A Biblioteca Digitalda Faculdade de Letras
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A Biblioteca Digital da Faculdade de Letras. Em busca da trivialidade
João Dionísio
(Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa)
Com a presente comunicação 1 pretendo destacar uns poucos traços da história
brevíssima da Biblioteca Digital da Faculdade de Letras desde o seu começo, com o
projecto “Património bibliográfico e documental da Faculdade de Letras da Universidade
de Lisboa” até ao presente. Fá-lo-ei na perspectiva do utilizador e dos desafios que a
biblioteca digital e os utentes mutuamente se colocam
O projecto “Património bibliográfico e documental da Faculdade de Letras”
(http://www.fl.ul.pt/biblioteca/biblioteca_digital/index.htm [31.7.2008]) foi iniciado pela
Divisão da Biblioteca da FLUL, através do seu Arquivo Histórico e com o suporte do
POC, o Programa Operacional da Cultura. Uma das facetas deste projecto, por certo a sua
dimensão mais visível, foi a digitalização de parte de duas colecções pertencentes à
Faculdade: os incunábulos e impressos raros dos séculos XV e XVI e o importante
espólio de publicações teatrais doado à instituição por um dos seus antigos Professores,
Osório Mateus.
Com públicos-alvo obviamente diferenciados, estas duas colecções foram
seleccionadas tendo em conta a aplicação de critérios apesar de tudo semelhantes e a
prossecução de objectivos aparentados, quando não coincidentes. Daí fazer sentido falar-
se de finalidades como a promoção do acesso alargado, do melhoramento das condições
de acessibilidade dos dois conjuntos bibliográficos, da divulgação amplificada dos
conteúdos dos originais digitalizados, da correspondência a necessidades e expectativas
de especialistas e do público em geral. Estes objectivos, enunciados com estes exactos
termos ou aproximados na própria página da Biblioteca Digital, são justos, são em boa
parte sobreponíveis e ocultam o desempenho de uma outra função não menos importante.
Na verdade, para a maior parte dos docentes e investigadores da Faculdade de Letras uma
boa fatia destas espécies bibliográficas agora disponibilizadas não só era inacessível,
como era rigorosamente desconhecida. Neste sentido, o projecto do “Património
1 Agradeço os contributos dados para esta intervenção por Pedro Estácio.
bibliográfico” permitiu revelar existências ignoradas e, mais do que ir ao encontro de
necessidades e expectativas de especialistas e do público em geral, criou essas
necessidades e essas expectativas.
Uma vez que as espécies digitalizadas provenientes do espólio Osório Mateus são
tratadas na comunicação de Maria João Brilhante e Maria Virgílio Lopes, centro-me no
núcleo do Livro Antigo. Tomemos como exemplo o caso da Vita Christi, uma obra do
século XIV escrita pelo monge cartuxo Ludolfo de Saxónia que obteve grande sucesso na
Idade Média e início do Renascimento. Dela circulou um elevado número de manuscritos
e impressos, em Latim e em línguas vernáculas. Um exemplar de 1495 da tradução
portuguesa desta obra, numa impressão dos alemães Nicolau de Saxónia e Valentim
Fernandes de Morávia, conserva-se na FLUL. Trata-se de uma obra fundamental para o
conhecimento da primitiva produção do livro impresso em Portugal, sendo uma peça-
chave para o estudo do prolífico impressor Valentim Fernandes, assim como se revela um
documento importante no âmbito da história da espiritualidade (em particular para
melhor se perceber a difusão do movimento da devotio moderna e da Ordem da Cartuxa).
Não se estranha, por isso, que seja considerada a mais preciosa espécie pertencente ao
núcleo do Livro Antigo da Faculdade de Letras. Precioso porque decerto tem um valor
comercial celeste em qualquer leilão, mas também precioso porque olhar para os seus
fólios desencadeia uma reacção de prazer estético que corre o risco de ser auto-suficiente.
Mas, antes e depois da digitalização, o objectivo que se persegue não deve ser provocar
exclamações do género: “que bela imagem!”, mas activar o seu uso. A pergunta que se
me impõe enquanto potencial utilizador parece ser: “o que é que faço com isto?”.
Permitam-me então que enverede por uma exemplificação pessoal na resposta a
esta pergunta. Apesar de ter estudado parte da Vita Christi para a minha tese de
doutoramento, apesar de ter feito parte de um júri de doutoramento em que o trabalho
submetido a apreciação era dedicado a esta obra de Ludolfo de Saxónia, desconhecia a
existência desta espécie bibliográfica na minha instituição até bem avançado o projecto
do “Património bibliográfico”. Agora ele concluído, as minhas condições de trabalho
transformam-se em vários sentidos. A mais importante alteração traduz-se simplesmente
numa mudança radical do conceito de acesso nas variáveis “espaço” e “tempo”. Não
preciso de me deslocar à Faculdade de Letras para consultar, sob a forma de réplica
imaterial, este livro, pois desde que tenha acesso à internet posso consultá-lo em qualquer
ponto do globo; não preciso de me cingir aos horários da Biblioteca da minha instituição,
pois mesmo no pico da minha insónia nada me impede de ter acesso à reprodução digital
desta espécie bibliográfica. Ou seja, a digitalização, ao permitir o esquecimento da minha
circunstância temporal e espacial, consente que o livro de Ludolfo de Saxónia saia da
secção das reservas e fique disponível em acesso livre.
Um tal esquecimento das contingências espaciais e temporais comporta um
perigo, que consiste em medir o sucesso da digitalização apenas pelo grau de
conformidade ao objecto reproduzido. Se se apresentarem como simples conjuntos de
simulacros bibliográficos, as colecções digitalizadas serão objectos museológicos no
sentido menos vibrante da expressão. Nesta medida, não são apenas as contingências do
espaço e do tempo associadas ao utilizador, mas as próprias características materiais do
livro que a digitalização pode tornar e deve tornar “maleáveis”.
Se não promover a maleabilidade, que é outro nome para a sofisticação e
diversificação das portas de acesso, a digitalização confundir-se-á com o seu parente
pobre, a reprodução fotográfica em suporte duro. Também a cópia fotográfica pode ser
transportada connosco sem estarmos dependentes do lugar e do horário da biblioteca e
isto sinaliza como a digitalização ficará aquém do desejável se se distinguir deste outro
tipo de reprodução apenas por ser mais leve e por ser menos incómoda na bagagem.
O que pode a digitalização oferecer de especial em relação à reprodução
facsimilada? No caso do livro antigo, e afinal no caso do livro menos antigo, a
possibilidade de ampliar a imagem, sem perda de definição, pode constituir um princípio
de resposta a esta pergunta. A ampliação revela-se decisiva para o afinamento da leitura
ou da decifração, para conseguir perceber o que à vista desarmada é imperceptível. Esta
possibilidade, garantida na Biblioteca Digital da FLUL, tendo interesse no que diz
respeito a incunábulos e impressos antigos, tem importância crucial no domínio dos
manuscritos antigos e modernos. O caso do espólio Fernando Pessoa, abordado neste
encontro por Manuela Vasconcelos, é revelador do que estou a dizer. Nestes termos, a
ampliação oferece condições importantes para se proceder à edição de textos nunca antes
editados ou à revisão de textos previamente editados que se encontram nos livros
digitalizados. O caso da Vita Christi de Ludolfo de Saxónia constitui um caso
particularmente interessante neste capítulo.
A única edição (fac-similar e crítica) deste texto foi preparada por Augusto
Magne, tendo sido publicada no Rio de Janeiro em dois volumes vindos a lume em 1957
e em 1968, há já quarenta anos. Nunca foi globalmente revista apesar de entretanto terem
sido produzidas várias propostas de melhoramento. A digitalização, que exponencia as
condições de leitura oferecidas pela reprodução fotográfica, pode ser o impulso para esta
tarefa tão necessária e tão adiada.
Outro aspecto merecedor de destaque do ponto de vista do utilizador diz respeito
à descrição das obras no catálogo, no que constitui um exemplo da integração da
investigação mais recente e fundamentada. Para continuar com o exemplo que tenho
estado a acompanhar, em relação à Vita Christi, as notas do catálogo acolhem dados
interpretativos provenientes do artigo de fundo inovador e sólido assinado por Aires
Nascimento sobre os problemas da tradição manuscrita e da tradução desta obra em
Português. Daqui resulta a transformação do catálogo de instrumento descritivo num
instrumento de pesquisa. A este ponto voltarei mais adiante sob outra perspectiva.
Se a inclusão de notas interpretativas na ficha de descrição se assume como uma
recusa da cristalização do saber e como a defesa do conhecimento na qualidade de
energia renovável, a simples colocação lado a lado da ficha com as imagens dos fólios a
que se foi buscar informação citada convida o utilizador a leitura crítica. Este é um
convite importante que deve ser permanentemente endereçado: o utilizador deve sentir-se
bem-vindo na interacção com os objectos digitalizados e os seus reparos, caso justos,
devem ser integrados.
Como disse antes, a produção incunabulística portuguesa não coloca os problemas
de decifração lançados por alguns manuscritos anteriores, contemporâneos e posteriores.
Qualquer leitor, depois de um tirocínio modesto, pode realizar esse confronto e
eventualmente apurar deslizes compreensíveis. Tendo sido adoptada na ficha descritiva a
transcrição conservadora, que exige a reprodução literal sem actualização, apenas servida
pelo desenvolvimento de abreviaturas, percorri um bom número de citações incluídas no
catálogo e deparei com dois lapsos mínimos na citação do colofão da Vita Christi: uma
ocorrência da palavra “honrrado” apenas com um r quando no impresso apresenta dois rr
e uma ocorrência da palavra “dilligencia” com apenas um l, apresentando no livro dois
ll. Dir-se-á que esta é uma questão menoríssima. Discordo. Será antes uma ilustração
menoríssima de um desafio central. Do mesmo modo que a digitalização transforma
radicalmente as condições de acesso, há todo o interesse em capitalizar para o projecto de
digitalização a leitura que se fizer dos seus resultados. Daqui advirão duas consequências:
1.ª – a introdução de uma rotina saudável de identificação e correcção de lapsos (e os
lapsos são reparáveis em ambiente digital como nunca serão, tanto em velocidade como
na forma da integração propriamente dita, em novas edições no formato livro ou em
erratas); 2.ª – a necessidade de reflectir sobre a melhor maneira de reconhecer o
contributo do utilizador. Este último aspecto levar-nos-ia longe, designadamente para o
campo dos direitos de autor, mas gostaria de deixar registado que quanto mais
nitidamente for reconhecida a interacção do utilizador, mais e melhores utilizadores
teremos.
Um projecto de digitalização como o da Faculdade de Letras, como qualquer
projecto afim, dará sempre o flanco a observações fundamentalistas e nostálgicas (do
género “um simulacro não é o objecto”) e a chamamentos provenientes da vanguarda
tecnológica. Duas notas brevíssimas a este respeito. Os simulacros produzidos, por não
serem os objectos de que são cópia, não disponibilizam todas as suas facetas. Em geral,
esta é uma asserção que não sofre dúvida. Mas algumas destas facetas a cópia digital não
disponibilizaria são já hoje veiculáveis e veiculadas. Um exemplo: a digitalização não
permitiria acesso a um traço fundamental para o reconhecimento das características
materiais do suporte, como é a marca de água. No entanto, Mário Costa disponibilizou na
sua tese de mestrado imagens com a marca de água de um manuscrito quinhentista da
Crónica de D. Fernando de Fernão Lopes, pelo que não só é possível como já se
disponibiliza, inclusivamente em Portugal, este tipo de dados [2006: 211]. Um exemplo
internacional particularmente excitante é o do projecto dedicado ao palimpsesto de
Arquimedes (www.archimedespalimpsest.org [31.7.2008]) no qual têm sido testadas
formas inovadoras de captação de imagem, particularmente importantes para destrinçar
as camadas de escrita num suporte que foi objecto de várias intervenções em períodos
diferentes. Estes exemplos apontam já na direcção do que antes designei o chamamento
da vanguarda tecnológica, que também se faz através de programas cada vez mais
sofisticados de reconhecimento óptico de caracteres (por exemplo, o integrado no Bambi
– Better Access to Manuscripts and Browsing of Images; cf.
http://www.ilc.cnr.it/viewpage.php/sez=ricerca/id=97/vers=ing [31.7.2008]). Também
aqui há caminho a fazer.
Ao fim e ao cabo, a primeira etapa da Biblioteca Digital da Faculdade de Letras
apostou numa espécie de via média, fugindo de amadorismos bem intencionados e
assentando em normas e padrões de qualidade reconhecidos, guardando para momento
posterior o que pode ser uma intervenção diferenciada nos programas de uso de acordo
com as características e o estatuto do objecto digitalizado. Com o à-vontade de quem não
teve nenhuma responsabilidade nesta fase de arranque, posso dizer que dificilmente a
Biblioteca Digital da minha instituição poderia ter tido melhor começo, que esta etapa
coloca a fasquia alta para o que vier a ser feito depois e que, tratando-se naturalmente de
um projecto que envolveu muitas pessoas, uma palavra de reconhecimento deve ser
endereçada a Cristina Faria, a sua principal responsável.
E agora? Quando Pedro Estácio, chefe de divisão da Biblioteca da Faculdade, e eu
recebemos a tarefa de coordenar a Biblioteca Digital, uma opção compreensível seria
prosseguir, ampliando para outros livros do fundo antigo e outras espécies do espólio de
Osório Mateus, o tipo de tratamento conferido aos objectos que já fazem parte do
projecto no seu estado presente.
A opção que adoptámos foi, no entanto, outra, motivada por circunstâncias pouco
favoráveis do ponto de vista económico ao desenvolvimento de iniciativas que exigiriam
fundos consideráveis. Mas motivada também, gostaria de insistir neste ponto, por uma
perspectiva da digitalização que não a confina a objectos, digamos, raros. Para Jerome
McGann, nas próximas décadas toda a nossa herança cultural será transformada e
reeditada através da digitalização, processo que já começou há tempo [2005: 72]. A ter
razão, e creio que terá, McGann aponta para num futuro mais ou menos próximo a
digitalização vir a ser tão banal que não estará associada a um numerus clausus de
espécies dignas de serem convertidas. No plano que delineámos, tendo este horizonte em
vista, procurou-se atingir outros objectos distintos dos do Projecto Bibliográfico e
Documental, alargar públicos, concentrar recursos, articulá-los em colaboração sempre
que possível.
Não tendo cabimento nesta ocasião descrever uma por uma as iniciativas em
curso, darei atenção especial à explicação de uma estratégia baseada na economia de
meios, quer através da colaboração inter-institucional, quer por via do aproveitamento de
recursos já existentes, mas até agora não suficientemente explorados. Esta estratégia foi
desenvolvida em torno de três eixos: 1) o reforço do Sistema Integrado das Bibliotecas da
Universidade de Lisboa, não só na qualidade de instrumento de descrição, como também
na condição de ferramenta de pesquisa; 2) a digitalização de espécies bibliográficas
produzidas na FLUL; 3) a elaboração de edições electrónicas representativas do saber
filológico desenvolvido na FLUL.
Em relação ao ponto 1), uma das acções a realizar consiste no alargamento do
SIBUL na qualidade de instrumento de pesquisa. Este alargamento já está em curso, pois
a descrição completa de um número crescente de espécies bibliográficas existentes na
nossa biblioteca oferece hoje uma ligação para as respectivas reproduções digitais, umas
provenientes da Biblioteca Nacional Digital (http://bnd.bn.pt/ [31.7.2008]), a maior parte
produzida no âmbito do projecto Património Bibliográfico e Documental da FLUL
(http://www.fl.ul.pt/biblioteca/biblioteca_digital/index.htm [31.7.2008]). Decorre
entretanto uma consulta junto das diferentes áreas científicas da Faculdade de Letras no
sentido de ampliar este tipo de ligações. Tencionamos também introduzir na descrição
completa de várias espécies a ligação a bases de dados de natureza bibliográfica. Neste
campo, foi estabelecido um acordo com o projecto Philobiblon, um cluster de bases de
dados dedicadas à literatura medieval portuguesa e galega, catalã e castelhana. No final
de 2008 prevemos que a descrição de todas as edições relativas a textos deste período e
nestas línguas que façam parte do acervo da Biblioteca da FLUL permita a ligação directa
à indicação de toda a bibliografia produzida sobre cada um deles. As consequências são
inéditas: a simples consulta do SIBUL dotará o utilizador interessado da informação
sobre todas as ferramentas críticas acerca do texto que lhe suscita interesse.
No que diz respeito ao ponto 2), não excluímos nenhum objecto, embora
tenhamos tomado como prioritária nas presentes circunstâncias a digitalização de revistas
pertencentes à Faculdade de Letras, isto é, da Faculdade propriamente dita, de
Departamentos e de Centros integrados na instituição. As razões que nos levaram a
avançar por este caminho foram de vária índole, em particular as seguintes: (i) o interesse
institucional de tornar acessível a produção científica periódica da Faculdade; (ii) a
continuação de acções de digitalização já desenvolvidas por algumas das revistas
(Finisterra, Boletim de Filologia, Revista Lusitana), (iii) em termos de dimensão, a
constituição de um corpus por um lado significativo, por outro trabalhável num prazo
razoável, (iv) a concentração em bibliografia portuguesa difícil de pesquisar (em
condições normais, os únicos artigos destes periódicos pesquisáveis em catálogo são os
que foram publicados também sob a forma de separata), (v) a possibilidade de por esta
via serem gerados núcleos de bibliografia crítica interessante para ser articulada com
outras acções e projectos, designadamente com as colecções do livro antigo e do espólio
Osório Mateus.
Esta iniciativa cobre tanto as revistas auto-publicadas (como a Revista da
Faculdade de Letras como as que vêm a lume através de editoras comerciais (por
exemplo, a Românica). O volume de trabalho é superior a 70.000 páginas e o modelo de
execução será o da Portugaliae Mathematica (cf. http://purl.pt/404 [31.7.2008]),
iniciativa conjunta da Sociedade Portuguesa de Matemática e da BND. Utilizam-se por
isso os programas ContentE como editor de conteúdos estruturados e o Papaia para
processamento de páginas digitalizadas, prosseguindo-se nesta etapa o que já sucedera no
projecto “Património Bibliográfico e Documental”. Uma vez concluída, é nossa intenção
integrar a colecção de revistas, no todo, no Repositório Institucional da Universidade de
Lisboa e, no todo ou em parte, no projecto Scielo Portugal. Ao mesmo tempo,
tencionamos preparar a articulação deste projecto com projectos congéneres em curso
noutras instituições universitárias europeias que, por um lado, estejam apostadas na
construção de bibliotecas digitais e, por outro, já mantenham relações de proximidade
com a Faculdade de Letras através de protocolos Erasmus. À circulação de pessoas típica
destes tipos de acordo juntar-se-á assim a partilha de bens intelectuais.
Neste domínio é talvez útil lembrar que a digitalização será, se não já,
provavelmente a prazo, um passo necessário, que não suficiente, para a continuidade de
várias das revistas. Quando a avaliação da produção universitária se faz por critérios de
impacto, permitir que se lhe tenha acesso generalizado parece condição sine qua non, a
par de uma cultura peer review forte, para não ficar a meio do caminho. O desafio é
especialmente sensível para os periódicos produzidos no nosso País porquanto o
português não é mencionado no grupo das línguas internacionais mais importantes nas
normas de avaliação de revistas universitárias emitidas pelo European Reference Index
for the Humanities (http://www.esf.org/research-areas/humanities/research-
infrastructures-including-erih/erih-initial-lists.html) [31.7.2008].
Entro finalmente no ponto 3), que tocarei de forma sumária. Enquanto tanto no
projecto “Património Bibliográfico e Documental” e no das revistas se trata de reproduzir
o que existe, explorando diferentes tipos de acesso de acordo com os interesses do
utilizador, importa igualmente que a Faculdade de Letras invista como produtora de
documentos digitais. Nesse sentido, e também porque os documentos devem ter o seu uso
o mais possível potenciado, outra das linhas de desenvolvimento da biblioteca digital da
FLUL será a aposta na produção de textos a partir de um corpus editado por professores
da instituição a que será aplicada a marcação TEI (http://www.tei-c.org/index.xml
[31.7.2008]), o sistema de etiquetagem hoje mais expandido. Com este fim em vista foi
constituída uma parceria com a Universidade de Madison, onde será realizada no final do
corrente ano uma acção de formação à la carte neste sistema. Um objectivo imediato e
menor consiste em introduzir este tipo de marcação na edição do Leal Conselheiro,
tratado moral escrito no séc. XV por D. Duarte. O objectivo crucial é no entanto outro:
dotar esta iniciativa de efeito multiplicador e fazer dela a base para acções congéneres na
Faculdade de Letras, destinadas a alunos, bibliotecários e docentes.
Concluo, então. Depois de uma primeira etapa consagrada a espécies
bibliográficas raras, a Biblioteca Digital da FLUL segue hoje uma estratégia que visa
diversificar a oferta, atingir novos públicos, centralizar e articular recursos. Este é um
desafio particularmente estimulante e necessário, num momento de redefenição das
instituições universitárias em Portugal. Estimulante porque implica trivializar o que há
anos atrás eram condições de trabalho apenas imagináveis. Necessário porque, em vários
sentidos, este será, é já o único caminho para o desenvolvimento de certas actividades.
Bibliografia
Mário Fernando da Silva Costa, Estudo paleográfico de um manuscrito quinhentista da
Crónica de D. Fernando de Fernão Lopes, dissertação de Mestrado em Paleografia e Diplomática, FLUL, 2006 Jerome McGann, “Culture and Technology: the way we live now, what is to be done”, New Literary History, 2005, 36: 71-82 [artigo consultado através do Project Muse] Aires Augusto Nascimento, “A Vita Christi de Ludolfo de Saxónia, em português: percursos da tradução e seu presumível responsável”, Euphrosyne, n.º 29, 2001, p. 125-142