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ministrio das relaes eXteriores

Ministro de Estado Secretrio-Geral

Embaixador Antonio de Aguiar Patriota Embaixador Ruy Nunes Pinto Nogueira

fundao aleXandre de gusmo

Presidente Instituto de Pesquisa de Relaes Internacionais Diretor Centro de Histria e Documentao Diplomtica Diretor

Embaixador Gilberto Vergne Saboia

Embaixador Jos Vicente de S Pimentel

Embaixador Maurcio E. Cortes Costa

A Fundao Alexandre de Gusmo, instituda em 1971, uma fundao pblica vinculada ao Ministrio das Relaes Exteriores e tem a finalidade de levar sociedade civil informaes sobre a realidade internacional e sobre aspectos da pauta diplomtica brasileira. Sua misso promover a sensibilizao da opinio pblica nacional para os temas de relaes internacionais e para a poltica externa brasileira.

Ministrio das Relaes Exteriores Esplanada dos Ministrios, Bloco H Anexo II, Trreo, Sala 1 70170-900 Braslia, DF Telefones: (61) 3411-6033/6034 Fax: (61) 3411-9125 Site: www.funag.gov.br

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lus ivaldo villafae gomes santos

A Arquitetura de Paz e Segurana Africana

Braslia, 2011

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Direitos de publicao reservados Fundao Alexandre de Gusmo Ministrio das Relaes Exteriores Esplanada dos Ministrios, Bloco H Anexo II, Trreo 70170-900 Braslia DF Telefones: (61) 3411-6033/6034 Fax: (61) 3411-9125 Site: www.funag.gov.br E-mail: [email protected]

Equipe Tcnica: Henrique da Silveira Sardinha Pinto Filho Fernanda Antunes Siqueira Fernanda Leal Wanderley Juliana Corra de Freitas Mariana Alejarra Branco Troncoso Programao Visual e Diagramao: Juliana Orem

Impresso no Brasil 2011 Santos, Lus Ivaldo Viallafae Gomes. A arquitetura de paz e segurana africana / Lus Ivaldo Villafae Gomes Santos. Braslia: Fundao Alexandre de Gusmo, 2011. 204 p. ISBN: 978.85.7631.320-5 1. Tenso Internacional (frica). 2. Movimento pela Paz. 3. Conflitos Africanos. CDU 327.5(6) Ficha catalogrfica elaborada pela Bibliotecria Sonale Paiva CRB /1810

Depsito Legal na Fundao Biblioteca Nacional conforme Lei n 10.994, de 14/12/2004.

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Lista de Abreviaturas

ACOTA ACPP ACRI AMIB AMIS AMISOM ANC APF APRM APSA ASF BINUCA CCP CEGPL CEMAC CEN-SAD

African Contingency Operations Training and Assistance Program Africa Conflict Prevention Pool African Crisis Response Initiative African Union Mission in Burundi African Union Mission in Sudan African Union Mission in Somalia African National Congress African Peace Facility African Peer Review Mechanism African Peace and Security Architecture African Standby Force Bureau Integr des Nations Unies pour la Consolidation de la Paix en Rpublique Centrafricaine Comisso de Construo da Paz Communaut conomique des Pays des Grands Lacs Communaut conomique et Montaire de lAfrique Centrale Communaut des tats Sahlo-Sahariens

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CEWS CMD COMESA CPLP CPX CSNU DEAF DITF DPA DPKO EAC EASBRICOM EASF ECCAS ECOWAS ESF FNLA FOMAC FTX GPOI GTZ HSGOC ICU IGAD IOC JEM JMC MAES MAPEX MINURSO MINUSTAH

Continental Early Warning System Conflict Management Division Common Market for East and Southern Africa Comunidade dos Pases de Lngua Portuguesa Command Post Exercises Conselho de Segurana das Naes Unidas Democracy and Electoral Assistance Fund Darfur Integrated Task Force Department of Political Affairs Department of Peacekeeping Operations East Africa Community Eastern Africa Standby Brigade Coordination Mechanism Eastern Africa Standby Force Economic Community of Central African States Economic Community of West African States ECOWAS Standby Force Frente Nacional para a Libertao de Angola Force Multinationale de lAfrique Centrale Field Training Exercises Global Peace Operations Initiative Deutsche Gesellschaft fr Internationale Zusammenarbeit Heads of State and Government Orientation Committee Islamic Courts Union Inter Governmental Authority for Development Indian Ocean Commission Justice and Equality Movement Joint Military Commission Mission dAssistance lectorale et Scuritaire de lUnion Africaine Map Exercises Mission des Nations Unies pour lOrganisation dun Rfrendum au Sahara Occidental Mission des Nations Unies pour la Stabilisation au Haiti

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MONUA MONUSCO MPLA MRU NARC NEPAD NMOG NPCA OAU OLMEE OMIB OMIC ONU ONUB ONUC ONUMOZ OTAN PALOPs PAMPA PLANELM PSD PSOD RECAMP RDC SACU SADC SADCBRIG SML/A SPMU STM TFG UA UE

Mission dObservation des Nations Unies en Angola Mission de lOrganisation des Nations Unies pour la Stabilisation en Rpublique Dmocratique du Congo Movimento Popular de Libertao de Angola Mano River Union Northern Africa Regional Capability New Partnership for Africas Development Neutral Military Observer Group NEPAD Planning and Coordinating Agency Organizao da Unidade Africana OAU Liaison Mission in Ethiopia-Eritrea Observer Mission in Burundi Observer Mission in Comoros Organizao das Naes Unidas Opration des Nations Unies au Burundi Opration des Nations Unies au Congo Opration des Nations Unies au Mozambique Organizao do Tratado do Atlntico Norte Pases Africanos de Lngua Oficial Portuguesa Programa de Apoio s Misses de Paz na frica Planning Element Peace and Security Department Peace Support Operations Division Renforcement des Capacits Africaines de Maintien de la Paix Repblica Democrtica do Congo Southern Africa Customs Union Southern Africa Development Community SADC Standby Brigade Sudan Liberation Movement/Army Strategic Planning and Management Unit UN Standardized Training Modules Transitional Federal Government Unio Africana Unio Europeia

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UEMOA UMA UNAMID UNAVEM UNIOGBIS UNIOSIL UNITA UNMIL UNMIS UNOAU UNOCI UNPOS UNOWA URSS ZANU ZAPU

Union conomique et Montaire Ouest-Africaine Union du Maghreb Arabe United Nations African Union Mission in Darfur United Nations Angola Verification Mission United Nations Integrated Peacebuilding Office in Guinea-Bissau United Nations Integrated Office in Sierra Leone Unio Nacional para a Independncia Total de Angola United Nations Mission in Liberia United Nations Mission in the Sudan United Nations Office to the African Union United Nations Operation in Cte dIvoire United Nations Political Office for Somalia United Nations Office for West Africa Unio das Repblicas Socialistas Soviticas Zimbabwe African National Union Zimbabwe African Peoples Union

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Sumrio

Introduo, 13 Captulo 1 Um continente assolado pela violncia, 17 1.1 O custo humano dos conflitos africanos, 18 1.2 Relao das guerras africanas, 20 1.3 Distribuio temporal e comparaes regionais, 25 Captulo 2 Dinmicas dos conflitos africanos, 29 2.1 A debilidade institucional, 30 2.2 As rivalidades tnicas, 32 2.3 As diferenas religiosas, 34 2.4 Fatores ambientais e a explorao de recursos naturais, 35 2.5 Fatores demogrficos, 39 2.6 A proliferao de armas, 41 Captulo 3 Da Organizao da Unidade Africana Unio Africana, 45 3.1 A criao da Organizao da Unidade Africana, 45 3.2 A questo da diviso territorial da frica, 47 3.3 A ao da Organizao da Unidade Africana no campo da paz e segurana, 49 3.4 Um novo comeo, 52

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3.5 Processos de integrao regional, 57 3.6 A Nova Parceria para o Desenvolvimento da frica, 60 Captulo 4 Fundamentos da Arquitetura de Paz e Segurana Africana, 63 4.1 O Protocolo sobre o Estabelecimento do Conselho de Paz e Segurana, 63 4.2 A Poltica Comum Africana de Defesa e Segurana, 69 4.3 Normas relativas a mudanas inconstitucionais de governo, 70 4.4 A cooperao entre a Unio Africana e os organismos regionais, 73 4.5 A Unio Africana e a responsabilidade de proteger, 76 Captulo 5 A Unio Africana e as misses de apoio paz, 81 5.1 A Misso da Unio Africana no Burundi, 82 5.2 A Misso da Unio Africana no Sudo, 85 5.3 A Misso da Unio Africana na Somlia, 89 5.4 A Misso da Unio Africana em Comores, 93 5.5 O Departamento de Paz e Segurana, 93 Captulo 6 O Painel de Sbios, 97 6.1 Disposies do Protocolo sobre Paz e Segurana, 97 6.2 Modalidades de funcionamento, 98 6.3 Atividades do Painel, 100 6.4 A Unio Africana como instncia de mediao, 104 Captulo 7 O Sistema Continental de Alerta Antecipado, 109 7.1 Disposies do Protocolo sobre Paz e Segurana, 110 7.2 Antecedentes, 111 7.3 Desenvolvimento do Sistema, 112 7.4 Sistemas regionais de alerta antecipado, 116 Captulo 8 A Fora Africana de Pronto Emprego, 121 8.1 Antecedentes, 122 8.2 Disposies do Protocolo sobre Paz e Segurana, 124 8.3 O Arcabouo Poltico, 126 8.4 Evoluo do processo de estabelecimento da Fora Africana de Pronto Emprego, 131

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8.5 Dimenses civil e policial da Fora Africana de Pronto Emprego, 133 8.6 Progressos no nvel regional, 138 8.7 Lacunas no desenvolvimento da Fora Africana de Pronto Emprego, 140 Captulo 9 Outras iniciativas, 145 9.1 O Programa de Fronteiras, 145 9.2 Assistncia eleitoral, 150 9.3 Reconstruo ps-conflito, 154 Captulo 10 Parceiros internacionais da Unio Africana em paz e segurana, 159 10.1 Naes Unidas, 159 10.2 O Relatrio Prodi, 162 10.3 Unio Europeia, 171 10.4 Grupo dos Oito, 172 10.5 Parceiros individuais, 173 10.6 Grupo de Parceiros da Unio Africana, 175 Concluso, 177 Bibliografia, 181

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Introduo

A Arquitetura de Paz e Segurana Africana uma tentativa de resposta dos pases africanos, sob a gide da Unio Africana, ao desafio de controlar os conflitos que cronicamente assolam o continente, provocando elevadas perdas financeiras, materiais e, sobretudo, humanas e aumentando ainda mais os obstculos ao desenvolvimento socioeconmico. A Arquitetura consiste em componentes que visam a cobrir todas as fases de um possvel conflito, desde a atuao preventiva para evitar sua ecloso, a interveno para o estabelecimento de cessar-fogo e a criao de condies para soluo negociada, at as medidas de reconstruo ps-conflito e para impedir a retomada de hostilidades. Sendo o Brasil crescentemente reconhecido pela comunidade internacional como potncia emergente, tende a aumentar o chamamento a que assuma maiores responsabilidades no tratamento das questes de paz e segurana no plano mundial. Em funo da proximidade geogrfica e dos laos histricos que nos unem ao continente africano, este afigura-se naturalmente como palco prioritrio para a atuao brasileira nesse domnio. Nessas circunstncias, o acompanhamento do desenvolvimento do projeto da Arquitetura de Paz e Segurana Africana reveste-se de considervel interesse. O presente trabalho divide-se conceitualmente em trs partes. Os trs primeiros Captulos destinam-se a fornecer o pano de fundo13

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para o restante da obra. Os seis Captulos intermedirios buscam proporcionar exame detalhado dos componentes da Arquitetura de Paz e Segurana Africana. J o Captulo final ocupa-se da questo do apoio externo que se faz necessrio para que a Arquitetura possa alcanar seus objetivos. No Captulo 1 pretende-se ilustrar o impacto da violncia no continente africano, efetuando-se relato sumrio dos principais conflitos ocorridos desde a descolonizao. Ressalte-se que no se trata de fazer anlise aprofundada dos conflitos arrolados, cujo histrico complexo, mas proporcionar uma viso geral da dimenso do problema. O tema do Captulo 2 so as dinmicas dos conflitos africanos. Em que pese cada conflito ter suas caractersticas individuais, determinadas dinmicas reaparecem seguidamente como fator de ecloso de episdios de violncia. O Captulo 3 almeja analisar como a Organizao da Unidade Africana e sua sucessora, a Unio Africana, procuraram contribuir para a manuteno da paz no continente. Pretende-se mostrar como, a partir da fundao da OUA, foram gradualmente evoluindo mecanismos institucionais para prevenir e solucionar conflitos, culminando, com a criao da UA, com a superao do preceito da no interveno pelo da no indiferena. O embasamento jurdico da Arquitetura analisado no Captulo 4, com nfase no papel do Conselho de Paz e Segurana da Unio Africana, homlogo africano do Conselho de Segurana das Naes Unidas. Destaca-se tambm a incorporao do princpio da responsabilidade de proteger aos instrumentos relevantes da UA. O Captulo 5 aborda as misses de paz realizadas sob a gide da Unio Africana no Burundi, Comores, Sudo (Darfur) e Somlia. Procura-se apontar tanto os reais sucessos alcanados como as srias debilidades demonstradas na execuo dessas misses. O Painel de Sbios (Panel of the Wise), focalizado no Captulo 6, uma instituio que resgata a tradio cultural africana do papel mediador e conciliador dos ancies. So analisadas suas modalidades de funcionamento e apresentado relato sumrio de suas atividades at o presente. O Sistema Continental de Alerta Antecipado (Continental Early Warning System) o assunto do Captulo 7. examinada a concepo e14

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introduo

desenvolvimento desse mecanismo de coleta e anlise de informaes, destinado a detectar a iminncia da ecloso de conflitos e assim possibilitar a tomada tempestiva de aes preventivas. A Fora Africana de Pronto Emprego (African Standby Force), brao armado da Arquitetura de Paz e Segurana Africana, vista no Captulo 8. Analisa-se seu processo de constituio, o estgio atual de sua preparao e perspectivas futuras. O Captulo 9 aborda iniciativas da Unio Africana que, se no integram a Arquitetura de Paz e Segurana Africana em sentido estrito, a complementam de maneira significativa. Descreve-se o Programa de Fronteiras da UA, as atividades de assistncia eleitoral da organizao pan-africana e suas iniciativas no que tange reconstruo ps-conflito. No Captulo 10 so examinados os esforos da comunidade internacional em apoio ampliao da capacidade africana de preveno e resoluo de conflitos. Destaca-se o papel desempenhado pelas Naes Unidas Dado que o presente trabalho aborda tema contemporneo, provvel que acontecimentos no futuro prximo tornem algumas das informaes nele constantes desatualizadas. Isso no deve, entretanto, prejudicar o teor geral da obra, que se espera poder constituir subsdio til queles que se interessem pela problemtica da paz e segurana na frica.

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Captulo 1 Um continente assolado pela violncia

Durante as ltimas dcadas, o continente africano tem se destacado pela extenso e intensidade dos conflitos de que palco. Esses conflitos muito contribuem para agravar o j ingente desafio do desenvolvimento econmico, seja pelas perdas materiais e humanas que provocam, seja pelo desvio de recursos escassos para fins militares, seja pela criao de clima de instabilidade que prejudica o empreendedorismo local e o investimento externo. De acordo com estimativa da organizao no governamental Oxfam, as economias africanas sofreram perdas da ordem de US$ 18 bilhes por ano entre 1990 e 2005 em funo de conflitos1. Estima-se que cerca de dois teros da pauta do Conselho de Segurana das Naes Unidas sejam dedicados a temas africanos. Em janeiro de 2011, o Departamento de Operaes de Manuteno de Paz da ONU (Department of Peacekeeping Operations DPKO) mantinha misses de manuteno da paz na Cte dIvoire (UNOCI), na Libria (UNMIL), na Repblica Democrtica do Congo (MONUSCO), no Saara Ocidental (MINURSO) e no sul do Sudo (UNMIS). A estas cabe agregar a misso hbrida das Naes Unidas e Unio Africana na regio do Darfur do Sudo (UNAMID) e a misso da UA na Somlia (AMISOM). O Departamento de Assuntos Polticos da organizao mundial (Department of Political1

Apud CILLIERS, Jakkie. Climate Change, Population Pressure and Conflict in Africa, p. 11. Pretria, Institute for Security Studies, ISS Paper 178, janeiro de 2009.

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Affairs DPA), por sua vez, no mbito de seus esforos de preveno de conflitos, promoo da paz e reconstruo ps-conflito, mantinha, na mesma poca, escritrios ou misses polticas na frica Ocidental (UNOWA), no Burundi (BINUB), em Guin-Bissau (UNIOGBIS), na Repblica Centro-Africana (BINUCA), na Serra Leoa (UNIOSIL) e na Somlia (UNPOS). De forma a proporcionar contexto para o restante do trabalho, o presente captulo tem por objetivo ilustrar as dimenses do problema do conflito armado na frica, sumariando os conflitos de maior envergadura ocorridos aps a Segunda Guerra Mundial. Cabe ter em mente, todavia, que a esses grandes conflitos poder-se-iam agregar numerosos episdios de violncia de menor intensidade e durao, que em seu conjunto cobraram expressivo tributo em vidas. 1.1 O custo humano dos conflitos africanos Aproxidamente 90% das mortes em guerras na dcada de 1990 ocorreram em solo africano. Os dez mais sangrentos conflitos daquela dcada foram, em ordem decrescente: Repblica Democrtica do Congo, Sudo, Ruanda, Angola, Somlia, Zaire, Burundi, Bsnia, Libria e Arglia2. Ou seja, nove entre dez foram africanos. O relatrio de maro de 2005 da Commission for Africa, entidade presidida pelo ento Primeiro-Ministro britnico Tony Blair, intitulado Our Common Interest, afirmava que a frica experimentou mais conflitos violentos que qualquer outro continente nas quatro dcadas anteriores. Na virada do sculo XXI, mais pessoas estariam sendo mortas em consequncia de conflitos na frica do que em todo o resto do mundo3. Os nmeros relativos s mortes resultantes dos conflitos africanos so na melhor das hipteses aproximaes e devem ser encarados com razovel cautela. Sabe-se, entretanto, que a vasta maioria dos mortos constituda por civis, vitimados diretamente por massacres ou indiretamente pela fome ou por doenas, em funo da destruio dasCILLIERS, Jakkie. Partnerships for Peace in Africa. In COELHO, Pedro Motta Pinto e SARAIVA, Jos Flvio Sombra (eds.). Brazil-Africa Forum on Politics, Cooperation and Trade, p. 96. Braslia, Instituto Brasileiro de Relaes Internacionais, 2004. 3 COMMISSION FOR AFRICA. Our Common Interest: Report of the Commission for Africa p. 150. Disponvel em www.uneca.org/commreport.pdf. Acessado em 7 de junho de 2010.2

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estruturas de produo alimentar e de sade, bem como pela deliberada privao de acesso a auxlio humanitrio. Apresenta-se, a seguir, estimativa das mortes nos mais intensos conflitos ocorridos na frica, a partir de 1960: guerras civis no Congo (1960/1965) 110 mil; guerras de libertao contra Portugal (1961/1975) mais de 100 mil; secesso da Eritreia (1965/1991) 450 mil a 1 milho; guerra de Biafra (1967/1970) 1 a 2 milhes; represso interna em Uganda durante o regime de Idi Amin (1971/1979) 500 mil; massacres tnicos no Burundi (1972) 100 a 150 mil; guerra civil em Angola (1975/2002) 300 a 500 mil; guerra civil em Moambique (1976/1992) 450 mil a 1 milho; guerra civil e insurgncia em Uganda (1981 em diante) 100 a 500 mil; segunda guerra civil no Sudo (1983/2005) 500 mil a 1,5 milho; guerra civil na Somlia (1988 em diante) 300 a 400 mil; conflito tnico no Burundi (1988/2005) mais de 100 mil; guerra civil na Libria (1989/2003) mais de 200 mil; guerra civil e genocdio em Ruanda (1990/1994) mais de 800 mil; guerra civil na Serra Leoa (1991/2002) mais de 100 mil; guerra civil na Arglia (1992/1999) 1 milho; guerra civil no Zaire (1996/1997) mais de 200 mil; Grande Guerra Africana na Repblica Democrtica do Congo (1998/2002) mais de 3,5 milhes; guerra entre a Eritreia e a Etipia (1998/2000) mais de 85 mil4. Alm de causar perdas de vidas, os conflitos africanos impactam de outras maneiras as pessoas, particularmente as mais vulnerveis, como mulheres e crianas. Relatrio das Naes Unidas, de julho de 2009, assinalava a ocorrncia de mais de 200 mil casos de violncia sexual na regio oriental da Repblica Democrtica do Congo desde o incio de hostilidades ali em 19965. Persiste tambm o emprego de menores de idade como combatentes. Relatrio das Naes Unidas de abril de 2010 afirmava, por exemplo, haver crescentes provas do amplo recrutamento e utilizao de crianas por todos os contendores no conflito da Somlia6.JACKSON, Richard. Africas Wars: Overview, Causes and the Challenges of Conflict Transformation. In FURLEY, Oliver e MAY, Roy (eds.). Ending Africas Wars: Progressing to Peace, p. 18. Aldershot, Hampshire, Ashgate, 2006. 5 UNITED NATIONS. Report of the Secretary-General pursuant to Security Council Resolution 1820 12. Documento S/2009/362, 15 de julho de 2009. 6 UNITED NATIONS. Children and Armed Conflict: Report of the Secretary-General 117. Documento A/64/742-S/2010/181, 13 de abril de 2010.4

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Recordem-se, ainda, os movimentos de populao provocados pelos conflitos. Segundo clculos da Unio Africana, haveria atualmente 3 milhes de refugiados e 15 milhes de deslocados internos no continente africano7. 1.2 Relao das guerras africanas O Projeto Correlates of War, criado em 1963 pelo Professor J. David Singer, da Universidade de Michigan, tem por objetivo a coleta sistemtica de dados quantitativos sobre as guerras ocorridas desde o fim da Era Napolenica, de forma a subsidiar os esforos de pesquisadores no estudo de conflitos. Os dados apresentados a seguir foram extrados de obra publicada no mbito do Projeto, referente ao perodo 1816/20078. Para fins do Projeto, guerra aquele conflito armado que supere o patamar de mil mortes resultantes de combates por ano, em mdia, ao longo de sua durao. Segundo a metodologia ora utilizada, as guerras so divididas em interestatais, extraestatais, intraestatais e no estatais. As guerras interestatais, que correspondem s guerras no sentido clssico, so definidas como as que envolvem pelo menos um Estado de cada lado como antagonistas principais. Nas guerras extraestatais, um Estado se engaja em combate, alm de suas fronteiras, contra as foras de entidade poltica no estatal, caracteristicamente em guerras coloniais ou imperiais. As guerras intraestatais, abrangendo o espectro das guerras civis, so travadas entre foras armadas organizadas dentro das fronteiras de um Estado. Finalmente, as guerras no estatais, fenmeno incomum no mundo contemporneo, so marcadas por combates entre dois ou mais adversrios, nenhum dos quais um Estado, seja em territrio que no pertence a qualquer Estado, seja ultrapassando as fronteiras de um Estado9. De acordo com os dados do Projeto, ocorreram 81 guerras na frica no perodo aps o final da Segunda Guerra Mundial at7 AFRICAN UNION. Combating the Challenges of Forced Displacement in Africa, p. 2. Adis Abeba, 2009. 8 SARKEES, Meredith Reid e WAYMAN, Frank Whelon. Resort to War: A Data Guide to Inter-State, Extra-State, Intra-State, and Non-State Wars, 1816-2007. Washington, CQ Press, 2010. 9 SARKEES e WAYMAN, op. cit., pp. 40, 61-70.

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2007: 6 interestatais, 10 extraestatais, 62 intraestatais e 3 no estatais. A distribuio percentual apresentada no quadro abaixo. Quadro 1.1 Guerras na frica por categoria 1945/2007

Fonte: Elaborado pelo autor, a partir de SARKEES e WAYMAN op. cit.

As seis guerras interestatais mencionadas so as seguintes: 1) Guerra de Ifni (1957/1958), Marrocos contra Espanha e Frana; 2) Guerra de Angola (1975/1976), Angola e Cuba contra frica do Sul e Repblica Democrtica do Congo (ento Zaire); 3) Fase 2 da Segunda Guerra do Ogaden (1977/1978), Etipia e Cuba contra Somlia; 4) Guerra Ugandesa-Tanzaniana (1978/1979), Tanznia contra Lbia e Uganda; 5) Guerra sobre a Faixa de Aouzou (1986/1987), Chade contra Lbia; e 6) Guerra de Fronteira de Badme (1998-2000), Eritreia contra Etipia10. Cabe notar a presena de antagonistas no africanos em metade desses conflitos. A Guerra de Ifni, relativa ao enclave espanhol naquela regio, assemelhar-se-ia talvez mais s guerras de libertao, abarcadas na categoria extraestatal, como se ver a seguir. Curiosamente, o Projeto inclui a Grande Guerra Africana, de 1998-2002, entre as guerras intraestatais, assinalando como antagonistas a Repblica Democrtica do Congo, Angola, o Chade, a Nambia, o Sudo e o Zimbbue, de um lado, mas no Ruanda, Uganda e o Burundi, do outro11. O Projeto lista dez guerras extraestatais: 1) Terceira Guerra Franco-Malgaxe (1947/1948), 2) Guerra Franco-Tunisiana (1952/1954),10 11

Idem, p. 77. Idem, p. 468.

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3) Guerra Britnico-Mau Mau (1952/1956), 4) Guerra de Independncia do Marrocos (1953/1956), 5) Terceira Guerra Franco-Argelina (1954/1962), 6) Guerra Franco-Camaronesa (1957/1958), 7) Guerra Angolano-Portuguesa (1961/1974), 8) Guerra Moambicano-Portuguesa (1964/1975), 9) Guerra Namibiana (1975/1988) e 10) Guerra do Saara Ocidental (1975/1983)12. Como se v, todos esses conflitos se vinculam ao processo de descolonizao do continente africano. Note-se que o conflito no Zimbbue (ento Rodsia) entre a Frente Patritica, integrada pela Zimbabwe African National Union ZANU, de Robert Mugabe, e pela Zimbabwe African Peoples Union ZAPU, de Joshua Nkomo, e o Governo de minoria branca liderado por Ian Smith, tambm impulsionado pela dinmica de descolonizao, arrolado entre as guerras intraestatais13. Contam-se igualmente como intraestatais as guerras travadas na Eritreia antes da independncia do pas da Etipia, em 1993. A vasta maioria das guerras travadas no continente africano no perodo assinalado foram classificadas como intraestatais: 1) Primeira Guerra da Repblica Democrtica do Congo (1960/1963), 2) Guerra entre Revolucionrios na Arglia (1962/1963), 3) Primeira Guerra do Ogaden (1963/1964), 4) Primeira Guerra do Sul do Sudo (1963/1972), 5) Segunda Guerra da RDC (1963/1965), 6) Primeira Guerra de Ruanda (1963/1964), 7) Terceira Guerra da RDC (1964/1965), 8) Guerra rabe-Africana de Zanzibar (1964), 9) Primeira Guerra de Uganda (1966), 10) Primeira Guerra do Chade (1966/1971), 11) Guerra de Biafra (1967/1970), 12) Ciso da Eritreia (1972/1974), 13) Primeira Guerra do Burundi (1972), 14) Guerra da Rodsia (1972/1979), 15) Guerra Eritreia (1975/1978), 16) Primeira Guerra de Angola (1976/1991), 17) Fase 1 da Segunda Guerra do Ogaden (1976/1977), 18) Fase 3 da Segunda Guerra do Ogaden (1978/1980), 19) Quarta Guerra da RDC (1978), 20) Guerra de Moambique (1979/1982), 21) Segunda Guerra do Chade (1980/1984), 22) Segunda Guerra de Uganda (1980/1986), 23) Guerra Muulmana na Nigria (1980/1981), 24) Guerra Tigreana e Eritreia (1982/1991), 25) Guerra da Matabelndia (1983/1987), 26) Segunda Guerra do Sul do Sudo (1983/2005), 27) Guerra do Movimento do Esprito Santo em Uganda (1986/1987), 28) Guerra entre o Congresso Nacional Africano e o Inkhata (1987/1994), 29) Primeira Guerra da Somlia (1988/91),12 13

Idem, p. 197. Idem, p. 430.

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30) Terceira Guerra do Chade (1989/1990), 31) Primeira Guerra da Libria (1989/1990), 32) Primeira Guerra da Serra Leoa (1991/1996), 33) Guerra Dinka-Nuer no Sudo (1991/1992), 34) Guerra Jukun-Tiv na Nigria (1991/1992), 35) Segunda Guerra da Somlia (1991/1997), 36) Guerra da Frente Islmica Argelina (1992/1999), 37) Segunda Guerra da Libria (1992/1995), 38) Segunda Guerra de Angola (1992/1994), 39) Segunda Guerra do Burundi (1993/1998), 40) Segunda Guerra de Ruanda (1994), 41) Terceira Guerra da Libria (1996), 42) Quinta Guerra da RDC (1996/1997), 43) Terceira Guerra de Ruanda (1997/1998), 44) Primeira Guerra do Congo-Brazzaville (1997), 45) Segunda Guerra da Serra Leoa (1998/2000), 46) Guerra de Guin-Bissau (1998/1999), 47) Grande Guerra Africana (1998/2002), 48) Quarta Guerra do Chade (1998/2000), 49) Terceira Guerra de Angola (1998/2002), 50) Segunda Guerra do Congo-Brazzaville (1998/99), 51) Primeira Guerra Cristo-Muulmana na Nigria (1999/2000), 52) Guerra de Libertao Oromo na Etipia (1999), 53) Guerra da Guin (2000/2001), 54) Terceira Guerra do Burundi (2001/2003), 55) Quarta Guerra de Ruanda (2001), 56) Quarta Guerra da Libria (2002/2003), 57) Guerra Anyuaa-Nuer na Etipia (2002/2003), 58) Guerra da Cte dIvoire (2002/2004), 59) Guerra do Darfur (2003/2006), 60) Segunda Guerra Cristo-Muulmana na Nigria (2004), 61) Quinta Guerra do Chade (2005/2006), 62) Terceira Guerra da Somlia (2006 em diante)14. Por fim, os conflitos no estatais resumem-se a trs: a Revoluo Social de Ruanda (1959/1962), quando, s vsperas da independncia, a maioria Hutu apeou do poder a minoria Tutsi; a Guerra de Guerrilha de Angola (1974/1975), em que, tambm s vsperas da independncia, trs dos movimentos de libertao angolanos, o Movimento Popular de Libertao de Angola MPLA, a Frente Nacional para a Libertao de Angola FNLA e a Unio Nacional para a Independncia Total de Angola UNITA, se enfrentaram pelo controle do poder; e a Guerra Hema-Lendu (1999/2005), travada entre esses dois grupos tnicos na regio fronteiria entre a Repblica Democrtica do Congo e Uganda15. Aps 2007, ademais da continuao de algumas das guerras j mencionadas, irromperam novos conflitos, como a seguir se relata, que devero ser includos em futura atualizao dos dados do Projeto.14 15

Idem, pp. 344-346. Idem, p. 487

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Em dezembro de 2007, realizou-se eleio presidencial no Qunia, marcada por extensas irregularidades. Anunciada a vitria do Presidente Mwai Kibaki, os partidrios do candidato derrotado, Raila Odinga, saram s ruas para protestar, enfrentando dura represso. Gerou-se uma espiral de violncia, com marcadas conotaes tnicas, que teria resultado em entre 800 e 1.500 mortos e de 180 a 250 mil deslocados internos. No final de fevereiro de 2008, o conflito foi solucionado mediante acordo que instituiu governo de coalizo, em que Odinga assumiu o cargo de Primeiro-Ministro. Aps sucessivos adiamentos, tiveram lugar na Cte dIvoire, em outubro de 2010, sob superviso das Naes Unidas, as eleies que haviam sido previstas no acordo que ps termo guerra civil naquele pas. A apurao apontou como vencedor o ex-Primeiro-Ministro Alassane Ouattara, mas a Corte Constitucional, controlada pelo Presidente Laurent Gbago, anulou os votos lanados em regies que haviam predominantemente apoiado o candidato oposicionista, dando o Chefe de Estado marfiniano por reeleito. No tendo sido possvel lograr acordo entre os contendores, tenses crescentes terminaram por degenerar em conflito aberto, provocando entre 1.000 e 1.500 mortes. Os combates findaram em abril de 2011, em consequncia da captura de Gbago por partidrios de Ouattara, apoiados por foras francesas. Em 15 de fevereiro de 2011, na sequncia da ecloso nos vizinhos Egito e Tunsia de movimentos populares que terminaram por levar derrubada dos respectivos Presidentes, tambm na Lbia surgiram manifestaes contra o governo de Muamar Gadafi, no poder desde 1969. Tendo o lder lbio optado por esmagar pela fora os protestos, estes assumiram a feio de luta armada. Estabeleceu-se governo alternativo, o Conselho Nacional de Transio, com sede em Bengazi, configurando situao de guerra civil, que persiste at a concluso do presente trabalho. Cabe assinalar a prestao de apoio areo aos rebeldes pela Organizao do Tratado do Atlntico Norte, com base em Resoluo do Conselho de Segurana das Naes Unidas, que autorizava a tomada de todas as medidas necesrias para proteger civis ou reas por eles habitadas sob risco de ataque16.UNITED NATIONS. Resolution 1973 (2011) operativo 4. Documento S/RES/1973 (2011), 17 de maro de 2011.16

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1.3 Distribuio temporal e comparaes regionais No quadro abaixo, mostra-se a distribuio temporal das guerras africanas entre 1945 e 2007, por ano da ecloso do conflito, conforme os dados do Projeto. Quadro 1.2 Distribuio temporal de guerras africanas 1945/2007

Fonte: Elaborado pelo autor, a partir de SARKEES e WAYMAN op. cit.

A ttulo de comparao entre a situao da frica e do restante do mundo, os quadros a seguir ilustram a distribuio regional das guerras no perodo sob anlise, em nmeros absolutos e em percentuais. Para fins dessa tabulao, o mundo foi dividido em cinco regies: frica, Amricas, sia Ocidental (compreendendo o Oriente Mdio, a sia Central e a sia Meridional), sia Oriental (compreendendo o Sudeste Asitico, Extremo Oriente e Pacfico) e Europa.

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Quadro 1.3 Distribuio regional de guerras em quantidade

Fonte: Elaborado pelo autor, a partir de SARKEES e WAYMAN op. cit.

Quadro 1.4 Distribuio regional de guerras em percentagem

Fonte: Elaborado pelo autor, a partir de SARKEES e WAYMAN op. cit.

O exame dos dados precedentes permite algumas concluses tentativas. Deixando de lado a categoria de guerras no estatais, que, pelo pequeno nmero de ocorrncias, no se presta a ilaes, as cifras acima mostram a frica significativamente frente das demais regies na quantidade de guerras extra e intraestatais e por menor margem no total de guerras, colocando-se em posio intermediria no que tange s guerras interestatais. As guerras extraestatais, vinculadas luta pela independncia, atingiram um auge na dcada de 1950 e reduziram-se nas duas dcadas seguintes. Depois disso, o processo de descolonizao encontrava-se virtualmente concludo, com a possvel exceo do Saara Ocidental. A preponderncia africana em guerras extraestatais pode talvez ser simples reflexo do fato de que mais de quarenta dos26

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atuais pases africanos se encontravam sob o jugo colonial ao final da Segunda Guerra Mundial. Exceto onde havia forte presena de populaes de origem europeia, como na Arglia, na Rodsia e nos domnios coloniais portugueses, o processo de descolonizao foi em geral relativamente pacfico. Na maioria dos casos, a independncia foi outorgada rapidamente e de bom grado, at para a surpresa das populaes locais. As guerras intraestatais, naturalmente, s passaram a ocorrer aps a constituio dos novos Estados africanos, principalmente na dcada de 1960. Merece destaque o fato de que tais guerras foram em geral os mais frequentes, longos e cruentos conflitos no continente africano, por razes que sero abordadas no Captulo seguinte. O frequente uso de nmeros ordinais na relao acima demonstra como as guerras intraestatais tm sido endmicas em determinados pases africanos, registrando-se quatro de tais guerras na Libria, em Ruanda e no Sudo, cinco no Chade e na Nigria, seis na Repblica Democrtica do Congo e oito na Etipia (seis, se descontados os conflitos travados exclusivamente no territrio da atual Eritreia). Alguns desses conflitos estenderam-se por uma dcada ou mais, mesmo tendo em conta a metodologia empregada, que no conta os perodos de relativa trgua, quando o nmero de mortos em combate cai significativamente abaixo do patamar estabelecido: a Primeira Guerra do Sul do Sudo, entre 1963 e 1972; a Primeira Guerra de Angola, entre 1976 e 1991; a Guerra de Moambique, entre 1979 e 1992; e a Segunda Guerra do Sul do Sudo, entre 1983 e 2005. Deve-se recordar que, durante boa parte do perodo sob anlise, as guerras africanas ocorreram sombra do confronto mundial entre os Estados Unidos e a Unio Sovitica. O saldo da Guerra Fria , porm, ambguo: se por um lado as superpotncias forneciam ajuda financeira e meios blicos a seus aliados locais, por outro no raro pareciam cooperar tacitamente para evitar a exacerbao de conflitos em regies secundrias do ponto de vista de seus interesses estratgicos. No seria, assim, talvez coincidncia que a dcada de 1990, aps a derrocada da URSS, tenha-se revelado particularmente mortfera. Dado que a questo das nacionalidades na Europa s foi resolvida, se j o foi, mediante guerras e transferncias de populao que ocorreram por sculos, os Estados africanos tm logrado razovel sucesso na27

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conteno de guerras interestatais17. Comparando-se os mapas da frica e da Europa de 1914 e do presente, v-se que, no primeiro caso, os limites geogrficos receberam nfimas modificaes, enquanto, no segundo, as alteraes so dramticas. Resta ver se essa situao perdurar ou se ter sido fruto da falta de coeso interna e disponibilidade de recursos dos Estados recm-criados, antes que de sua vocao pacfica.

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SPEARS, Ian S. Debating Secession and the Recognition of New States in Africa pp. 42-43. African Security Review, Pretria, vol. 13, no. 2, junho de 2004.

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Captulo 2 Dinmicas dos conflitos africanos

Os conflitos na frica so normalmente resultado da conjugao de uma srie de fatores distintos e cada um tem suas caractersticas prprias. Uma srie de dinmicas comuns, entretanto, tm se manifestado em maior ou menor grau em muitos desses conflitos, merecendo ser detidamente examinadas. No se pretende aqui sustentar uma teoria especfica da gnese dos conflitos, assunto sobre o qual existe forte polmica entre os especialistas. Estes em geral concordam, contudo, em que explicaes monocausais so inadequadas e que o peso a ser atribudo a um ou outro fator de conflito em uma situao especfica difcil de determinar. As dinmicas aqui abordadas no so exclusivas da frica, nem se apresentam uniformemente em todo o continente. possvel encontrar paralelos com situaes ocorridas em outras partes do mundo, seja no presente, seja em outros perodos histricos. tambm possvel encontrar sociedades africanas que parecem, em boa medida, ter escapado ao das dinmicas a seguir arroladas. O Captulo 1 referiu-se s dinmicas da descolonizao e da Guerra Fria, que constituiram elementos importantes de conflitos africanos no passado recente. Com a queda do regime do apartheid na frica do Sul e a dissoluo da Unio Sovitica na dcada de 1990, porm, essas29

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dinmicas tornaram-se praticamente inatuantes, pelo que no sero abordadas neste Captulo. 2.1 A debilidade institucional Tipicamente, as constituies adotadas pelos pases africanos no momento de sua independncia haviam sido redigidas sob a tutela de seus ex-senhores coloniais e, ao contrrio das prticas autoritrias destes, estavam repletas dos princpios idealistas da democracia liberal, com os quais a frica no tinha tido contacto prvio ou experincia. Os regimes construdos sobre essas constituies eram, em essncia, conceitualizaes estrangeiras transplantadas, que no tinham razes nativas e careciam de legitimidade18. Agregue-se a isso a dificuldade em encontrar quadros capacitados para fazer funcionar a mquina do Estado, at mesmo no que concerne s tarefas mais elementares. Estima-se que, poca da independncia, apenas 16% da populao africana adulta era alfabetizada. Na frica subsaariana, ao final da dcada de 1950, havia apenas 8 mil africanos com educao secundria, dentre uma populao de cerca de 200 milhes, e quase metade concentrava-se em dois pases: Gana e Nigria. No mais de 3% da populao em idade escolar completava a educao secundria. Poucos dos novos pases contavam com mais de 200 estudantes universitrios. Somente um tero da populao em idade escolar frequentava a escola primria. Mais de trs quartos dos cargos de alto nvel no governo e na iniciativa privada eram ocupados por estrangeiros19. Essas deficincias nem sempre eram acidentais, mas refletiam, por vezes, o temor do colonizador quanto aos efeitos subversivos que a educao de seus sditos poderia produzir. Nessas circunstncias, no de se estranhar que imperasse a instabilidade poltica e que os padres de eficincia e probidade da administrao pblica fossem deficientes. Poucos dos regimes democrticos sobreviveram longo tempo, sendo substitudos pelosDENG, Francis M. Reconciling Sovereignty with Responsibility: A Basis for International Humanitarian Action. In HARBESON, John W. e ROTHCHILD, Donald (eds.), Africa in World Politics: Reforming Political Order, 4a. ed., p. 365. Boulder, Colorado, Westview Press, 2009. 19 MEREDITH, Martin. The State of Africa: A History of Fifty Years of Independence, p. 151. Londres, The Free Press, 2006.18

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governos personalistas de homens fortes, alados ao poder e nele mantidos por uma mistura de carisma pessoal e fora bruta. O unipartidarismo entrou em voga, espelhando-se no modelo do bloco socialista que, poca, parecia oferecer uma via promissora para o desenvolvimento econmico. Argumentava-se que a poltica multipartidria inevitavelmente degenerava em competio entre blocos tnicos. J que os partidos de oposio tendiam a basear seu apoio em grupos tribais, sua ao solapava o esforo de construo nacional e enfraquecia a eficcia do Estado. Seriam, portanto, um luxo que poucos pases africanos, com recursos limitados, teriam condies de sustentar20. Em bom nmero de pases, os militares foram tentados a intervir no processo poltico para pr fim a sucessivas mudanas de governo. Nas primeiras duas dcadas da independncia, ocorreram cerca de quarenta golpes de Estado bem-sucedidos e inmeras tentativas. Muitos golpes tiveram lugar sem violncia e foram recebidos com alvio pela populao. Os golpistas, frequentemente, alegavam que sua interveno era apenas temporria, devendo perdurar apenas o suficiente para a superao do quadro vigente de corrupo, nepotismo, m administrao e tribalismo. Infelizmente, os governantes militares africanos em geral no se revelaram mais competentes, mais imunes tentao da corrupo ou mais dispostos a abrir mo do poder que seus predecessores civis21. Em 1989, com exceo de Botsuana, Gmbia e Senegal, todos os pases africanos eram Estados unipartidrios ou ditaduras militares. O fim da Guerra Fria, porm, abalou fortemente o prestgio dos regimes autoritrios, alm de reduzir substancialmente o fluxo de apoio externo. Esses fatores, somados s presses dos organismos financeiros internacionais e pases doadores, levaram a um amplo retorno a instituies formalmente democrticas. A importncia da boa governana tambm se tornou parte do credo oficial em quase toda a frica. Aps cerca de vinte anos, ainda cedo para julgar se essas mudanas fincaro razes e se, como propugnam seus defensores, resultaro em Estados mais eficientes e legtimos, e consequentemente em maior estabilidade poltica e maior progresso material.20 21

Idem, p. 167. Idem, pp. 218, 222.

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2.2 As rivalidades tnicas Apenas dez Estados africanos possuem uma identidade pr-colonial significativa: Botsuana, Burundi, Egito, Etipia, Lesoto, Madagascar, Marrocos, Ruanda, Suazilndia e Tunsia. A maioria produto da conquista da frica primordialmente entre 1875 e 1900 por sete poderes europeus: Alemanha, Blgica, Espanha, Frana, Gr-Bretanha, Frana, Itlia e Portugal22. As potncias coloniais no levaram em conta os interesses das populaes locais ao traarem os limites de seus domnios africanos. As novas fronteiras separavam cerca de 190 grupos tnicos e culturais. Em outros casos, os territrios coloniais englobavam dezenas ou centenas de grupos diversos e independentes, sem histria, cultura, lngua ou religio em comum. S na Nigria, por exemplo, haveria 250 grupos etnolingusticos. Ao final da Corrida pela frica, cerca de dez mil comunidades polticas africanas haviam sido amalgamadas em quarenta colnias e protetorados europeus23. A experincia colonial, tendo interrompido o curso endgeno da evoluo poltica dos povos africanos, no chegou a durar o suficiente para permitir a consolidao de identidades que correspondessem demarcao territorial que lhes foi imposta. Ao contrrio, o colonizador muitas vezes agiu no sentido de exacerbar antagonismos, no intuito de dividir para imperar. Assim, quando de sua independncia, grande parte dos pases africanos eram entidades artificiais, tendo o Estado precedido a Nao. Com a arena poltica caracterizando-se frequentemente por uma competio sem regras por recursos escassos, tanto polticos quanto eleitores voltaram-se para a solidariedade tnica. Para os polticos, essa era a via para o poder. Para os eleitores, era sua principal esperana de obter um quinho das benesses governamentais24. Os fatores tnicos passaram, assim, a permear regularmente os conflitos africanos. Assinale-se que a pluralidade tnica no necessariamente conflituosa. A relativa paz poltica na Tanznia, por exemplo, seria em certa medida fruto de estar a populao dividida entre 120 grupos tnicos,YOUNG, Crawford. The Heritage of Colonialism. In HARBESON e ROTHCHILD, op. cit., p.19. MEREDITH, op. cit., pp. 1-2. 24 Idem, p. 156.22 23

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nenhum dos quais em condies de assumir posio dominante 25. O conflito resultaria antes da manipulao poltica do sentimento, no raro justificado, de que um grupo estaria sendo favorecido em detrimento de outro. As situaes mais instveis ocorreriam quando algumas poucas etnias constituem parcela preponderante da populao. Caberia discutir se esse fenmeno, que tem sido intitulado pejorativamente de tribalismo, difere em qualidade dos nacionalismos europeus, cujo embate deixou legado de dezenas de milhes de mortos no sculo passado. H ainda que levar em conta que as identidades tnicas so, em parte, resultado de um processo de construo: as atuais tribos muitas vezes seriam o resultado da agrupao de coletividades pr-estatais de limites difusos e cambiantes, sob chefias nomeadas pelo colonizador. A ao evangelizadora de missionrios, ao substituir uma mirade de dialetos locais por um reduzido nmero de lnguas escritas, estabeleceu novas fronteiras entre grupos linguticos, fortalecendo a solidariedade dentro delas. Tambm contribuiu para esse efeito a compilao de histrias tribais por pesquisadores estrangeiros. Em sentido oposto, e como j se referiu anteriormente, as diferenas tambm podem ser construdas. Exemplo disso o notrio conflito entre os Hutus e os Tutsis. No perodo pr-colonial, os atuais Burundi e Ruanda constituam dois reinos em que viviam mesclados uma maioria Hutu e uma minoria Tutsi, que falavam a mesma lngua e compartilhavam os mesmos costumes. Os Tutsis, criadores de gado, constituiam uma classe dirigente feudal que dominava os Hutus, agricultores. Com o passar do tempo, a diminuio da especializao dos papis econmicos, com Tutsis virando agricultores e Hutus pecuaristas, casamentos mistos e a faculdade de indivduos passarem de um grupo ao outro, tendiam a esmaecer as diferenas. No entanto, sob o jugo colonial, primeiro alemo e depois belga, as distines entre as comunidades se consolidaram. Os colonizadores, sempre em pequeno nmero, passaram a utilizar a minoria Tutsi para impor seu controle, ficando esse grupo praticamente com monoplio dos cargos da administrao e das oportunidades de educao. Na dcada de 1920, os belgas estabeleceram um sistema de carteiras de identidade que impedia que o portador migrasse de um grupo a outro. No havendo prova de ancestralidade e sendo as caractersticas fsicas indefinidas (supunha-se que os Tutsis tendiam a ser mais altos e25

Idem, p. 157.

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magros que os Hutus, com feies mais finas), aplicava-se uma frmula simples: quem possusse dez ou mais vacas era Tutsi, quem possusse menos era Hutu26. Reverteu-se, assim, o processo de mtua assimilao e atiou-se o antagonismo latente. possvel que, a longo prazo, consolidem-se identidades nacionais correspondentes aos Estados africanos. Tal processo, todavia, seguramente demandar ainda extenso perodo de tempo, persistindo as rivalidades tnicas como fator de conflito na frica pelo futuro previsvel. O pan-africanismo tem sido apontado como soluo do problema, maneira de fuga para frente, mas a proposta de seguir pela rota da integrao continental, saltando a etapa da construo nacional, parece visionria luz da Histria. 2.3 As diferenas religiosas A se dar crdito hiptese do Choque de Civilizaes27, a frica seria uma gigantesca bomba relgio. Ao sul do Saara, uma faixa que vai do Atlntico ao ndico marca a fronteira entre o Isl, de um lado, e o Cristianismo e as religies tradicionais, de outro. O continente africano parte vitalmente importante do mundo islmico e do domnio da cultura rabe. Mais de 60% da populao mundial de fala rabe est na frica. O pas rabe mais populoso o Egito, e o Cairo a maior cidade rabe. O mais influente centro do saber islmico do mundo a Universidade Al-Azhar, situada na capital egpcia, fundada no ano 970, e responsvel pela emisso de algumas das mais importantes interpretaes (fatwas) da lei islmica (Sharia) nos ltimos seiscentos anos28. O islamismo tambm amplamente difundido entre populaes no rabes. Existem mais muulmanos na Nigria do que em qualquer pas rabe. Cerca de metade da populao do continente africano muulmana e a se registra a maior taxa de aumento dos adeptos do Isl, causada tanto pelo nmero de converses quanto pela maior fertilidade entre mulheres africanas muulmanas29.Idem, pp. 157-158. HUNTINGTON, Samuel P. Huntington. The Clash of Civilizations and the Remaking of World Order. Londres, Touchstone, 1998. 28 MAZRUI, Ali A. Africa and Other Civilizations: Conquest and Counter-Conquest. In HARBESON e ROTHCHILD, op. cit., pp. 78, 84. 29 Idem, p. 88.26 27

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No h base para concluir que diferenas de religio invariavelmente constituem fator de antagonismo. Em sentido contrrio, h numerosos registros histricos de populaes de diferentes fs convivendo pacificamente por perodos prolongados. Como exemplo das possibilidades de mtua tolerncia, poder-se-ia citar que Lopold Sdar Senghor, catlico, presidiu por duas dcadas o Senegal, pas mais de 90% muulmano, com o apoio das autoridades religiosas islmicas (marabouts)30. As diferenas de religio, quando dissociadas de disputas polticas e econmicas, geralmente no inspiram conflitos. Em muitos casos em que a religio citada como elemento de conflito, ela figura como um dos elementos constitutivos de identidades tnicas e no como fator autnomo31. Por outro lado, a religio pode efetivamente contribuir para o conflito, quando uma comunidade sofre discriminao em funo de sua f. Essa discriminao surge na forma de restries prtica religiosa ou na observao forada de normas de outras religies32. No passado recente, a difuso de interpretaes fundamentalistas do Isl tem gerado tenses. Por no distinguirem entre Religio e Estado, estas restringem o status social e poltico dos praticantes de outras fs, o que naturalmente provoca ressentimentos. Tentativas de imposio da Sharia a populaes no islmicas tm figurado como causas de conflitos africanos, conforme ilustra o caso do Sudo. Cabe notar que tais interpretaes de cunho fundamentalista so frequentemente estranhas ao islamismo tradicionalmente praticado na frica, marcado pela moderao e tolerncia. A religio pode tambm aparecer como causa de conflito entre praticantes da mesma f. Assim, grupos radicais islmicos tm decretado jihad contra governos de pases muulmanos que consideram no impor a observao de padres adequados de pureza doutrinria, como a Arglia. 2.4 Fatores ambientais e a explorao de recursos naturais Catstrofes climticas, como secas e inundaes, tambm tm tido grande impacto sobre populaes africanas. Em Moambique, em 2000,Idem, p. 82. FOX, Jonathan. Religion, Civilization and Civil War: 1945 Through the New Millenium, p. 237. Lanham, Maryland, Lexington Books, 2004. 32 Idem, p. 229.30 31

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por exemplo, fortes tempestades deixaram 500 mil pessoas desabrigadas e 950 mil com necessidade de receber auxlio humanitrio. Um total de 65% do territrio africano consiste em terras ridas ou semiridas, as mais proeminentes sendo os desertos do Saara (que est em expanso) e do Kalahari. H estimativas de que at 34% da superfcie total da frica estejam sob risco de desertificao33. O aquecimento global tende a afetar a frica de maneira particularmente negativa. Vastas populaes rurais podero ver seus meios de vida ameaados e governos pobres disporo de poucos recursos para mitigar a crise, podendo resultar disso grandes fluxos de refugiados ambientais. Segundo cenrio desenvolvido pelo Painel Internacional sobre Mudana Climtica, por volta do ano de 2020 entre 75 e 250 milhes de pessoas no continente africano teriam reduzido acesso a recursos hdricos e a produo da agricultura dependente de chuvas em alguns pases poderia diminuir em at 50%, com srias consequncias para a segurana alimentar. Mais adiante, a subida do nvel do mar poderia inundar zonas litorneas densamente povoadas, projetando-se tambm uma substantiva expanso das regies ridas e semiridas da frica34. Vrios conflitos africanos resultam, ao menos parcialmente, de fatores ambientais. A reduo de precipitaes pluviomtricas a partir do incio da dcada de 1980 contribuiu, em partes do continente, como no Darfur, para agudizar as disputas entre agricultores e pastores itinerantes pela utilizao dos recursos hdricos em declnio. A se concretizar o cenrio anteriormente mencionado, tais disputas podem passar do nvel intergrupal ao internacional. Somente 3% do total da gua no planeta gua doce, os 97% restantes estando nos mares. Dos 3% de gua doce, somente 0,3% se encontram em rios e lagos, com os demais retidos em camadas de neve e geleiras. O que provoca problemas de escassez, entretanto, no a limitada quantidade de gua disponvel, mas sua distribuio desigual. A frica conta com 54 bacias de irrigao que atravessam fronteiras internacionais ou demarcam essas mesmas fronteiras, cobrindo aproximadamente a metade da rea do continente35.CILLIERS, Climate Change, Population Pressure and Conflict in Africa, p. 8. Idem, p. 3. 35 TADESSE, Debay. The Nile: Is it a Curse or a Blessing?, p. 1. Pretria, Institute for Security Studies, ISS Paper 174, novembro de 2008.33 34

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Tomando um caso especfico, 86% das guas do Nilo originam-se no planalto etope e, dependendo do regime pluvial no conjunto da bacia, em determinadas pocas do ano essa proporo pode subir a 95%. No Sculo XIX, os etopes derrotaram tentativas egpcias de invaso, que buscavam adquirir o controle da regio do Lago Tana, origem do Nilo Azul. Egito e Sudo firmaram, em 1959, um acordo bilateral que alocava as guas do Nilo na proporo de 55,5 milhes de metros cbicos ao primeiro pas e 18,5 milhes de metros cbicos ao segundo. O acordo no atribua qualquer direito de utilizao das guas do rio aos demais ribeirinhos (Burundi, Eritreia, Etipia, Qunia, Repblica Democrtica do Congo, Ruanda, Tanznia e Uganda)36. Em 1991, o Egito alertou que estaria pronto a recorrer ao uso da fora para garantir seu acesso s guas do Nilo, caso a Etipia construisse barragens rio acima37. Contemplando-se o quadro abaixo, que mostra as projees de crescimento populacional nos dois pases, fica claro que, ao mesmo tempo em que tende a aumentar a presso global sobre os recursos hdricos disponveis, h grande margem para controvrsias sobre o justo compartilhamento desses recursos. Quadro 2.1 Projees de crescimento populacional, Egito e Etipia (em milhes de habitantes)

Fonte: CILLIERS, Jakkie. Climate Change, Population Pressure and Conflict in Africa, p.7.

Se existe a possibilidade de conflitos sobre o uso compartilhado de recursos naturais, existe, por outro lado, a possibilidade de que prevalea a cooperao. A explorao desses recursos no constitui necessariamente um jogo de soma zero, podendo a gesto coordenada trazer benefcios a36 37

Idem, p. 8. Idem, pp. 16, 17.

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todos os participantes. A ttulo de ilustrao, recorde-se que apenas 2% dos recursos hdricos africanos so utilizados, com 98% desaguando nos oceanos. A eventual construo da represa de Grand Inga, no esturio do Rio Congo, empreitada que demandaria acordo entre os ribeirinhos da bacia do grande rio, poderia resultar na gerao de 40 mil megawatts, segundo clculos (o dobro da represa das Trs Gargantas, na China, atualmente a maior do mundo), suprindo as necessidades energticas daqueles pases por dcadas38. Retornando ao Nilo, cabe mencionar a Iniciativa da Bacia do Nilo, lanada em 1999 com o apoio do Banco Mundial, do Programa das Naes Unidas para o Desenvolvimento e de outros doadores. A Iniciativa une os pases ribeirinhos numa parceria para a promoo do desenvolvimento econmico e luta contra a pobreza no conjunto da bacia. O objetivo do projeto alcanar o desenvolvimento socioeconmico sustentvel mediante a utilizao igualitria dos recursos hdricos comuns do Nilo39. O futuro da Iniciativa da Bacia do Nilo encontra-se em dvida, todavia, aps a assinatura, em maio de 2010, de acordo prevendo diviso mais equitativa dos recursos hdricos do Nilo pela Etipia, Qunia, Ruanda, Tanznia e Uganda. O Egito e o Sudo rejeitaram o acordo, enquanto o Burundi e a Repblica Democrtica do Congo ainda no assumiram posio definitiva a seu respeito. A explorao dos recursos naturais tambm pode ter um importante papel no prolongamento de conflitos. Apesar da devastao causada pelos combates, alguns grupos podem aproveitar-se do caos vigente para auferir lucros, controlando pela fora das armas a extrao e exportao de produtos minerais e vegetais, por vezes de forma a causar srios impactos ambientais. Beneficiando-se dessa economia de guerra, tais grupos no tm interesse na paz. O contrabando de diamantes, comprovadamente, serviu para sustentar as guerras civis em Angola e na Serra Leoa, levando a comunidade internacional a adotar, pelo Processo de Kimberley, um regime de controle sobre o comrcio internacional dessas pedras preciosas. Em relatrio ao Conselho de Segurana das Naes Unidas, painel de peritos sobre a explorao ilegal de recursos naturais na38 39

WORLD ENERGY COUNCIL. 2010 Survey of Energy Resources, p. 316. Londres, 2010. TADESSE, op. cit., p.18.

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Repblica Democrtica do Congo atestou como a rapina de minrios como ouro, cobalto, cobre, urnio e coltan, com a cumplicidade de grandes firmas sediadas em pases desenvolvidos, contribuiu para a perpetuao do conflito naquele pas40. O Conselho de Segurana das Naes Unidas, pela Resoluo 1625, adotada em setembro de 2005, reconheceu a ligao entre a explorao e trfico ilegais de recursos naturais e a ecloso, expanso e prolongamento dos conflitos armados41. Essa ligao foi reafirmada por Declarao do Presidente do Conselho, em junho de 2007, emitida aps debate aberto sobre o tema da vinculao dos recursos naturais com conflitos42. 2.5 Fatores demogrficos A frica, atualmente, possui os mais altos ndices de crescimento populacional e urbano do mundo. Segundo projees das Naes Unidas, o continente africano conta, hoje em dia, com pouco mais de um bilho de habitantes, cerca de 15% da populao mundial, devendo atingir em 2050 aproximadamente dois bilhes de habitantes, aumentando sua fatia do total global para 22%43. A alta densidade demogrfica tem sido apontada como fator que contribuiu para os conflitos no Burundi e em Ruanda. A relativa escassez de terras agrcolas naqueles pases, provocada pelo aumento de populao, seria um dos motivos de agresses entre Hutus e Tutsis, interessados em expulsar de suas terras membros do grupo tnico rival. Sucessivas ondas de deslocamentos criaram a situao em que vrias famlias podem reivindicar a mesma gleba, gerando resistncias a acordos de paz que impliquem o retorno de refugiados44.

40 UNITED NATIONS. Letter dated 23 October 2003 from the Secretary-General addressed to the President of the Security Council. Documento S/2003/1027, 23 de outubro de 2003. 41 UNITED NATIONS. Resolution 1625 (2005) operativo 6. Documento S/RES/1625 (2005), 14 de setembro de 2005. 42 UNITED NATIONS. Statement by the President of the Security Council. Documento S/PRST/2007/22, 25 de junho de 2007. 43 UNITED NATIONS. World Population Prospects: The 2008 Revision. Disponvel em esa.un.org/unpd/ wpp2008/index.htm. Acessado em 3 de julho de 2010. 44 UNITED NATIONS. The Causes of Conflict and the Promotion of Durable Peace and Sustainable Development in Africa. Documento A/52/871 S/1998/318, 13 de abril de 1998.

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Quadro 2.2 Projees de crescimento populacional em pases africanos selecionados (em milhes de habitantes)

Fonte: CILLIERS, Jakkie. Climate Change, Population Pressure and Conflict in Africa, p. 7.

Uma quantidade crescente de africanos est migrando para reas urbanas, que aumentam a um ritmo de 3% ao ano. Segundo projees do Habitat, a populao urbana da frica dever atingir 50% do total antes de 2030, passando dos atuais 373 milhes para 759 milhes naquele ano. Em 2050, o nmero de africanos residindo em cidades dever superar 1,2 bilho45. A evoluo demogrfica da frica espelha a trajetria de outros continentes, devendo-se ao fato de registrar-se uma queda nos ndices de mortalidade, qual s corresponder uma queda nos ndices de natalidade mais adiante. No intervalo, a populao cresce de forma explosiva. Tambm razovel supor que o ndice de crescimento45

Apud CILLIERS, Climate Change, Population Pressure and Conflict in Africa, p. 7.

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urbano dever abrandar no futuro. Nas prximas dcadas, entretanto, muitos pases africanos iro conviver com um youth bulge. Se esse manancial de recursos humanos puder ser plenamente explorado, poder dar uma importante contribuio acelerao do desenvolvimento econmico do continente. Isso exige, todavia, macios investimentos em educao, sade e construo de infraestruturas. Caso no se cumpram essas condies, surge o espectro de centenas de milhes de jovens desempregados ou subempregados, sem perspectivas de melhora de vida, habitando periferias urbanas. A existncia de tal vasto contingente de jovens, facilmente mobilizados para a guerra, o extremismo poltico ou religioso ou o crime, pode ter forte impacto adverso sobre a paz e segurana no continente africano. 2.6 A proliferao de armas No se pode dizer que a existncia de armas, em si, seja uma causa de conflitos. No entanto, uma vez iniciado um conflito, a ampla disponibilidade de armas pode contribuir para a expanso da escala e letalidade dos combates. As armas leves e de pequeno calibre constituem atualmente o principal desafio ao desarmamento. Tais armas no exigem capacidades organizacionais, logsticas e de treinamento para sua manuteno e operao. So leves e fceis de montar e desmontar. Sua aquisio tampouco difcil, dado seu baixo custo. Por cerca de US$ 50 milhes (o preo aproximado de uma aeronave militar de ltima gerao) possvel equipar um exrcito com 200 mil fuzis46. Com o fim da Guerra Fria, enormes estoques de material blico foram lanados no mercado mundial de armas, a preo de liquidao, sem grande controle ou preocupao quanto aos destinatrios finais. Em partes da frica, onde tradicional, sobretudo entre povos pastoris, que todos os homens de determinada faixa etria portem armas, confrontaes sobre acesso a gua ou roubo de gado, que antes eram resolvidas com lanas e cajados, passaram a ser travadas com fuzis automticos e lana-granadas. Mecanismos costumeiros de soluo de conflitos, como a interveno de ancios tribais, podiam outrora apaziguar os nimos46

ALUSALA, Nelson e THUSI, Thokozani. A Step Towards Peace: Disarmament in Africa, p. 17. Pretria, Institute for Security Studies, ISS Monograph 98, fevereiro de 2004.

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antes que houvesse grande nmero de mortos ou feridos. Hoje em dia, entretanto, no incomum que um nico entrevero resulte em dezenas ou mesmo centenas de baixas. Em dezembro de 2000, os pases africanos adotaram a Declarao de Bamako sobre uma Posio Comum Africana quanto Proliferao, Circulao e Trfico de Armas Leves e de Pequeno Calibre, fazendo um apelo aos pases produtores no sentido de que eliminem a prtica de despejar armas excedentes na frica. Conferncia de seguimento, realizada em dezembro de 2005, em Windhoek, reafirmou os termos da Declarao de Bamako, apontou a necessidade da reduo da disponibilidade, oferta e demanda de armas leves e de pequeno calibre na frica, e conclamou a Unio Africana a adotar um instrumento juridicamente vinculante a esse respeito. Outra categoria de arma facilmente acessvel so as minas terrestres. Estas so geralmente usadas de modo indiscriminado, sem integrar um sistema defensivo formal e sem registros de sua localizao. So frequentemente usadas segundo o padro lay and forget (coloque e esquea) e no removidas posteriormente. Muitas das minas encontradas na frica, ademais, no dispem de dispositivos de autodestruio ou desarmamento e permanecem ativas no solo por dcadas aps o trmino de conflitos47. A frica o continente mais afetado por minas terrestres. Segundo o relatrio Landmine Monitor Report 2003, 28 pases africanos, bem como o Saara Ocidental e a Somalilndia, tinham problemas com minas ou explosivos remanescentes de guerras, por vezes resqucio de conflitos travados na primeira metade do sculo XX48. Mesmo aps a concluso de conflitos, minas antipessoais continuam a impedir o acesso a terra para fins agrcolas ou para a implantao de infraestruturas, constituindo assim um obstculo segurana alimentar e ao desenvolvimento socioeconmico em geral dos pases afetados. A ttulo de exemplo, estudo do Instituto Nacional de Desminagem de Moambique, publicado em setembro de 2001, apontava que praticamente todo o territrio do pas sofria as consequnciasSTOTT, Noel; STURMAN, Kathryn e CILLIERS, Jakkie. The Landmine Factor in the Peacekeeping Debate in Africa, p. 2. Pretria, Institute for Security Studies, Occasional Paper 80, novembro de 2003. 48 Apud STOTT et al., op. cit., p. 2.47

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negativas da existncia de minas e remanescentes de munies no detonadas. Foram identificadas 791 comunidades afetadas pelo problema, com reas suspeitas de estarem minadas montando a 562 quilmetros quadrados, prejudicando as atividades econmicas e a segurana de cerca de um milho e meio de pessoas49. Em maio de 1997, realizou-se em Kempton Park, na frica do Sul, sob os auspcios da Organizao de Unidade Africana, a Primeira Conferncia Continental de Peritos Africanos em Minas Terrestres, que adotou a meta de tornar o continente africano uma zona livre de minas antipessoais. Os pases africanos tiveram um papel importante em impulsionar as negociaes que levaram Conveno das Naes Unidas sobre a Proibio do Uso, Estocagem, Produo e Transferncia de Minas Antipessoais e sua Destruio (Conveno de Ottawa), que entrou em vigor em primeiro de maro de 199950. Cada Estado Parte obrigado a adotar legislao domstica para prevenir e suprimir qualquer atividade proibida pela Conveno, limpar terrenos minados, destruir os estoques existentes e estabelecer programas para a reinsero socioeconmica de vtimas de minas. Com exceo do Egito, do Marrocos e da Somlia, todos os pases africanos ratificaram ou aderiram Conveno. Em setembro de 2004, teve lugar em Adis Abeba a Segunda Conferncia Continental de Peritos Africanos em Minas Terrestres, que aprovou uma posio comum africana para a Primeira Conferncia de Reviso da Conveno de Ottawa, realizada simbolicamente em Nairobi, em novembro seguinte. A Segunda Conferncia assinalou a necessidade da prestao de apoio aos pases africanos para habilit-los a cumprir as obrigaes assumidas sob a Conveno e em seus esforos de limpeza de minas. Conforme visto anteriormente, vrias dinmicas se sobressaem quando se analisam os conflitos africanos. No h que concluir dessa anlise, todavia, a existncia de relaes automticas de causalidade. Tenses geradas por determinados fatores podem ser administradas pela adoo de polticas adequadas e conflitos de interesse podem ser superados pela via da negociao.49 Idem, p. 5. 50 Idem, p. 4.

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As dinmicas examinadas so fenmenos sociais e, como tal, correspondem conjugao de determinadas circunstncias histricas. Se esse fato permite a esperana de mudanas para melhor, tambm traz o risco de uma evoluo negativa. As possveis consequncias de mudanas climticas e do aumento de populao avultam nesse contexto.

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Captulo 3 Da Organizao da Unidade Africana Unio Africana

Em 1945, havia quatro Estados nominalmente independentes na frica: o Egito, que na prtica constituia um protetorado britnico; a Etipia, um imprio feudal; a Libria, ento descrita como uma fazenda da Firestone Company, proprietria das plantaes de borracha do pas; e a frica do Sul51. No final da dcada de 1950 e incio da de 1960, entretanto, as independncias africanas sucederam-se em cascata, surgindo em poucos anos dezenas de novos pases. Em sua maioria pequenos e dbeis, os pases africanos cedo reconheceram a convenincia da ao coletiva para a defesa de seus interesses comuns. Esse reconhecimento levou formao da Organizao da Unidade Africana, que, todavia, jamais chegou a corresponder plenamente s expectativas mais ambiciosas de seus idealizadores. As esperanas frustradas no levaram, contudo, ao abandono da viso de uma frica solidria e poderosa, mas renovao do projeto da Organizao, agora sob a forma da Unio Africana. 3.1 A criao da Organizao da Unidade Africana No comeo da dcada de sessenta, os recm-independentes pases africanos encontravam-se divididos em trs grupos, que tm sido51

MEREDITH, op. cit., p. 10.

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descritos como conservadores, moderados e radicais. O grupo dos conservadores era composto, com algumas excees, de ex-colnias francesas que mantinham estreitas relaes com a antiga metrpole. Passou a ser conhecido como bloco de Brazzaville, aps reunio realizada naquela capital em dezembro de 1960. Os assim chamados moderados, Etipia, Libria, Lbia, Nigria, Somlia, Sudo, Togo e Tunsia, distinguiam-se dos anteriores por no serem francfonos ou por desejarem manter certa distncia da esfera de influncia francesa. J os radicais, Egito, Gana, Guin Conacri, Mali, Marrocos e a Frente de Libertao Nacional da Arglia, estavam vivamente empenhados no combate ao imperialismo. Em janeiro de 1961, esses pases passaram a constituir outro bloco, aps reunio em Casablanca. Finalmente, os pases de Brazzaville e os moderados associaram-se entre si, em conferncia que teve lugar em Monrvia, em maio de 1961, embora os primeiros preservassem sua identidade como um subgrupo especfico dentro do agrupamento maior. Duas grandes questes dividiam os pases africanos: a libertao do continente dos resqucios do domnio europeu e sua repartio territorial. Embora houvesse consenso na oposio ao imprio portugus e aos regimes de minoria branca na frica Austral, a questo da guerra de libertao ento em curso na Arglia separava o bloco de Casablanca, que favorecia os anseios de independncia argelinos, do de Brazzaville, que no desejava antagonizar a Frana. A guerra civil no Congo, no incio da dcada, tambm ensejou desavenas com relao ao apoio prestado s vrias faces naquele conflito. Nessas circunstncias, as perspectivas de se lograr um consenso quanto aos rumos da frica pareciam pouco favorveis. Apesar disso, em 25 de maio de 1963 foi estabelecida, em Adis Abeba, a Organizao da Unidade Africana (OUA), com a assinatura, por representantes de 32 Governos, da Carta da Organizao. A Organizao da Unidade Africana tinha por objetivos promover a unidade dos Estados africanos, erradicar o colonialismo e proporcionar fundao slida para a cooperao pacfica. Era composta por uma Assembleia de Chefes de Estado, que se reunia anualmente; um Conselho de Ministros, que mantinha encontros semestrais; um Secretariado, chefiado por um Secretrio-Geral; e uma Comisso de Mediao, Conciliao e Arbitragem. Foi ainda criado um Comit de Libertao46

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Nacional, dedicado a proporcionar assistncia aos movimentos de libertao nos pases ainda sob jugo colonial, mediante assistncia financeira e treinamento de combatentes, mobilizao da opinio pblica internacional e imposio de sanes frica do Sul, tais como a proibio do uso do espao areo e a ruptura de relaes diplomticas e econmicas. O Artigo 3 da Carta da Organizao da Unidade Africana exigia adeso aos seguintes princpios: 1) a igualdade soberana de todos os Estados-Membros; 2) a no interferncia nos assuntos internos dos Estados; 3) o respeito soberania e integridade territorial de cada Estado e ao seu direito inalienvel a uma existncia independente; 4) a soluo pacfica de controvrsias por meio de negociao, mediao, conciliao ou arbitragem; 5) a condenao sem reservas, em todas as suas formas, do assassinato poltico, bem como de atividades subversivas por parte de Estados vizinhos ou quaisquer Estados; 6) a absoluta dedicao total emancipao dos pases africanos ainda dependentes; e 7) a afirmao de uma poltica de no alinhamento com relao a todos os blocos. 3.2 A questo da diviso territorial da frica Quando da formao da Organizao da Unidade Africana, vrios pases reivindicavam modificaes no ordenamento territorial estabelecido na sequncia do Congresso de Berlim. A Somlia, resultante da fuso da Somalilndia Britnica e da Somalilndia Italiana, pretendia unir a si as populaes de etnia somali do Djibuti, da Etipia e do Qunia. O Marrocos contestava a independncia concedida pela Frana Mauritnia, que julgava fazer parte de seu territrio. J o Presidente de Gana, Kwame Nkrumah, sustentava que no se deveria permitir que as fronteiras coloniais se consolidassem, o que levaria balcanizao do continente, deixando-o merc de foras externas. O Chefe de Estado gans propugnava, ao contrrio, que se avanasse no sentido da unificao, com vistas eventualmente criao dos Estados Unidos da frica. A posio de Nkrumah refletia seu engajamento no movimento pan-africano, do qual era ento o principal luminar. O Congresso Pan-Africano de Manchester, em 1945, j havia condenado os limites territoriais arbitrariamente impostos pelas potncias coloniais, enquanto47

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a Conferncia de Todos os Povos Africanos, realizada em 1958 em Acra, denunciara as fronteiras artificiais desenhadas pelos poderes imperialistas para dividir os povos da frica52. A Frana havia agrupado boa parte de seus territrios subsaarianos em dois grandes domnios, a frica Equatorial Francesa (Chade, Congo Brazzaville, Gabo e Oubangui-Chari atual Repblica Centro-Africana) e a frica Ocidental Francesa (Alto Volta atual Burkina Faso, Cte dIvoire, Daom atual Benin, Guin Francesa atual Guin Conacri, Mauritnia, Nger, Senegal e Sudo Francs atual Mali). A Loi Cadre de 1956, todavia, estabeleceu autonomias locais que terminaram por predominar. Por essa lei, cada territrio passava a contar com seu prprio Primeiro-Ministro, gabinete e assembleia e a exercer controle sobre oramentos, servio pblico, obras pblicas e educao primria. Os territrios mais prsperos, como a Cte dIvoire e o Gabo, opunham-se a subsidiar os mais pobres. Ao final, surgiram doze pases pequenos ao invs de dois grandes53. As tentativas de federao no imprio colonial britnico, entre o Qunia, Tanganica e Uganda e entre a Niassalndia (atual Malaui), Rodsia do Norte (atual Zmbia), e Rodsia do Sul (atual Zimbbue) fracassaram face resistncia das populaes nativas, temerosas de que o intuito do processo de integrao fosse preservar a posio privilegiada de minorias brancas, expressivas no Qunia e na Rodsia do Sul. Por outro lado, a Gr-Bretanha obstou as pretenses da frica do Sul de anexar a Basutolndia atual Lesoto, a Bechuanalndia atual Botsuana e a Suazilndia. Por sua vez, os desgnios sul-africanos quanto incorporao do Sudoeste Africano (atual Nambia), jamais foram referendados pelas Naes Unidas54. No incio da dcada de 1960, portanto, no seria de se excluir a possibilidade de que o mapa da frica fosse radicalmente redesenhado. Muitos pases, entretanto, encaravam com grande suspeio quaisquer propostas que pudessem vir a arranhar sua recm-adquirida soberania. Havia tambm a preocupao, provavelmente justificada, de que a tentativa de adequar as fronteiras nacionais s realidades tnicas equivalesse a abrir uma caixa de Pandora, com consequncias incalculveis.52 53 54

YOUNG, op. cit., p. 23. MEREDITH, op. cit., p. 65. YOUNG, op. cit., p. 22.

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Nessas circunstncias, a Primeira Sesso Ordinria da Assembleia de Chefes de Estado e de Governo da Organizao da Unidade Africana, reunida no Cairo, em julho de 1964, aprovou Resoluo sobre disputas de fronteiras pela qual os Estados-Membros se comprometiam a respeitar as fronteiras existentes quando atingiram suas independncias. O conceito de uti possidetis tornou-se, desde ento, um dos pilares do Direito Internacional Africano. A maioria dos diferendos fronteirios tem sido resolvida por negociao, tomando por referncia os acordos de limites coloniais. A diviso geogrfica da frica, portanto, pouco se alterou desde a independncia. Algumas tentativas de fuso de Estados da frica Ocidental no chegaram a prosperar (Federao do Mali, reunindo Burkina Faso, Mali, Nger e Senegal; Unio de Estados Africanos, reunindo Gana, Guin e Mali; Confederao da Senegmbia, reunindo Gmbia e Senegal)55. A unio entre Tanganica e Zanzibar, em 1964, para constituir a Tanznia, revelou-se duradoura, assim como a da parte meridional do mandato britnico dos Camares com o restante do pas, que estivera sob mandato francs. A maior parte do perodo em que a Eritreia esteve incorporada Etipia (1952/1991) foi marcada por uma guerra civil. A Somalilndia, correspondente antiga Somalilndia Britnica, tem reivindicado sua independncia da Somlia desde 1991, sem ter sido at o presente reconhecida por qualquer membro da comunidade internacional. Finalmente, realizou-se em janeiro de 2011, conforme previsto no Acordo Abrangente de Paz, que ps fim guerra civil no Sudo, referendo no qual o Sul do pas optou por tornar-se independente. O Sul do Sudo tornou-se oficialmente Estado-Membro das Naes Unidas e da Unio Africana em 14 de julho e 15 de agosto. seguintes, respectivamente. 3.3 A ao da Organizao da Unidade Africana no campo da paz e segurana A Carta da Organizao da Unidade Africana previa que um de seus rgos principais seria a Comisso de Mediao, Conciliao e Arbitragem, integrada por vinte e uma personalidades eleitas. No entanto,VISENTINI, Paulo G. Fagundes; RIBEIRO, Luiz Dario Teixeira e PEREIRA, Analcia Danilevicz. Breve Histria da frica, pp. 89, 111. Porto Alegre, Editora Leitura XXI, 2007.55

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quando, em vrias ocasies, surgiram tenses entre Estados-Membros, a Organizao optou por outogar mandatos a grupos ad hoc de lderes africanos para atuar como mediadores. Por ter cado em desuso, a Comisso foi formalmente dissolvida em 1970. O mesmo se passou com o Comit Ad hoc sobre Disputas Interafricanas, estabelecido em 1977. Em seus primeiros vinte anos, a Organizao da Unidade Africana interveio em vrias situaes de diferendos sobre limites entre pases africanos. Essa interveno contribuiu para evitar que rusgas fronteirias escalassem em conflitos abertos e para lanar processos negociais, que tiveram sucesso em cerca de um tero de duas dzias de casos. Todavia, muitos dos sucessos foram temporrios, com os diferendos aparecendo sob nova forma mais adiante. A ao da OUA raramente foi decisiva, dadas as divises internas entre os Estados-Membros e a relutncia dos Chefes de Estado africanos em ofender seus pares56. Os esforos da Organizao da Unidade Africana para solucionar a questo do Saara Ocidental revelaram-se infrutferos, terminando o Marrocos por deix-la, em 1986, em protesto, aps o reconhecimento pela OUA do direito saarau independncia. Em nome do princpio da no interferncia, a Organizao absteve-se de atuar em numerosas situaes de guerra civil, mesmo quando esses conflitos adquiriram grande escala, como nos casos do Congo ex-belga e em Biafra. Pela mesma razo, manteve-se inatuante inclusive diante de extensas e sistemticas violaes dos Direitos Humanos, como nos reinados de terror deslanchados por Jean-Bedel Bokassa na Repblica Centro-Africana e Idi Amin em Uganda. No princpio da dcada de 1960, os pases do Grupo de Brazzaville haviam acordado a criao de um Comando de Defesa Conjunto, com atribuies apenas consultivas, a ser baseado no Alto Volta (atual Burkina Faso). Mais ambiciosamente, o Grupo de Casablanca havia determinado a constituio de um Alto Comando Africano Conjunto, encarregado de estabelecer uma estrutura militar unificada capaz de atuar na libertao dos territrios africanos ainda sob domnio estrangeiro. Nenhuma dessas propostas chegou a ser concretizada antes da formao da Organizao da Unidade Africana, que contava entre suas estruturas com uma Comisso de Defesa, incumbida somente de coordenar e harmonizar as polticasZARTMAN, I. William. Inter-African Negotiations and Reforming Political Order. In HARBESON e ROTHCHILD, op. cit., pp. 224, 227.56

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de defesa dos Estados-Membros57. Vrias propostas de criao de mecanismos abrangentes na rea de segurana, como um Alto Comando Africano Conjunto, em 1965, uma Organizao Africana de Defesa, em 1975, e uma Fora Africana de Defesa, em 1979, no foram adiante por falta de apoio58. Foi realizada apenas uma misso de apoio paz sob os auspcios da Organizao da Unidade Africana, desde sua fundao at o final dos anos 1980. Em dezembro de 1981, no mbito do esforos para pr fim guerra civil no Chade, uma fora africana de monitoramento foi desdobrada naquele pas, com mandato conferido pela OUA. A fora encontrou muitas dificuldades para cumprir sua misso, contudo, e foi abruptamente retirada em junho do ano seguinte59. No incio da dcada de 1990, diante de escalada de conflitos no continente, teve lugar nova reflexo sobre o papel da Organizao da Unidade Africana no que tangia paz e segurana. O ento Presidente da Nigria, Olusegun Obasanjo, na Assembleia da Organizao em Campala, em maio de 1991, props a realizao de uma Conferncia sobre Segurana, Estabilidade, Desenvolvimento e Cooperao na frica. Na Assembleia realizada em Dacar, em junho de 1992, o Secretrio-Geral da Organizao, Salim Ahmed Salim, sugeriu a criao de Mecanismo para a Preveno, Gerenciamento e Resoluo de Conflitos60. A constituio do Mecanismo foi aprovada na Assembleia que teve lugar no Cairo, em junho de 1993. Era composto por um rgo Central, integrado pela troica da OUA, e um Bureau, do qual participavam trs pases de cada uma das cinco regies geogrficas da frica. No mbito do Secretariado, foram estabelecidos o Centro para a Gesto de Conflitos e o Fundo de Paz, para apoiar as atividades do Mecanismo. A Organizao da Unidade Africana passou a adotar uma postura mais pr-ativa no que tangia mediao preventiva, enviando misses de bons ofcios ao Congo-Brazzaville, Libria, Ruanda, Togo e Zaire (atual57 FRANKE, Benedikt. A Pan-African Army: The Evolution of an Idea and its Eventual Realisation in the African Standby Force, p. 2. African Security Review, Pretria, vol. 15, no. 4, dezembro de 2006. 58 ABOAGYE, Festus B. Complex Emergencies in the 21st Century: Challenges of New Africas Strategic Peace and Security Policy Issues, p. xiii. Pretria, Institute for Security Studies, ISS Monograph 134, maio de 2007. 59 FRANKE, op. cit., p. 4. 60 DENG, op. cit., p. 348.

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Repblica Democrtica do Congo), no intuito de prevenir ou solucionar episdios de violncia. O papel dos antigos grupos ad hoc foi assumido pela figura do Representante Especial do Secretrio-Geral61. Ao abrigo do Mecanismo, foram desdobradas oito misses de paz em cinco pases: Ruanda (Neutral Military Observer Group NMOG I e II), Burundi (Observer Mission in Burundi OMIB), Comores (Observer Mission in Comoros OMIC I, II e III), Repblica Democrtica do Congo (Joint Military Commission JMC) e na fronteira entre a Eritreia e a Etipia (OAU Liaison Mission in Ethiopia-Eritrea OLMEE). Essas operaes contaram com poucos recursos, tendo seu pessoal variado de um mnimo de 14 a um mximo de 70 participantes e seus oramentos de US$ 105 mil a US$ 3 milhes62. O rgo Central no chegou a desenvolver a capacidade de desdobrar misses de apoio paz de forma consistente, tendo limitado sua atuao a regies em que as Comunidades Econmicas Regionais relevantes no tinham meios para agir ou eram incapazes de lograr o consenso necessrio para faz-lo. Na frica Ocidental, em contraste, a Comunidade Econmica dos Estados da frica Ocidental (Economic Community of West African States ECOWAS) realizou intervenes em grande escala na Cte dIvoire, na Libria e na Serra Leoa. O impacto do rgo sobre a situao de paz e segurana no continente foi, assim, limitado, dado o carter ad hoc de suas aes, as dificuldades de financiamento, o escopo modesto dos mandatos e as dimenses insuficientes das misses que chegaram a ser desdobradas63. 3.4 Um novo comeo Com o fim do regime do apartheid, em 1994, ruiu o ltimo bastio do colonialismo e a frica ingressou em uma nova etapa de sua Histria. Passados trinta anos da criao da Organizao da Unidade Africana, o balano de suas realizaes era na melhor das hipteses modesto, gerando difundido sentimento de insatisfao. Reconhecia-se amplamenteZARTMAN, op. cit., p. 225. CILLIERS, Jakkie e MALAN, Mark Malan. Progress with the African Standby Force, p. 1. Pretria, Institute for Security Studies, ISS Paper 98, maio de 2005. 63 ABOAGYE, op. cit., pp. 3-4.61 62

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a debilidade da organizao no campo da resoluo de conflitos e a necessidade de dar novo mpeto ao processo de integrao africana64. Em setembro de 1999, por ocasio da Quarta Sesso Extraordinria da Assembleia da Organizao da Unidade Africana, em Sirte, na Lbia, o anfitrio, Muamar Gadafi, retomando a bandeira de Nkrumah, instou seus pares a criarem, no mais breve prazo, os Estados Unidos da frica. Movidos ao, os Chefes de Estado e de Governo africanos acordaram criar uma Unio Africana (UA), modelada conscientemente na experincia europeia de integrao. Na Trigsima Sexta Sesso Ordinria da Assembleia da Organizao da Unidade Africana, realizada em Lom, em julho de 2000, os mandatrios africanos adotaram o Ato Constitutivo da Unio. Na Quinta Sesso Extraordinria, em maro de 2001, novamente em Sirte, foi unanimemente declarado o estabelecimento da Unio Africana e decidido que o Ato entraria em vigor um ms aps sua ratificao por dois teros dos Estados-Membros (ou seja, 36 pases). Essa condio cumpriu-se no ms seguinte, passando o novo acordo pan-africano a vigorar em 26 de maio de 2001. Em julho de 2001, em Durban, na frica do Sul, realizou-se a Trigsima Stima e ltima cpula da OUA e a sesso inaugural da recm-formada UA, sendo o ento Chefe de Estado sul-africano, Thabo Mbeki, eleito seu primeiro Presidente. O Ato Constitutivo estabelece como objetivos da Unio Africana alcanar maior solidariedade ent