A Arte de Aproveitar-se Das Proprias Faltas Pejose Tissot

download A Arte de Aproveitar-se Das Proprias Faltas Pejose Tissot

If you can't read please download the document

Transcript of A Arte de Aproveitar-se Das Proprias Faltas Pejose Tissot

P. JOSt TISSOT, Milionrio t S. Frto almas, que principiam a dar os primeiros passos no caminho do aperfeioamento interior, S-Francisco dc Sales se esfora por inculcar o conhecimento prtico da fraqueza humana. So estas, com efeito, que, cometidas as faltas, a inexperincia torna mais acessveis ao espanto e s suas funestas conseqncias. "Perturbar-se c desalentar-se ao cair cm pecado diz muito bem o piedoso autor acima mencionado no c naber conhecer-te".Vejamos a delicadeza e a graa com que o nosso santo doutor repreende e instrui estas almas; "Dizeis-me que sois ainda muito sensvel s injrias que voi fazem. Mas, minha querida filha, a que se refere este aindaf J a muitos destes inimigos vencestes e prostrastes? E' impossvel que tio cedo sejais senhora de vossa alma e a governeis dum modo to absoluto. Contentai-vos ganhando dc tempos a 9

tcmjk>s alguma pequena superioridade sobre o vosso inimigo. A imperfeio h ile acompanhar-nos at sepultura. No podemos andar sem tocar na terra. O que no devemos fazer c deitat-nos nela e retouar-nos na bny>a nu* nem pensemos em voar, porquanto, pintainhos que somos e to pequem^, ainda no temos asas".' Foi S- Paulo purificado num s instante, conto o foram tambm S. Madalena. S. Catarina de Gnova. S. 1'elgia e outros mais. Mas uma transformao to re-|cntina , na ordem da graa, milagre to grande e ex-trordinrio como , na ordem da natureza, a ressurreio dum morto; a tanto no devemos pretender. A purificao ordinria, tanto du corpo como do esprito, s st faz pouco a pouco, a custo c com vagai*-. A alma. que do pecado remonta vida devota, se assemelha i alva do dia que, ao despontar, no expulsa ns trevas dum jato, nus aos poucos, gradativamente. Diz o aforis-iuf cura, feita devagar, >cmprc mais segura-As doenas do corao, tanto como as do corpo, vm a galope e em corrida de postilho, mu vo-se a p c a jusso lento". "* tf, pois, preciso ter pacincia e no pensar em curar num s dia tantos hbitos maus. que contramos peto pOBOO cuidado com a nossa sade espiritual. E o bom Santo conclua sempre que, "sc a nossa fraqueza natural nm faz incorrer em muitas faltas, de modo algum nos levemos admirar disso". M De mais a mais, 5- Francisco de Sales no concedia a ningum, |>or mais adiantado que estivesse nas virtu* des, o direito dc se admirar de haver cado cm pecado, dirigindo s mais fervorosas religiosas estes avisos: "A_ duas oisas^ necessrio que estejamos resolvidos: uma, a_vcr crescer ervas daninhas em nosbo jardim; outra, ter coragem de deixar arranc-las c de ns mesmos as arrancarmos; porque o nosso amor-prprio no h de morrer enquanto vivemos e lc o autor destas importunas vegetaes"." "Revejo as lgrimas de minha pobre irm N. e parece-' me que a 11

origem de todas as nossas mgoas est cm nos esquecermos daquela mxima dos Santos, segundo a qual Iodos os dias devemos julgar que principiamos a uos-aprendizagem na perfeio. Se pensssemos bem nisto, no nos sentiramos admirados dc descobrir misrias em ns nem de ter de recear algum defeito".11 "Perguntais.. . como podereis prender o vosso esprito a Deus, de tal modo que nada o pudesse soltar nem separar, Duas coisas para isso so necessrias; morrer e salvar-se; porque s depois disto no haver mais separao e o vosso esprito poder ficar indissoluvelmente apegado c unido a Deus".14 6. Recomecemos! Bem diz S* Francisco de Sales que "a origem de todas as nossas mgoas est cm nos esquecermos daquela mxima dos Santos, segundo a qual todos os dias devemos julgar que principiamos a nossa aprendizagem na perfeio". Efetivamente, a perfeio cm grande parte c uma questo de recomear. Definio sumria e ao mesmo tempo relativa. E' lgico: recomear cada dia, humildemente, sem despeito, com confiana e ardor; recomear a tarefa to interessante c to ingrata, s vezes, do prprio aperfeioamento, tudo isto exige uma no pequena medida de boa vontade. Como, porm, no cu triste de um inverno que acabou. Deus faz surgir o sol radioso para recomear a florida estao da primavera, assim cm nossa alma surge tambm o sol la graa, se nos voltamos para Deus. S. Francisco de Assis, s vsperas da morte, le, o emulo dos serafins, dizia ao seu irmo&inho Frei Leo: "Meu irmozinho, quando, foisr amaremos ver* dad&rawtente ao bofn Deus?... Vamos!... comecemos a fazer alguma coisa para le!" Recomecemos, pois, cada dia, nossa vida de f, de luta., de confiana, de pacincia, de devotamento, de amor divino... Recomecemos corajosa e confiantemente, pois que o recomear nos levar perfeio! * *

H nos oonselhos do nosso santo doutor uma suprema consolao para as almas que seriamente desejam agradar sem reserva a Deus c se dedicam ao seu servio por ntimas comunicaes. Julgam-se elas mais indesculp-veis que as outras nas infidelidades que involuntariamente cometem e parece-lhes que as suas quedas devero causar-lhes maior admirao. E, todavia, no assim que o entendem os mestres da vida espiritual "Freqentemente nota o P* Grou as nossas quedas resultam da rapidez da carreira: o ardor que nos impele no nos d tempo de tomarmos certas precaues. As a!mas tmidas e precavidas, semiire desejosas de ftiber onde pem os pcsf sempre a f|ar vnlias pfta MBUI ltm pUtO rTf fafrfl constantemente receosas dc se mancharem, no avanapi Io depressa quanto as outras, e. *nrpn-mrU>-a< q||lr ni;prc a morte no r.eio da posta sair; Li em ciou, porm, no Cu, quando u suavidade* da belexa dc Deus ocuparem todo o nosso entendimento c as delicias da sua bondade saciarem toda a nossa vontade, sem nada haver que a plenitude tio seu amor no preencha, objeto nmhum, ainda que ele penetre at ao* nossos coraes, poder jamais tirar nem fazer sair uma s gota do precioso licor do seu amor celeste, e no ser i^mis possvel pensar cm deixar entrar o vento por cima, quer dizer, iludir ou surpreender o entendimento, porque ficar imvel na apmato da verdade soberana". Fiquemos bem avisados: uma queria em pecado, grave que seja, nao poderia provocar espanto seno no Cu, onde no pode haver quedas. C na terra, no h motivo para disto algum se admirar mais do que vendo um lquido sair dum vaso aberto. 8. Tornar a le%mos tanto quanto Deus c misericordioso pira os que tm vontade de o amar c nele puseram a sua esperana". #f 7. Confiana inquebrantvel cm Deus. A verdade destes pensamentos h de sobressair melhor ainda, quando H segunda parte do nosso livro, virmos o doutor da consolao servir-se da prpria conscincia das nossas faltas para redobrar a confiana na misericrdia divina. Bastam, porm, estes excertos c consideraes para fechar a porta desesperana, cm qualquer estado em que sc ache a alma, para demonstrar que o receio inspirado pek> conhecimento da nossa fraque/a deve ser sempre temperado e dominado por uma confiana inabalvel em Deus. Insiste o nosso Santo particularmente na necessidade c maneira de conciliar estas duas disposies: "Devemos combater sempre entre o temor e a esperana, mas com o cuidado de

23E' linia ainda a observao do ilustre jesuita R. Plus: 24E' linia ainda a observao do ilustre jesuita R. Plus: 24

sobrepor a esperana ao temor, considerando a onipotncia daquele que o nosso auxlio".-' u Fti penitencia, diz S. Joo, quer dizer, abatei esses montes dc orgulho, enchei esses vales de tibieza e pusilanimidade, porque se aproxima o Salvador" (Lc 3,4-6). Ora, os vales que o glorioso Santo quer que se preencham so o receio que, sendo demasiado, leva ao desanimo. A considerao das grandes culpas cometidas traz consigo um certo horror, um espanto e receio que abate o corao, e estes so os vales que mister encher de confiana e esperana, para o advento de Nosso Scnlwr. A santa penitente Tas, dirigindo-se um dia a S. Pafundo, lhe disse: "Meu Pai, que devo fazer? A recordao da minha vida miservel me espanta e assombra!" Ela havia sido uma grande pecadora e estava cheia dc medo por causa dos pecados cometidos, O bom Santo lhe respondeu: Tremei, mor tende esperana! Tremei com medo dc vos tornardes soberba e orgulhosa; mas tende esperana, a fim de no cairdes na desesperao e no desnimo- Forque o receio e a esperana nunca devem andar desacompanhados um do outro, de modo que, se o'receio no fr acompanhado da esperana, no o receio, mas a desesperana, e a esperana sem receio presuno. "Omnis valtis implebitur": urge, pois, enchermos de confiana c ao mesmo tempo de temor de Deus esses vales dc desnimo, que o conhecimento dos pecados cometidos em ns produz".*' lembremos, ainda, por fim, estas consoladora* palavras do profeta, confirmando to bem, na sua bela linguagem bblica, os ensinamentos do nosso Santo animador por excelncia: "Bem-aventurado o homem que confia no Senhor e de quem o Senhor a esperana. Ser como a rvore que transplantada sobre as guas, a qual estende as razes para a humidade, e no terter a secura, quando vier o calor. Ser sempre verde a sua folha, e era tempo dc seca no ter mngua, nem jamais deixar de dar fruto" (Jer 177-8). 11

8. Recorramos Virgem Maria! S. Francisco de Sales, ainda depois da sua morle, como se quisesse continuar a guerra que durante a vida tinha feito desesperao, arrancou ao prprio demnio uma confisso repleta de incitamento para as almas mais criminosas.m Touxeram para junto do tmulo do Santo Bispo de Genebra, no tempo em que se institua o processo da sua beatificao, um jovem que, havia cinco anos, estava possesso do esprito maligno. Teve de se esperar a sua cura durante muitos dias, e entretanto foi este desgraado submetido ali, junto dos restos mortais do Santo, a um longo e repetido interrogatrio, que lhe fizeram o bispo Charles Auguste de Sales c a Madre de Chaugy. Duma vez, como o demnio gritasse com mais furor e confuso, dizendo: "Para que hei de eu sair?!", a Madre Chaugy, com aquele calor que lhe era peculiar, excla-

25

11

mou: ,O* Santa Mae de Deus, rogai por ns! Mariai Mae de Jesus, socorrei-nos P A estas palavras, o esprito infernal redobrou os seus horrendos grilos, bradando: "Maria! Or Maria! Ah! eu no tenho Mariai... No profiras este nome; cie me faz tremer! Ah! se tivesse Maria por mim, ccmo vs a tendes, no sert o que sou! ____ Mas eu no tenho Maria!" Todos choravam. "Ah! continuou o demnio, se cu tivera um momento s daqueles que vs desperdiais, sim, um s momento c Maria, eu no seria demnio!"

Pois bem. Ns que vivemos (SI 113,18) temos o momento presente para voltar a Deus, e Maria para nos obter a

sua graa. Quem, pois, h dc desesperar?

PARTE II

APROVEITAMENTO DAS PRPRIAS FALTAS

CAPITULO I

UTILIZEMO-NOS DAS NOSSAS FALTAS PARA NOS HUMILHAR CONHECENDO A NOSSAABJEAO

I. Deus nos permite tirar o bem do mal No desanimemos, nem mesmo nos surpreendamos das nossas quedas; essas disposies so necessrias, ao mesmo tempo que eminentemente salutares. Todavia, ncr constituem seno a parte negativa da arte de utilizarmos as nossas prprias imperfeies, Abordemos agora o lado positivo e indaguemos como, segundo a escola de S. Francisco de Sales, poderemos converter em proveito espiritual os pecados que cometermos, sem que eles percam alguma coisa da sua torpeza e da sua malida. E' claro que tal proveito no advm dos pecados considerados em si mesmos, mas sim da misericrdia divina e da graa de Cristo que, servindo-se das nossas iniquida* des, sabe fazer refulgir a sua bondade c das nossas fraquezas tirar proveito para a nossa salvao. O adubo da terra , sem dvida, uma corrupo, uma putrefao, c, contudo, observa S. Bernardo, "o lavrador c o jardineiro aproveitam-no para a cultura das terras, a fim de obterem frutos mais perfeitos e abundantes. Por tal arte serve-se Deus das nossas imperfeies para que as nossas almas produzam copiosos frutos de virtude, e a sua bondade, que sabe sempre pr ao servio da beleza da ordem divina a nossa vontade e as aes desordenadas, digna-se mui29

ta* vezes tambm empreg-las em beneficio nosso'*.' Este proveito .ser unto mais considervel quanto, por um Udo, mais vivamente detestarmos os nossos defeitos, e mais implacvel guerra fizermos contra lest c, por outro lado. quanto maior fr a nossa f nos desgnios de Deus e mais ativamente nos associarmos a stes, crendo que s para o nosso bem que lc permite os nossos desacertos. Temos de penetrar nos planos do Redentor, tais como a Igreja os patenteia, combatendo Satans com as suas prprias armas, voltando contra ele os seus artifcioi e buscando remdio nos mesmos golpes que nos inflige.* Deste modo. por uma feliz experincia, vemos quanta verdade h nesta palavra de S. Joio Crisstomo: "Muitas vezes o demnio -nos de grande utilidade; o preciso faze-lo servir ao nosso proveito. Sfio inapreciveis os benefcios que lc involuntariamente nos prestar",1 Resume-os S. Agostinho nestas palavras: "Tudo contribui para a bem dos que ama*n a Deus, diz lc, repetindo S. Paulo; tudo, at as quedas, om>ia> imo ipsi lapsus in precata; pois delas podemos levantar-nos mais humildes, cautos e fervorosos; nom es casu humUiores, cautiores ct ferventiores resurgunf9,f E1 o pensamento de S. Francisco de Sales: "Preciosas imperfeies! exclama lc; fazem-nos conhecer a nossa misria, exercitam-nos na humildade, no desprezo de ns mesmos, na pacincia e na diligncia". * ) *Hoc opus nostr* salutis Ordo depofosceraL Multiforme proditoris Ari ut artem allcret. Et medeiam ferret imle Hostis unde facyrat*. (Hmo da Paixo). 30

2. Progresso na humildade. Falemos, em primeiro lugar, das primeiras das trs vantagens, que das nossas quedas podem resultar: a humildade; pois a primeira que o bem-aventurado bispo de Genebra assinala juntamente com S Agostinha 4 *Dgne-sc o Espirito Santo inspirar-me o que eu tenho a escrever-lhe, minha senhora, ou, se lhe apraz, minha querida filha. Para viver constantemente na piedade, nio h como infundir no espirito as mximas de grande alcance c valor. A primeira, que eu desejo conserve gravada no esprito, a de S. Paulo: "Tudo reverte em beneficio dos clas nossas prprias faltas. semelhana da mandbula dessecada dum vil animal, a qual nas mos de Sanso se transformou num engenho de morte contra os filisteus, podem tambm os nossos pecados, por mais hediondos que sejam, transformar-se numa potentssima arma

contra o orgulho e vir a ser, destarte, ensejo para operarmos a nossa salvao c perfeio. Com efeito, se o orgulho provm duma estima c amor desordenado da nossa pretendida excelncia, a humildade, diz o nosso amvel Santo, essa vem do "conhecimento verdadeiro da abjeo prpria voluntariamente reconhecida". E que h mais de molde a dar-nos este reconhecimento voluntrio do que a considerao dos nossos pecados? So eles, verdadeiramente, na engenhosa expresso do R Alvarez, outras tantas janelas, pelas quais entra a luz a incidir com maior claro sobre a nossa misria". 27 28 Mais eficazmente do que as humilhaes que nos vm dos acontecimentos ou dos homens, as nossas quedas evidenciam e convencem de que as foras vivas mais ntimas da alma no valem nada. "E, diz S. Francisco dc Sales, no nos faz preturbar este conhecimento do nosso nada, antes torna-nos mansos, humildes e abate-nos a altivez; porque o amor-prprio que nos faz impacientes ao vermo-nos vis e abjetos".11 Mas eu sou to miservel, to cheio de imperfeies f Conheces bem o teu estado? Pois bendiz29 a Deus por te dar tal conhecimento, e no te lamentes tanto. $ bem feliz cm conhecer que s a misria em pessoa"."

25"O que pensam de mim?--. No sei. E pouco me importa! O que eu sou?... Ei-lo!.., E o desprezo de ns mesmos ainda nos difcil?!" (R. Plus, S J "Vivrc avec Dicu", p. 81). 26"O que pensam de mim?--. No sei. E pouco me importa! O que eu sou?... Ei-lo!.., E o desprezo de ns mesmos ainda nos difcil?!" (R. Plus, S J "Vivrc avec Dicu", p. 81). 31

27"O que pensam de mim?--. No sei. E pouco me importa! O que eu sou?... Ei-lo!.., E o desprezo de ns mesmos ainda nos difcil?!" (R. Plus, S J "Vivrc avec Dicu", p. 81). 28"O que pensam de mim?--. No sei. E pouco me importa! O que eu sou?... Ei-lo!.., E o desprezo de ns mesmos ainda nos difcil?!" (R. Plus, S J "Vivrc avec Dicu", p. 81). 29"O que pensam de mim?--. No sei. E pouco me importa! O que eu sou?... Ei-lo!.., E o desprezo de ns mesmos ainda nos difcil?!" (R. Plus, S J "Vivrc avec Dicu", p. 81).

"Devemos confessar a verdade: somos umas pobres criaturas que no podem fazer bem algum".11 "Eu te digo que sers mais fiel se fores humilde. E eu serei humilde? Sim, se queseres sedo. Mas eu quero. Pois ento s. Mas eu conheo que nao o sou. Tanto melhor, pois isso serve para o seres com mais firmeza".11

32

"As imperfeies que cometemos em tratar dos negcios, tanto interiores como exteriores, so um motivo eficaz de humildade, c a humildade produz e alimenta a generosidade". " Com efeito, como confiar em si c julgar-se alguma coisa, quando ao primeiro sopro da tentao a derrota se verifica, quando vemos cederem as resolues formadas e esvarem-se como "uma centelha, como uma pouca de estopa atirada chama, ut favillo stuppae*.. quasi scintit* ta"t (Is 1.31). Ahl como o orgulho se enfraquece naquele em quem uma queda mostra a realidade da sua misria, c como ento .a humildade assenta melhor na verdade! No se julga ouvir uma voz bradar: "Recta iudicate! Sejam retos os vossos juzos!"? (SI 57,1). "Eis-vos pesados na balana, c viu-se que no tnheis o peso que quereis" (Dan 5,27). "Pensveis que reis mais, e eis que sois menos" (Ag 1,9).

I

fazer ver pela experincia da sua fragilidade que no podem contar com as suas foras". M "Permite Nosso Senhor, continua o nosso Santo, que nestes pequenos encontros fiquemos por baixo, para que nos humilhemos e saibamos que, se vencemos certas tentaes maiores, no foi por nossas foras, mas pela assistncia da sua divina bondade".11 Tenda pacincia... Se Deus vos deixar tropear, ser para vos fazer conhecer que, se lc vos no amparasse, caireis redondamente". 6. humildade sc alimenta dos sofrimentos cousa* das pelas imperfeies. "Curou Deus a alguns de repente, sem lhes deixar vestgios das enfermidades passadas, como o fz a respeito de Madalena, a qual, em um instante, de um enxurro d'agua corrompida, foi transformada em fonte dgua perfeita e lmpida, c nunca mais, desde aquele momento, foi turbada. Mas tambm ste mesmo Deus deixou em muitos de seus caros discpulos no poucos vestgios de ms inclinaes algum tempo depois de convertidos, para a maior utilidade deles, como testemunha S. Pedro, o qual, depois da sua primeira vocao muitas vezes tropeou em imperfeies c at uma vez caiu de todo e tao miseravelmente, quando negou o seu divino Mestre. Diz Salomo que insolente unus escrava que de sbito se faz senhora de casa (Prov 30,23). Se a alma, que por muito tempo foi escrava das paixes, Sc tornasse de um momento para outro perfeita senhora de si mesma, correria o perigo de se tornar orgulhosa e vaidosa. H de ser pouco a pouco, palmo a palmo, que devemos adquirir este domnio, em cuja conquista os santos e santas gastaram muitas dezenas de anos". " "Ficai em paz e suportai com pacincia as vossa peque* nas misrias. Sois de Deus sem reserva; file vos conduzir bem. Se vos no livra to depressa de vossas imperfeies, para o fazer com mais utilidade para vs e exercitar-vos por mais tempo na33

5. Trs espcies de cajados. Tal , segundo os Santos doutores, o principal desgnio de Deus, permitindo os nossos pecados. "O Bom Pastor usa trs espcies de cajados para com as suas ovelhas: um, de correo: as adversidades; outro, de provao: as tentaes; o terceiro um cajado de indignao, e esse consiste cm permitir que pequemos. Sob o peso de qualquer deles, o homem forado a reconhecer o seu nada c humilhar-se; mas nunca melhor o faz do que quando est sob o jugo do terceiro; pois na observao das suas quedas que le v realmente a sua misria no dizer de Jeremias: "Eu sou um homem que vejo a minha indigncia sob a vara da indignao do Senhor" (Lam 3,1). Este cajado to salutar que Deus no hesita cm empreg-lo ainda com os seus melhores amigos. Como a sua humildade encontra nas prprias virtudes o mais temivcl escolho, deixa-os Deus s vezes cair em imperfeies ou lhes permite que as suas antigas inclinaes ms levantem de sbito a cabea, para lhes 56

humildade, a fim de que fique esta querida virtude bem arraigada em vossa alma"." Sabeis que j muitas vezes vos disse que deveis ser igualmente afeioados prtica da fidelidade para com Deus c humildade; da fidelidade, para renovardes as resolues de servir bondade divina tantas vezes quantas as violardes, apesar de toda a vossa cautela em no as transgredir; da humildade, para, no caso de as violardes, reconhecerdes a vossa misria r abjeo", M "Aqueles que aspiram a ter um amor puro a Deus no tm tanta necessidade da pacincia para com os outros quanto consigo mesmos. Para sermos perfeitos, precisamos suportar as nossas prprias imperfeies. Eu digo suportar com pacincia e no ornar e nem acariciar. Deste sentimento c que se alimenta a humildade", ** 7. Certos pecados menos graves que o orgulho servem para cur-lo. Ponderemos bem. A doutrina do nosso Santo, como a dos outros doutores, nao aplicvel somente a faltas leves. S. Isidoro*' c S. Toms" afirmam que, para punir o orgulho, permite Deus algumas vezes quedas graves cm pecados hediondos. Como estes pecados nao so to graves como a soberba, serve-sc delas a divina Misericrdia, dizem eles, para assustar, abalar e reconduzir a si a alma orgulhosa: "ut per hanc humiliatus a confusione cxsurgaf\ a semelhana do mdico hbil que, para curar uma enfermidade mais sria, deixa que o seu doente se debata nos braos dum mal qui mais doloroso, porm menos perigoso. A este propsito escreveu excelentemente o clebre publicista moderno Luis Vcuillot: "E' uma graa feita misria do homem o resvalar le quando passos mais firmes podiam lev-lo aos funestos excessos do orgulho". Faz S. Joo Crisstomo reflexes anlogas: "Deus permite as vezes que os pecados das almas nobres c generosas sejam conhecidos. Havia-sc introduzido nelas a vaidade das intenes, e 56

por isso quer o Senhor por meio das suas faltas despojadas dessa glria popular por amor da qual arrostaram com os perigos de toda espcie, c, mos-trando-lha efmera como a flor dos campos, leva-as a consagrar-se a Cie sem reserva e a consider-lo como o nico fim de Iodas as suas aoes'\ " E, depois de citar ilustres penitentes, a quem a meditao sobre os benefcios de Deus e a conscincia de ligeiras imperfeies enchiam de compuno, o Santo bispo de Constantinopla acrescenta: "Para ns, so insuficientes estes remdios. Para triunfar do orgulho carecemos doutra fora, e qual? A multido de nossos pecados e a perversidade da nossa conscincia que, achando pouco ternos afundado cm mil torpezas, ousa ainda deixar que nos enchamos de orgulho". M Falam a mesma linguagem muitos outros Padres da Igreja. SAgostinho se abalana a dizer: "De preferncia v Deus ms aes acompanhadas de humildade, do que obras boas inquinadas de orgulho". M S. Gregrio de Nissa: "Um carro cheio de boas obras, conduzido pelo orgulho, leva ao inferno; conduzido pela humildade, um carro cheio de pecados leva ao paraso". "Sucede s vezes, diz S- Gregrio Magno, que aquele que se v coberto de muitas manchas aos olhos de Deus todavia mais ricamente adornado com o vestido duma humildade mais profunda". S. Bernardo termina assim uma magnfica apologia da virgindade e da humildade: "O pecador que, para ir nos passos do Cordeiro, segue as sendas da humildade, trilha um caminho mais seguro do que o homem que, na

34

candura de sua virgindade, segue os caminhos do orgulho; porque a humildade daquele h de expurg-lo das suas impurezas, ao passo que o orgulho deste h de forosamente manchar a sua pureza". M 8. Gravidade do orgulho; benefcios das imperfeies, Ser-nos-o desculpadas Io numerosas citaes. O assunto a um tempo to importante e delicado, que temos necessidade de nos entrincheirar por detrs das grandes autoridades. Alm disso, nem sombra de exagerao descobriremos nos textos aduzidos, se seriamente quisermos meditar sobre a tese admiravelmente demonstrada na Suma de S. Toms (quaest. 102, ort. 6): "O orgulho por sua natureza, seeundum genus suum, o pior de todos os pecados, mais grave que a infidelidade, a desesperao, o homicdio, a luxria, etc". E a razo, continua o Anjo da Escola, est na averso a Deus que ele importa. homem, nos outros pecados, desvia-se d Deus por ignorncia, por fraqueza ou pelo desejo dum bem qualquer; ao passo que pelo orgulho desvia-se de Deus unicamente porque no quer submeter-sc a file e sua lei. Ef por isso, diz Bocio, que, enquanto todos os vcios fogem de Deus, s o orgulho o encara de frente, altivo. Daqui vem, no dizer de S- Tiago, que Deus resiste aos soberbos (Tgo 4). Deste modo que a averso a Deus e aos seus mandamentos constitui a prpria natureza do orgulho, cuja essncia o desprezo de Deus, enquanto nos outros pecados esse desprezo apenas uma conseqncia deles. E como o ser, que subsiste por si mesmo, sobreleva sempre ao que subsiste s em virtude duma causa estranha, segue-se que o orgulho por sua natureza o mais grave dos pecados, sendo que a todos excede tia averso a Deus, e est nisso a sua malcia formal. M Sc no pudermos adquirir muitas virtudes, dizia S. Joana Francisca de Chantal, tenhamos ao menos a humildade". Que 35

felicidade! E* precisamente sobre esta ausncia de virtudes sinceramente reconhecida, quer dizer, sobre a noo verdadeira que as nossas faltas nos do da nossa pobreza espiritual e do nosso nada, que podemos assentar a virtude-mae de todas as virtudes. Como no exclamar com o nosso amvel Santo: "Queridas imperfeies, que nos fazem reconhecer a nossa misria t nos exercitam na humildade!" Como nao aplicar o "felix culpai", culpa feliz! a cada uma das nossas quedas? "No vos regozijareis, escrevia uma santa Filha da Visitao, no vos regozijareis vista duma inundao, que, embora fosse a causa de deplorveis desastres, houvesse acarretado para um terreno vosso excelentes pedras, que destinareis para os alicerces dum palcio que quereis edificar? Ora, a humildade chamada fundamento e alicerce do edifcio espiritual, que Deus, s ao qual per-tence edificar como diz o profeta (SI 126), no construir nunca seno sobre o grande platno que llic tivermos cavado com o verdadeiro reconhecimento do que somos". ** 9, A lembrana das nossas quedas, poderoso remdio contra o orgulho. Uma vez ainda, pode ser mais seguramente formado este salutar conhecimento, e mais profundamente cavado este vcuo do que pelas nossas faltas? Derribam c fazem desabar pea por pea o madeiramento imaginrio das nossas foras e no tardamos a ver-nos cados no abismo do nosso nada, amparados e sustentados unicamente pela Misericrdia divina. Preciosa descoberta! Aguardava-a Deus: v a humildade dos seus servos, e tanto resiste aos soberbos, como d a sua graa aos humildes. Esta graa que, no dizer de S. Agostinho, inunda a nossa alma na medida do nosso abatimento e lana no fundo do nosso nada reconhecido as bases duma verdadeira santidade, mais ao abrigo, doravante, dos assaltos do orgulho. 63

ro

61

Se ento a vaidade tentar de novo penetrar dentro dente novo edifcio, uma palavra a expulsar: Precavi, pequei I Eis ai a minha obra, tudo mais de Deus! A exemplo de um sucessor eminente de S. Francisco de Sales, tia recordao de minhas quedas passadas hei de fazer um livro ntimo a que porei o ttulo: "Remdio contra o orgulho", e as suai pginas hei de l-las c torn-las a ler; delas exalar-se- o odor do meu nada, e o verme do meu orgulho morrer envenenado. Quanto mais alto me elevar Deus, ainda que fosse ao terceiro cu com S. Paulo, mais, imitao deste Apstolo, eu hei de encontrar tambm, na recordao das minhas infidelidades antigas, um contrapeso aos favores do Cu, que h de 30utcn1ar-inc no justo desapreo de mim mesmo. Assim, seguirei o conselho do Espirito Santo: "Nos dias felizes, no vos esqueais do mal" (Ecli 11,27). Na vida de S. Gertrudes l-se que Deus a deixava a braos com muitas enfermidades espirituais, como salvaguarda da humihlade dela. Afligia-se essa serva de Deus c, cedendo s suas instancias, uma piedosa mulher fazia oraes por ela, havia j algum tempo, quando Nosso Senhor lhe disse um dia: "Esses defeitos de que a minha amada se lastima so para ela de muito proveito. Todos os dias derramo cm sua alma unia tal abundncia de graas, que, para preservar a sua fragilidade humana dos assaltos da vaidade, devo ocultar-lhe muitas dessas graas debaixo da nuvem dessas faltas leves- O adubo fecunda a terra: a conscincia que uma alma tem da 30 E nada, realmente, mais atormentador. Quando o homem considera, no fundo de si mesmo, com os olhos queimados de amor, a imensidade de Deus, sua fidelidade; quando medita na Sua essncia, no Seu amor, nai Suai (trovas de amor, nos Seus benefcios; quando o homem, em seguida, contcjnplando-sc a ii mesmo, conta o atentados contra Senhor imenso c fiel. volta-se ck para o prprio fuodo do seu interior eom uma tal Hf-nxo e um tal desprezo de s mesnso, que ji rio sabe o que empreenda para satisfazer o seu horror" (RuyjbroecJt). 37

sua falta de foras faz germinar nela o reconhecimento, e, de cada vez que assim se humilha das suas faltas, dou-lhe uma graa que as destri; pouco a pouco, vou mudando os defeitos em virtudes, c a alma surpreender-se31 ao ver-oie, um dia, inundada duma luz sem sombras"." 10. O reconhecimento fora com Deus. O reconhecimento para com Deus , pois, um outro fruto que a recordao das nossas falias perdoadas deve produzir e fazer germinar. A humildade em sua essncia verdade; e, ao mesmo tempo que nos desvenda o nada donde fomos tirados, pe cm relevo o bem, que cin ns procede de Deus, como de sua causa primria. Deste modo, quanto mais esclarece a nossa alma sobre a sua baixeza, tanto mais refulgir faz, a nossos olhos, num contraste esmagador, a grandeza e multiplicidade dos benefcios de Deus, e conseguinte-mente, mais tambm nos facilita o reconhecimento para com o "Autor de todo dom perfeito" (Tgo 1,17). No ste um dos menores proveitos que das nossas faltas podemos auferir. Filha do orgulho, a ingratido c um peado que se difunde por sobre todos os outros iscados, tornando-os enormes. , no dizer de S. Bernardo, um vento que desseca e estanca as fontes da graa. Ora, este vicio no pode ser mais vitoriosamente combatido do que pela considerao das nossas infidelidades, postas em confronto com as persistentes misericrdias de Deus. 31 E nada, realmente, mais atormentador. Quando o homem considera, no fundo de si mesmo, com os olhos queimados de amor, a imensidade de Deus, sua fidelidade; quando medita na Sua essncia, no Seu amor, nai Suai (trovas de amor, nos Seus benefcios; quando o homem, em seguida, contcjnplando-sc a ii mesmo, conta o atentados contra Senhor imenso c fiel. volta-se ck para o prprio fuodo do seu interior eom uma tal Hf-nxo e um tal desprezo de s mesnso, que ji rio sabe o que empreenda para satisfazer o seu horror" (RuyjbroecJt). 63

"Sem duvida, nada to prprio para nos humilhar ante a misericrdia de Deus do que a multido de suas graas c a multido dos nossos pecados ante a sua justia. Consideremos32 pois, com muita ateno, o que Deus fez por ns e o que ns fizemos contra le. Ao passo que examinamos os nossos pecados um por um, examinemos tambm uma por uma as graas que Deus nos concedeu. 33

32 E nada, realmente, mais atormentador. Quando o homem considera, no fundo de si mesmo, com os olhos queimados de amor, a imensidade de Deus, sua fidelidade; quando medita na Sua essncia, no Seu amor, nai Suai (trovas de amor, nos Seus benefcios; quando o homem, em seguida, contcjnplando-sc a ii mesmo, conta o atentados contra Senhor imenso c fiel. volta-se ck para o prprio fuodo do seu interior eom uma tal Hf-nxo e um tal desprezo de s mesnso, que ji rio sabe o que empreenda para satisfazer o seu horror" (RuyjbroecJt). 33 E nada, realmente, mais atormentador. Quando o homem considera, no fundo de si mesmo, com os olhos queimados de amor, a imensidade de Deus, sua fidelidade; quando medita na Sua essncia, no Seu amor, nai Suai (trovas de amor, nos Seus benefcios; quando o homem, em seguida, contcjnplando-sc a ii mesmo, conta o atentados contra Senhor imenso c fiel. volta-se ck para o prprio fuodo do seu interior eom uma tal Hf-nxo e um tal desprezo de s mesnso, que ji rio sabe o que empreenda para satisfazer o seu horror" (RuyjbroecJt).

No receemos que nos encha de orgulho o reconhecimento do que Deus tem feito por ns, contanto que nunca esqueamos que tudo quanto h de bom em ns no nosso. Porventura, os animais dc carga no permanecem grosseiros e brutos, embora caminhem carregados com os trastes preciosos e perfumados dum prncipe? Que temos ns de bom que no tenhamos recebido? E, se os havemos recebido, para que nos orgulharmos dissof (1 Cor 4,7), o contrrio, a viva recordao das graas recebidas nos torna humildes, porque o conhecimento dum benefcio produz naturalmente o seu reconhecimento; c, se esta considerao excitar em ns alguma complacncia dc vaidade, temos um remdio infalvel contra este mal na lembrana dc nossas ingratides, imperfeies c misrias. Sim, se considerarmos o que fizemos, quando Deus no estava conosco, havemos de conhecer que o que fazemos, quando Ic est conosco, no vem impresso com o cunho da nossa individualidade, no obra nossa. Exultaremos certamente c rfgozijar-nos-emos do bem que le depositou em ns e porque somos ns que O possumos; mas toda a glria devida unicamente a Deus que o seu autor. Assim confessou publicamente a Santssima Virgem que Deus tinha operado nela grandes coisas e fz isso ao mesmo tempo para se humilhar e para dar glria a Deus". " Deixai que a memria vos lembre as faltas e infidelidades da vossa vida, para humilhao e emenda vossa, e no vos esqueais dos benefcios de Deus recebidos para lhos agradecerdes, Dizei ao vosso corao.: Eia! no queiras ser mais infiel, ingrato e desleal ao teu grande benfeitor. E como ser possvel que minh'alma no fique doravante sujeita a Deus, que em mim fz tantas maravilhas e tantas graas?!"*1 64 39

Meditemos ainda estas simples, mas to conceituosas palavras: Ver as suas trevas possuir uma grande /wj" (R. Plus). " medida que aixmares cm humildade, Deus far brilhar a sua luj nas tuas trevas e vers Os teus defeitos** (J. Schrijvcrs), 11. Lux e trevas. Para comentar em poucas palavras verdade enunciada nas duas ltimas citaes acima, recorramos a uma comparao. Quando se entra num quarto completamente s escuras, nada se enxerga, por mais que sc esforce a vista. E' possvel que haja muita poeira nos mveis, muitas teias dc aranha pelas paredes, e at camadas de barro no soalho nada se percebe como se nada disso existira. Enquanto as janelas permanecerem fechadas, enquanto no entrar um raio de luz no tenebroso recinto, tudo se passa como se estivesse o quarto muito limpo c asseado; a imudicie existe, mas invisvel por falta de luz. Logo, porm, que se ahra a janela e se deixe penetrar a claridade do sol, aparece imediatamente toda a desordem c desasseio do interior. No foi certamente a luz que o produziu; esta apenas o tornou visvel aos olhos do visitante; a falta dc asseio j existia, muito real, antes que a luz entrasse. Ora, para nos melhorarmos, para repararmos os nossos desacertos c avarias mister, antes dc mais nada, conhecer perfeitamente os respectivos defeitos. Para aplicar algum antdoto ou remdio, necessrio ter um exato conhecimento da enfermidade. Em outros termos: antes dc tudo preciso que se abram bem as janelas do nosso interior, para que a claridade do Sol divino possa derramar nele 01 seus raios c devassar os ntimos refolhos da conscinAK*

S

'5

63

cia, E' o que se faz invocando o Esprito Santo, para que nos faa conhecer o estado moral em que nos encontramos. No suficiente o pobre candieiro da razo humana; necessria outra luz mais forte, mister que venham das alturas celestes os jorros vivssimos do Sol divino; sem ele, tudo fica s escuras; sem ele no somos capazes de conhecer devidamente o que h no misterioso labirinto da nossa alma, Quanto mais abundante e mais intensa for esta luz sobrenatural mais claro e perfeito ser o conhecimento dos nossos pecados e das nossas faltas, ainda das mais insignificantes. O divino Esprito Santo ser nosso guia infalvel em toda a obra do aperfeioamento espiritual. Lamentavelmente, a sua benfica e divina atividade nos passa quase de todo despercebida, demasiadamente habituados e inclinados por natureza que estamos a julgar tudo o que observamos com os nossos olhos materiais. Tivssemos abertos os olhos da nossa alma! Veramos milagres a cada passo, milagres continuamente operados pela graa divina; veramos o campo de ao do Esprito Santo em toda a sua sublimidade e beleza... Por que, pois, no havemos de recorrer de preferencia ao nosso hspede divino, ao amigo mais interessado em nosso adiantamento espiritual, fonte de todas as graas e benefcios, ao principio vital das nossas aspiraes e dos nossos ideais sublimes? Nossa alma encher-se- de luz, de paz, de amor e de uma santa e invencvel alegria, e verificar-sc- cm ns o que o Esprito Santo anunciou pela boca do seu inspirado profeta Isaas: "Eu derramarei gua sobre a terra sequiosa, e rios sobre o solo seco; derramarei o meu Esprito sobre a tua posteridade, e a minha bno sobre a tua descendncia. E eles crescero entre as verduras como os salgueiros plantados junto das guas correntes" (44, 3, 4 ) ,

12. Indulgncia para com a fraqueza dos outros. Por ltimo quer S. Francisco de Sales que as luzes projetadas pelas nossas faltas sobre a fraqueza, de que enfermamos, nos conduzam, pela humildade, indulgncia para com as fraquezas dos outros. "Se formos humildes, diz lc, no nos perturbaro as nossas imperfeies, lembrando-nos das dos outros; pois, para que havamos ns de ser mais perfeitos do que os outros? Do mesmo modo, ao recordarmos as nossas imperfeies, no nos ho de causar perturbaes as do nosso prximo; pois, para que havamos de estranhar que os outros tivessem imperfeies, visto termo-las ns e tantas?'4 S. Joo Crisstomo insiste, com aquela energia que lhe habitual, sobre este resultado, to pouco apreciado, a que, segundo o plano divino, as nossas faltas nos devem levar. Demonstra lc que, sc o sacerdcio no foi confiado aos anjos, foi com o medo de que, na severa impecabilidade de que so dotados, chamassem pelos raios para fulminarem os pecadores. No assim o homem que, por experincia prpria, conhecendo a fragilidade humana, se condi naturalmente ao descobri-la nos outros. Nao outra a razo, continua o Santo bispo, por que, outrora como hoje, Deus permite que os depositrios da sua autoridade na Igreja cometam faltas, para que a conscincia das suas quedas os faa mais humanos para com seus irmos. E, provando a sua tese com dois exemplos, um do Novo Testamento, outro do Antigo, S. Joo Crisstomo pe em cena o ardente c intrpido S. Pedro, no compreendendo como possa algum escandalizar-se ou envergonhar-se de seu Mestre* jurando-lhe trs vezes fidelidade inviolvel, e em seguida

renegando-o miseravelmente, no sob a ameaa dalguma tortura ou da morte, mas simplesmente voz duma criada. Evoca depois o profeta Elias, cujo zelo na sua impetuosidade arrasava batalhes e reduzia fome um povo inteiro, ef logo depois, todo tremulo de medo, fugia perdido diante de uma mulher irada, JezabeL "Deus, conclui cie, permitiu a queda de Pedro, a coluna da Igreja, o porto da f, o doutor do universo, para ensinar-lhe a tratar os seus irmos com misericrdia; e, por uma permisso divina, tambm Elias caiu, para se revestir todo com o manto da caridade c se tomar indulgente como o seu Senhor". M Retomava este pensamento S, Bernardo, quando, comentando um provrbio, se expressava assim: "Quem passa bem no sente o mal alheio, c quem come bem no sabe quanto sofre o que no tem que comer Quanto mais dois doentes se assemelharem entre si, mais profunda a pena dos mnlcs que sofrem.-. Para condoer-sc das desgraas alheias, necessrio t-las experimentado cm si. Ef somente conhecendo nos bem que poderemos sentir na nossa a alma do nosso irmo e saber como dar-lhe auxilio".** E' ainda fato que no dizer do Padre Schrijvcrs, quanto mais nos aproximamos de Deus, tanto mais indulgentes somos para com as misrias de outrem, porque o esprito de Deus amplo e liberal, tolerante e infinitamente acima das nossas mesquinhas concepes humanas, Ganharemos mesmo o corao dos homens, porque todos sabero que, perto de ns, a sua reputao est garantida. A indulgncia que se testemunha para com os defeitos e desacertos do prximo indica o quanto se tem compreendido a fraqueza humana em si e nos outros. 41

Apliquemos a ns eslas lies. Enquanto nos conservamos de p t no camos, nao podemos desculpar nem mesmo compreender como os outros podem cair; e por isso sentimo-nos escandalizados e revoltados contra as quedas dos nossos irmos; e quantas vezes um secreto orgulho, sob a aparncia de zelo, nos faz indignar contra a faltas dos outros I Prostre-nos, porm, uma falta semelhante, c vermos ento como aquela severidade bem depressa se comuta em compaixo! Como sc compreender ento esta palavra de S. Agostinho: "No h pecado que outrem possa cometer, de que cu no possa nianchar-mc tambm", c estas conceituosas palavras da /m/ofo; 'Todos somos fracos; mas a ningum tenhas por mais fraco do que tu"? **

SIRVAM AS NOSSAS FALTAS PARA AMARMOS A NOSSA ABJEAO 1. Grande graa coniiecer a prpria objeo e comprazer-se nela. M A perfeio da humildade consiste no em reconhecermos de bom grado a nossa prpria abjeo, mas lambem em am-la e comprazer-se nela, no por uma carncia de nimo c generosidade, mas sim para exaltar a Majestade divina e ter os nossos irmos em muito mais elevado conceito do que a ns mesmos". ** "A humildade, diz tambm S. Madalena de Pazzi, no mais do que o reconhecimento constante do nosso nada, e um perene contentamento o meio de tudo o que provoca o menosprezo de ns mesmos". Ora, a esta perfeio elevada que as nossas 63

imperfeies podem e devem conduzir-nos. O raio de luz que elas projetam sobre a nossa misria no deve somente faz-la conhecer, mas am-la e quer-la tambm, "Conhecer a prpria abjeo e comprazer-se nela uma das maiores misericrdias de Deus; porque fazer-nos tirar da perdio a salvao, como le sabe fazer servir para a sua maior glria as nossas culpas. A esta luz compraz-se a alma em se ver mergulhada na lama das suas misrias, cercada do cortejo das humilhaes, como Job das suas dores; e, vendo-se assim rebaixada, compraz-sc, porque com isso pode honrar e exaltar a bondade de Deus. Se uma alma se reconhece miservel por suas quedas, a abjeo que da lhe provm um tesouro que a enriquece. Ignora-o a maior parte dos homens, que nao conhece esta felicidade. So pobres; todavia, na sua pobreza tem um tesouro e, se no o encontram, porque no sabem procur-lo". **

Uma eminente religiosa da Visitao diz-nos o apreo em que devemos ter aquele tesouro: "As nossas imperfeies diz ela constituem grande parte dos nossos capitais para a eternidade. A valia desses capitais reside no amor da abjeo, que procede das nossas imperfeies.,. No prezar o aviltamento, mas irrita-se c perturbar-se, obra que o demnio inspira.., A vida uma srie de quedas, aps as quais urge que nos levantemos c digamos: No farei mais isto! Tal proceder demonstra fora e coragem- As faltas no prejudicam quando assim reparadas. Pode-se reazrr pela humildade o que se perdeu por fraquesd\ ** O amor da abjeo identifica-se com o amor da verdade. E a verdade que ns somos miserveis e que, abstraindo dos dons que de Deus recebemos, no temos de nosso seno o nada e o pecado. Devemos sentir-nos felizes rcconhcccndo-o e vendo-o reconhecido tambm por nossos irmos, quando isso possa

ocorrer sem escndalo. Proceder de modo contrrio seria ofender tanto a lealdade quanto a humildade e cair na censura do profeta-rei: "Por que Miais a vaidade e procurais a mentira?" (SI 4,4), E uma verdadeira filha dc S. Francisco de Sales, pondo em prtica as lies do seu bem-aventurado Pai, dizia: "Se pudesse fazer-se que as nossas quedas no ofendessem a Deus, eu desejaria cair incessantemente, para tambm incessantemente ser confundida e aniquilada".*1 2. Antar as humilhaes apraxivu*r*se do Verbo n-tomado* No s o respeito pela verdade, continua o Santo bispo de Genebra, que a humildade crist inspire o prazer de no ser nada, nem ser contado por nada, ainda e principalmente o respeito pelas humilhaes do Verbo Encarnada Vestindo com a libr do pecado a sua adorvel inocncia, o Cordeiro divino dignou*se aceitar da nossa condio decada tudo, afora o pecado (Heb 1,5,5). O Evangelho'diz a profundeza do abatimento a que voluntariamente desceu, e os oprbrios de que quis ser saciado; sculos, porm, passados em meditao, no bastariam para fazer-nos compreender a sede de humilhaes, que devorava o seu Corao divino e que o impelia, alegre, para a frente das mais sanguinolentas ignomnias, como se fosse para um festim perfeitamente provido para a sua qualidade de "defensor dos pecadores'*. Ora, a alma verdadeiramente crist sente a necessidade de tomar assento mesa deste banquete do oprbrio, ao lado do seu liem-Amado. Ela, a culpada, no pode querer deixado, a PJe, o inocente, saciar-se sozinho na taa das humilhaes; quer uma parte para si, e a felicidade de pr os lbios onde o seu Deus, o seu Salvador, ps os dele, transforma cm deliciosa bebida o fel mais amargoso. De mais a mais, observa S. Bernardo, as humilhaes so o caminho que forosamente h de trilhar quem quer chegar a ser humilde. Pelo que, a alma, convencida da necessidade desta

virtude, deve amar as humilhaes e procur-las como o viajante, no vivo anseio dc chegar ao termo da viagem, se afeioa ao caminho que l o conduz. Tem, finalmente, a nossa abjeo ainda a razo de ser amada, porque atrai sobre ns mais abundantes misericrdias do corao de Deus, Sob todos estes aspectos, podem os nossos pecados servir para alimentarem em ns o amor da ahjeo. Pazendo-a conhecer melhor, estabelecem com o seu peso humilhante uma equao prtica de plena suficincia para um juzo reto, entre a confuso que eles nos causam e os oprbrios interiores c exteriores que merecemos. Saberemos ento apreciar como quinho, rigorosamente proporcionado nossa qualidade de pecadores, tudo o que Nosso Senhor aceitava e buscava com avidez, como cauo dos nossos pecados. Cada uma das nossas quedas vir a ser uma baliza de orientao a mais para nos ajudar a descer na apreciao de ns mesmos, at ao "ltimo lugar" (Lc 14,10) que nos compete, e onde, infelizmente, o nosso orgulho insuportvel ainda nos querer manter muito acima daquele que quiu ser "o ltimo dc todos, o oprbrio dos homens c a abjeo da plebe" (Is 53,3; SI217).

persuadida dc ter, enfim, descoberto o que andava procurando; e, desejosa de saber ainda o que o Senhor faria a esse pequenina, prossegui nas minhas pesquisas e encontrei o seguinte: "Hei de trazer-vos ao colo, embalar-vos sobre meus joelhos. Do mesmo modo que uma me acaricia o seu filhinho, assim eu vos consolarei" (Is 66,12). Ah, mais ternas e melodiosas palavras nunca soaram para deleitar a minha alma. O ascensor que mc h de guindar at ao cu so os vossos braos, Jesus! Para isto no necessrio que cu cresa, devo antes ficar sempre tamanina e empenhar-me em o ser cada vez mais. Meu Deus, fostes muito alm de quanto eu podia esperar e quero agora celebrar as vossas misericrdias! "F.nsinastc-me, meu Deus, desde a minha mocidade; e eu publicarei as tuas maravilhas que tenho experimentado at agora, E at velhice e idade avanada, Deus, no me desampares, at que anuncie a fora do teu brao todas as geraes que ho dc vir!1' (SI 70,17). (HlSt de uma alma, cap. IX). Numa de suas cartas, a Santinha confirma um pensamento anlogo: "O Corao de Jesus muito mais magoado por causa das mil pequenas imperfeies dos seus amigo* do que das prprias faltas graves cometidas por seus inimigos. No entanto, parece-me que somente quando os seus adquirem um hbito dessas indelicadezas c no lhe pedem perdo por elas que se pode aplicar a palavra: "Estas chagas que vedes em minhas mos, eu as recebi daqueles que me amavam" (Zac 13,6). Por aqueles que o amam e que, depois de cada pequena falta, vem lanar-se em seus braos e lhe pedem perdo, Jesus vibra de alegria. le diz a seus anjos o que o pai do filho prdigo dizia aos seus servos: "Metci-lhc uni anel no dedo c regozijemo-nos!" Ah! como so pouco conhecidos a bondade c o amor misericordioso do Corao de Jesus! E' verdade que, para fruir destes tesouros, necessrio reconhecer seu nada e humilhar-se, e justamente isso o que muitas almas no querem fazer!..." 3. Proveito das humilhaes. Mui grande ser o lucro que 63

S- Teresinha do Menino Jesus, to simples como engenhosa e profunda, nos diz a mesma verdade em outros termos: **estamos vivendo num sculo de grandes inventos. J no custa fadigas galgar os degraus de uma es* cadaria; as casas abastadas tm l ascensores que as substituem vantajosamente. Quisera eu tambm descobrir um ascensor para me levar at Jesus, pois sou to pequenino que me falecem as foras para vingar at ao topo da escada ngreme da perfeio. Pedi logo aos Livros Sagrados que me indicassem o ascensor cobiado, e depararam-sc-me tas palavras da mesma Sal>cdoria eterna; "Toda aquele que simples e pequenino irnlia a mim/*9 (Prov 9,4). Chcguci-mc, portanto, a Deus, 43

dc nossas faltas auferiremos, se elas nos fizerem amar a nossa abjeo, visto o nosso amvel Santo admitir, procurando sempre na humildade o termmetro da santidade, que uma alma, utilizando destarte as suas quedas, |X)de sobrepujar outra alma menos propensa a cair. "Foi S. Pedro escolhido para chefe do colgio apostlico, apesar dc sujeito a muitas imperfeies e por tal forma que, ainda depois de haver recebido o Esprito Santo, as cometia ; mas, no obstante estes defeitos, tinha sempre uma grande coragem, e deles no se admirava; eis por que Nosso Senhor o fz seu lugar-tenente e lhe concedeu mais poderes do que a todos os outros, sem que algum deles tivesse razo para dizer que S. Pedro no devia ser mais engrandecido do que S. Joo c os outros apstolos".* Gostava S. Joana Francisca de Chantal de repetir estas doutrinas do seu bera-aventurado Pai espiritual: "Minha querida menina, escrevia le a uma irm, os vossos desnimos so uma verdadeira tentao. Pois, dizei-me, que frutos tirais deles c quais os motivos para os ter? Pensais que em nosso poder est nunca desatender a Deus c no cometer imperfeies? Seria preciso ser anjo. Peo-vos, -Iois, que vos acomodeis com esta vida dc misrias, mas sem desnimo. Mais agrada a Deus esta humilhao, este amor da vossa abjeo feita com tranqilidade c paz do que as vossas fidelidade* de capricho".** No outro o pensamento que o autor da Imitao exprime nas seguintes linhas: "Senhor, mais confiana devo ter em vossa grande misericrdia para alcanar o perdo, do que em minha presumida virtude para justificar o que a minha conscincia mal canhece". ** 4. Valor da objeo exterior. No s no foro ntimo e culto da alma que as nossas faltas, patenteando-nos toda a nossa abjeo e pequenez, fazem que as amemos c mais nos humilhemos; os outros, testemunhas das nossas quedas, vem

muitas vezes a descoberto a nossa fraqueza e misria, e ento vem a abjeo de fora acrescer nossa abjeo de dentro. Aceitemos de boa vontade uma e outra, j que destarte bem podemos duplicar a soma de nossos mritos espirituais. Procedia assim o personagem nobre e piedoso que diversas vezes j citamos. "Conheceis, escrevia cie a um amigo, conheceis a precipitao com que ultimamente procedi e disso fostes testemunha... Toda a minha consolao ter cometido esta falta na presena dos meus amigos, que por isso ficaram sabendo o que sou. Grande o meu pesar de haver desagradado a Deus cm sendo infiel s suas graas; mas sinto prazer em me humilhar de bom grado. H muita felicidade cm ser aviltado no conceito dos outros e algo de bem deleitoso para os que desejam reparar a injria que a Deus fizeram. Das nossas imperfeies urge que tiremos este proveito: convencer-nos deveras de que somos infinitamente fraoos. Quo til para mim que se veja a misria da minha vida, visto servir para descobrir todas estas verdades! A verdade que no sou nada, s fragilidade e corrupo; por amor a esta verdade, fico e permaneo no meu nada, comprazendo-me em amar e adorar a divina Providncia que mo manifesta e pe s claras. Reconheo e confesso-me miservel e muito estimo que todo mundo saiba e me trate como tal.-1 5. SakwjuardeM-sc, o exerccio da hwnitdade, os direitos da verdade c caridade O amvel autor da Filotia, com aquele discernimento que o distingue, tem cuidado de salvaguardar os direitos da verdade dissuadin-do-nos de simular defeitos sob o pretexto dc buscar a abjeo prpria (afora qualquer inspirao particular, como a tiveram alguns santos). Bem assim com no menos cuidado ensina a respeitar os direitos da caridade, recomendando a reparao do escndalo ou mgoa que nossas faltas possam ter causado a nossos irmos. "Sc me deixei levar pela clera ou pela sensibilidade a proferir palavras picantes ou inconvenientes, ofensivas de Deus c do prximo, imediatamente me hei dc repreender e procurarei

ter delas um vivo arrependimento e repar-las quanto possvel; mas ao mesmo tempo, no deixarei de aceitar de bom grado a abjeo e o desprezo que da provierem; c, se eu pudesse separar uma coisa da outra, rejeitaria o pecado com indignao e conservaria a abjeo com humilde pacincia1'. " "Bom amar a abjeo que o mal traz consigo, mas nem por isso se h de deixar de remediar o mal que a causou, por todos os meios naturais e legtimos a nosso alcance, mxiiue se o mal tiver conseqncias. Farei quanto puder por no ter um cancro na face, mas, se o tiver, no deixarei de amar a abjeo que dele me provm, Em matria dc pecado urge ainda innts guardar esta regra. Desconcertei-me nisto, naquilo; estou arrependido, abrao de corao e alma a vileza que dali se segue; mas, se pudesse separar um do outro, eu guardaria para mim com carinho a abjeo e rejeitaria o mal e o pecado".** Se, por nossos esforos em reparar a ofensa ou o escndalo, pudssemos reconquistar toda a estima dos nossos irmos, a quem ofendemos ou escandalizamos, e levantar-nos no seu conceito to alto como se no houvramos cado, nesse caso, "destruindo a nossa abjeo aos olhos do mundo devemos conserv-la cuidadosamente no corao, para que se edifique nela". " No queria ainda assim o nosso Santo que nos privssemos do benefcio da abjeo de fora, tanto quanto o pode permitir a caridade e o dever de dar bom exemplo: "Eu quisera, pelo que respeita a nossos defeitos, que no nos consumssemos em encobri-los; pois, ocultando os s vistas de fora, no so por isso melhores. As vossas irms no deixaro de crer. por isso, que no os tendes, e as vossas imperfeies talvez sejam mais perigosas do que se fossem descobertas e vistas e vos confundissem, como acontece aos que facilmente as deixam aparecer aos olhos dos outros. No devemos, pois, admirar-nos nem desanimar em cometendo imperfeies diante de nossas irms: ao contrrio, devemos estimar sermos reconhecidas tais quais somos".41 45

*

**

Mesmo quando ocupamos uma posio superior e, portanto, ao que parece, mais obrigados estamos a salvaguardar a nossa reputao perante os inferiores, quer ainda calo S. Francisco de Sales, guardadas as devidas reservas, que abracemos a abjeo. onde quer que ela se encontre: "Pcrguntais-nic... sc a superiora ou diretora no deve mostrar repugnncia em as irms verem os seus defeitos, e o que deve dizer a uma menina que vem com toda simplicidade acusar-se a ela dalgum juzo ou pensamento menos perfeito a seu respeito, como seria se alguma pensasse que a superiora havia dado uma repreenso com paixo. O que ela deve fazer neste caso, digo eu, humilhar-se e excitar em si o amor abjeo; e, se a irm se mostra perturbada ao diz-lo, a superiora no dever dar mostras de nada, mas arredar esse propsito, sem deixar, contudo, de ocultar a abjeo no seu corao. Porquanto, haja todo cuidado em o nosso amor-prprio no nos fazer perder a ocasio de ver que temos imperfeies c dc nos humilharmos; e, se bem que se no faa um ato exterior de humildade, com receio de vexar a pobre irm, que j o est bastante, no se deve deixar de o fazer interiormente. No caso, porem, de, ao acusar-se, no estar a irm sob o peso dalguma perturbao, teria por muito acertado que a superiora confessasse francamente a sua falta se nela caiu; porque, se o juzo falso, bom que o diga com humildade, reservando, todavia, sempre como uma preciosidade a abjeo que lhe resulta de a julgarem falvel c pecvcl. Bem vedes, pois, que esta pequena virtude de amar a abjeo prpria no deve nunca arredar-se nem um s passo do nosso corao; dela precisamos a todas as horas, por mais adiantados que estejamos na perfeio que atingimos depois de vivermos muito tempo na religio c feito um grande progresso no 63

caminho do nosso aperfeioamento. No tem as irms de que se admirar vendo a superiora cometer imperfeies. S. Pedro, que era o Pastor da Santa Igreja e Superior universal dc todos os cristos, caiu numa falta bem grande e mereceu ser repreendido, como diz S. Paulo (Gl 2,11). Da mesma sorte tambm superiora no deve mostrar espanto se vir que tem faltas, mas sim proceder com a humildade c doura com que S- Pedro recebeu a correo dada por S. Paulo, no obstante ser superior deste, No se sabe se se h tie admirar mais a coragem de S. Paulo cm repreender a S. Pedro, se a humildade com que S. Pedro sc sujeitou correo, e isto em uma coisa que le pensava ter bem feito e na melhor inteno." Uma digna filha de S, Francisco de Sales, elevada ao cargo de superiora do seu mosteiro, dizia confidencialmente a uma das irms: "0 que me alegra que o cargo de superiora alimenta em mim a santa abjeo, e os meus defeitos sem conta ficam mais cm evidencia sobre um castial, do que na obscuridade duma cela". Com mais razo queria o bispo de Genebra que se abraassem de melhor grado as abjees dc fora, quando se tiver a felicidade dc ocupar a posio de inferior, e fustigava sem d nem piedade as almas dadas a este defeito: "Sou desprezada c isto me incomoda: assim fazem os paves e os macacos. Sou desprezada e istomc alegra: assim fazem os Apstolos. Sabeis o que devemos fazer quando repreendidos e mortificados? Aceitar a mortificao como um pouco de ouro e cscond-Io no corao, beij-lo e acarici-lo com a maior ternura que se possa". ** 6. Tanto mais agradvel a Deus uma alma pecadora, quanto mais vil se considera. Cremos ter demonstrado como, segundo a escola de S. Francisco de Sales, a santa humildade pode auferir imenso proveito das quedas prprias. Vimos como, ao passo que melhor nos fazem conhecer a amar a nossa abjeo,

elas podem elevar-nos, do abismo a que nos atiraram, ao grau mais precioso da mais necessria das virtudes e virem a ser, para a alma confundida no seu nada, o principio dum novo esplendor. Segundo o texto dc Job (11,17) e o pensar de/S. Bernardo, a alma pecadora parecer tanto menos vil aos olhos de Deus, quanto o for mais a seus prprios olhos, lembrando sc de seus pecados". " Ep assim que nos utilizamos das nossas faltas e, como diz Fnelon, maior servio nos prestaro elas, rebaixan-dono5 aos nossos olhos, do quo as boas obras, dando-nos consolaes. "As faltas so sempre faltas; mas certo que elas tm a virtude de nos confundir e fazer-nos voltar a Deus, c com isto fazem-nos um grande bem". Certas matrias h que aparentemente sujam os vestidos e todavia servem para lhes tirar ndoas. Tal o uso que os justos fazem dos seus pecados, deestando-os sinceramente. Deles se servem para purificar a alma das mculas do orgulho, o maior dos pecados. "Ef destarte que, insiste S. Bernardo, o justo cai sob as mos de Deus e, por uma estranha maravilha, o pecado por lc cometido contribui para a sua justificao. . No a mo de Deus que ampara o pecador, quando a humildade que o abate?" "34 Aprendamos a utilizar-nos das nossas faltas por este meio; apenas nos tenham escapado, devemo-las delir pela penitncia. Tiremos delas igualmente proveito, quando a sua lembrana nos vier entristecer. H ervas de muito mau odor que, fora de dessecar, acabam por exalar um aroma agradvel. Que o mesmo suceda com os pecados da nossa pobre vida. Sirvam eles |>nra o nosso bem e repitamos mais uma vez as palavras admirveis do 34V. Delight in the Lord. Notes of spiritual Direction and Exhortation*. (Verso bras. Paraso da alma Palavras de conforto).

beato Cludio dc la Colombire: "Ditosas misrias, cuja lembrana me faz coiar aos olhos de Deus e rebaixar-me diante dos homens! Se sois para mim uma necessidade, no vos quereria trocar pelos mritos e virtudes alheias. Prefiro ser como fora que seja para ser humilde. Renuncio a todas as graas que hajam de me privar dste beneficio e, para o no perder, consinto que mc tirem tudo o mais".

*

35 36

Semelhantes reflexes encontramos nas obras do ilustre jesuta Daniel Considine 37 que diz mais ou menos assim: Quanto mais te abandonares a Deus, mais poder fazer de ti; e nunca estars to completamente debaixo da sua direo como na hora em que menos confiares em ti e tc entregares sem reserva ao seu governo-.. Faze por crescer cada vez mais no profundo conhecimento de que nada podes dc ti mesmo, absolutamente nada; mas que dependes inteiramente de Deus. Destarte se tornar impossvel todo e qualquer sentimento de vanglria... Fraquezas e faltas imprevistas no te deveriam aterrar nem desnortear; pelo contrrio, JKXICS tirar delas grande proveito, humilhando-te por causa das mesmas.

35V. Delight in the Lord. Notes of spiritual Direction and Exhortation*. (Verso bras. Paraso da alma Palavras de conforto). 36V. Delight in the Lord. Notes of spiritual Direction and Exhortation*. (Verso bras. Paraso da alma Palavras de conforto). 37V. Delight in the Lord. Notes of spiritual Direction and Exhortation*. (Verso bras. Paraso da alma Palavras de conforto). 47

Nao bom sinal perturbares-te vista dos teus defeitos. O que importa voltares-te ao Senhor com amorosa aflio, mas ao mesmo tempo com to inteira confiana que estejas seguro do seu perdo. E logo continua a am-lo e a viver feliz em sua companhia. Assim que procediam os Santos. Inquietao interior, perturbao, alheamento de Deus provindo de faltas cometidas tudo isso nasce do orgulho. Pouco importa o que penses ou sintas, nada disto pode afastar-tc de Deus. S a vontade que decide. Sc formos humildes, seremos leais e amantes da verdade, sempre prontos a confessar as nossas faltas a Deus e aos homens, et convencidos da nossa insuficincia no servio de Deus, no mendigaremos aos homens a estima que no nos compete. Ponhamos de parle a hipocrisia que pretende fazer-nos aparecer melhores do que de fato somos; sejamos sinceros e amigos da verdade perante Deus c os homens. S. Madalena entendia to bem tratar com o Senhor, que lhe admiramos aquela pia audcia to sua... Pecados perdoados no constituem impedimento nassa ntima unio com Deus, formam antes um como novo ttulo ao seu amor. Desde a hora cm que Jesus disse a Maria Madalena: "Os teus pecados te so perdoados, vai em paz!" nunca mais se mencionam os pecados da penitente. Nem parece angustiar-se por eles. Nunca mais se conserva arredia do Senhor com o pensamento de que outros tenham feito maior jus ao amor do Mestre do que ela, a grande pecadora de outrora. Aproxima-se de Jesus o mais possvel, e o Senhor no a repudia. E' s no bondoso Mestre que Madalena pensa, no em si mesma, c nisto que est o segredo da paz d'alma e da santidade. Uma vez convencidos de que por ns mesmos no somos seno uma congrie de fraquezas, misrias e ms inclinaes, o nico expediente abismarmo-nos completamente no amorosssimo Corao de Jesus. No seremos jamais por lc desprezados nem rejeitados. Destarte acabaremos por esquecer-nos de ns mesmos, unicamente empenhados cm 63

agradar a Deus. E j no haver perigo de temeridade e presuno. A misericrdia do Senhor mais real c generosa do que o homem possa compreender. Esfora-te por viver sempre com Deus. Quando maior fr a tua misria, quanto menos slida a tua virtude, tanto mais necessidade tens dele; e, quanto mais estreitamente tc apegares com Deus, mais far por ti. O que nos afasta de Deus no o sentimento da nossa misria, mas, sim, o nosso egosmo. No receies que sej^ demasiada a confiana que nele deposites, Avante, pois, com santa alegria! Fora com essas hesitaes! abando-na-tc completamente ao seu divino amorl Desta forma, a par da preciosssima virtude da humildade e duma santa fortaleza d'alma, nasce cm nosso corao, por meio delas, a rgia tranqilidade dos espritos devotos. Como amantes da humildade c das humilhaes, evitaremos a menor sombra de perturbao, de desassossego e desanimo; banindo de ns toda tristeza, andaremos alegres no Senhor, prazenteiros e amveis.

a considerarmos cm suas relaes com a infinita misericrdia de Deus. No captulo terceiro da primeira |>arte deste livro j vimos c 5. Francisco de Sales no-lo diz e repete insistentemente que as nossas imperfeies no devem nunca desanimar-nos, c que a dor de as haver cometido deve ser sempre acompanhada duma invencvel confiana na bondade divina. As consideraes que vamos apresentar demonstraro que os nossos pecados e imperfeies, bem longe de diminurem esta confiana, so um dos seus mais fecundos elementos. Sobretudo neste ponto sao tao numerosos c claros os textos do nosso Santo, que dispensam todos os comentrios. Limitar-nos-emos por isso a copi-los fielmente. Antes, porm, no ser intil buscar a outras fontes algumas reflexes, onde veremos a sntese desta consoladora doutrina e as suas provas teolgicas. Ouamos em primeiro lugar o eminente autor contemporneo, que por diversas vezes temos citado, o qual, em uma esplendida pgina, toda inspirada na doutrina de S. Toms, expe c desenvolve proficientemente o princpio fundamental desta nova feio da arte de utilizar as prprias imperfeies. "Deus amor, diz Monsenhor Gay, citando as palavras de S. Joo (1 Jo 4,8). Deus ama. Deus nos ama a ns; c ama-nos porque tc o amor! Existir, amar, e amar-nos desde que existimos para le uma e a mesma coisa, uma e a mesma necessidade. No ser, pois, a esperana um dever que a todos sc impe? Por mais extraordinrio que seja a nossa esperana, poder nela haver excesso? E ser possvel que abriguemos ainda uma centelha de desconfiana, c poder permanecer ainda desculpvel a desconfiana? Dir-nos-o: o pecado existe. Infelizmente c essa a verdade! O pecado segue-nos, c em qualquer parte que sc nos defronte, estabelece um problema, acarreta uma complicao, levanta um obstculo; problema para ns, complicao em ns, obstculo

UTILZEMO-NOS DE NOSSAS FALTAS PARA CRESCER NA CONFIANA EM DEUS 1; Resolve-se o problema do pecado com a divina misericrdia. Sc a nossa abjeo merece que a estimemos porque nos obriga a prestar homenagem verdade c nos proporciona a imitao das humilhaes a que se submeteu o Verbo Encarnado, ela nos dever ser ainda mais querida, quando

diante de ns. Mas para Deus podero existir problemas? Poderemos embaraar seus caminhos e opor barreiras aos seus desgnios? le sc detm sc assim lhe apraz, mas unicamente porque lhe apraz, e passa por toda parte por onde lhe agrada passar. O pecado chega a Deus porque uma ofensa sua divina Majestade, mas nunca poder alterar os seus supre* mos atributos. E* certo que modifica os seus atos, mas nunca modificaria sua essncia nem mesmo a sua disposio primordial cm relao a ns, isto , o amor que le nos consagra, Em uma palavra: assim como em face do nada a sua bondade se transforma cm amor. assim perante o pecado o seu amor se muda em misericrdia. Bem assente este principio, resta todavia uma condio: que o pecador confie. E quem haver que mais ttulos tenha para confiar em Deus, do que o pecador?

49

63

CAPITULO 5 0

84

>5

E' certo que a santidade divina tem tal horror ao pecado que obriga a sua justia a puni-lo cem horrveis castigos; mas precisamente por isso que a misericrdia divina c incomparavelmente mais compassiva com essa desgraa do que com todas as outras que possam suceder-nos. Foroso c, pois, concluir que o pecado verdadeiramente o mal supremo a misria absoluta, se o considerarmos sob o ponto de vista do castigo que lhe dado: a perda de Deus! E no ser para a maior misria que deve convergir a maior compaixo? Eis a razo por que mais para este ponto do que para todos os outros a misericrdia de Deus sc abre, a fim de que o pecador se arrependa, se lhe confie e por tal forma obtenha o perdo c sc salve. Da temos de concluir que o prprio ardor da indignao em Deus uma nova e mais fecunda fonte de piedade e bondade, tortiado-se como que uma nova base fundamentai da nossa esperana". M* *

pecado? Que poder haver mais digno de compaixo para uma compaixo infinita? stc peso dos nossos pecados que nos esmaga e nos faz vtimas da ira divina, s ns podemos faz-lo valer diante de Deus, proporcionando-lhe esta ocasio de manifestar um atributo que se nos afigura ser-lhe mais querido que o da justia o atributo da bondade e do amor. Nada mais temos a fazer do que dirigir-nos ao seu corao e clamar-lhe com David: vs me perdoareis, Senhor, vs esquecereis os meus pecados, para glorificar a mais estremecida das vossas perfeies a misericrdia: "propter bonitatem tuam, Domine"; e tanto mais glorificada ser ela quanto mais numerosos forem os crimes que em mim tenhais de esquecer; a prpria multido dos meus pecados ine motivo de esperar o perdo deles: "Propi-tjoberis peccato meof multum est enim" (SI 24, 7, 11). No porventura Deus que nos ensina a no nos deixarmos nunca vencer pelo mal, mas sim a vencer o mal pelo bem (Rom 12,21), a nunca tomar o mal pelo mal, nem a maldio pela maldio (! Ped 3,9), mas a encher de benefcios os nossos inimigos e acumular deste modo carves ardentes sobre as suas cabeas? (Rom 12,20). Ora, o discpulo no mais do que o mestre nem o servo est acima do Senhor (Mt 10,24). Se, pois, vemos discpulos deste divino Mestre praticar to perfeitamente esta tio, que no s se mostram cheios de benevolncia e mansido para com os seus inquos perseguidores e cruis tiranos, mas que ainda lhes retribuem o bem pelo mal at ao extremo de dar a vida para os salvar, que poderemos dizer do Mestre divino de quem estas almas justas receberam a doutrina to sublime que observam? A caridade dc lodos os discpulos reunidos, posla em paralelo com a caridade de Jesus Cristo, no atinge s propores duma gota dVtgua comparada com o oceano. 87

Provado dum modo to peremptrio que a misericrdia no outra coisa mais que a bondade, ou, ento, a prpria essncia de Deus nas relaes com a misria da sua criatura, no ficar igualmente reconhecido que cada uma das nossas quedas pode tornar-se, se assim o quisermos, uma nova ocasio de manifestao e glorificao desse atributo divino?... E assim como os lbios do cordeiro aliviam sua me, sugando o leite salutfero que lhe enche as entranhas, assim tambm os nossos pecados e imperfeies, que a confiana e o arrependimento aproximam do corao de Deus, no lhe proporcionaro a verdadeira alegria de derramar mais c mais eflvios dessa misericrdia que superabunda em seu seio maternal ? Ainda mais: a misericrdia s pode exerecr-se sobre a misria, e que misria haver mais aflitiva do que a misria do 51

Logo, se uma centelha de caridade, dispensada pelos jus* tos, tantos prodgios tem operado, que podemos esperar do incndio imenso e infinito da suprema caridade de Deus? "Ah! exclama S. Joo Crisstomo, Jesus disse-nos: Se vs amais aos que vos amam, que recompensa podeis esperar? No fazem o mesmo os pagos? (Mt 5,47). E ns dizemos: se Deus no escutasse nem socorresse seno aos justos, seus amigos, no verdade que seria incompleta a sua bondade?" 2. Por misericordiosa indstria separa Deus o pecador do pecado, aniquilando a este e saltando aquele A santidade infinita de Deus alia-se sua infinita bondade para incit-la perseguir com o seu dio o pecado, c a perseguir mais ainda com a sua misericrdia o pecador. "Deus, diz o P. Sgneri, tem tal horror ao pecado que para o arrancar dos coraes no somente sc humilhou at morte, quando se revestiu da nossa carne mortal, mas ainda agora, glorioso no cu, se humilha at fazer-se suplicante: "Laborati rogans" (Jer 15)E para que, obser-var-me-eis? Tendes visto um caador no momento cm que vai desfechar sobre a sua presa? Reparastes como lc evita o menor rudo, como sc abaixa c at, se fr preciso, como rasteja pela terra? E para que? Para matar a caa a que aponta. Pois assim procede Nosso Senhor: tal o objeto de suas splicas, da sua pacincia, da sua silenciosa e cuidadosa expectativa, enquanto ns o ofendemos, file tem em mira um s fim: exterminar o pecado, e extermin-lo completamente. E' certo que, se toda alma gravemente culpada fosse precipitada em flagrante no inferno, Nosso Senhor submergiria sempre o pecador, mas nunca exterminaria o pecado; pelo contrrio, o pecado eternizar-se-ia na durao do seu prprio castigo. Mas justamente porque o dio divino se dirige diretamente ao pecado e s indiretamente ao pecador, que Deus usa de tantas e to generosas indstrias; que P.Ie se humilha com to pressurosos testemunhos de amor, a fim de separar o pecador do pecado e de aniquilar a este salvando aquele, no sc decidindo a perder o culpado seno 52

quando, pela obstinao de sua livre vontade em continuar nos seus pecados, ele permite a Deus que extinga o pecado no pecador e o fora por esta forma a extinguir o pecador no pecado. Tal o motivo que anima a infinita bondade de Deus a esperar-nos, a convidar-nos a penitencia e a acolher-nos. E' por isso que David, conhecendo bem esta disposio do Senhor, se animava de maneira extraordinria e exclamava: MSenhor, vs me perdoareis o meu pecado, porque lc grande: Tu propitiaberis peccato meo: multum est enim" (SI 24.11). Um esprito ignorante desta economia divina julgaria que o profeta se enganava, que deveria cliamar grande misericrdia divina e no sua falta, c que, pelo contrrio, devia desculpar esta, atenuando-a por todas as consideraes ao seu alcance, a fim de pedir a remisso com mais ousadia e obt-la com mais prontido. David conhecia melhor o corao de Deus; lc sabia que a enormidade do pecado era para a bondade divina mais um motivo para o querer exterminar, e era a essa mesma bondade que ele se dirigia suplicante, clamando: enorme c o meu pecado; multum est enim, a fim de a decidir a purificar inteiramente a sua alma. E' seguindo a mesma norma que o vinhateiro, que v a sua vinha destruda por um javali, descreve perante o caador, sob as cores mais horrveis, a ferocidade e a fa desta fera, a fim de mais o animar a persegui-lo c mal-lo: Tu propitiaberis peccato meo; mui tum est enim*\%* E se David j ento usava desta linguagem para com o Deus dos exrcitos, com que duplicados motivos de confiana no a dirigiremos ns ao Verbo Encarnado para salvar 09 pecadores, quele que quis tomar a nossa natureza ut misericors fieret (Heb 2,17), precisamente para dar um desafogo mais largo, uma expanso mais generosa h sua misericrdia! Indo alm, Bossuet no hesita em dizer: "Jesus Cristo, como filho de Deus, sendo a santidade por essncia, conquanto lhe seja agradvel ver a seus ps um pecador que se converte, ama, todavia, 87

com um amor mais forte a inocncia que nunca se desmentiu-.. Quando, porm, file se fez nosso Salvador, o seu Corao divino tomou por amor de ns outros sentimentos. Como Deus, d a preferncia aos inocentei, mas regozijai-vos, cristos! como Salvador misericordioso, lc veio para procurar os culpados; c no veio seno para lcs, porque para os pecadores que file foi enviado0.'* "file o Deus dos pecadores, continua a Madre Chappuis. Todas as vezes que lhe oferecemos uma falta a reparar, damos-lhe o titulo de Salvador". 3. Os doentes, no os sos, necessitam do mtdico Disse um dia S- Gertrudes: "Quando Jesus Cristo no encontra almas to virgens que possa desposar, permite que a doena as avassale para poder ir a elas, como mdico". A alegria e a honra que d ao mdico o doente que lhe confia com as suas chagas todos os cuidados da sua cura, d-a o pecador ao divino Samaritano apresentando-lhe as suas faltas para file as curar Se o Deus foi ofendido pela culpa, o Salvador glorificado pelo perdo que a destri. S< te reconheces, pois, doente, no tenhas o menor receio de abeirar-te de to bom mdico; pelo contrrio, vai a file com tanto mais confiana quanto certo que justamente para livrar-te da doena do pecado. Eis o que diz o Senhor, falando de sua ovelhas: "Irei procurar as que se tinham perdido, e farei voltar as que andavam desgarradas, e ligarei os membros s que tinham algum quebrado, e fortalecerei AS que estavam fracas" (Ez 34, 16), e ainda: "O medico necessrio aos enfermos e no queles que tm sade (Mt 9,12). O* loucura funesta dos pecadores que encontram motivos para fugir do mdico justamente no que deveria dar-lhes maior confiana para irem a lct Insensato quem receia encontrar um adversrio naquele que veio para curar! "O mpio foge sem que ningum o persiga" (Prov 28,1). E se estranho que se fuja sem perseguio, quanto mais estranho ainda que o mpio fuja, quando no somente ningum o persegue, mas at 53

a bondade divina o chama insistentemente, correndo para junto dele a oferecer-lhe a sua misericrdia, a apresentar-lhe um antdoto para os seus males, prometendo c jurando-lhe que lhe dar tudo o que ele pedir para a sua eterna salvao. 4. Revelaes do Corao de Jesus. E que suave, deslumbrante luz irradiam sobre estes pensamentos as aparies e revelaes do Corao de Jesus! O nosso Santssimo Salvador a bondade personifi* rada, a Redeno copiosa, o perdo de Deus, o eterno gerador de todas as ressurreies* "Assiste-lhe eternamente o poder de salvar os que por seu intermdio se chegarem a Deus, vivendo sempre para interceder por fies" (Heb 7,25). Disse excelentemente um santo religioso: "Depois da vinda de Nosso Senhor, a confiana deve ser a virtude prpria dos miserveis pecadores". Mas no certo que, desde que o Sagrado Coraro dc Jesus se manifestou ao

87

mundo, esta confiana pode elevar-se at aos limites da audcia? No foi este corao divino que, respondendo ao golpe da lana de Longino, verteu sobre ele no somente o perdo, mas a santidade e a graa do martrio? No esle corao que alimenta os pecadores do sangue que eles fazem correr, como o pelicano alimenta os seus filhos das entranhas que eles lhe dilaceram, e que no quis ser feri38 do nem aberto, segundo S. Vicente Ferrer, seno para patentear aos culpados a fonte inesgotvel do perdo? No , enfim, este corao que do fundo do seu labcrnculo a todos dama: "Vinde a mim vos lodos que estais acabrunhados e eu vos aliviarei39} (Mt 11,28). No est ele devorado duma sede inexpugnvel de absolver, de curar? E no saciar esta sede o levar-lhe culpas para perdoar? E40 para notar que as almas mais intimamente iniciadas nos segredos suavssimos do Corao de Jesus so justamente as que se tornam apstolos mais zelosos da confiana depois do pecado e da arte de utilizar-se das suas faltas. Lembrando-nos aqui espontaneamente da Irm Benigna Consolata, a "pequena secretria" de Jesus, escolhida por lc para pregar s almas os segredos de sua misericrdia, enchendo de uma florescncia inslita de milagres todas as naes, suscitando por toda parte um despontar prodigioso de confiana." Dtzia-Ihc Jesus: "E' excessivamente acanhada a idia que fazem os homens da bondade de Deus, da sua misericrdia, do seu amor pelas suas criaturas. Medem a Deus pelas criaturas, e Deus no tem limites; a sua bondade no conhece to pouco limites. Oh! poder38 Dia S. Bernardo: "O Pai das misericrdias necessariamente o Fai dos miserveis", e Bossuct: "Deus quer uma misria absoluta, para mostrar uma completa misericrdia'1. 39 Dia S. Bernardo: "O Pai das misericrdias necessariamente o Fai dos miserveis", e Bossuct: "Deus quer uma misria absoluta, para mostrar uma completa misericrdia'1. 40 Dia S. Bernardo: "O Pai das misericrdias necessariamente o Fai dos miserveis", e Bossuct: "Deus quer uma misria absoluta, para mostrar uma completa misericrdia'1.

valer-se de Deus e deixar de o fazer!... por que? Porque o mundo no o conhece. Sou um tesouro infinito posto pelo seu Pai disposio de todos.., Os que me repelem e menosprezam reconhecero mais tarde a sua desventura, mas s na eternidade. Amo aos homens, amo-os ternamente como meus irmos que eles so; no obstante haver uma distncia infinita entre lcs c mim, no fao conta disso... "Nao podes avaliar o prazer que sinto em cumprir a minha misso de Salvador; esta a tninha maior consolao e executo as minhas obras-primas mais belas com as almas que arranquei do mais profundo abismo, que arranquei do lodaal. Os pecados, uma vez perdoados, tornam-se para a alma fontes de graas, porque so para ela fontes perenes da humildade--. "No me deixo afastar pelas misrias, contanto que eu encontre boa vontade. Meu amor se alimenta consumindo misrias; a alma que mc traz mais misrias, com tal que seu corao esteja contrito c humilhado, a que mais me agrada, porque me fornece ocasio de cumprir mais plenamente o meu ofcio de Salvador. "O que tenho principalmente a peito dizer-tc, minha Benigna, que a ohna nunca deve ter medo de Deus, porque Deus est disposto a usar misericrdia, e o maior prazer do Corao do teu Jesus est em levar ao seu Pai o maior nmero de pecadores possvel. So eles a mmha glria, so as minhas jias... Amo tanto os pobres pecadores! "Ouve o que te vou dizer, minha Benigna, minha Alegria, c escreve o seguinte; o maior prazer que sc me possa dar acreditar no meu amor. Quanto mais sc cr no meu amor, tanto maior o prazer que se me d, e quem quiser dar-me um prazer imenso, no deve pr limites a esta confiana no meu amor.. 41 42

41 Dia S. Bernardo: "O Pai das misericrdias necessariamente o Fai dos miserveis", e Bossuct: "Deus quer uma misria absoluta, para mostrar uma completa misericrdia'1.4

*) Irm Benigna Consolata Ferrero, visttndina de Como, 54 falecida na primeira sexta-feira de setembro de 1916.

93

vida de S. Gertrudes contem traos deliciosos sobre *Mc MBO assunto e S. Margarida Maria a cie se refere i i r.tc **0 Conio de Jesus disse ela trono da misericrdia onde os miserveis pecadores sio mais af-vilmente acolhidos, contanto que o amor os patenteie MU . i mo das suas misrias". A mesma santa parecia no se cansar em confirmar MMiiinuaincnte esta tilo consoladora verdade. Diz cia: I qiero que este divino Corao se tomar um manancial < t 4 M*r> * inesgotvel de misericrdia e de graas para desviar a justa clera de Deus irritado por tantos deli-lo. .. e Deus perdoar aos pecadores por causa do MH que tem a este sagrado Corao, que como uma fortaleza e um asilo seguro para todos os pecadores que nlle te quiserem refugiar, a fim de se subtrarem justia divina.. "(> Sagrado Corao de Jesus todo-poderoso para danar misericrdia" "< > meio mais eficaz pira tornar a levantar-nos depois dai qiinlas o Sagrado Corao de Nosso Senhor Je-iii Cristo" "O Sagrado Corao quer arrebatar um grande nmero de almas do caminho da perdio, e destruir o reino de kalaiis nas almas, para nelas estabelecer o seu amor". "Kii no conheo exerccio de piedade mais apto para elevar cm pouco tempo uma alma ao mais alto grau de ,*rloio\ O venervel diretor de S- Margarida Maria, o beato ( 1 Milin , \ la Colomhire. pregava continuamente este mesmo assunto. No resistimos ao desejo de reproduzir a passagem seguinte de uma carta escrita a uma alma quer

se sentia esmagada sob o peso das suas imperfeies. Dificilmente poder encontrar-se um eco mais fiel e um resumo mais prtico dos ensinamentos, que adiante vai dar-nos S. Francisco de Sales. "Se eu estivesse em seu lugar, escrevia ele, aqui tem as consideraes de que lanaria mo para consolar-me: diria com inteira confiana: Senhor, eis aqui uma alma que est BO mundo para exercer a vossa admirvel misericrdia e para a fazer brilhar cm presena do cu e da terra. Os outros glori ficam-vos patenteando a fora da :-.or meio destas praticas reparemos as nossas faltas c obtenhamos o perdo delas",M

da penitncia, conseguem tornar a alma mais lmpida que o ouro mais puro, e sob o impulso da conscincia e da lembrana das suas antigas prevaricaes, como ao .soprar dum vento impetuoso, navegam a todo pano para o porto da virtude, i isto que constitui a sua vantagem sobre aqueles que jamais caram em pecado.,. Confere a penitencia aos pecadores convertidos um esplendor considervel... muitas vezes mais brilhante ainda que o dos prprios justos, como o provam as divinas Escrituras, Eis aqui por que os publicanos e as cortess levaro a outros a dianteira para o reino dc Deus (Mt 21,31) e eis aqui ainda por que freqentemete os ltimos viro a ser os primeiros" {Mt 19,30), 3. Como o bom Salvador sabe converter em gregas as misrias do pecador penitente. Mas, se assim, objetar algum, no parece que os pecadores penitentes se avantajam sbre os justos que no pecaram, e que a justia restabelecida fica superior inocncia sempre conservada ? Longe de ns o pensamento de estabelecer um paralelo entre a virtude guardada intacta e a virtude reparada, nem to pouco dc exaltar a segunda com prejuzo da primeira. A inocncia aproxima-se mais intimamente da santidade infinita dc Deus, imita-a mais perfeitamente e sempre ela ser a bem-amada de seu Filho, que a toma como partilha sua c da sua amada Me, Nunca os agros perfumes advindos da penitncia podero assemelhar-se ao puro aroma que se exala duma vida imaculada, e, como o lrio entre as flores, a inocncia conservar sempre a sua encantadora candura e o seu particular perfume.. uma dignidade que s a ele pertence, a qual, uma vez perdida, nao pode absolutamente mais reconquistar-se. E todavia, sem recobrar a inocncia perdida, o homem pecador, segundo a doutrina de S. Toms, constitui ainda assim, por vezes, um grande tesouro, reconquistando uma maior fortunaA r t u ft

E' tal a prtica dos santos. "Erguiam-se eles das suas quedas, diz S. Ambrsio, muito mais ardentes para valorosos combates; resultando que essas quedas, longe de retardar-lhes o caminhar, eram motivos para redobrar-lhes a carreira". "Os homens que com impetuosidade se tm precipitado no mal, diz ainda S. Joo Crisstomo, empregaro o mesmo ardor no bem, tanto mais que no ignoram at onde chegam as suas dvidas: ao que menos se perdoa menos anui (Lc 7,47), Devorados pelo fogo 128

75

(aliquid ma jus), porque, diz S. Gregrio, aqueles que refletem seriamente sobre os seus transviamentos passados, compensam os prejuzos havidos por mc*> dc lucros sobseqentes e so objeto duma grande alegria para o cu; do mesmo modo que no combale se torna mais querido do capito o soldado que, depois de ter fraquejado na luta, volta mais corajoso a atacar o inimigo, do que aquele que, tendo sido firme no seu posto, no se tem, todavia, assinalado por algum ato de extraordinrio valor".** Por seu lado. o misericordioso Salvador dispensa tais favores aos culpados que a le voltam e cobre a sua penitncia com a efuso to generosa do seu precioso sangue, sabe to bem fazer abundar a graa acima do excesso da nossa malcia (Kom 5,20), que, segundo as palavras do noBSO SantOi converte as nossas misrias cm graas e os espinhos cm rosas e o veneno das nossas iniquidades em contraveneno e em triaga de salvao; e desse modo que Job, imagem inocente do pecador penitente, recebeu o dobro de tudo o que tinha tido. ** 4. Lgritiuis de penitncia, meio para recuperar o tem* po perdido. Um autor, por diversas vezes j citado, pergunta se h segredo para recuperar o tempo decorrido. No seria o mesmo, diz le. que pretender prender o vento das tempestades? Pois esse segredo existe, responde le, merc de Deus; inventou-o o amor, rcvclou-o o amor c que o amor, que em vs est, dlc se apodere. Constituem esse segredo as lgrimas santas; no so as lgrimas dos olhos, que Deus no concede a todos, nem as peuc a ningum; mas as lgrimas do corao, o arre* pendimento. a atrio da alma, a contrio. Deixai caii estas lgrimas invisveis sobre toda essa regio da vossa vida, que ficou estril, porque no permitistes que o amor a iluminasse; voltar ai o amor levado sobre aquelas guas. E quem sabe sc, perante Deus, os anos deplorvelmente passados no viro a ser mais belos, mais florescentes c preciosos pela penitncia do que o teriam sido pela inocncia? Talvez 128

ningum vos poderia lamentar por haverdes pecado, como Madalena, se como ela chorsseis"." 5. Penitencia volufitria, meio prtico de reparao. E' este um dos grandes proveitos que nos faculta a conscincia dos nossos pecados e culpas: instiga-nos satisfao, penitncia, mortificao, "santas indstrias essas para vingar em ns os direitos dc Deus violados, e donde promana, enfim, uma zelosa solicitude em consagrar-lhe todas as nossas faculdades". De mais a mais, a penitncia, o sacrifcio nos fazem progredir poderosamente no caminho da perfeio crist, falo esse que nos esclarecem bem as palavras de Nosso Senhor sua "pequena secretria*': "Benigna, poucas almas caminham a largos passos na senda do amor, porque pouqussimas entram generosamente na senda do sacrifcio... Quem pra no caminho do sacrifcio pra igualmente no do amor; quem vacila no sacrifcio vacila no amor. Minha Benigna, onde se trata do sacrifcio, nunca digas: basta! Seria o mesmo que dizer; no desejo que cresa em mim o amor... Nada pode rivalizar com a cruz para aumentar o amor... Peo-te apenas a mortificao e principalmente a mortificao do esprito; porque, sc a mortificao exterior uma das condies por mim exigidas para conceder as minhas graas, n do esprito necessria para alcanar grandes progressos na virtude. Minha Benigna, com a mortificao dar-

A r t u ft

76

me-s recipientes vazios que encherei de azeite; quantos mais me deres, mais encherei". O Evangelho a mensagem da Redeno. Pressupe ele, porm, necessariamente, a nossa cooperao, para nos remir da petulncia dos sentidos, do pecado que assoberba a nossa fragilidade, da culpa contrada pela nos-sa insubordinao. Toda a doutrina, todos os preceitos do Evangelho culminam na exortao penitncia: "Quem no renunciar a si mesmo no pode ser