelo qual aquela é civilmente responsável pelos danos que os seus funcionários, nessa qualidade, causem a terceiro [...]. (RT 209/482 – STF). Deve a Fazenda do Estado reparar preju ízos causados pela polícia com a

abusiva apreensão de autocaminhão em inquérito policial. (RT 289/169 – TJSP).

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Os atos praticados em defesa da ordem legal, havendo, por esse motivo,

absolvição no crime, não sujeitam o Estado ao pagamento de indenização. (RT 157/738 – TJSP).

5.1.3 Responsabilidade Administrativa

De acordo com art. 6º, § 1º, da Lei em comento, a sanção administrativa será

aplicada de acordo com a gravidade do abuso cometido e consistirá em: a) advertência;

b) repreensão; c) suspensão do cargo, função ou posto por prazo de cinco a cento e

oitenta dias, com perda de vencimentos e vantagens; d) destituição de função; e)

demissão; f) demissão, a bem do serviço público.

A advertência é a forma mais branda de punir. Consiste numa admoestação feita

verbalmente ao transgressor, aplicada pela negligência no serviço, podendo ser em

caráter particular ou ostensivamente. Quando ostensivamente poderá ser na presença

de superiores, no círculo de seus pares ou na presença de toda ou parte da OPM. A

advertência, por ser verbal, não deve constar das alterações do punido, devendo

entretanto, ser registrada em sua ficha disciplinar.

Já a repreensão é a advertência escrita. É uma censura enérgica ao transgressor,

publicada em boletim e que não priva o punido da liberdade. Não é uma simples

negligência pela falta de cuidado no serviço, é uma falta mais grave, como a

desobediência, o não cumprimento dos deveres inerentes ao cargo.

A suspensão do cargo, função ou posto pelo prazo de 5 a 180 dias, com perda de

vencimentos e vantagens é o afastamento temporário de seu exercício, com prejuízo

dos vencimentos, conseqüentemente atingindo o patrimônio do funcionário. Perdem-se

todas as vantagens e direitos inerentes ao cargo. Poderá ser convertida em multa,

permanecendo o funcionário em exercício com a metade do seu vencimento ou

remuneração. Corresponde a uma falta grave ou infração já punida com repreensão.

A destituição de função é a perda da função, correspondendo a rebaixamento na

situação do funcionário no serviço e tem por fundamento a falta de exação no

cumprimento do dever, aplicando-se àqueles que exercem função gratificada ou função

de confiança. O agente permaneça integrando os quadros da Administração.

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Por fim, a demissão é a exclusão compulsória dos quadros da Administração, em

casos de extrema gravidade, e a demissão a bem do serviço público é a demissão

anterior agravada, sendo a sanção administrativa mais grave, aplicada nos casos em

que se verificar a prática de crimes contra a Administração, os cofres públicos e o

Estado.

Neste ponto, torna-se necessário ressaltar que Oficiais e graduados devem passar

pelo Tribunal de Justiça para serem demitidos. Nesse diapasão, o art. 125, § 4º, da CR

reza que cabe “[...] ao tribunal competente decidir sobre a perda do posto e da patente

dos oficiais e da graduação das praças” e o art. 142, § 3º, inc. VI, do mesmo diploma ,

traz que “o oficial só perderá o posto e a patente se for julgado indigno do oficialato ou

com ele incompatível, por decisão de tribunal militar de caráter permanente, em tempo

de paz, ou de tribunal especial, em tempo de guerra.”

Em outras palavras, o oficial não pode ser demitido ex officio, em razão de ato

emanado do Poder Executivo, ainda que fundado em processo disciplinar ou

administrativo. Quando se fala em praças graduados, está se referindo a sargentos e

subtenentes, pois cabos e soldados são denominados de praças de pré.

Respeitado o devido processo legal, através do processo administrativo disciplinar,

a autoridade competente irá avaliar a extensão e a gravidade do abuso, decidindo

então, qual punição deve ser aplicada ao caso concreto. (FONSECA, 1997).

Apesar dos crimes de abuso de autoridade pertencerem a uma legislação

especial, eles se aproveitam da forma de processamento administrativo dos estatutos a

que estão sujeitos os funcionários públicos. Assim, reza o art. 7º da Lei no 4.898/65:

Art. 7º Recebida a representação em que for solicitada a aplicação de sanção administrativa, a autoridade civil ou militar competente determinará a

instauração de inquérito para apurar o fato. § 1º O inquérito administrativo obedecerá às normas estabelecidas nas leis municipais, estaduais ou federais, civis ou militares, que estabeleçam o

respectivo processo. [...];

Um fato praticado por policial militar que tipifique ilícito administrativo nem

sempre configurará um fato típico no âmbito penal. Assim, como bem assinala Osório

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(2000, p. 136-137), nem todo bem jurídico da Administração será protegido

simultaneamente pelos direitos administrativo e penal, sendo que:

É possível que o legislador utilize técnicas distintas para proteção de idênticos

bens jurídicos, v.g., nos crimes contra a Administração Pública, são empregados o direito penal e o Direito Administrativo Sancionador, inclusive o direito disciplinar. Sem embargo, também é possível perceber que, na variação

das técnicas, o legislador busca atender determinadas peculiaridades. Nem todo bem jurídico será protegido pelas técnicas dos direitos administrativo e penal, simultaneamente. Veja-se, por exemplo, o caso de um homic ídio,

definido no art. 121, caput, do Código Penal pátrio. Tal delito é reprimido pela técnica do direito penal. Não o é, em regra, pelo Direito Administrativo Sancionador, pois não está em jogo um bem jurídico que comporte, por sua

natureza, essa dupla proteção. A vida humana nada tem a ver, em geral, com o funcionamento, direto ou indireto, da Administração Pública. Já um il ícito de peculato, de outro lado, comporta, sem dúvida, o uso das técnicas penais e

administrativas cumulativamente, tendo em vista suas peculiaridades, sua ligação com a necessidade de proteger e preservar valores e princípios que presidem a Administração Pública, tarefa que pode ser desempenhada,

também, pelo Direito Administrativo Sancionador.

É sabido que as autoridades que, no exercício de suas funções, cometerem

abusos, poderão ser responsabilizadas em três esferas distintas. Contudo, ha vendo

apuração simultânea da responsabilidade, há necessidade de se verificar se uma

decisão não terá reflexos em outros processos. Casos há em que a decisão da ação

penal influi na ação civil ou administrativa e vice-versa.

“No tocante ao ilícito administrativo, como já foi dito, devemos ressaltar que o

mesmo independe do resultado do processo civil ou penal porventura instaurado contra

o funcionário.” (FREITAS E FREITAS, 1999, p. 118). Em relação ao assunto, comenta

Meirelles (2000, p. 450) que “apurada a falta funcional, pelos meios adequados

(processo administrativo, sindicância ou meio sumário), o servidor fica sujeito, desde

logo, à penalidade administrativa correspondente.” Prosseguindo, diz:

A punição interna, autônoma que é, pode ser aplicada ao funcionário antes do

julgamento judicial do mesmo fato. E assim é porque, como já vimos, o ilícito administrativo independe do il ícito penal. A absolvição criminal só afastará o ato punitivo se ficar provada, na ação penal, a inexistência do fato ou que o

acusado não foi seu autor.

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A este respeito, tem a jurisprudência entendido que:

Se o funcionário foi absolvido no juízo criminal, admite -se a punição administrativa somente quando existe falta residual não compreendida na absolvição pelo Juízo Criminal. (RT 458/68).

A decisão do juiz criminal não afeta a civil ou a administrativa. (RT 441/83). A absolvição por insuficiência de prova para a condenação do funcionário no Juízo Criminal não afasta a aplicação da sanção administrativa decorrente de

processo regular. (RT 436/249). A punição administrativa ou disciplinar não depende de processo civil ou criminal a que se sujeite também o funcionário, pela mesma falta, nem obriga a

Administração a aguardar o desfecho dos demais processos. (RT 438/222). O ilícito administrativo é inconfundível com o penal e a instância administrativa não está condicionada àquela. (RT 416/347).

Se a Justiça Criminal negar o fato ou a autoria, não será possível com base nele, manter a demissão, pois cumpre observar o princípio segundo o qual, embora sejam independentes a responsabilidade civil e a criminal, não mais se

poderá questionar no cível sobre a existência do fato, ou quem seja o autor, quando estas questões se acharem decididas no crime. (RT 411/407). Pela falta residual não compreendida na absolvição pelo Juízo Criminal é

admissível a punição administrativa do servidor público. (Súmula 18 do STF – RT 410/456). A ilicitude administrativa não se confunde com a penal. Se, além das sanções

cominadas pela lei penal, o Poder Público dispõe de penas administrativas, prevalece o Juízo Penal. (RT 490/309). (FREITAS E FREITAS, 1999, p. 118-119).

Sabe-se que a Polícia Militar possui instrumentos internos aptos a punir o policial

que infrinja as normas de funcionamento do serviço policial militar em geral. Tal poder

punitivo decorre dos poderes hierárquico e disciplinar.

Neste sentido, “o poder disciplinar tem sua origem e razão de ser no interesse e

na necessidade de aperfeiçoamento progressivo do serviço público”. (MARCELLO

CAETANO apud MEIRELLES, 2000, p. 115). Em outras palavras, atuando enquanto

titular do poder disciplinar, a Administração procura exercê -lo buscando sempre zelar

pela qualidade e efetividade do serviço público prestado.

5.2 PODER DISCIPLINAR

O poder disciplinar da Administração Pública consiste no poder de apurar

infrações funcionais dos servidores públicos e demais pessoas submetidas à disciplina

administrativa, bem como no poder de aplicação de penalidades. (FILHO, 2003).

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Di Pietro (2007, p. 82) faz uma ressalva afirmando que o poder disciplinar “não

abrange as sanções impostas a particulares não sujeitos à disciplina interna da

Administração, porque, nesse caso, as medidas punitivas encontram seu fundamento

no poder de polícia do Estado”.

Esse poder não deve ser confundido com o poder hierárquico, apesar de

relacionar-se a ele. Por meio do poder hierárquico, distribui-se e escalonam-se funções

executivas, enquanto que no poder disciplinar a Administração Pública controla o

desempenho dessas funções e a conduta interna de seus servidores, aplicando

sanções quando necessário. (MEIRELLES, 2000).

Com o escopo de garantir a normalidade da atividade funcional dos órgãos

públicos, o Estado a par de outros cuidados que toma, adota normas disciplinares para

obrigar os servidores a cumprirem os seus deveres. Se o funcionário infringe algum dos

seus deveres, será responsabilizado disciplinarmente, sofrendo uma punição cuja

natureza depende da gravidade da falta cometida. Quando tal ocorre, invoca-se o

regime disciplinar aplicável. (COSTA, 1981).

Não se deve confundir o poder disciplinar da Administração com o poder punitivo do Estado, realizado através da Justiça Penal. O poder disciplinar é

exercido como faculdade punitiva interna da Administração e, por isso mesmo, só abrange as infrações relacionadas com o serviço; a punição criminal é aplicada com a finalidade social, visando à repressão de crimes e

contravenções definidas nas leis penais, e por esse motivo é realizada fora da Administração ativa, pelo Poder Judiciário. (MEIRELLES, 2000, p. 115).

Essas duas punições, disciplinar e criminal, possuem naturezas e fundamentos

diversos. A diferença aqui tratada não é de grau de aplicação conforme a infração

cometida, mas sim quanto à própria substância de cada falta, o que possibi lita a

aplicação concomitante de ambas sem que haja bis in idem, posto que a punição

disciplinar é sempre um minus em relação à criminal. Em outros termos, algumas faltas

administrativas são mais leves e, portanto, passíveis de correção por meio da aplicação

isolada do poder disciplinar; entretanto, algumas infrações no exercício de função

administrativa são de tamanha gravidade que alcançam a configuração de

contravenção penal ou até crime, hipótese na qual haverá aplicação concorrente do

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poder disciplinar (na esfera administrativa) e do poder punitivo do Estado, por meio de

sanção penal (adentrando na esfera judicial). (MEIRELLES, 2007, p. 115).

Assim, uma falha singela na prestação de serviços, como chegar atrasado

injustificadamente, poderá acarretar a aplicação de uma pena disciplinar, mas não

constitui crime; por outro lado, um ato de desonestidade, como o desvio de verbas

públicas, fatalmente implicará na aplicação de pena disciplinar e também na sanção

penal respectiva.

O poder disciplinar também é caracterizado pela discricionariedade, no sentido

de que não está vinculada a prévia definição da lei sobre a infração funcional e a

respectiva sanção.

Enquanto no Direito Penal vigora o princípio de que não há crime sem lei

especial que o defina, no Direito Disciplinar não há normas rígidas quanto o

procedimento a ser seguido. Além disso, o administrador aplicará a sanção que julgar

cabível, oportuna e conveniente dentre as que estiverem enumeradas em lei ou

regulamento, podendo, para tanto, considerar a natureza, a gravidade da infração e os

danos que resultarem para o serviço público. (LUZ, 1992).

Contudo, apesar dessa discricionariedade, o Estado não pode se omitir na

apuração de qualquer falta funcional, tendo essa aplicação da pena disciplinar o caráter

de poder-dever. A não apuração pode ser considerada conivência delituosa, e isso é

considerado crime contra a Administração Pública. (MEIRELLES, 2000).

5.3 COMPETÊNCIA E ATRIBUIÇÃO COMO REQUISITO DO ATO ADMINISTRATIVO

A Administração Pública exterioriza sua função executiva através de atos

administrativos, espécie do gênero ato jurídico previsto no Código Civil de 1916, em seu

art. 81, como “todo o ato lícito, que tenha por fim imediato adquirir, resguardar,

transferir, modificar ou extinguir direitos.” A partir dessa definição legal, pode-se

conceituar atos administrativos, acrescentando, apenas, a finalidade pública.

(MEIRELLES, 2000). Lembra Di Pietro (2007) que de acordo com essa concepção,

aqueles elementos caracterizadores do ato jurídico – manifestação de vontade, licitude

e produção de efeitos jurídicos imediatos – estão presentes no ato administrativo.

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Adotando essa orientação, Cretella Júnior (1977, p. 19) define o ato

administrativo como “a manifestação de vontade do Estado, por seus representa ntes,

no exercício regular de suas funções, ou por qualquer pessoa que detenha, nas mãos,

fração de poder reconhecido pelo Estado, que tem por finalidade imediata criar,

reconhecer, modificar, resguardar ou extinguir situações jurídicas subjetivas, em

matéria administrativa.”

Trilhando por esse entendimento, Meireles (2000, p. 139) reza que ato

administrativo é “toda manifestação unilateral de vontade da Administração Pública que,

agindo nessa qualidade, tenha por fim imediato adquirir, resguardar, transferir,

modificar, extinguir e declarar direitos, ou impor obrigações aos administrados ou a si

própria.”

“Por esse conceito, sendo o ato manifestação de vontade, ficam excluídos os

atos que encerram opinião, juízo ou conhecimento. Produzindo efeitos imediatos, ficam

excluídos os atos normativos do Poder Executivo, como os regulamentos.” (DI PIETRO,

2007, p. 179-180).

Já Di Pietro (2007, p. 181) define ato administrativo como “a declaração do

Estado ou de quem o represente, que produz efeitos jurídicos imediatos, com

observância da lei, sob regime jurídico de direito público e sujeita a controle pelo Poder

Judiciário.”

Assim, pode-se citar como exemplo de atos administrativos os relacionados com

a vida funcional de seus servidores, como nomeação, exoneração, abertura de inquérito

administrativo, concessão de férias, imposição de pena, entre outros. (GASPARINI,

2005).

Meirelles (2000, p. 140) adverte que não se deve confundir ato administrativo

com fato administrativo, sendo este “toda realização material da Administração em

cumprimento de alguma decisão administrativa, tal como a construção de uma ponte, a

instalação de um serviço público, etc.”, ou seja, “é atividade pública material, desprovida

de conteúdo de direito.” Mais adiante lembra o autor o que convém fi xar é “que o ato

administrativo não se confunde com o fato administrativo, se bem que estejam

intimamente relacionados, por ser este conseqüência daquele. O fato administrativo

resulta sempre do ato administrativo que o determina.”

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Para que exista um ato administrativo são necessários cinco requisitos para sua

formação, a saber: competência, finalidade, forma, motivo, objeto. “Sem convergência

desses elementos não se aperfeiçoa o ato e, conseqüentemente, não terá condições de

eficácia para produzir efeitos válidos.” (MEIRELLES, 2000, p. 141).

A orientação aqui adotada está consagrada no direito positivo brasileiro a partir

da Lei 4.717/65 (Lei da ação popular), cujo art. 2º, ao indicar os atos nulos, cita os cinco

elementos dos atos administrativos: competência, forma, objeto, motivo e finalidade. (DI

PIETRO, 2007).

Bastam essas considerações para realçar a importância do conhecimento

desses componentes do ato administrativo e justificar as considerações que serão

realizadas sobre o requisito competência, pois para a prática do ato administrativo a

competência é a condição primeira de sua validade. “Nenhum ato – discricionário ou

vinculado – pode ser realizado validamente sem que o agente disponha de poder legal

para praticá-lo.” (MEIRELLES, 2000, p. 141).

Contudo, em se tratando na presente pesquisa de autoridade administrativa,

deve-se primeiramente apresentar a distinção entre competência e atribuição, haja vista

serem tais expressões utilizadas erroneamente como sinônimos.

5.3.1 Distinção entre competência e atribuição

Para se definir competência é necessário antes se remeter ao termo jurisdição.

Assis (2008, p. 157) explica que:

O conceito de competência está intimamente ligado ao de jurisdição. Enquanto

a jurisdição, como função soberana do Estado, significa a aplicação do direito vigente ao caso concreto – compondo os lit ígios, o que é feito por intermédio dos juízes, a competência nada mais é do que os limites dessa jurisdição.

Nesse sentido, Mirabete (2007, p. 156) aduz que “a competência é, assim, a

medida e o limite da jurisdição, é a delimitação do poder jurisdicional.” O mesmo autor

completa que este poder jurisdicional é o poder de aplicar o direito objetivo ao caso

concreto que o estado-juiz investe à autoridade judiciária. Portanto, a competência

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define à qual autoridade judiciária compete processar e julgar determinado caso

concreto. (MIRABETE, 2007).

Por outro lado, “a atribuição diz respeito ao poder e dever que o agente público

tem em cumprir o que determina a lei (no plano administrativo), tornando-se, deste

modo, autoridade para desempenhar determinada função.” (SILVA, 2008, p. 55). Este

entendimento é repassado por Meirelles (2000, p. 96) ao tratar dos poderes e deveres

do administrador público, rezando que:

Estes gestores da coisa pública, investidos de competência decisória, passam a

ser autoridades, com poderes e deveres específicos do cargo ou função e, conseqüentemente, com responsabilidades próprias de suas atribuições, [...]. Os poderes e deveres do administrador público são os exp ressos em lei, os

impostos pela moral administrativa e os exigidos pelo interesse da coletividade. Cada agente administrativo é investido da necessária parcela de poder público para o desempenho de suas atribuições.

Sobre a confusão dos termos serem utili zados como sinônimos, Mirabete (2007,

p. 62) enfatiza que “a palavra „competência‟ é empregada, na hipótese, em sentido

amplo, como a „atribuição‟ a um funcionário público para suas funções.”

Dessa forma, a atribuição da autoridade policial diz respeito ao poder

administrativo para instaurar procedimentos investigatórios pré-processuais e requisitar

diligências. Já a competência é a medição da jurisdição determinada por lei.

5.3.2 Competência administrativa

A competência, em sentido amplo, é elemento vinculado de todo ato

administrativo, dessa forma nenhum ato pode ser realizado validamente sem que o

agente disponha de poder legal para praticá-lo. (GASPARINI, 2005). Ela é

caracterizada, segundo Lazzarini (1999, p. 46), “[...] pela capacidade do agente

decorrente das atribuições que a lei lhe individualizou para o exercício de seu cargo ou

função.”

O publicista Meirelles (2000, p. 141) conceitua competência administrativa como

“o poder atribuído ao agente da Administração para o desempenho específico de suas

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funções.” Segue o autor dizendo que “todo ato emanado de agente incompetente, ou

realizado além do limite de que dispõe a autoridade incumbida de sua prática, é

inválido, por lhe faltar um elemento básico de sua perfeição, qual seja, o poder jurídico

para manifestar a vontade da Administração.” Do exposto, percebe-se que a

competência resulta da lei e por ela é delimitada.

Sendo a competência administrativa um requisito de ordem pública, ela é

intransferível e improrrogável pela vontade dos interessados. Pode, entretanto, ser

delegada e avocada, desde que as normas reguladoras da Administração permitam. (DI

PIETRO, 2007).

5.4 A AUTORIDADE POLICIAL MILITAR FRENTE A SANÇÃO ADMINISTRATIVA DA

LEI DE ABUSO DE AUTORIDADE

Como visto no capítulo anterior, quando uma guarnição policial militar se exceder

nas suas condutas durante o atendimento de uma ocorrência, constituindo-se, em tese,

nos tipos penais previstos na Lei de abuso de autoridade, a autoridade superior

competente, tomando ciência dos fatos por qualquer meio, deverá determinar a

instauração do inquérito. Caso contrário, poderá incorrer nos crimes de

condescendência criminosa (art. 322 do CPM) ou prevaricação (art. 319, CPM).

(FONSECA, 1997).

Geralmente, numa notícia de crime não é possível, tecnicamente, determinar

com exatidão se houve aquele crime inicialmente informado. Assim, quando houver a

possibilidade de a infração ser de natureza militar, deve -se instaurar um inquérito

policial militar. (SILVA, 2008). Se ao final da instrução do inquérito veri ficarem-se

indícios de crime comum, qual seja abuso de autoridade, os autos serão remetidos a

justiça comum, pois a súmula 172 do STJ, aduz que: “Compete à justiça comum

processar e julgar militar por crime de abuso de autoridade, ainda que praticado em

serviço.” Caso a autoridade judiciária militar constatar que houve indícios de infração

administrativa, requisitará a instauração de um processo administrativo disciplinar para

apuração dos fatos relativo a falta funcional.

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O art. 7º, caput, da Lei 4.898/65 reza que “recebida a representação em que for

solicitada a aplicação de sanção administrativa, a autoridade civil ou militar competente

determinará a instauração de inquérito para apurar o fato”. Meirelles (2000) adverte que

o processo administrativo disciplinar também é chamado impropriamente de inquérito

administrativo.

Assim, a seguir se definirá quem é a autoridade policial militar competente para

instauração do processo administrativo disciplinar para apurar possíveis faltas

funcionais.

5.4.1 Definição de Autoridade Policial Militar

A autoridade policial militar aqui referida não é aquela mencionada no art. 5º da

Lei de abuso de autoridade, ou seja, o sujeito ativo para caracterização do delito. É,

porém, aquela que possui atribuição para aplicar ao policial militar as devidas sanções

disciplinares.

Esta atribuição está descrita a partir do art. 4º da portaria 009/PMSC/2001, que

regulamenta o processo administrativo disciplinar na Polícia Militar de Santa Catarina,

rezando que:

Art. 4° - A competência processual disciplinar na Polícia Militar de Santa Catarina será exercida pelas autoridades policiais-militares enumeradas no art. 9° do Regulamento Disciplinar da Polícia Militar de Santa Catarina, aprovado

pelo Decreto N° 12.112, de 16 de setembro de 1980, no território de suas circunscrições e terá por fim a apuração de transgressões disciplinares e sua autoria.

Assim, de acordo com o art. 9º do RDPMSC a competência para aplicar as

sanções administrativas é conferida ao cargo e não ao grau hierárquico, tendo

atribuição para aplicá-las:

1) O Governador do Estado, a todos os integrantes da Polícia Militar;

2) O Comandante Geral, a todos os integrantes da Polícia Militar; 3) O Chefe da Casa Militar, aos que estiverem sob a sua chefia; 4) O Chefe do Estado-Maior da PM, o Subchefe do Estado-Maior da PM, os Comandantes de Policiamento Regionais, os Diretores, o Ajudante-Geral, O

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Comandante do Centro de Ensino, O Chefe da Assessoria Militar da Secretaria

de Segurança Pública, o Chefe da Assessoria Parlamentar e o Chefe da Assessoria Judiciária, aos que servirem sob suas ordens; 5) Os Comandantes de Unidade Operacional PM ou de Bombeiro, a nível de

Batalhão, os comandantes ou chefes de Órgãos de Apoio da Polícia Militar e o Comandante do Batalhão de Comando e Serviço, aos que servirem sob suas ordens;

6) Os comandantes das Subunidades Operacionais PM ou de Bombeiros, a nível de Companhia, aos que servirem sob suas ordens; 7) Os comandantes de Pelotão ou Seção de Combate a Incêndio destacados,

aos que servirem sob suas ordens. Parágrafo único - A competência conferida aos chefes de órgãos de apoio e Assessores limitar-se-á as ocorrências relacionadas as atividades inerentes ao

serviço e suas repartições.

Definido autoridade policial militar para os processos administrativos

disciplinares, passaremos a tecer comentários sobre os procedimentos a serem

adotados por esta autoridade processante.

5.4.2 Procedimentos da Autoridade Policial Militar para apuração da infração

administrativa prevista na Lei de abuso de autoridade

De acordo com o art. 7º, § 1º, da Lei 4.898/65, o inquérito administrativo

obedecerá às normas estabelecidas nas leis municipais, estaduais ou federais, civis ou

militares, que estabeleçam o respectivo processo. Nas palavras de Fonseca (1997), os

crimes de abuso de autoridade estão previstos na legislação especial, no entanto, se

aproveitam da forma de processamento administrativo dos estatutos a que estão

sujeitos os funcionários públicos.

Dessarte, o processo administrativo obedecerá ao RDPMSC, consubstanciado

na portaria PMSC 009, de 30 de março de 2001, que regulamenta o processo

administrativo disciplinar na PMSC.

As autoridades policiais militares elencadas no art. 9º, do RDPMSC que tiverem

ciência de irregularidades no âmbito da Corporação que as considerem como possíveis

transgressões disciplinares serão obrigadas a promoverem a apuração imediata,

mediante processo administrativo disciplinar, cuja instauração somente ocorrerá se

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houver prova de fato que, em tese, constitua possível infração disciplinar e indícios

suficientes de autoria.

Quando não houver elementos suficientes para instaurar o processo, deverá

determinar a realização de sindicância. A sindicância, por sua vez, é um procedimento

de apuração de fatos que visa averiguar se o fato é ou não irregular e se há presunção

de autoria. (FORIGO, 2007).

Retira-se do art. 10 do RDPMSC que:

Art. 10. O processo administrativo disciplinar na Polícia Militar de Santa

Catarina poderá ter rito sumário e/ou sumaríssimo. § 1º O rito sumário será instaurado para apuração de possíveis infrações disciplinares que, em tese, são consideradas de natureza grave, ou sanções

que possam ensejar o licenciamento a bem da disciplina, [...]; § 2º O rito sumaríssimo será instaurado para apuração de possíveis infrações disciplinares que, em tese, são consideradas de natureza leve ou média, [...];

O processo administrativo disciplinar com rito sumário desenvolver-se-á nas

seguintes fases: instauração, defesa prévia, instrução, alegações finais e relatório da

autoridade processante. (art. 25 da portaria 009/PMSC/2001).

A instauração será formalizada pela autuação da portaria ou outro documento de

delegação, dos documentos que informam os fatos, termo de abertura, libelo acusatório

administrativo, da cópia da ficha funcional do acusado e da sua citação.

O libelo acusatório terá forma escrita expondo o fato com suficiente

especificidade de modo a delimitar o objeto da controvérsia e a permitir a plenitude da

defesa, enquanto a citação do indiciado servirá para o mesmo apresentar a sua defesa

prévia e se ver processar até julgamento final, bem como acompanhar os demais atos

do processo.

Citado do libelo acusatório administrativo e demais documentos do processo

administrativo disciplinar, o acusado terá prazo de 5 (cinco) dias úteis para apresentar

defesa escrita, podendo arrolar testemunhas, juntar documentos e requerer as

diligências que julgue necessárias para o esclarecimento dos fatos e sua defesa.

Estabelecida a relação processual, com a citação válida, a autoridade

processante, na fase da instrução, promoverá a tomada de depoimentos, acareações,

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investigações e diligências cabíveis, objetivando a coleta de prova, recorrendo, quando

necessário, a técnicos e peritos, de modo a permitir a completa elucidação dos fatos.

Todavia, devem ser assegurados os princípios do contraditório e ampla defesa

mesmo durante a instrução, possibilitando que o indiciado acompanhe a instrução.

Terminada a instrução, a autoridade processante promoverá a intimação do

acusado e/ou de seu defensor para vistas ao processo e apresentação da defesa

escrita, em alegações finais, no prazo de 5 (cinco) dias úteis.

Concluída a defesa, caberá à autoridade processante elaborar relatório

circunstanciado informando a respeito dos fatos apurados e provas colhidas, bem como

opinando pela absolvição ou punição do acusado, desde que indique os dispositivos

violados.

A seguir, encaminha-se o processo à autoridade delegante, para o julgamento

e/ou providências cabíveis. No entanto, o relatório não obriga a autoridade julgadora,

sendo uma peça meramente opinativa. Assim, nada impede da autoridade julgadora dar

ao processo solução diferente da proposta apresentada na conclusão da autoridade

processante, desde que fundamentada nas provas dos autos.

Como o processo pode ser submetido à exame do Poder Judiciário, é nula a

decisão sem fundamentação, porque se tornaria um ato arbitrário e ilegal, que

impossibilitaria o controle de legalidade da punição.

Além da gravidade da infração a ser apurada, o processo administrativo

disciplinar rito sumaríssimo, diferencia-se essencialmente do rito sumário, por não

possuir alegações finais e apresentar prazo de quinze dias úteis para o encerramento

com mais dez dias úteis para decisão da autoridade julgadora, contra o prazo de trinta

dias úteis somado com vinte dias úteis para decisão da autoridade julgadora, para

processo rito sumário.

Caberá os seguintes recursos ao policial militar que se sentir injustiçado na

esfera disciplinar: pedido de reconsideração de ato, queixa e representação. (art. 54 do

RDPMSC).

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5.4.3 Atribuição da Autoridade Policial Militar para aplicar as sanções

administrativas da Lei de abuso de autoridade

Definido ato administrativo anteriormente, nota-se que o processo administrativo

disciplinar nada mais é do que um encadeamento de atos administrativos, no qual sua

existência está condicionado a cinco requisitos. Sobre o assunto, Meirelles (2000, p.

141) afirma que “sem convergência desses elementos não se aperfeiçoa o ato e,

conseqüentemente, não terá condições de eficácia para produzir efeitos válidos.”

Exemplificando: uma guarnição policial militar se excedeu no atendimento de

uma ocorrência, existindo indícios, além de crime de abuso de autoridade, de falta

administrativa (motivo), o comandante da unidade, que é a autoridade competente para

manifestar a vontade, expede um ato administrativo escrito (forma), para apurar os fatos

e, dependendo do caso concreto, aplicar as sanções previstas (objeto), a fim de

resguardar o normal funcionamento da administração pública (finalidade).

Como se verifica, houve uma situação fática e uma norma jurídica fixando de

antemão o objeto do ato que individualizará, em um caso concreto, prevendo sua

forma. Posteriormente, examinados esses três elementos pré-existentes, poderá o

agente competente manifestar a sua vontade para buscar o resultado almejado, no

confronto do motivo com a norma legal. (LAZZARINI, 1999).

Lembra-se que a Lei de abuso de autoridade reserva a título de sanção

administrativa a advertência, repreensão, suspensão do cargo, função ou posto, por

prazo de 5 a 180 dias, com perda de vencimentos e vantagens, destituição da função,

demissão e demissão a bem do serviço público, sendo as sanções aplicadas de acordo

com a gravidade do abuso cometido.

Neste ponto, existe uma questão interessante ventilada por Assis (2006)

referindo-se à aplicabilidade das sanções administrativas acima mencionadas aos

militares do Estado, já que o Regulamento Disciplinar da Polícia Militar de Santa

Catarina não vislumbra todas essas sanções, prevendo como sanção a advertência,

repreensão, detenção, prisão e prisão em separado, e licenciamento e exclusão a bem

da disciplina.

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O entendimento de Assis (2006) é de que não somente as sanções previstas nos

estatutos disciplinares do servidor são a e les aplicáveis, sendo possível também a

aplicação daquelas oriundas de leis esparsas, como por exemplo, a lei do abuso de

autoridade.

Suscita-se neste ponto, que de acordo com a teoria conservadora denominada

hierarquia das leis, de Hans Kelsen, a Constituição ocupa o ponto central do

ordenamento jurídico e que as espécies normativas primárias (emendas constitucionais,

leis complementares, ordinárias etc.) se articulam entre si obedecendo a Constituição,

mas, respeitando, cada qual, o seu âmbito de atuação, permanecendo

hierarquicamente superiores às espécies normativas secundárias (decretos, portarias,

instruções etc.). (BULOS, 2003).

O Estatuto dos Policiais Militares do Estado de Santa Catarina, Lei estadual

6.218/83 e o Regulamento Disciplinar da Polícia Militar de Santa Catarina, Decreto

estadual 12.112/80, em nenhum momento afastam a possibilidade da aplicação de

sanção administrativa derivada por Leis esparsas, bem como são hierarquicamente

inferiores a uma Lei ordinária federal. Isso nos leva a crer que desde habilitado pelo

legislador, tais sanções podem ser aplicadas sem ao arrepio da Lei.

Contudo, no entender de Assis (2006), a autoridade administrativa (entenda-se o

superior com competência disciplinar sobre o infrator) é competente apenas para aplicar

as sanções elencadas nos estatutos disciplinares. No entanto, outras sanções

administrativas podem ser aplicadas pelo Poder Judiciário, fato que não as desvincula

do seu caráter administrativo. A este respeito, citando Fábio Medina Osório, membro do

Ministério Público do Rio Grande do Sul, Assis assenta que:

Juízes podem impor sanções administrativas, ainda que no desempenho de atividades jurisdicionais, desde que habilitados pelo legislador. [...] não configura, portanto, elemento indissociável da sanção administrativa a figura da

autoridade administrativa, visto que podem as autoridades judiciárias, de igual modo, aplicar estas medidas punitivas, desde que outorgada, por lei, a respectiva competência repressiva, na tutela de valores protegidos pelo Direito

Administrativo. (OSÒRIO, apud ASSIS, 2006, p. 66).

Em sentido contrário, Meirelles (2000, p. 138, grifou-se) aduz que:

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A prática de atos administrativos cabe, em princ ípio e normalmente, aos órgãos executivos, mas as autoridades judiciárias e as Mesas legislativas também os

praticam restritamente, quando ordenam seus próprios serviços, dispõem sobre seus servidores ou expedem instruções sobre matéria de sua privativa competência . Esses atos são tipicamente administrativos, embora

provindos de órgãos judiciários ou de corporações legislativas, e, como tais, se sujeitam a revogação ou a anulação no âmbito interno ou pelas vias judiciais, como os demais atos administrativos do Executivo.

Seguindo nesta trilha, Alexandrino e Paulo (2006, p. 301 , grifou-se) afirmam que

“[...] os Poderes Judiciário e Legislativo também editam atos administrativos,

principalmente relacionados ao exercício de suas atividades de gestão interna,

como atos relativos à contratação de seu pessoal, à aquisição de material de

consumo etc.”

Os artigos 2º e 7º da Lei de abuso de autoridade rezam que:

Art. 2º O direito de representação será exercido por meio de petição: a) dirigida à autoridade superior que tiver competência legal para aplicar, à

autoridade civil ou militar culpada, a respectiva sanção; b) dirigida ao órgão do Ministério Público que tiver competência para iniciar processo-crime contra a autoridade culpada.

[...]; Art. 7º Recebida a representação em que for solicitada a aplicação de sanção administrativa, a autoridade civil ou militar competente determinará a

instauração de inquérito para apurar o fato.

Assim, as autoridades judiciárias praticam atos administrativos relacionados ao

exercício de suas atividades de gestão interna, ou seja, quando ordenam seus próprios

serviços, dispõem sobre seus servidores ou expedem instruções sobre matéria de sua

privativa competência.

Com relação a lei em comento, a própria lei diz que a autoridade militar

competente é que aplicará a respectiva sanção administrativa, bem como determinará a

instauração de inquérito para apurar o fato.

Como se vê, em nenhum momento haverá ofensa ao princípio da legalidade,

haja vista que a aplicação das sanções administrativas previstas na Lei de abuso de

autoridade, pela autoridade competente militar, foi outorgada pelo legislador.

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Ainda para corroborar com esse entendimento, citamos o princípio da separação

dos poderes, consagrada na Constituição da República com status de cláusula pétrea

(art. 60, § 4º, III, CR) e com previsão no art. 2º da CR, in verbis: “São Poderes da

União, independentes e harmônicos entre si, o Legislativo, o Executivo e o Judiciário”.

Esse princípio traz que o exercício do poder do Estado é praticado através de órgãos

determinados que, possuindo funções específicas, traduzem uma distribuição (divisão

material) das suas tarefas e funções. (BELLO, 2004).

E de acordo com o art. 96, caput e inc. I, “a” e “f”, da CR, ao Poder Judiciário

também fica possibilitado exercer funções administrativas (em sua maioria inerentes ao

auto-governo e à auto-disciplina da carreira da magistratura) e legislativas (e.g., as

instruções normativas que disciplinam os Tribunais quando na elaboração dos seus

regimentos internos e auto-organizações). (BELLO, 2004).

Nesta vereda, Foltran (2009) aduz que o Poder Judiciário não pode substituir a

Administração Pública no exercício do poder discricionário, ficando a cargo do

Executivo a verificação da conveniência e oportunidade de serem realizados atos de

administração. Ocorrendo essa sub-rogação de tarefas próprias do Poder Executivo ao

Judiciário, este passaria a desempenhar atribuições que lhes são institucionalmente

estranhas, havendo clara usurpação de competência que não lhe pertence, com

evidente transgressão ao principio da separação dos poderes.

Sobre o assunto, o Desembargador Tourinho Neto afirmou que a Constituição da

República conferiu ao Poder Judiciário a função precípua de controlar os excessos

cometidos em qualquer das esferas governamentais, quando estes incidirem em abuso

de poder ou desvios inconstitucionais; e o reexame da decisão administrativa limitado

aos aspectos da legalidade do ato administrativo não caracteriza ofensa ao princípio da

separação de poderes. (TRF1 – AC 15566 MG 2000.38.00.015566-0).

Nesta seara, Meirelles (2000, p. 452) afirma que:

O necessário é que a administração pública, ao punir seu servidor, demonstre a legalidade da punição. Feito isso, ficará justificado o ato, e resguardado de revisão judicial, visto que ao judiciário só é permitido examinar o aspecto da

legalidade do ato administrativo (no exame da legalidade está incluída a verificação da existência ou não de causa legítima que autorize a imposição da sanção administrativa), não podendo adentrar os motivos de conveniência,

oportunidade ou justiça das medidas da competência especifica do Executivo.

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Fonseca (1997, p. 123) ressalta que:

A gravidade do abuso é apurada e valorada pela autoridade administrativa, civil ou militar, porque tais penas não podem ser aplicadas pelos juízes e tribunais, embora estes possam aferi-las em sua legalidade, competência, enfim, com

relação aos elementos do ato administrativo de sua aplicação.

Fonseca (1997) comenta que a autoridade administrativa, após o regular

procedimento administrativo (sindicância, inquérito ou processo administrativo) é quem

afere a extensão da gravidade do abuso cometido, e qual a pena que, diante do caso,

será aplicada. Logo, competente na sua aplicação é a autoridade administrativa

superior ao servidor indiciado.

O mesmo autor ainda afirma que “caso algum Município ou Estado ainda não

tenha seu regime jurídico único, ou possua carreiras de servidores regidas por estatuto

próprio, os quais não tenham previsão destas sanções, isso não implica inviabilidade na

aplicação destas penas.” (FONSECA, 1997, p. 124).

Freitas e Freitas (1999) analisando o assunto, confirmam a posição de Fonseca

(1997) declarando que se os estatutos dos servidores não fez menção a algumas das

sanções administrativas da lei de abuso de autoridade, nada impede que elas sejam

impostas pela Administração, seja federal ou estadual, pois não haverá ofensa ao

princípio da legalidade.

Por fim, tem suscitado se a pena prevista no art. 6º, § 1º, c , ou seja, suspensão

do cargo, função ou posto por prazo de cinco a cento e oitenta dias, com perda de

vencimentos e vantagens, seria pena acessória aplicável pelo Poder Judiciário? Santos

(2003, p. 26) diz que não, tratando-se de “[...] sanção administrativa, que não pode ser

aplicada pelo Poder Judiciário. O objetivo dessa sanção é atingir também o patrimônio

do funcionário Público, dado que é possível convertê-la em multa e aí não será

suspenso.”

Cumpre lembrar que, conforme decidiu o STF (STF – HC – Rel. Xavier de

Albuquerque – RTJ 95/1.092) “A suspensão do cargo com perda de vencimentos e

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vantagens não constitui pena acessória que possa ser aplicada pelo Poder Judiciário,

mas sanção administrativa imponível em processo regular pela autoridade civil

ou militar competente.” (grifou-se).

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6 CONSIDERAÇÕES FINAIS

O objetivo do presente trabalho foi realizar um estudo abordando a Lei 4.898/65,

identificando se a autoridade policial militar possui atribuição para aplicar, aos seus

subordinados, as sanções administrativas previstas na Lei de abuso de autoridade.

Esta pesquisa foi subsidiada pela legislação que envolve o assunto, doutrina

especializada no tema e a jurisprudência sobre a matéria.

Como diversas condutas previstas na Lei de abuso de autoridade vão de

encontro aos direitos fundamentais, restou esclarecer ao leitor a diferença entre direitos

e garantias, termos algumas vezes usados como sinônimos, bem como apresentar qual

geração de direito fundamental a Lei pretendeu tutelar.

Dessa forma, direitos são dispositivos declaratórios que imprimem existência ao

um bem reconhecido. Por sua vez, as garantias podem ser compreendidas como

elementos assecuratórios, ou seja, são os dispositivos que asseguram a fruição desses

bens, e, ao mesmo tempo, limitam os poderes do Estado. Contudo, não é raro juntar-se

na mesma disposição constitucional, ou legal, a fixação da garantia com a declaração

do direito.

Pôde observar-se ao longo desta pesquisa, que a lei em estudo resguarda os

direitos de primeira geração, ou seja, os direitos da liberdade – direitos civis e políticos.

Nesta geração são prestigiadas as prestações negativas, as quais geram um dever de

não fazer por parte do Estado, com vistas à preservação do direito à vida, á liberdade

de locomoção, à expressão, à religião, à associação etc.

Esta geração retrata a capacidade de não sermos oprimidos pelo Estado, direito

de termos nossa integridade, nossa propriedade, além de nossa liberdade, a salvo das

investidas arbitrárias do Poder Público.

Por se estar vivendo num Estado Democrático de Direito surge a característica

de haver no conjunto de normas que regem a nação uma diversidade de direitos que

acabam por delimitar a conduta do ente estatal. No entanto, apesar de existirem direitos

que assistem aos cidadãos, não se pode olvidar que eles também possuem suas

delimitações.

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Este aspecto foi especialmente demonstrado no tópico sobre os limites dos

direitos fundamentais, não restando dúvidas que tais direitos não são absolutos, haja

vista que em hipótese alguma poderão ser utilizados como escudo protetivo da prática

de atividades ilícitas, encontrando seus limites nos demais direitos igualmente

consagrados. Esta delimitação recebeu a denominação de princípio da relatividade ou

convivência das liberdades públicas.

Superada a questão dos direitos fundamentais, passa-se a abordar o delito de

abuso de poder. Assim, destaca-se inicialmente a impropriedade na denominação

abuso de autoridade, uma vez que esta expressão é mais apropriada nos casos de

abusos, excessos ou desvios no campo das relações privadas . Já o termo poder está

mais afeto as relações entre os agentes públicos e os particulares. Não obstante,

continuou-se a utilizar a expressão abuso de autoridade para não provocar dúvidas de

que está se referindo a lei 4.898/65.

Os sujeitos passíveis de sancionamento através da lei em estudo são aqueles

que exercem cargos, empregos ou funções públicas, de natureza civil, ou militar, ainda

que transitoriamente e sem remuneração. Conclui-se que não é imprescindível que o

indivíduo seja funcionário público, necessário é que exerça uma função pública.

O abuso de autoridade pode ser conceituado como toda conduta tipificada na Lei

4.898/65. Contudo, esta classificação pode ser entendida como o excesso de poder e o

desvio de finalidade ou poder, existindo quando o agente, embora competente para

praticar o ato, ultrapassa os limites de suas atribuições ou se desvia das finalidades

administrativas, sempre levando em consideração o dolo, elemento essencial para a

configuração deste delito. Não obstante, existem doutrinadores que caracterizam o

abuso de poder como realidade jurídica autônoma do excesso de poder e do desvio de

finalidade.

As condutas previstas na Lei em comento visam proteger de imediato o cidadão,

resguardando essencialmente seus direitos fundamentais, e de forma mediata o normal

funcionamento das instituições militares, sendo por isso denominadas de dupla

objetividade jurídica.

Não sendo objetivo principal deste trabalho, porém foram abordadas as

principais condutas relacionadas à atividade policial militar, já que a lei se refere à

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autoridade de uma forma geral. Tratou-se das condutas de atentado à liberdade de

locomoção, atentado à inviolabilidade do domicílio, atentado à incolumidade física do

indivíduo e submissão a vexame ou constrangimento.

O sujeito que incidir na lei de abuso de autoridade poderá ser responsabilizado

administrativa, civil e penalmente. Cabe destacar que estas esferas são independentes,

não sendo necessário aguardar a decisão de uma para iniciar o processo em outra.

Casos há em que a decisão da ação penal influi na ação civil ou administrativa e vice-

versa. Um exemplo é que a absolvição criminal só afastará o ato punitivo se ficar

provada, na ação penal, a inexistência do fato ou que o acusado não foi seu autor.

No âmbito penal, a lei de abuso de autoridade cumpre uma de suas funções

mais importantes, qual seja a de criminalizar pequenos abusos que não encontram

enquadramento específico na legislação penal. O sujeito ativo do tipo penal de abuso

de poder, em regra, é a autoridade, porém admitisse a participação de particular e o

sujeito passivo é a vítima do abuso e secundariamente o Estado. Para a configuração

penal do abuso é imprescindível a existência do dolo. A autoridade deve agir com a

intenção de abusar do poder que possui. No que diz respeito à competência para o

julgamento dos policiais militares pelo delito de abuso de poder, conclui -se que esta é

da justiça comum.

A responsabilidade civil de que trata esta lei, refere -se à responsabilidade

objetiva do Estado. A vítima poderá ingressar na justiça com uma ação de indenização

por dano moral contra o Estado, sem necessidade de comprovação de dolo ou culpa

(basta provar o nexo causal entre o abuso e o dano), ficando a entidade com o direito

de promover a ação regressiva em face do causador do dano, devendo, nesse caso,

demonstrar o seu dolo ou a culpa. A lei ainda oferece uma faculdade a vítima,

acionando diretamente a autoridade culpada, não sendo obrigada a intentar ação contra

a pessoa jurídica à qual esteja ela subordinada.

Em termos administrativos, pode-se dizer que o processo obedecerá ao que

prevê o regulamento disciplinar e o estatuto da PMSC e as sanções previstas vão

desde uma advertência até a demissão ou exclusão do policial do serviço ativo. A

punição aplicada ao caso concreto pela autoridade competente dependerá da avaliação

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da extensão e a gravidade do abuso. Necessário ressaltar que Oficiais e graduados

devem passar pelo Tribunal de Justiça para serem demitidos.

Sabe-se que a Polícia Militar possui instrumentos internos aptos a punir o policial

que infrinja as normas de funcionamento do serviço policial militar em geral. Tal poder

punitivo decorre dos poderes hierárquico e disciplinar. Não se deve confundir esses

dois poderes, apesar de estarem relacionados. É por meio do poder hierárquico que

distribui-se e escalonam-se funções executivas, enquanto que no poder disciplinar a

Administração Pública controla o desempenho dessas funções e a conduta interna de

seus servidores, aplicando sanções quando necessário.

O poder disciplinar da Administração consiste no poder de apurar infrações

funcionais das pessoas submetidas à disciplina administrativa e aplicar as devidas

penalidades. Este poder é exercido como punição interna da Administração, só

abrangendo as infrações relacionadas com o serviço, diferentemente do poder punitivo

do Estado, exercido pelo judiciário, para reprimir crimes e contravenções penais.

A sanção administrativa toma corpo através de um ato administrativo, no qual

este necessita de alguns requisitos para sua validade, tornando-se eficaz, e

conseqüentemente ocorrendo a sanção pretendida para correição do autor do abuso.

Foi delineado o entendimento de ato administrativo como a manifestação

unilateral de vontade da Administração Pública com fim imediato de adquirir,

resguardar, transferir, modificar, extinguir e declarar direitos, ou impor obrigações aos

administrados. Nesta seara, sendo o ato manifestação de vontade, ficam excluídos

aqueles atos que encerram opinião, juízo ou conhecimento, e produzindo efeitos

imediatos, ficam excluídos os atos normativos do Poder Executivo, como os

regulamentos.

Não se deve confundir ato administrativo com fato administrativo, pois este

resulta sempre daquele. Assim, o fato administrativo não contém manifestação de

vontade, envolvendo apenas execução material de um ato administrativo que o

antecede.

Os requisitos necessários para a formação do ato administrativo são:

competência, forma, objeto, motivo e finalidade. Presentes esses elementos, o ato

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estará apto a produzir efeitos válidos. Contudo, para a prática do ato administrativo a

competência é a condição primeira de sua validade.

A competência – elemento vinculado de todo ato administrativo – é o poder

atribuído ao agente da Administração para o desempenho específico de suas funções,

sendo este poder cedido pela lei e por ela é delimitado. Assim, qualquer ato praticado

por agente que não dispõe de poder legal para praticá-lo, será invalido.

Quando uma autoridade policial militar tomar ciência de irregularidades no

serviço de uma guarnição policial por qualquer meio, deverá apurar os fatos, caso

contrário, poderá incorrer nos crimes de condescendência criminosa (art. 322 do CPM)

ou prevaricação (art. 319, CPM).

Assim, se na apuração de um fato houver a possibilidade de a infração atentar

contra os bens militares juridicamente tutelados, deve-se instaurar um inquérito policial

militar. Verificado indícios de crime comum, abuso de autoridade, os autos devem ser

remetidos a justiça comum, segundo a súmula 172 do STJ, bem como se houver

indícios de falta funcional, ocorrerá a instauração de um processo administrativo

disciplinar.

O Regulamento Disciplinar da Polícia Militar de Santa Catarina não prevê todas

as sanções administrativas listadas na Lei de abuso de autoridade, sendo levantado o

questionamento, quando da apuração de falta funcional por abuso, se a autoridade

administrativa possui atribuição para aplicar essas sanções não previstas no

regulamento e se estas podem ser aplicadas aos policias militares.

Como foi observado, nada impede a aplicação das sanções administrativas

prevista na Lei em comento, uma vez que foi outorgada pelo legislador pátrio, somado

que em nenhum momento o Estatuto e o RDPMSC proíbem a aplicação de sanções

administravas oriundas de leis esparsas. Deve-se lembrar também, que a Lei 4.898/65,

é uma lei ordinária federal possuindo superioridade hierárquica sobre o Estatuto e o

RDPMSC, que são respectivamente, Lei e Decreto estaduais.

Quanto a atribuição da autoridade policial militar para aplicar as sanções

administrativas não previstas no RDPMSC, não resta dúvida que cabe a esta aplicar

qualquer sanção administrativa aos seus subordinados, uma vez que as autoridades

judiciárias praticam atos administrativos quando relacionados ao exercício de suas

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atividades de gestão interna, ou seja, quando ordenam seus próprios serviços, dispõem

sobre seus servidores ou expedem instruções sobre matéria de sua privativa

competência. Somado a isto, a própria lei em comento, em seu art. 2º, reza que é

competente para aplicação da sanção administrativa esta autoridade militar.

Reforça-se que em momento algum haverá ofensa ao princípio da legalidade,

pois a aplicação das sanções administrativas previstas na Lei de abuso de autoridade,

pela autoridade competente militar, foi outorgada pelo legislador.

Ademais, existem julgados dizendo que as sanções administrativas previstas na

lei em estudo é imponível pela autoridade militar competente.

Finalizando, verificou-se que as sanções previstas nos estatutos disciplinares do

servidor são a eles aplicáveis, bem como aquelas oriundas de leis esparsas e que em

nenhum momento o Estatuto ou regulamento da PMSC afastam a possibilidade da

aplicação de sanção administrativa derivada por Leis esparsas.

Do principio conservador denominado hierarquia das leis tira-se que a Lei de

abuso de autoridade (Lei Federal) é hierarquicamente superior ao Estatuto (Lei

Estadual) e ao Regulamento Disciplinar da Polícia Militar de Santa Catarina (Decreto

Estadual). Outro princípio que deve ser levado em consideração é o da separação dos

poderes no qual não poderá haver a substituição do juízo discricionário da

Administração pelo juízo discricionário do Judiciário.

Notou-se também que as autoridades judiciárias praticam atos administrativos

somente quando relacionados ao exercício de suas atividades de gestão interna. O

Poder Judiciário possui a função precípua de controlar os excessos cometidos em

qualquer das esferas governamentais, sendo necessário a Administração Pública, ao

punir seu servidor, que “demonstre a legalidade da punição. Feito isso, ficará justificado

o ato, e resguardado de revisão judicial, visto que ao judiciário só é permitido examinar

o aspecto da legalidade do ato administrativo”. (MEIRELLES, 2000, p. 452).

Não obstante, a própria lei em comento outorgou em seus dispositivos que é

atribuição da autoridade militar competente a aplicação das sanções administrativas

previstas no art. 6º, § 1º, da Lei 4.898/65.

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Diante do exposto, vislumbra-se a real possibilidade da autoridade policial militar

aplicar as sanções administrativas previstas na lei 4.898/65 aos policias militares que

incidirem na Lei de abuso de autoridade.

Ressalta-se que o estudo não tem a finalidade de esgotar a matéria em relação a

aplicação da Lei de abuso de autoridade no âmbito administrativo da Polícia Militar de

Santa Catarina, já que existe divergência doutrinária que deflagra da matéria, além do

assunto ser pouco explorado pela doutrina.

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SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA. Pesquisa de jurisprudência. Disponível em

<http://www.stJ.gov.br/>. Acesso em 20 de maio 2009.

SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. Pesquisa de jurisprudência. Disponível em

<http://www.stf.gov.br/>. Acesso em 20 de maio 2009.

VIEIRA, Oscar Vilhena. Direitos Fundamentais: uma leitura da jurisprudência do STF.

2. ed. São Paulo: Malheiros, 2006.

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ANEXO I

LEI Nº 4.898, DE 9 DE DEZEMBRO DE 1965.

O PRESIDENTE DA REPÚBLICA. Faço saber que o Congresso Nacional

decreta e eu sanciono a seguinte Lei:

Art. 1º O direito de representação e o processo de responsabilidade administrativa civil

e penal, contra as autoridades que, no exercício de suas funções, cometerem abusos,

são regulados pela presente lei.

Art. 2º O direito de representação será exercido por meio de petição:

a) dirigida à autoridade superior que tiver competência legal para aplicar, à autoridade

civil ou militar culpada, a respectiva sanção;

b) dirigida ao órgão do Ministério Público que tiver competência para iniciar processo-

crime contra a autoridade culpada.

Parágrafo único. A representação será feita em duas vias e conterá a exposição do fato

constitutivo do abuso de autoridade, com todas as suas circunstâncias, a qualificação

do acusado e o rol de testemunhas, no máximo de três, se as houver.

Art. 3º. Constitui abuso de autoridade qualquer atentado:

a) à liberdade de locomoção;

b) à inviolabilidade do domicílio;

c) ao sigilo da correspondência;

d) à liberdade de consciência e de crença;

e) ao livre exercício do culto religioso;

f) à liberdade de associação;

g) aos direitos e garantias legais assegurados ao exercício do voto;

h) ao direito de reunião;

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i) à incolumidade física do indivíduo;

j) aos direitos e garantias legais assegurados ao exercício profissional. (Incluído pela

Lei nº 6.657,de 05/06/79)

Art. 4º Constitui também abuso de autoridade:

a) ordenar ou executar medida privativa da liberdade individual, sem as formalidades

legais ou com abuso de poder;

b) submeter pessoa sob sua guarda ou custódia a vexame ou a constrangimento não

autorizado em lei;

c) deixar de comunicar, imediatamente, ao juiz competente a prisão ou detenção de

qualquer pessoa;

d) deixar o Juiz de ordenar o relaxamento de prisão ou detenção ilegal que lhe seja

comunicada;

e) levar à prisão e nela deter quem quer que se proponha a prestar fiança, permitida em

lei;

f) cobrar o carcereiro ou agente de autoridade policial carceragem, custas,

emolumentos ou qualquer outra despesa, desde que a cobrança não tenha apoio em

lei, quer quanto à espécie quer quanto ao seu valor;

g) recusar o carcereiro ou agente de autoridade policial recibo de importância recebida

a título de carceragem, custas, emolumentos ou de qualquer outra despesa;

h) o ato lesivo da honra ou do patrimônio de pessoa natural ou jurídica, quando

praticado com abuso ou desvio de poder ou sem competência legal;

i) prolongar a execução de prisão temporária, de pena ou de medida de segurança,

deixando de expedir em tempo oportuno ou de cumprir imediatamente ordem de

liberdade. (Incluído pela Lei nº 7.960, de 21/12/89)

Art. 5º Considera-se autoridade, para os efeitos desta lei, quem exerce cargo, emprego

ou função pública, de natureza civil, ou militar, ainda que transitoriamente e sem

remuneração.

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Art. 6º O abuso de autoridade sujeitará o seu autor à sanção administrativa civil e penal.

§ 1º A sanção administrativa será aplicada de acordo com a gravidade do abuso

cometido e consistirá em:

a) advertência;

b) repreensão;

c) suspensão do cargo, função ou posto por prazo de cinco a cento e oitenta dias, com

perda de vencimentos e vantagens;

d) destituição de função;

e) demissão;

f) demissão, a bem do serviço público.

§ 2º A sanção civil, caso não seja possível fixar o valor do dano, consistirá no

pagamento de uma indenização de quinhentos a dez mil cruzeiros.

§ 3º A sanção penal será aplicada de acordo com as regras dos artigos 42 a 56 do

Código Penal e consistirá em:

a) multa de cem a cinco mil cruzeiros;

b) detenção por dez dias a seis meses;

c) perda do cargo e a inabilitação para o exercício de qualquer outra função pública por

prazo até três anos.

§ 4º As penas previstas no parágrafo anterior poderão ser aplicadas autônoma ou

cumulativamente.

§ 5º Quando o abuso for cometido por agente de autoridade policial, civil ou militar, de

qualquer categoria, poderá ser cominada a pena autônoma ou acessória, de não poder

o acusado exercer funções de natureza policial ou militar no município da culpa, por

prazo de um a cinco anos.

Art.7º Recebida a representação em que for solicitada a aplicação de sanção

administrativa, a autoridade civi l ou militar competente determinará a instauração de

inquérito para apurar o fato.

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§ 1º O inquérito administrativo obedecerá às normas estabelecidas nas leis municipais,

estaduais ou federais, civis ou militares, que estabeleçam o respectivo processo.

§ 2º Não existindo no município no Estado ou na legislação militar normas reguladoras

do inquérito administrativo serão aplicadas supletivamente, as disposições dos arts. 219

a 225 da Lei nº 1.711, de 28 de outubro de 1952 (Estatuto dos Funcionários Públicos

Civis da União).

§ 3º O processo administrativo não poderá ser sobrestado para o fim de aguardar a

decisão da ação penal ou civi l.

Art. 8º A sanção aplicada será anotada na ficha funcional da autoridade civil ou militar.

Art. 9º Simultaneamente com a representação dirigida à autoridade administrativa ou

independentemente dela, poderá ser promovida pela vítima do abuso, a

responsabilidade civil ou penal ou ambas, da autoridade culpada.

Art. 10. Vetado

Art. 11. À ação civil serão aplicáveis as normas do Código de Processo Civil.

Art. 12. A ação penal será iniciada, independentemente de inquérito policial ou

justificação por denúncia do Ministério Público, instruída com a representação da vítima

do abuso.

Art. 13. Apresentada ao Ministério Público a representação da vítima, aquele, no prazo

de quarenta e oito horas, denunciará o réu, desde que o fato narrado constitua abuso

de autoridade, e requererá ao Juiz a sua citação, e, bem assim, a designação de

audiência de instrução e julgamento.

§ 1º A denúncia do Ministério Público será apresentada em duas vias.

Art. 14. Se a ato ou fato constitutivo do abuso de autoridade houver deixado vestígios o

ofendido ou o acusado poderá:

a) promover a comprovação da existência de tais vestígios, por meio de duas

testemunhas qualificadas;

b) requerer ao Juiz, até setenta e duas horas antes da audiência de instrução e

julgamento, a designação de um perito para fazer as verificações necessárias.

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§ 1º O perito ou as testemunhas farão o seu relatório e prestarão seus depoimentos

verbalmente, ou o apresentarão por escrito, querendo, na audiência de instrução e

julgamento.

§ 2º No caso previsto na letra a deste artigo a representação poderá conter a indicação

de mais duas testemunhas.

Art. 15. Se o órgão do Ministério Público, ao invés de apresentar a denúncia requerer o

arquivamento da representação, o Juiz, no caso de considerar improcedentes as razões

invocadas, fará remessa da representação ao Procurador-Geral e este oferecerá a

denúncia, ou designará outro órgão do Ministério Público para oferecê-la ou insistirá no

arquivamento, ao qual só então deverá o Juiz atender.

Art. 16. Se o órgão do Ministério Público não oferecer a denúncia no prazo fixado nesta

lei, será admitida ação privada. O órgão do Ministério Público poderá, porém, aditar a

queixa, repudiá-la e oferecer denúncia substitutiva e intervir em todos os termos do

processo, interpor recursos e, a todo tempo, no caso de negligência do querelante,

retomar a ação como parte principal.

Art. 17. Recebidos os autos, o Juiz, dentro do prazo de quarenta e oito horas, proferi rá

despacho, recebendo ou rejeitando a denúncia.

§ 1º No despacho em que receber a denúncia, o Juiz designará, desde logo, dia e hora

para a audiência de instrução e julgamento, que deverá ser realizada,

improrrogavelmente dentro de cinco dias.

§ 2º A citação do réu para se ver processar, até julgamento final e para comparecer à

audiência de instrução e julgamento, será feita por mandado sucinto que, será

acompanhado da segunda via da representação e da denúncia.

Art. 18. As testemunhas de acusação e defesa poderão ser apresentada em juízo,

independentemente de intimação.

Parágrafo único. Não serão deferidos pedidos de precatória para a audiência ou a

intimação de testemunhas ou, salvo o caso previsto no artigo 14, letra "b",

requerimentos para a realização de diligências, perícias ou exames, a não ser que o

Juiz, em despacho motivado, considere indispensáveis tais providências.

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Art. 19. A hora marcada, o Juiz mandará que o porteiro dos auditórios ou o oficial de

justiça declare aberta a audiência, apregoando em seguida o réu, as testemunhas, o

perito, o representante do Ministério Público ou o advogado que tenha subscrito a

queixa e o advogado ou defensor do réu.

Parágrafo único. A audiência somente deixará de realizar-se se ausente o Juiz.

Art. 20. Se até meia hora depois da hora marcada o Juiz não houver comparecido, os

presentes poderão retirar-se, devendo o ocorrido constar do livro de termos de

audiência.

Art. 21. A audiência de instrução e julgamento será pública, se contrariamente não

dispuser o Juiz, e realizarse-á em dia útil, entre dez (10) e dezoito (18) horas, na sede

do Juízo ou, excepcionalmente, no local que o Juiz designar.

Art. 22. Aberta a audiência o Juiz fará a qualificação e o interrogatório do réu, se estiver

presente.

Parágrafo único. Não comparecendo o réu nem seu advogado, o Juiz nomeará

imediatamente defensor para funcionar na audiência e nos ulteriores termos do

processo.

Art. 23. Depois de ouvidas as testemunhas e o perito, o Juiz dará a palavra

sucessivamente, ao Ministério Público ou ao advogado que houver subscrito a queixa e

ao advogado ou defensor do réu, pelo prazo de quinze minutos para cada um,

prorrogável por mais dez (10), a critério do Juiz.

Art. 24. Encerrado o debate, o Juiz proferirá imediatamente a sentença.

Art. 25. Do ocorrido na audiência o escrivão lavrará no livro próprio, ditado pelo Juiz,

termo que conterá, em resumo, os depoimentos e as alegações da acusação e da

defesa, os requerimentos e, por extenso, os despachos e a sentença.

Art. 26. Subscreverão o termo o Juiz, o representante do Ministério Público ou o

advogado que houver subscrito a queixa, o advogado ou defensor do réu e o escrivão.

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Art. 27. Nas comarcas onde os meios de transporte forem difíceis e não permitirem a

observância dos prazos fixados nesta lei, o juiz poderá aumentá-las, sempre

motivadamente, até o dobro.

Art. 28. Nos casos omissos, serão aplicáveis as normas do Código de Processo Penal,

sempre que compatíveis com o sistema de instrução e julgamento regulado por esta lei.

Parágrafo único. Das decisões, despachos e sentenças, caberão os recursos e

apelações previstas no Código de Processo Penal.

Art. 29. Revogam-se as disposições em contrário.

Brasília, 9 de dezembro de 1965; 144º da Independência e 77º da República.