A Belle Époque Como Guia Da Modernidade

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ISSN 1807-1783 atualizado em 20 de fevereiro de 2009 Editorial Expediente De Historiadores Dos Alunos Arqueologia Perspectivas Professores Entrevistas Reportagens Artigos Resenhas Envio de Artigos Eventos Curtas Instituições Associadas Nossos Links Destaques Fale Conosco Cadastro Newsletter A Belle Époque como guia da modernidade por José Carlos da Silva Cardozo Sobre o autor [1] Esse período chegou repleto de transformações nas comunicações, nos transportes e no trabalho, trazendo ainda mais força às afirmações otimistas sobre o futuro do homem. Se antes, demorava a chegar uma informação agora em poucas horas se tinha acesso a ela através do telefone ou do rádio; se antes o animal era o veículo inseparável do homem para transpor as distâncias; agora havia o carro, o navio a vapor e o mais sensacional de todos: o avião; e quanto ao trabalho, a produção manual foi gradativamente substituída pela produção em máquinas, gerando mais produtos em menos tempo e a custos reduzidos. O histórico dessas transformações se inicia nos anos entre 1400 e 1700, período da Revolução Comercial, atingindo em particular, o setor de circulação das riquezas, ampliando o espaço geográfico, sendo que esta ampliação foi patrocinada pela burguesia, a qual moldava a nova sociedade, voltando-a para a economia de mercado e a europeização do mundo; nessa época também surge o Capitalismo como sistema social e econômico fundamentado, essencialmente, no lucro. Com o início do século XVIII, na Inglaterra, surgiu a Segunda Revolução Econômica que se caracterizou como um processo de desenvolvimento da indústria, chamada também de a Primeira Revolução Industrial (1760-1860). Houve assim, revolução técnica, ocorrendo uma mudança no sistema de produção das fábricas, deixando-se de produzir os artigos completos para produzi-los em etapas; agora os produtores eram transformados em proletários e os meios de produção pertenceriam exclusivamente à burguesia. Esse foi um período caracterizado pela força do vapor nas máquinas, o uso do carvão como combustível e o ferro como material indispensável à indústria. Após 1860, surge a Segunda Revolução Industrial (1860 até nossos dias) que se torna a mais importante, pois deu a motivação final para a realização dos desejos burgueses. Essa época foi caracterizada pela utilização da eletricidade no lugar do vapor, o história e-história http://www.historiaehistoria.com.br/materia.cfm?tb=alunos&id=161 1 de 11 17/1/2011 14:56

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ISSN 1807-1783 atualizado em 20 de fevereiro de 2009

Editorial

Expediente

De Historiadores

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Arqueologia

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A Belle Époque como guia da modernidade por José Carlos da Silva Cardozo

Sobre o autor[1]

Esse período chegou repleto de transformações nas comunicações, nos

transportes e no trabalho, trazendo ainda mais força às afirmações otimistas sobre o futuro do

homem. Se antes, demorava a chegar uma informação agora em poucas horas se tinha acesso

a ela através do telefone ou do rádio; se antes o animal era o veículo inseparável do homem

para transpor as distâncias; agora havia o carro, o navio a vapor e o mais sensacional de todos:

o avião; e quanto ao trabalho, a produção manual foi gradativamente substituída pela produção

em máquinas, gerando mais produtos em menos tempo e a custos reduzidos.

O histórico dessas transformações se inicia nos anos entre 1400 e 1700,

período da Revolução Comercial, atingindo em particular, o setor de circulação das riquezas,

ampliando o espaço geográfico, sendo que esta ampliação foi patrocinada pela burguesia, a

qual moldava a nova sociedade, voltando-a para a economia de mercado e a europeização do

mundo; nessa época também surge o Capitalismo como sistema social e econômico

fundamentado, essencialmente, no lucro.

Com o início do século XVIII, na Inglaterra, surgiu a Segunda Revolução

Econômica que se caracterizou como um processo de desenvolvimento da indústria, chamada

também de a Primeira Revolução Industrial (1760-1860). Houve assim, revolução técnica,

ocorrendo uma mudança no sistema de produção das fábricas, deixando-se de produzir os

artigos completos para produzi-los em etapas; agora os produtores eram transformados em

proletários e os meios de produção pertenceriam exclusivamente à burguesia. Esse foi um

período caracterizado pela força do vapor nas máquinas, o uso do carvão como combustível e o

ferro como material indispensável à indústria.

Após 1860, surge a Segunda Revolução Industrial (1860 até nossos dias)

que se torna a mais importante, pois deu a motivação final para a realização dos desejos

burgueses. Essa época foi caracterizada pela utilização da eletricidade no lugar do vapor, o

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petróleo no lugar do carvão e o aço no lugar do ferro, além dos expressivos avanços nas

comunicações.

Com essas Revoluções, a vida urbana adquiriu novas formas, atingindo

principalmente o mundo rural, fazendo a burguesia conquistar as lideranças no poder das

cidades, que estavam se tornando basicamente o espaço das indústrias que, com suas

diversificadas tarefas e atividades, atraíam inúmeras pessoas na busca de melhores condições

de vida.

Todas essas rápidas transformações promovidas pela Segunda Revolução

Industrial se realizaram em um curto período de tempo, sendo caracterizadas posteriormente

como a Belle Époque (Bela Época), pois antes dela não tinha se vivido tão intensamente a

expectativa de um futuro melhor, facilitado pela difusão da ciência.

Azevedo (1999) refere que Belle Époque é a expressão francesa utilizada

para indicar um período de tranqüilidade da sociedade, no qual se manifestou a supremacia

burguesa[2] nos grandes centros europeus.

O historiador Hobsbawm (1992) comenta que:

De meados dos anos de 1890 à Grande Guerra, a

orquestra econômica mundial tocou no tom maior da prosperidade

[...]. A afluência, baseada no boom econômico, constituía o pano de

fundo do que ainda é conhecido como ‘a bela época’ (Belle Époque).

(HOBSBAWM, 1992, p.73).

Com o desenvolvimento da produção industrial e o avanço científico-

tecnológico modificou-se a vida da burguesia francesa que serviria, posteriormente, de modelo

para o novo estilo de vida das sociedades, pois, Paris dispunha da reputação de ser “o centro

universal do bem-estar, do conforto e da riqueza” (AZEVEDO, 1999).

A burguesia, então, investia nas realizações de mostras mundiais para

exibir seus mais novos inventos e produtos, revelando através deles as marcas do progresso

que estavam sendo promovidas pela ciência. Zerefino (2007) afirma que “a idéia de um mundo

construído sob a imagem envaidecida da burguesia ganha status de notável materialidade”

(ZEFERINO, 2007, p.22), e que desde a primeira exposição, em 1851, até a Primeira Guerra

Mundial houve 14 mostras chamadas de Exposições Universais[3]. Elas ocorreram em vários

países, sendo que a cidade de Paris foi sede desse evento mundial por cinco vezes, sempre

guiadas pelo espírito da modernidade e dos novos tempos, o que motivava ainda mais a

burguesia e enchia de espanto e admiração o povo.

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No entanto, acompanhando o desenvolvimento tecnológico e a euforia

burguesa houve o crescimento populacional nos grandes centros urbanos, se diferenciando da

antiga vida rural, causando problemas para a elite burguesa que perdia o controle sobre essa

massa.

O campo estava destinado à agricultura e ao lazer já a cidade ia se

tornando conhecida pela intensa circulação de pessoas impulsionadas pelo crescimento

industrial e pela oferta de empregos que isso oferecia. Essas modificações do estilo de vida

estavam relacionadas ao crescimento demográfico desses centros, gerando concomitantemente

as crises urbanas e as desigualdades sociais (PAZIANI, 2004).

Essas cidades cresciam cercadas por inúmeras limitações, colocando cada

vez mais empecilhos ao seu próprio desenvolvimento, assim comentado por Benvenutti

(2004):

A falta de sistemas de esgoto e rede de

abastecimento de água potável, as péssimas condições das

habitações operárias e das fábricas e a aglomeração cada vez mais

intensa de uma multidão miserável necessária às fábricas e às

indústrias geravam, por sua vez, inúmeros problemas de ordem

higiênica, como a proliferação de doenças e epidemias e problemas

de ordem social como as revoltas e os movimentos populares, que

não raramente explodiam em violência (BENVENUTTI, 2004, p. 9).

O trabalhador que chegava à cidade tinha somente sua força de trabalho a

oferecer para uma burguesia que o explorava, pois sem uma legislação social que o protegesse,

tornava-o suscetível a constantes opressões. Tendo-se em vista que a procura de trabalho era

maior que a oferta, geraram-se conflitos sociais entre aqueles que detinham os meios de

produção e aqueles que desejavam se inserir no mercado produtor. Os trabalhadores, ao

aceitarem as condições impostas pela burguesia, que ao mesmo tempo em que os empregava

(dando-lhes a esperança de melhorar de vida), impossibilitava-os que tivessem moradia e

alimentação dignas frente aos baixos salários pagos e os altos impostos cobrados. Assim, esses

acabavam morando em verdadeiros cortiços fétidos e insalubres, contrariando o espírito de

progresso que era desejado pelos burgueses, que os tratavam como ameaças as suas intenções

modernizadoras.

Diante da iminência desses conflitos, Haussmann, o prefeito de Paris no

período da Belle Époque, preocupado em controlar possíveis revoltas populares, deu início à

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abertura das ruas, transformando-as em largas e grandes avenidas, que possibilitariam a

circulação da tropa contra seu adversário da ordem: o povo. Essa forma de articular a ação para

poder prever uma reação revela como a burguesia estava a lidar com os problemas sociais.

Concomitantemente, surgiram novas regras, com a alegação da

necessidade de modernizar, de cuidar da higiene e da saúde dessa população, fazendo com

que aqueles não se adequassem a essas regras fossem retirados do centro e da vista de todos.

Essa foi uma das maneiras de agir da elite burguesa que desejava se livrar dos elementos

problemáticos de sua sociedade. Também essas regras serviram para a captação de

investimento industrial, buscando nas grandes capitais homens ricos, disciplinados, com boa

saúde e higiênicos; formalizando assim o desejo de regularizar os hábitos do povo, arejando o

ambiente, isolando o lixo e as doenças. Esse interesse em instituir novas normas de higiene

estava ligado não só a questões científicas, mas também a questões comerciais. Essa forma de

promover o progresso estava ligada a oportunidades de investimentos na cidade atraídos pela

estética, pela higiene e pela técnica (BENVENUTTI, 2004; PESAVENTO, 2002).

Contudo essas reformas provocaram conflitos promovidos pelos populares

de Paris contra a administração, que não apresentava interesse em solucionar as necessidades

do povo. Essa população já havia demonstrado sua insatisfação através das batalhas

emblemáticas das revoluções de 1789 e 1848[4]. Era desejo da burguesia acabar com os

vestígios dessa última revolução[5], da Paris do século XIX. Para isso, um grupo de técnicos

propôs soluções que permitiram invadir e modificar toda vida dos pobres. A burguesia queria

que nada atrapalhasse o desenvolvimento. Fortes ações foram promovidas, como nos informa

Bresciani (2004):

As portas de suas casas foram abertas, seus

interiores vasculhados, sua conduta avaliada, seus valores morais

aquilatados. O arsenal de informações colhidas e sistematizadas

fornece as bases sobre as quais a família do pobre se transforma

numa realidade social[6] passível de ser estudada cientificamente.

Essa Paris do século XIX, reformada em seus hábitos, em seus

costumes e seus espaços, na qual a multidão dos pobres perde suas

próprias raízes, foi capaz de abrigar ainda por um momento a

efervescência revolucionária. (BRESCIANI, 2004, p.120-121).

Assim “as contradições vividas pelas sociedades levavam suas elites a

impor, cada vez mais, um processo amplo de reformas urbanas [...]” (PAZIANI, 2004, p.169).

As modificações foram tão invasivas que a família[7] tornou-se um dos

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objetos para a regularização social desse período, no qual “a definição das relações entre o

Estado e a sociedade civil, entre o coletivo e o individual, passa a ser o principal problema”

(PERROT, 1997, p.93). Pois essa família era entendida como gerenciadora dos interesses

privados, e o bom andamento desta era fundamental para o progresso dos Estados e da

humanidade. “[...] Como célula reprodutora, ela produz as crianças e proporciona-lhes uma

primeira forma de socialização” (PERROT, 1997, p.105).

A escolha de Paris como ponto de partida desse texto não se dá somente

pelo termo Belle Époque ser de origem francesa, mas por ela representar a cidade ideal:

[...] Paris passa, a partir do século passado, a

constituir-se na cidade emblema do conceito de metrópole, a tal

ponto que a enunciação mágica de seu nome faz com que se evoque

todo o processo mais amplo que comporta e configura a ‘grande

cidade’. Para usar uma expressão da linguagem, torna-se uma parte

(Paris) para expressar o todo (a modernidade em termos urbanos)

(PESAVENTO, 2002, p.24).

A Paris desse período (XIX) é o modelo de cidade moderna, no entanto,

pode-se perguntar: não haveria no período outras cidades, como Londres, capital da potência

econômica da época, como referencial de cidades a serem utilizados?

A cidade de Londres, como as outras capitais européias, também passava

por modificações urbanas e sociais. No entanto, compreendemos como Pesavento (2002), que

a capital francesa se constituía como a grande cidade moderna pelas fortes representações

construída sobre a cidade, tanto nas produções literárias, quanto nas projeções urbanísticas,

tornando reais as aspirações de Haussmann[8].

No plano político, o governo de Napoleão III, líder do Segundo Império

Francês, se caracterizou pelo autoritarismo - com eleições manipuladas, controle da imprensa

etc. - pelo desenvolvimento econômico, através do fortalecimento do capital financeiro, pelo

grande crescimento industrial e pelo programa de reformas urbanas regidas pelo prefeito de

Paris.

Esse programa se estendeu por toda a administração Haussmann à frente

da prefeitura de Paris, realizando modificações, ou mesmo, a destruição das antigas ruas

estreitas que deram lugar a avenidas grandes e largas. Ele também promoveu a ligação dos

bairros com o centro, o que destruiu muitas residências populares, principalmente do grupo

operário; além de modificar os espaços urbanos, também cuidou da parte estética da cidade

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criando grandes praças arborizadas e floridas, juntamente com grandes monumentos.

O espírito de reformas que Napoleão III e Haussmann alimentaram ainda

mais as aspirações da burguesia de ser moderna e de que as outras nações os vissem como

modernos e os imitassem.

Os desejos da burguesia emergente (definidos pelos discursos técnicos) do

Segundo Império Francês possuíam como necessidade a aeração, a circulação, o lazer, a

monumentalidade e o controle político-social com a finalidade de transformar as antigas

tradições sociais e da propriedade fundiária que mantinham os parisienses presos em espaços

que a qualquer momento poderiam formar barricadas impedindo o controle da cidade pelas

autoridades (MARINS, 1998).

A Revolução de 1848 é um exemplo dos efeitos da situação social que levou

a França à crise, pois o povo, em oposição à monarquia e liderado pela burguesia (que nesse

momento estava marginalizada no poder), lutaram até que a monarquia caísse e instauraram o

Governo Provisório em 24 de fevereiro de 1848.

O medo de novos levantes aterrorizava a burguesia que, depois de 1848,

assumiu o poder e estava receosa de que novos conflitos poderiam ser gerados nas ruelas

estreitas de Paris a qualquer momento. Esses poderiam atrapalhar a produção e dessa forma os

lucros, assim era necessário criar novas áreas urbanas regradas, mesmo que isso significasse

destruir as já existentes. Needell (1993), comentando sobre os programas da prefeitura de

Paris, diz que “ao eliminar ou renovar potenciais centros de revolta, Haussmann adotava uma

estratégia não apenas contra-revolucionária, mas também reformista” (NEEDELL, 1993, p.51)

assim se antevia uma solução para o antigo problema da contenção popular.

Para regulamentar as construções de habitações em Paris ocorreu a

destruição das antigas moradias, se restringindo intensamente a possibilidade de construir de

acordo com a vontade individual. Essa regulamentação mostrava a intenção de impossibilitar o

habitar pouco custoso nas principais ruas da cidade, rompendo assim com os ambientes

escuros e fechados para construir monumentos e praças, arejando esses espaços.

Com a ambição de alargar as ruas para poder combater possíveis barricadas

como das revoluções (1789 e 1848) e promover a saúde, houve um grande processo de

destruição das moradias populares do centro da cidade e juntamente a esse processo houve,

em paralelo, outro de construção de moradias novas de acordo com as expectativas do governo

de tornar a cidade higiênica e moderna.

Dessa forma “a privacidade das populações parisienses deveria sujeitar-se

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ao interesse ‘público’, apanágio definido por outras intenções ‘privadas’ alojadas no aparelho

institucional” (MARINS, 1998, p.135).

Um dos grandes problemas enfrentados pela população mais humilde era o

abastecimento de água, pois esse era precário, não atendendo a toda a população, além disso,

o sistema de esgoto era nulo, o que obrigava o povo a eliminar seus restos alimentares nas

ruas; isso contribuía para o desenvolvimento de doenças e pestes. Assim, além de promover o

alargamento das ruas, houve também a construção de redes de esgoto e água potável, porém

foram feitos a um custo alto que a população mais humilde não tinha como arcar. Como

conseqüência, essa massa pobre ia se deslocando para áreas onde não houvesse impostos, pois

essas seriam mais acessíveis a esta parcela dos habitantes de Paris.

A elite burguesa da época entendia que as habitações populares eram como

“pardieiros infectos” (PERROT, 1997), que por seu crescente desejo de civilização e dignidade

precisavam ser destruídas, formalizando, assim, um movimento liderado por higienistas de um

lado e engenheiros de outro que tinham como objetivo, conforme a afirmação de Marcel

Roncayolo: “valorizar os efeitos do meio sobre o estado físico e moral dos homens, engajaram a

observação social e identificaram as formas da estética clássica e as regras da saúde pública”

(apud PESAVENTO, 2002, p.39).

Essas reformas urbanas e sociais almejavam uma nova cidade a qual seria

organizada, higienizada e regrada, assim ofertando a indústria um novo homem e uma nova

mulher para esse período de progressos científico-tecnológicos: “enfim, a grande cidade é

aquela que irradia a cultura, a civilização, a novidade e a informação, onde se cruzam toda

sorte de gente e atividades e onde seu povo se caracteriza pelo que se chamaria a ‘urbanidade’

das atitudes...” (PESAVENTO, 2002, p.59).

No Antigo Regime o espaço de socialização era o ambiente público - a rua

(ARIÈS, 1981); no novo modelo, de organização familiar, o espaço de socialização seria a casa.

Talvez o medo constante que aglomerações pudessem incitar novas revoltas populares tenha

levado o Estado a decidir por essa mudança de costumes.

O privativo da sociedade parisiense - a família - também sofreu

transformações problemáticas de cunho social, político e jurídico. Em termos religiosos, as

missas passariam a ser direcionadas para regrar as pessoas; na política, o divórcio era

combatido e, ideologicamente, a família passou pela moralização, modificando os antigos

costumes: “a casa é o fundamento da moral e da ordem social. É o cerne do privado, mas um

privado submetido ao pai, o único capaz de refrear os instintos, de domar a mulher” (PERROT,

1997, p.95). O Judiciário traz mudanças para essa família, proibindo os maus tratos dos mais

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velhos sobre os mais novos e tutelando as crianças que eram negligenciadas por suas famílias

(PERROT, 1997).

Demonstrando a intenção de controle social do Estado sobre o povo, este

desempenhava o papel de pai no lar, controlando as ações e os indivíduos sob sua

responsabilidade. Na falta ou negligência dos pais, o próprio Estado assumiria a

responsabilidade sobre os menores.

Assim, o modelo de cidade emblemática exportada[9] para o mundo foi a

Paris de Haussmann[10], que devido ao seu desenvolvimento universal tornou-se a Cidade-luz

que conseguiu modernizar-se e higienizar-se sob a regência da ciência e da burguesia que a

promovia. Com esse processo, Paris não só se tornará referência pelas suas reformas

urbanísticas, mas também pelos magníficos relatos de literatos que descreviam essas

mudanças, como Victor Hugo e Honoré de Balzac.

Paris é, pois, a forma acabada de realização da

complexidade social e da natureza dos contatos que só a

modernidade foi capaz de propiciar, tornando-se a fonte inspiradora

de um imaginário ‘exportável’ (PESAVENTO, 2002, p.159).

Paris se tornou a imagem de cidade que todos desejam refletir em seus

interiores, uma cidade com marcas do passado, mas também com características da nova

cidade que atendia as necessidades sem se esquecer da beleza e da racionalidade prática.

Dessa forma, o núcleo gerador de novos atores sociais seria regrado para

apresentar à sociedade, mulheres e homens disciplinados para a ordem e o trabalho, para

poderem trabalhar por longos períodos sem reclamar; que teriam saúde e higiene, sem ficarem

adoentados, com asseio pessoal próprio e para com as ferramentas e o maquinário também; e

assim refletirem todos esses cuidados com alta produtividade. A família seria a formadora e

mediadora entre o presente e o futuro almejado por essa nova sociedade.

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Rio de Janeiro: Casa de Oswaldo Cruz – FIOCRUZ, 2007. (Dissertação de Mestrado em

História).

[1] Graduado em História pela Universidade do Vale do Rio dos Sinos (UNISINOS), Graduando

em Ciências Sociais pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) e Mestrando em

História Latino-Americana pela Universidade do Vale do Rio dos Sinos (UNISINOS). Integrante

do Grupo de Pesquisa Demografia e História do CNPq. Endereço eletrônico:

[email protected]

[2] Apesar da dificuldade de caracterização, se entende que burguesia é o grupo social

proprietário dos meios de produção e que utiliza o trabalho assalariado (SILVA; SILVA, 2005).

[3] Sobre as Exposições Universais e suas representações o livro: Exposições Universais,

Espetáculo da modernidade do século XIX, principalmente o capítulo: Exposições Universais:

Palcos de exibição do mundo burguês; de Sandra Pesavento (1997), traz uma qualificada

apreciação sobre o tema, mostrando que as Exposições estavam relacionadas, basicamente,

com a mostra de máquinas e produtos.

[4] Eric Hobsbawm, em A Era das Revoluções (1789-1848), apresenta um quadro qualificado

sobre esse período.

[5] Sobre a revolução de 1848, ver: 1848, o Aprendizado da República de Maurício Agulhon.

[6]Itálico como o original.

[7]Família não é um conceito fácil de ser definido como pode parecer, pois ela tem caráter

dinâmico e histórico; se entende que ela seja um fenômeno que transborde o biológico, ela é

uma rede de pessoas, conjuntos de bens, um nome, um patrimônio material e simbólico

herdado e/ou transmitido (SILVA; SILVA, 2005; PERROT, 1997).

[8] Esse modelo de metrópole moderna foi gestado pelas intervenções urbanas do Barão

Georges-Eugène Haussmann que em 17 anos administrando a prefeitura de Paris (1853-1870)

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transformou essa cidade em modelo mundial para a chamada civilização e modernização.

[9] Entendemos como Pesavento (2002) que o modelo de cidade (Paris) foi a resposta para

questões de um tempo e para uma sociedade, assim, quando falamos sobre modelo de

exportação estamos fazendo relação às idéias desse processo como a realização de grandes

obras urbanas, que remodelariam a cidade em sua estética, e o processo de afastamento dos

pobres do centro da cidade.

[10] Há entre os estudiosos dúvidas quanto à autoria das propostas de modernização da

cidade de Paris, mas não de que essas mudanças foram aplicadas na administração de

Haussmann na prefeitura da cidade que a transformou em modelo de metrópole.

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