A AUTOAVALIAÇÃO COMO FERRAMENTA DE AVALIAÇÃO...

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A AUTOAVALIAÇÃO COMO FERRAMENTA DE AVALIAÇÃO FORMATIVA NO PROCESSO DE ENSINO E APRENDIZAGEM FRANCISCO, Julaine Guimarães Gonçalves 1 - UEL MORAES, Dirce Aparecida Foletto de 2 - UEL Grupo de Trabalho - Didática: Teorias, Metodologias e Práticas Agência Financiadora: não contou com financiamento Resumo Esta pesquisa apresenta a utilização da autoavaliação como ferramenta de avaliação formativa em turmas com altos índices de reprovação de uma escola pública. Para tanto, tem por finalidade compreender as contribuições da ferramenta no processo de aprendizagem dos alunos, identificar se o seu uso possibilita mudanças capazes de contribuir para consecução de uma aprendizagem mais sólida e ainda entender como a autoavaliação deve ser utilizada para que possa colaborar com a autorregulação. A pesquisa foi realizada com três turmas de 6º ano de uma escola pública durante um ano letivo. A pesquisa trouxe como base o referencial teórico relativo à perspectiva de uma avaliação formativa e para consolidação da pesquisa utilizou-se pressupostos da abordagem qualitativa na modalidade de estudo de caso como metodologia de pesquisa e, como procedimentos de coleta de dados, o desenho do autorretrato, a aplicação de questionários que se constituíram como fichas de autoavaliação e ainda a entrevista com os alunos. Os dados foram coletados, analisados e interpretados com profundidade com o propósito de garantir a sua cientificidade à luz da teoria que fundamenta o significado da autoavaliação em uma perspectiva formativa. Os resultados apontam que a autoavaliação propicia aos discentes momentos de reflexão sobre a própria aprendizagem, tornando-a mais significativa, pois, ao ser utilizada para repensar ações e não para simples atribuição de nota, torna-se parte integrante do processo de aprendizagem. Já para os docentes torna-se orientadora das ações em busca do aperfeiçoamento e ajustes no processo. Assim, torna-se uma ferramenta de avaliação formativa útil para o professor repensar sua prática e para o aluno entender os caminhos que deve perseguir para superar as dificuldades e avançar na aprendizagem. Palavras-chave: Autoavaliação. Avaliação formativa. Aprendizagem. 1 Bióloga. Discente do PARFOR Pedagogia da Universidade Estadual de Londrina – PR. Professora da Educação Básica. E-mail: [email protected] 2 Mestre em Educação. Docente da Universidade Estadual de Londrina PR. E-mail: [email protected]

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A AUTOAVALIAÇÃO COMO FERRAMENTA DE AVALIAÇÃO

FORMATIVA NO PROCESSO DE ENSINO E APRENDIZAGEM

FRANCISCO, Julaine Guimarães Gonçalves1 - UEL

MORAES, Dirce Aparecida Foletto de2 - UEL

Grupo de Trabalho - Didática: Teorias, Metodologias e Práticas

Agência Financiadora: não contou com financiamento Resumo Esta pesquisa apresenta a utilização da autoavaliação como ferramenta de avaliação formativa em turmas com altos índices de reprovação de uma escola pública. Para tanto, tem por finalidade compreender as contribuições da ferramenta no processo de aprendizagem dos alunos, identificar se o seu uso possibilita mudanças capazes de contribuir para consecução de uma aprendizagem mais sólida e ainda entender como a autoavaliação deve ser utilizada para que possa colaborar com a autorregulação. A pesquisa foi realizada com três turmas de 6º ano de uma escola pública durante um ano letivo. A pesquisa trouxe como base o referencial teórico relativo à perspectiva de uma avaliação formativa e para consolidação da pesquisa utilizou-se pressupostos da abordagem qualitativa na modalidade de estudo de caso como metodologia de pesquisa e, como procedimentos de coleta de dados, o desenho do autorretrato, a aplicação de questionários que se constituíram como fichas de autoavaliação e ainda a entrevista com os alunos. Os dados foram coletados, analisados e interpretados com profundidade com o propósito de garantir a sua cientificidade à luz da teoria que fundamenta o significado da autoavaliação em uma perspectiva formativa. Os resultados apontam que a autoavaliação propicia aos discentes momentos de reflexão sobre a própria aprendizagem, tornando-a mais significativa, pois, ao ser utilizada para repensar ações e não para simples atribuição de nota, torna-se parte integrante do processo de aprendizagem. Já para os docentes torna-se orientadora das ações em busca do aperfeiçoamento e ajustes no processo. Assim, torna-se uma ferramenta de avaliação formativa útil para o professor repensar sua prática e para o aluno entender os caminhos que deve perseguir para superar as dificuldades e avançar na aprendizagem. Palavras-chave: Autoavaliação. Avaliação formativa. Aprendizagem.

1Bióloga. Discente do PARFOR Pedagogia da Universidade Estadual de Londrina – PR. Professora da Educação Básica. E-mail: [email protected] 2 Mestre em Educação. Docente da Universidade Estadual de Londrina – PR. E-mail: [email protected]

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Introdução

O objeto desta investigação surgiu de um questionamento sobre a avaliação,

especificamente sobre o uso dos instrumentos e sua validade na prática docente das turmas do

6º ano do Ensino Fundamental – anos finais –, de uma escola pública que tem como realidade

muitos alunos repetentes e, como consequência, alunos e professores desmotivados.

A partir de um levantamento realizado no início de 2012, percebeu-se que, do total de

noventa e nove alunos matriculados em três turmas de 6º ano, 36 tinham reprovado uma ou

mais vezes. Estes estavam distribuídos em três turmas 6º A, 6º B e 6º C. Constatou-se,

também, que a maioria desses educandos tinha como característica a desmotivação e tornava-

se foco de queixa dos professores, devido à “indisciplina” gerada em sala.

Diante dos diferentes instrumentos utilizados que se prestam a mapear a realidade do

aluno, neste estudo a autoavaliação foi eleita como objeto de pesquisa por ser um instrumento

pouco discutido, entretanto muito importante, por fazer o educando perceber-se como parte

integrante e sujeito do processo e não apenas um executor de tarefas. No entanto, é preciso

considerar que nenhum instrumento sozinho é capaz de contemplar todos os objetivos, mas,

quando é associado a outros, o resultado se concretiza em melhorias no ensino e na

aprendizagem.

Assim, cabe questionar: a autoavaliação pode ser um instrumento favorável para

auxiliar o processo de avaliação formativa, levando os alunos a reconhecerem-se como parte

importante do processo e aprender a autorregular sua aprendizagem?

Na tentativa de encontrar respostas para o questionamento, o objetivo eleito para este

estudo foi compreender as contribuições da autoavaliação no processo de aprendizagem dos

alunos dos anos finais do ensino fundamental. Ainda foram estabelecidos como objetivos

específicos: identificar se o uso da autoavaliação possibilita mudanças capazes de contribuir

para consecução de uma aprendizagem significativa para o aluno e entender como a

autoavaliação deve ser utilizada para que possa colaborar com a autorregulação da

aprendizagem.

Desta maneira, o trabalho trouxe como base o referencial teórico relativo à perspectiva

de uma avaliação formativa, constituindo-se a partir de uma pesquisa qualitativa de

aprofundamento teórico na modalidade estudo de caso.

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A pesquisa qualitativa é de grande importância, pois estuda o objeto como um todo e

“[...] parte do fundamento de que há uma relação dinâmica entre o mundo real e o sujeito,

uma interdependência viva entre o sujeito e o objeto, um vínculo indissociável entre o mundo

objetivo e a subjetividade do sujeito” (CHIZZOTTI, 1998, p. 79).

Assim, a pesquisa, tendo como foco principal a autoavaliação enquanto ferramenta

capaz de ajudar o educando a entender e repensar suas ações, teve por caminho metodológico

o estudo de caso, por ser “[...] extremamente útil para conhecer os problemas e ajudar a

entender a dinâmica da prática educativa” (ANDRÉ, 2004, p. 50).

A partir do estudo de caso, o trabalho se afunila, pois se aprofunda mais o

conhecimento sobre o objeto, delimitando o grupo que vai ser estudado, “[...] a fim de

organizar um relatório ordenado e crítico de uma experiência ou avaliá-la analiticamente,

objetivando tomar decisões a seu respeito ou propor uma ação transformadora” (CHIZZOTTI,

1998, p. 102).

Assim, para a coleta de dados, foram adotados vários procedimentos, como desenho

do autorretrato, questionários e entrevista com alunos, sendo este o instrumento final como

forma de tornar possível o arrolamento dos dados indispensáveis para verificar os

componentes que possivelmente pudessem interferir no processo de aprendizagem e

aprofundamento teórico.

Os dados foram coletados, analisados e interpretados com profundidade com o

propósito de garantir a sua cientificidade à luz da teoria que fundamenta o significado da

autoavaliação em uma perspectiva formativa, sendo estes organizados de forma sistematizada

para compreensão do estudo sobre o significado desta ferramenta, dando importância devida

no sentido de refletir sobre as contribuições da autoavaliação na aprendizagem do discente

dos anos finais do ensino fundamental.

Avaliação formativa e autoavaliação

A avaliação ainda não se consolidou como ferramenta formativa em muitos dos

espaços escolares e, em vários contextos, é utilizada como disciplinadora, como ameaça para

conseguir a atenção e comportamento adequado dos alunos. “O uso mais comum [...] consiste

em ‘dar notas’, qualificar algumas tarefas ou alguns resultados, supondo-se artificialmente

que representam graus ou níveis de rendimento diferenciado” (ÁLVAREZ MÉNDEZ, 2002,

p. 81).

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No entanto, quando o profissional utiliza o instrumento avaliativo para coletar dados e,

a partir destas informações, busca entender como está o andamento do trabalho pedagógico

para fazer os ajustes, consegue também entender as dificuldades dos alunos e ajudá-los a rever

o percurso. Isso porque “[...] quem ensina precisa continuar aprendendo com e sobre sua

prática de ensino. Quem aprende precisa continuar aprendendo constantemente para assegurar

um nível de capacitação que o estimule e ao mesmo tempo consolide o seu progresso

contínuo”. (ÁLVAREZ MÉNDEZ, 2002, p. 87-88).

Isso significa que a autoavaliação, que a princípio está mais direcionada ao aluno,

também possibilita ao educador dados relevantes sobre o processo de aprendizagem do

discente, na individualidade e também do grupo como um todo.

Desta forma, ao pautar-se em uma concepção pedagógica mais construtiva, em que o

aluno vai construir o seu próprio saber e o professor vai mediando esse processo, a avaliação

assume um papel mais abrangente, pois passa a proporcionar reflexões a quem está sendo

avaliado sobre os avanços e as dificuldades de cada um. Assim, será possível progredir na

construção do conhecimento e possibilitar ao professor refletir sobre seu próprio trabalho,

bem como fornecer dados sobre as dificuldades de cada aluno, cumprindo “a principal função

da avaliação formativa que é de regulação da aprendizagem” (DEPRESBITERIS;

TAVARES, 2009, p. 51).

Isso porque a “[...] avaliação mais importante para os resultados da aprendizagem é

realizada ao longo do processo de aprendizagem” (SANMARTÍ, 2009, p. 33), pois um

processo de ensino com qualidade depende do acompanhamento das etapas de aprendizagem

do aluno e das condições oferecidas para ajudá-los a superar as dificuldades e avançar, pois o

mais importante é “[...] avaliar o processo e não apenas o produto, ou melhor, avaliar o

produto no processo [...]” (VASCONCELLOS, 2006, p. 71).

Nesta perspectiva, entende-se que a autoavaliação é um componente importante ao ser

utilizada como um instrumento da avaliação formativa, pois auxilia os alunos a adquirir uma

capacidade cada vez maior de analisar suas próprias responsabilidades, atitudes,

comportamento, pontos fortes e fracos, suas condições de aprendizagens e suas necessidades

para atingir os objetivos. “A auto-avaliação é o processo por excelência da regulação, dado ser

um processo interno ao próprio sujeito” (SANTOS, 2002, p. 02).

Com o exercício constante da autoavaliação, os alunos são capazes de desenvolver

sentimentos de responsabilidade pessoal e de apreciação da força dos empenhos individuais e

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de grupo. Aprendem a encarar prontamente as capacidades em várias empreitadas e a afinar

suas oportunas potencialidades e contribuições e ainda desenvolvem a capacidade de análise

contínua a qual leva em conta “[...] o que já aprendeu, o que ainda não aprendeu, os aspectos

facilitadores e os dificultadores do seu trabalho, tomando como referências os objetivos de

aprendizagem e os critérios de avaliação [...]” (VILLAS BOAS, 2008, p. 51); desta forma,

consegue planejar suas ações.

Isso é possível a partir do entendimento de que a autoavaliação não é autonotação. Ela

não pode ter como objetivo maior a atribuição de uma nota, mas a reflexão e o entendimento

de um processo percorrido e seus significados. Só que, para isso ser concretizado, o aluno não

pode ter uma única oportunidade no final de um bimestre, como ocorre em muitas situações

em que ele preenche uma ficha, dizendo em que foi bem e em que precisa melhorar e, a partir

disso, atribui a si mesmo um valor quantitativo, responsabilizando-se unicamente pelo seu

sucesso ou fracasso.

De acordo com Hadji (2001) e Villas Boas (2008), a autonotação – ato de atribuir-se

uma nota para si mesmo – pode ajudar o aluno a fazer uma análise do seu percurso; no

entanto, isso não é suficiente, pois ele precisa aprender a fazer um “autocontrole”, e isso só é

possível se a prática da autoavaliação for realizada continuamente com ou sem a presença de

um questionário autoavaliativo. O autocontrole é entendido por Hadji (2001, p. 102) como um

“[...] elemento constitutivo da ação [...] que corresponde a uma avaliação contínua”, portanto

a prática isolada em um único momento do processo não traz contribuições e não possibilita

reflexões dos sujeitos participantes, fator que não favorece a autorregulação.

A autoavaliação, neste sentido, tem a intenção de possibilitar melhorias e incentivar os

alunos a construir e analisar as suas aprendizagens, suas formas de pensar, suas

responsabilidades, atitudes e comportamentos em prol de uma aprendizagem qualitativa e de

uma construção e reconstrução de conceitos sobre si mesmos e seu processo.

A “autoavaliação é capaz de conduzir o aluno a uma modalidade de apreciação que se

põe em prática durante a vida inteira” (SANT’ANNA, 1995, p. 94) e ajuda o sujeito cada vez

mais a avançar na autonomia, isso porque o propósito da autoavaliação, diferentemente da

autonotação, “[...] não visa à atribuição de notas ou menção do aluno; tem o sentido

emancipatório de possibilitar-lhe refletir continuamente sobre o processo da sua

aprendizagem e desenvolver a capacidade de registrar suas percepções” (VILLAS BOAS,

2001, p. 86).

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Esse instrumento avaliativo favorece a autorregulação de seus próprios processos de

aprender, pois, com sua prática, “atinge-se o desenvolvimento das atividades cognitivas como

forma de melhoria da regulação das aprendizagens, pelo aumento do autocontrole e a

diminuição da regulação externa do professor” (VILLAS BOAS, 2008, p. 54).

O exercício da autoavaliação é um dos momentos que favorece a construção da

autonomia, pois leva o educando a questionar e gestar suas ações, bem como controlar seus

processos de aprendizagem (PERRENOUD, 1999); tudo isso leva à construção da autonomia.

Sendo um dos objetivos da educação dar condições para que o sujeito seja autônomo, esta

construção deve ocorrer ao longo dos anos escolares e a prática da autoavaliação pode ser um

agente colaborador neste processo quando entendida como “[...] um processo mental interno

através do qual o próprio aluno toma consciência dos diferentes momentos e aspectos da sua

actividade cognitiva” (SANTOS, 2002, p. 02).

A autoavaliação vivenciada pelos discentes

A coleta de dados iniciou-se em março e estendeu-se até o mês de setembro de 2012.

No início do trabalho, foi explicado aos alunos que realizariam aquela tarefa para que eles

próprios pudessem se observar e propor metas necessárias para atingirem os objetivos

propostos, entendendo que, ao se tratar da autoavaliação, “seu grande mérito é ajudar o aluno

a perceber o próximo passo do seu processo de aprendizagem” (VILLAS BOAS, 2008, p. 52).

Considerando as características do grupo em questão, já mencionados no início deste

artigo, foram selecionados e utilizados instrumentos avaliativos sobre aspectos mais globais

que envolvessem a necessidade de reflexão sobre suas atitudes e comportamentos,

relacionamentos interpessoais, autocontrole de estudo, conforme sugestão apresentada por

Arredondo e Diago (2009, p. 221), entendendo que “[...] sem a autoavaliação não haverá

progresso significativo de aprendizagem”.

Desta forma, foi aplicado como primeiro procedimento de coleta de dados o

autorretrato, com o objetivo de levar o aluno a refletir sobre si mesmo e pensar como se via e

como os outros o viam no contexto escolar e também com o propósito de possibilitar ao

professor perceber o que pensavam e diziam sobre si mesmo e assim poder conhecê-los

melhor, isso porque, como eram turmas com elevando número de alunos repetentes e com

idades diversas; além disso, por outros fatores, as turmas eram consideradas indisciplinas, e as

queixas expressas pelos professores acabavam por generalizar e não individualizar.

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A pergunta proposta para a atividade do autorretrato foi: Como você se vê enquanto

aluno nesta escola? Os dados coletados por meio do autorretrato apresentam sete categorias:

feliz, legal, estudioso, bagunceiro, feio, bonito e quieto, que não foram propostas no

instrumento do desenho, mas surgiram aleatoriamente, e só depois o pesquisador as agregou

em categorias.

Gráfico 1 – Autorretrato 1

Fonte: Autoras.

Dentre os sessenta e sete alunos pesquisados, 53,73% consideram-se aceitos pelo

grupo ao qual fazem parte, quando dizem ser felizes e legais, enquanto que 14,92% se

enxergam estudiosos, 13,43% se consideram bagunceiros e 8,95% se notam quietos,

demonstrando a heterogeneidade do grupo.

Nas categorias em que o percentual é relativamente menor em relação aos outros

relatados estão os quesitos: feio com 2,99% e 5,98% bonito. Tais apontamentos auxiliaram no

entendimento do perfil da turma, pois, diante dos resultados, entende-se que a diversidade de

categorias condiz com a variedade em que o ensino e a aprendizagem acontecem. A partir

deste primeiro resultado, os professores e a equipe pedagógica fizeram algumas intervenções

para o melhor andamento do trabalho escolar, pois, ao terem acesso à autoavaliação realizada

pelas turmas, puderam conhecer mais os alunos e identificar algumas necessidades em cada

grupo, como não discriminar a sala toda como “indisciplinada” ou “bagunceira”, por

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exemplo, pois não era uma característica de todas as turmas, mas de alguns alunos, e, com

essa constatação, percebeu-se que era necessário propor atividades diversificadas que

atendessem as diferenças. Outra proposta que surgiu da reflexão dos docentes foi a realização

de assembleias para discutir junto com os alunos encaminhamentos dos trabalhos e dos

problemas.

Aqui se percebe que a avaliação formativa cumpre seu papel, pois um dos seus

principais objetivos “é o de obter informações acerca de como os alunos aprendem, ajudando-

os deliberada e sistematicamente a compreender o que fazem e a melhorar suas

aprendizagens” (FERNANDES, 2006, p. 32).

Na primeira semana do mês de julho, os desenhos foram devolvidos aos alunos junto

com o questionário que foi utilizado como segundo procedimento no mês de abril. Neste foi

solicitado que observassem o que haviam desenhado para posteriormente pensarem e

registrarem se suas concepções sobre si permaneciam ou não.

O gráfico dois apresenta as mudanças em relação às categorias após um tempo de

trabalho. Os alunos foram incentivados a se autoavaliarem em relação ao próprio autorretrato

que haviam feito anteriormente, fazendo uma análise sobre o processo percorrido e em

relação à forma como se viam e como se veem neste momento. O instrumento atingiu seu

objetivo, pois possibilitou aos alunos perceberem-se e observar as mudanças à sua volta.

Gráfico 2 – Autorretrato 2

Fonte: Autoras.

Ao fazer uma relação entre os dois gráficos (gráfico 1 e 2), percebe-se que, dos

13,43% que apontaram ser bagunceiros no gráfico 1, agora só 2,98% se consideram assim. O

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item estudioso subiu de 14,92% para 19,4%. Assim, podemos inferir que a autoavaliação

proporcionou um momento de análise, de construção e reconstrução de sua conduta e mostra

ainda que estes alunos conseguiram se observar e olhar o entorno. Várias mudanças

ocorreram também na parte pedagógica e física da escola, como a diversificação das

atividades, a organização de projetos para aqueles alunos e ainda a reorganização das turmas.

Para a confirmação do que foi dito, temos Regnier (2002, p. 05) expressando que a

autoavaliação é

[...] um processo pelo qual o indivíduo avalia por si mesmo, e geralmente para si mesmo, uma produção, uma ação, uma conduta da qual ele é o autor ou ainda suas capacidades, seus gostos, suas performances e suas competências ou a si mesmo enquanto totalidade.

O segundo procedimento foi um questionário autoavaliativo aplicado no início do mês

de abril, organizado com grupos de perguntas que tinham como propósito observar como o

aluno vê suas atitudes, comportamento e responsabilidades em relação ao processo de ensino.

Neste, os alunos destacaram alguns compromissos que consideravam necessários assumir

para uma melhor aprendizagem.Assim, o gráfico aponta os resultados quanto à pergunta: O

que você acha que atrapalha a sua aprendizagem?

Gráfico 3 – Fatores que interferem na aprendizagem

Fonte: Autoras.

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Podemos concluir, após a leitura do gráfico 3, que a maioria dos alunos tem noção de

que para aprender é preciso considerar as condições e a realidade do ambiente e que estes têm

a capacidade de detectar questões que interferem no processo de aprendizagem e, ao terem a

chance de pensar e manifestar seus pensamentos, saem da passividade e passam a agir com

maturidade, não no sentido de obediência extrema, mas de entendimento do que cada

momento escolar representa e requer como tarefa de cada personagem que dele faz parte.

O terceiro procedimento também foi um questionário autoavaliativo aplicado na

primeira semana de julho, por meio do qual os discentes puderam fazer uma análise do

autorretrato e do questionário aplicado no mês de abril, verificando, assim, as permanências e

mudanças em relação aos compromissos assumidos. Neste momento, também tiveram a

oportunidade de perceber quais compromissos estavam sendo cumpridos, bem como avaliar o

seu próprio trabalho como aluno. Neste momento, os alunos tiveram a possibilidade revê-los e

reavaliá-los. Esta atividade autoavaliativa teve também o propósito de possibilitar um

“autocontrole dos estudos”, como sugerem de Arredondo e Diago (2009). A pergunta eleita

para a análise foi: como avalia seu trabalho como aluno, após um trimestre, o qual também

tem uma parcela de responsabilidade para a sistematização e construção dos conhecimentos?

( ) igual ao início do ano ( ) melhor ( ) Pior

Gráfico 4 - Autoavaliação do seu trabalho como aluno

Fonte: Autoras.

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O gráfico mostra que 68,29% dos 82 alunos julgam ter melhorado em seu trabalho

como aluno, enquanto 23,18% dizem estar como no início do ano. É importante considerar

que alguns destes alunos em sua justificativa afirmaram estar bem, pois entregam os

trabalhos, respeitam os colegas e professores e participam das aulas, e isso os ajuda a

aprender, por isso não precisam melhorar; sendo assim, estar igual ao início do ano não

significa algo negativo para muitos dos 23,18%. Poucos alunos disseram ter piorado: apenas

4,88%. Abaixo algumas justificativas expressas pelos educandos:

Aluno A: Eu melhorei, eu participo mais das atividades.

Aluno B: Melhorei porque estudo mais para as provas e porque mudei de sala.

Aluno C: Por que eu parei de conversar e estou estudando.

Aluno D: Por que estou prestando mais atenção nas aulas.

Em relação à constatação desses resultados pode-se inferir que a avaliação “[...] não se

tornará mais formativa só pela operacionalização de instrumentos ditos de autoavaliação.

Tudo depende do uso que o aluno poderá fazer desse instrumento, do sentido que lhe dará e

de sua participação [...]” (HADJI, 2001, p. 105).

O gráfico cinco faz parte da análise realizada no início do mês de julho, e os dados

foram obtidos em resposta à pergunta: “A autoavaliação realizada anteriormente ajudou a

pensar sobre a sua vida escolar? Por quê?”

Gráfico 5 – Ficha de Autoavaliação sobre a vida escolar

Fonte: Autoras.

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O gráfico mostra que 80,49% dos entrevistados apontaram que a autoavaliação

possibilitou pensar na vida escolar, e esta reflexão fez com que melhorassem no desempenho

e na aprendizagem. Apenas 7,32% disseram não ter sentido mudança, e 12,19% não

responderam à pergunta.

As respostas foram muito satisfatórias, pois, nos registros destes alunos, foi possível

observar que a maioria consegue ver o instrumento da autoavaliação como um momento de

reflexão e mudanças. Isso fica evidente porque, da forma como foi realizada,

[…] a autoavaliação é um componente da avaliação formativa. Refere-se ao processo pelo qual o próprio aluno analisa continuamente as atividades desenvolvidas em desenvolvimento, registra suas próprias percepções e identifica futuras ações, para que haja um avanço na aprendizagem (VILLAS BOAS, 2008, p. 51).

O instrumento de autoavaliação é muito flexível e pode ser construído sempre com as

adaptações necessárias para ser subsídio competente para uma avaliação formativa.

A entrevista semiestruturada finalizou o trabalho de campo e foi uma das formas de

perceber como a autoavaliação contribuiu para regular o processo educativo como um todo. A

escolha dos entrevistados teve como critérios a participação em todas as etapas da pesquisa.

Como a coleta foi com um número menor de alunos considerou-se positivo construir os dois

quadros que se apresentam abaixo para uma melhor análise, pois nesta podemos ler as

respostas dadas em cada pergunta.

Quadro 2 – Coleta de dados do instrumento entrevista questões 1 e 2.

1 - Avaliação dos momentos em que teve a possibilidade de refletir sobre a vida escolar.

Entrevista A Sim. Porque eu melhorei na escola. Entrevista B Sim. Porque é muito bom para nosso rendimento escolar. Entrevista C Eu considero importante porque a gente mesmo se avalia. Entrevista D Sim eu acho importante porque melhorei mais. Entrevista E Foram importantes porque comecei a estudar mais e obedecer às

professoras. Entrevista F Sim porque a gente às vezes pode falar o que a gente pensa. Entrevista G Porque a gente aprende muito mais. Entrevista H Sim porque a gente queria mudar.

2 – Momentos de reflexão realizados a partir da proposta da autoavaliação contribuíram para melhorar sua vida escolar em qual aspecto.

Entrevista A Comportamento; aprendizagem; participação nas aulas. Entrevista B Aprendizagem; participação nas aulas; compromisso com os estudos. Entrevista C Aprendizagem; compromisso com os estudos. Eu fui muito melhor no

segundo trimestre. Entrevista D Comportamento; aprendizagem; participação nas aulas; compromisso

com os estudos. Porque eu melhorei em tudo. Entrevista E Comportamento; aprendizagem; participação nas aulas; compromisso

com os estudos. Foram em bastante coisa eu parei de jogar bolinha eu presto atenção nas aulas e participo.

Entrevista F Participação nas aulas; compromisso com os estudos. Porque na outra sala que eu estudava eu estava pior.

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Entrevista G Comportamento; aprendizagem; participação nas aulas; compromisso com os estudos. Para aprender mais.

Entrevista H Comportamento; aprendizagem; participação nas aulas; compromisso com os estudos. Porque eu queria poder melhorar mais e mais.

Fonte: Autoras.

Em relação à primeira pergunta sobre como o aluno avalia os momentos em que teve

possibilidade de refletir sobre a vida escolar, se foram importantes e o por quê, as respostas

foram satisfatórias, pois todos afirmam que sim e justificam que este momento de reflexão

proporcionou mudanças positivas em todos os aspectos considerados como prejudiciais para

que a aprendizagem ocorresse.

A segunda pergunta questionou se os momentos de reflexão realizados a partir da

proposta da autoavaliação contribuíram para melhorar a vida acadêmica em quais dos

aspectos. Dentre os participantes, cinco alunos disseram ter melhorado ao mesmo tempo nos

aspectos: comportamento; aprendizagem; participação nas aulas. Sete dos oito alunos

entrevistados consideram ter melhorado na aprendizagem, na participação das aulas e no

compromisso com os estudos.

Tais resultados demonstram o quanto é importante proporcionar momentos de reflexão

e diálogo com os alunos sobre os aspectos que envolvem o processo de aprendizagem, a fim

de discutir, entender e estabelecer metas de trabalho a partir daquilo que se constata como

fragilidade ou que pode estar atrapalhando, podendo corrigir o que considera como negativo,

partindo dos apontamentos e necessidades percebidas pelo grupo em questão, pois, se o aluno

não participa das discussões, opinando, concordando ou discordando, estabelecendo metas,

ele não se assume como corresponsável por aquilo que se estabelece.

A autoavaliação, quando assumida e exercitada na perspectiva formativa e não

punitiva, “[...] dá a chance aos alunos de apresentarem diferentes percepções sobre seu

desempenho e sobre sua forma de compreender o processo de aprendizagem” (VILLAS

BOAS, 2008, p. 66); com este movimento, o aluno tem possibilidades de construir a

capacidade de regular as ações necessárias que vão modificar os aspectos do processo de

aprendizagem na parte em que é responsável.

Quadro 3 – Coleta de dados do instrumento entrevista, questão 3

Na última autoavaliação você assumiu alguns compromissos que poderiam contribuir para superar as

Entrevista A Objetivos colocados em prática: Participar nas aulas; prestar atenção; brincar; conversar, estudar. Depois da troca de sala eu criei juízo. Objetivos não alcançados: Zoar os outros; bagunça; colocar apelidos; parar de conversar; virar para traz.

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dificuldades. Em relação ao que destacou, indique qual ou quais foram os compromissos ou não colocados em prática.

Porque eu sou criança e nós gostamos de fazer isso. Entrevista B Objetivos colocados em prática:

Os estudos; aprendizagem e minhas notas estão sendo boas. Porque eu me esforcei mais e estudei. Objetivos não alcançados: Conversa; bagunça. Porque os outros não param de me chamar.

Entrevista C Objetivos colocados em prática: Parar de fazer bobeira; revisar; estudar mais ainda. Porque minha mãe está me incentivando. Objetivos não alcançados: Parar de conversar; parar de chupar chiclete.

Entrevista D Objetivos colocados em prática: Estudar mais; prestar atenção na aula; estudar para as provas; pensar em mim não nos outros. Porque eu tento fazer. Objetivos não alcançados: Ler mais; não conversar. Porque eu não tento, se eu tentasse eu conseguiria.

Entrevista E

Objetivos colocados em prática: Eu consigo estudar para a prova; eu consigo participar; eu consigo ler livros nas aulas; eu consigo realizar trabalhos; consigo fazer tarefas. Porque toda vez que eu estou fazendo bagunça, eu penso no meu futuro que eu preciso ser alguém na vida. Objetivos não alcançados: Alcançou todos.

Entrevista F Objetivos colocados em prática: Ler muito; dedicação aos estudos; parando de levantar; respeitando as professoras; sendo pontual. Porque estou em uma sala melhor. Objetivos não alcançados: Fazer silêncio; estudar mais. Porque eu tenho amigos e gosto de conversar.

Entrevista G Objetivos colocados em prática: To me esforçando; to lendo muito; to sendo muito pontual; to prestando muita atenção. Objetivos não alcançados: Porque eu to me esforçando em tudo que eu falei.

Entrevista H Objetivos colocados em prática: Parar de prestar atenção nos outros; prestar atenção nas explicações; ler mais. Porque meus pais me ajudaram. Objetivos não alcançados: Alcançou todos os propostos.

Fonte: Autoras.

Cinco dos oito alunos falaram do comportamento como a dificuldade em parar de

conversar ou de fazer bagunça. Com esta avaliação, os alunos ressaltam a importância da

“disciplina” na aprendizagem. Quanto ao que conseguiram pôr em prática, estudar aparece

com grande frequência; assim, nota-se que, de alguma forma, os alunos estão buscando

estratégias para estudar. Em relação a isso, temos a contribuição de Sant’Anna (1995, p. 95),

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que expressa: “[...] propiciar condições para ajudar o aluno a pensar sobre si mesmo [...] é

prepará-lo para uma aprendizagem significativa na caminhada da vida”.

O último instrumento aplicado favoreceu uma análise geral do trabalho, pois, com as

respostas dos educandos, foi possível perceber que a autoavaliação é um momento que pode,

sim, contribuir para uma reconstrução do processo da aprendizagem e tornar o aluno parte

integrante dele e favorecer o desenvolvimento da sua autonomia.

Considerações finais

O repensar da avaliação contribui, sobretudo, para uma mudança de postura em

relação ao processo de aprendizagem e sobre a importância de refletir constantemente as

práticas avaliativas, com o intuito de diagnosticar possíveis dificuldades, tanto dos alunos

como do próprio professor como mediador do conhecimento.

Frente ao que foi exposto neste trabalho, reconhece-se a autoavaliação como parte

integrante do processo educativo, visando qualidade do trabalho escolar dos professores e

alunos, pois a fundamentação teórica possibilitou perceber que vários estudiosos defendem o

uso deste instrumento e sua utilização em uma perspectiva formativa, e a pesquisa de campo

proporcionou momentos de análise e concretização destas teorias.

A partir desta pesquisa, pode-se também destacar que a autoavaliação é um

instrumento que pode e deve ser utilizado para uma melhor organização do processo

avaliativo e educativo, pois favorece a cada momento uma nova análise capaz de contribuir

para avanços no processo da aprendizagem e, ainda, possibilitar que o estudante se entenda

como participante do processo, ao refletir sobre os seus passos, sobre seu processo,

avançando, assim, na construção da autonomia.

REFERÊNCIAS

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