A atuação do Ministério Público no combate à corrupção

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11 Angela Acosta Giovanini de Moura* A ATUAÇÃO DO MINISTÉRIO PÚBLICO NO COMBATE À CORRUPÇÃO: OPORTUNIDADE DE RESGATE DA CIDADANIA THE ROLE OF THE PROSECUTOR IN FIGHTING CORRUPTION: OPPORTUNITY RESCUE OF CITIZENSHIP EL PAPEL DE LA FISCALÍA EN LA LUCHA CONTRA LA CORRUPCIÓN: OPORTUNIDAD DE RESCATE DE LA CIUDADANÍA Resumo: O presente artigo faz uma reflexão sobre o enfrentamento da corrupção e da improbidade administrativa pelo Ministério Público. Embora a vulnerabilidade à corrupção não seja carac- terística única do aparelhamento estatal, atingindo também a es- fera privada, o enfoque teórico do trabalho situou-se apenas no âmbito da organização estatal. Utilizando o método dialético, foram abordados os impactos negativos que a corrupção im- prime à sociedade. Enfatizou-se o papel do Ministério Público, enquanto agente de transformação social, na prevenção das práticas corruptas, mediante articulação de políticas públicas que promovam o fortalecimento dos valores éticos da sociedade. Abstract: This article is a reflection about the tactics to combat corruption and malfeasance in office by prosecutors and other legitimate actors, with the effective participation of civil society in the process. Although vul- nerability to corruption is not unique feature of the state apparatus, * Especialista em Ciências Penais pela Uniderp e mestranda em Direito, Relações In- ternacionais e Desenvolvimento pela PUC-GO. Promotora de justiça do Estado de Goiás.

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O presente artigo faz uma reflexão sobre o enfrentamento da corrupção e da improbidade administrativa pelo Ministério Público. Embora a vulnerabilidade à corrupção não seja característica única do aparelhamento estatal, atingindo também a esfera privada, o enfoque teórico do trabalho situou-se apenas no âmbito da organização estatal. Utilizando o método dialético, foram abordados os impactos negativos que a corrupção imprime à sociedade. Enfatizou-se o papel do Ministério Público, enquanto agente de transformação social, na prevenção das práticas corruptas, mediante articulação de políticas públicas que promovam o fortalecimento dos valores éticos da sociedade

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Angela Acosta Giovanini de Moura*

A ATUAÇÃO DO MINISTÉRIO PÚBLICO NO COMBATE À CORRUPÇÃO:

OPORTUNIDADE DE RESGATE DA CIDADANIA

THE ROLE OF THE PROSECUTOR IN FIGHTING CORRUPTION:

OPPORTUNITY RESCUE OF CITIZENSHIP

EL PAPEL DE LA FISCALÍA EN LA LUCHA CONTRA LA CORRUPCIÓN:

OPORTUNIDAD DE RESCATE DE LA CIUDADANÍA

Resumo:

O presente artigo faz uma reflexão sobre o enfrentamento da

corrupção e da improbidade administrativa pelo Ministério

Público. Embora a vulnerabilidade à corrupção não seja carac-

terística única do aparelhamento estatal, atingindo também a es-

fera privada, o enfoque teórico do trabalho situou-se apenas no

âmbito da organização estatal. Utilizando o método dialético,

foram abordados os impactos negativos que a corrupção im-

prime à sociedade. Enfatizou-se o papel do Ministério Público,

enquanto agente de transformação social, na prevenção das

práticas corruptas, mediante articulação de políticas públicas que

promovam o fortalecimento dos valores éticos da sociedade.

Abstract:

This article is a reflection about the tactics to combat corruption and

malfeasance in office by prosecutors and other legitimate actors, with

the effective participation of civil society in the process. Although vul-

nerability to corruption is not unique feature of the state apparatus,

* Especialista em Ciências Penais pela Uniderp e mestranda em Direito, Relações In-ternacionais e Desenvolvimento pela PUC-GO. Promotora de justiça do Estado de Goiás.

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reaching also the private sector, the theoretical focus of the work

amounted to just under the state organization. Using the dialectical

method, we analyzed the negative impact that corruption gives to so-

ciety, destroying the dignity of individuals, undermining democracy and

deteriorating public services provided by the State. They emphasized

the role of the prosecutor, as an agent of social transformation for the

prevention of corrupt practices, through the articulation of public poli-

cies that promote the strengthening of ethical values in society.

Resumen:

Este artículo es una reflexión acerca de las tácticas para combatir

la corrupción y la conducta inapropiada de los fiscales y de otros

actores legítimos, con la participación efectiva de la sociedad civil

en el proceso. A pesar de la vulnerabilidad a la corrupción no ser

característica exclusiva del aparato del Estado, alcanzando tam-

bién el ámbito privado, el enfoque teórico de la obra se centrará

en la organización estatal. Utilizando el método dialéctico, se re-

firió a los impactos negativos que la corrupción produce a la so-

ciedad, destruyendo la dignidad de las personas, corroyendo la

democracia y causando daño a los servicios públicos prestados

por el Estado. Hizo hincapié en el papel de los fiscales, como

agentes de transformación social para la prevención de prácticas

corruptas, a través de la articulación de políticas públicas que pro-

muevan el fortalecimiento de los valores éticos en la sociedad.

Palavras-chaves:

Improbidade, sociedade, combate, prevenção.

Keywords:

Malfeasance, combat, society, prevention.

Palabras clave:

Impropiedad, combate, sociedad, prevención.

INTRODUÇÃO

São diversas as teorias construídas, no campo da ciên-cia política, com o propósito de explicar e compreender a corrup-ção, fenômeno mundial observado em diversos países,independentemente do regime de governo adotado. Relacionadacom valores sociais negativos, incorporados pelo cidadão, a cor-rupção é inerente a cada sociedade e, por isso, reclama, no Bra-sil, a conscientização da cidadania, como elemento essencial aoêxito de quaisquer das frentes de combate eleitas para o enfren-tamento do problema.

As práticas corruptas e ímprobas apresentam-se sob asmais variadas formas e se caracterizam pelo alto grau de opera-tividade, em constante aprimoramento, desafiando a ação dosórgãos incumbidos da defesa do patrimônio público.

Integrando a agenda política do Estado brasileiro, o com-bate à corrupção tem buscado, a partir da pesquisa científica, adelimitação da dimensão danosa que a prática imprime ao regimedemocrático e o conhecimento dos fenômenos institucionais aosquais está associada. Destarte, mister se faz o reconhecimentode que instituições governamentais fortalecidas, no sistema po-lítico e econômico do país, funcionariam como escudo resistenteà instalação de práticas corruptas.

A corrupção, ao diminuir a resistência ética das institui-ções e consumir os valores da democracia, ameaça a estabili-dade e a segurança da sociedade, comprometendo odesenvolvimento do Estado de Direito, visto que as práticas cor-ruptas são meios de fortalecimento do crime organizado.

Nesse prisma, importa destacar que

[a]s organizações criminosas sabem onde a presença doEstado deixa brechas e ali florescerá. Dessa deficiência esta-tal, de um estado fraco que antes não provia as necessidadessociais, surgirá o crime organizado que, como uma bola de

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neve, o tornará mais debilitado ainda e com menor possibili-dade de suprir a carência da população, que será cooptadapelas organizações criminosas, seja pela sua participação oupela simples omissão com o silêncio. (GOMES, 2009)

A organização não governamental “Transparência Inter-nacional”, engajada na luta contra a corrupção, tem produzidorelatórios anuais com o fito de analisar os índices de percepçãode corrupção dos países do mundo, elencando-os de acordo como grau de corrupção entre autoridades públicas e políticas. Osúltimos relatórios1 apontam a posição preocupante do Brasil noranking global de corrupção, denunciando o impacto negativo im-posto pelo fenômeno à sociedade, uma vez que a corrupção,além de ser a causa da deficiência dos serviços públicos, osquais devem ser prestados de forma eficaz aos cidadãos, cons-titui barreira para a superação dessas deficiências.

Importa esclarecer que a ONG Transparência Internacionaldedica-se ao combate à corrupção e calcula anualmente, desde 1995,o Índice de Percepção da Corrupção (CPI, em inglês) para mais decem países. Nesse índice, cada país recebe uma nota de zero (paísmuito corrupto) a dez (país pouco corrupto). Tratam-se de dados ba-seados em pesquisas de opinião de um conjunto de empresários einstituições acerca de suas percepções sobre práticas corruptas.

A repressão do problema demanda a adoção de políticaspúblicas sociais sérias, o resgate de valores éticos e morais, o com-bate à pobreza, por meio de geração de empregos, saneamentobásico e moradia (GOMES, 2009).

A democracia participativa, como corolário do Estado De-mocrático de Direito, deve ser urgentemente estimulada, incen-tivando-se a sociedade a acompanhar ativamente o usoadequado dos recursos públicos, por meio dos portais de trans-parência, em sítios disponíveis na Internet.

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1 Disponível em: <http://www.transparency.org/publications/annual_report>.Acesso em: 30 nov. 2011.

Nesse contexto, o Ministério Público, em razão das fun-ções constitucionais que exerce, assume postura de destaque erelevância para o enfrentamento da corrupção e da improbidadeadministrativa no aparelhamento estatal, não apenas por meioexclusivo dos mecanismos de investigação e ação judicial e ex-trajudicial à sua disposição, mas, sobretudo, como articulador depolíticas públicas que promovam a melhoria na educação e nobem-estar da coletividade, além da iniciativa na implementaçãode projetos, na órbita institucional, voltados para a conscientiza-ção da sociedade à prevenção das práticas corruptas.

DESENVOLVIMENTO

Corrupção e improbidade: aspectos históricos e conceituais

A história da humanidade é permeada por práticas corrup-tas. A imagem bíblica de Adão e Eva, estampada no primeiro livro doPentateuco Mosaico, é o primeiro registro arquétipo de corrupção.

Os pensadores gregos enfrentavam o tema com energia,porquanto temiam contaminar a pureza de suas ideias. A ideali-zação socrática de um projeto político em harmonia com a Jus-tiça, registrado por Platão em sua obra A República, procuravaencontrar um método eficaz para impedir que a corrupção e a in-competência tomassem conta do poder público. No século IVantes de Cristo, Aristóteles, em seus escritos sobre a geração ea corrupção, compreendia esta última como um fato de dissolu-ção e de destruição da convivência social.

Na sociedade Romana, a corrupção tornou-se endêmicaante as imunidades legais previstas a certos estamentos da so-ciedade, levando à divisão do império no ano de 395, conformeacentua Filgueiras (2008a, p. 353-362).

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A trajetória da organização da sociedade humana, se-gundo registros literários, é pontuada pela corrupção, eviden-ciando que o fenômeno não é contemporâneo, muito embora, nopassado, lhe fosse dada uma conotação diferenciada dos con-tornos atuais conferidos pela teoria política moderna.

No Brasil, a corrupção recua ao período da colonizaçãoportuguesa, época em que as práticas mercantilistas da coloni-zação voltadas ao extrativismo despertavam a cobiça, favore-cendo o suborno. Dean (1996) assinala que, em 1605, a CoroaPortuguesa constatou que funcionários régios, atuando no Brasilcomo guardas florestais, na fiscalização do corte ilegal e contra-bando da madeira, facilitavam o comércio ilegal de pau-brasil ede outras riquezas brasileiras, como ouro e diamante.

A construção do Estado brasileiro foi marcada por atosde corrupção, corrupção que prossegue nos dias atuais sem en-contrar qualquer resistência, mesmo diante do princípio repu-blicano da moralidade, que deve nortear a administração pública.

Atualmente, o país experimenta casos de corrupção quepenetram o sistema democrático e se entrelaçam com o crimeorganizado, visto que a globalização, ao permitir diversas intera-ções entre os atores globais, resultou na fragilidade da fronteiraestatal, tornando um desafio para um país monitorar todos seusfluxos internacionais (SANDRONI, s/d).

A corrupção vem se disseminando no Brasil e, insta-lando-se sorrateiramente, busca enfraquecer as estruturas esta-tais, ameaçando a democracia. A permanência, como uma desuas características, no aparelho estatal, impõe desafios àquelesque procuram combatê-la, uma vez que o mal, enraizado profun-damente, se apresenta impossível de ser extirpado. Nesse sen-tido, o combate à corrupção deve, igualmente, pautar-se pelapermanência, de forma a dificultar sua prática, reprimindo-a,constante e paulatinamente.

De origem latina, o termo está associado a ideias de

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decomposição, putrefação, depravação, desmoralização, sedu-ção e suborno. Geralmente, a corrupção se vincula ao exercíciodo poder, por meio do qual a obtenção de vantagens, para oatendimento de satisfações pessoais, se realiza de forma imorale ilegal, justamente por quem deveria se manter no zelo e norespeito pela coisa pública.

Segundo Nye (1967, p. 417-427), a corrupção é um des-vio dos deveres associados a um cargo público para o benefícioprivado. Contudo, esse conceito pode ser estendido para englo-bar o benefício a partidos políticos, familiares e classes.

Sabella (s/d) compreende o termo corrupção como qual-quer conduta humana impregnada de desvalor ético ou violadorados princípios que norteiam a atividade administrativa.

Para Filgueiras (2008b, p. 359), a teoria política da cor-rupção está relacionada a fins normativos, tornando-se, atual-mente, um desvio das regras legais, embora em épocas remotasse vinculasse a questões de valores morais e virtudes cívicas.

A disseminação da corrupção no Estado brasileiro éapontada como consequência da dissociação que se verificaentre a ética e a política, por parte de muitos daqueles que ocu-pam o poder estatal, em desprezo às questões éticas para a sa-tisfação do interesse privado.

Nesse aspecto, Bobbio, Matteucci e Pasquino (1998, p.292) conceituam a corrupção sob diferentes prismas:

Assim se designa o fenômeno pelo qual um funcionário públicoé levado a agir de modo diverso dos padrões normativos dosistema, favorecendo interesses particulares em troca de re-compensa. Corrupto é, portanto, o comportamento ilegal dequem desempenha um papel na estrutura estadual. Podemosdistinguir três tipos de Corrupção: a prática da peita ou uso darecompensa escondida para mudar a seu favor o sentir de umfuncionário público; o nepotismo, ou concessão de empregosou contratos públicos baseados não no mérito, mas nas rela-ções de parentela; o peculato por desvio ou apropriação e des-tinação de fundos públicos ao uso privado.

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A corrupção, em qualquer de suas vertentes, guarda es-treita relação com a improbidade. Contudo, o conceito de impro-bidade, conferido pela Lei de Improbidade n. 8.429/92, mormentenos artigos 9º, 10 e 11, situa a corrupção como uma das formasde materialização da improbidade administrativa.

A corrupção é conduta tipificada no Código Penal, enquantoos atos de improbidade possuem natureza civil. Para a Lei n.8.429/92, constituem atos de improbidade administrativa as condu-tas perpetradas pelos agentes públicos que causem lesão ao erárioe que atentem contra os princípios da administração pública.

A improbidade administrativa consiste na violação aosprincípios da administração pública, como a moralidade, a boa-fé, a lealdade, entre outros. O artigo 37, §4º, da Constituição Fe-deral de 1988, estabeleceu rigorosas sanções para a violaçãodos princípios que norteiam a administração pública, como a sus-pensão dos direitos políticos, a perda da função pública, a indis-ponibilidade de bens e o ressarcimento ao erário.

Nesse diapasão, afirma Caetano (2010, p. 398) que

a probidade administrativa consiste no dever de o funcionárioservir à administração com honestidade, procedendo no exer-cício das funções, sem aproveitar os poderes ou facilidadesdelas decorrente em proveito próprio pessoal ou de outrem aquem queira favorecer.

Antes da entrada em vigor da Lei n. 8.429/92, as práticascorruptas que causassem danos ao erário ou que importassemem enriquecimento ilícito do servidor público eram punidas comsequestro e perdimento de bens. Com a edição da Lei de Impro-bidade, houve uma ampliação das sanções aplicáveis à espécie.

As disposições da Lei de Improbidade Administrativa nãose restringem ao agente público, sendo também aplicáveis a ter-ceiros que, mesmo não se revestindo dessa qualidade, induzemou concorrem à prática de conduta ímproba ou dela se benefi-ciam sob qualquer forma, direta ou indireta.

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A primeira espécie de improbidade administrativa é tratadapelo artigo 9º da referida lei. Configura-se com o enriquecimentoilícito auferido por meio de vantagem patrimonial indevida, praticadapor agentes públicos ou terceiros que concorreram para o ato.

Procurando garantir proteção ao patrimônio público, o le-gislador elencou, no artigo 10 da citada legislação, as ações ouomissões, culposas ou dolosas, dos agentes que causem lesãoao erário, como o desvio, a apropriação, o malbaratamento ou adilapidação dos bens públicos.

A terceira forma de improbidade administrativa, nos ter-mos do art. 11, decorre de atos ou omissões que atentem contraos princípios da administração, discriminados igualmente nocaput do art. 37 da Constituição Federal de 1988, consubstan-ciados nos deveres de honestidade, imparcialidade, legalidade elealdade às instituições.

A responsabilidade decorrente da prática de atos de im-probidade administrativa pode alcançar o âmbito penal, civil e ad-ministrativo. As sanções são cumulativas em razão do alto graude censura conferido pela legislação à conduta do agente ím-probo ou do terceiro que contribui para o crime.

O Ministério Público e os mecanismos de combate à corrupção

Os impactos negativos que as práticas corruptas impri-mem à democracia e à cidadania exigem prioridade absoluta naconstrução de uma agenda com medidas de combate ao pro-blema, porquanto o custo da corrupção, representado pelo es-coamento de recursos que deixam de ser aplicados na saúde,na educação, na segurança, na pesquisa científica, na tecnolo-gia, etc., para alimentar organizações criminosas compromete osserviços públicos prestados aos cidadãos.

Ao alimentar o crime, o país concorre para a queda doíndice de desenvolvimento humano, necessário para situá-lo no

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patamar dos países desenvolvidos, bem como perde competiti-vidade no mercado internacional.

Os custos da corrupção refletem na execução eficiente depolíticas públicas, prejudicando a qualidade de vida dos cidadãos,sobretudo nas áreas de educação e saúde, afetando o sentido deigualdade e de justiça social, além de disseminar um sentimentode desconfiança de toda a sociedade em relação às instituições.

O desvio de verbas públicas para o atendimento de inte-resses ilícitos gera externalidades negativas, traduzidas em custossociais que serão debitados ao cidadão, minando-lhe a dignidade.

Estudos (RAMALHO, 2006) realizados têm identificadoum conjunto de causas que geram ou podem gerar a corrupção(MAURO, 1997), apontando o elevado poder discricionário, por-que criam oportunidades para práticas corruptas; o baixo nível desalários, por estimular a busca de fontes alternativas para com-pletar a renda, e isso pode ocorrer tanto com os funcionários dosetor público quanto do setor privado; o sistema político, ante atendência manifestada pela competição política; e a aceitação dadesigualdade social e de direitos, por promover a impunidadesobre práticas corruptas.

Podendo ser apontada como uma das causas decisivas da po-breza do país, a corrupção “corrói a dignidade do cidadão, contamina osindivíduos, deteriora o convívio social, arruína os serviços públicos e com-promete a vida das gerações atuais e futuras” (TREVISAN et al., 2003).

As organizações criminosas se sustentam na corrupção.As empresas do crime crescem e se fortalecem na medida emque corroem a democracia. Disseminando práticas corruptas edelas se alimentando, as organizações criminosas enfraquecemas instituições públicas, aumentando, dessa forma, as condiçõespara a cooptação de novos integrantes às suas empreitadas.

As iniciativas para o enfrentamento da corrupção devem prio-rizar o fortalecimento dos mecanismos de prevenção, como tambémdiminuir a impunidade, por meio de uma justiça mais rápida e eficiente,

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de modo a induzir a mudança do comportamento oportunista. Nesse contexto, destaca-se a função conferida ao Minis-

tério Público pela ordem constitucional, instalada a partir de 1988,que, conferindo-lhe soberania estatal, outorgou-lhe papel deter-minante no controle e na fiscalização da administração pública edo regime democrático.

O Ministério Público, portanto, tem a defesa do interessepúblico como finalidade outorgada pela Constituição Federal de1988, nos artigos 127 e 129:

Art. 127. O Ministério Público é instituição permanente, essen-cial à função jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe a defesada ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses so-ciais e individuais indisponíveis. § 1º - São princípios institucionais do Ministério Público a uni-dade, a indivisibilidade e a independência funcional.[...]Art. 129. São funções institucionais do Ministério Público:[...]III - promover o inquérito civil e a ação civil pública, para a pro-teção do patrimônio público e social, do meio ambiente e deoutros interesses difusos e coletivos; [...]

O novo modelo de Estado Democrático de Direito am-pliou as atribuições conferidas ao Ministério Público para outor-gar-lhe a função de garantidor dos direitos fundamentaisconquistados historicamente e, sobretudo, do princípio da mora-lidade administrativa. Possui, assim, um dever ético-político deagir em nome da democracia, em busca da consolidação dos di-reitos sociais, difusos e coletivos.

Nesse aspecto, imperiosa ao Ministério Público a adoçãode posturas proativas no cumprimento de suas funções institucio-nais, para além de uma atuação meramente demandista, comomeio de viabilizar o compromisso de transformar a realidade sociale salvaguardar os direitos fundamentais (VITORELLI, 2011, p. 47).

Diante desse panorama, iniciativas em prol do estabele-cimento de parcerias com entidades de ensino e demais entidadesformadas pela sociedade civil, objetivando a implementação de

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projetos permanentes que visem a ampla divulgação das práticascorruptas e dos atos de improbidade administrativa, com viés escla-recedor e educativo, de forma a cooptar o cidadão para o engaja-mento na luta contra essa modalidade criminosa, poderiam ensejaroportunidade valiosa para agregar-lhe valores positivos e diminuirpossíveis campos de atuação para as organizações criminosas.

Por outro lado, a par da atuação ativista em âmbito pre-ventivo, ainda conta o Ministério Público com eficazes instrumen-tos operacionais, como o inquérito civil e a ação civil pública, paradefesa e garantia do patrimônio público e social, do meio am-biente e de outros interesses difusos e coletivos, como a morali-dade administrativa.

O inquérito civil é ferramenta eficiente à função instru-mental do Ministério Público na investigação e no combate aosatos de corrupção, tendo como finalidade a coleta de elementosseguros da ocorrência do ato de improbidade administrativa,assim como da respectiva autoria.

A Lei da Ação Civil Pública, n. 7.347, de 24 de julho de1985, anterior ao texto constitucional, já tratava da responsabili-zação por danos causados ao meio ambiente, ao consumidor, abens e direitos de valor artístico, estético, histórico, turístico epaisagístico, sendo recepcionada pela Constituição da Repú-blica, consoante disposto no inciso III, do artigo 129.

Constata-se, pois, a importância da ação civil públicacomo instrumento constitucional repressivo para a defesa judicialdos direitos fundamentais. Com efeito, a Lei Federal n. 8.078, de11 de setembro de 1990, que instituiu o Código de Defesa doConsumidor, incluiu o inciso IV no artigo 1° da Lei da Ação CivilPública, para fazer constar as ações de responsabilidade pordanos morais e patrimoniais causados a qualquer outro interessedifuso e coletivo.

Indiscutível a legitimidade do Ministério Público para pro-mover as medidas judiciais e extrajudiciais cabíveis, objetivando

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o cumprimento das propostas sociais, difusas e coletivas previs-tas na Constituição e, principalmente, no combate efetivo à cor-rupção institucionalizada, devendo estabelecer estratégias deatuação preventivas e repressivas para o êxito de sua missão.

O estabelecimento de parcerias nesse campo despontaimprescindível para o êxito da missão ministerial. A contribuiçãode aliados é valiosa, podendo ser prestada pelos Tribunais deContas, Comissões Parlamentares de Inquérito, ControladoriaGeral da União, Receita Federal, Banco Central, Polícia Federal,entre outros órgãos corresponsáveis pelo combate à corrupção.

Merece destaque a iniciativa da Secretaria Nacional deJustiça do Ministério da Justiça que instituiu, em 2003, a Estra-tégia Nacional de Combate à Corrupção e à Lavagem deDinheiro (ENCCLA), visando a articulação e a atuação conjuntaentre órgãos públicos que trabalham com a fiscalização, o controlee a inteligência como forma de aperfeiçoar a prevenção e o combateà corrupção e à lavagem de dinheiro.

A ENCCLA consiste na articulação de diversos órgãosdos três poderes da República, Ministérios Públicos e da socie-dade civil que atuam, direta ou indiretamente, na prevenção e nocombate à corrupção e à lavagem de dinheiro, com o objetivo deidentificar e propor ajustes aos pontos falhos do sistema anti-lavagem e anticorrupção.

Atualmente, cerca de sessenta órgãos e entidadesfazem parte da ENCCLA, tais como Ministérios Públicos, Poli-ciais, Judiciário, órgãos de controle e supervisão, como a Con-troladoria Geral da União, Tribunal de Contas da União, e outros,Banco Central, Agência Brasileira de Inteligência, AdvocaciaGeral da União, Federação Brasileira de Bancos, etc.

Vale ressaltar que a promoção da ação civil pública nãoé exclusividade ministerial, podendo ser manejada pela União,Estados, Municípios, autarquias, empresas públicas, fundações,sociedades de economia mista ou por associações, desde que

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presentes os requisitos legais. No entanto, é o Ministério Público,segundo estatísticas, o principal utilizador desse instrumentoconstitucional, seja na defesa do patrimônio público e do princípioda moralidade administrativa, seja na defesa de outros interessesdifusos e coletivos

Como órgão garantidor do princípio constitucional damoralidade administrativa, o Ministério Público deve operacio-nalizar o combate à improbidade, investigando efetivamente cor-ruptos e corruptores, com vistas à sua punição, ante aimpotência da sociedade brasileira para a defesa da coisa pú-blica contra os reiterados atos de corrupção, exigindo-se a in-tervenção ministerial na dinâmica entre os Poderes constituídos,para reduzir as desigualdades sociais e ampliar a consciência eo exercício da cidadania.

A propósito, é necessário desconstruir a postura históricade aceitação da impunidade dos delitos e dos atos de corrupção,como estratégia de combate à reprodução contínua de novaspráticas ímprobas. Indubitavelmente, a impunidade estimula acorrupção, acabando por torná-la tolerável no meio social.

A valorização exacerbada do patrimônio, bens e riquezasenseja o tráfico de influência, a corrupção, a imoralidade admi-nistrativa, em prejuízo do agir honesto e correto. O erário é tido,muitas vezes, como extensão do patrimônio particular do admi-nistrador ou do agente político, e as eventuais punições previstasna legislação nem sempre se efetivam, em razão da manipulaçãoe dos recursos processuais sempre disponíveis aos poderosos.

A Convenção das Nações Unidas Contra a Corrupção,ratificada pelo Brasil por meio do Decreto n. 4.410/2002, ressaltaa importância da responsabilidade dos Estados em relação à de-finitiva erradicação da impunidade, como medida imprescindívele eficiente no combate à corrupção.

Não se afigura surpreendente o livre trânsito do crime or-ganizado na estrutura estatal, interferindo nos Poderes Judiciário,

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Legislativo e Executivo, a ponto de impor resistência às apura-ções dos grandes esquemas de corrupção.

Imperioso se torna, diante desse quadro, dar uma novadimensão ao combate à corrupção e ao crime organizado, pri-mando por fortalecer a atuação integrada e conjunta dos atoresjurídicos, dentre advogados, membros do Ministério Público e doJudiciário, policiais civis e federais, utilizando-se da mesma di-nâmica adotada pela cooperação internacional. Importante,ainda, o investimento no aprimoramento profissional e em novastécnicas de investigação dos mecanismos de corrupção, demodo a efetivar o princípio constitucional da moralidade adminis-trativa e dos direitos fundamentais.

Por outro lado, é expressivo o entendimento de que as me-didas repressivas, pelo efeito intimidatório que encerram, não seafiguram, por si só, instrumentos eficazes no combate à corrupção,mormente para evitar a reiteração de novos atos ímprobos.

Assim, novos métodos de enfrentamento do problema, comfoco numa atuação de ordem preventiva, agregando-se o poder pú-blico e a sociedade civil organizada, têm conquistado adeptos.

A eficácia das ações preventivas repousam no fato de serevelarem antes da prática corrupta, permitindo-se trabalhar osvalores éticos e morais do cidadão quando sua personalidadeainda se encontra em processo de desenvolvimento.

Nesse sentido, a Convenção Interamericana contra aCorrupção salienta a importância de ser estimulada a consciênciada população local em relação à existência e à gravidade desseproblema, bem como da necessidade de se reforçar a participa-ção da sociedade civil na prevenção e na luta contra a corrupção.

Ainda, perpetuando-se a corrupção no seio da sociedadepor meio de práticas cotidianas desonestas, torna-se fundamen-tal o fortalecimento de padrões éticos que possam refletir noexercício do poder estatal.

A atuação preventiva do Ministério Público no combate à

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corrupção, como articulador de políticas públicas, sensibilizandoos poderes constituídos para a adoção de medidas capazes deenfrentar os problemas locais, pode se apresentar vantajosa naresolução dos conflitos sociais, dificultando práticas corruptas.

O controle preventivo da administração pública, efetivadopelo órgão ministerial por meio de recomendações e de suges-tões, objetivando a adoção de soluções consensuais para as de-mandas sociais, decorrente do seu dever constitucional de zelarpelo patrimônio e pela probidade pública, antecipa os objetivosperseguidos na esfera judicial, muitas vezes com mais êxito.

O combate à corrupção deve ser conduzido como umprojeto institucional do órgão ministerial, considerando os diver-sos mecanismos de combate, priorizando-se as ações preventi-vas, até porque, uma vez concretizada a corrupção, oressarcimento integral dos danos causados ao erário pode restardiminuído. Por se antecipar à consumação da prática corrupta,as estratégias de prevenção podem contribuir com resultadosmais eficientes e positivos à sociedade brasileira.

Como agente de transformação social, a atuação pre-ventiva do órgão ministerial no combate à corrupção tem o obje-tivo estratégico de contribuir para a efetiva implantação dosdireitos de cidadania e para a construção de uma sociedadejusta, fraterna e solidária, comprometida com o respeito à coisapública, com responsabilidade e compromisso ético.

CONCLUSÃO

A corrupção estatal produz danos que atentam contraa democracia, o patrimônio público, a soberania, a segurançanacional, o desenvolvimento econômico e social, a segurança

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pública, as instituições democráticas, a justiça social, o EstadoDemocrático de Direito e a ordem jurídica.

Diante disso, a corrupção, em todas as suas formas, nãopode ser enfrentada apenas como infração à norma positivada.Impõe-se um aparato de investigação e combate que reúna me-canismos de informação e técnicas de inteligência para o enfren-tamento do problema.

A acumulação de riquezas, que comanda o sistema ca-pitalista no setor privado, não dita a atividade financeira do Es-tado, porquanto seu objetivo é o atendimento às necessidadescoletivas e ao bem-estar social. Assim, é obrigação do Estado ofornecimento e a garantia de serviços como educação, saúde,segurança, desenvolvimento econômico e social, dentre outrosserviços de interesse social necessários à elevação do índice dedesenvolvimento humano.

O Ministério Público, como agente transformador da rea-lidade social, é chamado, nessa ordem, para estimular a partici-pação social no combate à corrupção e à improbidade,utilizando-se de estratégias de atuação que possam contribuirpara o fortalecimento da cidadania, minando os mecanismos decooptação, largamente utilizados pelo crime organizado.

A complexidade das práticas corruptas reclama do Mi-nistério Público a adoção de estratégias de atuação repressivase preventivas em várias linhas de enfrentamento, incrementando-se as técnicas de investigação, treinamento, cooperação inter-nacional, articulação com os diversos atores, sobretudo com asociedade civil organizada, na busca de alianças que garantama eficiência e a eficácia de sua atuação.

Como órgão garantidor do princípio constitucional damoralidade administrativa, o Ministério Público deve fazer dosmeios legais de combate à corrupção e à improbidade adminis-trativa, à sua disposição, oportunidade de resgate da cidadania,porquanto a medida que contribui para a construção de uma

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nova consciência cultural de moralidade permitirá às futuras ge-rações incorporar novos valores éticos, rompendo com a tolerân-cia atávica diante de atos ímprobos e desonestos que atualmentepenetram as estruturas da sociedade civil e do Estado.

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