A APOSENTADORIA POR IDADE NO REGIME GERAL DE … · a aposentadoria por idade no regime geral de...

142
A APOSENTADORIA POR IDADE NO REGIME GERAL DE PREVIDÊNCIA SOCIAL ADRIANE BRAMANTE DE CASTRO LADENTHIN MESTRADO EM DIREITO PREVIDENCIÁRIO PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO 2007

Transcript of A APOSENTADORIA POR IDADE NO REGIME GERAL DE … · a aposentadoria por idade no regime geral de...

Page 1: A APOSENTADORIA POR IDADE NO REGIME GERAL DE … · a aposentadoria por idade no regime geral de previdÊncia social adriane bramante de castro ladenthin mestrado em direito previdenciÁrio

A APOSENTADORIA POR IDADE NO REGIME

GERAL DE PREVIDÊNCIA SOCIAL

ADRIANE BRAMANTE DE CASTRO LADENTHIN

MESTRADO EM DIREITO PREVIDENCIÁRIO

PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO

2 0 0 7

Page 2: A APOSENTADORIA POR IDADE NO REGIME GERAL DE … · a aposentadoria por idade no regime geral de previdÊncia social adriane bramante de castro ladenthin mestrado em direito previdenciÁrio

D i s s e r t a ç ã o a p r e s e n t a d a à B a n c a E x a m i n a d o r a d a

P o n t i f í c i a U n i v e r s i d a d e C a t ó l i c a d e S ã o P a u l o ,

c o m o e x i g ê n c i a p a r c i a l p a r a a o b t e n ç ã o d o t í t u l o

d e M e s t r e em D i r e i t o P r e v i d e n c i á r i o s o b

o r i e n t a ç ã o d o Pr o f e s s o r - d o u t o r W a g n e r B a l e r a .

A APOSENTADORIA POR IDADE NO REGIME

GERAL DE PREVIDÊNCIA SOCIAL

ADRIANE BRAMANTE DE CASTRO LADENTHIN

PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO

2 0 0 7

Page 3: A APOSENTADORIA POR IDADE NO REGIME GERAL DE … · a aposentadoria por idade no regime geral de previdÊncia social adriane bramante de castro ladenthin mestrado em direito previdenciÁrio

________________________________

________________________________

________________________________

Banca Examinadora

Page 4: A APOSENTADORIA POR IDADE NO REGIME GERAL DE … · a aposentadoria por idade no regime geral de previdÊncia social adriane bramante de castro ladenthin mestrado em direito previdenciÁrio

AGRADECIMENTOS

Agradeço a Deus pela minha existência.

Agradeço ao meu marido Robson e ao meu filho Rodrigo, razões da minha

vida, pela imensa compreensão nos momentos em que os furtei da minha presença

para concluir este trabalho.

Agradeço aos meus pais, por me darem a oportunida de vir a este mundo, em

especial à minha mãe, que me mostrou o caminho do Direito Previdenciário.

Agradeço aos demais familiares, amigos e companheiros de trabalho que, de

uma maneira ou de outra, permitiram que eu galgasse este patamar na vida.

À Malu, pela revisão do trabalho, e ao Conrado, pela produção gráfica.

Agradeço aos meus amigos do Direito Previdenciário, Viviane, Fernando, Fábio,

Júnior, por ouvirem as minhas idéias e discutirem comigo até chegarmos a um consenso

(ou disenso!).

Agradeço especialmente ao meu orientador, professor-doutor Wagner Balera,

que me deu a oportunidade de aprender mais e mais e que depositou em mim a confiança

de seus ensinamentos.

Page 5: A APOSENTADORIA POR IDADE NO REGIME GERAL DE … · a aposentadoria por idade no regime geral de previdÊncia social adriane bramante de castro ladenthin mestrado em direito previdenciÁrio

V

RESUMO

É ainda bastante incipiente a doutrina acerca do Direito Previdenciário no Brasil.

Diante disso, torna-se necessário um estudo mais aprofundado dessa matéria, para

proporcionar aos operadores do direito a possibilidade de encontrar definições e

conceitos inexistentes em nosso ordenamento jurídico. No presente trabalho, foi

resgatada parte da história da proteção social desde o seu início, ainda como assistência

privada, nos idos do século XV, até os dias de hoje. Foi possível constatar grande

evolução no ramo da proteção social, que teve seu primeiro alcance considerável com

Bismarck, em 1883, época em que se limitava a assegurar sobretudo os trabalhadores.

Aos poucos essa cobertura foi se tornando insuficiente diante da necessidade de proteger

aqueles que se encontravam às margens da mendicância. Já no século XX, Beveridge

cria o que hoje se chama seguridade social, ampliando a proteção não apenas com

benefícios, mas também com serviços. Neste trabalho também é feito um resgate

histórico da velhice, no Brasil e no mundo, com o objetivo de demonstrar o quão

importante tem sido a proteção aos idosos, principalmente em razão das mudanças

demográficas que têm ocorrido em âmbito mundial. O envelhecimento tem sido tema

de amplos debates e discussões, para que os planos de cobertura social possam estar

preparados para proteger o grande número de idosos que prometem alcançar taxas de

sobrevida cada vez mais altas. No Brasil há três modalidades de aposentadoria por

idade, diferenciadas em razão da natureza da filiação, se urbana, rural ou compulsória,

sendo que esta última vem se revelando em descompasso com os ditames constitucionais.

Cada uma dessas modalidades possui características próprias, que serão abordadas em

detalhes neste trabalho. É possível depreender que a aposentadoria por idade está na

iminência de sofrer modificações, diante da possibilidade de se fixar idade mínima para

a aposentadoria por tempo de contribuição. Ademais, com o crescente aumento da

longevidade, principalmente no que tange às mulheres, não é possível permitir que

elas continuem se aposentando cinco anos mais cedo do que os homens e que a idade

para a aposentadoria ainda se mantenha imutável, diante do aumento da expectativa

de sobrevida.

Page 6: A APOSENTADORIA POR IDADE NO REGIME GERAL DE … · a aposentadoria por idade no regime geral de previdÊncia social adriane bramante de castro ladenthin mestrado em direito previdenciÁrio

VI

ABSTRACT

It’s too recent the studies about employee of a pension social welfare instituition

law in Brazil. Herewith, became necessary a deep work in this subject to allow the

lawyers the possibility to find conceptions and studies that are absent in our work’s

law. This work went to history to tell about the social protection since it’s was born,

first like a care assistance on XV century until nowadays. It’s was possible check an

evolution on social protection field, that had the first reach with Bismarck, in 1883,

and, on that time just assure a little the workers. Slowly, this covering became deficient

in front of the necessity to protect who that are in case of needing. On XX century,

Beveridge create what nowadays is called Social Welfare Work, enlarging the protection

just not only with the benefit, but with the services. In other time, the work had an

evolution on old age, in Brazil and for the world, with the purpose of demonstrate

that how important is the old age protection , mainly because the world modification

on population number, where the old age has been subject of large contends, for that

social’s covering plans can be prepared to care all large number of old age people that

promises to exceed the infant mortality rate. In Brasil, there are three kinds of age

retirement , different about , if from the city, from the country or obliged to, and

about this last one it’s different from what the fundamental law of state establish.

Each one of these kinds has different way of be and are studies one by one. , Finishing,

it’s possible say that the age retirement is sofering modifications by the possibilities to

fix the age for retirement by the time of they pay the taxes. . Therefore, with the old

people age living more, mainly the women , it’s not possible allow that people get

retired five years before than men and that the age still be the same, face the longer

hope of live.

Page 7: A APOSENTADORIA POR IDADE NO REGIME GERAL DE … · a aposentadoria por idade no regime geral de previdÊncia social adriane bramante de castro ladenthin mestrado em direito previdenciÁrio

SUMÁRIO

RESUMO......................................................................................................................................................

ABSTRACT.............................................................................................................................................

INTRODUÇÃO..........................................................................................................................................

PARTE I

CAPÍTULO I

HISTÓRICO DA PROTEÇÃO SOCIAL..........................................................................................

1.1 Da assistência privada à pública...............................................................................................

1.2 Do seguro privado ao seguro social..........................................................................................

1.3 Do seguro social à seguridade social........................................................................................

CAPÍTULO II

A EVOLUÇÃO DOS CONCEITOS DE PROTEÇÃO SOCIAL.................................................

2.1 Dano, risco e necessidade – Conceitos distintos......................................................................

2.2 As expressões de proteção social originadas do seguro privado...........................................

2.3 Conceito de risco social............................................................................................................

2.4 Do risco social para o conceito de necessidade.........................................................................

PARTE II

CAPÍTULO III

UMA INCURSÃO PELA ‘VELHICE’................................................................................................

3.1 A velhice sob um olhar otimista...............................................................................................

3.2 A velhice sob um olhar pessimista...........................................................................................

3.3 Terminologias para designar a velhice ...................................................................................

3.4 Existe um conceito jurídico de velhice?...................................................................................

V

V I

1

4

4

7

11

1 5

15

17

19

22

27

27

31

38

41

Page 8: A APOSENTADORIA POR IDADE NO REGIME GERAL DE … · a aposentadoria por idade no regime geral de previdÊncia social adriane bramante de castro ladenthin mestrado em direito previdenciÁrio

CAPÍTULO IV

A PROTEÇÃO SOCIAL DA VELHICE NO BRASIL E NO MUNDO....................................

4.1 A proteção social velhice em âmbito internacional...............................................................

4.2 A proteção à velhice nas constituições do Brasil....................................................................

4.3 A velhice e os diferentes sujeitos de direito trazidos pela Constituição Federal de 1988..

4.3.1 A Loas e o Estatuto do Idoso – Pontuações necessárias.............................................

PARTE III

CAPÍTULO V

A APOSENTADORIA POR IDADE..................................................................................................

5.1 Princípios pertinentes ao benefício..........................................................................................

5.1.1 Da dignidade humana.....................................................................................................

5.1.2 Do valor social do trabalho............................................................................................

5.1.3 Da universalidade da cobertura e do atendimento......................................................

5.1.4 Da uniformidade e equivalência dos benefícios e serviços às populações urbanas

e rurais.................................................................................................................................

5.1.5 Da eqüidade na forma de participação do custeio......................................................

5.2 Aposentadoria por idade e suas modalidades.........................................................................

5.2.1 Diferenças entre as modalidades de aposentadoria por idade...................................

5.3 Natureza jurídica do benefício.................................................................................................

CAPÍTULO VI

APOSENTADORIA POR IDADE DO TRABALHADOR URBANO.....................................

6.1 Da idade.......................................................................................................................................

6.2 Da carência..................................................................................................................................

6.2.1 Os efeitos da Lei nº 10.666/03 na aposentadoria por idade.......................................

6.3 A qualidade de segurado...........................................................................................................

6.4 Os sujeitos da relação jurídica de proteção do benefício etário...........................................

6.5 Do objeto da relação jurídica de proteção................................................................................

6.6 O nascimento do benefício etário urbano...............................................................................

6.7 Do desenvolvimento...................................................................................................................

6.8 Da extinção..................................................................................................................................

6.9 Da rescisão do contrato de trabalho pela aposentação..........................................................

6.10 Cálculo da aposentadoria por idade do trabalhador urbano.................................................

48

48

53

55

60

64

64

65

66

69

69

71

72

73

79

8 1

81

82

86

91

96

99

101

102

103

104

109

Page 9: A APOSENTADORIA POR IDADE NO REGIME GERAL DE … · a aposentadoria por idade no regime geral de previdÊncia social adriane bramante de castro ladenthin mestrado em direito previdenciÁrio

109

112

114

1 1 6

116

121

123

126

128

129

130

131

131

133

1 3 4

134

136

137

138

139

140

141

141

142

142

143

1 4 4

1 4 8

1 5 1

6.10.1 Da base de cálculo...........................................................................................................

6.10.2 O fator previdenciário e a aposentadoria por idade...................................................

6.10.3 Da alíquota.......................................................................................................................

CAPÍTULO VII

APOSENTADORIA POR IDADE DO TRABALHADOR RURAL...........................................

7.1 Da idade.......................................................................................................................................

7.2 Da qualidade de segurado do trabalhador rural.....................................................................

7.3 Da carência..................................................................................................................................

7.4 Os sujeitos da relação jurídica de proteção.............................................................................

7.5 Do objeto da relação jurídica de proteção...............................................................................

7.6 O nascimento do benefício etário rural...................................................................................

7.7 Do desenvolvimento...................................................................................................................

7.8 Da extinção..................................................................................................................................

7.9 Da base de cálculo......................................................................................................................

7.10 Da alíquota..................................................................................................................................

CAPÍTULO VIII

APOSENTADORIA POR IDADE COMPULSÓRIA.....................................................................

8.1 Características...........................................................................................................................

8.2 A qualidade de segurado da aposentadoria por idade compulsória....................................

8.3 Da carência..................................................................................................................................

8.4 Os sujeitos da relação jurídica de proteção.............................................................................

8.5 Do objeto da relação jurídica de proteção...............................................................................

8.6 O nascimento do benefício etário compulsório.....................................................................

8.7 Do desenvolvimento...................................................................................................................

8.8 Da extinção..................................................................................................................................

8.9 Do cálculo da aposentadoria por idade compulsória............................................................

8.9.1 Da base de cálculo..........................................................................................................

8.9.2 Da alíquota.......................................................................................................................

CAPÍTULO IX

AS PERSPECTIVAS DA APOSENTADORIA POR IDADE.......................................................

CONCLUSÕES........................................................................................................................................

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS.................................................................................................

Page 10: A APOSENTADORIA POR IDADE NO REGIME GERAL DE … · a aposentadoria por idade no regime geral de previdÊncia social adriane bramante de castro ladenthin mestrado em direito previdenciÁrio

1

INTRODUÇÃO

O envelhecimento tem sido tema de muitas discussões entre as autoridades no

mundo todo. Verdadeiros planos de ação vêem sendo elaborados para que os idosos

recebam a proteção merecida no momento em que a necessidade venha a atingi-los.

O estereótipo da velhice, antes relacionada a doença, decrepitude, senilidade,

aos poucos vem sendo ultrapassado, e hoje ela é vista como sinônimo de longevidade,

saúde, sensatez e experiência.

A velhice, ou idade avançada, encontra-se entre os grandes riscos sociais que a

seguridade social está apta a cobrir.

Este trabalho tem por objetivo trazer as diferenças apontadas pela doutrina

pátria, que estabelece proteções distintas para cada sujeito de direito. Além disso, visa

demonstrar as diferenças da aposentadoria por idade nas suas três modalidades: urbana,

rural e compulsória.

O trabalho está dividido em três partes. Na primeira, é apresentada a história

da proteção social desde os seus primórdios, tendo iniciado como assistência privada,

chegando até os dias atuais, definida como seguridade social. Nessa parte também são

tratados os modelos de seguro social, o conceito de risco social e as mudanças, ao

longo dos anos, até chegar ao conceito atual de seguridade social. Todos os indivíduos

têm sua quota de proteção, ainda que nunca necessitem utilizá-la. No entanto, deve

estar garantida a cobertura, para que, havendo necessidade, possam ser atendidos com

a devida proteção social.

Na segunda parte, é feita uma incursão pela velhice, mostrando seus aspectos

positivos e negativos. São apresentados dados sobre o envelhecimento populacional

Page 11: A APOSENTADORIA POR IDADE NO REGIME GERAL DE … · a aposentadoria por idade no regime geral de previdÊncia social adriane bramante de castro ladenthin mestrado em direito previdenciÁrio

2

mundial e a busca de um meio eficaz de proporcionar aos idosos uma cobertura social

que lhes garanta padrões mínimos de subsistência.

Segundo dados do IBGE – Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística –, no

ano de 2025 haverá 52 milhões de pessoas idosas no Brasil. Os números são alarmantes

e mostram que é imprescindível tomar providências políticas, jurídicas e sociais urgentes

para proteger esses idosos nesse futuro iminente.

Protegendo o indivíduo, protege-se toda a sociedade. Quanto maior o número

de indivíduos desprotegidos, maior o caos social que impera. Por esse motivo, é

imprescindível que o Estado, a quem cabe a proteção dos indivíduos, encontre a melhor

maneira de livrá-los dos riscos sociais indesejáveis e, com isso, alcançar o bem-estar,

fim último da Ordem Social.

Na terceira parte do trabalho, são abordadas as modalidades de aposentadoria

por idade trazidas pela legislação infraconstitucional. Cada uma delas remete a

características e sujeitos distintos. Havendo critérios materiais distintos, não há como

tratá-los da mesma maneira.

É certo que o risco social é o mesmo para as três modalidades, mas para cada

uma produz um efeito diferente. Esses efeitos serão abordados em estudo aprofundado

da dinâmica do benefício etário objeto deste trabalho.

Verificamos que muito se tem feito pelo idoso no Brasil, procurando resgatar

sua merecida dignidade. Atualmente, a legislação vem retirando-o da marginalidade e

da mendicância, proporcionando-lhe benefícios e serviços trazidos pela seguridade

social.

É este o norte a ser seguido por toda a sociedade: a busca incessante do bem-

estar social de todos os indivíduos, de forma universal, principalmente no que tange

aos idosos, que são a nossa herança cultural, profissional, e que, com sua experiência

e história, conseguem nos conduzir ao passado e mostrar o quanto já trabalharam

para que chegássemos aonde estamos hoje.

Page 12: A APOSENTADORIA POR IDADE NO REGIME GERAL DE … · a aposentadoria por idade no regime geral de previdÊncia social adriane bramante de castro ladenthin mestrado em direito previdenciÁrio

PARTE I

Capítulo I

Histórico da proteção social

Capítulo II

A evolução dos conceitos de proteção social

Page 13: A APOSENTADORIA POR IDADE NO REGIME GERAL DE … · a aposentadoria por idade no regime geral de previdÊncia social adriane bramante de castro ladenthin mestrado em direito previdenciÁrio

4

CAPÍTULO I

HISTÓRICO DA PROTEÇÃO SOCIAL

O progresso econômico e social só se ajusta pela quantidade de benefícios que

espalha por todos os indivíduos e pelas contribuições que traz ao bem comum.

Getúl io Vargas

1 . 1 DA ASSISTÊNCIA PRIVADA À PÚBLICA

O homem é solidário por excelência. A solidariedade universal entre os homens

prescinde à existência do ser.

A busca pelo fim das aflições de alguns, aliada à generosidade de outros, fez

gerar um sentimento chamado caridade.

Não há, entretanto, como situar no tempo as manifestações da assistência

privada, pois, nas palavras de Balera, a caridade “é a principal das virtudes do homem,

que, como bem acentua São Paulo na Epístola aos Coríntios (13,1-7), é eterna”1.

O sentimento de ajudar o próximo é nato no ser humano. Os riscos sociais ou,

em termos mais abrangentes, as necessidades, existem desde os primórdios da nossa

1 Noções preliminares de Direito Previdenciário, p. 45.

Page 14: A APOSENTADORIA POR IDADE NO REGIME GERAL DE … · a aposentadoria por idade no regime geral de previdÊncia social adriane bramante de castro ladenthin mestrado em direito previdenciÁrio

5

existência2. Não há como fixar uma data em que tenha se iniciado a ajuda caritativa ou

a assistência privada.

Coimbra também observa que o seguro social teve o seu início com a ajuda aos

indigentes, para retirá-los do estado de necessidade em que se encontravam:

Em suas fases iniciais notam-se, apenas, pálidas tentativas de congregar recursos e

endereçá-los à assistência do desamparado, de par com incipientes ensaios de medidas

para que se pudesse reuni-los, no esforço comum de combate aos riscos a que sempre

estiveram sujeitos.3

A idéia de que a caridade é o sentimento que fez brotar o que chamamos hoje de

seguro social também se faz presente para Russomano, entendendo que as bases

previdenciárias nascem a partir da necessidade de compartilhar a contingência com a

proteção:

Ela (previdência) nasce, do ponto de vista de cada indivíduo, da necessidade de amealhar

o necessário à segurança do futuro; mas vai além e, do ponto de vista de terceiros,

resulta de um sentimento caritativo de solidariedade, que se manifesta na assistência

aos necessitados.4

Para o autor, o seguro social se inicia como autoproteção do homem das

vicissitudes que a própria vida lhe ocasiona, impulsionando-o a organizar-se em

entidades que lhe proporcionassem um apoio na hora necessária. A essa proteção

organizada em entidades o autor denominou ‘heteroproteção’.

Há indícios de que as organizações associativas ou pseudoassociativas concretas

remontam às mais antigas civilizações: Pérsia, Síria, Índia, Egito.

Coimbra observa que as primeiras manifestações de associações com escopo

protetivo existem desde a Hélade, em Teofrasto (228 a.C.), e seu custeio advinha da

contribuição dos membros associados, que era depositada em um fundo único,

proporcionando aos associados cobertura para o caso de serem atingidos pela

adversidade. A idéia era de seguro.

Russomano reporta a Roma, onde os collegia romanos (desaparecidos com a

queda do Império) possuíam objetivos predominantemente mutualistas, tanto no

2 Para Manuel Alonso Olea, proteger apenas os riscos não se mostra suficiente. Entende que o termo ‘necessidade’ é maisamplo e independente: “las necesidades pueden ser concebidas como reducidas a una sola, a saber: la deficiência aludidade recursos. El riesgo se relega entonces a un segundo plano, favoreciendo así la tendência a igualar la protección ante lanecesidad, con independencia Del riesgo que en concreto sea sua causa” (Instituciones de Seguridad Social, p. 20).

3 Direito Previdenciário brasileiro, p. 18.

4 Curso de Previdência Social, p. 2.

Page 15: A APOSENTADORIA POR IDADE NO REGIME GERAL DE … · a aposentadoria por idade no regime geral de previdÊncia social adriane bramante de castro ladenthin mestrado em direito previdenciÁrio

6

sentido de cobrir seus membros na organização social de Roma como de ajudar, nos

casos de necessidades pessoais, os que se dedicavam ao mesmo ofício.

No entanto, esse sistema solidário não era suficiente, diante da mendicância que

se alastrava por todo o mundo. A simples cobertura individual, ou mesmo aquela

realizada por associações ou entidades beneficentes, era, na verdade, bastante limitada

e se mostrava insignificante diante da complexidade e magnitude das necessidades sociais

que surgiam cada vez com maior intensidade.

A ampliação da cobertura era inexorável para a estabilidade social.

A assistência pública foi o próximo passo, e objetivou modelar juridicamente a

questão social, que começava a surgir.

Para o autor italiano Augusto Venturi, desde a antiguidade há indícios de

assistência pública, na sua maior parte de origem religiosa. O autor destaca que as leis

agrárias, na antiga Roma, distribuíam terras aos desabrigados, medida que objetivava

socorrer os indigentes, sob a forma de assistência pública direta prestada pelo Estado.

Guerras religiosas ou mesmo civis faziam aumentar a mendicância, deixando

toda a sociedade intranqüila, além de ameaçar a segurança pública e a propriedade.

A chamada Lei dos Pobres (Poor Law Act), promulgada durante o reinado de

Isabel I, na Inglaterra, no ano de 1601, é considerada o passo inicial dessa assistência

pública, sendo custeada de acordo com a capacidade contributiva de cada um.

A referida lei não tinha como única finalidade o auxílio com dinheiro, mas

principalmente ensinava a jovens e mulheres o ofício do trabalho, fornecendo-lhes

matéria-prima para que o trabalho artesanal fosse aprendido e executado para, então,

ser vendido. Aos pobres inválidos ou idosos, a ajuda tinha o escopo de assisti-los,

socorrer-lhes.

Russomano considera a Lei dos Pobres de extrema importância, e o Estado é

apontado como partícipe social para proteger aqueles que necessitavam de proteção.

A assistência privada ou pública, no entanto, tornou-se insuficiente para fazer

frente às contingências que a Revolução Industrial, advinda no século XVIII, trouxe à

sociedade em geral. A pressão social para que o Estado assumisse a responsabilidade

pela proteção dos trabalhadores, que se viam desamparados, financiando sua própria

proteção, foi crucial. Era preciso um Estado intervencionista.

Page 16: A APOSENTADORIA POR IDADE NO REGIME GERAL DE … · a aposentadoria por idade no regime geral de previdÊncia social adriane bramante de castro ladenthin mestrado em direito previdenciÁrio

7

Com muita particularidade, Coimbra destaca a encíclica Rerum Novarum como

a responsável pela consagração do dever do Estado de oferecer proteção aos cidadãos.

O autor ressalta que o documento deu ao “progresso social sua exata compreensão,

como que antevendo a previdência social como instrumento dos mais eficazes para

um relacionamento social mais justo e humano”5.

1.2 DO SEGURO PRIVADO AO SEGURO SOCIAL

Com a Revolução Industrial, a máquina retirou o trabalhador rural do campo,

introduzindo-o no mercado industrial e comercial. Substituiu-se a economia do tipo

artesanal e de regime familiar por uma atividade que empregava mão-de-obra assalariada.

Essa revolução trouxe uma realidade socioeconômica subjacente que motivaria

os poderes públicos a buscar uma solução para a questão social, que se impunha por

meio de duas forças antagônicas: capital e trabalho.

O seguro privado, que existia há milênios, serviu de base para a introdução do

chamado seguro social, e suas técnicas foram emprestadas do primeiro.

A necessidade de proteger o trabalhador dos riscos da atividade profissional fez

surgir os primeiros frutos dessa modalidade de seguro.

Não há como determinar precisamente uma data em que se tenha iniciado o

contrato de seguro.

Venturi relata que existem testemunhos nos livros de direito de “Francesco

Del Bene, conservado en los archivos notariales de Génova, celebrado el 23 de octubre

de 1347”6, tido como o primeiro documento no qual se contratava um seguro marítimo.

Segundo o autor espanhol, o seguro dava garantia às atividades exercidas por pessoas

físicas.

Derzi, com muita propriedade, escreve:

Contrato de seguro marítimo, na sua origem, consistia em operação por intermédio

da qual o segurador prometia pagar uma determinada soma caso o navio ou a carga

não chegasse a salvo ao porto de destino.7

5 Direito Previdenciário brasileiro, p. 23.

6 Los fundamentos científicos de la Seguridad Social, p. 79.

7 Os beneficiários da pensão por morte, p. 40.

Page 17: A APOSENTADORIA POR IDADE NO REGIME GERAL DE … · a aposentadoria por idade no regime geral de previdÊncia social adriane bramante de castro ladenthin mestrado em direito previdenciÁrio

8

Foi, portanto, no século XVII, com a criação das primeiras companhias náuticas,

que se vislumbrou a possibilidade de transpor as técnicas do seguro para a cobertura

de riscos advindos da atividade profissional.

Embora as sociedades de socorros mútuos ou a busca por ajuda em caso de

necessidade já existissem em épocas muito distantes, pode-se dizer que a aplicação das

técnicas jurídicas e econômicas para tornar eficaz essa cobertura é relativamente recente.

O objetivo inicial dos contratos de seguro privado era proteger determinado

bem (ou coisa) da possibilidade de ocorrência do risco que causasse dano a esse bem

(ou a essa coisa) assegurada, pagando-se, mediante uma contribuição ou prêmio, uma

indenização em caso de sinistro.

É possível observar que a preocupação, nessa época, era assegurar bens ou coisas,

e não propriamente pessoas. Os bens assegurados eram instrumentos de trabalho,

com o objetivo de proporcionar ao trabalhador a continuidade do seu labor, caso seus

instrumentos sofressem algum dano que o impedisse de trabalhar.

O seguro não nasceu, portanto, com fins precípuos patrimoniais, em seu sentido

estrito, mas tão-somente com vistas a assegurar o instrumental de trabalho, indenizando

o laborioso em caso de sinistro desse instrumental. A visão do seguro estaria focada

no objeto de trabalho, assegurando ao trabalhador uma indenização que lhe permitisse

retomar a atividade profissional em caso de avaria do seu material de trabalho, sem o

qual a manutenção da sua própria sobrevivência ou a de sua família incorreria em

risco.

O seguro de vida, incluindo-se o seguro de pessoas, segundo Derzi8, foi a última

modalidade de seguro privado a surgir, diante da relutância em se avaliar economicamente

o valor da vida humana.

A partir da possibilidade de adotar a matemática atuarial, utilizando-se como

parâmetros: dados econômicos, números de pessoas a serem protegidas, probabilidades

de ocorrência do risco e expectativa de sobrevida, o contrato de seguros para pessoas

aos poucos foi sendo construído.

A cobertura dos riscos, ainda incipiente, com o tempo foi galgando degraus

cada vez mais amplos e moldando-se às situações de risco que foram surgindo ao longo

dos anos.

A necessidade de proteção individual ao trabalhador que se expunha aos riscos

inerentes à atividade econômica exigia maiores proteções.

8 Id. ibid., p. 41.

Page 18: A APOSENTADORIA POR IDADE NO REGIME GERAL DE … · a aposentadoria por idade no regime geral de previdÊncia social adriane bramante de castro ladenthin mestrado em direito previdenciÁrio

9

O seguro voluntário resultava inadequado para solucionar os problemas da classe

trabalhadora, como a cobertura dos riscos fisiológicos e econômicos a que se encontrava

exposta.

Em 1883, com o objetivo de conter os avanços do socialismo, o chanceler Otto

Von Bismarck resolve transportar as técnicas do seguro privado para o chamado seguro

social, criando a primeira modalidade de previdência social, chamada de seguro-doença9.

Russomano descreve muito bem qual foi o papel de Bismarck para o seguro social:

Ante o clamor popular, em uma nação que se industrializava com rapidez, o grande

estadista compreendeu que era inútil usar, apenas, a repressão policial ou militar. Ao

contrário, era preciso oferecer um programa político novo, que ‘roubasse’ o conteúdo

da pregação socialista e que, dentro do estilo e da estrutura do governo alemão, aliciasse,

a seu favor, a simpatia do povo.10

A partir da implementação do seguro social na Alemanha, a preocupação em

aderir às mesmas técnicas protetivas correu o mundo: Inglaterra, França, Bélgica, Itália,

entre outros países, ampliaram ao máximo seu campo de aplicação.

A contribuição de Coimbra nessa seara é bastante oportuna, definindo em

poucas palavras o seguro social:

Desde seus primórdios aparece o direito à prestação, que o filiado ostenta, mas então

derivado não do vínculo contratual, nem se retratando a figura de uma adesão, mas

sim de um status, o da pessoa definida como segurada pela lei.11

O seguro tinha caráter obrigatório e visava cobrir os riscos sociais inicialmente

de doença (seguro-doença – 1883). Depois, o rol de riscos foi ampliado para a cobertura

de acidentes do trabalho, invalidez, enfermidade e velhice. Aos poucos, esses riscos

foram sendo estruturados e ampliados, proporcionando uma cobertura mais eficaz,

assegurando não só o próprio trabalhador, em caso de incapacidade para o trabalho,

como também seus dependentes, em caso de morte do segurado instituidor.

Segundo Coimbra, durante muito tempo foi assim:

Só com a concentração de grandes massas de trabalhadores, grupados pela moderna

indústria, na época chamada Revolução Industrial, aliada ao agravamento dos riscos,

9 Segundo Russomano, houve outras leis que antecederam Bismarck. Menciona a lei austríaca de 1854 ou mesmo, antes dela,a legislação de 1810, na Prússia, que estabeleceu o seguro-doença em favor do assalariados, entre estes incluídos os criadose os auxiliares do comércio (Curso de Previdência Social, p. 10-1). Nesse sentido, Dupeyroux também reporta-se à Lei daPrússia: “Et sur le plan maladie signalons une loi de 1854 accordant aux communes et aux autorités locales l´autorisationde créer des fond de lamadies et d´imposer une affiliation obrigatoire des salaries” (Droit de la Sécurité Sociale, p. 37).

10 Curso de Previdência Social, p. 9.11 Direito Previdenciário brasileiro, p. 38.

Page 19: A APOSENTADORIA POR IDADE NO REGIME GERAL DE … · a aposentadoria por idade no regime geral de previdÊncia social adriane bramante de castro ladenthin mestrado em direito previdenciÁrio

1 0

pelo emprego de máquinas e instalações perigosas, tornou-se imperiosa na consciência

social a necessidade da ação estatal para proteger o homem contra o infortúnio.12

O problema econômico gerado pelo antagonismo capital-trabalho acabou por

criar a necessidade de proteger toda a sociedade dos riscos sociais imprevisíveis e, muitas

vezes, indesejáveis, em busca de um ambiente ideal de bem-estar e justiça sociais.

Assis afirma com veemência que “a idéia do seguro social se inspira no desejo

profundo dos homens de se livrarem do temor da necessidade, para o que é preciso,

dentro de condições exeqüíveis, garantir ao indivíduo a proteção contra os riscos

comuns da vida”13.

O qualificativo ‘social’, que completa a expressão, é dirigido tanto ao indivíduo

que carece de proteção quanto ao corpo social do qual faz parte. A este corpo social

chamamos sociedade. E sociedade, por sua vez, pode ser entendida como um grupo

organizado de indivíduos em prol do bem comum.

Portanto, assim como o indivíduo integra a sociedade, esta é formada por

indivíduos, existindo uma intersecção entre indivíduo e sociedade que os torna

inseparáveis. Não há indivíduo sem sociedade, nem sociedade sem indivíduo.

Não existe na história da humanidade uma certeza de que o homem tenha vivido

só. O que se tem aceito é que ele foi se agrupando ao longo do tempo, até constituir-se

o que chamamos hoje de sociedade. A proteção que se objetiva é, portanto, da própria

sociedade como um todo.

O seguro social, segundo Derzi, tem dupla função: a função social, que almeja a

proteção em caso de necessidade, e a função econômica, que visa arrecadar junto ao

trabalhador uma contribuição compatível com sua capacidade contributiva, com o

fim de garantir o equilíbrio financeiro do sistema protetivo, “remediando, dessa forma,

as injustiças sociais, bem como aliviando a pressão social causada por estas”14.

Importante conceituação de seguro social nos traz o eminente professor espanhol

Almansa Pastor, a qual não poderíamos deixar de citar:

Los seguros sociales son seguros obligatorios, de origen legal, gestionados por entes

públicos y dirigidos especificamente a proteger necessidades sociales derivadas de riesgos

que afectan a indivíduos determinados legalmente.15

12 Id. ibid., p. 18.

13 Em busca de uma concepção moderna de risco social, p. 151.

14 Os beneficiários da pensão por morte, p. 46-7.

15 Derecho de la Seguridad Social, p. 54.

Page 20: A APOSENTADORIA POR IDADE NO REGIME GERAL DE … · a aposentadoria por idade no regime geral de previdÊncia social adriane bramante de castro ladenthin mestrado em direito previdenciÁrio

1 1

Apesar de o seguro social ter surgido num momento de revolução social,

inaugurado como um programa político por Bismarck, o qual nada tinha de sentimento

solidário, objetivando acalmar a parcela da sociedade que se via desprovida de proteção,

sua importância alcançou uma dimensão inesperada, avançando tão rapidamente que

passou a não ser mais suficiente para o fim a que se destinava.

1.3 DO SEGURO SOCIAL À SEGURIDADE SOCIAL

Da caridade à assistência privada, da assistência privada à assistência pública, do

seguro privado ao seguro social e, atualmente, do seguro social à seguridade social, o

sistema protetivo global mostra-se em sucessiva expansão.

Após a sedimentação do seguro social, de caráter eminentemente obrigatório e

dirigido aos trabalhadores e seus dependentes, inaugurado pelo chanceler alemão

Bismarck, ao redor do mundo foram se estruturando modelos de proteção social que

procuraram reduzir a incidência dos riscos sociais previsíveis ou imprevisíveis, cada

qual moldando-se às suas necessidades.

Aos poucos, os sistemas de proteção foram sendo ampliados.

Leite e Velloso destacam três fases de expansão da previdência social:

A primeira fase vai até 1918. A proteção abrangia apenas riscos físicos,

estendendo-se àqueles cujo salário não ultrapassasse certo limite, variável de país para

país e de categoria profissional para categoria profissional. Não havia assistência social

ou serviços sociais, mas tão-somente benefícios em forma de prestação.

Na segunda fase, denominada de expansão geográfica pelos autores

supramencionados, o início foi marcado pelo término da Primeira Grande Guerra,

quando a previdência social mostrava-se em plena expansão nos países europeus,

América Latina, Austrália, Nova Zelândia e também países asiáticos. O término dessa

fase se deu com o Tratado de Versalhes, que abriu novas perspectivas às leis sociais.

Pierdoná retrata esse momento com muita propriedade, escrevendo:

No Tratado de Paz que se seguiu, em 1919, em Versalhes, houve o reconhecimento de

que os problemas decorrentes da questão social deviam ter adequada e universal solução,

o que já havia sido recomendado pelo Papa Leão XIII, na encíclica Rerum Novarum,

em 1891.16

16 A velhice na Seguridade Social brasileira, p. 41.

Page 21: A APOSENTADORIA POR IDADE NO REGIME GERAL DE … · a aposentadoria por idade no regime geral de previdÊncia social adriane bramante de castro ladenthin mestrado em direito previdenciÁrio

1 2

A crise econômica e social criada pela Primeira Grande Guerra foi marcante

nessa segunda fase. A cobertura expandia-se para além dos riscos físicos (trabalhadores

urbanos e rurais) , proporcionando cobertura também ao risco econômico

(desemprego).

O ponto alto dessa fase foi a promulgação, em 14 de agosto de 1935, pelo então

presidente Roosevelt, da lei norte-americana de seguridade social17, conhecida como

Social Security Act. O termo ‘seguridade’ era utilizado como correspondente do termo

inglês ‘security’18, do termo espanhol ‘seguridad’ ou ainda do termo francês ‘sécurité’.

Dupeyroux justifica o surgimento da Social Security Act em 1935 como sendo

originada da crise econômica que assolou, em outubro de 1929, os Estados Unidos da

América, causada pela quebra da bolsa de valores de Nova York, que para ele assumiu

dimensões catastróficas. Após a crise, segundo o autor, o então presidente Roosevelt

verificou que não era mais possível negar o Estado intervencionista, diante do domínio

social que se impunha na época. A pressão social impeliu ao Estado a responsabilizar-

se pela proteção social. Assim se posiciona o autor:

La crise qui débuta en octobre 1929 bouleversa profondément l´économie américaine:

le chômage prit des proportions catastrophiques. Élu em 1932, le président Roosevelt

decida de rompre avec le principe sacro-saint de la no-intervention de l´État dans le

domaine économique et social: la doctrine du Welfare State succédait à celle de l´État-

gendarme. Ce fut la politique dite du New Deal, dans le cadre de laquelles s´inscrivit

notamment la loi du 16 de juin 1933 sur le redressement industriel (National Industrial

Recovery Act) et la loi du 14 août 1935 sur la sécurité sociale, ou Social Security Act.19

Balera acentua que “é o bem-estar a marca registrada do Estado contemporâneo

que passou a ser cognominado, acertadamente, Estado de bem-estar (Welfare State)”20.

Pastor ressalta que a denominação ‘seguridad social’ não pode ser confundida

com os instrumentos de proteção até então existentes, pois indica um conteúdo próprio,

diferente das medidas de proteção anteriormente utilizadas.

Em 1938, a Nova Zelândia cria um verdadeiro mecanismo de proteção social,

considerado pioneiro na amplitude e na universalidade da cobertura e do atendimento

aos necessitados. Propunha a eliminação radical da indigência e da mendicância de

forma sistemática, abolindo por completo o estado de necessidade.

17 Embora a utilização do termo ‘seguridade social’ tenha tido significativa empregabilidade em 1935, Sussekind relata queSimon Bolivar, em 1819, já utilizara o termo ‘seguridad social’ (em Previdência Social brasileira, p. 43-4).

18 O Brasil adotou o termo ‘seguridade’, definida no artigo 194 da Constituição Federal de 1988.

19 Droit de la Sécurité Sociale, p. 245.

20 Noções preliminares de Direito Previdenciário, p. 11.

Page 22: A APOSENTADORIA POR IDADE NO REGIME GERAL DE … · a aposentadoria por idade no regime geral de previdÊncia social adriane bramante de castro ladenthin mestrado em direito previdenciÁrio

1 3

O Estado, então, partiu da premissa de que, protegendo o indivíduo, toda a

coletividade estaria sendo protegida.

A terceira e última fase da proteção social inicia-se com Lord William Beveridge,

em 1942, apresentando um verdadeiro plano de seguridade social, denominado Relatório

Beveridge21, que serviu de base para a reforma do sistema inglês, ocorrida em 1946.

Segundo Leite e Velloso, esse terceiro e último período, no qual ainda nos

encontramos, “se caracteriza pela progressiva passagem da previdência social para o

que se convencionou chamar de seguridade social, ou pelo menos por uma nítida

tendência para a seguridade social”22.

Na passagem da previdência social para a seguridade social, a idéia foi ampliar a

cobertura dos riscos, incluindo benefícios e serviços, propiciando universalizá-la,

atendendo a todos que dela necessitassem, independentemente de contribuição direta,

transferindo ao Estado todo o ônus financeiro e toda a responsabilidade pela proteção.

A seguridade social, segundo Pastor, pode ser definida, de modo conciso, como:

“todo indivíduo em situação de necessidade tem direito à proteção igualitária, que há

de ser dispensada pelo Estado, com meios financeiros integrados aos impostos gerais”23.

Olea compartilha do mesmo ideário, ressaltando que a evolução da proteção

social aponta como alvo último a cobertura universal, ou seja, ao alcance de todos os

cidadãos residentes no país. O autor escreve: “Este trazo tendencial es primeiro y básico

de la seguridad social: la universalidad personal de la cobertura, haciendo bueno el

derecho de toda persona a la seguridad social”24.

Coimbra destaca que a seguridade social é a ‘nossa época’. Para o autor, “marcha-

se para o estágio final, em que todos os cidadãos serão, em suas necessidades, amparados

por serviços estatais sejam quais forem sua profissão e sua condição social, tanto

bastando que se vejam, efetivamente, ante uma necessidade”25.

21 Armando de Oliveira Assis escreve que o relatório de Beveridge propunha fundamentalmente duas medidas: a unificaçãodos vários regimes existentes e a sua extensão a toda a população (Compêndio de Seguro Social, p. 61).

22 Previdência social, p. 38.

23 “Todo individuo em situación de necesidad tiene derecho a protección igualitária, que le há de ser dispensada por elEstado, con médios financieros integrados en sus presupuestos generales” (PASTOR, Almansa. Derecho de la SeguridadSocial, p. 61).

24 Instituciones de Seguridad Social, p. 28.

25 Direito Previdenciário brasileiro, p. 38.

Page 23: A APOSENTADORIA POR IDADE NO REGIME GERAL DE … · a aposentadoria por idade no regime geral de previdÊncia social adriane bramante de castro ladenthin mestrado em direito previdenciÁrio

1 4

Derzi26 assim aborda os princípios característicos de um sistema de seguridade

social:

• A universalidade subjetiva e objetiva – que pretende a extensão da Seguridade Social

à totalidade da população, com vistas a proteger os desequilíbrios causados entre a

necessidade e os meios de combatê-la;

• a unidade de gestão – tendo o Estado como elemento essencial garantidor dos meios

de vida, o qual, até então, figurava em regimes diferentes. Dentro desta, a unidade

essencial dos serviços sanitários preventivos e curativos;

• a igualdade protetora – concessão de benefícios iguais para idêntica situação de

necessidade, sem atender à causa produtora, nem exigir a relação prévia de

contribuição;

• a solidariedade financeira – os meios financeiros devem proceder da contribuição

de toda a sociedade, segundo sua capacidade econômica, e o regime de financiamento

deve ser o de repartição, com base no pacto de solidariedade entre as gerações.27

Para o autor italiano Mazzoni, não há como definir juridicamente seguridade

social num único sistema, pois isso levaria a excluí-lo de outros que também visem o

atendimento das necessidades do ser humano. Para ele, a seguridade social nada mais é

do que um dos aspectos do Estado social, em que a base de sustentação é a solidariedade

social como forma de redistribuição de renda.

Dessa forma, o autor conclui que “a seguridade social é um princípio ético-

social não redutível a um sistema com exclusão de outros: existem, com efeito, outros

sistemas de seguridade social, mas o escopo mínimo da seguridade social é a libertação

do homem da indigência e da miséria”28.

Atualmente encontramo-nos nesse estágio, em constante construção, na busca

do ideário da justiça e do bem-estar universais.

26 Compartilham do mesmo entendimento acerca dos princípios que regem a seguridade social: Pastor, na obra Derecho de laSeguridad Social (p. 60), e Venturi, na obra Los fundamentos científicos de la Seguridad Social (p. 287-8).

27 Os beneficiários da pensão por morte, p. 79.

28 Existe um conceito jurídico de Seguridade Social?, p. 38.

Page 24: A APOSENTADORIA POR IDADE NO REGIME GERAL DE … · a aposentadoria por idade no regime geral de previdÊncia social adriane bramante de castro ladenthin mestrado em direito previdenciÁrio

1 5

CAPÍTULO II

A EVOLUÇÃO DOS CONCEITOS DE

PROTEÇÃO SOCIAL

2.1 DANO, RISCO E NECESSIDADE – CONCEITOS DISTINTOS

Desde os primórdios de sua existência, o homem sempre buscou uma maneira

de se proteger da incerteza e da insegurança que o intranqüilizava diante das vicissitudes

(ou seriam riscos?29) da vida.

A doença, a invalidez, a velhice ou mesmo a morte sempre provocaram medo e

hesitação, levando o homem a evitá-los, quando possível, ou remediar seus efeitos

maléficos.

Diante desses fatos da vida, previsíveis ou imprevisíveis, era preciso criar

mecanismos de proteção, com o intuito de proporcionar ao indivíduo maior

tranqüilidade e segurança, com duplo sentido: proteger o trabalhador que precisava

manter-se em sua atividade para custear sua subsistência e a de sua família; e proteger

o inválido, doente ou idoso que, atingido pelo infortúnio, estaria impossibilitado de

continuar trabalhando.

29 Segundo Feijó Coimbra, risco “é o evento futuro e incerto, cuja verificação independe da vontade do segurado”. De acordocom o autor, foi em razão dessa eventualidade futura e incerta, que poderia provocar um desfalque patrimonial aoconjunto familiar do trabalhador, que o Estado buscou a cobertura de determinados riscos que não eram protegidos peloseguro privado. A esse conjunto de riscos (doença, acidente, morte ou velhice) convencionou-se denominar ‘riscos sociais’(Direito Previdenciário brasileiro, p. 32).

Page 25: A APOSENTADORIA POR IDADE NO REGIME GERAL DE … · a aposentadoria por idade no regime geral de previdÊncia social adriane bramante de castro ladenthin mestrado em direito previdenciÁrio

1 6

Coimbra, de forma muito adequada, conseguiu resumir numa única frase a

importância de fixar conceitos para caracterizar os termos utilizados para a proteção

social, quais sejam: dano, necessidade, risco, sinistro, cada qual com sua definição.

Sempre houve a consciência de riscos, de cuja verificação (os sinistros) adviriam,

provavelmente, os danos, a que cumpria dar reparação. Mas o que se perseguia era

que, sofrido o dano, a necessidade não viesse a imperar na vida do cidadão, reduzindo-

o à miséria. Esses aspectos (risco, sinistro, dano, reparação, necessidade) influíram na

elaboração das leis de proteção social, recebendo aqui e acolá a influência de instituições

jurídicas pertinentes a outros ramos do direito.30

Retomando mais uma vez a história da evolução social protetiva, verificamos

que na assistência particular, motivada pelo sentimento caritativo, a ajuda aos mendigos

objetivava tirá-los da fome e da miséria, na medida em que, sozinhos, não sairiam do

estado de mendicância. A Igreja era, na maioria das vezes, a guardiã e gestora desses

movimentos beneméritos para tornar efetiva a solidariedade aos pobres.

Cabe ressaltar que a solidariedade também acontecia no âmbito familiar: os

membros da família ajudavam-se mutuamente, estando implícito o fornecimento de

alimentos entre eles. Esse modelo de proteção surgiu em época remota, havendo

menção a ele no Código de Hammurabi (escrito em cerca de 1870 a.C.). Era a chamada

solidariedade familiar31.

A essa solidariedade familiar Pastor chamou de “comunidad sanguínea conlleva

unos lazos morales de afecto solidário e unas funciones de desarrollo espiritual”32.

Não se falava em dano, risco, mas tão-somente em necessidade, objetivando

que o indivíduo saísse do estado de marginalização em que se encontrava.

Os meios protetivos oferecidos pela assistência privada, ainda que familiar, não

se mostravam suficientes para proteger o indivíduo da indigência.

Com a assistência pública, a proteção expandiu seu campo de aplicação. Como

exemplo, a Lei dos Pobres, de 1601, previa não só a assistência aos idosos e inválidos,

mas também o ensino de um ofício aos jovens e às mulheres, mostrando-lhes sua

importância para atingir a independência econômica, alcançar o próprio sustento com

o trabalho. Apesar de existirem o risco e a necessidade, os dois conceitos ainda estavam

sendo germinados.

30 Id. ibid., p. 31-2.

31 Dados encontrados em KING, Leonardo William. O Código de Hammurabi. Escrito em cerca de 1780, p. 13.

32 Derecho de la Seguridad Social, p. 35.

Page 26: A APOSENTADORIA POR IDADE NO REGIME GERAL DE … · a aposentadoria por idade no regime geral de previdÊncia social adriane bramante de castro ladenthin mestrado em direito previdenciÁrio

1 7

Nesse momento histórico, a proteção deixa de ser individual e torna-se coletiva,

com mecanismos jurídicos que visavam garantir meios suficientes para atender às

necessidades vitais do indivíduo, daí o termo necessidade social. Não que ela não

existisse anteriormente, mas a partir daí o Estado assumiria os meios para que essa

proteção assistencial se tornasse mais abrangente e eficaz.

Pastor, ao tratar o conceito de necessidade social, faz as seguintes considerações:

Quanto ao termo ‘necessidade’, o autor entende que, apesar de ser comum e

impreciso, poderia ser definido como carência ou escassez de um bem, unido à vontade

de satisfazê-la. A carência seria uma necessidade ‘negativa’, ou seja, visaria a busca de

um bem material ou imaterial que contribuiria para o desenvolvimento da personalidade

humana, enquanto a necessidade ‘positiva’ significaria a satisfação da vontade de superar

essa carência ou escassez com a provisão de bens, de acordo com o autor.

Quanto ao termo ‘social’, ele significaria tanto a proteção do indivíduo como

membro da sociedade como também a totalidade ou parte da coletividade social.

2.2 AS EXPRESSÕES DE PROTEÇÃO SOCIAL ORIGINADAS DO

SEGURO PRIVADO

O seguro privado tinha como escopo reparar o dano causado pela efetiva

ocorrência do risco, com o pagamento de uma indenização. Para fazer jus à reparação,

era imprescindível o pagamento de um prêmio ou contribuição que garantisse o lastro

financeiro do seguro.

O professor Orlando Gomes assim se expressa acerca da noção de seguro:

A noção de seguro pressupõe a de risco, isto é, o fato de estar o indivíduo exposto à

eventualidade de um dano à sua pessoa, ou ao seu patrimônio, motivado pelo acaso...

Quando o evento que produz o dano é infeliz, chama-se sinistro.33 (grifos nossos)

Diante da inexistência de termos que expressassem os meios de proteção que

vinham sendo modelados ao longo da história, o direito civil (mais precisamente, o

direito comercial) foi o ramo que aplicou no seguro social aqueles utilizados no seguro

privado. E não só os termos, como dano, risco, seguro, segurado, sinistro, necessidade,

mas também as técnicas e o modelo de um foram transferidos ao outro.

33 Contratos, p. 501.

Page 27: A APOSENTADORIA POR IDADE NO REGIME GERAL DE … · a aposentadoria por idade no regime geral de previdÊncia social adriane bramante de castro ladenthin mestrado em direito previdenciÁrio

1 8

O dano pode ser definido como aquele que se pretende reparar pela ocorrência

do sinistro e que cause a necessidade de reparação, ocasionando um “desequilíbrio

desfavorável ao segurado, passível de indenização”34.

Dano, portanto, nas palavras da professora Heloiza Hernandez Derzi, seria a

“conseqüência da perda, destruição ou inutilização de um bem pertencente ao

patrimônio do segurado ou, igualmente, a perda de um benefício esperado”35.

O perigo que nos ameaça e nos leva a procurar a proteção do seguro é um

perigo em potencial e, portanto, futuro e incerto. Este perigo em potencial, no seguro,

recebe o nome de ‘risco’36.

Sinistro, por sua vez, é a realização do risco. Ocorrido o sinistro, a indenização

deverá se concretizar.

No entanto, não haverá indenização (termo utilizado pelo seguro privado que

significa reparar o segurado pelo dano sofrido para que retorne ao seu status quo ante)

se o dano não causar a perda da estabilidade, se não houver um prejuízo ao segurado.

Deve-se salientar, entretanto, que mesmo existindo sinistro, para que ocorra a

proteção é preciso um dano, uma necessidade de proteção. Só haverá o direito à proteção

social diante da ocorrência de um dano, de um prejuízo, a ser coberto, caso haja o

pagamento de uma contribuição chamada ‘prêmio’, o qual reparará o dano ao segurado

por uma ‘indenização’ pecuniária.

Importante contribuição nos traz Borrajo da Cruz37. O autor entende que seria

mais correto, na ciência jurídica do seguro, utilizar o termo ‘necessidade’ no lugar de

‘dano’, pois o primeiro definiria melhor a idéia de seguro, de necessidade econômica

que o seguro objetivaria assegurar.

No contrato de seguro, o evento, que deve ser futuro e incerto, deve

necessariamente independer da vontade do segurado para que se constitua efetivamente

o direito à indenização. É a chamada álea, imprescindível para caracterizar o direito ao

bem assegurado.

O modelo de proteção social de Bismarck utilizou as mesmas técnicas do contrato

de seguro originadas no direito civil.

34 Os beneficiários da pensão por morte, p. 48.

35 Id, ibid., p. 48.

36 ASSIS, Armando de Oliveira. Em busca de uma concepção moderna de risco social, p. 19-20.

37 Estudios jurídicos de prevision social, p. 132.

Page 28: A APOSENTADORIA POR IDADE NO REGIME GERAL DE … · a aposentadoria por idade no regime geral de previdÊncia social adriane bramante de castro ladenthin mestrado em direito previdenciÁrio

1 9

2.3 CONCEITO DE RISCO SOCIAL

Do termo ‘risco’, usado no direito civil, precisamente no contrato de seguro,

para designar evento futuro e incerto, convencionou-se usar a expressão ‘riscos sociais’

para nomear os danos causados ao conjunto familiar do trabalhador atingido pelo

infortúnio da doença, da invalidez, da velhice ou da morte e que, em conseqüência,

causassem necessidade ao segurado ou à sua família.

Nesse sentido, assim se expressa Assis:

Risco social, conforme pretendemos modelar, é o perigo, é a ameaça a que fica exposta

a coletividade diante da possibilidade de qualquer de seus membros, por esta ou aquela

ocorrência, ficar privado dos meios essenciais à vida, transformando-se, destarte, num

nódulo de infecção no organismo social que cumpre extirpar.38

O risco social é, portanto, inerente ao ser humano, é um fenômeno intrínseco

que ataca o sujeito e, atingindo-o em sua individualidade, atacará, por conseguinte,

toda a coletividade.

Para Neves, os riscos sociais “são acontecimentos danosos fundamentalmente

exteriores às pessoas (doença, desemprego, velhice, incapacidade laboral e morte etc.),

ocorrências naturais ou sociais que as atingem, as agridem, de fora para dentro, na sua

estabilidade econômica e social”39.

A necessidade de proteção ao indivíduo torna-se social porque incide direta e

indiretamente na sociedade em seu todo.

Para cada modalidade de proteção que se expandia, ampliava-se junto com ela a

busca pela libertação das preocupações e inquietudes que vinham assolando a sociedade

desde os seus primórdios.

A previdência social surge como forma de buscar a proteção ao trabalhador

atingido pela contingência ou pelo risco social.

O trabalhador foi o alvo inicial da cobertura social. Se por algum motivo

adoecesse e ficasse incapacitado para o trabalho, provisória ou permanentemente, teria

o ‘defeito de ingresso’, como descreve Pastor40, ou seja, o risco o impediria de receber

o salário oriundo do trabalho exercido para suprir-lhe os meios necessários à

subsistência. É nesse momento que a previdência social surge: para proteger o

38 Em busca de uma concepção moderna de risco social, p. 161.

39 Direito da Segurança Social, p. 27.

40 Derecho de la Seguridad Social, p. 322.

Page 29: A APOSENTADORIA POR IDADE NO REGIME GERAL DE … · a aposentadoria por idade no regime geral de previdÊncia social adriane bramante de castro ladenthin mestrado em direito previdenciÁrio

2 0

trabalhador enquanto perdurasse sua incapacidade para o labor, ou mesmo quando

essa incapacidade ocorresse indefinidamente, diante da efetivação do risco social.

Com a emergência do seguro social, pela lei bismarckiana, surge também a

expressão que se busca conceituar: ‘risco social’.

Para Durand41, o conceito de risco social tem dois momentos históricos distintos:

no primeiro momento, iniciou-se precisamente com a cobertura ao trabalhador que

tivesse cessado de trabalhar, temporária ou definitivamente; o segundo momento seria

aquele que se percebe pela passagem do seguro social para a seguridade social, sem

isolar o risco, mas considerando-o no todo, bastando haver insegurança na vida social

do homem para se buscar a cobertura.

Dacruz42 diverge desse entendimento (e com ele compartilhamos), considerando

que o seguro social deve ter como objeto de cobertura tão-somente aqueles riscos

sociais que afetam a vida profissional do trabalhador ou a sua família, e que as demais

medidas de segurança devem ser consideradas serviços sociais dispostos pela seguridade

social para proteger aqueles que não estejam protegidos pelos seguros sociais,

ampliando, nesse sentido, o rol de sujeitos protegidos, como se verá mais adiante, ao

conceituarmos seguridade social.

Para Pastor43, o risco, seguindo a doutrina tradicional do seguro social, seria a

possibilidade de um acontecimento futuro, incerto e involuntário que produza um

dano econômico ao segurado. Diante da possibilidade de ocorrência desse risco, faz-se

necessária a previdência social.

Assis, como já mencionamos, define risco social como o risco de o trabalhador,

isto é, uma pessoa economicamente fraca, perder o seu salário, ou melhor, ver-se

impossibilitada de ganhá-lo em razão de eventualidades que são inerentes à vida do

homem.

O risco encontra-se no mundo fenomênico, no mundo hipotético, na previsão

de que algo pode acontecer, só não se sabe se ou quando irá ocorrer. O sinistro, por

sua vez, é o fato da vida concretizado em determinado lugar e revestido de sua própria

individualidade. Aponta para o mundo do conseqüente, para o ser que foi objetivado

com a ocorrência do risco.

41 La política contemporánea de Seguridad Social, p. 58.

42 Estudios jurídicos de prevision social, p. 140.

43 Derecho de la Seguridad Social, p. 220.

Page 30: A APOSENTADORIA POR IDADE NO REGIME GERAL DE … · a aposentadoria por idade no regime geral de previdÊncia social adriane bramante de castro ladenthin mestrado em direito previdenciÁrio

2 1

De acordo com Balera:

A previdência social é, antes de tudo, uma técnica de proteção que depende da articulação

entre o Poder Público e os demais atores sociais. Estabelece diversas formas de seguro,

para o qual ordinariamente contribuem os trabalhadores, o patronato e o Estado e

mediante o qual se intenta reduzir ao mínimo os riscos sociais, notadamente os mais

graves: doença, velhice, invalidez, acidentes no trabalho e desemprego.44

Cada autor estudado (Durand45, Dacruz46, Venturini47, Pastor48, Sussekind49,

Oliveira, classifica diferentemente o campo de aplicação do risco social que a previdência

busca assegurar.

A classificação de Oliveira50 é a mais abrangente e também a que mais se adequa

ao campo de aplicação do risco social adotado pelo Brasil a partir da Constituição

Federal de 198851:

I – de origem PATOLÓGICA:

a) doença

1 – comum

2 – resultante de acidente do trabalho ou doença profissional

b) invalidez

1 – comum

2 – resultante de acidente do trabalho ou doença profissional

II – de origem BIOLÓGICA:

a) maternidade

b) velhice

c) morte

1 – natural

44 Noções preliminares de Direito Previdenciário, p. 49.

45 La política contemporánea de Seguridad Social, p. 57-8.

46 Estudios jurídicos de prevision social, p. 145-6.

47 Los fundamentos científicos de la Seguridad Social, p. 133.

48 Derecho de la Seguridad Social, p. 54-5.

49 Previdência Social brasileira, p. 34.

50 Previdência Social, p. 94-5. Adota também essa classificação: DERZI, Heloiza H. Os beneficiários da pensão por morte, p. 66-7.

51 O artigo 201 da Constituição Federal de 1988 elenca o ‘cardápio’ de riscos sociais abrangidos pela previdência socialbrasileira.

Page 31: A APOSENTADORIA POR IDADE NO REGIME GERAL DE … · a aposentadoria por idade no regime geral de previdÊncia social adriane bramante de castro ladenthin mestrado em direito previdenciÁrio

2 2

1.1 – comum

1.2 – resultante de doença profissional

2 – violenta

2.1 – comum

2.2 – por acidente do trabalho

III – de origem ECONÔMICO-SOCIAL:

a) desemprego

b) encargos familiares

c) prisão

2.4 DO RISCO SOCIAL PARA O CONCEITO DE NECESSIDADE

Crises sociais e econômicas ocorridas nos primórdios do século XX levaram o

Estado a repensar o modelo de proteção social que vinha sendo utilizado.

Assegurar apenas o trabalhador não se mostrava suficiente.

As barbáries perpetradas nas grandes guerras motivaram o Estado a tomar

medidas drásticas, que ampliassem o rol de sujeitos protegidos, com a finalidade de

resolver o enorme problema social e econômico que assolava a população em todo o

mundo, principalmente na Europa, berço das guerras.

Percebeu-se que havia muito mais do que risco social, e que não se poderia

proteger apenas o trabalhador. O sistema de seguro social mostrava-se muito aquém

das necessidades sociais que se impunham. É nesse cenário, para a cobertura desses

eventos futuros e incertos que atingem não só o indivíduo, mas toda a coletividade,

que a seguridade social surge, com o objetivo de garantir ao cidadão um padrão mínimo

de subsistência, capaz de retirá-lo de um estado momentâneo ou definitivo de

necessidade.

Lord Beveridge, pela primeira vez, em seu relatório, cuidou não só de previdência

social, mas também incluiu, no rol de proteção, a assistência social e a saúde, ampliando-

se o sistema protetivo até então existente, propondo um campo de aplicação da

proteção social bem mais amplo e mais eficaz para atender o homem em suas

necessidades básicas.

Page 32: A APOSENTADORIA POR IDADE NO REGIME GERAL DE … · a aposentadoria por idade no regime geral de previdÊncia social adriane bramante de castro ladenthin mestrado em direito previdenciÁrio

2 3

Há o entendimento de que a época atual representa o estágio final, e a essa fase

foi dado o nome de seguridade social. A cobertura vai acontecendo gradativamente, na

medida em que cada povo se torna apto a custear essas medidas de amparo.

A seguridade social nasceu com o escopo de garantir o bem-estar não só material,

mas também moral e espiritual, de todos os indivíduos, abolindo todo o estado de

necessidade social em que se encontram.

A Declaração Universal dos Direitos Humanos, adotada e proclamada pela

Resolução 217A (III) da Assembléia Geral das Nações Unidas em 10 de dezembro de

1948, da qual o Brasil é signatário, foi o marco em que se redefiniu o status do indivíduo

como verdadeiro sujeito de direito.

Nas palavras de Bobbio, essa fase atual de proteção universal e de reconhecimento

dos direitos do homem como ser humano é a proclamação dos direitos sociais, que

“expressam o amadurecimento de novas exigências – podemos mesmo dizer, de novos

valores –, como os do bem-estar e da igualdade não apenas formal, e que poderíamos

chamar de liberdade através ou por meio do Estado”52.

Para que haja uma proteção universal, faz-se necessária a solidariedade social,

que só será completa quando todos os indivíduos tiverem garantido um padrão mínimo

de bem-estar. Ainda que tenhamos consciência de que nem todos precisarão de

proteção, cada indivíduo deve ter garantida sua quota de proteção em caso de ocorrência

de necessidade.

Toda a sociedade deve se movimentar para dar à seguridade social toda a

amplitude para a qual foi criada. Como contrapartida, todos estarão protegidos.

Para a proteção dos riscos sociais, existe a previdência social. Para a proteção

das necessidades, existem os serviços de assistência social e saúde. A preocupação não

é só proteger o trabalhador que foi atingido pela contingência, mas também prevenir

ou tratar o indivíduo, garantindo-lhe o pleno desenvolvimento da sua personalidade.

Proteger o cidadão dos riscos sociais é necessário, imprescindível, não só para

dar-lhe uma forma digna de tratamento como ser humano, diante da necessidade

iminente, mas, sobretudo, para buscar o bem-estar universal, que é o ideário da Ordem

Social, para o qual deve voltar-se toda a sociedade.

52 A Era dos Direitos, p. 52.

Page 33: A APOSENTADORIA POR IDADE NO REGIME GERAL DE … · a aposentadoria por idade no regime geral de previdÊncia social adriane bramante de castro ladenthin mestrado em direito previdenciÁrio

2 4

Derzi assegura:

No momento em que se constitucionalizam regras conhecedoras das necessidades sociais,

como verdadeiro acervo histórico, moral, jurídico e cultural de um povo, conquistado

ao longo dos embates ideológicos através dos séculos, esse Estado não apenas se torna

guardião dos direitos sociais como assume o dever de agir no sentido de viabilizar os

meios idôneos de superá-las.53

Para que essas necessidades sociais sejam normatizadas e delimitadas, o Estado

reveste-se de Estado social, propondo mecanismos de aplicação efetiva da proteção,

ampliando o rol de sujeitos protegidos, disponibilizando a estes o maior número de

benefícios e serviços, para que superem seu estado de necessidade e alcancem o almejado

bem-estar.

A chave para que esse estado de bem-estar e de justiça social chegue ao ápice é

respeitar o homem como ser humano, dotado de dignidade que lhe é intrínseca, e

valorizar o trabalho como seu bem maior e o único meio a lhe assegurar o

desenvolvimento pessoal, para que possa se libertar de todo e qualquer estado de

necessidade.

Tomando como paradigma Oliveira54 que, com muita propriedade, resumiu, num

único quadro, a evolução dos riscos sociais aos eventos geradores de ‘necessidades

vitais’, sedimentando a cobertura da seguridade social não só no fornecimento de

prestações, elaboramos novo quadro em conformidade com os benefícios e serviços

dispostos atualmente pela seguridade social, como se vê na página seguinte.

53 Os beneficiários da pensão por morte, p. 72.

54 Previdência Social, p. 97-8.

Page 34: A APOSENTADORIA POR IDADE NO REGIME GERAL DE … · a aposentadoria por idade no regime geral de previdÊncia social adriane bramante de castro ladenthin mestrado em direito previdenciÁrio

2 5

EVENTO

MATERNIDADE, PARTO OUABORTO E SUAS CONSEQÜÊNCIAS

INCAPACIDADE PARA OTRABALHO

INVALIDEZ

VELHICE

MORTE

ACIDENTE DO TRABALHO

ACIDENTE DE QUALQUERNATUREZA OU CAUSA

DESEMPREGO

NASCIMENTO DO FILHO OU

FILHO INVÁLIDO

RECLUSÃO

DEFICIÊNCIA

NECESSIDADE VITAL

Necessidade de assistência médica

Necessidade de cuidados com o filho

Aumento de despesa

Perda temporária da capacidade deganho

Perda temporária da capacidade deganho

Tratamento médico

Reeducação ou readaptação profissional

Perda definitiva da capacidade de ganho

Tratamento médico

Reeducação ou readaptação profissional

Redução da capacidade de ganho pelasobrevivência acima de uma idadeprescrita

Perda definitiva dos meios desubsistência, pela morte do seguradoinstituidorAcréscimo de despesas com funeral

Necessidades vitais, conforme o evento;doença, invalidez ou morte

Necessidades vitais em razão de perdaparcial da capacidade de trabalho

Perda temporária dos meios desubsistência pela impossibilidade deobtenção de emprego adequado

Acréscimo de despesas com amanutenção e educação do filho

Perda temporária dos meios desubsistência pela reclusão do seguradoinstituidor

Incapacidade de meios de subsistênciaou de tê-la provida pela família

PRESTAÇÃO DE SEGURIDADE

Serviços médicos (saúde)

Serviço social

Salário-maternidade

(Previdência Social)

Auxílio-doença (Previdência Social)

Serviços médicos (saúde)

Reabilitação profissional

Serviço social

Aposentadoria por invalidez (PrevidênciaSocial)

Serviços médicos (saúde)

Reabilitação profissional

Serviço social

Aposentadoria por idade

Serviços sociais

Assistência social (Lei nº 8.742/93)

Serviços médicos (saúde)

Pensão por morte (Previdência Social)

Serviços sociais

Serviços médicos (saúde)

Prestações acidentárias (auxílio-acidente;auxílio-doença acidentário;aposentadoria por invalidez acidentária)

Reabilitação profissional

Serviço social

Serviços médicos (saúde)

Auxílio-acidente (causas exógenas aotrabalho)

Reabilitação profissional

Serviços médicos (saúde)

Serviços sociais

Seguro-desemprego

Serviços sociais

Serviços médicos (saúde)

Acréscimo de despesas com amanutenção e educação do filho

Salário-família

Serviços sociais (assistência social)

Serviços médicos (saúde)

Auxílio-reclusão

Serviços sociais

Serviços médicos (saúde)

Assistência social (Lei nº 8.742/93)

Serviços médico-sociais

Habilitação profissional

Assistência social

Page 35: A APOSENTADORIA POR IDADE NO REGIME GERAL DE … · a aposentadoria por idade no regime geral de previdÊncia social adriane bramante de castro ladenthin mestrado em direito previdenciÁrio

PARTE II

Capítulo III

Uma incursão pela ‘velhice’

Capítulo IV

A proteção social da velhice no Brasil e no mundo

Page 36: A APOSENTADORIA POR IDADE NO REGIME GERAL DE … · a aposentadoria por idade no regime geral de previdÊncia social adriane bramante de castro ladenthin mestrado em direito previdenciÁrio

2 7

CAPÍTULO III

UMA INCURSÃO PELA ‘VELHICE’

3.1 A VELHICE SOB UM OLHAR OTIMISTA

Simone de Beauvoir55, em sua clássica obra sobre a velhice, apresenta um estudo

bastante aprofundado do tema, buscando dados na filosofia, na sociologia, na

gerontologia e na antropologia.

Em épocas bastante remotas, o tratamento reservado aos velhos era diferenciado

conforme as civilizações e suas diferentes culturas. A autora conta que, “em certos

recantos do Japão, as aldeias eram tão miseráveis que, para poderem sobreviver, se

viam obrigadas a sacrificar os velhos”.

Diferentemente, em outras comunidades, Beauvoir56 relata que os membros mais

respeitados eram os “homens de cabelos grisalhos”. Para essas culturas57, os velhos

recebiam alimentos como dádivas por seu conhecimento nas cerimônias sagradas e

também por suas atividades, sapiência, rituais e cantos.

Felizmente, esse estereótipo da velhice veio modificando-se ao longo dos anos,

sobretudo neste último século. Modificou-se o estigma do envelhecimento como um

processo degradante e desprezível. Hodiernamente, os estudos sobre a senilidade têm

55 A velhice. A realidade incômoda, p. 60.

56 Id. ibid., p. 70.

57 Eram grupos chamados Arandas, que viviam na região australiana.

Page 37: A APOSENTADORIA POR IDADE NO REGIME GERAL DE … · a aposentadoria por idade no regime geral de previdÊncia social adriane bramante de castro ladenthin mestrado em direito previdenciÁrio

2 8

ocupado espaços cada vez mais amplos na medicina, na antropologia, na biologia e na

sociedade de forma geral, disponibilizando dados surpreendentes sobre a ‘terceira idade’.

Como descreve Comfort, “a bem da verdade, há animadores indícios de que o

odioso estereótipo da velhice, pelo menos em sua forma mais perversa, já está fora de

moda”58.

Não existe um momento preciso para iniciar-se a velhice. O envelhecimento é

um acontecimento individual, pessoal, intransferível. Depende particularmente de cada

ser humano, da maneira como cada organismo reage à passagem do tempo.

O ciclo de vida é delineado por cinco estágios bem definidos: nascimento,

crescimento, reprodução, envelhecimento e morte.

Braga entende que o envelhecimento “deve ser considerado um processo

tipicamente individual, existencial e subjetivo, cujas conseqüências ocorrem de forma

diversa em cada sujeito. Cada indivíduo tem um tempo próprio para se sentir velho”59.

Para Silva, o “envelhecimento é concebido como um direito personalíssimo e

sua proteção, um direito social”. Assim, afirma o autor, “se o envelhecimento é um

direito, só pode ser personalíssimo, sem a necessidade de dizê-lo, pois essa é uma

característica de todo o direito individual, intransferível e inalienável”60.

Deve-se considerar vários aspectos para definir a velhice. Bobbio61 sugeriu três

perspectivas sob as quais ela pode ser definida: a cronológica ou censitária, a burocrática

e a psicológica ou subjetiva.

Sob a perspectiva cronológica, a velhice seria determinada simplesmente pelo

fator etário, que qualifica o indivíduo como idoso independentemente de suas

características pessoais.

Todas as idades têm estágios, e cada um sofre variações no tempo e no espaço.

A fase idosa, cronologicamente falando, inicia-se a partir de determinada idade,

considerada pelos estudiosos avançada, podendo ser denominada também de fase pós-

adulta62.

58 A boa idade, p. 25.

59 Direitos do idoso, p. 41.

60 Comentário contextual à Constituição , p. 862.

61 O tempo da memória – De senectude e outros escritos autobiográficos, p. 17.

62 Para Bobbio, o prefixo pós quer dizer simplesmente ‘que vem depois’ (op. cit., p. 23).

Page 38: A APOSENTADORIA POR IDADE NO REGIME GERAL DE … · a aposentadoria por idade no regime geral de previdÊncia social adriane bramante de castro ladenthin mestrado em direito previdenciÁrio

2 9

Os avanços no tema do envelhecimento são tantos que já vem sendo aceita a

quarta idade, iniciada, segundo os especialistas, após os 80 anos63.

O aspecto burocrático, assim denominado por Bobbio64, seria aquele que imporia

a criação de direitos ao idoso, tais como prestações de cunho previdenciário ou

assistencial: “Hoje um sexagenário está velho apenas no sentido burocrático, porque

chegou à idade em que geralmente tem direito a uma pensão”.

Os aspectos cronológicos ou censitários e burocráticos definidos pelo autor se

conjugam, na medida em que as políticas públicas de proteção ao idoso iniciam-se

inexoravelmente a partir de determinada faixa etária, indicada nas legislações que

disponibilizam benefícios e serviços a esses indivíduos.

Um último aspecto descrito pelo filósofo seria a velhice psicológica, ou subjetiva,

em que a individualidade é o cerne para indicar a chegada da senectude. Nessa

perspectiva, levam-se em conta as condições físicas, econômicas e sociais do indivíduo,

que influenciam categoricamente a precocidade ou o retardamento da velhice.

Bobbio, aos 87 anos, autodescrevendo-se, exemplifica a velhice sob o aspecto

psicológico:

Biologicamente, considero que minha velhice começou no limiar dos 80 anos. No

entanto, psicologicamente, sempre me considerei um pouco velho, mesmo quando

jovem. Fui velho quando era jovem e quando velho ainda me considerava jovem até

poucos anos. Agora penso ser mesmo um velho-velho.65

Beauvoir 66 menciona um estudo realizado em Marselha, no ano de 1969, pelo

professor Desanti, abrangendo 17 mil segurados sociais, demonstrando que o

envelhecimento ocorre de maneira diferente, conforme a atividade profissional. A

pesquisa sugeriu uma classificação em ordem decrescente de desgaste:

• professores de ensino primário, secundário e técnico;

• quadros superiores;

• quadros médios;

• agentes paramédicos e sociais;

63 Bobbio relata que o octogenário era considerado um velho decrépito, de quem não valia a pena se ocupar, enquanto,atualmente, ocorre o contrário. A velhice fisiológica começa quando a pessoa se aproxima dos 80 anos, que o autorconsidera a idade média da vida (op. cit., p. 17).

64 Ib. ibid, p. 17.

65 Ib. ibid, p. 18.

66 A velhice. A realidade incômoda, 41.

Page 39: A APOSENTADORIA POR IDADE NO REGIME GERAL DE … · a aposentadoria por idade no regime geral de previdÊncia social adriane bramante de castro ladenthin mestrado em direito previdenciÁrio

3 0

• funcionários de escritórios e municipais;

• motoristas, representantes de produtos, desempregados;

• patrões;

• serviçais;

• contramestres, operários qualificados, operários especializados;

• serventes.

Observa-se, pela classificação, que, quanto maior é a capacitação intelectual do

indivíduo, mais demorada é a chegada do envelhecimento, enquanto os trabalhadores

menos instruídos, cujo trabalho exige maior esforço físico, tendem a envelhecer mais

rapidamente.

O avanço da medicina teve papel de suma importância no modus vivendi do

idoso. Muitas pesquisas no âmbito do envelhecimento têm sido realizadas, sugerindo

medidas preventivas, em busca de retardar a velhice e para que esta se torne mais

saudável e digna.

Nas palavras de Comfort: “A verdade é clara como a água. A ‘velhice’ equivale

à vivência de um determinado número de anos: isso é tudo”67.

Apesar de tantos estudos sobre o envelhecimento, muitos mistérios ainda não

foram desvendados.

Gonçalves68 sugere uma definição poética da velhice, entendendo que se trata de

“uma ilustre, indesejada, mas onipresente, sombra que paira sobre o ser humano; de

todos conhecida e ao mesmo tempo desconhecida, misteriosa e temida”69.

Embora os estudiosos ainda não tenham encontrando a chave desse enigma que

é o envelhecimento, o tempo não espera. Envelhecemos a cada dia, a cada hora, a cada

minuto. Entretanto, os avanços em diversas áreas, seja na tecnologia, seja no âmbito

social, seja na medicina, têm permitido que esse processo, ineludível, torne-se mais

brando, mais feliz.

Nas palavras do papa João Paulo II, na Carta aos participantes da II Assembléia

Mundial sobre o Envelhecimento, ocorrida em Madri em 2002:

67 A boa idade, p. 13.

68 Leocádio Celso Gonçalves é médico psiquiatra e psicanalista e escreveu um livro intitulado Desenvelhecimento – Um vôopanorâmico sobre a questão do envelhecer!

69 Id. ibid., p. 25.

Page 40: A APOSENTADORIA POR IDADE NO REGIME GERAL DE … · a aposentadoria por idade no regime geral de previdÊncia social adriane bramante de castro ladenthin mestrado em direito previdenciÁrio

3 1

Apesar de se dever considerar a terceira idade de modo positivo e com o propósito de

desenvolver todas as suas possibilidades, não se devem evitar nem ocultar as dificuldades

e o fim inevitável da vida humana. Se é certo que, como diz a Bíblia, as pessoas “até na

velhice darão frutos” (Sl 92, 15), continua a ser verdade que a terceira idade é uma fase

da vida na qual a pessoa é particularmente vulnerável, vítima da fragilidade humana. É

muito freqüente que o surgimento de enfermidades crônicas reduza o idoso à invalidez

e recorde, inevitavelmente, o momento do final da vida. Nestes momentos particulares

de sofrimento e de dependência, as pessoas idosas não só precisam de ser tratadas com

meios que a ciência e a técnica proporcionam, mas também necessitam de ser seguidas

com competência e amor, para que não se sintam um peso inútil e, o que é pior,

cheguem a desejar e solicitar a morte.

O envelhecimento está na ordem do dia. Os idosos são cada vez em maior

número e têm buscado (e vêm alcançando) seu espaço na sociedade. É perceptível sua

busca pela felicidade e por meios melhores de vida. E é assim que devem seguir.

3.2 A VELHICE SOB UM OLHAR PESSIMISTA

Diante da iminente modificação da pirâmide demográfica mundial, ocasionada

pelo aumento da expectativa de vida dos idosos e também pela diminuição significativa

da fecundidade, os dados econômicos, sociais e políticos precisam ser revistos.

Além disso, a idade em que se inicia o direito a prestações assistenciais ou

previdenciárias também tem sido objeto de muita discussão em vários países.

Demograficamente, a velhice tem sido vista sob um olhar bastante preocupante

em todo o mundo.

O fato é que a população mundial vem envelhecendo de forma gradativa. Isso

tem ocorrido devido a dois fatores: a diminuição da natalidade e o aumento da

expectativa de sobrevida.

Segundo pesquisa realizada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística

(IBGE)70, o fenômeno do envelhecimento é global e deve-se basicamente aos seguintes

fatores:

• A expectativa de vida aumentou em dezenove anos desde 1950.

• O número de pessoas com mais de 60 anos têm aumentado consideravelmente.

Hoje, a média é de uma pessoa idosa em cada dez. Estima-se que a relação seja de

70 Dados obtidos no site www.ibge.gov.br/home/estatísticas/população/perfilidosos/perfilidosos2000. Acessado em 16/06/2006.

Page 41: A APOSENTADORIA POR IDADE NO REGIME GERAL DE … · a aposentadoria por idade no regime geral de previdÊncia social adriane bramante de castro ladenthin mestrado em direito previdenciÁrio

3 2

uma em cada cinco na média mundial e de uma em cada três nos países

desenvolvidos.

• Estima-se que o número de pessoas com mais de 100 anos aumente quinze vezes,

projetando uma média de centenários da ordem de 2,2 milhões em 2050.

• Entre 1999 e 2050, o número de pessoas ativas (entre 15 e 64 anos) e inativas

(65 anos ou mais) diminuirá em menos da metade nas regiões desenvolvidas e

em número ainda menor nas menos desenvolvidas.

O problema não é só do Brasil, mas de âmbito mundial. A Tabela 171 mostra o

declínio das taxas de fertilidade em alguns países, chegando a 61,3% na China e a 30,4%

no Brasil.

O aumento da expectativa de sobrevida também vem preocupando as autoridades

no mundo inteiro.

A Organização Pan-Americana da Saúde, em convênio interagencial integrado

pela Comissão Econômica da América Latina e Caribe (Cepal), o Fundo de Populações

das Nações Unidas (Fnuap), o Programa de Envelhecimento das Nações Unidas, a

Tabela 1 – Percentagem de declínio das taxas de fertilidade total

para uma seleção de países, 1965 a 1982

Países TFT 1965-82(% declínio)

Nigéria 0,0

Etiópia 3,0

Argélia 5,4

Egito 22,0

Bolívia 4,6

Brasil 30,4

Colômbia 42,9

Cuba 55,6

Guatemala 21,2

Honduras 10,8

Países TFT 1965-82(% declínio)

Jamaica 37,1

México 31,3

Nicarágua 12,5

Peru 30,8

Índia 18,7

Paquistão 22,7

China 61,3

Fil ipinas 38,2

Tailândia 42,9

Fonte: Hugo (1985).

71 Tabela apresentada no Congresso Internacional de Gerontologia, realizado em Nova York no ano de 1985. Apud Revistade Saúde Pública, v. 21 n. 3, São Paulo, jun. 1987, de autoria de Luiz Roberto Ramos, Renato P. Veras, Alexandre Kalache,sob o título “Envelhecimento populacional: uma realidade brasileira”.

Page 42: A APOSENTADORIA POR IDADE NO REGIME GERAL DE … · a aposentadoria por idade no regime geral de previdÊncia social adriane bramante de castro ladenthin mestrado em direito previdenciÁrio

3 3

Organização Internacional do Trabalho (OIT) e o Banco Interamericano de

Desenvolvimento (BID), e com a colaboração de diversos países da região, desenvolveu

a pesquisa ‘Sabe’ (Saúde, Bem-Estar e Envelhecimento), com o objetivo de coletar

informações sobre os idosos.

A pesquisa mostra que o envelhecimento da população é um fato global, e não

só regional. Dentre os idosos, as mulheres são em maior número e vivem, em sua

maioria, nas áreas urbanas.

Segundo dados do IBGE, até 2025 o Brasil terá 52 milhões de pessoas com idade

superior a 60 anos.

Desse número, as mulheres, como já foi dito, serão em maior número, diante da

expectativa de vida maior que a dos homens.

A diminuição da natalidade vem contribuindo para a brusca alteração da

demografia mundial, considerando que a média de filhos por casal tem diminuído

consideravelmente.

A Tabela 2 mostra a diminuição da taxa de fecundidade para o período de 1960

a 2020, ocorrida no Brasil.

O resultado do aumento da expectativa de sobrevida com a diminuição da

natalidade vem provocando significativa modificação na pirâmide demográfica mundial.

Tabela 2 – Taxa de fecundidade

Anos Taxa de fecundidade (%)

1960 6,21

1970 5,76

1980 4,01

1990 2,50

2000 2,04

2010 1,85

2020 1,81

Fonte: IBGE, Anuários Estatísticos1965, 1982, 1992, 1994 e 1996

Page 43: A APOSENTADORIA POR IDADE NO REGIME GERAL DE … · a aposentadoria por idade no regime geral de previdÊncia social adriane bramante de castro ladenthin mestrado em direito previdenciÁrio

3 4

O Gráfico 172 mostra essa inversão demográfica da população de 80 anos ou

mais de idade. Em 1980, seu número era inexpressivo, mas estima-se que, em 2050, a

população idosa chegará a um número próximo dos 14 milhões.

Gráfico 1 – BRASIL: Evolução da população de 80 anos ou mais de idade por sexo – Brasil: 1980/2050

Num futuro próximo, haverá mais idosos do que jovens, e a Previdência Social

tem importante papel nessa mudança demográfica, devendo se preparar para oferecer

a todos a proteção social de que necessitarão.

A crise previdenciária é mundial. Tanto os países desenvolvidos como os países

em desenvolvimento têm procurado melhorar e ampliar as políticas públicas de

proteção, visando proporcionar aos idosos vida digna e o descanso merecido na velhice.

Dentro de pouco tempo, teremos uma porcentagem muito grande de indivíduos

inativos e uma pequena minoria ativa sustentando o insustentável e colocando em

risco os sistemas de proteção social.

Para Mendes, a iminente modificação demográfica clama por decisões urgentes,

pois, segundo ele, “o risco de exclusão dos velhos solicita respostas compatíveis com

as noções de cidadania entretanto firmadas, ao mesmo tempo que estimula a

Fonte: http://www.ibge.gov.br/home/estatistica/populacao/estimativa2004/metodologia.pdf

72 Site do IBGE – População.

Page 44: A APOSENTADORIA POR IDADE NO REGIME GERAL DE … · a aposentadoria por idade no regime geral de previdÊncia social adriane bramante de castro ladenthin mestrado em direito previdenciÁrio

3 5

revalorização dos vínculos de proximidade, que estão hoje no coração das novas

políticas públicas dirigidas à inclusão social dos idosos”73.

A Organização Ibero-Americana de Seguridade Social (Oiss), composta pelos

países que fazem parte do Cone Sul (Brasil, Chile, Argentina, Uruguai e Paraguai),

está elaborando um plano de ação cujo objetivo final é estruturar um observatório

sobre o envelhecimento nesses países, que permitirá consultas e, ao mesmo tempo, a

obtenção de informações sobre a terceira idade. Isso mostra a preocupação das

autoridades, não só da América Latina, mas do mundo todo, em cuidar mais

atentamente do problema do envelhecimento mundial.

Apesar da inegável otimização do envelhecimento, pela melhoria das condições

de vida do ser humano, proporcionando-lhe maior longevidade, outros problemas

surgem paralelamente e não podem ser esquecidos.

Mendes 74 apresenta três grandes fontes de incerteza que os progressos da

longevidade e as mutações econômicas contemporâneas trazem para a sociedade.

A primeira incerteza é a ameaça à empregabilidade. O alcance de idades superiores

a 40 anos tem denunciado graves crises de desemprego em todos os países, causadas

pela robotização e falta de mão-de-obra especializada. O que dizer dos maiores de 60

anos, por exemplo, que, mesmo aptos a exercer atividades profissionais, são colocados

em situação de fragilidade pela própria lei, que os considera idosos?

Para Horvath Jr., o “desemprego é a maior tragédia mundial porque atinge

diretamente o indivíduo, destruindo a auto-estima do trabalhador, o induz ao crime,

provoca destruição da família, sendo um elemento desagregador da vida em sociedade”75.

Outra fonte de incerteza indicada pelo autor português é a qualidade de vida

desses idosos, que viverão além da idade convencional de retirada do mercado de

trabalho, o que leva à necessidade de criar “apoios continuados nas situações de

dependência crônica”, ocupação do tempo ocioso, com atividades dirigidas, integrando

o idoso ao meio social da terceira e quarta idades, além de uma maior e imprescindível

participação da família e da sociedade.

A terceira e última fonte de incerteza apontada pelo autor é quanto aos

montantes e à continuidade das prestações substitutivas do rendimento, diante de uma

perspectiva de sobrevivência superior a dez anos da idade necessária para o recebimento

da prestação securitária, resultando numa general izada inquietação quanto à

sustentabilidade dos sistemas públicos de proteção.73 Conspiração grisalha, p. 247.74 Id. ibid., p. 245-6.75 Direito Previdenciário, p. 255.

Page 45: A APOSENTADORIA POR IDADE NO REGIME GERAL DE … · a aposentadoria por idade no regime geral de previdÊncia social adriane bramante de castro ladenthin mestrado em direito previdenciÁrio

3 6

Evidentemente, é preciso difundir a idéia de seguridade social, ainda em ascensão

nos países em desenvolvimento, mas o trabalho de inclusão social global tem

demonstrado o interesse das autoridades em trazer para o sistema securitário o maior

número possível de adeptos.

Para Pastor76, a seguridade deveria ser universal e em forma de assistência social

pública, entendendo o autor que é nesse sentido que deve convergir todo o sistema

securitário.

Os estudos do Sabe77 mostraram que a principal fonte de renda do idoso vem do

trabalho, seguido pela renda de alugueres, mas ainda há muitos trabalhadores na

informalidade, excluídos do amparo social.

Como a fixação da idade para aposentadoria é um critério subjetivo, cada país

adota o seu, considerando as variáveis sociais, econômicas, políticas e culturais.

Diante do aumento consecutivo da expectativa de sobrevida dos idosos, alguns

países já vêm modificando a idade mínima para aposentadoria, destacando que a idéia

prevalecente é o requisito etário em detrimento da “pensión de vejez”.

A Organização Internacional do Trabalho adotou, em 1952, as Normas Mínimas

de Seguridade Social e, em seu artigo 26, estabelece a idade de 65 anos para os

trabalhadores em geral. É um padrão mínimo a ser considerado para efeito de

aposentadoria.

Colômbia 78 e Cuba fixaram a idade para aposentadoria igual à idade para

aposentadoria do trabalhador rural do Brasil, ou seja, de 60 anos para o homem e 55

para a mulher. Na Alemanha, Islândia e Suécia, a idade para a aposentadoria está em

67 anos. Diferentemente, França, Itál ia e Rússia têm baixado a idade para a

aposentadoria, fixando-a em 60 anos79, diante da juventude demográfica existente nesses

países.

Com exceção dos dois primeiros países (Colômbia e Cuba), não há diferença de

idade para a aposentadoria, dentre os exemplos ora mencionados, entre homens e

mulheres, sendo exigida a igualdade entre os sexos nos demais países.

76 Derecho de la Seguridad Social, p. 6.

77 Saúde, Bem-estar e Envelhecimento, p. 253.

78 A Colômbia já se programou para alterar a idade para 62 e 57 anos, respectivamente, para homem e mulher.

79 Paul Durand critica o rebaixamento da idade de jubilação de 65 para 60 anos fixado pela França, mas a justificativa está emse atingir um número maior de beneficiários com essa medida. O autor destaca que, com 60 anos de idade, os aposentadosseriam 28 por 100 produtores e, se mantivesse a idade em 65 anos, esse número cairia 33% (La política contemporánea deSeguridad Social, p. 262-3).

Page 46: A APOSENTADORIA POR IDADE NO REGIME GERAL DE … · a aposentadoria por idade no regime geral de previdÊncia social adriane bramante de castro ladenthin mestrado em direito previdenciÁrio

3 7

No Brasil, ainda existe diferença de idade entre os sexos e entre a natureza do

trabalho exercido pelo trabalhador, se urbano ou rural, como se verá oportunamente

neste trabalho.

Durand80 afirma que o sexo e a profissão são elementos importantes na decisão

a ser tomada por um país para adotar uma idade de jubilação. Deve-se levar em conta

a situação fisiológica do organismo e, neste ponto, a mulher tem menos resistência do

que o homem; há ainda a questão do trabalho penoso ou exposto a condições agressivas

à saúde, que influenciam sobremaneira a chegada precoce ou tardia do envelhecimento.

Cabe ressaltar ainda a busca pela universalização da proteção para atingir um

sistema ideal de seguridade social. Foi essa direção que a França, a Itália e a Rússia

tomaram, ao diminuir a idade para fazer jus à prestação previdenciária, pois assim

poderia ser abarcado o maior número de segurados possível; se tivessem acompanhado

Alemanha, Suécia ou Islândia, apesar de o benefício etário nesses países ser iniciado

aos 67 anos, poucos seriam aqueles albergados pelo sistema protetivo no momento

histórico em que vivem.

Muito interessante o modo como o autor Nogueira81 refere-se ao ‘antecipado’

direito da mulher para aposentação, chamando esse gesto de “o cavalheirismo com o

sexo fraco”.

Durand 82 entende ainda que o desequilíbrio demográfico contemporâneo

complica a organização do sistema de seguro à velhice na maior parte dos países. Como

exemplo, o autor destaca a Inglaterra que, antes da guerra de 1939, havia voltado todo

o seu esforço para a questão do desemprego (e obteve vitória), mas atualmente enfrenta

um problema ainda maior: a população inglesa está condenada a um desemprego

natural, pois o número de pessoas que adquirem o direito à chamada “pensión de

vejez” é quase o dobro das pessoas que se encontram na ativa.

As políticas de proteção à terceira idade têm sido muito discutidas nos últimos

tempos, evoluindo e dando passos cada vez maiores. Na mesma proporção, ou até em

conseqüência dessas medidas protetivas, ocorreu uma mudança na pirâmide

demográfica, na qual os anciãos serão em maior número muito em breve.

O Direito da Seguridade Social tem importante papel nessa evolução, pois cabe-

lhe a busca pela proteção universal com benefícios e também com serviços sociais.

80 Id. ibid., p. 256-7.

81 A crise moral e financeira da Previdência Social, p. 67.

82 La política contemporánea de Seguridad Social, p. 257.

Page 47: A APOSENTADORIA POR IDADE NO REGIME GERAL DE … · a aposentadoria por idade no regime geral de previdÊncia social adriane bramante de castro ladenthin mestrado em direito previdenciÁrio

3 8

Em 2002, na II Assembléia Internacional sobre o Envelhecimento promovida

pela Organização das Nações Unidas (ONU)83, ocorrida em Madri, ficou evidente a

preocupação mundial com o aumento desenfreado da terceira idade. Foi elaborado

um Plano de Ação Internacional sobre o Envelhecimento, sugerindo mudanças de

atitude, políticas e práticas em todos os setores, tendo em vista a necessidade de

concretizar as enormes potencialidades do envelhecimento do século XXI.

Caso essas medidas de proteção não sejam efetivadas, corremos o risco de uma

crise sem proporções em todos os segmentos. Se já existe um desequilíbrio do sistema

securitário mundial, com um déficit que cresce a cada ano, a situação tende a ficar

ainda mais dramática se não forem criadas políticas públicas capazes de atender à

iminente demanda no amparo ao envelhecimento.

3.3 TERMINOLOGIAS PARA DESIGNAR A VELHICE

Há uma infinidade de terminologias utilizadas para dar nome à velhice.

Leite84 lista algumas terminologias comumente usadas: ‘velhice’, ‘velho’, ‘idade

avançada’, ‘ancião’, ‘senil’, ‘senectude’, e outras estranhas ou até mesmo engraçadas,

como: ‘ idadismo’, ‘etarismo’, ‘dosismo’, ‘ancianismo’, ‘gerontino’, ‘geronte’ ,

‘maturescente’ e até ‘geriátrico’.

Concordamos com Vargas85, para quem os termos ‘velho’ ou ‘velhice’ estão

impregnados de preconceito, sendo essas expressões associadas a pessoa ‘feia, doente,

incapaz ou dependente’. É comum, ao se pensar no adjetivo ‘velho’ ou no substantivo

‘velhice’, fazer relação com perda de saúde, de vigor sexual, da capacidade de produzir,

ou até mesmo com a morte.

Barros86 ficou em dúvida ao intitular um livro sobre a velhice, entendendo que

o termo ‘terceira idade’ seria o que mais se adequava ao momento atual, como forma

de superar o estigma das terminologias negativas em relação ao velho.

A velhice tem sido objeto de estudo da gerontologia87, da geriatria88 e, mais

recentemente, da biogerontologia89, cada ciência conceituando o processo de

envelhecimento da sua maneira e conforme a especialidade de cada um de seus ramos.

83 Informações obtidas no site da ONU em Portugal: www.onuportugal.pt. Acessado em 10/07/2006.84 O século da aposentadoria, p. 35.85 Aposentadoria por idade no Direito brasileiro, p. 106.86 Entrevista à Revista Eletrônica de Jornalismo Científico, no site www.comciência.br, intitulada “Antropóloga analisa situação

dos idosos sob a ótica dos próprios”. Acessado em 15/06/2006.87 Gerontologia é o ramo da ciência que estuda os fenômenos relacionados ao envelhecimento humano (Dicionário Houaiss

da Língua Portuguesa). O gerontólogo e sociólogo Flávio da Silva Fernandes define a gerontologia social como aquela queestuda as mudanças que acompanham o envelhecimento do ponto de vista psicológico e sociológico, a adaptação doindivíduo em suas transformações e na evolução de sua personalidade (em As pessoas idosas na legislação brasileira, p. 15).

88 Geriatria é a especialidade médica que trata das doenças ligadas ao envelhecimento (Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa).89 Biogerontologia é um recente ramo da biologia do desenvolvimento, voltado a estudar a biologia do envelhecimento.

Page 48: A APOSENTADORIA POR IDADE NO REGIME GERAL DE … · a aposentadoria por idade no regime geral de previdÊncia social adriane bramante de castro ladenthin mestrado em direito previdenciÁrio

3 9

No Brasil, as terminologias utilizadas pelo arcabouço jurídico incluem expressões

distintas quando tratam dos direitos do idoso.

A Constituição Federal de 1988 serve-se de diversos vocábulos para designar

sujeitos de direitos diferentes na proteção ao senil.

No Capítulo VIII (“Da Ordem Social”), Seção IV, do Texto Magno, que trata

especificamente da assistência social, o artigo 20390 refere-se à proteção à velhice assistida

pelo Estado, destinada àquele em estado de miserabilidade, objetivando libertá-lo dessa

situação de mendicância. Observa-se que o termo utilizado nesse artigo é ‘velhice’.

É o Estado, revestido de políticas de seguridade social, o responsável por garantir

amparo à velhice na forma de assistência social. É importante observar que não se

trata de caridade, de benevolência, mas sim de direito social, cujo custeio é indireto,

advindo de toda a sociedade.

Ainda, na Constituição, o legislador constituinte introduziu outra terminologia

em seu artigo 23091: o ‘idoso’.

O sujeito buscado para essa proteção é o idoso, e a política de proteção a ele foi

inserida na Lei nº 8.842/94 (em cumprimento ao mandamento constitucional), que

criou a Política Nacional do Idoso, posteriormente modificada pela Lei nº 10.741/

200392, atualmente regulando a proteção aos maiores de 60 anos de idade.

Nesse caso, o Estado não está sozinho no amparo ao idoso. Há uma união

entre Estado, família e sociedade na proteção à terceira idade, devendo defender sua

dignidade, proporcionando-lhe bem-estar e garantindo-lhe o direito à vida.

Outra expressão (ou termo) utilizada pela Constituição foi introduzida com a

Emenda Constitucional nº 20, de 16 de dezembro de 1998, que modificou a

terminologia do risco etário da previdência social: ‘idade avançada’93.

A conhecida aposentadoria por idade teve a sua insígnia recentemente modificada,

pois, na origem desse benefício94, a prestação era chamada aposentadoria por velhice.

90 Artigo 203, I: “a proteção à família, à maternidade, à infância, à adolescência e à velhice” (grifo nosso).

91 Artigo 230: “A família, a sociedade e o Estado têm o dever de amparar as pessoas idosas, assegurando sua participação nacomunidade, defendendo sua dignidade e bem-estar e garantindo-lhes o direito à vida”.

92 Lei que dispõe sobre o Estatuto do Idoso, de 1 de outubro de 2003.

93 Artigo 201, inciso I da Constituição Federal de 1988: “cobertura de eventos de doença, invalidez, morte e idade avançada”(grifo nosso), sendo que, na redação anterior à referida Emenda, o nome dado ao risco etário era ‘velhice’.

94 A aposentadoria por velhice teve seu início com a promulgação da Lei nº 3.807/60, mais conhecida como Lops (LeiOrgânica da Previdência Social).

Page 49: A APOSENTADORIA POR IDADE NO REGIME GERAL DE … · a aposentadoria por idade no regime geral de previdÊncia social adriane bramante de castro ladenthin mestrado em direito previdenciÁrio

4 0

Havia, no entanto, enorme preconceito, inclusive dos próprios segurados que

buscavam essa ‘velha’ aposentadoria, significando para eles praticamente o fim da vida,

a invalidez, a incapacidade, quase uma vergonha95.

Leite afirma que “o próprio termo (velhice) é meio duro e em geral procuramos

evitá-lo, na justa esperança de que os eufemismos atenuem o que a velhice tem de

inelutável e portanto de negativo”96.

Assim, o benefício correspondente passou a ser chamado aposentadoria por

idade pela Lei nº 8.213/9197, sem o adjetivo ‘avançada’ (por ser realmente

desnecessário). Ressalte-se que a renomeação da prestação previdenciária, pela Lei nº

8.213/91, se fez antecipadamente, pois ocorreu antes mesmo da modificação

constitucional do cognato trazido pela Emenda Constitucional nº 20/98, que alterou

a denominação do risco ‘velhice’ para ‘idade avançada’.

No entanto, ressalte-se que não foi modificado somente o nome do benefício,

mas também o do risco social, intrinsecamente relacionado à cobertura protetiva que

a Previdência Social está designada a cobrir.

Embora a terminologia ‘velho’ ou ‘velhice’ possa sugerir uma idéia negativa,

melancólica ao risco, seria esta a que melhor contemplaria o objeto da proteção social.

O termo ‘velhice’ é como é conhecido o risco no direito comparado para designar

a proteção previdenciária, sendo, portanto, o que mais se adequa a justificar a prestação.

‘Idade avançada’ não denota risco nenhum, tratando-se de termo muito subjetivo, muito

vago.

Se fôssemos levar a nomenclatura dada ao benefício ao pé da letra, chegaríamos

à conclusão de que a terminologia ‘aposentadoria’ também não estaria correta, pois

significa parar de trabalhar ou, numa definição mais conceitual, seria o “estado de

quem já não trabalha”98.

É sabido que muitos aposentados, a não ser em caso de invalidez, não param de

trabalhar após o recebimento do benefício, em razão de fatores econômicos e sociais.

Em diversos países, o termo utilizado para designar o benefício de quem pára de

trabalhar é ‘pensão por retirada’, ou ainda, na previdência complementar, ‘fundos de

95 Evidentemente, essa presunção de incapacidade não condiz com a realidade demográfica que estamos vivenciando, em quea terceira idade tem se revelado cada vez maior e melhor, como será visto em capítulo específico.

96 O século da aposentadoria, p. 138.

97 A aposentadoria por idade é tratada nos artigos 48 a 51 da Lei nº 8.213/91.

98 O Minidicionário Houaiss da Língua Portuguesa assim define aposentadoria: “estado de quem já não trabalha”, p. 38.

Page 50: A APOSENTADORIA POR IDADE NO REGIME GERAL DE … · a aposentadoria por idade no regime geral de previdÊncia social adriane bramante de castro ladenthin mestrado em direito previdenciÁrio

4 1

pensão’. Pensão, para a previdência social, é o nome dado à prestação dos dependentes

em caso de morte do segurado instituidor.

Nas palavras de Leite, a “velhice vai se tornando tabu entre os especialistas.

‘Velho’, nem se fale. ‘Idade avançada’ também luta com crescente índice de rejeição”99.

Não há consenso acerca da melhor terminologia para designar a velhice, ou

mesmo daquela que deveria servir de base para as diversas políticas de proteção social.

A própria legislação nacional utiliza diversos vocábulos para designar sujeitos de direitos

diferentes.

É inegável o relevante progresso que a proteção social experimentou no último

século, principalmente no que tange ao amparo ao envelhecimento.

Tecnologias de ponta, antibióticos de última linha, políticas públicas de proteção

têm contribuído para que o idoso tenha uma vida mais digna. Os resultados são

surpreendentes e vêm modificando as pirâmides demográficas em âmbito mundial.

Cabe, no entanto, observar, quanto ao cognato considerado impróprio na

previdência social, que o legislador constituinte preferiu modificar, substituindo o termo

‘velhice’ por ‘idade avançada’.

Para Vilas Boas, “velho é um termo mais depreciativo, se visto na sua pura

conotação unívoca, na conseqüente perda de sentidos e vigor”100.

O novo nome dado à aposentadoria por idade, em substituição a aposentadoria

por velhice, poderia ser mantido, mas uma terminologia mais adequada para designar

o risco social a ser coberto deveria retomar a terminologia antecessora, ou seja, ‘velhice’,

pois é este efetivamente o nome que melhor corresponde à cobertura securitária

proposta pela previdência social.

3.4 EXISTE UM CONCEITO JURÍDICO DE VELHICE?

Considera-se idoso aquele que tem muitos anos de vida, e velho, aquele muito

idoso. Desse ponto de vista, nem todo idoso é velho, mas todo velho é idoso.

Não podemos dizer que velho e idoso, portanto, tenham o mesmo significado.

O idoso, que tem muitos anos, não é velho, é ancião, enquanto o velho é mais do que

idoso, é senil.

99 O século da aposentadoria, p. 64.

100 Estatuto do Idoso comentado, p. 4.

Page 51: A APOSENTADORIA POR IDADE NO REGIME GERAL DE … · a aposentadoria por idade no regime geral de previdÊncia social adriane bramante de castro ladenthin mestrado em direito previdenciÁrio

4 2

Vilas Boas traz a diferença entre ‘velho’ e ‘idoso’, entendendo que esses termos

seriam quase sinônimos, “por analogia, uma vez que o processo de envelhecimento

afeta a todos, avança com a faixa etária de todos os viventes, mas de modos distintos

em tempo e espaço”101. No entanto, “há idoso no seu quase pleno vigor e não há velho

que não tenha experimentado a fraqueza orgânica visível”.

Para alguns sexagenários, o fato de atingirem determinada idade avançada não

quer dizer que tenham chegado à velhice, pois se sentem em perfeitas condições físicas

e psíquicas para continuar a exercer suas tarefas habituais, inclusive laborativas. Significa

apenas que eles têm muitos anos de vida. Para outros, as condições de vida mais

desfavoráveis, como desnutrição e trabalhos pesados, desgastaram-nos de tal maneira

que sua aparência física os denuncia, ainda que não tenham chegado à idade em que se

convencionou considerá-los idosos. A remuneração e as condições de vida influenciam

sobremaneira o envelhecimento precoce ou seu retardo.

Nesse sentido, Leite destaca que “os ricos vivem mais do que os pobres; da

mesma maneira, naturalmente, a duração média da vida dos menos pobres é maior do

que a da vida dos mais pobres”102.

Buscando o conceito de velhice no direito espanhol, Pastor103 define-a em dois

sentidos: ‘ancianidad’ e ‘senectud’ ou ‘senilidad’. Em ambos os sentidos, o que determina

o objeto da proteção é o transcurso do tempo, resultando inexoravelmente em

diminuição da vitalidade, da higidez física e psíquica etc. O risco, em seu sentido literal,

no entanto, é único: velhice.

‘Ancianidad’, que podemos traduzir por ‘ancianidade, ancião’, seria a última

etapa da vida do homem, depois de um longo período dedicado ao trabalho. Para o

autor, basta atingir esse último período da vida para encontrar-se em situação de velhice,

independentemente do estado psicossomático vivido. É a idade fixada na lei, dispondo

o direito a determinados benefícios e serviços a partir da implementação do requisito

etário, simplesmente.

Nesse aspecto, a idade representaria o direito ao descanso pelo atingimento da

idade mínima necessária para fazer jus a ele. É o momento em que a pessoa se retira

para seus aposentos, aposenta-se. Mas, para gozar uma velhice tranqüila, o Estado

concede-lhe um seguro, uma recompensa pelos anos de dedicação ao labor. Essa

recompensa é chamada, no direito brasileiro, de aposentadoria por idade104. Nesse caso,

101 Id. ibid., p. 4.102 O século da aposentadoria, p. 14.103 Derecho de la Seguridad Social, p. 461.104 A aposentadoria por idade mencionada está prevista nos artigos 48 a 51 da Lei nº 8.213/91 e será estudada em capítulo

específico. Ressalte-se, entretanto, que referido benefício tem caráter contributivo e é destinado àqueles que estão ouestiveram filiados ao sistema previdenciário.

Page 52: A APOSENTADORIA POR IDADE NO REGIME GERAL DE … · a aposentadoria por idade no regime geral de previdÊncia social adriane bramante de castro ladenthin mestrado em direito previdenciÁrio

4 3

a quantia recebida a título de proteção dependerá e variará segundo a duração prévia

da atividade laboral e das contribuições vertidas ao sistema, como se verá

oportunamente.

Pierdoná105, ao comentar essa passagem do livro do autor espanhol, diz que,

nesse primeiro sentido:

A velhice é entendida como o último período da vida ordinária do homem. Por isso,

a proteção se fundamenta e se justifica como um direito ao descanso, em virtude do

tempo que desempenhou atividades produtivas; a proteção seria uma compensação

pelos anos de atividade produtiva; por fim, dada a dificuldade de poupança individual,

a proteção seria uma institucionalização ou coletivização de poupança, através de

previsão social, sendo que a quantia da proteção depende da duração da atividade

produtiva.

Posiciona-se da mesma maneira o autor Venturi106, entendendo que o seguro

que garante o direito à prestação por velhice representa um ‘derecho al descanso’,

como uma forma de indenizar o trabalhador que dispensou anos da sua vida ao trabalho

e que, no momento em que a idade reduziu ou cessou sua capacidade de ganho diante

da inelutável passagem da idade, assegura-lhe uma proteção.

Para Durand107, trata-se de contrapartida pelos serviços prestados durante a vida

ativa. Entende que: “llegado a uma determinada edad, el segurado tiene redecho ao

descanso, y percibe, en el más estricto sentido, una pensión de vejez”.

O outro sentido dado por Pastor a velhice é ‘senectud’ ou ‘senilidad’, que

traduzimos por ‘senectude’ ou ‘senilidade’, ‘senil’. Seria a chegada da velhice, com a

diminuição psicossomática produzida pela erosão do tempo. Para o autor, não basta

alcançar o último período vital, como na ancianidade, é preciso que haja uma

diminuição física ou psíquica trazida pela idade avançada. O risco seria a invalidez

presumida.

Nesse caso, a proteção não se justificaria pelo direito ao descanso (que também

é uma necessidade do indivíduo), e sim pela situação de incapacidade funcional que o

impede de continuar trabalhando e, conseqüentemente, de receber salário. Essa retirada

das ocupações habituais do trabalhador é qualificada pelo autor como ‘retiro’.

Pierdoná, em comentário a esse sentido de velhice dado pelo autor espanhol,

assim se manifesta:

105 A velhice na Seguridade Social brasileira, p. 167.

106 Los fundamentos científicos de la Seguridad Social, p. 170.

107 La política contemporánea de Seguridad Social, p. 256.

Page 53: A APOSENTADORIA POR IDADE NO REGIME GERAL DE … · a aposentadoria por idade no regime geral de previdÊncia social adriane bramante de castro ladenthin mestrado em direito previdenciÁrio

4 4

A velhice seria sinônimo de senilidade, na qual há uma diminuição da capacidade

psíquica e física. Nesse sentido, a proteção não se fundamenta no direito ao descanso,

mas na situação de necessidade social, uma vez que o idoso se torna incapaz de obter

seus próprios ingressos; o idoso, dada sua incapacidade fisiológica, é incapaz de

desenvolver atividade produtiva; e, por este motivo, a proteção não aparece como

resultante do tempo de serviço, mas em virtude da necessidade social advinda da

incapacidade para o trabalho. Os valores recebidos não dependem da duração da

atividade produtiva, mas da necessidade social.108

Dacruz 109 compartilha da mesma opinião de Pastor, entendendo que, nesse

segundo sentido do conceito de velhice, o da senectude, o sujeito deverá retirar-se de

toda atividade profissional, diante da incompatibilidade de conjugá-la com seu estado

de saúde, presumindo-o inválido.

Para Durand110, a senilidade teria um aspecto fisiológico, de incapacidade

funcional diante da doença causada pela idade avançada, e o rendimento profissional

tenderia a ser insuficiente, tornando impossível ao indivíduo manter-se na vida

profissional.

É interessante notar que os autores Pastor, Venturi e Durand, ao conceituarem

a velhice, consideram tanto o aspecto da idade propriamente dita, indicada na lei, mas

que não implicaria a interrupção da atividade profissional, como aquele em que se

presume encontrar-se o indivíduo carente de proteção diante da ‘invalidez’ presumida

que o acometeu e, conseqüentemente, causando-lhe um ‘defeito de ingresso’. Neste

último caso, a proteção terá papel fundamental, imprescindível, para garantir a

cobertura diante da necessidade social sobrevinda. No caso da senilidade, não haveria

mais a continuidade da vida laborativa.

A velhice, também para Venturi111, seria uma das formas de invalidez, com os

mesmos efeitos, porém com causas diferentes, não predominantemente patológicas,

mas principalmente fisiológicas.

No Brasil, nosso sistema jurídico previdenciário trata distintamente os conceitos

de invalidez e velhice. Para nós, a invalidez está relacionada à incapacidade total, à

impossibilidade de reabilitação, intrinsecamente ligada ao aspecto da incapacidade para

o trabalho, ocasionada por ‘doença’ de origem patológica, enquanto a velhice é objeto

108 A velhice na Seguridade Social brasileira, p. 168.

109 Estudios jurídicos de prevision social, p. 164-5.

110 La política contemporánea de Seguridad social, p. 256.

111 Los fundamentos científicos de la Seguridad Social, p. 170.

Page 54: A APOSENTADORIA POR IDADE NO REGIME GERAL DE … · a aposentadoria por idade no regime geral de previdÊncia social adriane bramante de castro ladenthin mestrado em direito previdenciÁrio

4 5

de proteção do ponto de vista puramente etário, bastando implementar a idade mínima

necessária112 para ter garantida a prestação securitária.

Candau, secretário de Assistência Social do então Ministério da Previdência e

Assistência Social, em evento realizado em 1978, ao abordar o tema velhice, já naquela

época declarou que para defini-la bastaria determinar um limite etário:

Consideramos que a velhice começa entre os 60 e 65 anos. Esse é o período que vem

sendo usado também no conceito jurídico de velhice, porque se queremos definir para

efeitos práticos, para efeitos legais, o que é um velho, trata-se de determinar um limite

etário a partir do qual se consideraria a pessoa como anciã, podendo usufruir de

benefícios especiais, tais como no caso da previdência, a aposentadoria.113

A segurança etária, em nosso ordenamento pátrio, portanto, define-se pelo

aspecto puramente fisiológico ou, melhor dizendo, na classificação de Moacir Velloso

Cardoso de Oliveira, pelo aspecto biológico.

Ao aposentado por idade, utilizando o mesmo sentido jurídico dado pelo direito

espanhol, é permitida a continuidade no emprego, não se lhe reconhecendo a condição

de inválido, mas tão-somente a chegada da idade definida pela lei como limite para

conceituá-lo como idoso. É uma questão puramente cronológica.

É certo que a concessão do benefício, após o atingimento da idade mínima

necessária para ter o direito recebê-lo, ocorre diante da presunção de incapacidade

para o trabalho. No entanto, é facultado ao segurado tanto o requerimento do benefício

etário quanto a resilição do contrato de trabalho, sendo esses procedimentos tratados

de forma autônoma e interdependente.

O conceito jurídico de velhice existe. Ela é identificada pela simples chegada da

idade disposta nas diversas legislações que tratam dos direitos dos idosos.

Os estudos revelam que, a partir dos 60 anos de idade, ocorre um declínio do

ponto de vista biológico, ou seja, é o estágio final de um período de crescimento em

que a produção de células cai consideravelmente. Evidentemente, isso não significa

incapacidade para os atos da vida civil ou para o trabalho.

Considerar que há incapacidade presumida a partir dos 60 anos de idade não

condiz com os avanços demográficos, que demonstram a longevidade cada vez em

maior escala.

112 No âmbito previdenciário, além da idade mínima, é necessário o cumprimento de carência, enquanto no âmbito daassistencial social exige-se também a comprovação de renda per capita igual ou inferior a um quarto do salário mínimo.

113 Curso sobre Direito Previdenciário, realizado em 1978 pela Assessoria Legislativa da Câmara dos Deputados e Coordenadoriade Assuntos Parlamentares do então Ministério da Previdência e Assistência Social, p. 347.

Page 55: A APOSENTADORIA POR IDADE NO REGIME GERAL DE … · a aposentadoria por idade no regime geral de previdÊncia social adriane bramante de castro ladenthin mestrado em direito previdenciÁrio

4 6

No entanto, no que tange ao aspecto jurídico da questão, esta é bem definida na

norma, que não hesita em considerar, para efeitos legais, que é idosa a pessoa com

idade igual ou superior a 60 anos.

O critério utilizado para conceituar a velhice é bastante objetivo, permitindo

marcar no tempo o momento exato em que o direito terá início, direcionando o

indivíduo às políticas públicas de proteção. Esse critério é o que define juridicamente

o risco velhice.

Embora, sob o aspecto biológico, a velhice deva ser analisada de maneira pessoal,

individual e intransferível, conforme a situação concreta, no que se refere ao aspecto

legal, a objetividade da lei não deixa margem para entender diferente o que nela ficou

estabelecido. É presunção de incapacidade juridicamente definida.

Caso a incapacidade ocorra antes da idade determinada pela legislação, o risco

não será a velhice, e sim a doença ou lesão incapacitante, dispondo a legislação securitária

de outros meios de proteção correlatos.

É o critério cronológico que impõe a condição de idoso àqueles com idade igual

ou superior a 60 anos, conceituando-o na norma jurídica.

Da mesma forma, na aposentadoria por idade, o direito surge a partir do

implemento da idade mínima fixada na norma, estabelecendo-se, nesse momento, o

marco inicial para a incidência da legislação previdenciária.

A norma diferencia e separa os sujeitos. Para cada sujeito de direito

individualizam-se os critérios, conforme a prestação social que se busca.

Numa interpretação sistêmica, nosso ordenamento jurídico possui várias formas

de atender ao idoso, nas suas mais diversas necessidades, fixando um critério etário em

que ele poderá desfrutar esses benefícios.

Fica bem claro o conceito jurídico de velhice, com toda a sua objetividade,

quando o comparamos ao risco invalidez, por exemplo.

No caso da invalidez, o critério de aferição é subjetivo, tendo em vista existir a

possibilidade de dois posicionamentos médicos distintos sobre o estado de saúde de

determinado segurado.

Para Pulino114, que escreve sobre aposentadoria por invalidez, o conceito jurídico

de invalidez refere-se à situação fática de ficar inválido.

114 A aposentadoria por invalidez no Direito Positivo brasileiro, p 113.

Page 56: A APOSENTADORIA POR IDADE NO REGIME GERAL DE … · a aposentadoria por idade no regime geral de previdÊncia social adriane bramante de castro ladenthin mestrado em direito previdenciÁrio

4 7

Evidentemente, para um médico, a incapacidade pode estar instalada e para outro,

não. Na velhice, essa subjetividade inexiste, pois o atingimento da idade é certo,

determinado, programável, previsível.

Seguindo esse mesmo raciocínio, o conceito jurídico de velhice seria atingir

determinada idade fixada na lei, ou seja, ficar idoso.

Esse critério é puramente jurídico, não devendo ser confundido com os critérios

psicológicos ou biológicos. É a ‘velhice burocrática’, ‘cronológica’, como bem definiu

Bobbio115.

A mera presunção já é indicativa de obtenção do benefício, e é exatamente por

isso que o conceito jurídico de velhice se torna bastante consistente.

115 O tempo da memória – De senectude e outros escritos autobiográficos, p. 18.

Page 57: A APOSENTADORIA POR IDADE NO REGIME GERAL DE … · a aposentadoria por idade no regime geral de previdÊncia social adriane bramante de castro ladenthin mestrado em direito previdenciÁrio

4 8

CAPÍTULO IV

A PROTEÇÃO SOCIAL DA VELHICE NO BRASIL E

NO MUNDO

4.1 A PROTEÇÃO SOCIAL DA VELHICE EM ÂMBITO INTERNACIONAL

A velhice tem originado inúmeros movimentos internacionais, para tornar plenos

os direitos a esses indivíduos, que vêm modificando a estrutura demográfica em todo o

mundo.

O sistema alemão de previdência social foi, sem dúvida, um marco histórico de

proteção social no mundo.

Os riscos sociais já eram motivo de preocupação por parte das autoridades

mundiais e, em 1883, foi lançada ao mundo jurídico a primeira lei de seguro social,

cuidando de oferecer proteção àqueles incapacitados para o trabalho. Era o chamado

seguro-doença (Krankenversiherung) .

Tão importante foi essa proteção social que, ainda hoje, o trabalhador tem a

mesma cobertura social em caso de incapacidade para o trabalho.

Mas não foi só à incapacidade para o trabalho propriamente dita que a lei

bismarckiana visou dar cobertura.

Page 58: A APOSENTADORIA POR IDADE NO REGIME GERAL DE … · a aposentadoria por idade no regime geral de previdÊncia social adriane bramante de castro ladenthin mestrado em direito previdenciÁrio

4 9

Sussekind116 destaca que, relativamente ao “seguro-invalidez-velhice-morte, sua

expansão foi mais lenta”, sendo instituída pelo próprio Bismarck apenas em 1889.

Referida legislação alemã consolidou a proteção à doença, à velhice e à invalidez

com o primeiro Código de Seguros Sociais, em 19 de julho de 1911.

Sussekind 117 menciona ainda a França (em 1894) e a Bélgica (em 1911), que

ampararam primordialmente os trabalhadores mineiros, enquanto a lei austríaca de

1907 era aplicada, sem distinção da atividade profissional, aos empregados, excluindo

os trabalhadores braçais. Já a lei britânica cobria apenas os riscos de doença e invalidez,

excluindo a velhice e a morte. A Suécia, em 1912, foi o primeiro país a realizar um

verdadeiro seguro nacional a toda a população, sem distinção, proporcionando proteção

para os casos de invalidez, velhice e morte.

Em 1908, na Inglaterra, foi criada a Old Age Pensions, que concedia pensão aos

maiores de 70 anos de idade, independentemente de contribuição.

Russomano118 destaca a importância histórica da Old Age Pensions, tendo em

vista seu caráter eminentemente assistencial, voltado à população britânica carente em

razão da idade, protegendo não só os trabalhadores assalariados com as leis de seguro

social trazidas por Bismarck, mas toda a população, de forma mais ampla. Segundo o

autor, essa lei abriu caminho para a atuação posterior do plano do Lorde Beveridge,

que transformaria a previdência inglesa em um sistema de seguridade social.

Destacamos também a Constituição Alemã de Weimar, de 1919, considerada

por Balera “filha primogênita da paz”119 e por Rocha como “portadora de maior

influência no constitucionalismo mundial na defesa dos direitos”120. Em seu artigo 161,

determina:

O império promoverá a criação de um sistema geral da segurança social, para a

conservação da saúde e da capacidade para o trabalho, proteção da maternidade e

prevenção de riscos de idade, da invalidez e das vicissitudes da vida. (grifo nosso)

Para Russomano, à Constituição de Weimar coube o mérito de situar os

problemas sociais em nível constitucional, exemplo que foi seguido por todos os povos.

Segundo o autor, “a partir de 1919 nenhum Estado deixou de sentir, na elaboração do

seu direito interno, forte influência da Constituição de Weimar”121.

116 Previdência Social brasileira, p. 28.

117 Id. ibid., p. 28.

118 Curso de Previdência Social, p. 21.

119 Noções preliminares de Direito Previdenciário, p. 54.

120 O direito fundamental à previdência social , p. 32.

121 Curso de previdência social, p. 19.

Page 59: A APOSENTADORIA POR IDADE NO REGIME GERAL DE … · a aposentadoria por idade no regime geral de previdÊncia social adriane bramante de castro ladenthin mestrado em direito previdenciÁrio

5 0

Em 1919, a institucionalização da Organização Internacional do Trabalho (OIT)

também teve decisiva influência na construção do arcabouço jurídico da seguridade

social122 .

É pertinente citar ainda a Declaração Universal dos Direitos Humanos como

marco da internacionalização dos direitos do homem.

O massacre de milhões123 de judeus marcou para sempre a história da humanidade

na Segunda Guerra Mundial.

A Declaração Universal dos Direitos Humanos foi adotada e proclamada pela

Resolução 217A (III) da Assembléia Geral das Nações Unidas em 10 de dezembro de

1948, e o Brasil é dela signatário desde então. Foi o primeiro documento internacional

a reconhecer o homem como verdadeiro sujeito de direito.

Nessa declaração, a velhice também foi tratada no artigo XXV:

Toda pessoa tem direito... à segurança, em caso de desemprego, doença, invalidez,

viuvez, velhice ou outros casos de perda dos meios de subsistência em circunstâncias

fora de seu controle. (grifo nosso)

Em 1941, na Inglaterra, Lorde William Henry Beveridge124 é chamado pelo

governo britânico e elabora dois planos: um de Seguro Social e Serviços Conexos

(1942) e outro de Pleno Emprego em uma Sociedade Livre (1944). Pela primeira vez na

história do seguro social fala-se em seguridade social, reunindo, num só sistema,

previdência social, assistência social e saúde.

O Plano de Seguro Social de Beveridge era perfeito, mas, em virtude da

deflagração da Segunda Grande Guerra, não foi possível colocá-lo em prática. No

entanto, seus efeitos difundiram-se pela Europa e demais países, permitindo ao direito

social, econômico e cultural lugar de destaque, conjugando-os aos direitos civis e

políticos.

Não menos importante, em 28 de junho de 1952 a Organização Internacional

do Trabalho, tutelar dos direitos fundamentais dos trabalhadores, lança a Convenção

102, denominada Norma Mínima, propondo aos países esquemas de segurança capazes

de diminuir ao máximo os riscos sociais existentes, universalizando a cobertura e o

atendimento da seguridade social a todas as pessoas que necessitassem de proteção.

122 Noções preliminares de Direito Previdenciário, p. 53.123 Hannah Arendt supõe que o total de judeus vítimas da ‘solução final’ tenha ficado entre 4 milhões e meio e 6 milhões, mas

ressalta que esse número jamais foi comprovado (Eichman em Jerusalém – Um relato sobre a banalidade do mal, p. 5).124 William Beveridge era economista e administrador britânico, nascido em Bengala, em 1879, e falecido em Oxford, em 1963.

Destacou-se pelos estudos sobre o desemprego. Em 1911, colaborou com Churchill na criação do seguro-desemprego. Aopresidir o Conselho de Previdência da Grã-Bretanha, apresentou o Plano Beverigde, em 1942, aplicando as teorias deKeynes sobre a distribuição de renda (apud CRUZ, Paulo Márcio. Curso de especialização de Direito Previdenciário, p. 33).

Page 60: A APOSENTADORIA POR IDADE NO REGIME GERAL DE … · a aposentadoria por idade no regime geral de previdÊncia social adriane bramante de castro ladenthin mestrado em direito previdenciÁrio

5 1

Essa convenção, que aguarda, há cinqüenta e cinco anos125, a ratificação pelo

Brasil, preocupou-se também com a velhice, ao estabelecer:

Todo miembro para el cual esté en vigor esta parte del Convenio deberá garantizar a

las personas protegidas la concesión de prestaciones de vejez, de conformidad con los

artículos siguientes de esta parte.

Em 26 de julho de 1982, aconteceu, em Viena, a I Assembléia Mundial sobre o

Envelhecimento, dando origem a muitos documentos internacionais para reconhecer

o idoso como sujeito de direito, dotado de dignidade e merecendo o respeito de toda a

humanidade. O evento, segundo Bobbio, “pôs na ordem do dia o tema de novos

programas internacionais para garantir segurança econômica e social aos velhos, cujo

número está em contínuo aumento”126.

Destacamos as políticas internacionais que foram aprovadas a partir de 1982,

discutindo as medidas a serem adotadas em relação às pessoas idosas pela Organização

das Nações Unidas127:

• 1982: Assembléia Mundial sobre o Envelhecimento, Viena, onde foi proposto

um Plano de Ação Internacional sobre o Envelhecimento, com sessenta e

duas recomendações.

• 1991: Princípios das Nações Unidas para as Pessoas de Idade.

• 1992: A Assembléia Geral adota oito objetivos globais sobre o envelhecimento

para o ano de 2001.

• 1992: Assembléia Geral: Proclamação sobre o Envelhecimento.

• 1999: Ano Internacional das Pessoas de Idade das Nações Unidas.

O ano de 1999 foi considerado o Ano Internacional das Pessoas de Idade das

Nações Unidas, mostrando a preocupação das autoridades do mundo inteiro com a

velhice. A Organização das Nações Unidas propôs um Plano de Ação Internacional

sobre o Envelhecimento, determinando aos Estados-membros a necessidade de adoção

de medidas adequadas para estabelecer um seguro à velhice obrigatório, garantindo-

lhes a merecida proteção.

125 A Convenção 102 da Organização Internacional do Trabalho foi enviada ao Congresso em 1964 e rejeitada, pois não incluíaos trabalhadores rurais e domésticos nem cuidava dos acidentes de trabalho. Atualmente, a Comissão de Trabalho,Administração e Serviço Público aprovou a Convenção 102 da Organização Internacional do Trabalho (votação ocorridaem 18/05/2006), mas ainda terá de ser avaliada pela Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania e pelo Plenário daCâmara (notícia obtida pelo newsletter da Revista de Direito Social, publicada em 23/05/2006 sobre o tema: “Comissãoaprova convenção da OIT sobre Previdência”).

126 A Era dos Direitos, p. 79.

127 Publicação de Mary Robinson, Alta Comissionada das Nações Unidas para os Direitos Humanos.

Page 61: A APOSENTADORIA POR IDADE NO REGIME GERAL DE … · a aposentadoria por idade no regime geral de previdÊncia social adriane bramante de castro ladenthin mestrado em direito previdenciÁrio

5 2

Os direitos humanos têm dado grande contribuição para que as políticas públicas

avancem na questão do idoso, prestigiando essa população senil que, durante muito

tempo, viveu (e ainda vive) à margem da proteção social.

Vinte anos depois da I Assembléia Mundial sobre o Envelhecimento, em 2002,

foi realizada a II Assembléia Internacional, em Madri, delineando estratégias para o

enfrentamento iminente do envelhecimento, tratando a questão de maneira global.

Ficou bastante evidente a preocupação das autoridades do mundo todo em adotar

medidas de proteção a essa camada da população que cresce a cada dia.

Ramos 128 elaborou um estudo sobre a inclusão da velhice nas Constituições

modernas em todo o mundo, e em doze encontrou a proteção à velhice. O autor

observa, no entanto, que, embora esses países tenham destacado o amparo à velhice,

muitos o fizeram apenas como retórica, não a reconhecendo efetivamente como direito

humano fundamental. Outros, em contrapartida, demonstram o quão é imperioso

adotar medidas de amparo à terceira idade. As doze Constituições indicadas pelo autor

são:

Constituição da República Federativa do Brasi l , promulgada em 05.10.1988;

Constituição da República Popular da China, adotada em 04.12.1982, na Sessão da V

Assembléia da República Popular da China; Constituição da República de Cuba, de

22.02.1976; Constituição Espanhola, sancionada por Sua Majestade, o Rei ante as

Cortes, em 27.12.1978; Constituição da República de Guiné-Bissau, aprovada em

16.05.1984 pela Assembléia Nacional Popular; Constituição da República da Itália, de

01.01.1948, com as emendas de 09.02.1963, 27.12.1963 e 22.11.1967; Constituição

Política dos Estados Unidos Mexicanos, de 31.01.1917, com emendas publicadas em

08.02.1985; Constituição Política do Peru, promulgada em 12.07.1979; Constituição

de Portugal, de 25.04.1976; Constituição da Confederação Suíça, promulgada em

29.05.1974, com emendas de dezembro de 1985; Constituição da República Oriental

do Uruguai, aprovada em 24.08.1966, com emenda de 1967; e Constituição da República

da Venezuela, promulgada em 23.01.1961, com emenda de 09.05.1973.

Os planos de ação para acolher essa população idosa devem direcionar-se para

um envelhecimento ativo, participativo, criando oportunidades de emprego e de

inserção desse grupo na sociedade, de modo a modificar o estigma de inutilidade e

improdutividade que durante muito tempo predominou em relação aos idosos. O

envelhecimento deve ser tratado como sinônimo de atividade, produtividade e saúde.

É preciso reconhecer a velhice como um direito humano fundamental. Ramos

eleva a velhice ao plano dos direitos fundamentais, afirmando que “é um direito humano

128 A velhice na Constituição, p. 194-5.

Page 62: A APOSENTADORIA POR IDADE NO REGIME GERAL DE … · a aposentadoria por idade no regime geral de previdÊncia social adriane bramante de castro ladenthin mestrado em direito previdenciÁrio

5 3

fundamental porque ser velho significa ter direito à vida, significa dar continuidade a

esse fluxo, que deve ser vivido com dignidade”129.

4.2 A PROTEÇÃO À VELHICE NAS CONSTITUIÇÕES DO BRASIL

A Constituição escrita nasceu para garantir aos seres humanos direitos

fundamentais por meio de regras objetivas e, num Estado Democrático de Direito,

limitativas do poder dos governantes.

O risco social velhice foi objeto de proteção nas principais Constituições Federais

do Brasil.

A Constituição da República dos Estados Unidos do Brasil, de 16 de julho de

1934 cuidou, pela primeira vez em status constitucional, da proteção à velhice no seu

artigo 121, alínea ‘h’, do Título IV, intitulado ‘Da Ordem Econômica e Social’:

Art. 121 – A lei promoverá o amparo da produção e estabelecerá as condições do

trabalho, na cidade e nos campos, tendo em vista a proteção social do trabalhador e os

interesses econômicos do País:

[...]

h) assistência médica e sanitária ao trabalhador e à gestante, assegurando a esta descanso

antes e depois do parto, sem prejuízo do salário e do emprego, e instituição de

previdência, mediante contribuição igual da União, do empregador e do empregado, a

favor da velhice, da invalidez, da maternidade e nos casos de acidentes de trabalho ou

de morte. (grifo nosso)

Nesse artigo, a Carta Federal delimitou a proteção social ao trabalhador, com

vista aos interesses econômicos do país.

A Constituição da República dos Estados Unidos do Brasil de 1937, sob o título

‘Da Ordem Econômica’, determinava a instituição de uma legislação do trabalho (que

foi criada pouco tempo depois, em 1943, com a Consolidação das Leis do Trabalho –

CLT) que assegurasse aos empregados e aos empregadores os seus direitos e obrigações.

Com relação à velhice, a proteção foi trazida no artigo 137, alínea ‘m’, determinando a

criação de seguros de velhice, de invalidez, de vida e para os casos de acidentes do

trabalho:

129 Id. ibid., p. 193.

Page 63: A APOSENTADORIA POR IDADE NO REGIME GERAL DE … · a aposentadoria por idade no regime geral de previdÊncia social adriane bramante de castro ladenthin mestrado em direito previdenciÁrio

5 4

Art. 137 – A legislação do trabalho observará, além de outros, os seguintes preceitos:

[...]

m) a instituição de seguros de velhice, de invalidez, de vida e para os casos de acidentes

do trabalho. (grifo nosso)

Nessa época, o direito previdenciário ainda se mostrava bastante incipiente.

Era tratado dentro do direito do trabalho, sem nenhuma autonomia.

O direito social começava a despontar com a Constituição dos Estados Unidos

do Brasil de 18 de setembro de 1946. O legislador constituinte, que na Constituição

anterior (1937) não utilizou o adjetivo ‘social’, mas somente o adjetivo ‘econômico’,

nessa tratou de intitular ‘Da Ordem Econômica e Social’, incluindo ‘social’ no novo

Texto Constitucional.

Nessa Carta Federal, a previdência social foi inserida juntamente com o direito

do trabalho e previu, em seu artigo 157, inciso XVI, o direito à previdência, mediante

contribuição da União, do empregador e do empregado, em favor da maternidade e

dos riscos de doença, velhice, invalidez e morte:

Art 157 – A legislação do trabalho e a da previdência social obedecerão aos seguintes

preceitos, além de outros que visem a melhoria da condição dos trabalhadores:

[...]

XVI – previdência, mediante contribuição da União, do empregador e do empregado,

em favor da maternidade e contra as conseqüências da doença, da velhice, da invalidez

e da morte. (grifo nosso)

A Constituição da República Federativa do Brasil, de 20 de outubro de 1967,

no artigo 158, inciso XVI, não introduziu grandes mudanças, mantendo quase o mesmo

texto da Constituição anterior, mas adicionou o adjetivo ‘social’ à previdência, passando

esta a ser denominada efetivamente de ‘previdência social’. Além disso, incluiu no rol

dos riscos a serem protegidos o seguro-desemprego:

XVI – previdência social, mediante contribuição da União, do empregador e do

empregado, para seguro-desemprego, proteção da maternidade e, nos casos de doença,

velhice, invalidez e morte.

A grande mudança veio mesmo com a Constituição Federal de 1988.

Page 64: A APOSENTADORIA POR IDADE NO REGIME GERAL DE … · a aposentadoria por idade no regime geral de previdÊncia social adriane bramante de castro ladenthin mestrado em direito previdenciÁrio

5 5

4.3 A VELHICE E OS DIFERENTES SUJEITOS DE DIREITO TRAZIDOS

PELA CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988

A Constituição da República Federativa do Brasil de 5 de outubro de 1988,

inaugurando o Estado Democrático de Direito, na qual muitos direitos foram trazidos

sob a influência da Declaração Universal dos Direitos Humanos, deu especial destaque

aos direitos sociais, como nunca antes aconteceu em qualquer outra Constituição do

Brasil.

O artigo 3º, inciso IV da Constituição Federal, sob o título ‘Dos Princípios

Fundamentais’, assegura como objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil:

“promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e

quaisquer outras formas de discriminação”. Pela primeira vez dispositivo semelhante é

colocado em status constitucional, num discurso em que a busca pela justiça social é a

chave para o desenvolvimento nacional.

Nesse mesmo sentido, o artigo 5º, em que impera a igualdade, avança na

perspectiva de igualar o direito a todos, sem distinção de qualquer natureza. A amplitude

dos direitos humanos como fundamentais sintetizou, em poucas palavras, a isonomia

influenciada pela Carta das Nações Unidas.

O reconhecimento do idoso como sujeito de direito teve destaque ímpar nessa

Constituição, com inúmeras normas tratando desse assunto.

O artigo 201, desde sua redação original, trouxe o ‘cardápio’ dos riscos sociais

que devem ser assegurados pelas políticas públicas de previdência social.

O risco ‘velhice’, como era denominado na redação originária da Constituição

Federal de 1988, teve sua nomenclatura alterada pela Emenda Constitucional nº 20/

98, que passou para ‘idade avançada’. Tem como escopo determinar, em âmbito

constitucional, que a previdência social proporcione ao trabalhador o direito à

prestação previdenciária em caso de ‘velhice’.

Atendendo ao dispositivo supramencionado, no artigo 202, inciso I130, ainda na

redação originária da Constituição Federal, a aposentadoria por idade seria promovida

àqueles trabalhadores que tivessem atingido a idade de 65 anos, no caso do homem, ou

de 60 anos, no caso da mulher, idades reduzidas em cinco anos para os trabalhadores

130 Assim era o texto originário da Constituição Federal de 1988 em relação à aposentadoria por idade: “I – aos sessenta e cincoanos de idade, para o homem, e aos sessenta, para a mulher, reduzido em cinco anos o limite de idade para os trabalhadoresrurais de ambos os sexos e para os que exerçam suas atividades em regime de economia familiar, neste incluídos o produtorrural, o garimpeiro e o pescador artesanal”.

Page 65: A APOSENTADORIA POR IDADE NO REGIME GERAL DE … · a aposentadoria por idade no regime geral de previdÊncia social adriane bramante de castro ladenthin mestrado em direito previdenciÁrio

5 6

rurais de ambos os sexos e para os que exercessem atividades em regime de economia

familiar, incluídos neste caso o produtor, o garimpeiro e o pescador artesanal.

A redação atual, alterada pela Emenda Constitucional nº 20/98, trata da

aposentadoria por idade no parágrafo 7º, inciso II, do artigo 201 do Texto Magno,

mantendo a mesma expressão utilizada antes no artigo 202 já mencionado:

§ 7º É assegurada aposentadoria no Regime Geral de Previdência Social, nos termos

da lei, obedecidas as seguintes condições:

II – sessenta e cinco anos de idade, se homem, e sessenta anos de idade, se mulher,

reduzido em cinco anos o limite para os trabalhadores rurais de ambos os sexos e para

os que exerçam suas atividades em regime de economia familiar, nestes incluídos o

produtor rural, o garimpeiro e o pescador artesanal.

O sujeito de direito aqui em discussão é aquele que se filiou ou ainda esteja

filiado ao Regime Geral de Previdência Social, e, para fazer jus ao benefício, é necessário

preencher requisitos mínimos, tais como carência, ou seja, ter um número mínimo de

contribuições mensais e idade mínima131.

Além da proteção previdenciária constitucional supra-referida, destinada aos

trabalhadores, o artigo 203, incisos I e V, que trata especificamente da assistência social,

confere o direito ao idoso, carente de renda, de garantia assistencial, independentemente

de contribuição:

Art. 203. A assistência social será prestada a quem dela necessitar, independentemente

de contribuição à seguridade social, e tem por objetivos:

I – a proteção à família, à maternidade, à infância, à adolescência e à velhice;

[...]

V – a garantia de um salário mínimo de benefício mensal à pessoa portadora de

deficiência e ao idoso que comprovem não possuir meios de prover à própria

manutenção ou de tê-la provida por sua família, conforme dispuser a lei. (grifos

nossos)

Silva ressalta que a “assistência social não é caridade, mas um direito social de

tantos quantos não disponham de meios para a satisfação das necessidades básicas,

aquele mínimo social sem o qual a dignidade da pessoa humana fica totalmente

prejudicada”132.

131 No presente trabalho, a aposentadoria por idade será estudada mais aprofundadamente em capítulo específico.

132 Comentário contextual à Constituição , p. 781.

Page 66: A APOSENTADORIA POR IDADE NO REGIME GERAL DE … · a aposentadoria por idade no regime geral de previdÊncia social adriane bramante de castro ladenthin mestrado em direito previdenciÁrio

5 7

É interessante observar, com relação ao artigo supramencionado, que se verifica

grande preocupação do legislador constituinte com a proteção ao idoso, destacando-

se dois incisos que indicam essa proteção: os incisos I e V supratranscritos. Bastaria a

menção no inciso I, destinando assistência social à velhice, para o legislador

infraconstitucional providenciar o devido amparo a esses indivíduos com legislação

específica.

Para atender ao ditame constitucional, a Lei nº 8.742/93 (Lei Orgânica de

Assistência Social – Loas) trouxe o benefício assistencial, popularmente chamado de

Loas, destinado aos idosos com mais de 65 anos133 que comprovarem renda per capita

inferior a um quarto do salário mínimo. É preciso estar em condições de miserabilidade

para a obtenção do benefício assistencial.

Esse benefício veio substituir a antiga renda mensal vitalícia, que durante muito

tempo existiu no Brasil, proporcionando assistência social aos maiores de 70 anos de

idade.

Trata-se de prestações assistenciais que independem de contribuição e estão

desconexas do tempo de serviço do trabalhador. O que se verifica apenas é a situação

de necessidade social. A proteção, então, aparece como uma necessidade social gerada

pela incapacidade laboral presumida. Geralmente, são trabalhadores do setor informal,

os subocupados e marginalizados do processo produtivo e, portanto, excluídos do

sistema.

É interessante notar que a Constituição Federal, quando trata de assistência social,

não fala em ‘idade avançada’, e sim em ‘velhice’, deixando transparecer a intenção do

legislador constituinte de diferenciar o idoso com ‘idade avançada’ da previdência social

do idoso que chegou à ‘velhice’ da assistência social.

Retomando mais uma vez a definição de velhice de Pastor, podemos dizer que,

no caso da assistência social, estamos diante da senectude, da velhice, cujo direito

presume sua incapacidade de prover a própria manutenção, seu desgaste físico ou

mental.

Observe-se que aos maiores de 65 anos não é necessário comprovar deficiência

ou incapacidade para o trabalho. Basta-lhes comprovar o atingimento da idade mínima

e a não-proveniência de qualquer renda. O Estado lhes proporciona uma garantia

pecuniária, um padrão mínimo para sobrevivência, ciente de que, sem o seu amparo,

será iminente a mendicância. Não é necessária uma contribuição sequer para fazer jus

133 A idade de 65 anos foi uma alteração trazida pelo Estatuto do Idoso, em seu artigo 34. Na redação originária da Lei nº8.742/93, a idade para fazer jus ao amparo social era 70 anos, posteriormente diminuída para 67 anos, em razão da conversãoda Medida Provisória nº 1.599-39/97 na Lei nº 9.720/98.

Page 67: A APOSENTADORIA POR IDADE NO REGIME GERAL DE … · a aposentadoria por idade no regime geral de previdÊncia social adriane bramante de castro ladenthin mestrado em direito previdenciÁrio

5 8

à assistência social, sendo dever do Estado proporcionar a proteção a quem estiver em

estado de necessidade.

O sujeito de direito aqui discutido é o idoso pobre, sendo irrelevante a

comprovação do exercício de trabalho, mas tão-somente a necessidade social, a

miserabilidade, diferenciando-se do sujeito de direito da previdência social, que tem

direito ao benefício de natureza securitária, com a devida comprovação de um número

mínimo de contribuições.

Embora em ambas as situações seja o Estado que detém a responsabilidade pelo

pagamento dos benefícios, é importante ressaltar que seu papel é bem diferenciado.

Na previdência social, o Estado, sujeito passivo da relação jurídica prestacional, tem o

dever jurídico de dar a devida cobertura àquele que efetuou contribuições ao sistema

previdenciário, como contrapartida (custeio/benefício); já na assistência social o Estado

também se encontra na condição de sujeito passivo, mas de uma relação jurídica

assistencial, sem qualquer contribuição, atuando como cumpridor da Ordem Social,

provendo os mínimos sociais como direito fundamental da pessoa humana.

Há ainda um terceiro amparo à velhice no Texto Magno. Sob o mesmo título

‘Da Ordem Social’, a Constituição Federal traz um capítulo (VII) específico para tratar

da família, da criança, do adolescente e do idoso.

No artigo 229134, o legislador constituinte atribuiu à família a responsabilidade

de se ajudar mutuamente: pais assistem, criam e educam os filhos quando menores, e

os filhos maiores têm o dever de ajudar e amparar os pais na velhice, carência ou

enfermidade. É a contrapartida familiar.

O artigo 230 propõe uma tríplice responsabilização no amparo às pessoas idosas:

família-sociedade-Estado, cabendo-lhes assegurar a participação do idoso na comunidade,

defendendo sua dignidade e bem-estar e garantindo-lhes o direito à vida.

Percebe-se claramente que os idosos não foram esquecidos pelo constituinte.

Muito pelo contrário, a Constituição reservou a eles direitos específicos, previdenciário

e assistencial (como já visto), e, com referência especial, também destinou o disposto

no artigo 230 à terceira idade.

Atendendo ao mandamento constitucional, a Lei nº 8.842, de 4 de janeiro de

1994, foi a primeira legislação infraconstitucional a implementar a Política Nacional

do Idoso, com a criação do Conselho Nacional do Idoso.

134 “Art. 229. Os pais têm o dever de assistir, criar e educar os filhos menores, e os filhos maiores têm o dever de ajudar eamparar os pais na velhice, carência ou enfermidade.”

Page 68: A APOSENTADORIA POR IDADE NO REGIME GERAL DE … · a aposentadoria por idade no regime geral de previdÊncia social adriane bramante de castro ladenthin mestrado em direito previdenciÁrio

5 9

Desde a publicação da referida lei, passou a ser considerada idosa a pessoa com

mais de 60 anos de idade, conferindo-lhe uma série de direitos e oportunidades.

Dando maior amplitude aos direitos elencados na Lei nº 8.842/94, o Estatuto

do Idoso, Lei nº 10.741, de 1 de outubro de 2003, culminou num verdadeiro leque

normativo regulador dos direitos do idoso em nosso país.

O idoso, a partir de então, passou a ser visto sob um novo prisma, como sujeito

de direitos, tais como: direito à vida, à liberdade, ao respeito, à dignidade, ao alimento,

à saúde, à educação, à cultura, ao esporte e ao lazer, à profissionalização e ao trabalho,

à previdência social, à assistência social, à habitação digna, ao transporte gratuito, enfim,

a todos os direitos que lhe garantam um tratamento com dignidade e a proteção

merecidos, cabendo a responsabilização à família, à sociedade e também ao Estado.

Poderíamos considerar esse idoso no sentido da ancianidade, na denominação

de Pastor, pois o estatuto simplesmente estabeleceu um critério cronológico, não

significando que o fato de atingir a idade fixada legalmente como ‘idoso’ o incapacite

para suas atividades habituais. Não há incapacidade presumida. Existe simplesmente

um marco legal que assegura certos direitos àqueles que atingem a idade de 60 anos ou

mais.

O envelhecimento não pode ser considerado de modo único para todos os

indivíduos. Cada organismo reage de forma diferente, e as variantes dependem das

condições de vida de cada indivíduo, seu meio, sua renda. Não há como generalizar de

forma absoluta o momento exato da velhice.

Cumpre salientar que o Estatuto do Idoso, quando estabelece direito à assistência

social, exige a idade de 65 anos, comprovando, mais uma vez, que o critério cronológico

é apenas um divisor de águas, tendo o objetivo de garantir aos mais velhos os direitos

fundamentais inerentes à pessoa humana, como liberdade e dignidade, que são

imprescindíveis ao seu bem-estar.

É possível que um segurado aposentado por idade, ou mesmo aquele beneficiado

pela assistência social, seja assistido pelos demais meios de proteção destinados ao

idoso, cabendo-lhe gozar cumulativamente dos direitos trazidos pelo Estatuto do Idoso,

na condição de sexagenários. No entanto, é vedado que o segurado já amparado pelo

sistema previdenciário tenha direito cumulativo ao benefício assistencial (Loas) e vice-

versa.

Page 69: A APOSENTADORIA POR IDADE NO REGIME GERAL DE … · a aposentadoria por idade no regime geral de previdÊncia social adriane bramante de castro ladenthin mestrado em direito previdenciÁrio

6 0

4.3.1 A LOAS E O ESTATUTO DO IDOSO – PONTUAÇÕES NECESSÁRIAS

O artigo 34 do Estatuto do Idoso tem sido motivo de grandes discussões

doutrinárias, fazendo-se necessário pontuá-las.

A redação do artigo 34 é a seguinte:

Aos idosos, a partir de 65 (sessenta e cinco) anos, que não possuam meios para prover

sua subsistência, nem de tê-la provida por sua família, é assegurado o benefício mensal

de 1 (um) salário mínimo, nos termos da Lei Orgânica da Assistência Social.

Parágrafo único: O benefício já concedido a qualquer membro da família nos termos

do caput não será computado para os fins do cálculo da renda familiar per capita a que

se refere a Loas.

Primeiramente, cumpre observar que o Estatuto do Idoso abre um precedente,

permitindo, no parágrafo único do artigo transcrito, o recebimento cumulativo do

benefício de prestação continuada, em caso de cônjuge que já recebe o benefício

assistencial, não o computando para os fins do cálculo da renda per capita.

No entender do autor Vilas Boas, essa exceção trazida pelo parágrafo único do

artigo 34 do estatuto enfraqueceu os dizeres do artigo 20, parágrafo 3º da Loas, que

fixava como parâmetro um quarto do salário mínimo para uma situação de incapacidade

econômica: “O parágrafo em pauta nada mais fez que possibilitar, na prática, o aumento

do teto financeiro para considerar o idoso pobre”135.

Até o Estatuto do Idoso, a questão da renda per capita era absoluta. Entretanto,

a partir da Lei nº 10.741/03, esse critério foi relativizado, permitindo o recebimento

conjunto do benefício em caso de cônjuge que já receba o benefício da prestação

continuada.

Há divergência doutrinária também quanto à idade definida pelo Estatuto do

Idoso em seu artigo 1º (60 anos) e a idade para obtenção do benefício assistencial, no

artigo 34 (65 anos).

Horvath Jr.136 entende que há incongruência no Estatuto do Idoso, na medida

em que, apesar de definir como idoso aquele com mais de 60 anos, garante o benefício

assistencial apenas àquele com mais de 65 anos.

135 Estatuto do Idoso comentado, p. 76.

136 Análise preliminar do Estatuto do Idoso, p. 15.

Page 70: A APOSENTADORIA POR IDADE NO REGIME GERAL DE … · a aposentadoria por idade no regime geral de previdÊncia social adriane bramante de castro ladenthin mestrado em direito previdenciÁrio

6 1

Compartilha do mesmo entendimento Fluminham137, concluindo que:

Com a não-recepção do disposto no artigo 34 do Estatuto do Idoso, entendemos que a

nova idade mínima para a concessão do benefício assistencial deve ser regulada pelo artigo

1º da mesma Lei, já que, ao contrário do artigo 2º da Lei nº 8.842/94 – Política Nacional

do Idoso, a idade de 60 anos foi eleita para definir o idoso sem qualquer ressalva.

Para o autor, não se justifica um discrime do Estatuto, desigualando os idosos

no próprio texto legal, em que define como idoso aquele com mais de 60 anos de

idade. Considera uma afronta ao princípio da isonomia e, portanto, inconstitucional.

Com todo o respeito ao entendimento desses autores, divergimos de sua posição.

Como bem esclarecido neste subitem do trabalho, o legislador constituinte tratou

de diferenciar os diversos sujeitos de direito em razão da velhice.

Não houve infringência ao Texto Constitucional, pois o idoso é assim

considerado simplesmente pelo critério cronológico disposto no Estatuto, enquanto

o sujeito com direito ao benefício de prestação continuada é outro: o incapaz de prover

seu próprio sustento.

Como já foi dito, o idoso não é necessariamente velho, mas o velho é

necessariamente idoso. Ser velho é ser mais do que ser idoso.

Aos maiores de 60 anos o Estatuto assegura uma gama de direitos, nas suas

várias ramificações, possíveis a partir da tríplice conjugação Estado-família-sociedade.

Entre esses direitos, inclui-se o previdenciário (artigos 29 a 32) e o assistencial (artigos

33 a 36). O direito previdenciário, com sua legislação específica, elenca os benefícios e

serviços por ela dispostos na Lei nº 8.213/91, e a assistência social, também na sua

legislação específica, Lei nº 8.742/93, regula o amparo social.

Se entendermos que a idade trazida pelo Estatuto deveria abranger todo o sistema

de proteção ao idoso, também a legislação previdenciária deveria sofrer modificações,

pela ‘incompatibilidade’ de diferentes idades para a obtenção do benefício etário,

variando desde os 55 anos para a trabalhadora rural até os 70 anos para a aposentadoria

por idade da modalidade compulsória.

Compartilhamos do entendimento do autor Barra138, que conclui:

O bem maior tutelado na Lei nº 10.741/03, o direito dos idosos, resta guarnecido no

texto constitucional de forma a autorizar tratamento diferenciado em algumas

circunstâncias, inclusive para a efetivação dos princípios sociais previstos.

137 “Estatuto do Idoso: inconstitucionalidade do artigo 34 e seus reflexos no benefício assistencial da Loas”, p. 67.

138 “O Estatuto do Idoso sob a óptica do sistema de seguridade social”, p. 113.

Page 71: A APOSENTADORIA POR IDADE NO REGIME GERAL DE … · a aposentadoria por idade no regime geral de previdÊncia social adriane bramante de castro ladenthin mestrado em direito previdenciÁrio

6 2

Não há que se falar em afronta ao princípio da isonomia, pois foi exatamente

para preservá-la que o legislador constituinte diferenciou os sujeitos de direito, dispondo-

os em momentos distintos no Texto Constitucional: artigos 201, I; 203, I e V; e 230.

Estaria, sim, ferindo a Constituição se os tratasse de maneira eqüitativa, pois não são

iguais. A igualdade aristotélica consiste em tratar igualmente os iguais, e desigualmente

os desiguais. Questiona Melo:

Que espécie de igualdade veda e que tipo de desigualdade faculta a discriminação de

situações e de pessoas, sem quebra e agressão aos objetivos transfundidos no princípio

constitucional da isonomia?139

Respondendo ao próprio questionamento, o autor responde:

Qualquer elemento residente nas coisas, pessoas ou situações pode ser escolhido pela

lei como fator discriminatório, donde se segue que, de regra, não é no traço de

diferenciação escolhido que se deve buscar algum desacato ao princípio isonômico.140

Não há, portanto, nenhuma inconstitucionalidade a ser declarada, a nosso ver,

nas diferentes idades dispostas no Estatuto do Idoso.

Verifica-se, portanto, que há idades diferentes na proteção aos idosos,

diversificando os sujeitos com distintas coberturas, que podem advir da previdência

social (aposentadorias por idade), da assistência social (Lei Orgânica da Assistência

Social – Loas) e das demais funções do trinômio família-sociedade-Estado que visam

atender à coletividade idosa (Estatuto do Idoso – Lei nº 10.741/03). Entretanto, todas

convergem para um mesmo ponto: proporcionar um envelhecimento digno; reconhecer

o idoso como verdadeiro sujeito de direito e incluí-lo definitivamente na sociedade.

139 Conteúdo jurídico do princípio da igualdade, p. 11.

140 Id. ibid., p. 17.

Page 72: A APOSENTADORIA POR IDADE NO REGIME GERAL DE … · a aposentadoria por idade no regime geral de previdÊncia social adriane bramante de castro ladenthin mestrado em direito previdenciÁrio

PARTE III

Capítulo V

A aposentadoria por idade

Capítulo VI

Aposentadoria por idade do trabalhador urbano

Capítulo VII

Aposentadoria por idade do trabalhador rural

Capítulo VIII

Aposentadoria por idade compulsória

Capítulo IX

As perspectivas da aposentadoria por idade

Page 73: A APOSENTADORIA POR IDADE NO REGIME GERAL DE … · a aposentadoria por idade no regime geral de previdÊncia social adriane bramante de castro ladenthin mestrado em direito previdenciÁrio

6 4

CAPÍTULO V

A APOSENTADORIA POR IDADE

5.1 PRINCÍPIOS PERTINENTES AO BENEFÍCIO

A Constituição Federal de 1988, na redação dada pela Emenda Constitucional

nº 20, de 15 de dezembro de 1998, trouxe duas modalidades de aposentadoria por

idade: aposentadoria por idade do trabalhador urbano e aposentadoria por idade do

trabalhador rural.

Há ainda uma terceira modalidade de aposentadoria por idade, que se encontra

na Lei nº 8.213/91, artigo 51, chamada aposentadoria por idade compulsória.

Cada uma dessas modalidades possui suas próprias características e será estudada

neste trabalho de forma individualizada.

Antes, porém, faz-se necessário abordar os valores e princípios constitucionais

pertinentes ao tema proposto.

Os termos ‘valores’ e ‘princípios’ não se confundem, pois são distintos, com

conteúdo semântico diferenciado.

Os valores, embora possam ser considerados os fundamentos da estrutura

normativa, prescindem do ordenamento jurídico, ou seja, são intrínsecos à própria

existência humana e variam conforme a ética, enquanto os princípios necessariamente

Page 74: A APOSENTADORIA POR IDADE NO REGIME GERAL DE … · a aposentadoria por idade no regime geral de previdÊncia social adriane bramante de castro ladenthin mestrado em direito previdenciÁrio

6 5

precisam estar no plano do direito positivo, não sendo possível concebê-los senão

diante de um ordenamento.

Nunes faz uma interessante distinção entre valor e princípio, entendendo que,

enquanto o valor “é sempre um relativo, na medida em que ‘vale’, isto é, aponta para

uma relação, o princípio se impõe como um absoluto, como algo que não comporta

qualquer espécie de relativização”141.

Para o autor, o princípio está inserido no próprio linguajar do direito, não sendo

possível aboli-lo, enquanto o valor pode sofrer influência histórica, geográfica, pessoal,

social, local e acaba se impondo mediante um comando de poder que estabelece regras

de interpretação, jurídicas ou não.

Para Silva142 , valor é tudo aquilo que orienta a conduta humana, indicando sempre

um sentido, como um vetor que guia, atrai, consciente ou inconscientemente, o ser

humano. Já o princípio apresenta-se com uma acepção de começo, início, de

mandamento nuclear de um sistema.

Como valores, destacam-se: a dignidade humana, o valor social do trabalho e o

bem-estar, indissociáveis de quaisquer direitos sociais. Como princípios, ressaltamos,

dentre outros, a universalidade da cobertura e do atendimento (artigo 194, parágrafo

único, inciso I da CF), a uniformidade e equivalência dos benefícios e serviços às

populações urbanas e rurais (artigo 194, parágrafo único, inciso II da CF) e a eqüidade

na forma de participação do custeio (artigo 194, parágrafo único, inciso V da CF).

Vamos analisar cada um dos valores e princípios mencionados individualmente.

5.1.1 DA DIGNIDADE HUMANA

Inserida no Texto Constitucional, no capítulo que trata dos direitos

fundamentais, a dignidade humana é mais do que um princípio. Deve ser analisada

como um valor supremo, inerente ao ser humano, à sua essência.

Pode-se dizer que os valores trazidos pela Constituição Federal são axiomas

inexoráveis, não sendo possível ao aplicador do direito afastá-los por um minuto sequer.

Nunes143 ensina que “não é possível falar – não deve ser possível falar – em

sistema jurídico legítimo que não esteja fundado na garantia da intangibilidade da

dignidade da pessoa humana”.

141 O princípio constitucional da dignidade da pessoa humana, p. 5.

142 Comentário contextual à Constituição, p. 35.

143 O princípio constitucional da dignidade da pessoa humana, p. 25.

Page 75: A APOSENTADORIA POR IDADE NO REGIME GERAL DE … · a aposentadoria por idade no regime geral de previdÊncia social adriane bramante de castro ladenthin mestrado em direito previdenciÁrio

6 6

Não se pode permitir textos constitucionais ou mesmo infraconstitucionais que

violem a dignidade humana ou qualquer princípio que esteja neles inserido, e todos

temos o dever de zelar pelo seu fiel cumprimento. Ela é o fundamento da República

Federativa do Brasil.

Nesse sentido, Santos assinala que “a dignidade da pessoa humana é fundamento

do Estado Democrático de Direito, o que também configura um comando para o

legislador infraconstitucional, e mesmo para o constituinte reformador, de legislar no

sentido de buscar a igualdade social”144.

E é com essa dignidade que o idoso deve ser tratado, não só por ser idoso, mas

por ser humano. Sua experiência, seu conhecimento profissional, suas habilidades

devem ser reconhecidos. Todo o sistema constitucional deve nortear-se a partir da

dignidade humana para estabelecer os direitos individuais.

No Brasil, os velhos muitas vezes são vistos como um estorvo, um obstáculo e,

por este motivo, inúmeros deles estão ‘jogados’ no vários asilos que se espalham pelo

país, desprezados pela família, pela sociedade.

A partir do Estatuto do Idoso, esse cenário vem tomando novo rumo, resgatando

seus valores intrínsecos, muitas vezes esquecidos pela população, para assegurar a essas

pessoas uma velhice mais digna, atendendo ao mandamus constitucional.

O Estado, revestido do dever de prover assistência social, retira da marginalidade

aquele que chega à velhice, incapaz de garantir sua própria subsistência, e recobre-o de

proteção, retirando-o da mendicância.

A Previdência Social, por sua vez, também faz a sua parte, regulando e

concedendo benefícios aos idosos trabalhadores, para que estes também possam ter

sua cota de proteção.

Assim, de diferentes maneiras, o país busca dar ao idoso brasileiro a dignidade

que é inerente à sua própria essência como ser humano, sem a qual dificilmente se

alcançará o ideário de bem-estar e de justiça sociais.

5.1.2 DO VALOR SOCIAL DO TRABALHO

Outro valor de suma importância a ser considerado, e que é a chave para a

compreensão de todo o sistema de seguridade social, é o valor social do trabalho.

144 O princípio da seletividade das prestações de seguridade social, p. 64.

Page 76: A APOSENTADORIA POR IDADE NO REGIME GERAL DE … · a aposentadoria por idade no regime geral de previdÊncia social adriane bramante de castro ladenthin mestrado em direito previdenciÁrio

6 7

É tão importante esse princípio que foi trazido pela Constituição Federal em

quatro momentos importantes.

O primeiro momento, e que o coloca no topo dos valores, foi na inauguração

da Constituição Federal, em seu artigo 1º, inciso IV145, onde o valor social do trabalho

aparece como um dos princípios fundamentais.

Silva observa que a palavra ‘princípio’, colocada na Carta Federal, no Título I:

‘Princípios Fundamentais’ , não tem o sentido de começo, de início, mas de

“mandamento nuclear de um sistema”146.

Santos ressalta que “tão grande é o valor dado ao trabalho pelo constituinte de

1988, que foi colocado lado a lado, em igualdade de importância, com os demais

fundamentos do Estado Democrático de Direito: soberania, cidadania, dignidade da

pessoa humana, livre iniciativa e pluralismo político”147.

Num segundo momento, verifica-se o trabalho incluído no rol dos direitos sociais

trazidos pela Constituição Federal de 1988, no artigo 6º148 , dentro do título ‘Dos Direitos

e Garantias Fundamentais’, mostrando-se de extrema relevância ao nosso ordenamento

jurídico.

Mais uma vez nos reportamos ao constitucionalista Silva , em conceito que traduz

com perfeição o objetivo do legislador constituinte ao inserir no Texto Constitucional

essa amplitude de direitos sociais. Escreve o autor:

Os direitos sociais, como dimensão dos direitos fundamentais do homem, são prestações

positivas proporcionadas pelo Estado direta ou indiretamente, enunciadas em normas

constitucionais, que possibilitam melhores condições de vida aos mais fracos; direitos

que tendem a realizar a igualização de situações sociais desiguais.149

Não menos importante, a valorização do trabalho também foi indicada como

de fundamental importância para a Ordem Econômica, como indicado no artigo 170150

da Carta Magna.

145 Artigo 1º: “A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do DistritoFederal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos: I – a soberania; II – a cidadania; III –a dignidade da pessoa humana; IV – os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa; V – o pluralismo político.”

146 Comentário contextual à Constituição, p. 28.

147 O princípio da seletividade das prestações de seguridade social, p. 83.

148 Artigo 6º: “São direitos sociais a educação, a saúde, o trabalho, a moradia, o lazer, a segurança, a proteção à maternidadee à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição”.

149 Comentário contextual à Constituição , p. 183.

150 Artigo 170: “A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurara todos existência digna, conforme os ditames da justiça social...”

Page 77: A APOSENTADORIA POR IDADE NO REGIME GERAL DE … · a aposentadoria por idade no regime geral de previdÊncia social adriane bramante de castro ladenthin mestrado em direito previdenciÁrio

6 8

Embora a valorização do trabalho esteja sob o título ‘Da Ordem Econômica e

Financeira’, o propósito social não foi desviado. Muito pelo contrário, a preocupação

do constituinte foi exatamente priorizar o trabalho humano, a busca do pleno emprego,

sabedor de que é o trabalho a única forma de dignificar o homem.

Continuando a percorrer um pouco mais a Carta Federal, encontramos, no

artigo 193, o primado do trabalho como princípio inserido no altiplano do Título

VIII, ‘quase transcendental’151, cujo capítulo I destinou-se exclusivamente a salientar o

trabalho como sustentáculo para a Ordem Social.

Nesse sentido, Balera considera o valor social do trabalho o caminho inexorável

para alcançar a justiça. Para o autor, “algo real, concreto, dotado de existência ativa, é

colocado como valor por meio do qual a Justiça será encarnada na vida social”152.

Em outra obra, Balera escreve que “o que devemos ter presente é a

impossibi l idade de estabelecimento de relações de trabalho que não estejam

necessariamente referenciadas ao valor situado como fim da Ordem Social. Tais relações

estariam destituídas de validade (veja-se bem: de validade, não de valor)”153.

O pontífice papa João Paulo II editou a Carta Encíclica Laborem Exercens154,

iniciando suas palavras dizendo que:

É MEDIANTE O TRABALHO que o homem deve procurar-se o pão cotidiano e

contribuir para o progresso das ciências e da técnica, e, sobretudo para a incessante

elevação cultural e moral da sociedade, na qual vive em comunidade com os próprios

irmãos. E com a palavra trabalho é indicada toda a atividade realizada pelo mesmo

homem, tanto manual como intelectual, independentemente das suas características e

das suas circunstâncias, quer dizer, toda a atividade humana que se pode e deve

reconhecer como trabalho, no meio de toda aquela riqueza de atividades para as quais

o homem tem capacidade e está predisposto pela própria natureza, em virtude de sua

humanidade.

É o trabalho, portanto, a maior riqueza do homem, capaz de lhe garantir

independência material, espiritual e intelectual, retirando-o do estado de miséria para

conduzi-lo ao bem-estar e à justiça social.

151 Noções preliminares de Direito Previdenciário, p. 15.

152 Noções preliminares de Direito Previdenciário, p. 15.

153 Introdução à seguridade social, p. 10.

154 Texto das Edições Paulinas, 10ª edição, São Paulo, 1990, pp. 5-6, apud SANTOS, Marisa Ferreira dos. O princípio daseletividade das prestações de seguridade social, p. 85.

Page 78: A APOSENTADORIA POR IDADE NO REGIME GERAL DE … · a aposentadoria por idade no regime geral de previdÊncia social adriane bramante de castro ladenthin mestrado em direito previdenciÁrio

6 9

5.1.3 DA UNIVERSALIDADE DA COBERTURA E DO ATENDIMENTO

Dentre os princípios específicos da seguridade social abarcados pelo artigo 194,

parágrafo único da Constituição Federal , a universal idade da cobertura e do

atendimento é o principal de todos eles, estando os demais princípios a ele subordinados.

Encontra-se inserido no artigo 194, parágrafo único, inciso I155 do Estatuto Maior.

Assim como o princípio da igualdade assenta a igualdade formal a todos os

cidadãos brasileiros no caput do artigo 5º da Carta Magna, o princípio da universalidade

da cobertura e do atendimento assenta a isonomia na Ordem Social, que é a igual

proteção a todos que forem atingidos pela necessidade social.

Para Balera, esse princípio possui dupla dimensão: “De um lado, ele se refere ao

elenco das prestações que serão fornecidas pelo sistema de seguridade. De outro, aos

sujeitos protegidos”156.

Quanto ao elenco de prestações, esta é a chamada dimensão subjetiva, que visa

alcançar todas as contingências que possam gerar necessidade. E, quanto aos sujeitos

protegidos, dirige-se aos titulares do direito à proteção social, reconhecendo que todos

têm sua quota de proteção, ainda que nunca precisem utilizá-la.

O Brasil tem cumprido o mandamento constitucional, na medida em que pessoas

com ‘idade avançada’ ou na ‘velhice’ vêm sendo asseguradas, seja pela previdência social

(se cumprida a carência e a idade mínima necessárias), seja pela assistência social (se

comprovado o estado de miserabil idade). Ao idoso cabem ainda os direitos

regulamentados pelo Estatuto do Idoso, como forma de assegurar-lhe maior amplitude

de direitos, que lhe garantam a dignidade merecida.

Houve um inegável avanço no amparo ao idoso, com a aplicação de políticas

públicas ordenadas, capazes de proporcionar-lhe mais amparo, universalizando a

cobertura e o atendimento, em cumprimento ao ditame constitucional.

5.1.4 DA UNIFORMIDADE E EQUIVALÊNCIA DOS BENEFÍCIOS E

SERVIÇOS ÀS POPULAÇÕES URBANAS E RURAIS

Esse é o princípio mais importante em relação ao tema em discussão:

aposentadoria por idade. Foi inserido pela Constituição Federal no artigo 194, parágrafo

único, inciso II157.

155 Artigo 194, parágrafo único, inciso I da Constituição Federal: “universalidade da cobertura e do atendimento”.

156 Introdução à seguridade social, p. 48.

157 Artigo 194, parágrafo único, inciso II da Constituição Federal – “uniformidade e equivalência dos benefícios e serviços àspopulações urbanas e rurais”.

Page 79: A APOSENTADORIA POR IDADE NO REGIME GERAL DE … · a aposentadoria por idade no regime geral de previdÊncia social adriane bramante de castro ladenthin mestrado em direito previdenciÁrio

7 0

O progresso social alcançado com a busca da uniformidade e da equivalência

entre os benefícios e serviços às populações urbanas e rurais foi muito significativo.

Apesar de os trabalhadores rurais terem sido os primeiros trabalhadores da

história de que se tem notícia, no momento de se implementar o seguro social, seja no

Brasil ou em outros países do mundo, eles foram deixados de fora, sendo integrados

ao sistema muito tempo depois. A proteção tinha como alcance apenas os

trabalhadores urbanos.

Tamanha é a importância dessa inclusão social que a aposentadoria por idade

do trabalhador rural representa, atualmente, 88% dos benefícios concedidos, no valor

de um salário mínimo. É um universo bastante significativo e demonstra o avanço

social trazido pela Carta Política de 1988, quando o sistema previdenciário inseriu esse

trabalhador no sistema.

Mudou o rumo da história, reconhecendo-se aos trabalhadores rurais os mesmos

direitos que os dos trabalhadores urbanos. E não poderia ser de outra forma, pois

também são grandes responsáveis por toda a riqueza produzida no país, tornando-se

impossível atingir o bem-estar almejado deixando-os de fora.

Esse princípio é o “desdobramento da regra da universalidade”, diz Balera158. É a

busca pela igualdade social.

A absurda discriminação que excluía os trabalhadores rurais da proteção social

agora tenta reverter esse quadro aflitivo, igualando-os aos trabalhadores urbanos, de

forma a integrar toda a população do país num mesmo sistema previdenciário.

Saliente-se, ainda, que o referido princípio, assim como a universalidade, possui

dupla dimensão: a uniformidade está relacionada ao aspecto objetivo, ou seja, aos riscos

cobertos, às prestações; e a equivalência, ao aspecto econômico, ou seja, ao quantum

dessas prestações.

A operacionalização dos sistemas urbanos e rurais deu-se com a edição das

legislações infraconstitucionais, leis nº 8.212/91 e nº 8.213/91, que regulamentaram a

concessão dos benefícios e serviços às populações urbanas e rurais.

A partir da inserção dos trabalhadores rurais no sistema previdenciário, foi

possível conceder-lhes os mesmos benefícios e serviços que eram destinados

exclusivamente aos trabalhadores urbanos, dando-lhes igual importância.

158 Introdução à seguridade social, p. 49.

Page 80: A APOSENTADORIA POR IDADE NO REGIME GERAL DE … · a aposentadoria por idade no regime geral de previdÊncia social adriane bramante de castro ladenthin mestrado em direito previdenciÁrio

7 1

Bocchi Jr. descreve a uniformidade, no sentido colocado pela Constituição

Federal, em seu artigo 194, inciso II, em comento, como a “homogeneidade dos eventos

ou contingências às quais estão expostos os trabalhadores urbanos e rurais e na

necessidade de serem tratados de forma idêntica quando a eles submetidos”159, enquanto

a equivalência seria aplicada “no que tange ao aspecto quantitativo e qualitativo das

prestações que lhes são asseguradas”160.

5.1.5 DA EQÜIDADE NA FORMA DE PARTICIPAÇÃO DO CUSTEIO

Mais um desdobramento da universalidade, o princípio da eqüidade na forma de

participação do custeio procura ajustar a contribuição entre os atores sociais de forma

igualitária. Encontra-se no artigo 194, parágrafo único, inciso V161 da Constituição

Federal.

Cada contribuinte deve recolher as contribuições sociais conforme sua

capacidade econômica, como se acha preceituado no artigo 145, parágrafo 1º da

Constituição Federal162.

Se as contribuições de trabalhadores urbanos e rurais fossem iguais, eles estariam

sendo tratados injustamente, de forma desigual, em desconformidade com o preceito

constitucional. Esta é a justiça distributiva: receber de cada um segundo sua capacidade,

e dar a cada um segundo sua necessidade.

Não é possível admitir a discriminação entre o trabalhador rural e o urbano

porque aquele contribui menos do que este. Suas contribuições estão de acordo com o

Texto Maior, e não há que se falar em discriminação.

Corrobora ainda esse princípio o parágrafo 9º do artigo 195 da Carta Federal163,

onde, mais uma vez, são permitidas contribuições sociais com alíquotas e bases de

cálculo diferenciadas em razão da atividade econômica ou da utilização intensiva de

mão-de-obra.

Portanto, é perfeitamente cabível a contribuição diferenciada entre trabalhadores

urbanos e rurais, em cumprimento ao princípio da eqüidade, na forma de participação

no custeio.

159 A igualdade (uniformidade e equivalência) dos trabalhadores urbanos e rurais no acesso aos benefícios previdenciários, p. 71.

160 Voltaremos a tratar desse assunto no subitem 5.2.1 deste capítulo.

161 Artigo 194, parágrafo único, inciso V da Constituição Federal: “eqüidade na forma de participação no custeio”.

162 Artigo 145, parágrafo 1º: “Sempre que possível, os impostos terão caráter pessoal e serão graduados segundo a capacidadeeconômica do contribuinte...”

163 Artigo 195, parágrafo 9º da Constituição Federal: “As contribuições sociais previstas no inciso I deste artigo poderão teralíquotas ou bases de cálculo diferenciadas, em razão da atividade econômica ou da utilização intensiva de mão-de-obra”.

Page 81: A APOSENTADORIA POR IDADE NO REGIME GERAL DE … · a aposentadoria por idade no regime geral de previdÊncia social adriane bramante de castro ladenthin mestrado em direito previdenciÁrio

7 2

5.2 APOSENTADORIA POR IDADE E SUAS MODALIDADES

A aposentadoria por idade é regida infraconstitucionalmente pela Lei nº 8.213/

91 e está dividida em três modalidades, conforme o quadro que se segue.

Cada uma dessas modalidades possui suas próprias características, com idades

diferenciadas e discriminadas em razão do sexo e da categoria de trabalhadores.

Essa disposição mantém-se inalterada desde a edição da Lei Orgânica de

Previdência Social, nº 3.807/60.

Houve a intenção de modificar a aposentadoria por idade, na Proposta de

Emenda Constitucional nº 33/95, visando introduzir um novo tipo de aposentadoria,

associando idade e tempo de serviço. Em sua redação, propunha:

• Sessenta anos de idade, se homem, e trinta e cinco anos de tempo de contribuição ou

• Cinqüenta e cinco anos de idade, se mulher, e trinta anos de tempo de

contribuição.

Entretanto, por um erro na hora da votação da proposta, o parágrafo 7º do

artigo 201 da Constituição Federal acabou tratando de dois benefícios distintos, ficando

assim estabelecido:

§ 7º – É assegurada aposentadoria, no Regime Geral de Previdência Social, nos termos

da lei, obedecidas as seguintes condições:

I – trinta e cinco anos de contribuição, se homem, e trinta anos de contribuição, se

mulher;

II – sessenta e cinco anos de idade, se homem, e sessenta e cinco anos, se mulher...

APOSENTADORIA POR IDADE

TRABALHADOR URBANO TRABALHADOR RURAL APOSENTADORIA COMPULSÓRIA

65 ANOS – HOMEM

60 ANOS – MULHER

60 ANOS – HOMEM

55 ANOS – MULHER

70 ANOS – HOMEM

65 ANOS – MULHER

Page 82: A APOSENTADORIA POR IDADE NO REGIME GERAL DE … · a aposentadoria por idade no regime geral de previdÊncia social adriane bramante de castro ladenthin mestrado em direito previdenciÁrio

7 3

Segundo entendimento do Plenário da Câmara dos Deputados, e adotado pelo

presidente da República da época, Fernando Henrique Cardoso, noticiado no dia 18

de maio de 1999, até que seja aprovado novo projeto de lei, o ‘;’ fica entendido como

‘ou’, ensejando, portanto, a não-cumulatividade dos incisos.

A cumulação entre idade e tempo de contribuição foi aprovada apenas para os

servidores do Regime Próprio de Previdência Social, distanciando-os ainda mais dos

trabalhadores do Regime Geral de Previdência Social.

Assim, muito a contragosto do Ministério da Previdência Social, são mantidas

de forma diferenciada a aposentadoria por idade e a aposentadoria por tempo de

contribuição, sendo que nesta, se integral, não é necessária idade mínima (por

enquanto)164.

5.2.1 DIFERENÇAS ENTRE AS MODALIDADES DE APOSENTADORIA

POR IDADE

Embora o benefício seja aparentemente um só, aposentadoria por idade, cada

uma das modalidades dessa prestação tem suas próprias características, e elas são

independentes umas das outras.

O primeiro ponto que cumpre observar diz respeito às diferentes idades trazidas

não só pela Constituição Federal, artigo 201, parágrafo 7º, no qual são impostas idades

mínimas necessárias para que o segurado faça jus ao benefício, como também a Lei nº

8.213/91, que regulamenta as referidas aposentadorias e ainda acrescenta a modalidade

aposentadoria por idade compulsória.

A diferenciação das idades dá-se tanto na forma horizontal (entre trabalhador

urbano e rural e ainda aposentadoria compulsória) como na forma vertical (entre

homens e mulheres da mesma categoria de trabalhadores).

Quanto à diferença entre as idades da aposentadoria por idade da população

urbana (65 anos para homem e 60 anos para mulher) e da população rural (60 anos

para homem e 55 anos para mulher), há justificativa congruente, diante da natureza da

filiação.

Num primeiro momento, visualizando o princípio constitucional trazido pelo

artigo 194, parágrafo único, inciso II, em que é determinada a uniformidade e a

164 O Texto para Discussão nº 1050 do Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada) prevê a necessidade urgente dereformar novamente a previdência social para estabelecer idade mínima para aposentadoria por tempo de contribuição,com características análogas às dos servidores do Regime Próprio de Previdência Social.

Page 83: A APOSENTADORIA POR IDADE NO REGIME GERAL DE … · a aposentadoria por idade no regime geral de previdÊncia social adriane bramante de castro ladenthin mestrado em direito previdenciÁrio

7 4

equivalência dos benefícios e serviços às populações urbanas e rurais, pode-se pensar

que a Constituição Federal (artigo 201, parágrafo 7º), ao estabelecer idades distintas

para os dois tipos de trabalhadores, teria infringido o princípio em comento.

Se assim fosse entendido, ou a idade do trabalhador rural deveria se igualar à

idade do trabalhador urbano, ou a deste último teria que se igualar à do primeiro para

que fosse cumprido o mandamento constitucional de uniformizar os benefícios e os

serviços entre eles.

Contudo, se fossem iguais as idades exigidas de trabalhadores urbanos e rurais,

não haveria uniformidade na forma exigida pelo princípio constitucional.

Ao buscar uma justificativa filosófica, pode-se encontrar uma resposta em

Aristóteles, quando discrimina o que é justo e o que é injusto: “O injusto é o que viola

a proporção, pois o proporcional é o intermediário, e o justo é o proporcional”165.

O legislador constituinte não infringiu nenhum princípio quando estabeleceu

idades diferentes para as populações urbanas e rurais. Na verdade, essa diferença busca

exatamente a igualdade. Se as idades fossem iguais, estaríamos diante de uma

desigualdade.

O trabalhador rural exerce atividade extremamente penosa, desgastante,

justificando a idade antecipada para o direito à aposentadoria previdenciária. Seria

possível até considerar a atividade dele especial, pois seu trabalho, que o expõe às

condições variáveis do tempo e aos raios solares, sujeitando-o a sofrer doenças malignas,

pode ser considerado prejudicial à sua saúde e à sua integridade física.

Essa assertiva é confirmada pelo relato do deputado Liberato Caboclo, na

condição de debatedor no Seminário Internacional sobre Previdência Social, realizado

em Brasília, em 1993, que conta sua experiência enquanto trabalhador de um hospital

universitário que atendia predominantemente as populações rurais:

Tenho a triste experiência de trabalhar num hospital universitário, que dá assistência à

população rural, composta por colônias italianas, onde não ter câncer de pele é

exceção.166

Não há como tratar os trabalhadores rurais e urbanos da mesma forma, pois

são diferentes.

165 Ética a Nicômaco, p. 109.

166 Publicação do Ministério da Previdência Social (MPS) e da Comissão Econômica para América Latina e Caribe (Cepal) sobo título: A previdência social e a revisão constitucional, p. 34.

Page 84: A APOSENTADORIA POR IDADE NO REGIME GERAL DE … · a aposentadoria por idade no regime geral de previdÊncia social adriane bramante de castro ladenthin mestrado em direito previdenciÁrio

7 5

Encontram-se presumidamente incapazes para o trabalho, uma vez que se supõe

que ao atingirem a idade de 65 ou 60 anos (trabalhador urbano e trabalhador rural,

respectivamente), ou 60 ou 55 anos (trabalhadora urbana e trabalhadora rural,

respectivamente), têm suas aptidões para o trabalho em acelerado declínio e, por isso,

deve ser-lhes concedida a prestação previdenciária, após a implementação dos requisitos

para tal, como recompensa, permitindo-lhes o descanso merecido.

Podemos dizer, no entanto, que há justiça no tratamento diferenciado entre

urbanos e rurais, pois se buscou respeitar as suas desigualdades, tornando-os mais

iguais, mais equânimes.

Balera assinala que “por força da regra da igualdade – não por acaso colocada no

topo do art. 5º da Constituição –, os brasileiros se obrigam a proporcionar quantidade

de proteção suficiente ao atingimento da segurança social que cada um deve ter”167.

A eqüidade para a seguridade social é a dimensão da igualdade do artigo 5º,

caput, da Carta Magna.

Não há dúvida de que as diferentes idades tiveram como condão a busca pela

universalidade. Assim como na França, onde a idade precisou ser reduzida (de 65 para

60 anos, como já exposto neste trabalho), diante do problema demográfico, visando

abarcar o maior número de segurados possível, o Brasil percorreu o mesmo caminho.

Beltrão168, conferencista do IV Painel do Seminário Internacional promovido

pelo Ministério da Previdência e Assistência Social169 (MPAS), pela Comissão Econômica

para a América Latina e o Caribe (Cepal) e pela Associação Brasileira de Estudos

Populacionais (Abep), ocorrido em Brasília, em 1996, que tinha como tema ‘Impactos

da transição demográfica sobre a previdência social’, trouxe uma informação que

justificaria a idade reduzida do trabalhador rural em relação ao urbano: “dados do

censo de 1980 mostram que, para quase todos os estados brasileiros, a esperança de

vida ao nascer era maior para a população rural. Como, porém, a população rural está

concentrada principalmente nos estados mais pobres, a sua esperança de vida ao nascer

é inferior à da população urbana”.

167 Noções preliminares de Direito Previdenciário, p. 35.

168 Conferência publicada pelo Ministério da Previdência e Assistência Social – MPAS (atualmente, Ministério da PrevidênciaSocial – MPS, conforme Medida Provisória nº 103, de 01/01/2003, convertida na Lei nº 10.683, de 28/05/03), pela ComissãoEconômica para a América Latina e o Caribe (Cepal) e pela Associação Brasileira de Estudos Populacionais (Abep), sob otítulo ‘A transição demográfica e a reforma da previdência social’ , p. 173.

169 O Ministério da Previdência e Assistência Social teve suas funções redistribuídas, e a assistência social passou a ser funçãodo Ministério do Desenvolvimento e Combate à Fome.

Page 85: A APOSENTADORIA POR IDADE NO REGIME GERAL DE … · a aposentadoria por idade no regime geral de previdÊncia social adriane bramante de castro ladenthin mestrado em direito previdenciÁrio

7 6

Certamente, diante da inserção do trabalhador rural no sistema previdenciário

e da obrigatoriedade de contribuição social a partir da publicação da Lei nº 8.213/91,

se as idades para obtenção do benefício etário fossem iguais entre urbanos e rurais,

não haveria muitos trabalhadores rurais aptos ao benefício, o que iria de encontro ao

princípio da universalidade da cobertura e do atendimento.

Concordamos com o posicionamento de Berbel170, que entende que essa

diferença é justificada no princípio da ‘isonomia material’. Para o autor, “a situação

social do segurado especial é diferenciada dos demais segurados, fato que lhe impõe

um envelhecimento físico mais acelerado. Esse discr iminem al icerça proteção

diferenciada, com o escopo de gerar, no âmbito do resultado (prestação), a igualdade

anteriormente inexistente”.

A desigual idade entre trabalhadores urbanos e rurais, portanto, torna-os iguais

e cumpre com presteza o princípio trazido pela Carta Política de 1988.

Ainda quanto à disparidade horizontal em relação à aposentadoria por idade

compulsória, que não dá escolha ao trabalhador que atingiu 70 anos de idade ou à

trabalhadora que atingiu 65 anos de idade, impõe-se apenas a vontade do empregador,

que tem a liberdade de aposentar seu empregado compulsoriamente, se assim desejar.

Nesse caso, a presunção da incapacidade laborativa do trabalhador é ainda mais

acentuada, pois há uma idade indicada pelo legislador para essa modalidade de benefício

que é superior à das aposentadorias por idade voluntárias, em que a compulsoriedade

é fato marcante que desnatura o modelo securitário original.

A idade indicada para a aposentadoria compulsória também não tem nenhum

respaldo técnico. Além disso, não encontra amparo constitucional.

Tramita pelo Congresso Nacional uma mudança na idade da aposentadoria

compulsória do trabalhador do Regime Próprio de Previdência Social. Sugere-se que a

idade passe de 70 para 75 anos, uma vez que a expectativa de sobrevida vem aumentando

a cada ano, mas, quanto ao Regime Geral de Previdência Social, não há nenhuma

discussão para modificar a idade da aposentadoria compulsória ou para eliminá-la

definitivamente do ordenamento jurídico pátrio, diante do seu absoluto desuso.

Ressalte-se que esse tipo de aposentadoria não cabe dentro do sistema

previdenciário brasileiro, pois não está sendo dado o merecido valor ao trabalho,

seguindo contrariamente ao valor social do trabalho trazido pela Carta Magna de 1988.

170 Teoria geral da previdência social, p. 202.

Page 86: A APOSENTADORIA POR IDADE NO REGIME GERAL DE … · a aposentadoria por idade no regime geral de previdÊncia social adriane bramante de castro ladenthin mestrado em direito previdenciÁrio

7 7

Balera destaca que “o sentido de justiça ficaria extremamente vago, impalpável e

mesmo diáfano se o constituinte não lhe tivesse imposto a convivência com algo que

possui nível de percepção bem direto para todos: o trabalho”171.

O trabalho, como descreve o autor, é colocado no altiplano dos princípios,

como o único caminho a ser seguido para se construir uma sociedade livre, justa e

solidária, não podendo distanciar-se do bem-estar nem da justiça sociais.

Assim, um sistema previdenciário que permite ao empregador aposentar seu

empregado compulsoriamente, sem a sua anuência, encontra-se completamente à parte

de tudo que se buscou trazer em avanços para os direitos sociais, os chamados direitos

de segunda geração.

Assim, podemos concluir que não é justificável, do ponto de vista constitucional,

a aposentadoria compulsória, seguindo o arcabouço com que se revestiu o sistema

previdenciário brasileiro.

Ainda que a ‘idade avançada’ tenha chegado, isso não significa que a pessoa

esteja incapacitada para o trabalho, cabendo exclusivamente ao trabalhador a decisão

de parar ou não de trabalhar, de aposentar-se ou não, sendo sua relação empregatícia

outra relação jurídica, que não pode ser confundida com a relação jurídica de proteção

estabelecida no direito previdenciário.

Quanto à diferença de idades do ponto de vista vertical, ou seja, entre homens e

mulheres, há um grande movimento para que seja diminuída, posto que, atualmente, é

injustificada, pelo fato de a expectativa de vida da mulher ser significativamente maior

que a dos homens172.

A esse respeito, o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) publicou

um estudo173 sob o tema ‘Diagnóstico da previdência social no Brasil: o que foi feito e

o que falta reformar’ e concluiu que deve ser reduzido de cinco para dois anos a diferença

de anos das aposentadorias entre homens e mulheres, passando estas a se aposentar

aos 63 anos de idade, e não mais aos 60 anos, como estabelecido atualmente.

Essa diferenciação está sendo questionada em diversos países, e em alguns deles,

tidos como de primeiro mundo (Dinamarca, Suécia, Noruega, Holanda, Alemanha,

França), já não há diferença entre as idades para aposentadoria de homens e mulheres.

171 Noções preliminares de Direito Previdenciário, p. 15.

172 Tabela do IBGE mostra que o homem tem expectativa de sobrevida igual a 67,6 anos e a mulher, 75,2 anos.

173 Ipea – Texto para Discussão nº 1.050, p. 35.

Page 87: A APOSENTADORIA POR IDADE NO REGIME GERAL DE … · a aposentadoria por idade no regime geral de previdÊncia social adriane bramante de castro ladenthin mestrado em direito previdenciÁrio

7 8

O estudo do Ipea salienta ainda que, como as mulheres estão incisivamente mais

ativas no mercado de trabalho, aposentam-se mais cedo e recebem por mais tempo o

benefício. Com isso, o impacto econômico das aposentadorias precoces mostra-se a

olho nu.

Evidentemente, a pretensa mudança exigirá uma fase de transição, mas isso não

deverá assustar os cidadãos brasileiros, pois desde a Emenda Constitucional nº 20, de

15 de dezembro de 1998, as regras de transição têm sido uma constante no nosso

ordenamento jurídico.

Nogueira174 qualifica esse “cavalheirismo com o sexo fraco” como “privilégio

concedido às mulheres” de se aposentar cinco anos mais cedo. Para o autor, haveria

duas explicações para isso:

a) como extra-prêmio compensatório da sobrecarga adicional das tarefas domésticas,

tradicionalmente imputadas às mulheres;

b) como necessidade de antecipar a proteção para atender ao pretenso envelhecimento

acelerado do sexo frágil.

Continua o autor:

Qualquer que fosse a causa, tal cavalheirismo legislativo agora se afigura anacrônico,

duvidoso e até ofensivo na medida em que insiste na velhice ou incapacidade produtiva

das sexagenárias, ou menospreza a pugna feminista pela repartição igualitária dos direitos

e deveres humanos, entre estes os encargos domésticos.175

Beltrão176, do IBGE, reconhece as distorções da idade e do tempo de serviço em

relação às mulheres que buscam a proteção previdenciária. Para o conferencista, não

se justifica a diferenciação em razão da baixa mortalidade das mulheres em todas as

idades e, conseqüentemente, com uma esperança de sobrevida maior em relação ao

homem.

São iminentes, portanto, modificações no que tange às diferentes idades entre

homens e mulheres no campo previdenciário, pois após anos de lutas pela igualdade

de direitos, não há razão para manter tal distorção.

Portanto, quanto ao aspecto diferenciador, sob a ótica horizontal, ou seja, pela

natureza da filiação, vê-se a igualdade jurídica e não cabe, neste ponto, divergir do

174 A crise moral e financeira da Previdência Social, p. 68.

175 Id. ibid., p. 68.

176 Conferência publicada pelo extinto Ministério da Previdência e Assistência Social (MPAS), pela Comissão Econômica paraa América Latina e o Caribe (Cepal) e pela Associação Brasileira de Estudos Populacionais (Abep), sob o título ‘A transiçãodemográfica e a reforma da previdência social’, p. 172.

Page 88: A APOSENTADORIA POR IDADE NO REGIME GERAL DE … · a aposentadoria por idade no regime geral de previdÊncia social adriane bramante de castro ladenthin mestrado em direito previdenciÁrio

7 9

legislador, pois que em plena conformidade legal. No que tange ao aspecto diferenciador

sob a ótica vertical, ou seja, entre homens e mulheres, o processo evolutivo das mulheres

no mercado de trabalho e sua condição de sobrevida consideravelmente maior que a

dos homens não justificam idades diferenciadas. Concordamos com o estudo do Ipea e

outros com relação à inexorável mudança constitucional para aumentar a idade das

mulheres que buscam o benefício etário.

5.3 NATUREZA JURÍDICA DO BENEFÍCIO

A previdência social tem caráter contributivo e filiação obrigatória. Segue, como

já se viu, a sistemática de um seguro social.

Impera a compulsoriedade, não sendo, portanto, contratual. A vontade das partes

é irrelevante.

Para que o segurado faça jus aos benefícios e serviços da previdência social, é

imprescindível que esteja filiado ao Regime Geral de Previdência Social, ou, no caso

específico da aposentadoria por idade, admite-se que já tenha sido filiado e tenha vertido

um número mínimo de contribuições.

No caso da aposentadoria por idade, é imprescindível que o segurado tenha

atingido a carência mínima necessária, ou seja, tenha contribuído por determinado

tempo mínimo para que possa obter o benefício.

Balera observa que “o estabelecimento de certo lapso de tempo necessário à

aquisição do direito às prestações é, em si mesmo, típico ato de previdência”177.

Assim, a aposentadoria por idade tem natureza jurídica previdenciária diante

das características a ela inerentes, mostrando-se intrínseca a natureza de seguro social.

A necessidade de contribuições prévias para o recebimento do benefício torna-

o benefício de caráter previdenciário.

Seria possível pensar que, diante da inexigibilidade de qualidade de segurado,

cuja abertura se deu pela Lei nº 10.666/03 (artigo 3º, parágrafo 1º), o benefício teria

assumido caráter assistencial. No entanto, diante da imprescindível necessidade de

comprovar um número mínimo de contribuições, ainda que não conserve mais a

condição de filiado ao Regime Geral de Previdência Social, isso não faz mudar a natureza

jurídica. Para ter natureza assistencial, não poderia haver a exigência de contribuições

prévias, o que não é o caso.

177 Sistema de seguridade social, p. 66.

Page 89: A APOSENTADORIA POR IDADE NO REGIME GERAL DE … · a aposentadoria por idade no regime geral de previdÊncia social adriane bramante de castro ladenthin mestrado em direito previdenciÁrio

8 0

Assim, a natureza jurídica da aposentadoria por idade é previdenciária, diante

da exigência de se comprovar contribuições mínimas que vão garantir o lastro necessário

ao sistema, característica esta elementar no Regime Geral de Previdência Social.

Cabe ainda ressaltar que o direito ao benefício promove também a cobertura

securitária, diante da necessidade social advinda com o atingimento da idade mínima,

em que se presume a incapacidade para o trabalho.

Por essas características, conclui-se que a natureza jurídica da aposentadoria

por idade é previdenciária.

Page 90: A APOSENTADORIA POR IDADE NO REGIME GERAL DE … · a aposentadoria por idade no regime geral de previdÊncia social adriane bramante de castro ladenthin mestrado em direito previdenciÁrio

8 1

CAPÍTULO VI

APOSENTADORIA POR IDADE DO

TRABALHADOR URBANO

6.1 DA IDADE

A aposentadoria por idade do trabalhador urbano teve como marco inicial, no

ordenamento pátrio, a Lei Orgânica da Previdência Social, a chamada Lops (Lei nº

3.807/60).

Naquela época, o benefício foi inaugurado sob a denominação de ‘aposentadoria

por velhice’, tendo sido recentemente modificada para ‘aposentadoria por idade’ pela

Lei nº 8.213/01.

A Lei nº 3.807/60 designou um único artigo para tratar da matéria, estabelecendo

as regras para a concessão do benefício etário no artigo 30:

Art. 30. A aposentadoria por velhice será concedida ao segurado que, após haver

realizado 60 (sessenta) contribuições mensais, completar 65 (sessenta e cinco) ou mais

anos de idade, quando do sexo masculino, e 60 (sessenta) anos de idade, quando do

feminino, e consistirá numa renda mensal calculada na forma do § 4º do art. 27.

Page 91: A APOSENTADORIA POR IDADE NO REGIME GERAL DE … · a aposentadoria por idade no regime geral de previdÊncia social adriane bramante de castro ladenthin mestrado em direito previdenciÁrio

8 2

A idade inicial para requerer o benefício era (e ainda é, visto que com relação à

idade nada mudou) 65 anos de idade para homem e 60 anos para mulher e carência178

de 60 contribuições mensais.

A Constituição Federal de 1988, com a redação dada pela Emenda Constitucional

nº 20/98, traz a definição da aposentadoria por idade, em seu artigo 201, parágrafo 1º,

como já transcrito no capítulo anterior.

Atendendo ao disposto constitucional, a Lei nº 8.213/91 rege atualmente o

benefício etário, em seus artigos 48 a 51.

Observe-se o número de artigos (quatro) destinados à aposentadoria por idade,

trazidos pela Lei nº 8.213/91, enquanto na Lops um único artigo tratou da matéria.

6.2 DA CARÊNCIA

A carência é definida no artigo 24 da Lei nº 8.213/91 como o “número mínimo

de contribuições mensais indispensáveis para que o beneficiário faça jus ao benefício,

consideradas a partir do transcurso do primeiro dia dos meses de suas competências”.

Seu objetivo principal é criar um lastro, imprescindível para garantir o equilíbrio

financeiro e atuarial do sistema de seguridade social.

Quanto maior é a imprevisibilidade do risco social a ser coberto, menor ou

inexistente é a carência e vice-versa.

Savaris 179 indica dois requisitos essenciais para qualificar a carência: grau de

previsibilidade do requisito específico e presunção de cessação imediata da fonte de

subsistência de que dependia o segurado e sua família, justificando a diferença que o

legislador encontrou para exigir carência extensa de 180 contribuições, carência

pequena de 10180 ou 12181 contribuições ou nem exigi-la182.

178 A terminologia ‘carência’ não foi conceituada pela Lei nº 3.807/60. Somente com a Lei nº 8.213/91 a definição atingiustatus legal, em seu artigo 24: “Carência é o número mínimo de contribuições mensais indispensáveis para que o beneficiáriofaça jus ao benefício, consideradas a partir do transcurso do primeiro dia dos meses de suas competências”.

179 Direito Previdenciário, p. 7.

180 Carência exigida para salário-maternidade de segurada facultativa, segurada especial e contribuinte individual (artigo 25,III, da Lei nº 8.213/91).

181 Carência exigida para auxílio-doença ou aposentadoria por invalidez previdenciária (artigo 25, I, da Lei nº 8.213/91).

182 Não se exige carência para benefícios de: pensão por morte, auxílio-reclusão, salário-família, auxílio-acidente, auxílio-doença ou aposentadoria por invalidez oriundos de acidente do trabalho ou das doenças elencadas na Portaria Interministerialnº 2.998/01.

Page 92: A APOSENTADORIA POR IDADE NO REGIME GERAL DE … · a aposentadoria por idade no regime geral de previdÊncia social adriane bramante de castro ladenthin mestrado em direito previdenciÁrio

8 3

Não havia conceituação de carência na Lei nº 3.807/60, vindo esta a ser definida

somente a partir da edição da Lei nº 8.213/91183.

No entanto, havia um pré-requisito a ser cumprido para a obtenção do benefício

etário: 60 contribuições mensais.

Com a publicação do Plano de Benefícios da Previdência Social, definiu-se na lei

(haja vista já existir esse conceito nos regulamentos da Previdência Social, como foi

dito) que esse número mínimo de contribuições mensais era a chamada ‘carência’:

Art. 24. Período de carência é o número mínimo de contribuições mensais indispensáveis

para que o beneficiário faça jus ao benefício, consideradas a partir do transcurso do

primeiro dia dos meses de suas competências.

Parágrafo único. Havendo perda da qualidade de segurado, as contribuições anteriores

a essa data só serão computadas para efeito de carência depois que o segurado contar,

a partir da nova filiação à Previdência Social, com, no mínimo, 1/3 (um terço) do

número de contribuições exigidas para o cumprimento da carência definida para o

benefício a ser requerido.

Entretanto, a Lei nº 8.213/91, além de conceituar carência, passou a exigir não

mais 60 contribuições mensais, mas sim 180, estendendo esse pressuposto não só à

aposentadoria por idade, como também à aposentadoria por tempo de serviço184 e

especial:

A concessão das prestações pecuniárias do Regime Geral de Previdência Social depende

dos seguintes períodos de carência:

[...]

II – aposentadoria por idade, aposentadoria por tempo de serviço e aposentadoria

especial: 180 contribuições mensais.

Diante da abrupta mudança, tornou-se necessária a criação de uma tabela de

transição para que o impacto que produziu pudesse garantir os direitos àqueles já

inscritos na Previdência Social.

O artigo 142 da Lei nº 8.213/91, então, trouxe a tabela de transição que se

segue, estabelecendo que a carência deveria ser verificada levando-se em conta o ano

da entrada do requerimento:183 Embora o conceito de carência tenha sido incluído no Regulamento da Lei Orgânica da Previdência Social (Lops), pelo

Decreto nº 83.080/79, somente ganhou status legal com a Lei nº 8.213/91 (artigo 30 do Decreto nº 83.080/79: “Período decarência é o tempo correspondente ao número mínimo de contribuições mensais indispensáveis para que o beneficiáriofaça jus aos benefícios”).

184 A aposentadoria por tempo de serviço teve o nome alterado para aposentadoria por tempo de contribuição, em razão dapublicação da Emenda Constitucional nº 20/98.

Page 93: A APOSENTADORIA POR IDADE NO REGIME GERAL DE … · a aposentadoria por idade no regime geral de previdÊncia social adriane bramante de castro ladenthin mestrado em direito previdenciÁrio

8 4

Art. 142. Para o segurado inscrito na Previdência Social Urbana na data da publicação

desta Lei, bem como para o trabalhador e o empregador rurais cobertos pela Previdência

Social Rural, a carência das aposentadorias por idade, por tempo de serviço e especial,

prevista no inciso II do art. 25, obedecerá à seguinte tabela, levando-se em conta o ano

da entrada do requerimento:

Geraldo Alckmin185, relator do projeto que alterou a carência de 60 para 180

contribuições e da referida regra de transição, entende que ela atendeu prontamente

àqueles já inscritos no Regime Geral de Previdência Social:

A transição foi feita de tal forma que, para cada ano gregoriano, se aumentavam 6

meses de carência, de modo que o trabalhador poderia alcançar a nova carência, sem

ser prejudicado.

O marco inicial para a transição foi o ano de 1991. Neste ano e no seguinte

(1992) ficou mantida a carência de 60 contribuições mensais, como estava estabelecido

na Lei nº 3.807/60. A partir de 1993, a tabela progressiva passou a exigir seis meses a

mais a cada ano.

Entretanto, com a publicação da Lei nº 9.032/95, o artigo 142 foi alterado e,

conseqüentemente, a tabela de transição:

Ano da entrada Meses de contribuição

do requerimento exigidos

1991 60 meses

1992 60 meses

1993 66 meses

1994 72 meses

1995 78 meses

1996 84 meses

1997 90 meses

1998 96 meses

1999 102 meses

2000 108 meses

2001 114 meses

Ano da entrada Meses de contribuição

do requerimento exigidos

2002 120 meses

2003 126 meses

2004 132 meses

2005 138 meses

2006 144 meses

2007 150 meses

2008 156 meses

2009 162 meses

2010 168 meses

2011 174 meses

2012 180 meses

185 Em Seminário Internacional sobre Previdência Social, do qual o então deputado Geraldo Alckmin participou, comodebatedor, sobre o tema: ‘Previdência social: diagnósticos e perspectivas, em A previdência social e a revisão constitucional,p. 155.

Page 94: A APOSENTADORIA POR IDADE NO REGIME GERAL DE … · a aposentadoria por idade no regime geral de previdÊncia social adriane bramante de castro ladenthin mestrado em direito previdenciÁrio

8 5

Art. 142. Para o segurado inscrito na Previdência Social Urbana até 24 de julho de

1991, bem como para o trabalhador e o empregador rural cobertos pela Previdência

Social Rural, a carência das aposentadorias por idade, por tempo de serviço e especial

obedecerá à seguinte tabela, levando-se em conta o ano em que o segurado implementou

todas as condições necessárias à obtenção do benefício:

O texto mudou para ‘o segurado inscrito na Previdência Social Urbana até 24

de julho de 1991’ no lugar de ‘na data da publicação desta lei’, e a tabela que, no ano de

1996, exigiria 84 contribuições, dando continuidade ao acréscimo sucessivo e igualitário

de seis meses a cada ano a partir de 1993, passou a exigir 90 contribuições mensais.

Isso significa dizer que, entre 1995 e 1996, a tabela deu um salto: de 78 contribuições

para 90 contribuições mensais.

Com isso, o segurado que tinha sido inserido na tabela de transição, já tendo

que cumprir os requisitos trazidos pela nova lei, teve que se adaptar à ‘transição da

transição’ para atingir a carência mínima exigida e, finalmente, obter a cobertura

previdenciária pretendida, atendendo às modificações legais.

A tabela de transição, que antes seria extinta em 2012, quando então as

contribuições chegariam ao exigido atualmente, ou seja, 180 contribuições mensais,

com as alterações trazidas pela Lei nº 9.032/95 se extinguirá em 2011.

Outra alteração trazida por essa lei, também no artigo 142, foi na parte final,

determinando que a carência fosse verificada levando-se em conta o ‘ano em que o

segurado implementou todas as condições necessárias à obtenção do benefício’ .

Ano da entrada Meses de contribuição

do requerimento exigidos

1992 60 meses

1993 66 meses

1994 72 meses

1995 78 meses

1996 90 meses

1997 96 meses

1998 102 meses

1999 108 meses

2000 114 meses

2001 120 meses

Ano da entrada Meses de contribuição

do requerimento exigidos

2002 126 meses

2003 132 meses

2004 138 meses

2005 144 meses

2006 150 meses

2007 156 meses

2008 162 meses

2009 168 meses

2010 174 meses

2011 180 meses

Page 95: A APOSENTADORIA POR IDADE NO REGIME GERAL DE … · a aposentadoria por idade no regime geral de previdÊncia social adriane bramante de castro ladenthin mestrado em direito previdenciÁrio

8 6

6.2.1 OS EFEITOS DA LEI Nº 10.666/03 NA APOSENTADORIA POR IDADE

A Medida Provisória nº 83, de 12 de dezembro de 2002, pretendia modificar

novamente a tabela de transição do artigo 142 da Lei nº 8.213/91, propondo que, para

o segurado aposentar-se por idade, fossem exigidas 240 contribuições mensais186. Ou

seja, das 180 contribuições exigidas anteriormente, passariam para 240.

A Lei nº 10.666, de 8 de maio de 2003, conversora da Medida Provisória nº 83/

2002, felizmente não recepciona a exigência de 240 contribuições mensais para o

benefício etário, mantendo-se as 180 contribuições anteriormente exigidas:

§ 1º Na hipótese de aposentadoria por idade, a perda da qualidade de segurado não

será considerada para a concessão desse benefício, desde que o segurado conte com, no

mínimo, o tempo de contribuição correspondente ao exigido para efeito de carência

na data do requerimento do benefício.

Outra mudança trazida pela Lei nº 10.666/03, percebida em uma leitura atenta

do novo dispositivo ora transcrito, é que o requisito da carência também foi substituído

pela expressão: ‘tempo de contribuição correspondente ao exigido para efeito de carência’187.

Para a aposentadoria por idade, a partir de então, passou-se a exigir ‘tempo de

contribuição’ e não ‘carência’, especificamente àqueles que teriam perdido a qualidade

de segurados, como mencionado no dispositivo.

É imperioso notar que o legislador ordinário estendeu o direito à aposentadoria

por idade àqueles que haviam perdido a qualidade de segurado, sem exigir destes a

aplicação do artigo 24 da Lei nº 8.213/91 e seu parágrafo único.

A carência, portanto, seria requisito essencial àqueles que detêm a qualidade de

segurados, enquanto dos demais a exigência é de ‘ tempo mínimo de contribuições

correspondente à carência’, e não propriamente carência.

Assim, entendemos que para a aposentadoria por idade clássica, ou seja,

destinada àqueles filiados ao Regime Geral de Previdência Social (RGPS), os requisitos

seriam: carência (do artigo 24 da Lei nº 8.213/91) e idade mínima, enquanto para a

aposentadoria por idade estendida, ou seja, destinada aos não-segurados do RGPS, os

requisitos seriam: número de contribuições correspondentes à carência (sob o efeito

do artigo 3º da Lei nº 10.666/03) e idade mínima.

186 Parágrafo único do artigo 3º da Medida Provisória nº 83/2002. “Na hipótese de aposentadoria por idade, a perda daqualidade de segurado não será considerada para a concessão desse benefício, desde que o segurado conte com, no mínimo,duzentas e quarenta contribuições mensais”.

187 Idêntica redação foi dada pelo artigo 30 da Lei nº 10.741/03 (Estatuto do Idoso), in verbis: “A perda da condição desegurado não será considerada para a concessão da aposentadoria por idade, desde que a pessoa conte com, no mínimo, otempo de contribuição correspondente ao exigido para efeito de carência na data de requerimento do benefício”.

Page 96: A APOSENTADORIA POR IDADE NO REGIME GERAL DE … · a aposentadoria por idade no regime geral de previdÊncia social adriane bramante de castro ladenthin mestrado em direito previdenciÁrio

8 7

Ademais, a Lei nº 10.666/03 não utilizou a mesma expressão quando tratou de

aposentadoria por tempo de contribuição ou especial, possibilitando aos segurados,

neste caso, o direito às respectivas aposentadorias sem que detivessem a qualidade de

segurados, restando silente quanto ao período carencial: “Art. 3º A perda da qualidade

de segurado não será considerada para a concessão das aposentadorias por tempo de

contribuição e especial”.

Quanto à aposentadoria por idade, foi excetuada no parágrafo seguinte,

demonstrando o interesse do legislador em tratar os referidos benefícios de maneira

diferenciada.

Restou claro que, se assim não fosse, ele simplesmente indicaria como requisito

para a obtenção da aposentadoria por idade a seguinte expressão: ‘desde que o segurado

conte com a carência mínima exigida para o benefício’. Não foi o que aconteceu.

Num sistema de seguridade social em que se busca a universalização, os pré-

requisitos exigidos para a obtenção de benefícios securitários são transitórios, como

escreve Venturi188 :

Los requisitos para la obtención del derecho a las prestaciones, la seguridad social,

conforme a los princípios de universalidad, globalidad e igualdad que lê son próprios

teinde a su completa abolición.

Savaris189 escreve, com relação ao assunto:

Podemos estar a um passo de um entendimento segundo o qual, para fins de concessão

de aposentadoria por idade, é exigido do interessado a prova do tempo de serviço

correspondente ao período de carência exigido para a concessão de benefício, nada

mais do que isso.

Desse modo, verifica-se que a legislação previdenciária vem sendo flexibilizada

diante da realidade social que se impõe, em detrimento da questão atuarial e financeira

do sistema.

Apesar de a Emenda Constitucional nº 20/98 ter modificado o nome da

aposentadoria por tempo de serviço para aposentadoria por tempo de contribuição, o

seu artigo 4º190 estabeleceu que tempo de serviço é o mesmo que tempo de contribuição

até que lei específica discipline a matéria.

188 Los fundamento científicos de la Seguridad Social, p. 386.

189 Direito em foco, p. 31.

190 Art. 4º: “...o tempo de serviço considerado pela legislação vigente para efeito de aposentadoria, cumprido até que a leidiscipline a matéria, será contado como tempo de contribuição”.

Page 97: A APOSENTADORIA POR IDADE NO REGIME GERAL DE … · a aposentadoria por idade no regime geral de previdÊncia social adriane bramante de castro ladenthin mestrado em direito previdenciÁrio

8 8

A carência está submetida às regras específicas do artigo 24 da Lei nº 8.213/91,

estabelecendo, inclusive, a possibilidade de utilização do tempo de filiação anterior

após o cumprimento de um terço da carência mínima exigida para o benefício, caso

haja perda da qualidade de segurado.

A exigência de tempo mínimo de contribuição trazida pela Lei nº 10.666/2003

não se submete às regras do artigo 24 da Lei nº 8.213/91, muito menos ao

reaproveitamento do tempo anterior para reaquisição da qualidade de segurado. A

única correlação que persiste é a correspondência do número de contribuições com a

carência igual à tabela de transição trazida pelo artigo 142 em comento.

Para Berbel191, “a carência, diferentemente da filiação, não pressupõe somente a

ocorrência do fato jurídico filiatório, mas a cumulação desse fato com o adimplemento

da obrigação na seara da relação jurídica de cotização”. E continua dizendo que: “a

relação de constituição da carência é sinalagmática (genética), pois prende em um mesmo

prisma aspectos da filiação (trabalho) e de custeio (contribuição)”.

O autor entende que tempo de contribuição não é o mesmo que tempo de

trabalho efetivamente contribuído, pois, se assim fosse, a aposentadoria por tempo de

contribuição teria dois fatores com a mesma natureza jurídica, mostrando-se

desproporcional e irracional.

Enquanto carência é o número mínimo de contribuições mensais, a alteração

da norma jurídica com a Lei nº 10.666/03 indica necessário um tempo mínimo de

contribuições, permitindo uma leitura atenciosa que nos leva a concluir tratar-se de

conceitos dist intos, enquanto não houver lei específica definindo tempo de

contribuição.

A carência para as aposentadorias por tempo de contribuição, especial e por

idade, em breve não será mais utilizada, pois, se haverá exigência de tempo de

contribuição, o que se presume tempo efetivamente contribuído, a carência estará

implícita nesse requisito imprescindível.

Estamos vivendo um momento de transição, em busca da universalização da

cobertura e do atendimento, atenuando-se, passo a passo, os pré-requisitos necessários

à concessão dos benefícios previdenciários. A exigência de contribuições

correspondentes ao período de carência, bem como a inexigibilidade da qualidade de

191 Teoria geral da previdência social, p. 196.

Page 98: A APOSENTADORIA POR IDADE NO REGIME GERAL DE … · a aposentadoria por idade no regime geral de previdÊncia social adriane bramante de castro ladenthin mestrado em direito previdenciÁrio

8 9

segurado, como se verá adiante, é a prova dessa atenuação em busca de um valor maior:

a dignidade da pessoa humana.

Além da substancial mudança trazida pela Lei nº 10.666/03, a nova lei altera

novamente a parte final do artigo 142 da Lei nº 8.213/91, retornando ao texto original,

exigindo-se a partir de então que o cômputo da carência fosse verificado pela ‘data da

entrada do requerimento do benef íc io ’192.

O critério temporal exigido pelo referido artigo, em que o direito será verificado

‘a partir da data do requerimento’, não tem respaldo constitucional.

Como direito subjetivo, a qualquer momento em que o segurado pretenda

buscar, exigir, exercitar o seu direito, este o estará aguardando, intacto, pronto para

ser consumado.

A Lei de Introdução ao Código Civil destaca, em seu artigo 6º, parágrafo 2º:

Consideram-se adquiridos assim os direitos que o seu titular, ou alguém por ele, possa

exercer, como aqueles cujo começo do exercício tenha termo prefixo, ou condição

preestabelecida inalterável, a arbítrio de outrem.

Para Reale, direito subjetivo é “a possibilidade de ser exercido, de maneira

garantida, aquilo que as normas de Direito atribuem a alguém como próprio”193.

Para a obtenção da aposentadoria por idade, ao trabalhador urbano é necessário

implementar número mínimo de contribuições e idade mínima (65 anos, se homem,

ou 60 anos, se mulher), sendo irrelevante a data em que se buscou a proteção social.

O direito de peticionar, que se faz presente na Norma Fundamental do Brasil,

artigo 5º, inciso XXXIV, tem como escopo invocar a atenção dos poderes públicos,

no caso, a Administração Pública Federal, comunicando-lhes que o risco social se

concretizou, para que sejam tomadas as providências necessárias para a cobertura da

necessidade social imposta.

Nesse sentido, Balera assinala que “o requerimento é um pressuposto

indispensável à constituição do crédito previdenciário do beneficiário”194.

Portanto, conferir o direito à aposentadoria a partir da data em que se requereu

o benefício não pode ser considerado critério para verificação de nenhum direito,

quando este já foi adquirido em data pretérita.

192 A redação que até então vinha em vigor, trazida pela Lei nº 9.032/95, era que a carência fosse verificada levando-se emconta o ‘ano em que o segurado implementou todas as condições necessárias à obtenção do benefício’.

193 Lições preliminares do Direito, p. 92.

194 Processo administrativo previdenciário, p. 28.

Page 99: A APOSENTADORIA POR IDADE NO REGIME GERAL DE … · a aposentadoria por idade no regime geral de previdÊncia social adriane bramante de castro ladenthin mestrado em direito previdenciÁrio

9 0

Ráo diferencia a prescrição da norma, que é o que chamamos de direito objetivo,

uma expressão da vontade geral, da faculdade do sujeito de buscar o seu direito, um

poder de ação cujo exercício depende da vontade do respectivo titular.

O autor escreve:

Não há de confundir-se, porém, o tempo do nascimento da faculdade com o de seu

exercício: a faculdade nasce com a norma, mas pode ser exercida a qualquer momento,

enquanto persistir a eficácia obrigatória da norma que a criou e com a qual nasceu. E

mesmo após a cessação da vigência da norma, mesmo após a sua revogação, os poderes

por ela incorporados ao patrimônio do titular do direito subjetivo definitivamente

continuam a lhe pertencer, como direitos adquiridos.195

Não há sustentáculo para essa disposição legal, sendo certo relacionar o ano em

que o segurado completou a idade mínima exigida pelo benefício com o número de

contribuições que traz a tabela de transição do artigo 142 da Lei nº 8.213/91.

Exemplificando: no caso de um segurado que tenha completado 65 anos de idade

em 2001, consultando-se a tabela progressiva do artigo 142, verifica-se que, para esse

ano, são necessárias 120 contribuições mensais. Se o segurado tiver as 120 contribuições

mensais ou mais, então terá o número mínimo de contribuições exigidas e poderá

aposentar-se.

A Lei nº 10.666/03, portanto, modificou substancialmente o pressuposto para

a concessão do benefício etário aos que não detinham mais a qualidade de segurados,

estabelecendo ‘número mínimo de contribuições correspondente à carência’, além de exigir

que esses requisitos venham a ser verificados na data da entrada do requerimento,

podendo, em contrapartida, ser utilizada a “tese da prescindibilidade de concomitância

dos requisitos, que leva em conta, para fins de carência, a data do implemento do

requisito etário”196, conforme pacífica jurisprudência dos Tribunais Superiores a

respeito.

Àqueles que se inscreveram na Previdência Social a partir da Lei nº 8.213/91,

ou seja, a partir de 24 de julho de 1991, a regra jurídica não deixa dúvida, exigindo que

seja cumprida uma carência mínima de 180 contribuições.

195 O Direito e a vida dos direitos, p. 217. O autor ainda entende que “a disciplina legal oferecida à questão talvez não superasseo juízo da proporcionalidade ou razoabilidade”.

196 Direito em foco, p. 26.

Page 100: A APOSENTADORIA POR IDADE NO REGIME GERAL DE … · a aposentadoria por idade no regime geral de previdÊncia social adriane bramante de castro ladenthin mestrado em direito previdenciÁrio

9 1

6.3 A QUALIDADE DE SEGURADO

Para que o trabalhador urbano faça jus aos benefícios e serviços dispostos pela

legislação previdenciária, é preciso que esteja filiado ao sistema securitário.

Essa filiação, conforme preceitua o artigo 20 do Decreto nº 3.048/99, é “o

vínculo que se estabelece entre pessoas que contribuem para a Previdência Social e

esta, do qual decorrem direitos e obrigações”.

É o trabalho que, em regra, cria uma situação jurídica filiatória, excetuando-se o

facultativo que se filia por ato volitivo.

Segundo Dacruz, filiação pode ser definida como “el acto administrativo por

virtud del cual se reconoce a una persona la condición de asegurado en un Seguro

Social, de acuerdo con lo establecido en una ley”197.

Diferentemente da filiação, que ocorre automaticamente a partir do exercício

de atividade remunerada para os segurados obrigatórios198, a inscrição é ato burocrático

e material, pelo qual o segurado é cadastrado no Regime Geral de Previdência Social,

mediante comprovação dos dados pessoais e de outros elementos necessários e úteis à

sua caracterização.

O momento da inscrição difere conforme a natureza do trabalho exercido pelo

segurado obrigatório.

É oportuno destacar a distinção entre inscrição e filiação trazida pelo autor

Horvath Jr.:

Embora a filiação, em geral, represente fato pertencente ao mundo material – o trabalho

remunerado – sucede independentemente da vontade do fi l iado. A inscrição,

materializada na documentação, é ato formal, promovido pelo beneficiário. A filiação

acontece no mundo fático, enquanto a inscrição opera-se formalmente. A filiação é o

estado jurídico decorrente do exercício da atividade remunerada ou emprego. A filiação

para o segurado obrigatório é automática, nasce ao mesmo tempo do início da atividade,

sem necessidade de ser declarada; a inscrição é providência de iniciativa do obreiro (ou

de ofício do órgão gestor) perpretada ou não no início do labor. A filiação é exigência

da titularidade dos direitos previdenciários (sem a filiação não há direitos ou obrigações

previdenciárias). A filiação é logicamente anterior à inscrição (e cronologicamente nunca

pode ser posterior a ela). A inscrição só é válida quando preexiste filiação. A filiação

197 Estudios jurídicos de prevision social, p. 27.198 À exceção do facultativo, a quem é vedado manter-se nessa categoria caso exerça qualquer atividade remunerada. Para o

facultativo, a filiação decorre da inscrição, com o pagamento da primeira contribuição em dia.

Page 101: A APOSENTADORIA POR IDADE NO REGIME GERAL DE … · a aposentadoria por idade no regime geral de previdÊncia social adriane bramante de castro ladenthin mestrado em direito previdenciÁrio

9 2

nunca é legítima (pois só os atos sujeitam-se a ser considerados legítimos ou ilegítimos);

a inscrição pode ser julgada ilegítima e, conseqüentemente, invalidada.199

Após cessar o vínculo200 que mantinha os segurados filiados à Previdência Social,

o artigo 15 da Lei nº 8.213/91201 estabelece um período em que, mesmo sem ter havido

contribuições, conserva-os filiados ao Regime Geral de Previdência Social.

É mantida a qualidade de segurado, durante os prazos fixados no artigo 15 da

Lei nº 8.213/91, garantindo-lhe a manutenção dessa condição, mesmo sem contribuir.

Nesse prazo, chamado ‘período de graça’, o segurado conserva o direito a todos os

benefícios e serviços dispostos na referida lei202.

Desde a Lei Orgânica da Previdência Social, o segurado que completasse a idade

mínima exigida por lei para obter o direito à aposentadoria por idade t inha,

necessariamente, que estar contribuindo para a previdência social ou encontrar-se

dentro do período de graça mencionado para a garantia da concessão do benefício.

Não era reconhecido o direito ao benefício àqueles que não detivessem mais a qualidade

de segurados.

O segurado, portanto, para ter direito à aposentadoria por idade, precisava reunir

três requisitos básicos imprescindíveis: idade mínima, carência e qualidade de segurado.

A única exceção era o direito adquirido ao benefício antes da perda da qualidade de

segurado, garantido constitucionalmente, independente da data em que foi requerido

o benefício203.

Assim, muitos ex -f i l iados204 que completavam a idade mínima exigida para

obtenção da aposentadoria por idade estavam excluídos da cobertura previdenciária,

pois, como se encontravam há muito tempo desempregados ou na informalidade, não

199 Direito Previdenciário, p. 148.200 Citamos alguns exemplos de cessação do vínculo, que pode se dar pelo livramento do segurado detido ou recluso; pela

cessação de doença de segregação compulsória; pela cessação das contribuições para o segurado que exercia atividaderemunerada; pelo licenciamento, o segurado incorporado às Forças Armadas para prestar serviço militar ou mesmo osegurado facultativo que parar de contribuir.

201 Art. 15. “Mantém a qualidade de segurado, independentemente de contribuições: I – sem limite de prazo, quem está em gozo de benefício; II – até 12 (doze) meses após a cessação das contribuições, o segurado que deixar de exercer atividade remunerada abrangida

pela Previdência Social ou estiver suspenso ou licenciado sem remuneração;III – até 12 (doze) meses após cessar a segregação, o segurado acometido de doença de segregação compulsória;IV – até 12 (doze) meses após o livramento, o segurado retido ou recluso; V – até 3 (três) meses após o licenciamento, o segurado incorporado às Forças Armadas para prestar serviço militar;VI – até 6 (seis) meses após a cessação das contribuições, o segurado facultativo.”

202 O parágrafo 3º da Lei nº 8.213/91 assim está grafado: “Durante os prazos deste artigo, o segurado conserva todos os seusdireitos perante a Previdência Social”.

203 O artigo 109, parágrafo único da Consolidação das Leis da Previdência Social nº 77.077/76 assim já entendia: “A aposentadoriaou pensão para cuja concessão tenham sido preenchidos todos os requisitos não prescreverá, mesmo após a perda da qualidade desegurado”. Atualmente, a Lei nº 8.213/91 traz o direito adquirido à aposentadoria, mesmo após a perda da qualidade desegurado, cuja redação encontra-se no artigo 102, parágrafo 1º, onde se lê: “A perda da qualidade de segurado não prejudicao direito à aposentadoria para cuja concessão tenham sido preenchidos todos os requisitos, segundo a legislação em vigorà época em que estes requisitos foram atendidos”.

204 Expressão utilizada pelo autor Fábio Lopes Vilela Berbel para definir aqueles que haviam perdido o status de seguradospela expiração dos prazos estipulados no artigo 15 da Lei nº 8.213/91 (Teoria geral da previdência social).

Page 102: A APOSENTADORIA POR IDADE NO REGIME GERAL DE … · a aposentadoria por idade no regime geral de previdÊncia social adriane bramante de castro ladenthin mestrado em direito previdenciÁrio

9 3

lhes era reconhecido o direito ao referido benefício, diante da inexistência de condição

de segurado, de forma concomitante com a implementação do requisito etário.

Era necessário que, ao tempo em que o segurado completasse idade mínima,

estivesse filiado ao sistema previdenciário para obter a aposentadoria por idade.

Estava, portanto, excluído da cobertura previdenciária quem não ostentasse mais

a qualidade de segurado, apesar de vertido o mesmo número de contribuições e atingida

a idade mínima necessária de quem detinha essa qualidade.

Nas duas situações, as contribuições mínimas foram vertidas, a fim de permitir

o sustentáculo econômico do sistema, sem provocar nenhum desequilíbrio financeiro

ou atuarial.

Nesse sentido, o extinto Tribunal Federal de Recursos205 já vinha decidindo que,

para aposentadoria por idade, bastaria idade mínima e carência, ainda que estes requisitos

tenham sido estabelecidos em épocas distintas, reconhecendo aos filiados ou mesmo

àqueles que haviam perdido a qualidade de segurados o direito ao benefício etário,

com base no fundamento de que esses requisitos (idade e carência) não necessitariam

ser completados simultaneamente, pois a lei assim não exigia.

Referida tese ganhou espaço no Superior Tribunal de Justiça206, exigindo que o

Poder Legislativo tomasse providências.

Assim, a Lei nº 10.666/03, conversora da Medida Provisória nº 83/02, em seu

artigo 3º, parágrafo 1º207, determinou que a qualidade de segurado não seria mais

necessária para a concessão de aposentadoria por idade, estendendo essa benesse à

aposentadoria por tempo de contribuição e à aposentadoria especial, conforme o

parágrafo 3º da lei em comento. Essa foi a forma encontrada pelo legislador, por meio

do princípio da seletividade e distributividade na prestação dos benefícios e serviços

(artigo 194, parágrafo único, inciso III da CF), de integrar o maior número de titulares

possível ao sistema, incluindo os que não ostentavam mais a qualidade de segurados.

205 Apelação Cível nº 45.723-PB, DJ 20/06/79, Rel. Ministro Américo Luz, e Apelação Cível nº 91.871-PE, Rel. Ministro CarlosMadeira.

206 Citamos como exemplos: 2002.04.01.056131-3, 5ª Turma – Tribunal Regional Federal da 4ª Região, Relator Celso Ripper– DJU – 13/10/2005; 2003.70.07.002277-2 – 6ª Turma – Tribunal Regional Federal 4ª Região, Relator João Batista PintoSilveira, DJU 29/06/2005; 2001.71.019366-2, 5ª Turma – Tribunal Regional Federal 4ª Região – Relator Otávio RobertoPamplona, DJU 22/06/2005. “Não se exige o preenchimento simultâneo dos requisitos etário e de carência para aconcessão da aposentadoria, visto que a condição essencial para tanto é o suporte contributivo correspondente” (AC nº2006.72.99.000872-9 – 6ª Turma SC, Relator Eduardo Vandré O. L. Garcia, DJU 23/08/2006).

207 Artigo 3º da Lei nº 10.666/03: “A perda da qualidade de segurado não será considerada para a concessão das aposentadoriaspor tempo de contribuição e especial. Parágrafo 1º. Na hipótese de aposentadoria por idade, a perda da qualidade desegurado não será considerada para a concessão desse benefício, desde que o segurado conte com, no mínimo, o tempo decontribuição correspondente ao exigido para efeito de carência na data do requerimento do benefício”.

Page 103: A APOSENTADORIA POR IDADE NO REGIME GERAL DE … · a aposentadoria por idade no regime geral de previdÊncia social adriane bramante de castro ladenthin mestrado em direito previdenciÁrio

9 4

A Exposição de Motivos nº 00056, da Medida Provisória nº 83/02, justifica a

importância social de retirar do ordenamento jurídico a exigência de qualidade de

segurado para garantir o direito à proteção previdenciária, diante da modificação do

cálculo dos benefícios pela média das contribuições desde 1994:

Propõe-se a eliminação da possibilidade de perda da qualidade de segurado na concessão

de aposentadorias por tempo de contribuição, por idade e especiais. A Lei nº 9.876, de

26 de novembro de 1999, ao modificar a forma de apuração do valor do salário de

benefício, que passou a ser constituído pela média aritmética simples dos oitenta por

cento maiores salários de contribuição do segurado, possibilitou que se considerasse, a

partir de 1994, todo o período contributivo, independentemente da época em que

foram realizadas as contribuições. No entanto, pelas regras atuais, deixando o segurado

de verter contribuições para a Previdência Social, seja por motivo de desemprego ou

outro qualquer, depois de um certo tempo, normalmente entre 12 e 24 meses,

independentemente do número de contribuições que tenha vertido ao sistema, perde

ele a qualidade de segurado e, por conseguinte, o direito aos benefícios previdenciários.

Abre uma exceção, portanto, a legislação infraconstitucional, estendendo o

direito ao benefício da aposentadoria por idade aos ‘ex-filiados’, reconhecendo-lhes a

titularidade da prestação apenas pelo cumprimento do requisito etário e da carência.

Posiciona-se contrariamente Ibrahim, entendendo que houve um precário

entendimento jurisprudencial da Lei nº 10.666/03, “pois alarga o direito ao benefício,

sem previsão de fonte de custeio respectiva (artigo 195, § 5º da CRFB/88)”208.

Para corroborar a inexigibilidade de qualidade de segurado, a Turma Recursal

do Juizado Especial Federal Previdenciário de São Paulo editou o Enunciado nº 16,

que se encontra assim grafado:

Para a concessão de aposentadoria por idade, desde que preenchidos os requisitos legais,

é irrelevante o fato do requerente, ao atingir a idade mínima, não mais ostentar a

qualidade de segurado.209

Novamente observa-se a flexibilização das normas de direito previdenciário ante

a realidade social, com o resgate do idoso que, embora tendo contribuído durante

determinado tempo, encontra-se à margem da proteção social.

Nada mais justo, na medida em que, cumprida a carência, pré-requisito necessário

à subsistência do sistema previdenciário, inclui o ex-filiado e reconhece o seu direito

ao benefício, sem o qual ele estaria fadado a procurar a assistência social, caso não

208 Curso de Direito Previdenciário, p. 473.

209 Enunciado publicado no Diário Oficial do Estado (DOE) de 07/06/2004, caderno 1, parte I, p. 165.

Page 104: A APOSENTADORIA POR IDADE NO REGIME GERAL DE … · a aposentadoria por idade no regime geral de previdÊncia social adriane bramante de castro ladenthin mestrado em direito previdenciÁrio

9 5

mais voltasse a se filiar, hipótese remota, considerando o declínio da capacidade

laborativa.

Haveria a hipótese ainda de se entender que o segurado se manteria filiado ao

sistema exclusivamente para a obtenção do benefício etário. Neste caso, não ocorreria

perda da qualidade de segurado. Durante o interregno entre a última contribuição e a

implementação da idade mínima, caso acontecesse algum outro risco social, não teria

direito a benefício algum, restando-lhe tão-somente aguardar a idade mínima (caso já

tivesse a carência) para finalmente obter a cobertura previdenciária.

De qualquer maneira, reconhecer a esses segurados o direito à aposentadoria

por idade demonstra a sensatez do legislador ordinário em cumprir o mandamento

constitucional, na busca do bem-estar e da justiça social a uma classe de trabalhadores

que, na sua grande maioria, atuaram na informalidade, no subemprego ou mantiveram-

se desempregados e dificilmente alcançariam o tempo mínimo necessário para a

obtenção da aposentadoria por tempo de contribuição.

É interessante notar que, a partir do momento em que se reconhece a esses

trabalhadores o direito à aposentadoria por idade, eles deixam de ostentar a condição

de excluídos. Ao contrário, passam a ser incluídos no rol de segurados da Previdência

Social.

Protegendo esses indivíduos, protege-se também sua família e toda a sociedade.

Nas palavras de Assis, “o perigo que ameaça o indivíduo se transfere para a sociedade,

ou por outra, se ameaça uma das partes componentes do todo, fatalmente ameaçará a

própria coletividade”210.

Outra questão se abre com a novidade trazida pela Lei nº 10.666/03: a ausência

de qualidade de segurado na data da publicação da Lei nº 8.213/91 excluiria o direito

do segurado ao regramento transitório do artigo 142?

Evidentemente, em se tratando de matéria de cunho social, não seria possível

desprezar o tempo de trabalho exercido pelo segurado anteriormente à vigência da Lei

nº 8.213/91, pois, se assim fosse, estaria sendo desrespeitado o objetivo primordial da

Previdência Social, que é promover meios indispensáveis à subsistência de seus

beneficiários, cumprindo os mandamentos constitucionais de bem-estar e justiça social,

com base no primado do trabalho.

Savaris211 justifica com presteza a possibilidade de cômputo do período anterior

à perda da qualidade de segurado, entendendo que “a regra transitória deve ser aplicada

210 Em busca de uma concepção moderna de risco social, p. 157.

211 Direito em foco, p. 12.

Page 105: A APOSENTADORIA POR IDADE NO REGIME GERAL DE … · a aposentadoria por idade no regime geral de previdÊncia social adriane bramante de castro ladenthin mestrado em direito previdenciÁrio

9 6

a quem participava das anteriores regras do jogo”, justificando que desviaria da noção

de sistema previdenciário a idéia de que, com a perda da qualidade de segurado, a relação

jurídica passada não poderia mais gerar nenhum efeito. Nesse sentido:

“Ap l i cável a regra de transição contida no artigo 142 da Lei nº 8.213/91 aos f i l iados

antes de 24-07-1991 (AC nº 2005.04.01.011127-8 – TRF 4ª Região (RS), Relator João

Batista Pinto Silveira, DJU 23/08/2006) “A filiação ao regime da Previdência antes do

advento da Lei 8.213/91, independentemente da perda da qualidade de segurado, exige a

apl i cação da regra transi tór ia es culpida no art . 142 da re f er ida Lei” (TRF4, AC

2001.04.01.063121-9, Sexta Turma, Relator Victor Luiz dos Santos Laus, publicado

em 23/06/2004). “Tendo o demandante sido filiado ao sistema antes da edição da Lei nº

8.213/91, a ele deve ser aplicada, para fins de cômputo da carência necessária à concessão

da aposentadoria, a regra de transição disposta no art. 142 da Lei de Benefícios (AC nº

2003.70.00.001404-0, 5ª Turma (PR), Relator Celso Kipper, DJU 16/08/2006).

É possível, por conseguinte, a utilização da regra transitória do artigo 142 da Lei

nº 8.213/91 para o cômputo dos períodos de trabalho anteriores à edição da referida

lei, independentemente da perda da qualidade de segurado.

Restou claro, portanto, que à aposentadoria por idade vem sendo aplicado o

princípio da universalidade da cobertura e do atendimento que, com presteza, mostra-

se cumprindo os ditames constitucionais, garantindo aos idosos a devida proteção. O

legislador ordinário reconhece que eles estavam às margens da estrutura previdenciária.

A recusa de concessão do benefício por não exibirem mais a condição de segurados

não atende mais aos instrumentos sociais que vêm sendo traduzidos como um direito

universal do homem.

6.4 OS SUJEITOS DA RELAÇÃO JURÍDICA DE PROTEÇÃO DO

BENEFÍCIO ETÁRIO

Relação jurídica é o vínculo que se estabelece entre duas ou mais pessoas, gerando

direitos e obrigações.

A norma jurídica imputa uma conseqüência a um antecedente, provocando,

conseqüentemente, a instalação de uma relação jurídica.

Carvalho descreve o momento em que surge a relação jurídica como aquele em

que “o Direito enlaça à ocorrência do fato hipoteticamente descrito o surgimento de

um vínculo entre pessoas”212.

212 Teoria da norma tributária, p. 56.

Page 106: A APOSENTADORIA POR IDADE NO REGIME GERAL DE … · a aposentadoria por idade no regime geral de previdÊncia social adriane bramante de castro ladenthin mestrado em direito previdenciÁrio

9 7

Em se tratando de normas que visam a proteção previdenciária, a relação jurídica

está imperiosamente instaurada, gerando, como conseqüência, a incidência da norma

jurídica reguladora da conduta humana, que na sua estrutura formal ou lógica é

composta de duas partes: a hipótese, ou descritor, e o conseqüente, ou prescritor213.

Horvath Jr. elenca os elementos fundamentais que integram a relação jurídica

previdenciária:

• sujeito ativo – o titular ou beneficiário principal da relação;

• sujeito passivo – o devedor da prestação principal;

• vínculo de atributividade – elemento capaz de ligar uma pessoa a outra, muitas

vezes de maneira recíproca ou complementar, mas sempre de forma objetiva;

• objeto – a razão de ser do vínculo constituído;

• fato propulsor – acontecimento dependente ou não da vontade humana, a que

a norma jurídica concede a qualidade de criar, modificar ou extinguir direitos.

Dentro do Regime Geral de Previdência Social estudado, identificamos duas

relações jurídicas distintas: uma relacionada ao custeio, em que, de um lado, tem-se

como sujeito ativo (credor) o Estado, representado pela Secretaria da Receita

Previdenciária (SRP)214, e como sujeito passivo (devedor) o contribuinte; a outra, uma

relação jurídica protetiva, em que, de um lado, tem-se como sujeito ativo (credor) o

segurado ou seu dependente e como sujeito passivo o Instituto Nacional do Seguro

Social (INSS).

Pastor215 denomina essa relação jurídica de seguridade social de teoria escisionista

ou unilateral, vendo-a geograficamente representada por duas linhas paralelas, em que

as relações jurídicas não se inter-relacionam, não havendo nenhum sinal sinalagmático

entre ambas.

A relação jurídica que nos interessa neste trabalho é a de proteção, sendo que

utilizaremos apenas uma das linhas paralelas identificadas pelo autor espanhol.

Nessa relação jurídica, o Estado cumpre papel fundamental, integrando-se num

dos pólos, como sujeito passivo da relação jurídica de proteção, representado pelo

Instituto Nacional do Seguro Social.

213 Salário-maternidade, p. 80.

214 Órgão criado pela Lei nº 11.098, de 13 de janeiro de 2005.

215 Derecho de la Seguridad Social, p. 127.

Page 107: A APOSENTADORIA POR IDADE NO REGIME GERAL DE … · a aposentadoria por idade no regime geral de previdÊncia social adriane bramante de castro ladenthin mestrado em direito previdenciÁrio

9 8

Na qualidade de ente gestor, o INSS tem a obrigação, o dever de cumprir o seu

papel protetivo, buscando imprimir instrumentos e mecanismos diversos para que a

proteção social seja eficaz e eficiente.

No outro pólo da linha paralela, numa condição de hipossuficiente, há o sujeito

ativo, titular do direito subjetivo à prestação previdenciária.

Esse sujeito de direito ou ‘pessoa’ deve, necessariamente, ser pessoa física,

evidentemente porque a norma jurídica previdenciária, no âmbito das prestações, não

abarca a pessoa jurídica.

Na visão de Kelsen, pessoa física “correspondente ao homem individual é a

personificação, isto é, a expressão unitária personificada das normas que regulam a

conduta de um homem”216.

Para que esse sujeito ativo faça jus aos benefícios e serviços da Previdência Social,

é necessário que haja um elemento fundamental: a incidência do risco social. Ainda

que ele tenha vertido contribuições ao sistema previdenciário, este não lhe permite

receber nenhuma prestação sem que o risco social tenha lhe causado um dano e,

conseqüentemente, uma necessidade de proteção.

Buscando a definição desses sujeitos no direito comparado, diante da incipiente

doutrina pátria, Pastor os define como sujeitos protegidos:

Es la expressión sujetos protegidos la que parece más adecuada, porque indica

exactamente la función que cumple el sujeto en la relación jurídica de seguridad social:

ostenta un derecho genérico a la protección frente al Estado, que tiene un correlativo

deber genérico de protección.217

Na aposentadoria por idade do trabalhador urbano, temos como sujeito ativo:

o homem que tenha atingido 65 anos de idade ou a mulher que tenha alcançado 60

anos, detendo o direito à cobertura social pelo atingimento da ‘idade avançada’; como

sujeito passivo temos o Instituto Nacional do Seguro Social, que possui o dever jurídico

de dar a devida proteção previdenciária ao sujeito ativo que a requereu.

Entre os sujeitos protegidos encontram-se todos aqueles que estejam ou

estiveram filiados218 à Previdência Social, como segurados obrigatórios (empregado219,

216 Teoria pura do Direito, p. 88.

217 Derecho de la Seguridad Social, p. 242.218 Note-se que indicamos como sujeitos protegidos mesmo aqueles não mais filiados ao RGPS, pois a qualidade de segurado

não é mais condição para a obtenção do benefício etário, sendo necessário apenas carência e idade mínima legal, conformejá explicitado no item anterior.

219 O empregado está definido no artigo 11, inciso I, alínea ‘a’ da Lei nº 8.213/91.

Page 108: A APOSENTADORIA POR IDADE NO REGIME GERAL DE … · a aposentadoria por idade no regime geral de previdÊncia social adriane bramante de castro ladenthin mestrado em direito previdenciÁrio

9 9

empregado doméstico220 , contribuinte individual221, trabalhador avulso222 ) ou como

facultativos223.

Todos esses sujeitos têm direito à proteção previdenciária da aposentadoria por

idade, bastando cumprir os requisitos de idade mínima e carência, dispostos nos artigos

48 e 142 da Lei nº 8.213/91.

Outra possibi l idade de concessão de aposentadoria por idade, após o

cumprimento da carência exigida, conferida a partir da data do início do benefício a ser

modificado, é por meio de solicitação, pelo segurado, da transformação de aposentadoria

por invalidez ou auxílio-doença em aposentadoria por idade224.

As vantagens da referida solicitação encontram-se na possibilidade de o segurado

poder voltar ao mercado de trabalho (caso esteja apto para tal) e também por ser

desnecessário submeter-se às constrangedoras perícias médicas habituais para a

manutenção do benefício por incapacidade.

Temos, portanto, como sujeitos da relação jurídica de proteção, de um lado, o

INSS, responsável pela proteção previdenciária, e, de outro, o segurado(a), credor(a)

do benefício devido pelo Estado.

6.5 DO OBJETO DA RELAÇÃO JURÍDICA DE PROTEÇÃO

A Previdência Social tem como propósito fundamental proporcionar proteção

àqueles que foram atingidos pelos riscos sociais indicados no artigo 201, inciso I do

Mandamento Constitucional de 1988, quais sejam: doença, inval idez, morte,

desemprego, reclusão, idade avançada, idade inferior a 14 anos, maternidade. O risco

social que nos interessa é a ‘velhice’, ou ‘idade avançada’, como o legislador constituinte

preferiu cognominar.

Pastor225 define o objeto da relação jurídica de proteção como constituído por

atos administrativos pelos quais se verifica o controle subjetivo dos sujeitos protegidos

220 O empregado doméstico “é aquele que presta serviço de natureza contínua a pessoa ou família, no âmbito residencialdesta, em atividades sem fins lucrativos” (artigo 11, inciso II da Lei nº 8.213/91).

221 São contribuintes individuais todos aqueles elencados nas alíneas ‘a’ a ‘h’ do inciso V do artigo 11 da Lei nº 8.213/91.222 Trabalhador avulso é aquele que presta serviços de natureza urbana ou rural a diversas empresas, sem fins lucrativos (artigo

11, inciso VI, da Lei nº 8.213/91)223 Segurado facultativo é aquele que, não exercendo nenhuma atividade remunerada, deseje voluntariamente contribuir para

a Previdência Social para dispor de seus benefícios e serviços.224 Referida possibilidade encontra-se autorizada pelo Decreto nº 3.948/99, artigo 55, cuja redação é a seguinte: “A aposentadoria

por idade poderá ser decorrente da transformação de aposentadoria por invalidez ou auxílio-doença, desde que requeridapelo segurado, observado o cumprimento da carência exigida na data do início do benefício a ser transformado”.

225 Derecho de la Seguridad Social, p. 265.

Page 109: A APOSENTADORIA POR IDADE NO REGIME GERAL DE … · a aposentadoria por idade no regime geral de previdÊncia social adriane bramante de castro ladenthin mestrado em direito previdenciÁrio

100

pelo sistema de seguridade social contributivo, dado que este não se estende à totalidade

da população ativa do país.

O objeto da relação jurídica entre o sujeito ativo (protegido) e o sujeito passivo

(protetor) é a materialização da cobertura das necessidades sociais àqueles sujeitos

atingidos pela contingência social. É a entrega da prestação pecuniária ao sujeito ativo

da relação jurídica prestacional.

Como estamos tratando de um benefício específico, o objeto dessa relação é a

própria prestação previdenciária da aposentadoria por idade.

O legislador infraconstitucional, seguindo a legislação previdenciária desde o

seu surgimento, em 1960, destinou prestação pecuniária específica àqueles que atingissem

certa idade, concedendo-lhes aposentadoria, com o objetivo de proporcionar-lhes maior

tranqüilidade no momento em que suas funções vitais não responderiam mais com a

mesma rapidez que nos tempos de vida laborativa intensa.

Havendo o pagamento da prestação pecuniária, estará sendo dada a pretensa

proteção àquele que alcançou a chamada ‘idade avançada’ ou foi atingido pela ocorrência

do critério material, que é o risco social propriamente dito.

O pagamento dessa prestação visa principalmente garantir a esse sujeito uma

‘indenização’ pela ‘necessidade social’ que a incapacidade de continuar seu labor lhe

causou.

Todos226 serão atingidos pelo risco da velhice, mas se esta puder ser combatida

economicamente com meios mais favoráveis de subsistência, será possível se

proporcionar uma vida mais tranqüila e mais digna a essas pessoas. Elas poderão contar

com uma prestação pecuniária que substituirá o ‘defeito de ingresso’ causado pela

impossibilidade presumida de trabalhar.

De acordo com o pensamento de Assis227, protegendo um indivíduo, estaremos

protegendo toda a sociedade das mazelas sociais que, indubitavelmente, incidirão sobre

todos nós. Assim, cada qual tem sua quota de proteção para que, no momento da

ocorrência dessa necessidade social, possa albergar-se no sistema previdenciário.

Esse é o objetivo não só da Previdência Social, mas de todo o Sistema de

Seguridade Social, para o qual deve rumar toda a sociedade.

226 Todos, exceto aqueles que foram atingidos por outros riscos sociais imprevisíveis ou ainda não tiveram direito às demaismodalidades de aposentadorias programáveis.

227 Em busca de uma concepção moderna de risco social, p. 157.

Page 110: A APOSENTADORIA POR IDADE NO REGIME GERAL DE … · a aposentadoria por idade no regime geral de previdÊncia social adriane bramante de castro ladenthin mestrado em direito previdenciÁrio

101

6.6 O NASCIMENTO DO BENEFÍCIO ETÁRIO URBANO

O direito à aposentadoria por idade ocorre no momento em que o segurado ou

ex-segurado cumpre os requisitos exigidos por lei, ou seja, idade mínima de 65 anos, se

homem, ou 60 anos, se mulher, e carência de 180 contribuições mensais ou seu

cômputo por meio da tabela de transição do artigo 142 da Lei nº 8.213/91.

Havendo descrição hipotética de um fato, quando este concretamente ocorre,

surge a obrigação prestacional228.

Para que o a norma incida efetivamente, é preciso que o segurado solicite o

benefício junto ao INSS, não sendo reconhecido o direito de ofício. É necessário

demonstrar a incidência do risco.

O segurado deve comprovar a ocorrência do risco para que o ente autárquico

possa deferir-lhe o benefício. Nesse caso específico, a comprovação da ocorrência do

risco se dará com a certidão de registro civil de nascimento ou casamento, mostrando

que a pessoa atingiu a idade mínima exigida para a concessão da prestação.

Ibrahim 229 trata de forma bem ampla as maneiras de comprovar a idade para

obtenção do benefício:

a) Certidão de Registro Civil de Nascimento ou de Casamento, que mencione a

data ou apenas o ano do nascimento ou simplesmente a idade, desde que se

evidencie, inequivocamente, possuir o segurado a idade exigida;

b) título declaratório de nacionalidade brasileira (segurados naturalizados),

certificado de reservista e carteira ou cédula de identidade policial;

c) qualquer outro documento que, emitido com base no Registro Civil de

Nascimento ou Casamento, não deixe dúvida quanto à sua validade para essa prova.

Além disso, é necessário que o segurado apresente a comprovação do número

mínimo de contribuições, para demonstrar o cumprimento integral dos requisitos

exigidos pelo benefício etário.

Essa comprovação é efetuada por meio da Carteira Profissional (CP) ou da

Carteira de Trabalho e Previdência Social (CTPS), pelos carnês de contribuição, caso

o segurado os tenha, ou ainda por outros documentos que possam comprovar a

contribuição previdenciária no período mínimo exigido pela legislação.

228 Direito Previdenciário para concursos públicos, p. 68.

229 Curso de Direito Previdenciário, p. 470.

Page 111: A APOSENTADORIA POR IDADE NO REGIME GERAL DE … · a aposentadoria por idade no regime geral de previdÊncia social adriane bramante de castro ladenthin mestrado em direito previdenciÁrio

102

A data exata em que irá iniciar a sua proteção será determinada da seguinte

forma, conforme preceitua o artigo 49 da Lei nº 8.213/91:

a) Se for segurado empregado, trabalhador avulso ou empregado doméstico e se

houver o desligamento deste segurado da empresa ou entidade a ela equiparada,

havendo solicitado o benefício dentro do prazo de noventa dias contados a partir

da data em que se desligou, o nascimento da proteção será o dia seguinte à data

do desligamento.

b) Se for segurado empregado, trabalhador avulso ou empregado doméstico e se

houve a solicitação do benefício após noventa dias contados a partir da data em

que se desligou, o direito à proteção nasce na data em que fez a respectiva

solicitação junto ao INSS, ou seja, a data da entrada do requerimento.

c) Não havendo desligamento algum do emprego, o direito à proteção nasce na

data em que foi solicitado o benefício junto ao órgão previdenciário.

d) Para os demais segurados (contribuinte individual e facultativo), o direito à

proteção nascerá na data da solicitação do benefício junto ao ente autárquico.

Assim, para receber a proteção previdenciária é necessário que o segurado

demonstre seu interesse. O direito pode até já existir, mas para exercê-lo é imprescindível

que seja buscado. Só então, a partir do requerimento do benefício, é que o direito será

efetivamente exercitado.

6.7 DO DESENVOLVIMENTO

A partir do momento em que é requerido o benefício, a Previdência Social tem

o prazo de quarenta e cinco dias para, em tese, analisar a documentação apresentada,

conforme estabelece o artigo 41, parágrafo 3º da Lei nº 8.213/91230 .

Verificadas as condições necessárias à obtenção do benefício, este poderá ser

concedido, encaminhando-se comunicação ao segurado com todas as informações sobre

a concessão, tais como valor da renda mensal inicial, cálculo discriminado do salário

de benefício, alíquota, órgão pagador e demais indicadores necessários231 .

230 Parágrafo 3º: “O 1º.(primeiro) pagamento de renda mensal do benefício será efetuado até 45 (quarenta e cinco) dias apósa data da apresentação pelo segurado da documentação necessária a sua concessão.” (Redação da Lei nº 11.430 de 26 dedezembro de 2006 – DOU de 27/12/2006).

231 Estabelece o artigo 155 do Decreto nº 3.048/99 que: “Será fornecido ao beneficiário demonstrativo minucioso das importânciaspagas, discriminando-se o valor da mensalidade, as diferenças eventualmente pagas, com o período a que se referem, e osdescontos efetuados”.

Page 112: A APOSENTADORIA POR IDADE NO REGIME GERAL DE … · a aposentadoria por idade no regime geral de previdÊncia social adriane bramante de castro ladenthin mestrado em direito previdenciÁrio

103

A prestação é paga sob a forma de pecúnia, por meio de bancos conveniados

com a autarquia previdenciária. É facultado ao sujeito protegido ainda o depósito do

pagamento em conta bancária232.

Caso o segurado não tenha cumprido os requisitos essenciais para a proteção

previdenciária, ou apresente documentação incompleta, o benefício será indeferido,

sendo-lhe encaminhada comunicação por carta detalhada que indicará os motivos que

levaram a Previdência Social à recusa.

Nesse caso, o segurado tem o direito de interpor recurso ao Conselho de Recursos

da Previdência Social, no prazo de trinta dias, a contar da data em que tomou ciência

do indeferimento, conforme preceitua o artigo 305, parágrafo 1º do Decreto nº 3.048/

99, com redação dada pelo Decreto nº 4.729, de 10 de junho de 2003233.

Havendo reforma da decisão denegatória pelos órgãos do Conselho de Recurso

da Previdência Social (Junta de Recursos do CRPS ou Câmara de Julgamento), o

benefício retorna à agência de origem para ser concedido. Caso, em última instância

(Câmara de Julgamento), o indeferimento seja mantido, esgotam-se as possibilidades

administrativas de recursos, cabendo ao segurado somente o caminho do Poder

Judiciário, se oportuno.

O segurado em gozo de aposentadoria por idade que voltar a exercer atividade

abrangida pelo Regime Geral de Previdência Social somente fará jus a salário-família e

reabilitação profissional, evidentemente, quando esse retorno se der na condição de

empregado ou trabalhador avulso.

6.8 DA EXTINÇÃO

Quando ocorre a morte do segurado, o benefício é extinto, encerrando-se a

proteção previdenciária específica àquele segurado.

O óbito deve ser comunicado à entidade gestora, que providenciará a baixa no

benefício respectivo.

O benefício previdenciário é direito personalíssimo e intransferível. No caso de

morte do segurado instituidor, para ser transmitido aos dependentes é necessário que

232 Artigo 166 do Decreto nº 3.048/99: “Os benefícios poderão ser pagos mediante depósito em conta corrente bancária emnome do beneficiário”.

233 É de trinta dias o prazo para interposição de recursos e para o oferecimento de contra-razões, contados da ciência e dainterposição do recurso, respectivamente.

Page 113: A APOSENTADORIA POR IDADE NO REGIME GERAL DE … · a aposentadoria por idade no regime geral de previdÊncia social adriane bramante de castro ladenthin mestrado em direito previdenciÁrio

104

estes se habilitem, de modo que, verificado o cumprimento das condições específicas

do benefício familiar, possam fazer jus a ele.

Nasce, nesse caso, uma nova prestação, a partir da ocorrência de outro risco

social, com sujeitos diferentes e características distintas, não podendo ser confundidos

com o benefício pago diretamente ao beneficiário.

6.9 DA RESCISÃO DO CONTRATO DE TRABALHO PELA APOSENTAÇÃO

Era condição imprescindível à concessão da aposentadoria, fosse por idade ou

por tempo de serviço, o desligamento das atividades remuneradas abrangidas pela

Previdência Social urbana.

O requerente da aposentadoria por velhice que exerce mais de uma atividade

remunerada abrangida pela Previdência Social urbana deve desl igar-se

concomitantemente de todas elas para fazer jus ao benefício.234

Concomitantemente, a Consolidação das Leis do Trabalho, art igo 453,

estabelecia (e ainda estabelece) como uma das causas de extinção do contrato de

trabalho a aposentadoria espontânea:

No tempo de serviço do empregado, quando readmitido, serão computados os períodos,

ainda que não contínuos, em que tiver trabalhado anteriormente na empresa, salvo se

houver sido despedido por falta grave, recebido indenização legal ou se aposentado

espontaneamente. (grifo nosso)

Dessa forma, tanto a legislação previdenciária quanto a trabalhista seguiam a

mesma esteira, determinando que a aposentadoria necessariamente extinguiria o

contrato de trabalho.

À época, a autarquia previdenciária expedia uma ‘carta de desligamento’, que o

segurado levava à empresa onde trabalhava, e esta, por sua vez, providenciava a baixa

do contrato de trabalho. Com a baixa, o INPS (como ainda era chamado o órgão

gestor) concedia o benefício. Nada impedia, no entanto, que o empregado fosse

readmitido no emprego, haja vista que não tinha se aposentado por invalidez.

234 Wagner Balera traz o informativo histórico da exigência de desligamento prévio para a concessão de aposentadoriaespontânea: “A primitiva regra do direito brasileiro, inscrita na Lei Orgânica da Previdência Social (Lei nº 3.807, de 23 deagosto de 1960), exigia o desligamento do segurado do seu trabalho. Todavia, com o advento da Lei nº 6.887, de 10 dedezembro de 1980, resultou modificado o preceituado na Lei nº 5.890, de 1973, e foi criada a possibilidade jurídica deaposentadoria sem rompimento da relação laboral. Posteriormente, norma insculpida na Lei nº 6.950, de 1981, retomavaa exigência de rompimento do vínculo laboral, com conseqüente restauração da regra primitiva estampada na Lei Orgânicada Previdência Social” (Revista de Direito Social, n. 20, p. 15).

Page 114: A APOSENTADORIA POR IDADE NO REGIME GERAL DE … · a aposentadoria por idade no regime geral de previdÊncia social adriane bramante de castro ladenthin mestrado em direito previdenciÁrio

105

A Lei nº 8.213/91 não fez nenhuma menção à exigência de desligamento do

empregado como condição para a concessão do benefício da aposentadoria. Entendeu-

se, portanto, que a relação jurídica trabalhista entre trabalhador e empresa estaria

absolutamente desvinculada da relação jurídica prestacional entre trabalhador e

Previdência Social.

Houve pretensa intenção de inserir no Plano de Benefícios da Previdência Social

a extinção do vínculo empregatício nas edições iniciais da Medida Provisória nº 1.523,

de 11 de outubro de 1996: “Art. 148. O ato de concessão de benefício de aposentadoria

importa extinção do vínculo empregatício”.

No entanto, referido preceito foi revogado pela lei conversora, nº 9.528, de

1997, que não recepcionou a respectiva extinção.

Esse fato, contudo, tem gerado muita discussão, dando margem a entendimentos

divergentes, em que uns concordam que a aposentadoria rescinde o contrato de trabalho

por conta do artigo 453 da Consolidação das Leis do Trabalho e que, portanto, a

partir da aposentadoria se iniciaria um novo contrato de trabalho, e outros entendem

tratar-se de relações jurídicas distintas.

Posicionando-se favoravelmente à extinção do contrato de trabalho pela

aposentadoria, Carrion assim se manifesta: “A aposentadoria extingue naturalmente o

contrato de trabalho, quando requerida pelo empregado (assim também Magano)”.235

Nessa mesma esteira, Balera236 entende que a legislação previdenciária deve ser

reformada para incluir a exigência de rompimento do vínculo laboral como pressuposto

para a concessão da aposentadoria, para que novos postos de trabalho sejam criados.

Para o autor, o objetivo da aposentadoria é a substituição do salário do

trabalhador e, na medida em que este, aposentado, continua trabalhando, o objetivo

deixa de ter eficácia, pois o benefício acaba sendo uma segunda renda, fugindo aos

preceitos para o qual a proteção securitária foi criada.

Como conseqüência desse entendimento, a multa fundiária referente ao período

anterior à jubilação não seria devida ao empregado. Assim sendo, a continuidade do

empregado no emprego após a aposentação geraria uma ‘readmissão’ e uma automática

renovação do contrato de trabalho, sendo devida a multa fundiária somente para o

período a partir da ‘nova admissão’ contratual.

235 Comentários à Consolidação das Leis do Trabalho, p. 303.

236 Revista de Direito Social, n. 20, p. 14 e 17.

Page 115: A APOSENTADORIA POR IDADE NO REGIME GERAL DE … · a aposentadoria por idade no regime geral de previdÊncia social adriane bramante de castro ladenthin mestrado em direito previdenciÁrio

106

Embora favorável à extinção do contrato de trabalho, Horvath Jr.237 menciona

os principais argumentos para justificar que a aposentadoria não extingue o contrato

de trabalho:

a) A relação jurídica laboral e a previdência são dist intas. A atual legislação

previdenciária não estabelece como pré-requisito para a concessão da aposentadoria

a necessidade de afastamento do vínculo laboral;

b) A Constituição tutela o direito do trabalho sem restrições de qualquer natureza;

c) A aposentadoria é faculdade subjetiva de quem preenche os requisitos previstos em

lei, não exigindo o sistema a partir da Lei 8.213/91 o afastamento do emprego.

Nosso sistema não veda a continuidade da prestação de serviços após a aposentadoria,

nem expressamente prescreve que o ato de concessão de benefício de aposentadoria

importa em extinção do vínculo empregatício. A Medida Provisória nº 1.523, de

12/12/96, que deu nova redação ao art. 148 da Lei 8.213/91, estabelecendo que o

ato de concessão do benefício de aposentadoria importava extinção do vínculo

empregatício, teve curta duração, já que este dispositivo foi eliminado quando da

terceira reedição da MP em tela. O art. 148 foi revogado pela Lei 9.528, de 10/12/97.

Há duas ações diretas de inconstitucionalidade a respeito, nos 1.721-3 e 1.770-4,

sendo concedida medida liminar a esta última, entendendo os ilustres magistrados que

seria inconstitucional considerar que a aposentadoria espontânea rescinde o contrato

de trabalho se a legislação previdenciária nada dispõe a respeito e também pelo fato de

que a ruptura do vínculo estaria infringindo a proteção do trabalho e a garantia ao

recebimento dos benefícios previdenciários.

Embora os argumentos dos autores favoráveis à extinção do contrato de trabalho

sejam bastante convincentes, concordamos com a posição de Castro e Lazzari238, que

entendem não ser rescindível o contrato de trabalho pela aposentadoria por dois

motivos:

O primeiro porque, sendo o contrato de trabalho um acordo de vontades, somente

pela manifestação de uma das partes, ou pelo falecimento, ou por força maior, pode-se

dar a ruptura da relação jurídica. O Estado não pode intervir para extinguir contratos

entre particulares, pois aí não chega o poder coercitivo estatal. Em segundo lugar, o

Direito do Trabalho se rege por princípios, dentre os quais o da primazia da realidade

e o da continuidade da relação de emprego.

Durante muito tempo, considerou-se que o direito do trabalho englobava o

direito previdenciário. Este último não existia de maneira autônoma.

237 Direito Previdenciário, p. 189-90.238 Manual de Direito Previdenciário, p. 528.

Page 116: A APOSENTADORIA POR IDADE NO REGIME GERAL DE … · a aposentadoria por idade no regime geral de previdÊncia social adriane bramante de castro ladenthin mestrado em direito previdenciÁrio

107

A partir de 1988, o cenário mudou. A Constituição de 1988, chamada

‘Constituição Histórica’, destinou atenção especial à seguridade social, nunca antes

vista em outra Carta Federal do país.

Como conseqüência, os direitos sociais experimentaram enorme avanço,

demonstrando grande interesse do legislador constituinte no progresso social do país,

principalmente no que tange ao direito do trabalho, e tratando separadamente o direito

previdenciário, reservando um capítulo próprio para tratar dos assuntos da seguridade

social, mas imprimindo ao primado do trabalho sua relevante importância.

A partir daí, o direito previdenciário começou a se desvencilhar cada vez mais e

a se mostrar absolutamente autônomo em relação ao direito do trabalho.

A Lei nº 8.213/91 acompanhou toda essa mudança e deixou a cargo do

trabalhador a decisão de rescindir ou não seu contrato de trabalho no momento de

sua jubilação, já que as relações jurídicas seriam absolutamente distintas.

Rescindir o contrato de trabalho por aposentadoria não estaria mais conforme

os ditames constitucionais do valor social do trabalho e de todo o seu primado.

Concordamos que aposentadoria significa ‘retirar-se para seus aposentos’, a fim

de dar chance aos novos trabalhadores que estão ingressando no mercado de trabalho,

mas essa deve ser uma decisão do trabalhador, e não é retirando-lhe direitos que o

pleno emprego imperará.

Não se pode confundir relação jurídica de natureza trabalhista, cujos sujeitos

são o empregado e o empregador, com relação jurídica de natureza previdenciária,

cujos sujeitos são o segurado (ou dependente) e o INSS.

A Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) foi publicada no ano de 1943. A

redação do artigo 453, portanto, é anterior à Carta Federal de 1988. A evolução dos

direitos sociais nessa Constituição Histórica foi inédita, ressaltando a autonomia do

direito previdenciário em relação ao direito do trabalho.

A Lei nº 8.213/91 acompanha essa evolução e retrata a realidade a partir da

Constituição Federal, no momento em que deixa a cargo dos sujeitos da relação jurídica

trabalhista a decisão de encerrar ou não o contrato de trabalho.

Assim, o artigo 453 da CLT acabou ficando em desconformidade com o

progresso social, mostrando-se incompatível com o texto específico que trata

especialmente da matéria previdenciária em comento.

Page 117: A APOSENTADORIA POR IDADE NO REGIME GERAL DE … · a aposentadoria por idade no regime geral de previdÊncia social adriane bramante de castro ladenthin mestrado em direito previdenciÁrio

108

Ainda que a aposentadoria seja por idade e que haja presunção de incapacidade

laborativa, a rescisão contratual deve ser uma liberalidade entre empregado e

empregador, devendo ao primeiro o pagamento de todas as verbas rescisórias devidas

por ocasião da demissão sem justa causa. O Estado não pode e não deve intervir nessa

relação jurídica.

Assim, a busca do bem-estar social encontra-se no altiplano dos princípios,

sendo, a nosso ver, perfeitamente possível não rescindir o contrato de trabalho do

empregado que se aposenta espontaneamente, devendo ser respeitadas as relações

autônomas entre os sujeitos envolvidos nas relações.

A importância que se dá ao trabalho vem de épocas longínquas. O homem, sem

o trabalho, perde a dignidade. A própria Lei dos Pobres, já mencionada neste trabalho,

objetivava não só assistir aos necessitados, mas principalmente ensinar aos pobres o

trabalho, para que pudessem conseguir o próprio sustento.

Horvath Jr. descreve o desemprego como “a maior tragédia mundial porque

atinge diretamente o indivíduo, destruindo a auto-estima do trabalhador, o induz ao

crime, provoca destruição da família, sendo um elemento desagregador da vida em

sociedade ”239.

Decisão recente, publicada em 14 de outubro de 2005 pelo Supremo Tribunal

Federal no Recurso Extraordinário nº 449.420/PR, cujo relator foi o ministro Sepúlveda

Pertence, teve o seguinte entendimento:

Só há readmissão quando o trabalhador aposentado tiver encerrado a relação de trabalho

e posteriormente iniciado outra; caso haja continuidade do trabalho, mesmo após

aposentadoria espontânea, não se pode falar em extinção do contrato de trabalho e,

portanto, em readmissão.

Além disso, diante da medida liminar que ainda está operando, mantém-se intacto

o contrato de trabalho pela aposentadoria, demonstrando os magistrados lucidez na

busca da valorização merecida do primado do trabalho.

239 Direito Previdenciário, p. 255.

Page 118: A APOSENTADORIA POR IDADE NO REGIME GERAL DE … · a aposentadoria por idade no regime geral de previdÊncia social adriane bramante de castro ladenthin mestrado em direito previdenciÁrio

109

6.10 CÁLCULO DA APOSENTADORIA POR IDADE DO TRABALHADOR

URBANO

O critério quantitativo é aquele que expressa a exata quantia devida240 pelo sujeito

passivo. Refere-se ao quantum que deverá ser pago pelo sujeito passivo da relação

jurídica ao titular do direito subjetivo como cumprimento de uma obrigação prestacional.

São dois os integrantes do critério quantitativo: base de cálculo e alíquota.

Abordaremos a seguir cada um deles, a fim de demonstrar o caminho disposto

pela legislação previdenciária para encontrar o valor pecuniário pago ao segurado

urbano, especificamente na aposentadoria por idade.

6.10.1 Da base de cálculo

Considerando que o objeto da relação jurídica prestacional é a própria prestação

devida pelo sujeito passivo (devedor) ao sujeito ativo (credor), de natureza pecuniária,

faz-se necessário tratar o modelo de cálculo trazido pela legislação previdenciária para

chegar ao exato valor devido ao titular do direito subjetivo.

Ataliba241 ensina que “a base de cálculo é um conceito legal de tamanho; base

calculada é magnitude concreta, é a precisa medida de um fato”.

A base de cálculo da aposentadoria por idade sofreu algumas mudanças ao longo

dos anos.

Tendo iniciado o direito à aposentadoria por ‘velhice’, como era chamada na

época do seu surgimento com a Lei nº 3.807/60, o salário de benefício242 era calculado

pela média das últimas 12 contribuições mensais, dentro do período de até 24 meses.

Com a publicação do Decreto-lei nº 710/69, o salário de benefício passou a ser

calculado pela média das últimas 36 contribuições mensais (corrigindo as 24 mais

antigas), dentro de um período de até 48 meses para as aposentadorias, incluindo a

aposentadoria por idade.

Pouco tempo depois, a Lei nº 5.890/73, regulada pelo Decreto nº 72.771/73,

modificou novamente o cálculo do salário de benefício, desta vez buscando as últimas

240 Direito Previdenciário para concursos públicos, p. 70

241 Hipótese de incidência tributária, p. 113.

242 Entende-se por salário de benefício “o valor básico utilizado para o cálculo da renda mensal dos benefícios de prestaçãocontinuada” (IBRAHIM, Fábio Zambitte – Curso de Direito Previdenciário, p. 436)

Page 119: A APOSENTADORIA POR IDADE NO REGIME GERAL DE … · a aposentadoria por idade no regime geral de previdÊncia social adriane bramante de castro ladenthin mestrado em direito previdenciÁrio

110

48 contribuições mensais (corrigindo as 36 mais antigas), dentro de um período de até

60 meses para as demais aposentadorias, sem excluir a aposentadoria por idade.

Não durou muito tempo essa forma de cálculo. Dois anos depois, a Lei nº

6.210/75 modificou novamente o período básico de cálculo (PBC): passou a ser

calculado o salário de benefício sobre a média das últimas 36 contribuições mensais

(corrigindo as 24 mais antigas), dentro de um período de até 48 meses para as demais

aposentadorias, incluindo a aposentadoria por idade.

A partir da Constituição de 1988, o cálculo dos benefícios previdenciários foi

inserido no artigo 202, determinando que:

É assegurada aposentadoria, nos termos da lei, calculando-se o benefício sobre a média

dos trinta e seis últimos salários de contribuição, corrigidos monetariamente mês a

mês, e comprovada a regularidade dos reajustes dos salários de contribuição de modo

a preservar seus valores reais e obedecidas as seguintes condições...

Entretanto, a legislação infraconstitucional só regulamentou a matéria com a

edição da Lei nº 8.213/91, que inseriu a fórmula de cálculo do salário de benefício das

prestações previdenciárias no artigo 29, em sua redação original, que assim ficou:

O salário de benefício consiste na média aritmética simples de todos os últimos salários

de contribuição dos meses imediatamente anteriores ao afastamento da atividade ou da

data da entrada do requerimento, até o máximo de 36 (trinta e seis), apurados em

período não superior a 48 (quarenta e oito) meses.

Cumpre salientar que, nesse momento histórico, todas as contribuições deveriam

ser corrigidas pelo Índice Nacional de Preços ao Consumidor (INPC), calculado pelo

IBGE, e, no caso das aposentadorias por idade, por tempo de serviço (atual tempo de

contribuição) e especial, havendo menos de 24 meses de contribuições no período

básico de cálculo, o divisor na média do salário de benefício seriam 24 meses.

A grande modificação que ocorreu, em matéria de cálculo do salário de benefício,

veio com a Emenda Constitucional nº 20, de 15 de dezembro de 1998, que retirou da

Constituição Federal , isto é, desconstitucionalizou o cálculo dos benefícios

previdenciários, deixando essa tarefa a cargo da legislação infraconstitucional.

Cumprindo o Mandamento Constitucional, a Lei nº 9.876, de 29 de novembro

de 1999, definiu um novo período básico de cálculo, em que seriam utilizadas todas as

contribuições efetuadas no cálculo do salário de benefício, como veremos adiante.

Page 120: A APOSENTADORIA POR IDADE NO REGIME GERAL DE … · a aposentadoria por idade no regime geral de previdÊncia social adriane bramante de castro ladenthin mestrado em direito previdenciÁrio

111

Como a mudança foi abrupta, criou-se uma regra de transição para aqueles que

já estavam no sistema previdenciário, para que não fossem tão prejudicados.

Com isso, no caso dos que atenderam a todas as condições para ter direito ao

benefício até a véspera da publicação da Lei nº 9.876/99, foi respeitado o direito

adquirido, e o cálculo continuou a ser pela média aritmética dos 36 últimos salários de

contribuição243.

Na regra de transição, incluíram-se aqueles que já se encontravam inscritos no

Regime Geral de Previdência Social, mas as condições necessárias ao benefício só foram

implementadas após a data da publicação da Lei nº 9.876/99, sendo que, para estes, o

cálculo é pela média aritmética simples dos maiores salários de contribuição,

correspondentes a 80 por cento de todo o período contributivo, desde a competência

07/94.

Aos inscritos após a Lei nº 9.876/99, ou seja, depois de 29 de novembro de

1999, não há regra de transição e o cálculo é sobre todo o período contributivo, sendo

facultada a aplicação do fator previdenciário, se mais vantajoso, conforme será visto

em subitem específico.

Assim, desde a Lei nº 9.876/99, o cálculo da aposentadoria por idade do

trabalhador urbano tem sido feito sobre a média aritmética simples dos maiores salários

de contribuição, correspondentes a 80 por cento de todo o período contributivo,

multiplicado pelo fator previdenciário (este aplicado somente como opção nas

aposentadorias por idade, conforme a seguir explanado).

Note-se que o salário de benefício não pode ser inferior ao valor de um salário

mínimo, nem superior ao limite máximo do salário de contribuição244.

No caso de o segurado ter recebido benefícios por incapacidade245 no período

básico de cálculo, os valores recebidos sob esse título serão considerados salários de

contribuição e utilizados para o cálculo do salário de benefício, nos moldes do artigo

29, parágrafo 5º da Lei nº 8.213/91.

Nem a aposentadoria por idade (ou qualquer outra aposentadoria) pode ser

cumulada com auxílio-acidente246, salvo no caso de direito adquirido, mas os salários

243 A definição de salário de contribuição encontra-se no artigo 28 da Lei nº 8.212/91.

244 Conforme prescreve o artigo 29, parágrafo 2º da Lei nº 8.213/91.

245 Benefícios por incapacidade são: auxílio-doença (incapacidade total e temporária) e aposentadoria por invalidez (incapacidadetotal e permanente, insuscetível de reabilitação).

246 Referida vedação de cumulação de auxílio-acidente com qualquer aposentadoria veio a partir da Lei nº 9.528/97, artigo 86,parágrafo 2º, que retirou a natureza vitalícia do benefício acidentário referido, não permitindo cumulá-lo com nenhumaaposentadoria.

Page 121: A APOSENTADORIA POR IDADE NO REGIME GERAL DE … · a aposentadoria por idade no regime geral de previdÊncia social adriane bramante de castro ladenthin mestrado em direito previdenciÁrio

112

de benefício recebidos sob a forma de auxílio-acidente integram os salários de

contribuição no período básico de cálculo, não podendo, entretanto, ultrapassar o

limite legal estabelecido.

A base de cálculo, portanto, da aposentadoria por idade do trabalhador urbano

é o salário de benefício. Para chegar a ele, utiliza-se a média aritmética simples dos

maiores salários de contribuição, correspondentes a 80 por cento de todo o período

contributivo247.

6.10.2 O fator previdenciário e a aposentadoria por idade

Como já foi mencionado no subitem anterior, o fator previdenciário pode ou

não ser aplicado ao cálculo da aposentadoria por idade.

A Lei nº 9.876/99, que alterou o período básico de cálculo, em seu artigo 7º

estabeleceu:

É garantido ao segurado com direito a aposentadoria por idade a opção pela não

aplicação do fator previdenciário a que se refere o art. 29 da Lei nº 8.213, de 1991,

com a redação dada por esta Lei.

O fator previdenciário é uma fórmula, um cálculo atuarial, que engloba idade,

expectativa de sobrevida (conforme tabela divulgada pelo IBGE), tempo de contribuição

e ainda outros índices imutáveis utilizados na fórmula:

onde:

f = fator previdenciário;

Es = expectativa de sobrevida no momento da aposentadoria;

Tc = tempo de contribuição até o momento da aposentadoria;

Id = idade no momento da aposentadoria;

a = alíquota de contribuição correspondente a 0,31.

CÁLCULO DO FATOR PREVIDENCIÁRIO

f = x 1 + Tc x a (Id +Tc x a )Es 100

247 Como já esclarecido nesse subitem, há regra de transição àqueles que estavam inscritos no Regime Geral de PrevidênciaSocial antes da Lei nº 9.876/99, utilizando, portanto, contribuições a partir da competência 07/94.

Page 122: A APOSENTADORIA POR IDADE NO REGIME GERAL DE … · a aposentadoria por idade no regime geral de previdÊncia social adriane bramante de castro ladenthin mestrado em direito previdenciÁrio

113

O fator previdenciário só será vantajoso se o seu resultado for igual ou superior

a um. Caso contrário, ele irá, fatalmente, reduzir o valor do salário de benefício.

Para a aposentadoria por idade, como o fator é opcional, será aplicado somente

se for beneficiar o cálculo do benefício; do contrário, será automaticamente desprezado.

No entanto, embora a legislação previdenciária estabeleça a opção pela aplicação

do fator previdenciário, na prática ela não é utilizada, sendo mister administrativo

conceder ao segurado o benefício que lhe for mais vantajoso.

A título exemplificativo, elaboramos uma simulação do cálculo do salário de

benefício de uma aposentadoria por idade: o segurado teria 37 anos de contribuição e

67 anos de idade. A expectativa de sobrevida foi estimada em 15,9000. Neste caso, o

fator previdenciário resultou em 1,2906, sendo, portanto, um majorador, e não um

redutor do salário de benefício, mostrando-se mais vantajoso; portanto, será a opção

utilizada para a efetiva implantação do salário de benefício.

Outro exemplo: tempo de contribuição de 27 anos e a mesma idade da simulação

anterior, ou seja, 67 anos. Neste caso, o fator previdenciário resultou em 0,9255,

reduzindo o valor do salário de benefício em 8 por cento, aproximadamente, sendo,

portanto, um redutor. Não haverá aplicação do fator previdenciário no cálculo do

salário de benefício, por ser prejudicial ao segurado.

Assim, a aposentadoria por idade poderá ser calculada da seguinte forma:

SB = Msc x f

ou

SB = Msc

onde:

SB = salário de benefício;

Msc = média dos salários de contribuição;

f = fator previdenciário.

Verifica-se, portanto, que não há prejuízo aos segurados que buscam aposentar-

se por idade, no que tange ao cálculo do salário de benefício, demonstrando, assim, a

preocupação do legislador ordinário em dar a esses atores sociais com direito ao

benefício a mais ampla proteção no momento da ocorrência do risco social.

Page 123: A APOSENTADORIA POR IDADE NO REGIME GERAL DE … · a aposentadoria por idade no regime geral de previdÊncia social adriane bramante de castro ladenthin mestrado em direito previdenciÁrio

114

6.10.3 Da alíquota

Após a elaboração de todos os trâmites para chegar ao salário de benefício, o

outro integrante da base de cálculo, definido em forma percentual, é a alíquota.

A alíquota é utilizada após o cálculo do salário de benefício para encontrar a

renda mensal inicial.

Na aposentadoria por ‘velhice’, a Lei Orgânica da Previdência Social (Lops)

estabelecia que essa alíquota seria de 70 por cento do salário de benefício, mais um por

cento a cada grupo de doze contribuições, até o máximo de 30 por cento, não podendo

ultrapassar 100 por cento do salário de benefício.

Com a publicação do Decreto nº 83.080/79, o cálculo mudou um pouco: ficou

nos mesmos 70 por cento, mais um por cento por grupo de doze contribuições, mas

agora o máximo não poderia ultrapassar 25 por cento, até o máximo de 95 por cento,

portanto.

Contudo, a Lei nº 8.213/91 retomou as regras anteriores ao Decreto nº 83.080/

79, e até o momento utiliza-se o cálculo de 70 por cento, acrescido de mais um por

cento a cada grupo de doze contribuições, até o máximo de 30 por cento, não podendo

ultrapassar 100 por cento do salário de benefício.

Vê-se, portanto, que para o cálculo do benefício é utilizada uma alíquota fixa de

70 por cento e uma alíquota variável que depende do número de grupos de doze

contribuições (incluindo nesta conta a carência) que o segurado tiver no momento da

aposentadoria.

Assim, a renda mensal inicial é igual a salário de benefício multiplicado pela

alíquota fixa, mais alíquota variável, ou seja:

RMI = SB x A (% fixa + % variável)

onde:

R M I = renda mensal inicial;

SB = salário de benefício;

A = alíquota, onde A = % fixa (70%) +% variável.

Page 124: A APOSENTADORIA POR IDADE NO REGIME GERAL DE … · a aposentadoria por idade no regime geral de previdÊncia social adriane bramante de castro ladenthin mestrado em direito previdenciÁrio

115

É importante notar que a carência é incluída no cálculo da alíquota, dentro do

período de contribuições, ou seja, se o segurado contribuiu durante 15 anos, sua

alíquota será 70 por cento (fixa) + 15 por cento (variável, conforme o número de

contribuições), resultando um total de 85 por cento . Será sobre esta porcentagem que

se multiplicará o salário de benefício, e o resultado da multiplicação indicará a renda

mensal inicial do benefício.

Fica demonstrada, portanto, a base de cálculo da aposentadoria por idade, sendo

que dela fazem parte o salário de benefício e a alíquota.

Page 125: A APOSENTADORIA POR IDADE NO REGIME GERAL DE … · a aposentadoria por idade no regime geral de previdÊncia social adriane bramante de castro ladenthin mestrado em direito previdenciÁrio

116

CAPÍTULO VII

APOSENTADORIA POR IDADE DO

TRABALHADOR RURAL

7.1 DA IDADE

Bem mais simplificada do que a aposentadoria por idade do trabalhador urbano,

a aposentadoria por idade do trabalhador rural é bastante recente no nosso ordenamento

jurídico.

O trabalhador rural, até a Constituição Federal de 1988, estava excluído do

sistema previdenciário, restando-lhe apenas um benefício assistencial ou integrar-se à

Previdência Social Rural, no caso de empregador ou trabalhador rurais.

O Estatuto do Trabalhador Rural, Lei nº 4.214, de 22 de março de 1963, incluía

obrigatoriamente, como segurados, os trabalhadores rurais, os colonos ou parceiros,

bem como os pequenos proprietários rurais, empreiteiros, tarefeiros e as demais pessoas

físicas que explorassem atividades rurais, com menos de cinco empregados a seu serviço.

O custeio era feito pela contribuição, à base de 8 por cento sobre um mínimo

de três e um máximo de cinco vezes o salário mínimo vigente na região.

O referido estatuto criou o Fundo de Assistência e Previdência do Trabalhador

Rural, cuja escrituração ficava a cargo do Instituto das Aposentadorias e Pensões dos

Industriários (IAPI), cuidando distintamente da contabilidade deste, sendo sua receita

Page 126: A APOSENTADORIA POR IDADE NO REGIME GERAL DE … · a aposentadoria por idade no regime geral de previdÊncia social adriane bramante de castro ladenthin mestrado em direito previdenciÁrio

117

depositada no Banco do Brasil S/A, sob o título Fundo de Assistência e Previdência

do Trabalhador Rural, à ordem do IAPI.

Os benefícios do segurado rural eram: auxílio-doença, aposentadoria por

invalidez ou aposentadoria por velhice.

A Lei nº 4.214/63, que criou o Estatuto do Trabalhador Rural, foi revogada

pela Lei nº 5.889/73, após já ter sido publicada a Lei Complementar nº 11/71.

A Lei Complementar nº 11, de 1971, instituiu o Programa de Assistência ao

Trabalhador Rural (Prorural), criando o Fundo de Assistência ao Trabalhador Rural

(Funrural), diretamente subordinado ao ministro do Trabalho e Previdência Social da

época e ao qual era atribuída personalidade jurídica de natureza autárquica.

O Funrural seria responsável pela concessão de alguns benefícios aos

trabalhadores rurais, dentre eles, a aposentadoria por velhice.

Conforme a referida Lei Complementar, o trabalhador rural era definido como

a pessoa física que prestava serviço de natureza rural a empregador, mediante

remuneração de qualquer espécie; ou aquele produtor, proprietário ou não, que, sem

empregado, trabalhava na atividade rural, individualmente ou em regime de economia

familiar, assim entendido o trabalho dos membros da família, indispensável à própria

subsistência e exercido em condições de mútua dependência e colaboração.

A aposentadoria por velhice do trabalhador rural consistia numa prestação

mensal equivalente a 50 por cento do salário mínimo de maior valor no país, e a idade

mínima necessária para fazer jus ao benefício eram 65 anos de idade completos.

Os recursos para o custeio do Prorural provinham da contribuição de 2 por

cento devida pelo produtor sobre o valor comercial dos produtos rurais ou da

contribuição de que tratava o artigo 3º do Decreto-lei nº 1.146, de 31 de dezembro de

1970, a qual foi elevada para 2,6 por cento, cabendo 2,4 por cento ao Funrural.

A Súmula 21248 do Tribunal Superior do Trabalho determinava aos empregadores

agrícolas que despedissem seus empregados a partir do momento em que se

aposentassem por idade pelo Funrural.

248 Súmula nº 21 do Tribunal Superior do Trabalho: “O empregado aposentado tem direito ao cômputo do tempo anterior àaposentadoria, se permanecer a serviço da empresa ou a ela retornar” (cancelada pela Resolução TST 4/94).

Page 127: A APOSENTADORIA POR IDADE NO REGIME GERAL DE … · a aposentadoria por idade no regime geral de previdÊncia social adriane bramante de castro ladenthin mestrado em direito previdenciÁrio

118

A Lei Complementar nº 16/73, em seu artigo 3º249, aboliu essa exigência,

permitindo ao trabalhador rural aposentado por idade a manutenção do seu contrato

de trabalho, não constituindo, tampouco, justa causa para a dispensa.

Pouco tempo depois, a Lei nº 6.439, de 1 de setembro de 1977, instituiu o Sistema

Nacional de Previdência e Assistência Social (Sinpas) e extinguiu o Funrural:

Art. 27. Concluída a implantação definitiva do Sinpas, nos termos do art. 33250, ficarão

extintos o Ipase e o Funrural, transferindo-se de pleno direito seus bens, direitos e

obrigações para as entidades a que, na forma desta lei, são atribuídas suas atuais

competências.

A Lei nº 6.439/77 foi regulamentada pelo Decreto nº 83.080, de 24 de janeiro

de 1979, com os seguintes programas de Previdência Social Rural:

I – Programa de Assistência ao Trabalhador Rural – o chamado Pro-Rural, instituído

pela Lei Complementar nº 11, de 25 de maio de 1971, com as alterações da Lei

Complementar nº 16, de 30 de outubro de 1973.

II – Benefícios por acidentes de trabalho para o trabalhador rural, instituídos pela Lei

nº 6.195, de 19 de dezembro de 1974.

III– O amparo previdenciário instituído pela Lei nº 6.179, de 11 de dezembro de 1974.

IV– O regime de previdência social instituído para o empregador rural e seus

dependentes pela Lei nº 6.260, de 6 de novembro de 1975251.

A aposentadoria por velhice era concedida somente ao trabalhador rural (e não

à trabalhadora) que completasse 65 anos de idade, sendo cabível à mulher apenas se

fosse chefe252 ou arrimo de família de unidade familiar253, num valor único de 50 por

cento do maior salário mínimo do país.

249 Art. 3º “A aposentadoria por idade concedida ao trabalhador rural, na forma da mencionada Lei Complementar nº 11 e suaregulamentação, não acarreta a rescisão do respectivo contrato de trabalho, nem constitui justa causa para a dispensa”.

250 O artigo 33 assim se encontrava grafado: “O Poder Executivo baixará o regulamento desta Lei e tomará providências paraa organização das novas entidades, a reformulação das remanescentes e a liquidação das extintas, com declaração daextinção de sua personalidade jurídica, a fim de que o Sinpas seja efetivamente implantado até 1º de julho de 1978”.

251 Conforme redação do artigo 274 do Decreto nº 83.080/79.252 O artigo 297 traz o conceito de chefe da unidade familiar:

a) o cônjuge do sexo masculino, ainda que casado apenas segundo o rito religioso, sobre o qual recai a responsabilidadeeconômica pela unidade familiar;

b) o cônjuge do sexo feminino, nas mesmas condições da letra ‘a’, quando dirige e administra os bens do casal, nos termosdo artigo 251 do Código Civil, desde que o outro cônjuge não receba aposentadoria por velhice ou invalidez;

c) o cônjuge sobrevivente ou aquele que, em razão de divórcio, separação judicial, desquite ou anulação do casamentocivil, tem filhos menores sob sua guarda;

d) a companheira, quando cabe a ela a responsabilidade econômica pela unidade familiar.253 O inciso III do artigo 297 do Decreto nº 83.080/79 estabelece que: arrimo da unidade familiar, na falta do respectivo chefe,

é o trabalhador rural que faz parte dela e a quem cabe, exclusiva ou preponderantemente, o encargo de mantê-la,entendendo-se igualmente nessa condição a companheira, se for o caso, desde que o seu companheiro não recebaaposentadoria por velhice ou invalidez.

Page 128: A APOSENTADORIA POR IDADE NO REGIME GERAL DE … · a aposentadoria por idade no regime geral de previdÊncia social adriane bramante de castro ladenthin mestrado em direito previdenciÁrio

119

Com a Carta Federal de 1988, houve a unificação dos sistemas urbano e rural,

observada a necessária equivalência e uniformidade dos benefícios e serviços a esses

trabalhadores, por força do artigo 194, parágrafo único, inciso II da Carta Magna, já

mencionado neste trabalho.

Toda a Constituição Federal de 1988 tratou de equiparar, de forma igualitária,

os direitos de trabalhadores urbanos e rurais. A exemplo disso, o caput do artigo 7º

está assim grafado: “São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros

que visem à melhoria de sua condição social...”.

O texto original da Constituição Federal de 1988, em seu artigo 202, inciso I,

trazia também a uniformidade do direito previdenciário aos trabalhadores urbanos e

aos trabalhadores rurais, em relação à aposentadoria por idade, especificamente:

I – aos sessenta e cinco anos de idade, para o homem, e aos sessenta, para a mulher,

reduzidos em cinco anos o limite de idade para os trabalhadores rurais de ambos

os sexos e para os que exerçam suas atividades em regime de economia familiar,

neste incluído o produtor rural, o garimpeiro e o pescador artesanal.

Observa-se que o artigo constitucional mencionado traz duas categorias de

trabalhadores diferentes: na primeira parte, os trabalhadores rurais; na segunda parte,

os segurados especiais, que exercem atividades em regime de economia familiar.

Ressalte-se que o benefício ainda era exclusivo do homem, não se estendendo o

direito às trabalhadoras rurais, salvo se comprovassem ser chefes ou arrimo de família.

A igualdade formal entre homens e mulheres disposta no caput do artigo 5º da

Constituição Federal fez mudar esse conceito, não sendo mais possível continuar a

conceder benefício rural apenas ao trabalhador.

Nesse sentido, o Supremo Tribunal Federal254 não considerou o artigo 202, inciso

I, auto-aplicável e, para tanto, estabeleceu a seguinte situação: antes da Lei nº 8.213/

91, seria devido benefício rural somente ao homem e excepcionalmente à mulher,

254 EMENTA: EMBARGOS DE DIVERGÊNCIA. AUTO-APLICABILIDADE DO ART. 202, INCISO I, DACONSTITUIÇÃO FEDERAL. RURÍCOLA. APOSENTADORIA POR IDADE. Manifesta a divergência com os acórdãosproferidos nos Mandados de Injunção n

os 183 e 306, recebem-se os embargos de divergência para proclamar a não-auto-

aplicabilidade do art. 202, inciso I, da Constituição Federal. Aplicação do entendimento firmado pelo Plenário do SupremoTribunal Federal no julgamento do EVRE 175.520. Embargos conhecidos e providos. Não-conhecimento do recursoextraordinário. (RE-EDv 164683 / RS – RIO GRANDE DO SUL, EMB. DIV. NO RECURSO EXTRAORDINÁRIO,Relator(a): Min. ILMAR GALVÃO, Julgamento: 17/03/1999, Órgão Julgador: Tribunal Pleno, Publicação: DJ 19-04-2002 PP-00066 EMENT VOL-02065-04 PP-00695).

APOSENTADORIA – TRABALHADOR RURAL. Na dicção da ilustrada maioria, entendimento em relação ao qualguardo reservas, o preceito do inciso I do artigo 202 da Constituição Federal não se fez auto-aplicável. Precedentes: AgravoRegimental em Recurso Extraordinário nº 152.428-7/SP e Agravo Regimental em Recurso Extraordinário nº 152.431-7/SP,ambos por mim relatados e julgados pelo Pleno em 5 de fevereiro de 1997, respectivamente. (RE 256463 / RS – RIOGRANDE DO SUL, RECURSO EXTRAORDINÁRIO, Relator(a): Min. MARCO AURÉLIO, Julgamento: 14/03/2000 Órgão Julgador: Segunda Turma, Publicação: DJ 04-08-2000 PP-00038 EMENT VOL-01998-12 PP-02574).

Page 129: A APOSENTADORIA POR IDADE NO REGIME GERAL DE … · a aposentadoria por idade no regime geral de previdÊncia social adriane bramante de castro ladenthin mestrado em direito previdenciÁrio

120

desde que chefe ou arrimo de família; a partir da Lei nº 8.213/91, o direito aos benefícios

e serviços passou a ser estendido aos demais integrantes do grupo familiar255.

Assim, com o objetivo de regulamentar a matéria trazida pela Constituição

Federal de 1988, a Lei nº 8.213/91 traz dois artigos para indicar o direito à

aposentadoria por idade a essa categoria de trabalhadores: artigos 39 e 48.

No artigo 39, a aposentadoria por idade será concedida especificamente aos

segurados especiais:

Para os segurados especiais, referidos no inciso VII do artigo 11 desta Lei, fica garantida

a concessão:

I – de aposentadoria por idade ou por invalidez, de auxílio-doença, de auxílio-reclusão

ou de pensão, no valor de 1 (um) salário mínimo, desde que comprove o exercício

de atividade rural, ainda que de forma descontínua, no período imediatamente

anterior ao requerimento do benefício, igual ao número de meses correspondentes

à carência do benefício requerido.

O artigo 48 passou a regular o direito previdenciário dos trabalhadores rurais,

estendendo o benefício à mulher, de forma igualitária ao homem. Fixou o direito ao

benefício aos trabalhadores rurais empregados, eventuais e avulsos, exigindo a idade

de 55 anos para a mulher e de 60 anos para o homem para ter direito a ele:

A aposentadoria por idade será devida ao segurado que, cumprida a carência exigida

nesta Lei, completar 65 (sessenta e cinco) anos de idade, se homem, ou 60 (sessenta), se

mulher, reduzidos esses limites para 60 e 55 anos de idade para os trabalhadores rurais,

respectivamente homens e mulheres, referidos na alínea ‘a’ do inciso I e nos incisos IV

e VII do artigo 11.

Sem dúvida nenhuma, a Constituição Federal de 1988 promoveu enorme

progresso social ao país, passando a reconhecer aos trabalhadores que aqui laboraram

(e ainda laboram) os mesmos direitos, sem discriminá-los em razão da natureza da

filiação, se urbana ou rural.

255 Carlos Alberto Pereira de Castro e João Batista Lazzari também assim se posicionam: “a) a aposentadoria do trabalhadorrural por idade, no regime precedente à Lei nº 8.213/91, somente é devida ao homem, e, excepcionalmente, à mulher, desdeque esteja na condição de chefe ou arrimo de família, nos termos do art. 297 do Decreto nº 83.080/79; b) a partir da Lei nº8.213/91, esse benefício foi estendido aos demais integrantes do grupo familiar (cônjuges ou companheiros, filhos maioresde 14 anos ou a eles equiparados), nos termos do art. 11, VII, da mencionada lei; c) para a mulher obter o benefício da Leinº 8.213/91, precisava comprovar ser chefe de família ou cabeça-de-casal”.

Page 130: A APOSENTADORIA POR IDADE NO REGIME GERAL DE … · a aposentadoria por idade no regime geral de previdÊncia social adriane bramante de castro ladenthin mestrado em direito previdenciÁrio

121

7.2 DA QUALIDADE DE SEGURADO DO TRABALHADOR RURAL

A qualidade de segurado era requisito exclusivo da Previdência Social, não sendo

exigida do trabalhador rural quando este recebia o benefício de natureza assistencial.

Com sua inclusão no sistema previdenciário, passou a estar sujeito aos ditames

da legislação que o regulamentou.

Entretanto, como seus direitos previdenciários somente foram estabelecidos com

a Lei nº 8.213/91, não havia como exigir qualidade de segurado de quem não se exigia

contribuição ou nem mesmo lhe era permitido contribuir.

Conhecendo a condição precária do trabalho rurícola, a legislação não poderia

exigir do trabalhador rural os mesmos requisitos de quem já estava no sistema desde o

seu surgimento.

Não existe nenhum preceito legal que indique a qualidade de segurado

especificamente do trabalhador rural ou do segurado especial.

Seria possível reconhecer a esses trabalhadores a aplicação do artigo 15 da Lei

nº 8.213/91, que define os prazos para a manutenção da qualidade de segurado, pois o

referido artigo diz apenas segurados, não especificando se apenas urbanos ou também

rurais.

Se assim fosse entendido, a inexigibilidade de qualidade de segurado trazida pela

Lei nº 10.666/03 para aposentadoria por idade se aplicaria também a essa categoria de

trabalhadores, pois não há nenhuma menção de que estes estariam excluídos da referida

regra.

No entanto, uma leitura atenta do artigo 48, parágrafo 2º da Lei nº 8.213/91

permite concluir que, nesses casos, a qualidade de segurado se faz necessária:

Para os efeitos do disposto no parágrafo anterior [aposentadoria por idade dos

trabalhadores rurais], o trabalhador rural deve comprovar o efetivo exercício de

atividade rural, ainda que de forma descontínua, no período imediatamente anterior

ao requerimento do benefício, por tempo igual ao número de meses de contribuição

correspondente à carência do benefício pretendido. (observação nossa)

Verifica-se que, para fazer jus à aposentadoria por idade, o trabalhador rural

tenha que comprovar o exercício da atividade rural, no período imediatamente anterior

ao requerimento do benefício, o que significa que deve estar filiado ao sistema para a

obtenção da prestação pretendida.

Page 131: A APOSENTADORIA POR IDADE NO REGIME GERAL DE … · a aposentadoria por idade no regime geral de previdÊncia social adriane bramante de castro ladenthin mestrado em direito previdenciÁrio

122

Não será concedido o benefício se o trabalho exercido pelo rurícola, ainda que

de forma descontínua, não obedecer ao critério temporal indicado no preceito legal

como condição para fazer jus a ele.

Concordamos com Savaris, que entende que “não será possível a obtenção da

aposentadoria mínima prevista nos arts. 39 e 143 da Lei 8.213/91 sem que o rurícola

detenha a condição de segurado (empregado, contribuinte individual ou especial) ao

tempo em que completou o requisito etário ou ao tempo em que formulou o

requerimento administrativo”256.

Especificamente com relação ao trabalhador rural, não há como entender a

inexigibilidade de qualidade de segurado, se lhe é imprescindível comprovar o exercício

da atividade rural no período imediatamente anterior à data do requerimento.

Caso esse segurado tenha completado a idade requerida há alguns anos e

comprove o exercício da atividade rurícola nos anos que imediatamente antecederem a

implementação do requisito etário, não há como negar-lhe o benefício. Não é necessário

que comprove a atividade rural na data do requerimento. Neste caso, mais uma vez, o

segurado deverá comprovar sua filiação e, portanto, sua qualidade de segurado na época

da implementação dos pressupostos necessários e que, portanto, já se incorporaram

ao patrimônio jurídico do trabalhador, sendo o benefício considerado direito adquirido.

Ao contrário, aquele que tenha exercido atividade rural e deixou de fazê-lo ou

migrou para atividade urbana não fará jus à benesse do benefício etário, submetendo-

se, neste último caso, ao regramento da aposentadoria dos trabalhadores urbanos.

Assim, não é reconhecido o direito à aposentadoria por idade aos trabalhadores

rurais se não há comprovação de atividade rural no período imediatamente anterior

ao requerimento, salvo nos casos de direito adquirido, como destacado acima.

Diferentemente, dos trabalhadores urbanos não é exigida a qualidade de

segurados, não sendo necessário que estejam exercendo atividade urbana para fazer

jus ao benefício etário. Basta-lhes o cumprimento do tempo mínimo de contribuições

correspondente à carência do benefício e a idade mínima necessária, enquanto no caso

dos trabalhadores rurais, ao completarem a idade mínima, é imprescindível que estejam

exercendo a atividade rural no período imediatamente anterior ao requerimento do

benefício e, portanto, que detenham a qualidade de segurados.

256 Direito em foco, p. 29. O autor ainda colaciona uma decisão proferida pela 1ª Turma Recursal de Goiás, Processo nº200235007004303/GO, Relatora Juíza Maria Divina Vitória, j. 06/08/2002, DJ 14/08/2002, cuja tese entende que a “concessãoda aposentadoria por idade independentemente da qualidade de segurado não se aplica aos trabalhadores rurais”. Emsentido contrário, o eminente jurista colaciona decisão proferira pela 10ª Turma do Egrégio Tribunal Regional Federal da3ª Região, Relator Juiz Sérgio Nascimento, na AC 00003990571218/SP, j. 18/01/2003, DJ 23/01/2004, entendendo que “atese de que a aposentadoria por idade como trabalhador rural não exige o preenchimento simultâneo de tais requisitos, naforma do art. 3º, § 1º, da Lei 10.666/03”.

Page 132: A APOSENTADORIA POR IDADE NO REGIME GERAL DE … · a aposentadoria por idade no regime geral de previdÊncia social adriane bramante de castro ladenthin mestrado em direito previdenciÁrio

123

Incluem-se na mesma regra os segurados especiais, pois a mesma condição para

fazer jus ao benefício etário indicada no artigo 48, parágrafo 2º, também o traz o artigo

39 da Lei nº 8.213/91, ou seja, comprovar o exercício de atividade rural, ainda que de

forma descontínua, no período imediatamente anterior ao requerimento do benefício.

Tanto dos trabalhadores rurais como dos segurados especiais é exigida filiação

ao Regime Geral de Previdência Social, comprovando ser necessária a qualidade de

segurado para o direito à aposentadoria por idade.

7.3 DA CARÊNCIA

Tendo em vista a recente inclusão do trabalhador rural no sistema previdenciário,

não há como exigir dele carência no período que antecedeu à inclusão.

A carência, para o trabalhador urbano, é considerada levando-se em conta o

número de contribuições efetivamente recolhidas, sendo que, para contribuinte

individual e facultativo, é contada a partir da primeira contribuição sem atraso,

enquanto, para os demais segurados, considera-se o início do seu cômputo a partir do

momento em que houve a filiação ao Regime Geral de Previdência Social.

A Lei nº 8.212/91, em seu artigo 12, criou a figura do trabalhador rural

empregado (inciso I, ‘a’); do trabalhador rural contribuinte individual eventual (inciso

V, ‘g’); do trabalhador avulso (inciso VI) e do segurado especial (inciso VII).

Considerando tratar-se de segurados obrigatórios, cada um desses trabalhadores

contribui com alíquotas específicas, conforme a categoria de que fazem parte, nos

moldes do Plano de Custeio da Previdência Social (Lei nº 8.212/91).

O artigo 55, parágrafo 2º da Lei nº 8.213/91 assim se encontra grafado:

O tempo de serviço do segurado trabalhador rural, anterior à data de início de vigência

desta Lei, será computado independentemente do recolhimento de contribuições a ele

correspondentes, exceto para efeito de carência, conforme dispuser o Regulamento.

Para esses trabalhadores de quem a contribuição não era exigida antes de 11/

91257, não há que se falar em carência para período anterior à Lei nº 8.213/91. Exige-se

apenas a comprovação de efetivo exercício de atividade rural, ainda que de forma

descontínua, no período imediatamente anterior ao requerimento do benefício, igual

ao número de meses correspondentes à carência do benefício requerido.

257 Embora a Lei nº 8.213/91 tenha sido publicada em 24 de julho de 1991, somente foi regulamentada em 7 de dezembro domesmo ano, com a edição do Decreto nº 357/91, que tornou possível, a partir de então, operacionalizar a legislação e,conseqüentemente, o recolhimento das contribuições previdenciárias dos trabalhadores referidos no mencionado artigo.

Page 133: A APOSENTADORIA POR IDADE NO REGIME GERAL DE … · a aposentadoria por idade no regime geral de previdÊncia social adriane bramante de castro ladenthin mestrado em direito previdenciÁrio

124

Urge ressaltar que, em se tratando de trabalhador rural que assim foi considerado

pelo Estatuto do Trabalhador Rural, Lei nº 4.214/63, o período de trabalho deve ser

contado para efeito de carência diante da exigência de contribuição por parte do

empregador.

Se houve efetivamente contribuições para esse trabalhador rural inserido no

Estatuto do Trabalhador Rural ou mesmo qualificado como tal, não há por que não

considerá-las como carência.

Entretanto, dos demais trabalhadores de quem a contribuição não era exigida,

esse período não pode ser chamado de carência.

Tendo a legislação previdenciária, Lei nº 8.213/91, definido, em seu artigo 24, a

carência como um número mínimo de contribuições mensais indispensáveis para que

o beneficiário faça jus ao benefício, não pode considerar que o trabalhador rural ou o

segurado especial tenham que comprovar carência para período anterior a 11/91, em

que não havia exigência legal de contribuição.

Como a carência é um pressuposto para obtenção de todos os benefícios

programáveis, o trabalhador rural não poderia ficar de fora dessa regra. No entanto,

também não seria cabível exigir-lhe carência para período pretérito, se a legislação

anterior não a exigia.

A fim de solucionar essa questão, foi criada uma regra de transição para os

trabalhadores rurais, entre eles incluído o segurado especial, permitindo-lhes o direito

à aposentadoria por idade durante quinze anos a contar da data da publicação da Lei

nº 8.213/91:

Art. 143. O trabalhador rural ora enquadrado como segurado obrigatório no Regime

Geral de Previdência Social, na forma da alínea ‘a’ do inciso I, ou do inciso IV ou VII

do art. 11 desta Lei, pode requerer aposentadoria por idade, no valor de um salário

mínimo, durante quinze anos, contados a partir da data de vigência desta Lei, desde

que comprove o exercício de atividade rural, ainda que descontínua, no período

imediatamente anterior ao requerimento do benefício, em número de meses idêntico à

carência do referido benefício. (Redação dada pela Lei nº 9.063, de 14.6.95)258

Para o trabalhador rural ou segurado especial obter, portanto, o direito à

aposentadoria por idade, deve ser verificada a mesma tabela de transição trazida pelo

artigo 142 da Lei nº 8.213/91 utilizada para a aposentadoria por idade do trabalhador

258 O inciso IV está revogado pela Lei nº 9.876/99. O prazo de 15 anos foi prorrogado por mais dois anos, conforme MedidaProvisória nº 312, de 19 de julho de 2006, DOU de 20/7/2006, convertida na Lei nº 11.368, de 9 de novembro de 2006, DOU10/11/06.

Page 134: A APOSENTADORIA POR IDADE NO REGIME GERAL DE … · a aposentadoria por idade no regime geral de previdÊncia social adriane bramante de castro ladenthin mestrado em direito previdenciÁrio

125

urbano, já transcrita neste trabalho, e que também faz menção expressa de seu uso

para o trabalhador e o empregador rural cobertos pela Previdência Social Rural.

Entretanto, diferentemente do trabalhador urbano que precisa comprovar tempo

mínimo de contribuições, a tabela de transição do artigo 142 da Lei nº 8.213/91 é

utilizada apenas como embasamento para que o trabalhador rural ou o segurado especial

possa saber qual será o tempo mínimo de exercício de atividade rural que deverá

comprovar.

Fortes e Paulsen entendem tratar-se de uma “espécie de carência mensal cumprida

como tempo de serviço rural, mesmo que a ela não corresponda, mensalmente, o

recolhimento de contribuição”259.

Na medida em que não é necessário comprovar tempo de contribuição, mas

tão-somente exercício de atividade rural, não há que se falar em carência.

Exemplificando: um trabalhador rural requereu a aposentadoria por idade em

1996. Buscando o ano de 1996 na tabela de transição do artigo 142 referido, verifica-se

que são exigidas, para esse ano, 90 contribuições mensais. Dessa forma, esse segurado

deve comprovar atividade rural nos 90 meses anteriores à data do requerimento junto

ao ente autárquico, o qual se deu em 1996.

É necessário frisar, portanto, que a regra de inexigibilidade de carência é

exclusivamente para a concessão de aposentadoria por idade do trabalhador rural ou

segurado especial para período anterior a 11/91, com prazo determinado para a extinção

dessa regra de transição, que expirará em 25 de julho de 2008, conforme prorrogação

dada pela Lei nº 11.368, de 9 de novembro de 2006.

Para período posterior a 12/91, em relação ao trabalhador rural empregado,

eventual ou contribuinte individual, como a contribuição passou a ser exigida

compulsoriamente (artigo 25 da Lei nº 8.212/91), faz-se necessário comprovar tempo

mínimo de contribuição correspondente à carência do benefício, ou seja, 180

contribuições mensais, conforme artigo 25, inciso II da Lei nº 8.213/91.

O segurado especial, entretanto, tanto pode se beneficiar da regra provisória do

artigo 143 como da regra permanente260 trazida pelo artigo 39 da Lei nº 8.213/91,

permitindo ambos os preceitos a aposentadoria por idade, necessitando apenas

comprovar o exercício da atividade rural, ainda que de forma descontínua, no período

imediatamente anterior ao requerimento do benefício, igual ao número de meses

correspondentes à carência do benefício requerido.259 Direito da Seguridade Social, p. 103.260 Simone Barbisan Fortes e Leandro Paulsen definem a regra do artigo 39 e também seu parágrafo único como ‘regra

permanente’ (Direito à Seguridade Social, p. 104).

Page 135: A APOSENTADORIA POR IDADE NO REGIME GERAL DE … · a aposentadoria por idade no regime geral de previdÊncia social adriane bramante de castro ladenthin mestrado em direito previdenciÁrio

126

Para esses segurados especiais, o valor do benefício será sempre de um salário

mínimo. Entretanto, é-lhes facultado contribuir como contribuintes individuais,

possibilitando-lhes um valor de benefício maior que um salário mínimo, mas ainda

assim continuam sujeitos à fórmula de cálculo estipulada no Plano de Custeio da

Previdência Social.

A carência, portanto, não existe para os trabalhadores rurais anteriormente ao

período de 11/91, sendo exigida somente a partir de dezembro de 1991. O artigo 143

da Lei nº 8.213/91 introduziu uma regra de transição para esses trabalhadores, que já

no início da publicação da legislação previdenciária os incluiu como segurados

obrigatórios para que pudessem gozar dos benefícios e serviços previdenciários, os

quais a partir de então passaram a ser reconhecidos.

A regra permanente encontra-se no artigo 39 da Lei nº 8.213/91 e permite a

concessão do benefício etário aos segurados especiais, bastando comprovar exercício

de atividade rural no período imediatamente anterior ao requerimento do benefício.

7.4 OS SUJEITOS DA RELAÇÃO JURÍDICA DE PROTEÇÃO

A partir da Constituição Federal de 1988, o sistema constitucional abarcou os

trabalhadores rurais, igualando-os aos trabalhadores urbanos. Com a promulgação da

lei, eles passaram a integrar o pólo ativo da relação jurídica de proteção previdenciária,

antes exclusiva dos trabalhadores urbanos.

O artigo 11 da Lei nº 8.213/91 define quem são os segurados obrigatórios da

Previdência Social, especificamente de natureza rural:

a) Como empregado, aquele que presta serviço de natureza urbana ou rural.

b) Como contribuinte individual, pode ser enquadrado como trabalhador eventual,

que presta serviço de natureza urbana ou rural a uma ou mais empresas, sem relação

de emprego, ou titular de firma individual rural.

c) Como trabalhador avulso, que presta serviço de natureza urbana ou rural a diversas

empresas, sem vínculo empregatício.

d) Como segurado especial, definido como o produtor, o parceiro, o meeiro e o

arrendatário rural, o pescador artesanal e o assemelhado que exerçam essas atividades

individualmente ou em regime de economia familiar, ainda que com o auxílio eventual

de terceiros, bem como seus respectivos cônjuges ou companheiros e filhos maiores

de quatorze anos ou a eles equiparados, desde que trabalhem, comprovadamente,

com o grupo familiar respectivo.

Page 136: A APOSENTADORIA POR IDADE NO REGIME GERAL DE … · a aposentadoria por idade no regime geral de previdÊncia social adriane bramante de castro ladenthin mestrado em direito previdenciÁrio

127

A Constituição Federal de 1988 tratou de definir uma nova figura de segurado

obrigatório da Previdência Social, denominado segurado especial. É a única categoria

de segurados definida pela Constituição Federal.

O parágrafo 8º do artigo 195 da Carta Magna define o segurado especial como

“o produtor, o parceiro, o meeiro e o arrendatário rurais e o pescador artesanal, bem

como os respectivos cônjuges, que exerçam suas atividades em regime de economia

familiar, sem empregados permanentes...”

Entende-se como regime de economia familiar, conforme preceitua o artigo 11,

parágrafo 1º da Lei nº 8.213/91, “a atividade em que o trabalho dos membros da

família é indispensável à própria subsistência e é exercido em condições de mútua

dependência e colaboração, sem a utilização de empregados”.

Cabe ressaltar que a legislação infraconstitucional extrapola o Texto

Constitucional, ao restringir a não-utilização de empregados, enquanto a Carta Federal

determina simplesmente a utilização de empregados não permanentes.

Nessa esteira, Ibrahim261 observa que “a legislação, de modo indevido, limita o

enquadramento do segurado especial somente àqueles sem empregados, enquanto a

Constituição permite que estes venham a ter empregados, desde que não permanentes,

como os contratados por safra, por exemplo”.

Excluem-se da categoria de segurados especiais: 1) o membro do grupo familiar

que possui outra fonte de rendimento, de qualquer natureza, ressalvados os casos de

dirigente sindical que já estava enquadrado como tal antes da investidura do cargo; de

pensão por morte deixada por segurado especial; e de auxílio-acidente, auxílio-reclusão

e pensão por morte cujo valor seja inferior ou igual ao menor benefício de prestação

continuada; 2) a pessoa física, proprietária ou não, que realiza atividade agropecuária

ou pesqueira por intermédio de preposto, sem o auxílio de empregados.

Esses são os sujeitos protegidos da relação jurídica de proteção social, com direito

à aposentadoria por idade rural, integrando o pólo ativo dessa relação protetiva.

O sujeito ativo da aposentadoria por idade é o segurado obrigatório que tenha

completado 60 anos de idade, se homem, ou 55 anos, se mulher.

No outro extremo está o ente autárquico, a quem compete o dever de dar a

devida proteção sob a forma de benefício, incumbido de tornar possível a garantia

previdenciária àqueles que foram atingidos pela contingência social da ‘idade avançada’.

Nesse outro lado, tem-se o INSS como órgão gestor, que possibilitará ao segurado a

261 Curso de Direito Previdenciário, p. 137.

Page 137: A APOSENTADORIA POR IDADE NO REGIME GERAL DE … · a aposentadoria por idade no regime geral de previdÊncia social adriane bramante de castro ladenthin mestrado em direito previdenciÁrio

128

cobertura necessária do risco da senilidade, participando ao sujeito ativo a prestação

que lhe é devida.

Diante do enquadramento do trabalhador rural e do segurado especial no rol

dos segurados obrigatórios, exclui-se o segurado facultativo, conseqüentemente, dos

sujeitos da relação jurídica protetiva com direito à aposentadoria por idade rural.

7.5 DO OBJETO DA RELAÇÃO JURÍDICA DE PROTEÇÃO

O seguro social tem como objetivo principal dar a devida proteção social àqueles

que dela necessitam.

Berbel262 define o objeto da relação jurídica de proteção como aquele que “mantém

liame com o fato gerador da relação, pois se constitui em meio de saneamento da

situação social representada no fato jurídico, isto é, em forma de cessação da

contingência social que acomete o sujeito ativo da relação”.

Essa proteção deve ocorrer a partir do momento em que o risco social

efetivamente atinge o segurado protegido, retirando-o do estado de necessidade.

A partir da ocorrência do risco social, a proteção se impõe para garantir ao

sujeito ativo o benefício que lhe cobrirá o ‘defeito de ingresso’, causado pela presunção

de incapacidade laborativa em função da ‘idade avançada’.

O objeto, portanto, que dará suporte à cobertura da proteção social será a

prestação previdenciária, que no caso específico é a aposentadoria por idade do

trabalhador rural.

A partir do pagamento desse benefício, estará sendo permitido a esse segurado

que descanse tranqüilamente no seio da família, sendo-lhe oferecido o bem-estar tão

aclamado pela doutrina dos direitos sociais.

Assim, o objeto da relação jurídica de proteção previdenciária do trabalhador

rural é o pagamento da aposentadoria por idade aos que atenderam às condições legais

estabelecidas, quais sejam, idade mínima e comprovação do exercício da atividade rural

no período imediatamente anterior ao requerimento do benefício.

262 Teoria geral da previdência social, p. 227.

Page 138: A APOSENTADORIA POR IDADE NO REGIME GERAL DE … · a aposentadoria por idade no regime geral de previdÊncia social adriane bramante de castro ladenthin mestrado em direito previdenciÁrio

129

7.6 O NASCIMENTO DO BENEFÍCIO ETÁRIO RURAL

A proteção social não surge efetivamente sem que o interessado demonstre

interesse em obter a respectiva proteção, não existindo o nascimento do direito de ofício.

Para tanto, é necessário que expresse seu interesse, solicitando o benefício

perante o ente público, que detém o dever legal de dar-lhe a devida proteção se tiver

cumprido os requisitos mínimos necessários para tal.

No entanto, é imprescindível que o segurado comprove ter sido atingido pelo

risco social que lhe dará direito ao benefício. Neste caso, será preciso utilizar-se dos

meios de prova, tais como Certidão de Registro Civil de Nascimento ou Casamento,

que comprovará sua idade no momento da solicitação do benefício.

Como se faz necessária a comprovação do efetivo exercício de atividade rural,

ela poderá ser feita por intermédio de um dos seguintes documentos:

a) Contrato individual de trabalho ou Carteira de Trabalho e Previdência Social.

b) Contrato de arrendamento, parceria ou comodato rural.

c) Declaração do sindicato de trabalhadores rurais, desde que homologado pelo

INSS.

d) Comprovante de cadastro do Incra, no caso de produtores em regime de economia

familiar.

e) Bloco de notas do produtor rural, entre outros documentos.

São aceitos também como prova documentos contemporâneos, desde que

expedidos à época do exercício do trabalho rural.

Não será admitida prova exclusivamente testemunhal, sendo necessário um início

de prova material, salvo na ocorrência de motivo de força maior ou caso fortuito.

Uma vez formalizada a documentação, a entidade gestora analisará se foram

preenchidos os requisitos necessários exigidos por lei, quais sejam, idade mínima e

comprovação da atividade rural nos meses exigidos, conforme o caso.

O direito à proteção será efetivamente concretizado nas seguintes situações:

a) Se for empregado rural ou trabalhador rural avulso e houver o desligamento

deste segurado pelo empregador rural ou pela entidade a ele equiparada, tendo

Page 139: A APOSENTADORIA POR IDADE NO REGIME GERAL DE … · a aposentadoria por idade no regime geral de previdÊncia social adriane bramante de castro ladenthin mestrado em direito previdenciÁrio

130

solicitado o benefício dentro do prazo de 90 dias a partir desse desligamento, a

proteção nascerá no dia seguinte à data em que se desligou.

b) Se houve a solicitação do benefício após 90 dias contados a partir da data em

que o trabalhador se desligou, o direito à proteção nascerá na data em que fez a

respectiva solicitação junto ao INSS.

c) Não havendo desligamento do emprego, o direito à proteção nascerá na data

em que foi solicitado o benefício junto ao órgão previdenciário.

d) Para os demais segurados (segurado especial, ou contribuinte individual), o

direito à proteção nascerá na data da solicitação junto ao órgão autárquico.

7.7 DO DESENVOLVIMENTO

A partir do momento em que é requerido o benefício, a Previdência Social tem

o prazo de quarenta e cinco dias para analisar a documentação apresentada (artigo 41,

parágrafo 3º, com redação dada pela Lei nº 11.430/06).

Verificadas as condições necessárias à obtenção do benefício, este será concedido,

encaminhando-se comunicação ao segurado, com informações sobre a concessão, tais

como valor da renda mensal inicial, cálculo discriminado do salário de benefício,

alíquota, órgão pagador e demais indicadores necessários.

A prestação é paga sob a forma de pecúnia, por meio de bancos conveniados

com a autarquia previdenciária. É facultado ao sujeito protegido ainda o depósito do

pagamento em conta bancária.

Caso o segurado não tenha cumprido os requisitos essenciais para a proteção

previdenciária ou não tenha apresentado documentação consistente, o benefício será

indeferido, o que lhe será comunicado por carta em que serão detalhados os motivos

que levaram a Previdência Social à recusa.

Nesse caso, o segurado tem o direito de interpor recurso à instância superior,

ou seja, ao Conselho de Recursos da Previdência Social, pelo prazo de trinta dias a

contar da data em que tomou ciência do indeferimento, conforme preceitua o artigo

305 do Decreto nº 3.048/99.

Page 140: A APOSENTADORIA POR IDADE NO REGIME GERAL DE … · a aposentadoria por idade no regime geral de previdÊncia social adriane bramante de castro ladenthin mestrado em direito previdenciÁrio

131

7.8 DA EXTINÇÃO

O benefício previdenciário é direito personalíssimo e intransferível.

Sua extinção ocorre com a morte do segurado, encerrando-se a proteção

previdenciária específica àquele segurado. Existindo dependentes a se habilitarem,

haverá a concessão de outra prestação, com natureza absolutamente distinta do

benefício que o antecedeu.

O óbito deve ser comunicado à entidade gestora, que providenciará a baixa do

benefício.

7.9 DA BASE DE CÁLCULO

Tendo em vista ser a aposentadoria por idade do trabalhador rural um direito

considerado novo, o cálculo do benefício apresenta algumas peculiaridades.

O artigo 143 da Lei nº 8.213/91 determina que a aposentadoria por idade seja

concedida com o valor de um salário mínimo durante o prazo de quinze anos (agora

dezessete anos, em razão da prorrogação desse prazo) contados a partir da publicação

da referida lei.

Assim, como se trata de uma regra de transição, até 25 de julho de 2008 a

Previdência Social concederá aposentadoria por idade no valor único de um salário

mínimo.

O artigo 39 da Lei nº 8.213/91, corroborando o artigo 143, traz outra regra,

desta vez permanente, garantindo aos segurados especiais aposentadoria por idade no

valor de um salário mínimo, sob a condição de comprovarem o exercício de atividade

rural, ainda que de forma descontínua, no período imediatamente anterior ao

requerimento do benefício, igual ao número de meses correspondentes à carência já

indicada.

É interessante notar que o artigo 39 não estabelece prazo para a concessão do

benefício no valor de um salário mínimo, o que permite concluir que, caso o segurado

especial demonstre interesse em aposentar-se por idade, o valor do seu benefício será

sempre da ordem de um salário mínimo, ainda que o prazo indicado no artigo 143

venha a ser expirado, pois poderá ser enquadrado na regra permanente.

Page 141: A APOSENTADORIA POR IDADE NO REGIME GERAL DE … · a aposentadoria por idade no regime geral de previdÊncia social adriane bramante de castro ladenthin mestrado em direito previdenciÁrio

132

É possível, entretanto, que o trabalhador rural, especificamente os segurados

especiais, contribua facultativamente para a Previdência Social. Como tal, contribuirá

como contribuinte individual, já que sua condição é de segurado obrigatório. Esta

faculdade lhe permitirá receber mais de um salário mínimo e, neste caso, será submetido

à fórmula de cálculo estabelecida no Plano de Custeio da Previdência Social.

Para aqueles segurados que fazem jus à aposentadoria por idade rural de valor

mínimo, assim entendidos os segurados especiais, inseridos no artigo 39 da Lei nº

8.213/91, e os trabalhadores rurais, inseridos no artigo 143 da referida lei, não há

salários de contribuição para obter o salário de benefício, sendo que o valor já está

determinado na lei como sendo de um salário mínimo.

Só haverá efetivamente o cálculo do salário de contribuição para períodos

posteriores à Lei nº 8.213/91 quando a contribuição passou a ser compulsória. Se o

trabalhador rural for empregado, avulso ou contribuinte individual, cuja contribuição

é exigida a partir de 11/91, o cálculo será o mesmo do trabalhador urbano.

Com isso, para aqueles que atenderam a todas as condições para receber o

benefício até a véspera da publicação da Lei nº 9.876/99, o cálculo é pela média

aritmética simples dos 36 últimos salários de contribuição263. Como a inclusão dessa

categoria de trabalhadores ocorreu apenas no final de 1991, dificilmente será aplicado

esse cálculo.

Na regra de transição incluem-se aqueles que já estavam inscritos no Regime

Geral de Previdência Social, mas as condições necessárias para o direito ao benefício

só foram implementadas após a data da publicação da Lei nº 9.876/99, sendo que,

para estes, o cálculo é pela média aritmética simples dos maiores salários de contribuição,

correspondentes a 80 por cento de todo o período contributivo desde a competência

07/94.

Aos inscritos após a Lei nº 9.876/99, ou seja, depois de 29 de novembro de

1999, não há regra de transição e o cálculo é sobre todo o período contributivo, sendo

facultada a aplicação do fator previdenciário, se for mais vantajoso.

Assim, desde a Lei nº 9.876/99, o cálculo da aposentadoria por idade do

trabalhador rural tem sido feito sobre a média aritmética simples dos maiores salários

de contribuição correspondentes a 80 por cento de todo o período contributivo,

conforme o artigo 29, inciso I da Lei nº 8.213/91. Ressalte-se que esses cálculos serão

aplicados somente nos casos em que não se tratar de benefícios de valores mínimos.

263 A definição de salário de contribuição encontra-se no artigo 28 da Lei nº. 8.212/91.

Page 142: A APOSENTADORIA POR IDADE NO REGIME GERAL DE … · a aposentadoria por idade no regime geral de previdÊncia social adriane bramante de castro ladenthin mestrado em direito previdenciÁrio

133

7.10 DA ALÍQUOTA

Havendo o cálculo conforme preceitua a Lei nº 9.876/99, a alíquota do benefício

etário rural seguirá a mesma regra do trabalhador urbano, ou seja, alíquota fixa de 70

por cento mais um por cento de alíquota variável a cada ano de atividade rural

comprovada.