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UNIVERSIDADE DE SO PAULO FACULDADE DE EDUCAO

A ARTE DE CONTAR: UMA INTRODUO AO ESTUDO DO VALOR DIDTICO DA HISTRIA DA MATEMTICAANTONIO CARLOS BROLEZZI

Dissertao de Mestrado apresentada ao Departamento de Metodologia do Ensino e Educao Comparada da Faculdade de Educao da Universidade de So Paulo, sob orientao do Professor Doutor Nlson Jos Machado.

SO PAULO 1991

No por acaso que os verbos "contar" (nmeros) e "contar" (histrias) apresentam freqentemente a mesma raiz etimolgica: em alemo se diz zahlen e erzalen; em holands, tellen e vertellen; em italiano, espanhol e portugus usa-se contar para ambos; em francs arcaico, o verbo conter era igualmente empregado nos dois sentidos; e, em hebreu, o verbo saphor ("contar, calcular") tem o mesmo radical que saper ("contar histria")1.

Contedo:Introduo Captulo 1. Breve Histria das Fontes da Histria da Matemtica 1.1. Valor das Fontes Histricas no Estudo da Histria da Matemtica 1.2. Caminhos da Histria da Matemtica Pr-Helnica 1.3. Tradio Greco-Latina 1.4. De Bocio a Gerbert 1.5. O Renascimento no Sculo XII 1.6. O Advento dos Livros de Histria da Matemtica Captulo 2. Tipos de Livros de Histria da Matemtica 2.1. Cronologias 2.2. Biografias 2.3. Por Assunto 2.4. Outros Captulo 3. O Valor Didtico da Histria da Matemtica 3.1. Histria da Matemtica e Lgica da Matemtica em Construo 3.2. Histria da Matemtica e Significado 3.3. Histria da Matemtica e Viso da Totalidade Concluses Apndice: Experincias de Alguns Cursos Bibliografia Geral Bibliografia Especfica Sugerida1Georges Ifrah. Os Nmeros: a Histria de uma Grande Inveno. Trad. de Stella Maria de Freitas Senra. Rio de Janeiro, Globo, 1989. 367 p., p. 221.

INTRODUO de se esperar que as pessoas queiram aprender de ns como e em que ordem as descobertas matemticas se sucederam umas s outras, e seria nosso dever ensin-las. Foi feita a Histria da Pintura, da Msica, da Medicina, etc. Uma boa Histria da Matemtica, em particular da Geometria, seria uma obra mais curiosa. Que prazer no se teria ao ver a ligao, a conexo dos mtodos, o encadeamento das diferentes teorias comeando desde os primeiros tempos at o nosso, no qual essa Cincia se encontra transportada a to alto grau de perfeio!1 O texto acima retrata muito bem a antigidade da preocupao pela difuso do conhecimento sobre a Histria da Matemtica. Trata-se de trecho de uma carta dos fins do sculo XVII, escrita pelo cavalheiro francs Montmort a um dos matemticos da famlia Bernoulli. Mas poderia ter sido produzido em pleno sculo XX, salvo alguma pequena alterao de estilo, pois retrata uma situao muito atual principalmente para Professores de Matemtica elementar. Passados trezentos anos, apesar de haver muitos livros de Histria da Matemtica, poucos so acessveis. Sua aplicabilidade didtica tambm uma questo que s recentemente passou a ser discutida com mais vigor. H, portanto, nessa rea, uma lacuna a ser preenchida, uma vez que a Matemtica tem Histria. Como qualquer outra Cincia, no esttica, mas evolui ao longo do tempo. O conhecimento matemtico de um sculo atrs diferia muito do de hoje, assim como eram diferentes a Biologia, a Fsica e as prprias Lnguas faladas ou escritas. Essa evoluo das idias matemticas dificilmente se percebe pela simples observao do estado atual da Matemtica. Para poder conhecer sua Histria, preciso transcender o mbito especfico do conhecimento matemtico. Percorrer caminhos outros que no os das definies, teoremas e demonstraes. Esse distanciamento entre a Matemtica ensinada hoje nas escolas e seu desenvolvimento ao longo do tempo refora a idia de que a Matemtica, considerada a Cincia exata por excelncia, est muitas vezes associada a um falso imobilismo, que nenhuma Cincia de fato apresenta. Na verdade a Matemtica est muito viva. J alertava Florian Cajori, h um sculo: possvel ao professor deixar claro para o aluno que a Matemtica no uma Cincia morta, mas uma Cincia viva na qual um progresso contnuo realizado2. Uma Matemtica viva, em progresso, ou seja, em construo, surge aos olhos dos alunos quando se recorre Histria da Matemtica. Mas esse recurso no tarefa trivial. Faltam, como dissemos, informaes histricas adequadas ao ensino da Matemtica elementar. Alm disso, h o perigo de se ficar na superficialidade de uma utilizao de fatos da Histria da Matemtica como meras curiosidades sem nenhuma implicao no tratamento dos contedos matemticos em si. Para preencher a lacuna existente entre o ensino de Matemtica elementar e a Histria da Matemtica, pretendemos aqui sugerir algumas linhas bsicas de pesquisa que podem levar a uma abordagem na qual o prprio contedo seja influenciado pelo uso da Histria da Matemtica em sala de aula. No se trata apenas de ilustrar as aulas de Matemtica com histrias que divirtam, como biografias de matemticos famosos. Nem simplesmente de acrescentar mais contedo ao currculo elementar de Matemtica, para reche-lo de referncias histricas diretas que de algum modo ajudem a demonstrar a importncia ou a beleza do assunto que se quer ensinar. O que pretendemos fazer aqui contribuir para o estudo de uma utilizao muito mais profunda do recurso Histria da Matemtica. Esse estudo deveria levar em considerao a existncia de um encadeamento lgico caracterstico na construo do conhecimento cientfico e outro na sistematizao, na formalizao desse conhecimento. A nosso ver, a ordem lgica mais adequada para o ensino de Matemtica no a do conhecimento matemtico sistematizado, mas sim aquela que revela a1 MONTMORT, Carta a Bernoulli. Apud LORIA, Gino. Guida allo Studio della Storia delle Matematiche. 2a ed. Milano, Ulrico Hoepli, 1946. 385 p., p. 19, nota 1. 2 CAJORI, Florian. The Teaching and History of Mathematics in the United States. Washington, 1890. p. 236. Apud CAJORI, Florian. A History of Mathematics. New York, The MacMillan Company, 1919. 516 p., p. 3.

2 Matemtica enquanto Cincia em construo. O recurso Histria da Matemtica tem, portanto, um papel decisivo na organizao do contedo que se quer ensinar, iluminando-o, por assim dizer, com o modo de raciocinar prprio de um conhecimento que se quer construir. Essa abordagem constitui-se no cerne desse estudo sobre o valor didtico da Histria da Matemtica, embora tambm faamos referncia a outras funes do recurso Histria da Matemtica. Podemos chamar essa abordagem de Arte de Contar, pois contar em diversas lnguas se aplica tanto a contar histrias quanto a contar objetos. Desse modo queremos expressar nossa inteno de contribuir para que no se considerem o ensino da Matemtica e a Histria da Matemtica como compartimentos estanques, revelando a existncia entre eles de uma relao intrnseca que une o conhecimento matemtico construdo na Histria e o reconstrudo nas aulas de Matemtica. Para proceder a esse estudo, sugerimos recorrer diretamente s fontes da Histria da Matemtica. Dentro das tendncias atuais da historiografia, est ocorrendo um retorno valorizao das fontes genunas, s narrativas de pequenos acontecimentos e da vida de algumas pessoas concretas, para a partir da compreender a mentalidade e a cultura de uma poca passada. De modo especial, essa abordagem se aplica tentativa de reconstituio das causas que determinaram o surgimento de tpicos especficos da Matemtica, atravs da anlise dos indcios registrados pelas fontes. Assim, sugerimos entrar em contato o mais diretamente possvel com pormenores significativos que evidenciam o modo de pensar peculiar dos protagonistas da Histria da Matemtica. As razes que levaram elaborao de um resultado matemtico podem ser mltiplas e complexas. Sejam como forem, nas fontes originais que essas razes so melhor encontradas, pois so as mais prximas testemunhas da gnese daquela idia matemtica. Em sntese, a proposta desse trabalho servir de introduo ao estudo acerca do uso da Histria da Matemtica enquanto fornecedora dos elementos necessrios para a construo de caminhos lgicos tendo em vista a construo original daquele tpico matemtico que se quer ensinar, propiciando ao aluno uma viso com significado da totalidade da matria. A proposta inclui uma caracterizao dos meios de se obter conhecimentos sobre Histria da Matemtica atravs do recurso s fontes histricas e aos vrios tipos de livros de Histria da Matemtica. Iniciaremos com uma retrospectiva da transmisso de conhecimentos sobre Histria da Matemtica, reconhecendo os principais documentos disponveis para conhecer essa Histria. No primeiro captulo veremos uma Histria dessas fontes. Conforme veremos, os livros sobre Histria da Matemtica no so a nica fonte de informao sobre ela. Muitas vezes temos de recorrer a textos originalmente matemticos. Por isso, nessa primeira captulo trataremos indistintamente de escritos matemticos historicamente importantes e de escritos exclusivos de Histria da Matemtica. No segundo captulo estudaremos com mais pormenor alguns livros especficos sobre Histria da Matemtica, segundo sua diviso por tipos (cronologias, biografias, por assunto e outros). O modo como o livro est organizado importante para definir a estratgia de sua utilizao didtica. No estudo desses livros, a estrutura do seu contedo como um todo to reveladora que pareceu-nos conveniente trabalhar tambm com a prpria relao de contedo de alguns livros, a fim de apreendermos adequadamente sua organizao interna. Os objetivos dos autores desses livros, expostos em suas anlises introdutrias, tambm sero considerados, pois esclarecem a concepo de livro de Histria da Matemtica do autor em questo. Tendo por base o estudo dos captulos anteriores sobre as fontes e os livros de Histria da Matemtica, no terceiro captulo faremos uma exposio dos principais componentes do valor didtico da Histria da Matemtica. Esperamos assim construir um panorama das principais linhas de pesquisa que deveriam ser abordadas num estudo sobre o tema. Por fim, nas concluses, recolheremos, de forma sucinta, os principais fatos abordados no trabalho.

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CAPTULO 1 Breve Histria das Fontes da Histria da Matemtica 1.1 Valor do recurso s Fontes da Histria da Matemtica

Uma coisa escrever como poeta, e outra como historiador; o poeta pode contar as coisas no como foram, mas como deviam ser, e o historiador h de escrev-las, no como deviam ser, mas como foram, sem acrescentar nem tirar verdade a mnima coisa. Cervantes3 A histria uma aventura espiritual em que a personalidade do historiador se compromete por completo. Marrou4 Para estudar o valor didtico da Histria da Matemtica necessrio inicialmente conhecer essa Histria, sendo esse conhecimento construdo fundamentalmente partir do contato com suas fontes. O acesso s fontes histricas de grande utilidade para a construo do conhecimento histrico em geral. De modo especial, para a construo do conhecimento especfico sobre Histria da Matemtica, as fontes representam um papel muito importante. O historiador francs Henri-Irne Marrou, em sua obra Sobre o Conhecimento Histrico, explica que o valor do recurso s fontes deve-se principalmente ao fato de o passado no poder ser alcanado diretamente, mas apenas na medida em que reencontramos os traos que ele deixou atrs de si, e tambm na medida em que formos capazes de interpret-los, isto , torn-los inteligveis para ns5. Isso faz com que a histria seja sempre feita com documentos, que so para a histria como o combustvel para o motor exploso6. Desse modo, muitas das questes que poderiam interessar o historiador podem permanecer sem resposta por falta de documentao suficiente. Includa no processo de construo da histria est a explicao, ou a interpretao dos dados documentais feita pelo historiador: A explicao em histria a descoberta, a apreenso, a anlise dos mil laos que, de modo talvez inextrincvel, unem umas s outras as mltiplas faces da realidade humana - que ligam cada fenmeno aos fenmenos vizinhos, cada estado a antecedentes, imediatos ou longnquos, e, similarmente, s suas conseqncias7. Essa explicao, elaborada pelo historiador, constitui-se em teorias, as quais so sempre elaboradas tendo em vista um problema particular e limitado. Posteriormente, essa hiptese explicativa pode ultrapassar seu domnio original, e pretender assim reconstruir a realidade histrica de acordo com esse sistema escolhido previamente8. Mas o campo de atuao das explicaes histricas limitado, havendo um nvel determinado no qual se estabelece a validade da histria9. Existe sempre o risco de enfatizar a contribuio do historiador na produo do conhecimento histrico, em detrimento do valor das fontes documentais. claro que, como afirma o mesmo autor, a histria o resultado do3 CERVANTES, Miguel de. O Engenhoso Fidalgo Dom Quixote de la Mancha. Traduo de Viscondes de Castilho e Azevedo. So Paulo, Abril Cultural, 1978. 609 p., p. 325 4 MARROU, Henri-Irne. Sobre o Conhecimento Histrico. Traduo de Roberto Cortes de Lacerda. Rio de Janeiro, Zahar

8 Cf. Ibid., p. 155 9 Cf. Ibid., p. 160

6 Cf. Ibid., p. 56 7 Ibid, p. 147

Editores, 1978. 265 p., p. 164 5 Cf. Ibid., p. 55

4 esforo criador de estabelecer relaes entre o passado e o presente10. J desde o incio, ao selecionar o tema de pesquisa, ao escolher as fontes e ao interpret-las, o historiador compromete sua personalidade, numa ao criadora. Mas essa contribuio criadora do historiador na elaborao da histria no deve ser nunca encarada como um jogo gratuito, a livre utilizao da imaginao que lida com textos, datas, gestos e palavras como o faz um escritor de fico ou um poeta. necessrio tomar cuidado para nunca superestimar uma teoria ou explicao histrica, evitando extrapolaes para campos por demais amplos. As observaes de carter geral, s vezes chamadas de "leis da histria", nada mais so que semelhanas parciais sobre alguns aspectos do passado, de acordo com o ponto de vista momentneo do historiador11. Marrou chama a ateno para o fato de que a realidade histrica, que captamos na anlise dos documentos, constitui-se em fenmenos singulares, nicos e irrepetveis, entre os quais existem analogias que entretanto s incidem em aspectos parciais, abstrados pela anlise mental, e no englobam aspectos gerais da realidade histrica na sua totalidade. A concluso que o fundamental na tarefa do historiador justamente a compreenso, das Verstehen, das fontes: Empiricamente observada, a compreenso aparece como a interpretao de sinais (...) ou de indcios (cinzas de um fogo, impresses digitais) atravs de cuja realidade imediata conseguimos alcanar alguma coisa do homem de outrora: sua ao, seu comportamento, seu pensamento, seu ser interior ou, ao contrrio, s vezes simplesmente sua presena (um homem passou por aqui)12. J se v que as fontes histricas vo muito alm de simples documentos escritos. A histria pode fazer-se com documentos escritos, quando existem, mas tambm com tudo aquilo que o engenho do historiador coloca ao seu alcance: sinais, pinturas, registros com fins didticos, administrativos ou tcnicos, instrumentos de uso cotidiano, exames de pedras por gelogos, anlises de espadas metlicas efetuadas por qumicos, etc13. Esse leque amplo de possibilidades de um objeto qualquer vir a tornar-se fonte histrica levou o historiador italiano Carlo Ginzburg a expor em seu ensaio Sinais: Razes de um Paradigma Indicirio14, uma forma de conhecimento baseado nos indcios e sinais pelos quais tomamos contato com uma realidade inacessvel diretamente. Segundo suas anlises, um verdadeiro modelo epistemolgico, ou paradigma, teria surgido por volta do final do sculo XIX, principalmente no mbito das cincias humanas: Trata-se de uma atitude orientada para a anlise de casos individuais, reconhecveis apenas atravs de pistas, sintomas, indcios15. Ginzburg no concebe forma melhor de explicar esse modelo epistemolgico que elaborando uma analogia com o mtodo de conhecimento dos mdicos, detetives, classificadores de arte e outras profisses nas quais o fundamental est na observao de pormenores. No caso dos procedimentos clnicos, o profissional deve observar atentamente todos os pequenos sintomas, e s assim pode elaborar "histrias" precisas da doena, que , em si, inatingvel16. Da a existncia de uma verdadeira semitica mdica, que permitiria diagnosticar as doenas inacessveis observao direta com base na observao de sintomas superficiais, os quais muitas vezes passam inadvertidos aos olhos do leigo17. O conhecedor de arte, por sua vez, tambm seria capaz de descobrir se uma pintura autntica ou falsificada pela observao de pormenores, como o traado de orelhas e fios de cabelo, por trs dos quais se percebe a mo do gnio ou do falsificador. A analogia com o trabalho do detetive tambm evidente, pois ele descobre o autor do crime baseado em pequenos indcios, muitas vezes imperceptveis para a maioria18. Tambm Marrou comenta que o inqurito policial desencadeado pela descoberta de um assassinato um estudo de ordem propriamente histrica, procedendo atravs de

18 Cf. Ibid., p. 145

16 Cf. Ibid., p. 155 17 Cf. Ibid., p. 151

Letras, 1989. 281 p., pp. 143-179 15 Ibid., p. 143

14 GINZBURG, Carlo. Mitos, Emblemas e Sinais: Morfologia e Histria. Trad. de Federico Carotti. So Paulo, Companhia das

12 Ibid., p. 67 13 Cf. Ibid., p. 63

10 Cf. Ibid., p. 45 11 Cf. Ibid., p. 161

5 pesquisa, crtica e interpretao de documentos, de indcios (pegadas, impresses digitais) e dos testemunhos recolhidos19. Esse retorno s fontes histricas em busca de indcios significativos caracteriza uma verdadeira tendncia recente da historiografia, apontada por Roberto J. Lopez no seu artigo Nuevas Tendencias en la Historiografia: La Vuelta al Arte de Contar20. Lopez diz que a narrao de um pequeno acontecimento ou da vida de alguns indivduos pode servir como ponto de partida para o estudo de situaes mais gerais. Desse modo, os historiadores estariam retornando prtica de contar relatos, mas esses teriam algumas diferenas com relao aos relatos tradicionais, por estarem menos centrados na narrao da vida de reis, polticos, militares e gente da diplomacia, e mais nas vidas e costumes de autores annimos da histria. Dentro desse paradigma, as fontes histricas ocupam uma nova posio: As fontes empregadas costumam ser novas, ao menos no seu uso (atas de notrios, registros judiciais, sentenas); h uma estreita vinculao com a antropologia, na medida em que trata de alcanar o significado simblico dos fatos narrados. Definitivamente, o que se busca "jogar luz sobre os mecanismos internos de uma cultura ou de uma sociedade no passado"21. A histria das mentalidades (...) constitui a vanguarda da nova narrativa22. Portanto, nessa tendncia da historiografia dado um lugar de destaque ao acesso s fontes como forma de descobrir o significado e a lgica interna das formas de pensar, das mentalidades do passado. De um modo especial, tambm para ns conveniente recorrer s fontes da Histria da Matemtica e aos diferentes tipos de livros que h sobre o tema, pois neles encontramos os indcios que revelam as razes do surgimento das idias matemticas. Alm disso, mais que conhecer uma srie de fatos histricos isolados, importa sobretudo que o Professor tenha claro a noo de onde obter essas informaes histricas. Por um lado, porque existe uma quantidade muito grande de dados histricos, a qual vai inclusive crescendo e se modificando medida em que se desenvolvem as pesquisas histricas. Por outro lado, conforme veremos mais adiante, fazer uso da Histria da Matemtica para ensinar Matemtica elementar no se reduz ao simples ato de contar histrias: necessrio captar a forma de pensar, a lgica da construo matemtica. Isso faz com que seja fundamental para quem queira fazer uso didtico da Histria da Matemtica, conhecer primeiro suas fontes. Embora as formas em que a Histria da Matemtica apresentada traduzam em parte a concepo de Histria do autor, no estamos aqui interessados nas diferentes teorias de explicao histrica e suas respectivas conseqncias no estudo da evoluo do pensamento cientfico. Quando realizamos uma classificao por tipos dos livros de Histria da Matemtica e quando esboamos uma breve Histria da fontes, no estamos querendo descrever as vrias posturas histricas que j surgiram, mas apenas relacionar de forma ordenada os principais escritos que servem para o conhecimento de Histria da Matemtica, falando tambm um pouco de alguns autores significativos. Nossa inteno facilitar o acesso o mais diretamente possvel a essas fontes, de modo que cada qual possa extrair da anlise dos relatos do fenmeno da criao cientfica, elementos para uma abordagem mais significativa do contedo que pretende ensinar, baseando-se nos indcios registrados na Histria. Para facilitar esse acesso s fontes foi-nos muito til o contato com a resenha de livros realizada por Gino Loria, em seu Guia ao Estudo da Histria da Matemtica23. O objetivo de Loria ao escrever essa retrospectiva era auxiliar o pesquisador, o qual se no quiser perder tempo e esforo ao redescobrir coisa j sabida, deve antes de tudo conhecer os pontos comuns dos pesquisadores precedentes, cujo ponto de chegada deve servir para ele como ponto de partida24. Loria pretendia orientar o futuro autor de Histria da Matemtica, relacionando as obras do tipo j existentes, de modo a que ele pudesse conhecer os pontos comuns entre elas e planejar uma obra que de algum modo representasse um avano em relao s anteriores. De fato, como diz19 Cf. MARROU, op. cit., p. 105 20 LOPEZ, Roberto J. Nuevas Tendencias en la Historiografa: la Vuelta al Arte de Contar. Madrid, ACEPRENSA, 16 Marzo

22 LOPEZ, o. cit. 23 LORIA, Gino. Guida allo Studio della Storia delle Matematiche. 2a ed. Milano, Ulrico Hoepli, 1946. 385 p. Principalmente o Capitolo II: Rassegna delle principali opere sulla Storia delle Matematiche, pp. 15-60 24 Ibid., p. 15

1988, servcio 37/88 21 STONE, Lawrence. El Passado y el Presente. Mxico, Fondo de Cultura Econmica, 1986, 289 p.

6 Marrou, um trabalho histrico deve iniciar pela leitura do que j foi escrito sobre o mesmo assunto, os temas vizinhos e outros relacionados. Isso til sobretudo para orientar a heurstica, aprendendo dos trabalhos anteriores o gnero de fontes nas quais se pode encontrar informaes25. O esprito do presente trabalho difere do de Loria, pois no visa diretamente o trabalho do historiador da Matemtica. No nos dirigimos em primeiro lugar ao pesquisador de Histria da Matemtica em si, mas sim queles interessados em descobrir seu valor didtico. Para ns permanece vlido, porm, considerar as diferentes espcies de fontes segundo as trs categorias apontadas por ele: I. Relquias ou restos, que so vestgios do passado sem qualquer propsito de conservar ou transmitir posteridade a memria do presente, como edifcios, armamentos, brases, contratos, leis, cartas, festas, etc. II. Monumentos erigidos com o propsito de conservar para a posteridade a memria do presente, como por exemplo construes de monumentos, tmulos, inscries, etc. III. Tradio oral e escrita26. Percebe-se na enumerao de Loria a noo de que os conhecimentos matemticos de certo modo precederam a capacidade humana de escrever suas idias, existindo muitos testemunhos da Matemtica do passado em forma por exemplo de obras arquitetnicas. Inclusive tambm, segundo Marrou, pode-se considerar como documento histrico toda fonte da qual o esprito do historiador saiba extrair informaes para o conhecimento do passado humano, de acordo com seu objetivo27 . Mas evidente que s com o surgimento da escrita que se passou a registrar com maior fidedignidade o estgio matemtico de uma determinada cultura. Desse modo, a maior parte das informaes nos vem do perodo posterior ao surgimento da escrita, por volta de cinco mil anos antes de Cristo, e principalmente aps a constituio da Matemtica enquanto Cincia e sua primeira organizao lgica, feito que provavelmente se deve aos gregos do sculo VI a.C. Portanto, como se ver, esse trabalho lida fundamentalmente com fontes do tipo literrio, embora tambm para esses documentos seja aplicvel o que foi dito acima, acerca do valor do recurso s fontes, pois a prpria produo escrita dos matemticos que fornece rico material para a pesquisa em Histria da Matemtica. Javier de Lorenzo, em sua Introduccin al Estilo Matematico28, caracteriza essas diferentes formas de expresso utilizadas pelos matemticos em trs distintos nveis: Linguagem de criao Linguagem de exposio Linguagem de divulgao29 Explica que a linguagem de criao pode ser encontrada em trechos de dirios, cartas, ensaios breves, etc, muitas vezes em esquemas pouco claros e incompletos30. J para expor suas idias, o matemtico cuida mais da forma e do rigor da linguagem. Para fazer a divulgao, muitas vezes em obras ou publicaes de cunho didtico, o autor procura atingir um pblico mais amplo, atravs de uma linguagem acessvel. Antes que os matemticos comeassem a produzir, havia outros tipos de registros da Matemtica de cada poca, que tambm servem de fonte da Histria da Matemtica. Dedicaremos considerao desses documentos e seus caminhos at ns no item Caminhos da Histria da Matemtica Pr-Helnica. Estudaremos o surgimento de obras propriamente matemticas que se deu com o advento da civilizao grega no item Tradio Greco-Latina. A conservao e transmisso da cincia e cultura gregas durante a segunda metade do primeiro milnio da nossa era ser estudada no item De Bocio a Gerbert. O perodo seguinte, caracterizado pelo surgimento das Universidades europias e o crescente interesse pela Cincia que provocou um retorno aos originais gregos via tradues para o latim, ser estudado no item O Renascimento no Sculo XII. Encerramos essa primeira captulo com um estudo sobre a poca marcada pela utilizao da imprensa e o surgimento de muitas obras especificamente sobre Histria da Matemtica, at as atuais obras disponveis nas bibliotecas, no item O Advento dos

29 Ibid., p. 196 30 Cf., p. ex., EULER, Leonhard. Cartas a uma Princesa de Alemania sobre Diversos Temas de Fsica e Filosofa. Ed. de Carlos Mnguez Pres. Zaragoza, Universidad de Zaragoza, 1990. 613 p.

27 Cf. MARROU, op. cit., p. 62 28 LORENZO, Javier de. Introduccin al Estilo Matematico. Madrid, Tecnos, 1989. 209 p.

25 Cf. MARROU, op. cit., p. 60 26 LORIA, op. cit., p. 4

7 Livros de Histria da Matemtica. Esses livros, em sua diviso por tipos, sero estudados com maior pormenor no segundo captulo desse trabalho.

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Os documentos preservados no so sempre (a experincia quase nos autoriza a escrever: nunca) aqueles que desejaramos, que seria preciso que fossem. Ou no existem, ou so em nmero insuficiente: o que comumente ocorre em histria antiga. Marrou31 O legado cientfico e cultural que a Civilizao greco-romana nos deixou talvez seja responsvel pela concepo usual de que a Histria deve ser registrada e preservada para as geraes futuras. Mas antes de Herdoto, considerado por alguns pelo seu pioneirismo como o Pai da Histria, essa concepo no era nada corrente. Desse modo, os historiadores tm dificuldades especiais para construir a Histria Antiga da Matemtica, principalmente do perodo anterior aos gregos. Conforme explica Marrou, em histria antiga, na maioria das vezes, trabalhamos sobre fontes literrias, sempre concisas demais, e, de resto, secundrias ou tercirias (...); as poucas fontes primrias que possumos esto representadas pelos documentos arqueolgicos, as inscries, os papiros descobertos ao sabor das escavaes, em virtude, portanto, de uma seleo arbitrria32. Mesmo com a espantosa durao de Civilizaes como a do Egito, mais do que o dobro de toda a era crist, a quantidade de registros intencionalmente histricos nfima, se comparada com a nossa. Basta ver que quando um fara sucedia a outro no trono, muitas vezes fazia por apagar, literalmente, o nome do antecessor de todas as inscries nos templos e palcios, na tentativa de eternizar seu prprio nome como o autor daquelas obras. No que se refere Matemtica existem, no entanto, registros que se conservaram at hoje. Por aterem-se excessivamente s necessidades prticas, os egpcios no arriscavam alar vos rumo s generalizaes. Cada problema era resolvido de um modo particular, no havendo na verdade mtodos gerais de resoluo de problemas33. O que faziam era registrar a resoluo de cada problema passo por passo, e graas a isso que podemos conhecer agora como era a Matemtica da poca. A Histria da Matemtica egpcia tarefa de pesquisadores atuais, que baseados em dados arqueolgicos procuram reconstituir o que quer que se assemelhe a Matemtica e que se conservou at hoje. De fato, o conhecimento da Matemtica egpcia nos chegou apenas aps os hierglifos terem sido decifrados por Champollion, que publicou em 1842 seu Dictionnaire Egyptien34. A Pedra de Rosetta, trazendo a inscrio trilinge que lhe permitiu a decifrao dos hierglifos, foi produzida em 196 aC e permaneceu incgnita por muitos sculos35. O mais famoso papiro egpcio sobre Matemtica foi produzido pelo escriba Ahmes36 em 1650 aC e encontrado mais de 3000 anos depois, quando em 1858 o antiqurio escocs Henry Rhind o adquiriu37. Somente em l877 que Eisenlohr conseguiu traduzi-lo38. No h, portanto, uma tradio linear ligando a nossa Civilizao do Egito Antigo, e a pesquisa sobre sua Matemtica tem que ser feita com base nesses achados arqueolgicos. Algo semelhante se d com a Matemtica dos povos da Mesopotmia. Existem centenas de tabletas cuneiformes trazendo informao sobre a Matemtica de quatro mil anos atrs. A traduo desse material s teve incio em 1870, quando se descobriu uma inscrio tambm trilinge31 MARROU, Henri-Irne. Sobre o Conhecimento Histrico. Traduo de Roberto Cortes de Lacerda. Rio de Janeiro, Zahar Editores, 1978, 265 p., p. 56 32 Id., ibid. 33 Cf. BOYER, Carl Benjamin. Histria da Matemtica. Traduo de Elza F. Gomide. So Paulo, Edgard Blcher, 1974. 488 p., p. 16 34 Cf. GILLINGS, Richard J. Mathematics in the Time of the Pharaohs. New York, Dover, 1972. 288 p. 1

1.2 Caminhos da Histria da Matemtica PrHelnica

35 Cf. CERAM, C. W. Deuses, Tmulo e Sbios: o Romance da Arqueologia. Trad. de Joo Tvora. 16a ed. So Paulo, Melhoramentos, 1982. 392 p., p. 79 36 Cf., p. ex., a traduo de Thomas Eric Peet: The Rhind Mathematical Papirus. Apud MIDONICK, Henrietta O. (Ed.) The Treasury of Mathematics. New York, Philosofical Library, 1965. 820 p., pp. 706-32 37 Cf. BOYER, op. cit., p. 9 38 Cf. CAJORI, Florian. A History of Mathematics. 2a ed. New York, The MacMillan Company, 1919, 516 p., p. 9

9 nas encostas do monte Behistun, narrando a vitria do rei Dario sobre Cambises39. Somente em 1934 Otto Neugebauer decifrou, interpretou e publicou as tabletas matemticas babilnias40. Do mesmo modo, uma pessoa que queira conhecer a Histria da Matemtica da China, da ndia ou do Japo deve recorrer aos originais antigos que de algum modo se preservaram at hoje e a partir dos quais so inclusive escritas obras de Histria da Matemtica dessas civilizaes, como The Development of Mathematics in China and Japan, de Yoshio Mikami41, e a incomparvel obra em trs volumes de Joseph Needham, Science and Civilization in China42. Existem muitas dificuldades inclusive para saber a data de documentos antigos, pois as obras chinesas podem ter vrios autores de pocas diferentes43, enquanto algumas obras hindus apresentam datao considerada inverossmil, como dois milhes de anos44. Outra fonte sobre a Histria da Matemtica primitiva, sobretudo a respeito do surgimento dos nmeros, o estudo das linguagens indgenas, que muitas vezes remontam a pocas prhistricas45, e o estudo das formao das palavras das lnguas modernas. Essa ausncia de tradio linear que liga a Matemtica das civilizaes prhelnicas at hoje pode ser um dos fatores que reforam a idia de que a Matemtica uma cincia que praticamente nasceu pronta. Essa idia est muito presente em algumas concepes do ensino da Matemtica, principalmente no nvel elementar. A sistematizao grega da Matemtica muitas vezes identificada como sua prpria gnese, e poucos autores retrocedem para antes dos gregos ao estudar a Histria da Matemtica. Piaget e Garcia, por exemplo, ao elaborarem sua obra Psicognese e Histria das Cincias46, iniciam o estudo histrico a partir dos gregos, justificando-se precisamente pela falta de uma ligao para com a evoluo anterior aos gregos.

45 Cf. GROZA, Vivian Shaw. A Survey of Mathematical Elementary Concepts and their Historical Development. New York, Holt, Rinehart and Winston, 1968. 327 p., p. 8 46 PIAGET, Jean & GARCIA, Rolando. Psicognese e Histria das Cincias. Lisboa, Publicaes Dom Quixote, 1987. 247 p., p. 88

43 Cf. BOYER, op. cit., p. 143 44 Cf. BOYER, op. cit., p. 152

41 MIKAMI, Yoshio. The Development of Mathematics in China and Japan. New York, Chealsea, 1913, 347 p. 42 NEEDHAM, Joseph. Science and Civilization in China. Cambridge, University Press, 1959. 3 v.

39 Cf. BOYER, op. cit., p. 8 40 Cf. NEUGEBAUER, Otto. Mathematische Keilschrigt Texte. Berlin, Springer-Verlag, 1934.

10

1.3 A Tradio Greco-LatinaTodo os homens tm, por natureza, desejo de conhecer. Aristteles47 Com o advento da Civilizao grega tem incio uma preocupao especial com a Histria, e conseqentemente com a Histria da Matemtica. As mais antigas Histrias da Matemtica so gregas e a primeira de que se tem notcia foi escrita por Eudemos de Rodes48, por volta de 320 aC. Eudemos era um peripattico, isto , aluno de Aristteles. Essa obra histrica de valor inestimvel no sobreviveu passagem dos anos. Nela certamente haveria muitos dados sobre a controvertida passagem das Matemticas Pr-Helnicas, de carter eminentemente prtico, para os sistema mais terico dos gregos. O papel de Tales de Mileto (624-548 aC) e de Pitgoras de Samos (580-500 aC) nessa construo inicial do pensamento matemtico na Grcia tambm seria melhor elucidado. Mas desse livro de Eudemos s nos restam referncias esparsas em outras obras. O mesmo pode-se dizer da Biografia de Pitgoras, escrita pelo prprio Aristteles49, que tambm se perdeu. Outros livros que foram preservados dessa poca trazem algumas referncias ao incio herico da Matemtica grega, mesmo no sendo livros propriamente de Histria da Matemtica. Por exemplo, a maior parte dos trabalhos de Plato e cerca de metade dos de Aristteles se conservou at hoje50, e esses filsofos possuam um real interesse pela totalidade do Conhecimento de uma maneira ampla, incluindo a Matemtica. Mas o que mais se aproxima de uma narrativa verdadeiramente histrica da evoluo da Matemtica nesse perodo, e que se conservou, encontra-se num Comentrio ao primeiro livro de Os Elementos de Euclides, escrito pelo filsofo neo-platnico Proclus Diadochus (410-485 dC)51. Apesar do milnio que o separa da vida de Tales, em Proclus que nos baseamos para afirmar quase tudo o que sabemos sobre Tales e Pitgoras, porque teria incorporado no seu Comentrio um trecho resumido da Histria da Matemtica de Eudemos. Logo no incio do Comentrio, por exemplo, aps reafirmar a idia de ter a Geometria tido seus primrdios no Egito, diz que Tales primeiro foi ao Egito e de l introduziu este estudo na Grcia. Descobriu muitas proposies ele prprio, e instruiu seus sucessores nos princpios que regem muitas outras, seu mtodo de ataque sendo em certos casos mais geral, em outros mais emprico52. Depois, prossegue dizendo que Pitgoras, que veio aps ele, transformou esta Cincia em uma forma liberal de educao, examinando seus princpios a partir do incio e provando os teoremas de uma forma imaterial e intelectual. Ele descobriu a teoria dos proporcionais e a construo das figuras csmicas53. Uma coleo de Biografias de Matemticos e Filsofos Gregos atribuda a Digenes Larcio54. Nessa obra se encontra, por exemplo, a narrao de que Tales mediu a altura das pirmides do Egito observando o comprimento das suas sombras no momento em que a sombra de um basto vertical era igual sua altura. Alm desses documentos especficos de Histria, para se reconstituir o perodo grego contamos com inmeros escritos propriamente matemticos, muitos deles estruturados j segundo um nvel lgico formalizado, como o caso de Os Elementos de Euclides55. Falaremos sobre a importncia dessa organizao lgica dos gregos no Captulo 3 desse trabalho. Por hora basta dizer que47 ARISTTELES. Metafsica. A. 1. Apud: Coleo "Os Pensadores". V. IV. 1a ed. Trad. de Vicenzo Cocco. So Paulo, Abril Cultural, 1973. p. 211 48 Cf. LORIA, Gino. Guida allo Studio della Storia delle Matematiche. 2a ed. Milano, Ulrico Hoepli, 1946. 385 p., p. 16 72 50 Cf. Ibid., p. 61

49 Cf. BOYER, Carl Benjamin. Histria da Matemtica. Traduo de Elza F. Gomide. So Paulo, Edgard Blucher, 1974, 488 p.

51 Cf., p. ex., a trad. de Ivor Thomas. Proclus Summary. Apud: MIDONICK, Henrietta O. (Ed.) The Treasury of Mathematics. New York, Philosofical Library, 1965. 820 p. 52 Cit. in. HEATH, Thomas Litle. A History of Greek Mathematics. New York, Dover, 1981. 2 v. I, p. 128. Cf. BOYER, op. cit., p. 35 53 Cit. in HEATH, op. cit., p. 141. Cf. BOYER, op. cit., p. 36

54 Cf. LORIA, op. cit., p. 16 55 Cf., p. ex., a trad. comentada de Thomas Little Heath. The Thirteen Books of Euclid's Elements. 2a ed. New York, Dover, 1956. 3 v.

11 a Matemtica atual apresenta caractersticas lgicas que se podem chamar herdadas dos gregos. Paralelamente a essa herana de conhecimentos especificamente matemticos, existe uma linha de transmisso do conhecimento sobre a Histria da Matemtica comeando na Grcia, no sculo VI aC, e prosseguindo at o surgimento das Universidades na Europa no sculo doze, que podemos chamar de Tradio Greco-Romana ou Greco-Latina. claro que, dentro desse milnio e meio, outros povos e outras lnguas - de modo especial, os rabes -, tiveram uma participao importante na Histria da Matemtica. Principalmente porque a passagem natural da Cincia grega atravs do mundo romano viu-se interrompida com a invaso dos brbaros que tomaram Roma em 476. Quando, a partir do segundo milnio da nossa era, o surgimento das Universidades na Europa comear a atrair o interesse dos estudiosos latinos para os textos gregos, em grande parte a lngua rabe que vai servir como ponte de ligao entre o grego e o latim. Os rabes, desde o incio da era maometana em 622, foram conquistando paulatinamente muitos dos centros culturais da Antiguidade, como Alexandria, em 641. No sculo oito, funda-se a Casa da Sabedoria em Bagd, no final do califado de Harum al-Raschid (786-809), famoso por figurar nas Mil e uma Noites. Bagd torna-se ento um grande centro cultural, onde se faro tradues de inmeras obras gregas, as quais mais tarde foram por sua vez traduzidas para o latim. Parece muito provvel que, em meio aos 750.000 volumes que supostamente continha a Biblioteca de Alexandria, haveria informao abundante sobre Histria da Matemtica. Entretanto, entre o incndio provocado por Jlio Csar no ano 47 aC, em perseguio a Pompeu que se refugiara em Alexandria, e a queima quase total de 641 dC, decretada pelo Califa Omar, sucessor de Maom no comando dos rabes, pouco sobrou para contar essa valiosa Histria. importante observar que parte desse tesouro da Tradio Greco-Latina conseguiu sobreviver ao fogo cruzado das invases rabes por um lado e dos ataques brbaros por outro. Pode no ser verdadeiro o relato de que os rabes, aps terem tomado Alexandria, decidiram queimar os livros da Biblioteca pois se estivessem de acordo com o Coro, seriam suprfluos, e se estivessem em desacordo, seriam pior que suprfluos56. Nem que as fogueiras dos acampamentos rabes foram alimentadas durante meses com os milhares de volumes da Biblioteca, pois de certo modo essa atitude estaria em contradio com o esprito freqentemente rabe de apropriar-se da cultura do povo conquistado, fazendo dela uso prtico, e contribuindo assim indiretamente para a preservao do conhecimento para as geraes posteriores. Mas se escapou aos provveis incendirios rabes, certamente a Cultura Greco-Latina, incluindo informaes valiosas sobre Histria da Matemtica, teve muito que padecer nas mos dos povos brbaros. Os brbaros paulatinamente penetraram por todos os lados do decadente Imprio Romano, durante os primeiros sculos da nossa era: vndalos, visigodos, ostrogodos, etc. E sua presena causou uma desconexo com as sutilezas filosficas do esprito grego, conforme descreve Collette: Quando as grandes invases deslocaram o Imprio Romano do Ocidente e instalaram um rei ostrogodo no lugar do Imperador, o Ocidente ficou praticamente desconectado do Imprio Romano do Oriente e, por esse mesmo fato, desligado da Cincia helnica. S subsistiram as tradies transmitidas em latim por autores que viveram durante os sculos V e VI57. Falaremos a seguir sobre esses autores que transmitiram a Tradio Greco-Latina, a partir dos sculos V e VI.

56 Cf. BOYER, op. cit., p. 165 57 COLLETTE, Jean-Paul. Historia de las Matemticas. Traduccin de Pilar Gonzlez Gayoso. Mexico, Siglo Veintiuno, 1986, 2 v. V. I, p. 218

12

Deve-se ensinar divertindo. Alcuino58 Tornando-se Odoacro, o Hrulo, Imperador romano em 476, j ocorre uma grande alterao nos cuidados oficiais com a Cultura. Seu sucessor Teodorico, o Ostrogodo, ainda mantm-se por algum tempo assessorado por um dos ltimos Senadores Romanos, Ancius Manlius Torquatus Severinus Boethius, ou Bocio, que viveu de 480 a 524. Bocio ser, na corte brbara, como que um representante da Cultura e Cincia Helnicas, pois no apenas um filsofo e matemtico, mas tambm um homem de Estado59, um romano que conhece a fundo a cultura grega e que percebe que o esplendor cultural do mundo antigo passou(...).No entanto, percebe o que deve ser feito: s se pode salvar a cultura em pocas de crise como a que ele viveu adaptando-se s condies dos brbaros60. Conforme relata Cajori61, o trabalho de Bocio no foi em vo. Apesar de que parte do seu projeto fosse traduzir todas as obras de Plato e Aristteles62, Bocio no pode completlo: teve um fim trgico e repentino. Por ter desagradado Teodorico, foi aprisionado e executado algum tempo depois63. Uma possvel explicao desse desagrado aventada por Boyer64. Bocio, que era cristo assim como outros matemticos (Pappus, por exemplo), teria adotado idias sobre a Trindade Divina que estariam em desacordo com as crenas do Imperador. Mesmo na priso, o esforo intelectual de Bocio no cessou, e foi l que ele escreveu sua obra mais clebre, De Consolatione Philosophiae. Nesse ensaio em prosa e verso, discute a responsabilidade moral luz da filosofia aristotlica e platnica65. Devido ao esforo de pessoas como Bocio, tornou-se possvel a sobrevivncia da Matemtica na Europa Ocidental, pois graas a esse trabalho humilde e sacrificado, assumido conscientemente por quem tinha talento para muito mais, a Matemtica preservou-se no Ocidente e pde manter-se at o sculo X, quando recebe novo impulso com Gerberto e, a partir dos sculos seguintes, desenvolver-se mais e mais66. De fato, at finais do sculo X, outros autores latinos como Cassiodoro, Isidoro de Sevilha, Beda o Venervel e Alcuno iro exercer grande influncia sobre o ensino da Matemtica nas escolas medievais, servindo-se principalmente de trabalhos de Euclides, Nicmaco e Ptolomeu67. Aps o sculo X, ter incio um movimento de maior retorno Cincia grega, valendo-se do auxlio de verses manuscritas rabes. Enquanto os povos brbaros se estabelecem na Europa, vo pouco a pouco assimilando essa Cultura Greco-Romana, at chegarem a formar as atuais naes europias (Frana, Alemanha, Inglaterra, etc). Para que tal processo ocorresse, tiveram importante papel as instituies monsticas de ensino, pois havia praticamente uma escola para cada mosteiro, e era l que o ensino pode sobreviver ao descaso brbaro, principalmente durante o perodo de 500 a 120068. Alm desse papel de divulgao, os monges medievais contriburam muito para a preservao da Cultura em si, atravs das cpias manuscritas que realizavam com tal dedicao que cada pgina era uma verdadeira obra de arte69.

1.4 De Bocio a Gerbert

64 Id., ibid.

62 Cf. LAUAND, op. cit., p. 24 63 Cf. BOYER, op. cit., p. 140

60 LAUAND, op. cit., p. 23 61 Cf. CAJORI, Florian. A History of Mathematics. New York, The Macmillan Company, 1919, 516 p., p. 67

58 Cf. LAUAND, Luiz Jean. Educao, Teatro e Matemtica Medievais. So Paulo, Perspectiva/EDUSP, 1986, 117 p., p. 73 59 BOYER, Carl Benjamin. Histria da Matemtica. Trad. de Elza F. Gomide. So Paulo, Edgard Blucher, 1974, 488 p., p. 139

68 Cf. ARCHIBALD, Raymond Clare. Outline on the History of Mathematics. Ohio, Mathematical Association of America, 1941, 76 p., p. 26 69 Cf. NUNES, Rui Afonso da Costa. Histria da Educao. So Paulo, EPU/EDUSP, 1978-81. 4 v.

66 LAUAND, op. cit., p. 25 67 Cf. COLLETTE, Jean-Paul. Historia de las Matemticas. Mexico, Siglo Veintiuno, 1986, 2 v. V. I, p. 219

65 Id., ibid.

13 Dos mosteiros sairo as maiores obras com informaes sobre a Histria da Matemtica desse perodo. Cassiodoro (480-575), discpulo de Bocio, escreveu diversas obras matemticas que serviam de livro-texto nas escolas dos mosteiros70. Cassiodoro morreu em idade avanada num convento que ele mesmo havia fundado, tendo incentivado grandemente aos monges a cpia de manuscritos, costume que persistiria durante muito tempo nos conventos do perodo medieval e teve desta forma uma importante influncia nas tradies cientficas71. Depois dele, outro autor produtivo foi Santo Isidoro de Sevilha (570-636), que escreveu uma Enciclopdia em 20 volumes intitulada Origens ou Etimologias72. Conforme comenta Cajori73, essa obra segue o modelo das enciclopdias romanas de Martianus Capella de Cartago e Cassiodoro. Parte dela dedicada ao estudo da Matemtica, dentro da concepo corrente na poca, que englobava o chamado Quadrivium - Aritmtica, Msica, Geometria e Astronomia. Essa parte da Enciclopdia de especial importncia para a Histria da Matemtica, pois contm j os numerais indoarbicos que sero mais tarde os substitutos dos algarismos romanos74. Outra fonte de informao sobre a Histria da Matemtica so os trabalhos do monge ingls So Beda, o Venervel (673-735). interessante observar que muitas das suas 37 obras so tratados sobre o clculo necessrio para a datao precisa da Pscoa, base do Calendrio. Inclusive comenta Cajori que mesmo o clculo do Calendrio contribuiu para que a arte de calcular sempre encontrasse algum lugar no currculo para a educao dos monges75. Segundo Smith, So Beda pode ser considerado um precursor do ensino na Inglaterra, e por isso suas obras adquirem uma importncia singular76. outro ingls o responsvel principal pelo desenvolvimento da Educao no Grande Imprio Franco: Alcuno de York (735-804). Ele nasceu no ano da morte de So Beda, e aps ter sido educado na Irlanda tornou-se o maior colaborador de Carlos Magno, que tinha muita preocupao com o ensino77. O trabalho de Alcuno na Frana foi o estopim do chamado Renascimento Carolngeo, nas Artes, na Cincias e no Ensino. Uma de suas mais importantes obras precisamente de natureza didtica. Trata-se do Dilogo entre Pepino e Alcuno78, em que so recolhidos inmeros enigmas e adivinhaes com funes pedaggicas, bem de acordo com suas idias no campo educativo, que incluam seu famoso princpio citado na epgrafe deste item: Deve-se ensinar divertindo79. Tambm atribuda a Alcuno a autoria de uma coletnea de problemas que segundo ele eram apropriados ao desenvolvimento da inteligncia dos jovens80, que constituem uma boa amostra no s da Matemtica desse perodo, como tambm do seu interesse pela Educao. O modo como Alcuno procurava ensinar a Matemtica - atravs da resoluo de problemas81 - possui importncia particularmente atual, j que essa tcnica tem recentemente sido objeto de interessantes estudos relacionados com a didtica da Matemtica82. Alm dos manuscritos latinos, um dos caminhos percorridos pela Histria da Matemtica da Antigidade at ns foi o dos manuscritos rabes. O recurso a esses manuscritos deveuse fundamentalmente ao fato de o interesse pelos textos matemticos crescer muito na Europa, de modo que apenas o que fora resgatado por Bocio e outros tornou-se insuficiente.70 Cf. BOYER, op. cit., p. 181 71 COLLETTE, op. cit., p. 221

72 San Isidoro de Sevilha. Etimologas. Verso bilingue (Latim/ Espanhol) de Jos Oroz Reta e Manuel-A. Marcos Casquero. Madrid, Biblioteca de Autores Cristianos, 1982. Livro III (De Mathematica), p. 422 a 481 73 Cf. CAJORI, op. cit., p. 113 74 Cf. BOYER, op. cit., p. 182 75 Cf. CAJORI, op. cit., p. 114

80 Cf. CAJORI, op. cit., p. 114 81 Alguns desses problemas aparecem em EVES, Howard. An Introduction to the History of Mathematics. New York, Holt, Rinehart and Winston, 1969, 464 p., p. 227 82 Cf., p. ex., DINIZ, Maria Ignez de Souza Vieira (et al.). A Resoluo de Problemas. Captulo 1 da Proposta Curricular de

78 Cf. LAUAND, op. cit., p. 71 79 LAUAND, op. cit., p. 73

76 Cf. SMITH, op. cit., p. 184 77 Cf. CAJORI, op. cit., p. 114

Matemtica para o CEFAM e Habilitao Especfica para o Magistrio. Vrios autores. So Paulo, Secretaria de Educao/Coordenadoria de Estudos e Normas Pedaggicas, 1990. 257p., pp. 15-25

14 Nesse recurso aos rabes, ter influncia decisiva um monge francs de extraordinria atividade cientfica: Gerbert ou Gerberto (950-1003). Conforme explica Cajori, o zelo com o qual o estudo da Matemtica foi tomado pelos monges devido principalmente energia e influncia de Gerbert83. Tanto assim que, no sculo X, pode-se dizer que recomea o progresso da Matemtica, j que as obras de Gerbert corrigem muitos erros dos sculos anteriores84. Ao lado dos muitos trabalhos matemticos que produziu, dedicou-se tambm a diversos outros campos de atividade. Conforme relatam os historiadores, Gerbert nasceu em Auvergne, Frana, possuindo dons incomuns para a Matemtica e outras cincias. Chegou a construir bacos, globos terrestres e celestes, um relgio, e talvez at um rgo85, escrevendo tambm sobre Aritmtica, Geometria e outras reas da Matemtica, e provavelmente sobre o Astrolbio86. Sendo um dos primeiros cristos a estudar nas escolas rabes da Espanha87, Gerbert adquiriu logo fama de sbio e educador. Foi ento chamado a ser tutor e conselheiro de Otto III, Imperador do Santo Imprio Romano. Mais tarde tornou-se Arcebispo, primeiro em Reims e depois em Ravenna, e em 999 foi elevado ao papado, com o nome de Silvestre II88. Com relao a sua contribuio para o desenvolvimento da Matemtica, relata Lattin: Com Gerbert, a atividade numrica prtica (Logstica) pela primeira vez obteve o mesmo "status" da atividade numrica terica (Aritmtica) como matria de ensino avanado formal. Ele desenvolveu velocidade nas operaes aritmticas atravs da revitalizao do uso do baco e sua introduo, a partir da Espanha, dos nove numerais indo-arbicos (sem o zero). Alm disso, trouxe consigo regras para sua utilizao, que escreveu de forma elaborada89. Os abundantes escritos de Gerbert fornecem uma panormica acerca dos mtodos de calcular da Europa antes da introduo dos numerais indo-arbicos90. Mas sem dvida seu papel de educador, ao lado da introduo, difuso e ensino dos numerais indo-arbicos, que constitui sua mais interessante contribuio, dando-lhe um lugar especial na Histria da Matemtica91. Quando faleceu, a 12 de maio de 1003, j havia infundido nova vida no estudo no apenas da Matemtica, mas tambm da Filosofia92. Segundo Lattin, as pores remanescentes do corpo lgico aristotlico que tornaram-se parte do pensamento europeu ocidental no sculo XII foram integrados num nico tecido apenas sobre o slido fundamento do ensino organizado por Gerbert no sculo X93. Seus inmeros alunos, da Frana, da Alemanha ou da Itlia, tornaram-se por sua vez professores e difundiram esse conhecimento pela Europa94, promovendo o interesse pelos clssicos gregos sobre Cincia e Matemtica95. Esse interesse ir desencadear uma nova etapa muito importante para a Histria da Matemtica, que estudaremos a seguir.

95 Cf. EVES, op. cit., p. 208

93 LATTIN, op. cit., p. 20 94 Cf. CAJORI, op. cit., p. 118

91 Cf. BOYER, op. cit., p. 182 92 Cf. CAJORI, op. cit., p. 118

89 LATTIN, Harriet Pratt (Ed.). The Letters of Gerbert. New York, Columbia University Press, 1961. 412 p., p. 19 90 Cf. CAJORI, op. cit., p. 115

87 Cf. EVES, op. cit., p. 207 88 Cf. BOYER, op. cit., p. 182

85 Cf. EVES, op. cit., p. 207 86 Cf. SMITH, David Eugene. History of Mathematics. 2 v. Boston, Ginn and Co., 1923. V. I, 596 p., p. 196

83 Cf. CAJORI, op. cit., p. 115 84 Cf. LAUAND, op. cit., p. 96

15

Em 1136, ainda adolescente, John de Salisbury estudou lgica em Paris e ficou muito impressionado com os mestres e as aulas brilhantes a que assistiu. Kneale & Kneale96 Para compreender o caminho da Histria da Matemtica at hoje necessrio observar o que se passou na Europa no sculo XII. Boyer diz que a barreira entre os europeus e a cultura rabe foi superada nesse sculo. Ao redor do ano 1000, os matemticos ou astrnomos europeus tinham que possuir um bom conhecimento da lngua rabe para aprofundar nos estudos. Mas j no fim do sculo pode surgir na Itlia crist um matemtico do peso de Fibonacci. Boyer prossegue dizendo que: A poca foi to evidentemente de transio de um ponto de vista mais antigo para um mais novo que C. H. Haskins denominou sua obra The Renaissance of the Twelfth Century (New York, Meridian Books, 1957). O ressurgimento que ele descreveu comeou, inevitavelmente, com uma srie de tradues97. Uma das primeiras obras matemticas clssicas a aparecer em traduo latina do rabe foram Os Elementos de Euclides, a verso tendo sido feita em 1142 por Adelard de Bath (cerca de 1075-1160). Eves relata que Adelard teria corrido riscos fsicos na sua busca do conhecimento rabe, disfarando-se inclusive de estudante maometano98. E Cajori acrescenta que, no primeiro quarto do sculo XII, Adelard teria viajado pela sia menor, Egito, talvez tambm pela Espanha, enfrentando grandes perigos99. Sem dvida, Adelard teve dificuldades para realizar suas tradues, pois estava na linha de frente, entre os primeiros estudiosos dedicados traduo de manuscritos para o latim. Mas logo suas tradues tornaram-se algo bastante comum na Europa. Na Espanha, especialmente em Toledo, onde o arcebispo encorajava tal trabalho, uma verdadeira escola de traduo se desenvolvia. Conforme explica Boyer, a cidade, outrora uma capital visigoda, mais tarde esteve nas mos dos mouros por vrios sculos, antes de ser conquistada pelos cristos, e era um lugar ideal para a transmisso da cultura. Nas bibliotecas de Toledo havia uma quantidade de manuscritos muulmanos; e grande parte da populao, composta de cristos, maometanos e judeus, falava o rabe, o que facilitava o fluxo interlngue de informao100. Dentre os tradutores da Espanha destaca-se Gerardo de Cremona (1114-1187). Em 1175 Gerardo traduziu o Almagesto de Ptolomeu, obra muito importante do ponto de vista histrico. Entre as mais de oitenta e cinco obras atribudas a Gerardo encontra-se uma adaptao em latim da Aljabr wa'l Muqabalah de al-Khowarismi101, de cujo ttulo advm nosso termo lgebra102. Desse modo a Cincia Antiga pode ser recuperada plenamente e preservada para as pesquisas dos sculos futuros. Obras de Filosofia e Lgica tambm foram sendo recuperadas. Como dizem Kneale e Kneale, pouco depois de 1250 o conjunto do Organon estava em circulao, ou na antiga verso de Bocio ou em tradues recentes e dentro dos 50 anos seguintes os restantes escritos de Aristteles foram traduzidas para o Latim. Algumas tradues

1.5 O Renascimento no Sculo XII

96 KNEALE, Willian & KNEALE, Martha. O Desenvolvimento da Lgica. 1a ed. Trad. de M. S. Loureno. Lisboa, Fundao Calouste Gulberkian, 1972, 770 p., p. 231 97 BOYER, Carl Benjamin. Histria da Matemtica. Traduo de Elza F. Gomide. So Paulo, Edgard Blcher, 1974, 488 p., p. 183 98 Cf. EVES, Howard. An Introduction to the History of Mathematics. New York, Holt, Rinehart and Winston, 1969, 464 p., p. 208 99 Cf. CAJORI, Florian. A History of Mathematics. 2a ed. New York, The MacMillan Company, 1919, 516 p., p. 118

102 Pelo fato de lgebra significar originalmente "restaurao", o termo lgebrista foi usado tambm para designar o mdico que restaurava ossos partidos. Assim temos, no clssico espanhol Dom Quixote:...at que chegaram a um povo, onde felizmente encontraram um algebrista, que tratou o desgraado Sanso, o qual havia fraturado a perna ao cair do cavalo, em duelo com Dom Quixote. Cf. CERVANTES, Miguel de. O Engenhoso Fidalgo Dom Quixote de la Mancha. Traduo de Viscondes de Castilho e Azevedo. So Paulo, Abril Cultural, 1978. 609 p., p. 369

100 BOYER, p. 183 101 Ibid., p. 184

16 foram feitas nesta altura em Espanha a partir de tradues Arbicas; outras foram feitas em Itlia por estudiosos em contato com a cultura Bizantina103. Aps o sculo XII, com o surgimento das Universidades Europias, tem incio o perodo dentro do qual encontramos os livros especficos de Histria da Matemtica, de incio manuscritos, mas logo impressos tais como podem ser hoje encontrados nas bibliotecas. No sculo XIII, as Universidades comearam a florescer em Bolonha, Pdua, Npoles, Paris, Oxford e Cambridge. Pessoas que fizessem reprodues manuscritas de tratados eram intensivamente empregados pelas universidades, e pela metade do sculo XV, seus produtos estavam sendo vendidos como os livros de hoje em dia. Tais mtodos de difundir conhecimento foram aperfeioados em muito quando se deu incio distribuio de obras impressas. Conforme relata Archibald, a publicao destas, com tipos mveis, comeou por volta de 1450. Mais de duzentas obras matemticas foram impressas, apenas na Itlia, antes de 1500; mas esse nmero foi aumentado para 1527 no sculo seguinte104. Passaremos a falar agora desses livros que comearam a ser impressos, dentre os quais havia alguns especificamente de Histria da Matemtica.

103 KNEALE, op. cit., p. 230 76 p., p. 26

104 ARCHIBALD, Raymond Clare. Outline on the History of Mathematics. Ohio, Mathematical Association of America, 1941,

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A Histria da Matemtica pode ser instrutiva bem como agradvel. Cajori105 Passaremos agora a considerar, ainda que brevemente, a seqncia mais recente dos livros de Histria da Matemtica propriamente ditos, isto , obras escritas com esse fim especfico. A partir do sculo XVI, Loria106 j identifica na produo cientfica uma atitude de verdadeira venerao pela obra dos antigos, com um sentimento de profunda gratido queles que fizeram progredir a Cincia; isso induziu alguns autores a inserir nos seus escritos a partir da um verdadeiro e prprio carter histrico, com informaes em torno dos predecessores107. Desse modo, j em 1615 Giuseppe Biancani produz uma Clarorum Mathematicorum Chronologia como adendo a outra obra maior sua108. Entre outros autores desse sculo, destaca-se Milliet Descharles que introduziu numa obra sua o item De Progressus Matheseos et Illustrius Mathematicus109. No incio do sculo XVII, o abade Bernardino Baldi publica suas Biografias de Matemticos110, aps um trabalho de pesquisa de quatorze anos. Essa grande obra traz 365 biografias e serviu de fonte para inmeros trabalhos posteriores. Segundo Smith, Baldi era um lingista de habilidades incomuns e por isso pde com desenvoltura lidar com fontes de informao biogrfica em diversas lnguas111. A primeira obra com o ttulo de Histria da Matemtica foi escrita em 1742 por Johann Christoph Heilbronner112. Em sua Historia Matheseos Universae, Heilbronner inclui um valiosa relao de manuscritos que podiam ser obtidos na poca, alm de uma lista dos ltimos livros impressos. Mas a primeira verdadeira e prpria Histria da Matemtica113, segundo a expresso de Loria, sem dvida a Histoire des Mathmatics de Jean tienne Montucla (1725-1799)114. Sua obra constitui-se num modelo de Histria da Matemtica totalmente cronolgica. Alm disso, sendo Montucla um erudito, escreveu em estilo abrangente, de modo que quase no foi superado pelas Histrias posteriores115. Pois a obra de Montucla retrata no s a Matemtica pura e aplicada, mas inclui tambm a Histria da Geografia, da Msica, da Gnomnica e da Navegao. Esse carter cronolgico de Montucla ser tema muito importante para a compreenso dos desenvolvimentos posteriores dos tipos de livros sobre Histria da Matemtica. No incio do sculo XIX uma abordagem diferente, visando a utilizao didtica da Histria da Matemtica, ir surgir nas mos do Pe. Pietro Franchini, que dedicava-se entre outras coisas ao ensino da Matemtica em diversas escolas secundrias da Itlia. Ele era tambm um matemtico muito capaz, e escreveu textos de pesquisa em Matemtica, principalmente sobre Anlise116. Sua obra histrica, intitulada Saggio sulla Storia delle matematiche corredato di scelte notizie biografiche ad uso della giovent117, marca uma nova orientao da viso da Histria da

1.6 O Advento dos Livros de Histria da Matemtica

112 HEILBRONER, Johan Cristoph. Historia Matheseos Universae a mundo condito ad seculum post Chr. Nat. XVI. Leipzig, 1742. Apud SMITH, op. cit., p. 539 113 Cf. LORIA, op. cit., p. 20 114 MONTUCLA, Jean tienne. Histoire des Mathmatics. 2 v., Paris, Jombert, 1758 115 Cf. SMITH, David Eugene. History of Mathematics. 2 v. Boston, Ginn and Co., 1923. V. II, 596 p., p. 540

110 BALDI, Bernardino. Cronaca de'matematic ovvero Epitome dell'istorie delle vite loro. Urbino, 1707. Apud. LORIA, op. cit., p. 18 111 Cf. SMITH, David Eugene. History of Mathematics. 2 v. Boston, Ginn and Co., 1923. V. II, 596 p., p. 539

107 Ibid., p. 26 108 BIANCANI, Giuseppe. Aristotelis loca Mathematica ex Universis Operibus Collecta et Explicata. Boloniae, 1615. Apud LORIA, op. cit., p. 17 109 DESCHARLES, Milliet. Cursus Seo Mundus Mathematicus. Lugd., 1674. Apud LORIA, op. cit., p. 17

105 CAJORI, Florian. A History of Mathematics. 2a ed. New York, The MacMillan Company, 1919, 516 p., Introducion, p. I 106 Cf. LORIA, Gino. Guida allo Studio della Storia delle Matematiche. Milano, Ulrico Hoepli, 1946. 385 p.

116 Cf. SMITH, op. cit., p. 542 117 FRANCHINI, Pietro. Saggio sulla Storia delle matematiche corredato di scelte notizie biografiche ad uso della giovent. Lucca, 1821. Apud LORIA, p. 24

18 Matemtica, que sua vinculao ao ensino da Matemtica. Essa relao entre Histria da Matemtica e ensino da Matemtica ser retomada depois por outros autores. Seguindo o modelo clssico de Montucla, ir surgir no final do sculo XIX e incio do XX a obra que, segundo Loria, assinala uma poca na Histria da pesquisa sobre a evoluo do pensamento matemtico118. Trata-se da colossal Vorlesunger ber Geschichte der Mathematik, de Moritz Benedict Cantor119. Em quatro volumes, publicados entre 1880 e 1908, a obra segue um critrio rigorosamente cronolgico. Segundo Cajori120, Moritz Cantor o mais notvel escritor geral do sculo XIX sobre Histria da Matemtica. Nasceu em Mannheim, e estudou inicialmente em Heidelberg. Em Gottingen estudou com Gauss e Weber, e em Berlim com Dirichlet. Deu aulas em Heidelberg onde em 1877 tornou-se Professor Honorrio. Seu primeiro artigo histrico surgiu em 1856. A diferena principal entre Cantor e Montucla est na abrangncia do programa. Enquanto Montucla fala sobre a Histria de diversos ramos cientficos, Cantor ocupa-se exclusivamente da Matemtica pura. A semelhana com Montucla est justamente no modelo cronolgico que segue, criticado de certa forma por Loria porque permite interrupes no tratamento de alguns assuntos, por exemplo a questo referente criao do Clculo Infinitesimal121. Com Cantor, o sistema cronolgico de narrao fica claramente estabelecido. No incio do sculo XX iro surgir no entanto outros tipos de tratamento da Histria da Matemtica, alm de outras edies de Histria da Matemtica seguindo a cronologia. Um dos autores mais importantes dessa poca sem dvida Florian Cajori. J em 1894 tinha surgido a primeira edio de A History of Mathematics122, um clssico do gnero cronolgico em um s volume. Professor de Histria da Matemtica da Universidade da Califrnia, Cajori expe logo na introduo algumas razes que o levaram a escrever essa obra, baseadas no princpio exposto na epgrafe deste item. No prefcio segunda edio, de 1919, ele opina que existem vantagens em fazer uma Histria da Matemtica de um s volume para uso dos leitores que no podem dedicar-se a um estudo intensivo da Histria da Matemtica. Por outro lado, admite que uma tarefa difcil dar uma viso de relance adequada do desenvolvimento da Matemtica de seus mais antigos comeos at o tempo presente123. Essa dificuldade apontada por Cajori foi de certo modo resolvida por David Eugene Smith, na sua History of Mathematics124 em dois volumes, publicados em 1923. Smith esclarece que um texto nico cronolgico no didaticamente aconselhvel, e resolve essa questo planejando uma Histria da Matemtica com dupla viso, em dois volumes com tratamento distintos: O plano geral adotado na preparao deste trabalho o de apresentar o assunto a partir de dois pontos de vista distintos, o primeiro, no volume I, levando a uma viso do crescimento da Matemtica por perodos cronolgicos, com as devidas consideraes sobre as realizaes tnicas; e o segundo, no volume II, levando a uma discusso da evoluo de certos tpicos importantes. Tentar fundir essas duas caractersticas e assim apresent-las foi muitas vezes pretendido. o que caracteriza, por exemplo, o tratado monumental de Montucla e, em larga medida, o de Cantor. Para o professor, no entanto, esse plano no satisfatrio125. Smith toma para si a tarefa de escrever um livro de Histria da Matemtica voltado para o Professor de Matemtica, portanto pautado do ponto de vista de sua aplicao didtica. Esse ponto de vista no era desconhecido por Cajori, que admitia tambm o valor do conhecimento histrico para o Professor de Matemtica126. Mas o pblico-alvo de Cajori constitua-se fundamentalmente de matemticos, tendo presente que a contemplao dos vrios passos pelos quais o gnero humano tomou posse do vasto estoque de conhecimento matemtico dificilmente deixa de interessar ao matemtico127.118 Cf. LORIA, op. cit., p. 26 119 CANTOR, Moritz Benedict. Vorlesunger ber Geschichte der Mathematik. Berlin, Verlag und Teubner, 1880-1908. 4 v.

122 CAJORI, op. cit.

120 Cf. CAJORI, op. cit., p. 6, nota 1 121 Cf. LORIA, op. cit., p. 27

123 Ibid., Preface to the Second Edition 125 SMITH, op. cit., v. I, Preface, p. iii

124 SMITH, David Eugene. History of Mathematics. Boston, Ginn and Co., 1923. 2 v. 126 Cf. CAJORI, op. cit., Introduction, p. 2 127 Ibid., p. 1

19 J Smith categrico em afirmar que sua obra foi escrita visando sua utilizao por professores e alunos128. Em busca desse objetivo especfico, Smith realizou uma verdadeira revoluo dentro dos moldes habituais de tratar a Histria da Matemtica. Deixa claro que um livro meramente cronolgico no suficiente para o Professor, sendo necessrias outras abordagens diferentes. Smith opta pela abordagem Por Assunto, o que marca uma nova fase na produo de livros sobre Histria da Matemtica. Alm da sua Histria da Matemtica em dois volumes, Smith escreveu diversas outras obras histrica, algumas em parceria com outros autores. Notvel A History of Japanese Mathematics129, timo exemplo de uma Histria da Matemtica por civilizao. Com Karpinsky, produz o clebre The Hindu-Arabic Numerals130, onde estabelece as bases de um profundo estudo sobre um tpico especfico da Histria da Matemtica. Comps sozinho o inigualvel A Source Book in Mathematics131, no qual apresenta a evoluo da Matemtica atravs do recurso aos escritos originais de autores de diversos perodos. Smith foi pioneiro em abrir o leque das vrias abordagens alternativas. Iro depois surgir muitas obras tratando a Histria da Matemtica segundo aspectos variados, fugindo da pretenso de esgot-la na forma cronolgica. Pareceu ficar claro para vrios pesquisadores que era didaticamente mais interessante um livro sobre algum tpico especfico, ou sobre uma determinada nao ou poca, ou ainda livros s de biografias. Uma nova Histria da Matemtica por assunto ser elaborada por Vera Sanford132 em 1930, sob orientao do prprio Smith. Em 1937 surge o livro biogrfico de Bell133, trazendo relatos da vida dos mais famosos matemticos de todos os tempos. Aps as descobertas arqueolgicas expostas por Neugebauer e Sachs134, com a traduo das tabletas matemticas da Mesopotmia, iro surgir outros livros explorando a Histria da Matemtica das Civilizaes Antigas, como havia feito j em 1921 Sir Thomas Little Heath com a Histria da Matemtica grega135. o caso de Episdios da Histria Antiga da Matemtica136, de Asger Aaboe, e do monumental tratado sobre a Matemtica da China137 de Joseph Needham. Na mesma linha vir, mais recentemente, em 1972, Richard Gillings138, narrando a Matemtica egpcia do tempo dos faras. Depois Bartel Leenert van der Waerden publicar em 1983 e em 1985 respectivamente duas grandes obras, a primeira sobre a Geometria e a lgebra nas civilizaes antigas139 e a segunda sobre a Histria da lgebra de Al-Khowarismi a Emmy Noether140. A maneira cronolgica de expor a Histria da Matemtica no ser, entretanto, abandonada. No faltaro autores no sculo XX que se proporo, como Carl Benjamin Boyer141 em 1968, aderir mais estritamente a um arranjo cronolgico na exposio da Histria da Matemtica, procurando apresentar a Histria da Matemtica com fidelidade no s para com a estrutura e exatido matemticas, mas tambm para com a perspectiva e detalhe histricos142. A Histria da Matemtica de Boyer, bem como a que Howard Eves143 escreveu em 1964, so exemplos de Histria da Matemtica cronolgica do tipo clssico, escrita com base na

130 SMITH, David Eugene & KARPINSKI, L. C. The Hindu-Arabic Numerals. Boston, Ginn and Company, 1911. 131 SMITH David Eugene. A Source Book in Mathematics. New York, Dover, 1959. 2 v. 132 SANFORD, Vera. A Short History of Mathematics. New York, Houghton Mifflin, 1930. 402 p. 133 BELL, Eric Temple. Men of Mathematics. New York, Simon and Schuster, 1965. 590 p.

128 Cf. SMITH, op. cit., v. I, Preface, p. iii 129 SMITH, David Eugene & MIKAMI, Yoshio. A History of Japanese Mathematics. Chicago, 1912.

135 HEATH, Thomas Litle. A History of Greek Mathematics. New York, Dover, 1981. 2 v. 136 AABOE, Asger. Episdios da Histria Antiga da Matemtica. Trad. de Joo Pitombeira de Carvalho. Rio de Janeiro, Sociedade Brasileira de Matemtica, 1984. 170 p. 137 NEEDHAM, Joseph. Science and Civilization in China. Cambridge, University Press, 1959. 3 v. 138 GILLINGS, Richard J. Mathematics in the Time of the Pharaohs. New York, Dover, 1972, 288 p. 139 VAN DER WAERDEN, Bartel Leenert. Geometry and Algebra in Ancient Civilizations. Berlin, Springer-Verlag, 1983. 223 p. 140 VAN DER WAERDEN, Bartel Leenert. A History of Algebra. Berlin, Springer-Verlag, 1985, 271 p.

134 Cf. NEUGEBAUER, Otto e SACHS, A. Mathematical Cuneiform Texts. New Haven, Conn. Yale University Press, 1945.

143 EVES, Howard. An Introduction to the History of Mathematics. New York, Holt, Rinehart and Winston, 1969, 464 p.

141 BOYER, Carl Benjamin. Histria da Matemtica. Trad. de Elza F. Gomide. So Paulo, Edgard Blucher, 1974, 488 p. 142 BOYER, op. cit., Prefcio

20 informao disponvel atualmente. As caractersticas peculiares desse tipo cronolgico e de outros tipos de livros de Histria da Matemtica sero estudados a seguir.

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Uma Histria da Matemtica pode ser construda sobre diversos planos gerais, cada um dos quais pode ser justificado pelo objetivo em mente. Por exemplo, pode ser organizado apenas tendo em vista a seqncia cronolgica de eventos, ou como uma srie de biografias, ou de acordo com os principais ramos da Matemtica, ou como um livro fonte de material para estudo, ou com relao a resultados obtidos por um pais ou povo, ou de vrios outros modos, cada um dos quais pode ter certas vantagens. Smith144 Tendo esboado uma breve relao das principais fontes e livros de Histria da Matemtica segundo sua seqncia histrica, iremos agora, nesse Captulo 2, estudar mais detidamente alguns tipos de livro. A estrutura desse captulo ser, portanto, bem distinta do anterior. Iremos distribuir os itens segundo esses tipos de livros, e em cada um apresentaremos apenas alguns exemplos por ns considerados mais relevantes para os fins prprios desse trabalho, isto , contribuir para o estudo do valor didtico da Histria da Matemtica. Seguindo o modelo do Guia ao Estudo da Histria da Matemtica de Loria145, apresentaremos tambm a relao de contedo de alguns livros, ainda que, por vezes, resumidamente. Pensamos desse modo expor essas obras a um conhecimento prvio mais imediato acerca do seu contedo e da distribuio do mesmo pelos itens. Os diferentes tipos de livros de Histria da Matemtica identificados acima por Smith so tambm apontados por Loria no seu Guia, como segue: As obras de maior porte relativas Histria da Cincia podem ser distribudas nas seguintes categorias: a) Biografia; b) Historia de determinada teoria; c) Histria de uma determinada Cincia em uma regio pr-estabelecida (estado, provncia, nao); d) Histria geral de uma disciplina; e) Crestomatia (Antologia)146. Interessava a Loria sobretudo caracterizar esses tipos de livros de Histria da Matemtica para que os pesquisadores que desejassem escrever um livro pudessem optar por um modelo a seguir. Como o fim do nosso trabalho servir de introduo ao estudo do valor didtico da Histria da Matemtica, escolhemos alguns tipos de livro que julgamos adequados para servir de base para as discusses posteriores. Essa classificao no pretende ser, portanto, exaustiva, nem no que se refere aos tipos de livros nem quanto s obras que escolhemos comentar. A diviso que adotamos a seguinte: 1. Cronologias; 2. Biografias; 3. Por Assunto; 4. Outros.

Captulo 2 Tipos de livros de Histria da Matemtica

146 LORIA, op.cit., p. 259

144 SMITH, David Eugene. History of Mathematics. Boston, Ginn and Co., 1923. 2 v. V. I, Preface, p. iii 145 LORIA, Gino. Guida allo Studio della Storia delle Matematiche. 2a ed. Milano, Ulrico Hoepli, 1946. 385 p.

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Devem ser os historiadores muito pontuais, verdadeiros, e nada apaixonados, sem que nem interesse, nem temor, nem dio, nem afeio, os desviem do caminho direito da verdade, que a filha legtima de quem historia, mula do tempo, depsito dos feitos, testemunha do passado, exemplo e conselho do presente, e ensino do futuro. Cervantes147 O modelo clssico de obra sobre Histria da Matemtica constitui-se num relato das diferentes manifestaes matemticas seguindo a linha do tempo. Nesse sentido assemelha-se muito a uma Histria Geral da Humanidade, s que em vez de enfocar todos os aspectos histricos detm-se fundamentalmente no conhecimento matemtico de cada poca, valendo-se das obras matemticas e de outros indcios histricos relacionados com a evoluo da Cincia ao longo do tempo. Nas palavras de Loria, a Histria da Matemtica, como qualquer ramo da Histria, uma reconstruo do passado feita com o auxlio de todas as fontes de informao hoje existentes148. Nessa reconstruo do passado, os autores de livros cronolgicos de Histria da Matemtica procuram de modo geral ressaltar os elementos de ligao que permitam discernir uma certa linha de desenvolvimento da Matemtica ao longo da Histria. Para muitos deles, como expe Cajori, a Histria da Matemtica representa uma das amplas janelas atravs das quais o olho filosfico volta-se para idades passadas e traa a linha do desenvolvimento intelectual149. Por isso, uma das maiores caractersticas desses livros que raramente servem de fonte para conhecer profundamente a Matemtica de uma poca determinada. Esse tipo de livro apenas se limita a fazer uma descrio sucinta do conhecimento matemtico de uma poca, fornecendo alguns exemplos de problemas e mencionando algumas obras de autores dessa poca. Para se conhecer melhor a Matemtica de uma poca determinada necessrio recorrer a outros tipos de livros de Histria da Matemtica, dos quais falaremos mais adiante. Uma tentativa de elaborar um estudo mais aprofundado, mantendo ainda a estrutura cronolgica, resultou na monumental Vorlesungen ber die Gerchichte der Mathematik, de Moritz Benedict Cantor150. Com quase quatro mil pginas, essa obra pode ser considerada como o modelo dos tratados sobre o assunto, como afirma Ball151. Entretanto, podemos comparar a obra de Cantor com a de Raymond Claire Archibald, Outline on the History of Mathematics152, em termos de estrutura narrativa. Ambas seguem o mesmo modelo cronolgico de narrao, dentro do qual a seqncia bem mais importante que o aprofundamento nos tpicos abordados. S que a parte propriamente histrica da obra de Archibald no ultrapassa as cinqenta pginas, dentro das quais vemos passar como um relmpago cinco mil anos de Histria. Entre esses extremos, encaixam-se os livros cronolgicos de tamanho padro, girando em torno de quinhentas pginas. Quatro obras principais sero aqui comparadas, o que pareceu suficiente para fornecer uma boa idia do que vem a ser um livro de Histria da Matemtica segundo a cronologia.

2.1 Cronologias

A obra de Cajori bastante sinttica, principalmente no que se refere Matemtica Antiga. Por exemplo, dedica apenas cinco pginas Babilnia e seis ao Egito. No item sobre os egpcios, apresenta alguns problemas do Papiro Ahmes, considerando que representam os

Cajori: Uma Histria da Matemtica

149 CAJORI, Florian. A History of Mathematics. 2a ed. New York, The MacMillan Company, 1919, 516 p., p. 3 150 CANTOR, Moritz Benedict. Vorlesunger ber Geschichte der Mathematik. Berlin, Verlag und Teubner, 1880-1908. 4 v.

Azevedo. So Paulo, Abril Cultural, 1978. 609 p. p. 61 148 LORIA, op. cit., p. 3

147 CERVANTES, Miguel de. O Engenhoso Fidalgo Dom Quixote de la Mancha. Traduo de Viscondes de Castilho e

151 BALL, Walter William Rouse. A Primer of the History of Mathematics. London, MacMillan and Co., 1930. 149 p., p. vii 152 ARCHIBALD, Raymond Clare. Outline on the History of Mathematics. Ohio, Mathematical Association of America, 1941, 76 p.

23 resultados mais avanados dos egpcios em Aritmtica e Geometria.153 Ao apresent-los de forma to sucinta, Cajori deixa o leitor sem poder conferir como era exatamente essa Matemtica, no podendo por si mesmo avaliar seu grau de sofisticao nem sua possvel aplicao didtica para o ensino de Matemtica elementar. Mas preciso ter em conta, alm disso, que na poca em que o livro foi escrito ainda no haviam surgido os estudos de Neugebauer e Sachs sobre as tabletas babilnias. CAJORI, Florian. A History of Mathematics. 2a ed. New York, The MacMillan Company, 1919, 516 p. Contedo: Babilnios 4 Egpcios 9 Gregos 15 Romanos 63 Maias 69 Chineses 71 Japoneses 78 Hindus 83 rabes 99 Europa durante a Idade Mdia 113 Europa durante os sculos XVI, 130 XVII e XVIII Os sculos XIX e XX 278 Cajori dedica inicialmente um item para cada civilizao: gregos, chineses, romanos, maias, etc. Sua narrativa cronolgica portanto sincopada, e esses saltos de um povo a outro podem atrapalhar a viso evolutiva da Cincia em si. Por exemplo, no item sobre os romanos cita Santo Agostinho (354-430), o qual, segundo ele, merece o crdito de aceitar a existncia do infinito real154, aps ter estudado os paradoxos do movimento propostos pelo grego Zeno de Ela no sculo V aC. O mesmo assunto volta a aparecer no item sobre a Europa na Idade Mdia, quando So Toms de Aquino (1225-1274) explica os argumentos de Zeno contra o movimento conforme a exposio de Aristteles155. Ou seja, uma interessante questo sobre a evoluo da noo de infinito fica espalhada ao longo do livro, de modo que seu potencial didtico se dilui em funo do esquematismo cronolgico do texto.

Conforme j foi mencionado, a obra dupla de Smith consegue resolver os problemas do modelo cronolgico, deslocando para um segundo volume o tratamento em separado das linhas evolutivas de cada tpico da Matemtica elementar. Cabe aqui somente observar que seu volume um, estritamente cronolgico, dos melhores exemplos do gnero, por organizar o contedo exclusivamente de acordo com a linha do tempo. Parece que Smith conseguiu ser to rigidamente cronolgico justamente por ter reservado todas as correlaes temticas para o segundo volume, restando no primeiro apenas uma esquematizao temporal simples. Decorre disso que o primeiro volume de Smith traz a evoluo da Matemtica tratada de um modo assumidamente compartimentalizado. Cada item aborda um perodo histrico e dentro dele h ainda uma diviso do assunto pelas principais civilizaes que floresceram naquela poca. Civilizaes milenares como a da China aparecem portanto em quase todos os itens. SMITH, David Eugene. History of Mathematics. Boston, Ginn and Co., 1923. 2 v. Volume I, 596 p. Contedo: Matemtica Pr-Histrica 1 Perodo Histrico at 1000 aC 20 Perodo de 1000 a 300 aC 54 Perodo de 300 aC a 500 aC 102153 Cf. CAJORI, op. cit., p. 14 154 Cf. ibid., p. 67

Smith: Histria da Matemtica (Volume 1)

155 Cf. ibid., p. 126

24 Perodo de 500 a 1000 148 Ocidente de 1000 a 1500 194 Oriente de 1000 a 1500 266 Sculo Dezesseis 292 Sculo Dezessete 358 Sculo Dezoito e Seguintes 444 J que a questo da evoluo por tpicos est reservada para o volume dois, Smith pode explorar ao mximo nesse primeiro volume uma viso bastante cronolgica da Histria da Matemtica. Consegue deixar claro, por exemplo, que no perodo de 500 a 1000 (Item V) havia muitas Matemticas distintas acontecendo simultaneamente no mundo: China, Japo, ndia, Prsia e Arbia, Ocidente Cristo, Oriente Cristo e Espanha. Compreende-se tambm o destaque dado a essa ltima devido ao particular intercmbio cultural e cientfico ocasionado pela convivncia entre rabes e cristos na Espanha nessa poca156. Aps Smith, outros autores tentaram misturar a narrativa cronolgica com uma certa flexibilidade para discutir a evoluo particular de alguns tpicos. o que procura fazer Howard Eves na sua obra. Por exemplo, no meio do item sobre a Matemtica Grega de Tales a Euclides, ao falar sobre o problema da Quadratura do Crculo, Eves se interrompe para fazer uma cronologia de , na qual descreve o clculo do nmero desde 240 aC at 1949157. Essa flexibilidade do livro de Eves se percebe pela prpria diviso de itens que, longe de ser abrangente como Smith, se limita ao que parece mais relevante da seqncia histrica.

EVES, Howard. An Introduction to the History of Mathematics. New York, Holt, Rinehart and Winston, 1969, 464 p. Contedo: Sistemas de Numerao 7 Matemtica Egpcia e Babilnia 27 Matemtica Pitagrica 49 Duplicao, Trisseco e Quadratura 77 Elementos de Euclides 112 Matemtica Grega aps Euclides 142 Matemtica Hindu e rabe 180 Matemtica Europia, de 500 a 1600 206 A Aurora da Matemtica Moderna 243 Geometria Analtica e Outros Desenvolvimentos Pr-Clculo 280 O Clculo e Conceitos Relacionados 315 Transio para o Sculo Vinte 349 Eves no visa produzir uma Histria da Matemtica estritamente cronolgica, mas quer apenas construir um caminho percorrendo as etapas principais da evoluo da Matemtica. Conforme esclarece, sua obra uma tentativa de introduo Histria da Matemtica que possa servir como livro-texto para um curso de Graduao de um semestre, com trs horas por semana158. J que seus fins so didticos, Eves viu-se forado a sair um pouco do esquema cronolgico rgido, para tentar dar mais sentido aos tpicos que escolheu abordar. Um grande apreciador da obra de Eves sem dvida Carl Benjamin Boyer. Refere-se ao livro de Eves como o mais bem sucedido e apropriado da sua poca, afirmando que utilizou-o com grande satisfao, em diversos cursos de Histria da Matemtica que ministrou. Em seguida prossegue Boyer:

Eves: Uma Introduo Histria da Matemtica

158 Cf. ibid., p. 1

156 Cf. SMITH, op. cit., v. I,p. 192 157 Cf. EVES, op. cit., p. 89

25 Ocasionalmente eu modifiquei a ordem dos tpicos no livro, procurando alcanar uma maior intensidade de sentimento histrico, e suplementei o material com mais referncias s contribuies dos sculos dezoito e dezenove159. O fato de que Boyer tenha precisado alterar a ordem do livro justamente para obter uma maior coeso histrica, constitui-se em mais um sinal de que o livro de Eves no uma Histria da Matemtica cronolgica rgida.

J a inteno de Boyer ao escrever sua obra era precisamente construir uma narrativa cronolgica com destaque para dados histricos. De fato, ele obtm uma grande densidade de informaes histricas, e seu texto aproximadamente regido pela seqncia cronolgica. A homogeneidade da narrativa s vezes comprometida por interrupes ocasionadas por sua inteno de ser mais profundo em alguns pontos. Descries de contedo de obras, digresses biogrficas ou com sentido estritamente cronolgico, tornam-se s vezes desvios do curso narrativo, dificultando a leitura do livro como um texto fluente. Vejamos, por exemplo, um trecho extrado da pgina 24l: Galileu tinha tido a inteno de escrever um tratado sobre o infinito em matemtica, mas ele no foi encontrado. Enquanto isso, seu discpulo Cavalieri fora estimulado pela Stereometria de Kepler, bem como por idias antigas e medievais e pelo encorajamento de Galileu, a organizar seus pensamentos sobre infinitsimos em forma de livro. Cavalieri era membro de uma ordem religiosa (dos Jesuados, no dos jesuitas como se tem dito frequentemente mas incorretamente) e viveu em Milo e Roma antes de tornar-se professor em Bolonha em 1629. Caracteristicamente para seu tempo ele escreveu sobre muitos aspectos da matemtica pura e aplicada - geometria, trigonometria, astronomia e ptica - e foi o primeiro autor italiano a apreciar o valor dos logaritmos. Em seu Directorium universale uranometricum de 1632 ele publicou tabelas de senos, tangentes, secantes e senos versos, junto com seus logaritmos, at oito casas; mas ele relembrado mais por um dos livros mais influentes do incio do perodo moderno, a Geometria indivisibilibus continuorum, publicada em 1635.160 BOYER, Carl Benjamin. Histria da Matemtica. Trad. de Elza F. Gomide. So Paulo, Edgard Blcher, 1974, 488 p. Contedo: Origens primitivas 1 A Renascena 197 Egito 7 Preldio Matemtica Moderna 222 Mesopotmia 18 O Tempo de Fermat e Descartes 245 Jnia e os Pitagricos 33 Um Perodo de Transio 270 A Idade Herica 47 Newton e Leibniz 287 A Idade de Plato e Aristteles 61 Era Bernoulli 306 Euclides de Alexandria 74 A Idade de Euler 324 Arquimedes de Siracusa 89 Matemtica da Revoluo Francesa 344 Apolnio de Perga 104 O Tempo de Gauss e de Cauchy 367 Trigonometria e Mensurao na Grcia 116 A Idade Herica da Geometria 387 Ressurgimento e Declnio da Matemtica 129 A Aritmetizao da Anlise 404 Grega China e ndia 143 O Surgimento da lgebra Abstrata 419 A Hegemonia rabe 165 Aspectos do Sculo Vinte 440 A Europa na Idade Mdia 180 Como vemos no exemplo citado acima, a pesquisa de material que gerou o livro de Boyer foi to vasta que permitiria a elaborao de vrios volumes, cada qual de um tipo, o que seria muito interessante. Por exemplo, se poderia obter um volume s com uma narrativa cronolgica contnua, sem entrar em pormenores. Um segundo tomo abrangeria o desenvolvimento particular de alguns tpicos da Matemtica, com suficientes detalhes para que se possa compreender bem a evoluo159 BOYER, Carl Benjamin. Histria da Matemtica. Trad. de Elza F. Gomide. So Paulo, Edgard Blucher, 1974, 488 p.

Boyer: Histria da Matemtica

Prefcio 160 Cf. ibid., p. 241

26 daquele assunto. Um terceiro volume poderia dedicar-se a tratar das obras de Matemtica que tiveram especial importncia para o progresso da Cincia. Outro livro poderia conter biografias, etc. Uma boa forma de aproveitar essa valiosa quantidade de informaes contidas na obra de Boyer parece ser atravs do ndice por temas que oferece na pgina 475. claro que isso toma tempo, mas mais til para o professor ou para quem esteja interessado num assunto especfico. Apenas para ilustrar esse modo de utilizao, basta ver que a seqncia de pginas indicadas para que se conhea a Histria do Nmero : 8, 13, 15, 28, 93, 104, 122, 125, 129, 144, 147, 153, 154, 157, 160, 162, 177, 222, 235, 280, 283, 297. Outra forma mais simples ir pulando as pginas em que h uma interrupo na narrativa. Por exemplo, a descrio de dez pginas sobre Os Elementos de Euclides161 no necessariamente se imporia a quem estivesse acompanhando a evoluo da Matemtica na Grcia no ritmo das pginas anteriores. Alm disso, uma obra com Os Elementos merece ser considerada numa edio integral162, j que por si s tem muito a dizer sobre a Histria da Matemtica.

161 Cf. ibid., p. 77 162 Por exemplo, The Thirteen Books of Euclid's Elements. Trad. e com. por Thomas Little Heath. 2a ed. New York, Dover, 1956. 13v. em 3

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Aqueles que nunca conheceram um matemtico profissional podem ficar muito surpresos ao encontrar algum. Bell163 Conhecer as vidas dos matemticos sem dvida contribui para tornar mais atraente o ensino da Matemtica, revelando o fundo humano por trs da sua aparente frieza exata. Assim justifica Smith a introduo de alguns relatos sobre a vida de matemticos mencionados na sua Histria da Matemtica cronolgica, a qual traz anedotas suficientes para quebrar a monotonia da mera narrativa histrica e para revelar o matemtico como um ser humano como outros de sua espcie164. Podemos, pelo mesmo motivo, encontrar biografias de matemticos permeando quase todo tipo de livro sobre Histria da Matemtica. Mas existem obras especializadas trazendo unicamente biografias. O interesse pelas biografias ressaltado por Gil em seu artigo Biografas: un Gnero en Auge. Segundo ele, O gnero biogrfico uma aproximao Histria atravs do concreto, da anedota, do pequeno acontecimento que, no entanto, tem uma grande transcendncia165. Outra razo para a existncia dessas obras explicada por Bell no incio de sua obra biogrfica. Afirma ele que fundamental conhecer a vida dos matemticos para no olh-los como seres estranhos: Os matemticos enquanto uma classe provavelmente so menos familiares para o leitor em geral que qualquer outro grupo de trabalhadores intelectuais. O matemtico um personagem muito mais raro na fico que seu primo o cientista, e quando de fato aparece nas pginas de um romance ou numa tela de cinema no passa de um desalinhado sonhador totalmente desprovido de senso comum - digno de riso. Que tipo de mortal ele na vida real? Apenas vendo em detalhe que espcie de homem alguns dos grandes matemticos foram e que tipo de vida tiveram, podemos reconhecer a r