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UNIVERSIDADE DE LISBOA FACULDADE DE BELAS-ARTES
O MOVIMENTO ARTÍSTICO LOWBROW
A ascensão das artes menores e a sua presença em Portugal
ANEXOS
Susana Cristina Augusto Dias
Dissertação
Mestrado em Desenho
Dissertação orientada pelo Prof. Doutor Henrique Costa
2018
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A. Influências gráficas de Robert Williams1
1 “Robt. Williams’ Graphic Influences”, 1987/88. Publicado no catálogo da exposição “Bad Influences” exibida no Otis College of Art and Design em Los Angeles. Coleção privada. Também disponível em WILLIAMS, Robert – Robt. Williams’ Graphic Influences. [Em linha]. e GIVENS, Joseph R. – Lowbrow Art: The Unlikely Defender of Art History’s Tradition. [Em linha]. p. 46.
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B. Tabela de Russell Lynes2
2 “Everyday tastes from High-Brow to Low-Brow are Classified on Chart”, 1949. Publicada no vol. 26 n.º15 da revista Life. Também disponível em High-Brow, Low-Brow, Middle-Brow. LIFE Magazine. [Em linha]. p. 100-101.
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C. Entrevista a Helena Reis3
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Susana Dias: Helena, por favor, relate um pouco a sua vida, as suas origens, onde
vive e como despertou para a arte.
Helena Reis: Neste momento, depois de várias mudanças, estou a residir no Sobralinho. As
minhas origens são bastante modestas assim como a minha formação. Infelizmente não
tive possibilidade de frequentar o ensino superior porque tive que abandonar a escola
muito cedo para começar a trabalhar. Nessa altura já desenhava e pintava há muito tempo
aliás desde a minha infância que me recordo de o fazer como passatempo inclusive durante
as aulas. Contudo não foi um processo imediato houve uma fase em que queria ser bióloga
ou veterinária mas quando dei por mim já estava demasiado envolvida na pintura ao ponto
de se ter imposto como profissão.
Quando e como teve contacto com o movimento Lowbrow?
Foi há pouco tempo. Inicialmente o meu trabalho era mais voltado para a Arte Fantástica
sobretudo para o universo das fadas e das sereias. Embora já conhecesse vários artistas do
movimento, como a Jasmine Becket Griffith, sempre os identifiquei como Arte Fantástica
até ao momento em que alguém me indicou que o que eu fazia se inseria no Pop Surrealism
ou no Lowbrow.
Agora que conhece, o que pensa do Lowbrow como movimento?
Não conheço a fundo, ainda estou a aprender. Penso que é dos movimentos
contemporâneos mais interessantes que temos atualmente e não me refiro só a nível
comercial mas essencialmente por se tratar de um género que embora muito diverso todo
ele é muito pessoal. Neste movimento facilmente revelas a personalidade dos artistas só de
olhar para as suas obras.
Consegue rever essas características em outro movimento?
Eu diria na Arte Fantástica por ser um género que não condiciona a liberdade criativa.
3 Helena Reis entrevistada por Susana Dias na Galeria Penumbra Art Boutique & Studio em Loures a 6 de Abril de 2016.
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A nível internacional o Lowbrow é geralmente descrito como um movimento de
origem popular e classificado como Kitsch. Qual a sua opinião?
Não concordo, mas poderá estar relacionado com o facto de abranger estes géneros ou
então devido à sua atual notoriedade que potencia o plágio.
Internamente o movimento Lowbrow convive com uma ruptura ideológica que
divide os seguidores da obra de Mark Ryden, que se intitulam de Pop Surrealists,
dos seguidores da obra do fundador Robert Williams. Qual a sua opinião
relativamente ao futuro do Lowbrow?
Penso que só tem espaço para evoluir mas para isso é importante que os artistas
reconheçam que se devem distanciar dos seus ídolos.
Consegue comparar o Lowbrow com outro movimento de arte? Se sim, qual e
porquê?
Comparar não diria, uma vez que remete às influências de dois movimentos ou seja trata-se
de uma transformação resultante da fusão da Arte Pop com o Surrealismo, mas talvez se
possa atribuir protagonismo à Arte Urbana se bem que devem ser áreas de mútua
influência.
Porque decidiu especializar-se no movimento Lowbrow em específico na arte Big-
eyed?
Não foi propriamente uma decisão, nem por grandes influências, foi um processo natural.
Inicialmente as minhas personagens eram muito estilizadas, depois ganharam mais peso, a
seguir mais volume na cabeça e por consequência disso aumentaram também os olhos. As
proporções das minhas personagens foram o resultado dessa evolução e agora já não
consigo desenhar de outra forma sem ser o corpo pequeno e a cabeça grande. Para mim é
um visual muito agradável que remete aos cartoons e com o qual me identifico. Contudo
tento não exagerar muito nas dimensões para que as proporções possam ser credíveis e
validar a personagem ou seja para que a figura não caia com o peso da sua própria cabeça.
Quais são as suas principais influências do universo Lowbrow?
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A maior influência se bem que prefiro chamar-lhe antes de referência porque procuro
sempre distanciar-me do trabalho dos outros, embora possa acontecer inconscientemente,
mas é precisamente um dos últimos artistas aos quais me atribuíram e que na altura
desconhecia, não só a sua existência como o seu papel no movimento, que é o Mark
Ryden.
Admira algum artista em particular?
Sim, além do Mark Ryden, a Jasmine Becket-Griffith!
Os temas que aborda estão de alguma forma relacionados com eventos da sua vida?
Por vezes sim, mas tenho procurado trabalhar mais nesse sentido. Numa primeira fase o
meu trabalho era mais o resultado da exploração da técnica do que do conceito. Agora
tenho dado mais atenção ao conceito para que tenha o que falar da peça. Por exemplo
houve um episódio pessoal que me marcou profundamente, de uma relação de amizade
que terminou de forma abrupta, que eu transpus para uma pintura que, embora não seja
percetível, se me perguntarem posso explicar o porquê daquela narrativa. Curiosamente as
minhas personagens geralmente estão sempre tristes não é que eu seja depressiva mas não
invalida que por vezes seja o reflexo do meu lado mais melancólico mas, embora percam a
sua essência, também as faço felizes.
A que materiais recorre na execução dos seus trabalhos e o porquê da sua opção
pelo tradicional?.
Eu já experimentei digital mas não me adaptei. Gosto do cheiro da tinta, da textura, de
fazer experiências e o digital não me permite isso. Prefiro o método tradicional palpável e
físico. Como estou sempre em constante experimentação não tenho um médium fixo.
A técnica mista é a mais frequente nos seus trabalhos?
Sim. Mesmo quando estou a pintar a óleo vou sempre buscar outros materiais ou antes
aplico uma camada base em acrílico portanto sim é técnica mista.
Participou em alguma exposição que tenha marcado a sua carreira? Se sim, qual e
porquê?
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Tem sido um processo gradual ainda não tive nenhuma que possa realmente dizer que
favoreceu a minha carreira, mas tenho participado em boas exposições. Gostei de participar
na “Myth, Magic & Lore” na Bash Fine Art foi uma experiência muito positiva não só no
que se refere à relação com a galeria como aquela em que alcancei maior sucesso ao vender
todas as minhas peças.
Quando e o que a levou a formar a galeria Penumbra?
Foi no ano passado. O meu lado empreendedor sempre ambicionou por um espaço que
fosse relacionado com o meio artístico mas a ideia de criar a galeria só surgiu depois das
várias experiências que tive a expor. Assim, incentivada e munida dessa experiência, decidi
que queria abrir uma galeria e expor o género de arte que aprecio em território nacional.
Então comecei a traçar o meu plano mentalmente importando e aperfeiçoando o modelo
para a minha galeria. Além disso em Portugal não é difícil abrir uma galeria claro que como
é normal houve algumas burocracias, mas tudo se ultrapassou e da ideia à concretização foi
num ápice.
Qual foi a primeira exposição que organizou?
Foi a “Ghost Stories” dos Copycat Violence.
Tendo em conta os diversos eventos que organizou, consegue traçar o perfil do
colecionador que frequenta as exposições e os temas por ele apreciados?
Não é de todo português. Ainda não cativámos o público nacional. O perfil do
colecionador, à semelhança do meu próprio caso, é norte-americano, maioritariamente do
género feminino e proveniente da classe média.
Há algum tema que gere mais procura?
Não, não é pelo tema, é pelo artista.
Que futuro prevê relativamente ao crescimento do Lowbrow em Portugal?
Para já espero contribuir para a sua divulgação em Portugal. O povo português geralmente
não se interessa muito por arte ou por novas correntes mas felizmente tenho assistido a
uma mudança de mentalidade e uma valorização gradual sobretudo da Arte Urbana o que é
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bastante positivo só que também gostava de ver esse interesse aplicado à pintura nos seus
tradicionais suportes. Aliás um dos objetivos que tinha quando abri a galeria, baseada na
experiência que tive no exterior onde o ambiente era muito mais informal, descontraído e
familiar era abolir precisamente o conceito de formalidade associado à galeria para desta
forma gerar mais interesse.
Talvez por isso a Arte Urbana esteja mais próxima dos portugueses.
Talvez sim, porque está ao livre acesso de todos.
Que pintura está a desenvolver agora?
Agora estou a trabalhar para o solo com a Duma. Tenho ao todo quinze peças de vários
formatos e médiuns como óleos e aguarelas. Não é propriamente um conjunto muito coeso
ou seja não há aquela unidade entre as personagens, precisamente o oposto da Duma, daí o
tema “Opposites Attract”.
Na passada exposição tinha confidenciado que seria o regresso de algumas das
suas personagens.
Sim, são as minhas “Creepy Darlings”. São as personagens em que comecei a empregar
uma narrativa. Embora eu tenha a minha própria interpretação é para o público que remeto
a sua leitura dando total liberdade criativa para que construam a sua. Tenho várias
personagens novas mas sim pelo menos quatro são as minhas preferidas dessas. O meu
destaque para os “Tobies”.
Por curiosidade como ocupa os seus tempos livres, coleciona alguma coisa em
particular?
Infelizmente não, mas gostava. Gostava de colecionar mais da própria arte que exponho,
embora já seja bom o tempo que estou com ela, ou então outras coisas mais macabras
como caveiras em miniatura.
Que conselho daria aos artistas que agora iniciam a sua carreira e que pretendem
seguir este movimento?
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O conselho é o mesmo de sempre, praticar. Em relação a este movimento eu não penso
que seja algo que se escolha isso é algo que se irá revelar à medida que se vai trabalhando
ou seja se for irá aparecer por ele próprio. Agora se realmente se identificar o importante
mesmo é melhorar tecnicamente e não deixar de o fazer. O meu conselho é esse praticar e
experimentar sem medo de arriscar ou arruinar o trabalho e independentemente da
qualidade dos materiais ou o tipo de suporte.
Para mais informação sobre Helena Reis e a galeria Penumbra Art Boutique & Studio visite
www.helenareisart.com e www.penumbraboutique.com.
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D. Entrevista a Paul Neberra4
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Susana Dias: Paul relate um pouco a sua vida, as suas origens, onde vive e como
despertou para a arte.
Paul Neberra: Bom, começando pelo início, nasci em Mainz (a terra de Guttenberg) na
Alemanha, onde vivi até os meus 6 anos de idade. Foi sem dúvida uma das fases mais
felizes da minha vida. Havia algo de maravilhoso naquele lugar, a neve no inverno, as lojas
de relógios de cuco e as figuras de madeira, os desfiles de Carnaval, as feiras de inverno
com sumo quente, os pastos com cavalos. Foi lá que despertei o meu amor pela arte, da
forma mais genuína e inocente, sem filtros impostos por quem quer que fosse. Digo isto
porque via a arte que me interessava e fascinava em muitos lugares sem que alguém me
dissesse “isto é arte, isto é um artista, esta arte é a melhor, etc.”. As maravilhosas ilustrações
dos livros de histórias foram uma constante companhia nesta fase. Passava horas a
vislumbrar os detalhes de cada uma daquelas imagens e ainda hoje tenho uma memória
muito viva dos pormenores. Outra forma de arte que me influenciou bastante foi absorvida
através de programas televisivos. Os desenhos animados permitiram-me ter um primeiro
contacto com o Lowbrow, sobretudo no que respeita aos elementos da cultura Pop, que
sem dúvida estão presentes em muitas obras de artistas como Roy English e Todd Schorr.
Estou a falar dos desenhos animados mais emblemáticos, tal como o He-Man,
Transformers, Ursinhos Carinhosos, pato Donald, etc. Como vivi numa época em que a
Alemanha ainda se encontrava dividida pelo muro de Berlim, tive oportunidade de ver
pequenos episódios de animação de volumes e marionetas, oriundas da parte “soviética”
(por mais que estivesse na RFA, República Federal da Alemanha); o que enriqueceu
bastante o meu imaginário artístico. Era o melhor de dois mundos! Era a época de séries
televisivas como Star Trek e de filmes da Guerra das Estrelas. Não me querendo estender
muito na descrição do meu percurso, vou ignorar um pouco a fase mais vazia, que se inicia
quando tive de deixar o meu país de origem, para acabar num envolvido por um ambiente
onde os estímulos artísticos, a meu ver, eram bastante escassos. Esta fase mais negra
estende-se por largos anos. Foi durante a minha licenciatura em Design Gráfico que
encontrei outras formas de arte, porém, não seriam decerto as perspetivas que iriam
inspirar os meus trabalhos de pintura.
4 Paul Neberra entrevistado por Susana Dias a 31 de Dezembro de 2017.
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Refletindo sobre o meu percurso, considero que tudo faz parte, tudo teve a sua
importância, mas nada em particular foi significativo. É provável que tenha andado a fugir
ao universo artístico, porque depois de me licenciar estive cerca de 10 anos a trabalhar
como Designer Gráfico, formador de softwares gráficos e até dei aulas de TIC numa escola
profissional de equivalência ao secundário. Digo isto porque a ideia que me foi incutida
desde cedo, não considerava a arte como uma carreira profissional. Olhando para trás…
nada o é! Somos atirados para uma qualquer coisa a serviço deste mundo empresarial,
industrial e consumista, em que o intuito é ser apenas mais uma engrenagem numa
gigantesca máquina de produção que beneficia pessoas perturbadas que só encontram a
felicidade em bens materiais. Ainda hoje em dia, sou confrontado com opiniões pejorativas
de certos indivíduos, que consideram que os artistas sofrem de uma miséria extrema. É
sabido que ao longo da história muitos artistas tiveram vidas muito complicadas, mas
existem muitas exceções e certamente pobreza de espírito não é algo que assombre a
maioria dos artistas. Bom, foi assim, que a partir de 2013 me dediquei a tempo inteiro a ser
pintor. Gosto de dizer pintor, porque não sou artista plástico e para ser sincero, às vezes
nem compreendo bem o que é um artista.
Quando e como teve contacto com o movimento Lowbrow?
É difícil precisar o momento exato! Isto porque o movimento Lowbrow a meu ver tem
diversas ramificações, muitas das quais se manifestavam em formatos comerciais, ou seja,
alguns desenhos animados da minha infância, algumas bandas desenhadas que lia,
sobretudo aquelas mais underground, incluindo fanzines, capas de álbuns da minha
adolescência; tudo isto fez parte do meu contacto com o universo Lowbrow. Obviamente
que na altura nem sequer tinha noção de que todas aquelas ilustrações e pinturas faziam
parte de um movimento artístico e é provável que muitos daqueles artistas não faziam ideia
de que se enquadravam no Lowbrow. Mas considerando o meu primeiro contacto mais
consciente com este movimento artístico, terá sido através do trabalho do mestre Mark
Ryden e dos artistas representados na revista Hi-Fructose. O curioso é que já tinha
contactado com o trabalho deste fabuloso artista antes, quando um amigo meu me
ofereceu uma cassete do álbum “Dangerous” de Michael Jackson. Estávamos no início dos
anos 90 e para além de gostar imenso da música, adorava aquela capa! Nunca imaginei ver
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aquela pintura ao vivo, mas tive a sorte de vislumbrar o original na exposição retrospetiva
de Mark Ryden em Málaga.
O que pensa do Lowbrow como movimento?
É uma lufada de ar fresco! Quando era criança lembro-me de passar horas a ver livros de
histórias ilustradas, geralmente folclore alemão e contos dos irmãos Grimm, o que me
fascinava imenso! Aliás, foi com esses livros que despertei o meu amor pela arte e ainda
continuo a ter um enorme carinho por este género de ilustração, que a meu ver é bem
melhor do que alguns trabalhos que vejo nos últimos anos, graficamente muito pobres.
Quando tinha cerca de 9 anos ofereceram-me um livro de Salvador Dalí, o que me levou a
uma visão mais aprofundada da arte, sobretudo das simbologias, conceitos da psicanálise. E
durante toda a minha adolescência tive um enorme fascínio por Fantasy Art, da qual
destaco artistas como Luis Royo, Brom, July Bell e Boris Vallejo, que não se enquadram
bem no Pop Surrealismo ou Lowbrow. Quando cheguei à faculdade pude verificar que
durante os quatro anos em que tive história de arte, toda a época do Classicismo,
Renascimento e todos os movimentos considerados mais “figurativos” eram classificados
como antiquados e sobretudo desvalorizados e que tudo o que fosse suficientemente
abstrato e alternativo era brilhante! Assim pelas palavras do meu professor do último ano,
Dalí era um comercial sobrevalorizado e Duchamp era um génio. O que mais me chocou
foi a tentativa de aniquilação de diversos artistas pelos quais tinha imensa consideração.
Basicamente, tive a perceção que a arte a partir do momento do Ready-Made era aquilo,
objetos assinados com um conceito e pronto, tudo o que fosse um pouco mais pictórico ou
figurativo estava morto. Descobrir que o tipo de arte que eu tanto apreciava e que me
acompanhou durante diversos anos da minha vida poderia estar exposto em galerias e ser
apresentado em revistas atuais, trouxe-me uma certa alegria. O Lowbrow não é obviamente
para todos, mas ai está a meu ver a beleza da arte.
A nível internacional o Lowbrow é geralmente descrito como um movimento de
origem popular e classificado como Kitsch. Qual a sua opinião?
Se isso é a descrição a nível internacional nem imagino o que será dito do Lowbrow em
Portugal. Sinceramente já vi coisas Kitsch no Lowbrow tal como vejo em outros
movimentos de Arte Contemporânea. No fundo, não colocaria todos os artistas deste
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movimento no mesmo saco. Os mais consagrados e respeitados deste movimento têm um
trabalho único e que se destaca dos restantes. Para além disso, considero que existe tanta
diversidade no movimento, o que faz com que alguns artistas se aproximem mais das belas
artes outros de artes inferiores, estranho será dizer que existe qualidade nas duas vertentes.
Internamente o movimento Lowbrow convive com uma rutura ideológica que
divide os seguidores da obra de Mark Ryden, que se intitulam de Pop Surrealists,
dos seguidores da obra do fundador Robert Williams. Qual a sua opinião
relativamente ao futuro do Lowbrow?
Seria natural que isso acontecesse, visto que as pinturas de Mark Ryden são de uma mestria
e virtuosismo incomparável. Tive oportunidade de ver um grande número de obras deste
artista ao vivo e sinceramente foi a exposição até hoje que mais me marcou.
Existem assim diversos artistas que acabam por seguir o estilo mais clássico, o que torna as
peças tecnicamente semelhantes às de grandes mestres do Renascimento, Realismo,
Naturalismo e Neoclassicismo. Julgo que o Lowbrow continua a ser o que é e o Pop
Surrealismo terá o seu lugar como movimento independente. Sobretudo considero possível
diferenciar artistas que se encaixam mais numa vertente do que noutra e assim será possível
também organizar e definir os movimentos em que se integram.
Consegue comparar o Lowbrow com outro movimento de arte? Se sim, qual e
porquê?
Bom, a palavra Lowbrow é um pouco vaga e passa mais por uma desqualificação da
qualidade dos artistas intervenientes do que propriamente uma designação apropriada a um
movimento. Porém se pensarmos na palavra Pop Surrealismo, conseguimos perceber que
existe aqui uma relação com o surrealismo. Mas no fundo, não acho sensato especular
sobre parecenças, por mais que tenha alguma formação em arte, estou longe de ser um
historiador ou crítico de arte e limito-me a dizer que o movimento é muito específico,
pouco comparável a outros. Para além disso, estamos a vivê-lo agora, por mais que já tenha
alguns anos a sua história ainda está a ser construída e confesso encontrar pouca literatura
sobre o que é o Lowbrow em termos de conceitos. Um colecionador uma vez disse que um
dos aspetos que mais lhe agradava no Lowbrow era o sentido de humor e que não conhecia
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outro movimento que explorasse de forma tão exaustiva a critica num formato mais
sarcástico.
Porque decidiu especializar-se no movimento Lowbrow?
Eu não decidi especializar-me no Lowbrow, até porque me considero um Pop Surrealista e
admito aqui uma separação dos movimentos que originalmente estariam albergados no
mesmo. Eu pinto sobretudo o que quero representar, aquilo que idealizo. Comecei a pintar
da forma que me agradava o que acabou por ser desvendar como Pop Surrealismo. Posso
dizer que encontrei uma definição para o meu trabalho, que consegui encaixar os meus
quadros dentro de um movimento. Não que estivesse muito preocupado com definições,
isso é algo para os estudiosos da arte, mas de certa forma, foi importante perceber com que
galerias poderia trabalhar e quais seriam os meus pares no universo artístico.
Quais são as suas principais influências do universo Lowbrow?
Bom, vou considerar Lowbrow o termo generalista em que se inclui o Pop Surrealismo e,
assim sendo a minha primeira grande influência na atualidade é sem dúvida o mestre Mark
Ryden. Num período inicial tive alguma influência do Jeff Soto, mas não acredito que fosse
algo muito percetível, sobretudo porque eu próprio não reencontro este artista nos meus
trabalhos. E poderia acabar aqui a minha lista de influências neste movimento, mas acredito
que no meu subconsciente está um Ron English, uma Mag Graves, ou talvez um Travis
Louie. Se a pergunta passasse por falar dos meus artistas preferidos dentro do movimento a
lista seria interminável!
Admira algum artista em particular?
Eu admiro imensos artistas, mas sem dúvida que o Mark Ryden é o meu predileto. Durante
imensos anos fui um grande admirador do Salvador Dalí e ainda hoje considero-o um dos
artistas mais impressionantes de todo o tempo. Ingres, Holbein, Bosch são outros dos
artistas que também admiro imenso e como não poderia deixar ser, o grande Leonardo Da
Vinci. Se voltarmos para épocas mais recentes posso dizer que Lucian Freud também é um
dos meus favoritos, num certo pé de igualdade com Francis Bacon. Considerando o
panorama da arte nacional, admiro e tenho imensa consideração pela Paula Rêgo. Confesso
que fui inúmeras vezes à casa das histórias em Cascais, onde tive a oportunidade de ver
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diversas obras da artista. Mas para concluir volto ao meu querido Mark Ryden, que me
enche de uma enorme alegria e fascínio cada vez que vejo uma das suas fabulosas obras.
Os temas que aborda estão de alguma forma relacionados com eventos da sua vida?
Eu diria que todos, sem dúvida têm uma profunda ligação com a minha história. Em alguns
dos quadros isso é mais percetível do que em outros, mas é pouco provável que alguém se
aperceba disso se não for bem explicado. Com o tempo percebi que as pessoas não sabem
absolutamente nada de quem somos, isso ainda se faz notar mais nas personalidades mais
arrogantes que muitas vezes se permitem a opinar sobre o que somos, o que gostamos e o
que é melhor para nós, muitas vezes de forma tão inadequada que acabo por suspeitar das
intenções. Quando chegamos à arte então a questão chega a ter contornos de ridículo! Vejo
as pessoas demasiado interessadas em expor a sua opinião ao invés de ouvirem o que o
artista tem para dizer. Nesta fase não me importo muito com os esclarecimentos sobre o
meu trabalho, em tempos tive experiências extremamente desagradáveis. Poderão imaginar
o que é alguém entrar-vos casa a dentro só para vos dizer que não gosta da cor dos
cortinados da sala? De todos os quadros que pintei, o que de forma mais explícita se pode
relacionar diretamente comigo é o “Ride Your Dreams” de 2014. Isto para quem sabe que
a pessoa retratada é meu tio. Mesmo nos quadros que faço para exposições temáticas acabo
por colocar alguma referência a um acontecimento ou ao meu estado emocional do
momento, etc. Aliás sinto que cada vez mais me reencontro nos meus quadros e menos nas
pessoas.
A que materiais recorre na execução dos seus trabalhos e o porquê da sua opção
final pelo tradicional?
Maior parte dos meus trabalhos são óleo sobre tela ou painel. Algumas vezes uso acrílicos,
sobretudo quando tenho que pintar sobre suportes pouco convencionais como paredes ou
sapatos, o que para minha felicidade, não acontece muitas vezes. O óleo é algo que
conheço desde os meus 13-14 anos e por mais que tenha explorado diversos materiais tal
como grafite, lápis de aguarela, guache, pastel seco e de óleo e acrílico como previamente
referido, julgo que as tintas a óleo são as mais adequadas para o meu tipo de trabalho.
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Participou em alguma exposição que tenha marcado a sua carreira? Se sim, qual e
porquê?
Para ser sincero, não acho que alguma das minhas exposições tenha marcado a minha
carreira. No fundo todas as exposições vão sendo um pequeno passo na construção do
meu legado, seja ele relevante ou não para o universo artístico ou para os livros de história
de arte. Não me considero uma pessoa ambiciosa no sentido de alcançar a fama, porém
admito que gostaria de receber no futuro algum reconhecimento. Esse reconhecimento
acaba por ser o reflexo do mundo exterior, já que o meu ser artístico sofre de algum
autismo e necessidade de isolamento. Mas não me considero uma ilha e como tal sinto
alguma satisfação em comunicar com outros o que me vai na alma. Tentando encontrar
outro sentido para esta pergunta, vou mencionar a minha segunda exposição individual
como uma experiência deveras interessante! A exposição correu bastante bem, passado
uma semana tinha praticamente todas as peças vendidas e até o final da exposição vendi
tudo. Confesso que após a mesma não estava à espera de nada em concreto, mas fiquei
surpreendido com a falta de interesse por parte de outras galerias nacionais. Curiosamente
foram galerias estrangeiras que me começaram a contactar e é graças à simpatia vinda de
fora que me mantenho a pintar profissionalmente. No fundo, acabei por compreender
aquilo que se diz muitas vezes sobre Portugal e sinceramente é verdade que estamos num
país que pouco valoriza o que se faz por cá.
O que o levou a criar o projeto Low to Pop, que já conta com duas edições, e qual
tem sido a recetibilidade da Galeria Funarte?
A Low to Pop surge numa altura em que fui convidado para ser curador de uma exposição
de Street Art. Na altura tinha feito apenas algumas intervenções em paredes, que pelos
vistos despertaram a curiosidade de algumas pessoas. Julgo que o Street Art ou Arte
Urbana, surge em Portugal como algo extremamente inovador. Aliás o mesmo acontece
noutros pontos do mundo e, como seria de esperar, todos os artistas envolvidos de certa
forma nesta arte acabam por ganhar uma enorme visibilidade popular, que afeta
consequentemente a sua presença em galerias mais arrojadas. Na altura mencionei o facto
de conhecer diversos artistas de Street Art, mas que realmente esta não era a minha área de
especialização, lançando assim o desafio de um dia ser feita uma exposição dedicada ao
Lowbrow e Pop Surrealismo. Claro que existem artistas Lowbrow a pintar paredes, como
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complemento ao seu trabalho, por isso acabaria por ser uma exposição Street Art a roçar
outros movimentos. Entretanto, a FunArte mostrou-se interessada em fazer uma exposição
que fosse representativa de artistas mais dedicados ao Pop Surrealismo, visto o fundador da
galeria, que também é colecionador, ter preferência por este movimento. Fiquei
maravilhado com a possibilidade de trazer o Pop Surrealismo a Portugal e nunca o teria
conseguido sem a FunArte e a fabulosa coleção de que o João Teixeira é proprietário.
Comecei logo a trabalhar na seleção de artistas que pudessem integrar a exposição,
enquanto criava a imagem e publicidade da Low to Pop, cujo nome inicial era “From Low
to Pop”, genialmente encurtado por sugestão do coordenador Bruno Teixeira. Quando
criei o nome estava obviamente a pensar numa exposição / evento com várias edições que
refletissem o espectro do movimento Lowbrow à sua ramificação de Pop Surrealismo.
Ainda hoje em dia acho o nome é sem duvida muito adequado. Depois começou o inferno,
sobretudo pelo espaço que foi cedido pela LxFactory. Convém dizer que a desorganização
era aterrorizadora! A FunArte teve uma despesa muito superior ao que inicialmente estaria
previsto e do que seria realmente necessário e não por nossa culpa. Posso até dizer que
pareciam estar a boicotar a exposição. Chegaram a cortar-nos a luz, poucos dias antes da
inauguração e refiro-me a literalmente cortarem um cabo de alimentação das salas que nos
tinham reservado. Mais tarde percebi que tinham sobreposto as datas com uma exposição
do instituto Guttenberg exatamente no mesmo espaço, logo o instituto Guttenberg, que
irónico! Valeu-me o meu alemão para encontrar uma solução com a diretora do instituto,
que realmente foi bastante compreensiva e profissional. Mas fomos muito resilientes e não
nos deixamos abalar. Tanto que não fizemos apenas uma edição, mas ainda chegamos a
fazer uma segunda e a FunArte promoveu outras exposições ao longo de um ano. A
recetividade do público português foi muito baixa.
Tendo em conta os eventos que organizou, consegue traçar o perfil do colecionador
que frequenta as exposições e os temas por ele apreciados?
Bom, vou lançar assim um género de perfil assim por alto, considerando as minhas
primeiras estatísticas. Maior parte dos compradores / colecionadores do meu trabalho são
homens entre os 35 e os 50, com formação superior e geralmente envolvidos de alguma
forma no universo das artes.
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Que futuro prevê relativamente ao crescimento do Lowbrow em Portugal?
Não faço ideia. É possível que surjam alguns colecionadores, algumas galerias, mas o
público português é em geral pouco recetivo. Por exemplo, os jogos roleplay e de
colecionismo de miniaturas nem se fazem representar dignamente no nosso país. A Games
Workshop para além de ter pouquíssimas lojas físicas em Portugal, nem sequer tem o
website em português, isto porque o mercado português não é muito significativo. Estou a
falar de uma marca com mais de 40 anos de existência! Pode ser que a moda pegue, tal
como acontece com a Arte Urbana, nesse caso sim, poderá ter a sua fase de glória, mas
sinceramente, não vejo isso acontecer.
Que pintura está a desenvolver agora?
Agora, neste preciso momento estou a dedicar-me a recriar um quadro de Carlo Dolci, é
um género de reinterpretação Pop Surrealista de uma das suas maiores obras.
Mas a verdade é que estou a demorar bastante tempo, por me encontrar também numa fase
mais introspetiva.
Por curiosidade como ocupa os seus tempos livres, coleciona alguma coisa em
particular?
Bom, tenho imensas formas de ocupar os tempos livres. Gosto imenso de ver arte no geral,
visitar algumas exposições, ver artistas na internet e pesquisar novos talentos ou ir
acompanhando o trabalho de outros, gosto de comprar livros de arte e de vez em quando
compro uma obra que acho interessante. Às vezes consigo ler uns livros, algumas vezes
consigo pintar uma miniatura (sou colecionador de miniaturas, que têm que ser montadas e
pintadas), também tenho uma modesta coleção de originais de diversos artistas, na sua
maioria Pop Surrealistas ou Lowbrow.
Que conselho daria aos artistas que agora iniciam a sua carreira e que pretendem
seguir este movimento?
Bom, se quiserem ter algum sucesso, tentem infiltrar-se no universo da Arte Urbana, o que
não os impede de serem Pop Surrealistas, ou pertencerem a qualquer outro movimento,
por mais que se julgue que o Street Art seja um movimento por si só, o que a meu ver é
erróneo, pois teríamos que meter no mesmo saco, todos os pintores que pintam em tela,
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todos os escultores que usam barro, etc., o que é simplesmente disparatado. É importante
também precaver jovens artistas para a realidade de que poderão ter que bater a muitas
portas e que mais vale direcionar esforços para galerias no estrangeiro, onde a recetividade
é muito maior, a não ser que tenham uns contactos por cá.
Para mais informação sobre Paul Neberra e o projeto Low to Pop visite www.neberra.com
e www.facebook.com/lowtopop.
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E. Figuras colecionáveis5
E.1 E.2
E.3 E.4
5 Exibidas na exposição “Genesis” entre 9 de Janeiro a 5 de Fevereiro de 2016 na galeria Penumbra Art Boutique & Studio em Loures. E.1 “Arachna” de ShirrStone Shelter. Porcelana, tinta-da-china e lã. 28 cm. E.2 “Maurice” de Gretchen Lewis. Resina fundida, tinta em spray, pintura a óleo, feltro, tecidos e botões reciclados, enchimento de lã e armadura de arame. 33 cm. E.3 “On the seventh day”, à esquerda, e “It’s never too late to start again”, à direita, de Kylie Dexter. Feltro. 28 cm. Coleção privada. E.4 “Black Dahlia” de Maria van Bruggen. Boneca Blythe customizada. Boca e nariz esculpidos, correção do olhar, pálpebras pintadas e seladas com MSC.
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F. Pintura de Paul Neberra6
6 “Untitled”, em cima, em progresso. Óleo sobre tela, 46x61 cm. Exibida na exposição Low to Pop II entre 9 de Outubro a 21 de Dezembro de 2015 na galeria Funarte em Lisboa.
“The Stormy Dreamer”, em baixo, concluída. Óleo sobre tela. Em exibição na exposição “Dark Celebration” na Revolution Gallery em Buffalo, Nova Iorque.