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    A Boa-F como Modelo

    (uma aplicao da Teoria dos Modelos, de Miguel

    Reale)

    J

    udith Martins-Costa

    Umacoisa pertencenteaumaardemdeespritos aarganiz14odavida jurdicadasociedade e

    outra muito diversa pertencente outra ordem

    anlise

    ou

    sntese

    dos

    elementos componentes do

    direito. Entre crtica e encarnao do

    direito

    haver

    sempre

    graruie

    distncia.

    Assim conw nem

    histria

    nem

    teoria

    da arte

    foi

    nunca

    obra dosgrandes artistas o s wmbm s

    legisladores

    que

    f zem sistematizao dos fatos edas

    relaes

    jurdicas. Qoaquim Nabuco, Um Estadista do

    Imprio ).

    Sumrio: Introduo. I)

    A Teoria dos Modelos: os modelos doutrinrios aos

    modelos jurisprudenciais. II) A Casustica da BoaF Objetiva nos Tribunais

    Brasileiros

    1

    Texto originalmente apresentado, com o ttulo

    A

    Boa f

    como

    Modelo (notas para a

    compreenso

    da

    boa-f

    obrigacional

    como

    modelo doutrinrio e jurisprudencial

    no

    Direito Brasileiro ) ao

    Convegno

    La

    f'orma>:'.ionc

    de

    Sistema

    Giuridico

    Lninoamericano:

    Codici

    e Giuristi, Amalfi, abril

    de

    2001,

    tendo

    sido atualizada apenas a referncia ao novo Cdigo Civil Brasleuo.

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    Judith Martins-Costa

    A boa-f obrigacional,

    tambm

    dita boa-f objetiva,

    chegou

    tarde ao Direito Brasileiro.

    muito recentemente, a partir de 1990, o direito legislado passou a contempl-la como

    no

    domnio prprio das relaes de consumo

    2

    O vigente

    Civil Brasileiro, de 1916, no

    contm

    regra acerca da boa-f obrigacional, diversamente

    que

    ocorre com

    o

    novo

    Cdigo, ora

    em

    aguardo da sano presidencial,

    no

    qual so

    3

    bem

    verdade que o vetusto Cdigo Comercial, de

    no

    art. 130, boa-f como cnone hermenutica dos contratos

    4

    ,

    mas este texto

    desempenhou

    funes de clusula geral, pouco passando de letra morta

    5

    Mesmo

    em

    sua feio objetiva, impositiva de standard

    aos que entram em relao obrigacional, vem sendo aplicado pela jurisprudncia

    como fonte de especficos deveres de conduta e como limite ao exerccio de direitos,

    nem sempre seja usada idntica gramtica, havendo mesmo expressivas diferenas

    ao modo e s hipteses de sua incidncia.

    Cdigo de Defesa do Consumidor (Lei n 8.078, de 11.9.90) a prev

    no

    art. 4, inciso IH

    como

    um dos

    de Consumo, visando

    harmonizao

    dos interesses dos

    das

    reLaes

    de consumo

    e

    o

    art.

    51,

    inciso

    IV,

    como critrio

    de

    aferio

    de

    abusividadc de

    cujo

    efeito

    a nulidade.

    Para

    as referncias ao novo Cdigo Civil, vide o texto

    O

    novo Cdigo Civil Brasileiro: em busca da

    ora nesta obra e ainda

    MOREIRA ALVES,

    Jos Carlos, A Boa-F Objetiva no Sistema

    e

    Amrica Roma,

    vo. 7,1999.

    Art. 130, caput e

    inciso

    l, in verbis: Sendo necessrio interpretar

    as

    clusuLas do contrato, a interpretao,

    das regras sobreditas, ser regulada sobre as seguintes

    bases

    I. a inteligncia simples e adequada, que for

    boa-f, e ao verdadeiro esprito e natureza

    do

    contrato, dever sempre prevalecer

    rigorosa

    Acentua, a propsito, Jos

    Carlos

    lvfORE1RA ALVES: de notar-se, porm, que esse dispositivo, que

    se

    de clusula geral,

    at

    poca relativamente recente foi tido como simples princpio

    se

    baseia na boaf subjetiva .

    (in

    A

    Boa-F Objetiva no Sistema Contratual Brasileiro ,

    p. 194).

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    A

    Boa-F como Modelo

    349

    Pesquisa realizada em

    sites

    de Tribunais brasileiros

    6

    indica que no ementrio de

    decises do Superior Tribunal de

    Justia-

    ao qual compete, constitucionalmente, unificar

    a jurisprudncia nacionaF - dezoito 18) decises encontram fundamento no prindpio

    8

    No Supremo Tribunal Federal, o guardio da Constituio Federal, embora sejam inmeras

    as

    decises fundadas na boa-f possessria e na proteo aos terceiros de boa-f, h um nico

    acrdo que revela a funo da boa-f como regra de conduta,

    a

    sendo o princpio alegado,

    no Direito Administrativo,

    como

    limite

    defesa, em juzo,

    da

    Administrao Pblica

    9

    No

    mbito dos Tribunais de Justia dos Estados o Tribunal

    de

    Justia do Rio Grande do

    Sul,

    pioneiro na sua aplicao, que apresenta o maior nmero

    de

    decises fundadas

    na

    boa-f

    objetiva, havendo mais de trezentas (300) referncias, das quais aproximadamente vinte e

    cinco por ccnto(25%) apresentam

    uma

    feio inovadora, da qual possvel retirar uma

    verdadeira construo das funes que, tal qual observa-se no Direito Comparado,

    6

    Pesquisa realizada nos meses de maro a junho de 2001, pela

    Internet,

    tendo em

    conta

    os seguintes

    critrios: Tribunais Superiores (STF e STJ) e Tribunais de Justia dos Estados do Rio Grande do Sul 304

    acnhlos), Rio Grande do

    Norte 9

    acrdos) Par

    9

    acrdos) Bahia

    2

    acrdos), Gois

    6

    acrdos),

    Paran 1 acr&io), Paraba

    1

    acrdo), Rondnia(l acrdo), Pernambuco 9 acrdos) c Distrito Federal

    (24 acrdos).

    Os

    demais Tribunais estaduais ou no tm nenhuma referncia em seus ementrios, ou

    no tm a jurisprudncia acessvel em suas

    home

    pages. Foram feitas consultas por

    e-mail

    junto aos

    Tribunais

    de

    Justia de So Paulo, Rio de Janeiro, Pernambuco, Mato Grosso e Esprito Santo,

    as

    quais

    no tiveram resposta, salvo a procedida junto ao Tribunal de Justia de Pernambuco. A Justia estadual de

    So Paulo, atravs do Juizados Especiais Cveis, conquanto no

    tenha

    jurisprudncia disponibilizada pela

    Internet, est comeando a utilizar o princpio

    como

    mandamento de recproca confiana incumbente

    s

    partes notadamente em tema

    de

    Direito do Consumidor, como exempliflcativamente, os acrdos

    proferidos pelo seu Primeiro Colgio Recursal dos Juizados Especiais Cveis da Capital nos Recursos

    nos 7.959 em 14.12.2000); 7.766 j. em 13.11.2000); 7747 em 1. 11.2000 c 7.767(j. em 13.11.2000), em

    todos eles sendo Relator o Juiz Laerte MARRONE. Para a realizao dest'l pesquisa os verbetes procurados

    foram: boa f objetiva ; boa,

    f

    e obrigao ;

    boa-f contratual

    ,

    boa-f

    c contrato e boa-f c

    princpio . Poram desconsiderados os acrdos relacionados

    s

    palavras-chave 'boa-f c contratos'

    relativos proteo Ja boa-f de terceiros que

    di:>:iam

    respeito a situaes subjetivadas da boa-f.

    Assinab-se que, segundo os sistemas

    de

    indexao usuais, as expresses buscadas deveriam constar da

    ementa. Para esta pesguisa devo registrar o

    meu

    agradecimento ao valioso auxlio prestado pelo acadmico

    de Direito Alexandre PEREIRA DUTRA, da Faculdade

    de

    Direito

    da

    UPRGS, que desenvolve projeto de

    iniciao cientfica sob minha orientao, com bolsa de estudos patrocinada pelo

    CNPq-BIPIC.]

    7

    Constituio Federal, art. 105, inciso Jll, ao conferir a

    competncia

    para julgar, em recurso especial

    (Resp), 'as causas decididas, em nica ou

    ltima instncia

    pelos

    Tribunais Regionais

    Federais ou pelos

    Tribunais dos

    Estados,

    do

    Distrito Federal e Territrios , quando a deciso recorrida:

    a)

    contrariar tratado ou

    lei federal, ou negar-lhes vigncia; b) julgar vlida lei ou ato de governo local contestado em face de lei

    federal; c) der lei federal interpretao divergente da que lhe haja atribudo outro tribunal.

    8

    Nomeadamente: Agr. Reg. no AI n 47. 901 - 3 - SP;;\GA 47901;EDRESP 167691;RESP 256274;RESP

    107211;RESP 80036; RESP 32890;RESP 3714/RS;RESP 7187/SP; RESP 85521/PR; RESP 101061/PB;

    RESP 157841/SP; RESP 5932/RS; RESP 158728/RJ; RESP 18.4573/SP, RESP 95535/SP;RElVfS n 6183-

    MG;.ROMS 6183; ROMS 1694/RS.

    q

    STF, 2'

    T,

    RE 158448/MG, Relator Ministro Marco Aurlio de i\IELLO,

    j.

    em 29.06.1998, sendo a boa-f

    invocada articuladamente aos princpios da continuidade da prestao

    Jc

    servios e

    da

    realidade.

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    Judith Martins-Costa

    notadamente o direito alemo e o italiano, tm sido cometidas ao princpio

    10

    ,

    Ora,

    os dados desta pesquisa sinalizam

    uma modelagem

    brasileira" da boa-f

    bjetiva, de cunho fortemente jurisprudenciaL

    Numa

    cultura jurdica na qual ainda forte a tradio legalista, ao apego

    lei em seu

    formal,

    sua mais espessa literalidade, uma tal circunstncia curiosa. Na busca das

    azes

    que

    a expliquem, recorro preliminarmente (Parte I a um especfico recorte terico,

    ual seja, o da teoria das fontes e

    dos

    modelos jurdicos, proposta por Miguel

    Reale

    .Compreendido

    este aporte ter ico- que aqui suporte, e busca de explicao

    tentarei visualizar a formao de um modelo jurisprudenial da boa-f objetiva no Direito

    rasileiro,

    mediante

    a indicao das funes que, na concreta prtica da vida jurdica, o

    esmo chamado a operar (Parte II).

    I

    A

    TEORIA DOS

    MODELOS: DOS MODELOS

    DOUTRINRIOS

    AOS

    ODELOS JURISPRUDENCIAIS.

    Ao

    debruar-se sobre

    o

    fenmeno

    da normatividade,

    percebeu

    Miguel

    Reale que as

    normas

    jurdicas,

    provindas

    das quatro

    fontes

    s quais

    so

    econhecidos os atributos da

    autoridade

    e da prescritividade - a saber, a

    fonte

    egislativa, a

    jurisprudencial,

    a

    consuetudinria

    e a negociai - podem apresentar

    se como modelos, vale dizer, como

    estruturas norm tiv sque orden m

    fatos

    segundo

    valores,

    numaqualifo:afo tipolgimdecomportamentos

    turos,aqueseligamdeterminadasconseqnciaS' .

    Correspondentes,

    no plano jurdico, s estruturas normativas verificadas nas

    estruturas sociais,

    os

    modelos so constantemente

    construdos pela experincia

    jurdica, clistinguindo-se entre modelos jurdicos - assim os provenientes das quatro

    fontes de

    produo

    jurdica, dotados que so de fora prescritiva - e os modelos

    dogmticos, ou hermenuticas, cuja elaborao

    doutrinria e cuja fora

    indicativa,

    argumentativa ou persuasiva.

    10

    Para este cmputo a autora considerou as invocaes a boa-f no repetitivas e as decises nas quais as

    funes da boa-f objetiva so efetivamente desenvolvidas, desconsiderando aquelas em que o princpio

    meramente alegado, sem a correspondente motivao e o estabelecimento dos nexos com a concreta

    situao ftica e ainda os acrdos fundados em similar situao de fato e idntica argumentao.

    V e j a ~ s e

    de Miguel REALE, "Fontes c Modelos no

    Direito-

    para um

    novo

    paradigma hermenutico",

    So Paulo, Saraiva, 1994, e, "l)ara uma teoria dos modelos jurdicos",

    in

    Estudos de Filosofia c de

    Cincia do Direito", So Paulo, Saraiva, 1978.

    12

    REALE, Miguel, "Para

    uma

    teoria dos modelos jurdicos",

    in

    Estudos

    de

    Filosofia e de Cincia do

    Direito", cit., p. 7.

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    A BoaF como Modelo

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    A referncia fora meramente indicativa ou persuasiva da doutrina merece, no Direito

    Brasileiro, um cuidado particular. Somos, os luso-brasileiros, tributrios de uma longa tradio

    "bartolista"

    13

    ,

    e, portanto, a fora da doutrina tem

    um peso

    especifico, de alta densidade

    culturaL que, desde as nossas mais fundas origens, o mos italicus refletido exemplarmente

    na obra de Bartolo de Saxoferrato, conformou uma mentalidade. Se razo cabe a Fernand

    Braudel

    ao

    aludir 'longa permanncia" das estruturas na Histria

    14

    -

    comparativamente s

    conjunturas e aos eventos, conformadores de ciclos

    de

    mdia e de curta

    durao-

    o certo

    que

    a estrutura das mentalidades, dos "enquadramentos mentais" a que alude BraudeP

    5

    a que

    apresenta a mais longa durao.

    o que ocorre com a nossa viso

    do

    papel da doutrina na

    formao do Direito.

    No antigo direito lusitano nem o centrabsmo jurdico representado pela precoce

    ordenao do Direito sob o signo da autoridade estatal- nossas primeiras Ordenaes do

    Reino so de 1447

    16

    ,

    t eve

    fora para afastar a doutrina

    como

    verdadeira fonte de direito.

    13

    Veja,se ALMEIDA COSTA, Mario Jlio, "Romanismo e Bartolismo no Direito Portugus", Boletim da

    Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra vol. XXXVI, 1960, p. 16.

    14

    BRAUDEL, Fernand,

    Histria

    e Cincias Sociais", traduo

    portuguesa

    de Rui Nazar, Lisboa,

    Editorial Presena,

    4'

    edio, 1982, notadamente o ensaio "A Longa Durao", p. 7 a 39. Para a apreenso

    das categorias braudelianas na Histria do Direito, PARADISI, Bruno, "Questioni Fondamentali per una

    Moderna Storia

    de

    Diritto",

    in

    Quaderni Fiorentini per

    la

    Storia de Pensiero Giuridico Moderno, vol.

    1,

    Firem:e, 1972, em especial pp.

    31

    e ss., e VARELA, Laura Beck, 'Algumas Contribuies

    da

    Cincia

    Histrica Tarefa do Historiador do Direito ,

    in

    Revista da Faculdade de Direito da Universidade

    Federal do Rio

    Grande do Sul, vo . 18, Porto Alegre, 2000.

    -

    BRAUDEL, Fernand, "Histria e Cincias Sociais, dt., p. 14.

    u

    Ordcnaes Afonsinas cuja concluso ocorreu no segundo semestre de 1446 ou

    no

    primeiro de 1447.

    O seu sistema de fontes estabeleceu (Livro l i ttulo IX) a hierarquia entre as eis do reino que, se

    insuficientes seri:lm supridas pelas Lr:ys lmperiaies,

    e

    pelos Santos

    Canones

    e sucessivamente se

    o

    caso

    de que se trauta

    em

    partica, nom fosse determinado per Ley do Regno,

    ou

    estilo,

    ou

    custume suso dito ou Leyx

    lmperiaaes, ou Santos Canones,

    entom mandamos que

    se guardem as grosas

    d Acursio

    encorporadas

    nas

    ditas

    Leys. E quando pelas ditas

    grosas

    o

    caso

    non for determinado, mandamos que se guarde a opiniom de

    Bartholo, n6 embargante que

    os outros Doutores

    diguam o contrario.

    O sistema foi mantido, com

    pequenas variantes, nas Ordenaes J\hnue]jnas (redao definitiva em 1521) e nas Ordenaes Filipinas

    (1603, que vigoraram no Brasil at 1916).

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    352

    Judith Martins-Costa

    Ainda 'lue

    os

    textos legislativos previssem, formalmente, o carter de fonte subsidiria,

    relatam os historiadores do

    ius com

    mune ibrico ter

    por

    vezes

    cabido

    doutrina de Acursio

    e Bartolo papel proerninente frente ao prprio direito do rei

    17

    Isto significa dizer que em nossa profunda mentabdade, paradoxalmente,

    18

    articulou

    se, ao legalismo, a ateno

    doutrina

    como

    fonte de

    produo

    de

    modelos hermenuticas,

    mesmo os derivados da experincia estrangeira. Para os efeitos de uma possvel histria das

    mentalidades jurdicas, o termo

    "bartolismo"

    indica, pois, este fenmeno cultural, marca

    permanente,

    o de

    em

    nossa forma mentis estar fortemente arraigada a idia de a doutrina

    no apenas desenvolver o papel de

    formadora

    dos cnones de interpretao, mas o de,

    concebendo

    os modelos hermenuticas destinados a preencher as

    lacunas

    do sistema"

    tornar-se fonte prescririva. Diferentemente

    do

    que ocorre em outros pases, entre ns os

    juzes recorrem,

    em

    suas decises, a largas citaes da doutrina, nacional ou estrangeira.

    Por

    esta via, os modelos doutrinrios, largamente aceitos pela jurisprudncia, so convertidos

    em

    modelos

    jurdicos jurisprudenciais, estes sim

    marcadamente

    prescritivos,

    graas

    ao

    poder constitucionalmente conferido ao juiz 2o, assim dinamizando de maneira exponencial

    (ou, por vezes, cristaJizando), as solues oferecidas pela fonte legislativa, em

    si mesma

    esttica.

    Os modelos

    jurisprudenciais incluem-se entre os

    modelos

    jurdicos ou prescritivos.

    Estes, diz Reale,

    no

    so o mesmo que normas, constituindo suas especificaes, geralmente

    resultando

    de

    uma pluralidade de

    normas

    que, entre si articuladas

    numa

    certa estrutura,

    compem

    uma unidade lgica de sentido

    2

    Se

    determinada estrutura serve de base uma

    srie

    ordenada e

    conjugada

    de

    atos

    tendentes a alcanar

    certos

    objetivos

    visados ,

    tem-se

    um

    modelo, que assim se apresenta

    como

    uma "estrutura paradigmtica" a qual,

    no

    campo das

    cincias sociais,

    notadamente

    no Direito,

    marcada por

    um

    essencial illnamismo, sendo-lhe

    ' 'Afirma HESPANHA que em Portugal "apesar de as Ordenaes conferirem ao direito romano u lugar

    apenas subsidirio no quadro das fontes

    do

    Direito (Ordenaes Filipinas, l l, 64} na prtica

    ele

    era o direito

    principal, sendo mesmo aplicado contra o preceito expresso

    do

    direiro local" (HESPANHA, Antonio Manuel,

    "Panorama da Cultura Jurdica Europia Lisboa, Publicaes Europa-America, 1997, p 67, nota 79, por

    "direito

    romano"

    devendo entender-se fundamentalmente a

    obra

    de

    Acursio

    e Bartolo).

    18

    O paradoxo diminuir se considerarmos que a doutrina brasileira vem recoberta, em larga medida, pela

    tradio praxista, a qual

    pouco

    criativa, pois cingida aos comentrios da prtica forense, caracterizando

    se, por vezes, por uma vocao de retrospectividade mais do 1ue de prospectividade.

    19

    REAL \ Miguel, "Fontes

    e

    Modelos no Direito-

    para um novo paradigma hermenutica ,

    cit., p. 107.

    zn

    Idem,

    ibidem.

    21

    REALE,

    Mit,>ucl,

    "Fontes

    c Modelos

    do

    Direito -para um

    novo

    paradigma hermenutico ,

    cit.,

    pp. 29

    e

    30.

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    7/33

    A Boa-F

    como Modelo

    353

    inerente

    o movimento, a direo no sentido de um

    ou

    mais fins a serem solidariamente

    alcanados ''2

    2

    Um modelo pode, assim, articular normas de hierarquia diversa, compondo,

    numa unidade de sentido, princpios constitucionais, regras nfraconsritucionais e prescries

    que resultam da atividade jurisdicionaL Por isto

    que,

    enquanto

    expressivas de modelos, as

    normas passam

    a ser captadas (...) em sua plenitude s quando o intrprete atende

    dinamicidade que

    lhes

    inerente e

    totalidade

    dos

    fatores que atuam

    em

    sua aplicao ou

    eficcia, ao longo de todo o tempo

    de

    sua vigncia 2

    3

    Bem por isto, no so os modelos estruturas estticas ou fixas, presas ao passado:

    sendo elaborados continuamente tm, a par da vocao retrospectiva (por decorrerem

    das fontes, que so estticas) a vocao prospectiva,

    pois

    se projetam no presente e

    para o futuro, assim agregando a experincia do passado, mas estando abertos para o

    que est por vir, nesta perspectiva possibilitando a soluo de novos problemas ou a

    adequao das solues tradicionais

    s

    novas escalas axiolgicas vigentes

    24

    Ora,

    no

    Direito

    Brasileiro a boa-f objetiva apresentou-se, inicialmente, como

    um modelo

    hermenutico, ou

    doutrinrio,

    na

    acepo

    que

    lhe

    d Miguel Reale,

    podendo

    ser atribuda

    obra

    de Clvis do

    Couto

    e Silva

    25

    ,

    eminente jurista falecido

    em

    1992,

    Professor Titular

    da Faculdade de

    Direito do

    Rio

    Grande do

    Sul, a sua

    '

    REALE, Miguel, "Jurisprudncia e Doutrina", in "Questes de Direito", So Paulo, Sugestes Literrias,

    1981.

    v REALE, Miguel, Fontes

    e

    Modelos ,cit., p

    30

    grifos do autor.

    2

    ' Creio que a percepo de Rea c acerca da prospectividade dos modelos plasma a antecipao, em

    dcadas, do

    pensamento

    CJUC,

    na Europa, viria a ser desenvolvido

    por

    adeptos

    mais recentes da Teoria

    Hermenutica, como Guseppe

    ZACCARIA

    acerca da positivao

    das

    normas

    como um processo

    dinmico

    - e no por acaso

    estruturado numa

    trade - ,

    ou

    por Friederich MLLER sobre a

    normatividade

    como processo

    estruturado , conseqente

    distino

    que

    procede

    entre o texto da

    norma e o seu

    programa como

    "pauta ordenadora" obtida no

    processo

    de interpretao, o sentido e

    o alcance da norma sendo alcanados apenas na

    c o n c r e t i ~ a o

    (para estas referncias vide ZACCARIA,

    Giuseppe, "Sul

    concetto

    di positivit ne diritto ",in Diritto Positivo e Positivit dei Diritto,

    Turim,

    Giappichelli, 1991, e L'Arte de 'interpn.:tazione, Pdua, Ccdrtm,1990 e MLLER, Friedrich, "Discours

    de l Mthode Juridique", P;uis, PUF, 1996, em especial pp. 18G t ss.)

    zs

    Notadamente em "A Obrigao

    como

    Processo", Tese de Ctedra, Porto Alegre, 1964, posteriormente

    publicada (So Paulo, Jos Bushatsy Editor, 1976) e em"(_) Princpio

    da

    Boa-F no Direito Brasileiro c

    Portugus", in "Estudos de Direito Civil Brasileiro e Portugus", So Paulo, Revista dos Tribunais, 1986,

    p 43-72.

  • 7/24/2019 A Boa-F Como Modelo

    8/33

    54

    Judith Martins-Costa

    efetiva conformao como prinpio ativo, capaz

    de

    operar

    verdadeira

    transformao jurdica

    atravs da doutrina e do

    Poder

    ]udicirio

    26

    .

    Conquanto referncia

    boa-f contratual j

    constasse das obras de iguel Maria de Serpa Lopes

    27

    , Orlando Gomes

    18

    e de Alpio

    Silveira

    29

    ,

    as decises que iniciaram a trajetria de seu

    acolhimento como modelo

    jurisprudencial fazem expressas referncias

    obra de Couto

    e Silva e a de autores que divulgou,

    como o portugus Mario Jlio de Almeida Costa,

    30

    os quais deram ao princpio um

    desenvolvimento dogmtico ausente das demais

    obras

    mencionadas, explicitando

    os

    deveres

    de cooperao que,

    na

    relao obrigacional, decorrem da sua incidncia. Como observa

    Couto

    e Silva,

    os autores que escreveram, posteriormente ao brasileiro, no mencionam

    em

    geral a importncia do princpio da

    boaf

    para

    uma

    moderna concepo da relao

    obrigacional, no a definem como

    uma

    complexidade,

    uma

    estrutura ou um sistema de

    processos

    31

    E, confirmando o nosso bartolismo , a

    b o ~ f

    objetiva ingtessa na doutrina

    brasileira pelas mos de Emilio Betti,

    como

    alude

    Couto

    e Silva ao lembrar o

    'magnfico

    curso"proferido pelo extraordinrio jurista italiano

    na

    Faculdade de Direito da Universidade

    Federal

    do Rio Grande do

    Sul, em 1958

    32

    Com

    base

    na

    percepo

    da relao obrigacional

    como um

    processo que

    se

    desenvolve no tempo,

    em sucessivas fases, polarizado pelo adimplemento,

    transps

    Couto

    e Silva

    para

    o direito civil brasileiro a

    concepo

    bettiana da existncia imanente,

    nestas relaes, de deveres de colaborao,

    ora

    secundrios

    ou

    anexos

    obrigao

    principal, ora apresentando-se,

    por

    fora

    da

    boa-f,

    como

    deveres

    autnomos.

    Conjugando

    esta concepes aos aportes da

    doutrina

    e da jurisprudncia alems, que

    26

    COUTO E SILVA, Clvis, O Princpio da BoaF no Direito Brasileiro e Portugus", cit., p. 43.

    z

    7

    SERPA LOPES, Miguel Maria. "Curso de Direito Civil", Rio de Janeiro, Freitas Bastos, 1' edio, 1957.

    28

    GOMES, Orlando, "Transformaes Gerais do Direito das Obrigaes", So Paulo, Revista dos Tribunais,

    1' edio de 1967.

    29

    SILVEIRA, A pio, A BoaF no Cdigo Civil", Tomos I e II, So Paulo, Editora Universitria de

    Direito, 1973. Este, autor de um amplo estudo gue procura distinguir entre a "boa-f crena" e a 'boa-f

    lealdade", mesmo assim atribui,

    segunda, o carter de um estado subjetivado, como se observa pelos

    grupos de casos que analisa no 2 volume de sua obra.

    J

    ALMEIDA COSTA, Mario Jlio, Direito das

    Obrigaes ,

    Almendina, Coimbra, ora na

    8

    edio

    (2000), e cuja primeira edio

    de 1968.

    3

    COUTO

    E SILVA, Clvis,

    O

    Princpio da Boa-F no Direito Brasileiro e Portugus", cit.,

    p.

    58.

    12

    COUTO

    E SILVA, Clvis,

    O

    Princpio da Boa-F no Direito Brasileiro e Portugus", cit., p. 43, nota 1.

  • 7/24/2019 A Boa-F Como Modelo

    9/33

    A

    Boa-F como

    Modelo

    355

    deram

    um

    notvel desenvolvimento

    norma

    do pargrafo 242

    do

    BGB, atribuiu Couto e

    Silva,

    boa-f objetiva, o papel de fonte autnoma

    de

    direitos e obrigaes, por cuja incidncia

    transforma-se a relao obrigacional manifestando-se

    no

    vnculo dialtico e polmico,

    estabelecido entre devedor e credor, elementos cooperativos necessrios ao correto

    adimplemento

    33

    Enfatizou

    Couto e Silva que o fato de o Cdigo Civil no contemplar de forma

    expressa o princpio constatao que decorreria de uma interpretao meramente

    gramatical , consagradora de um absurdoJ

    4

    -

    no

    poderia

    levar concluso de que o

    mesmo no integra o ordenamento.

    Quando num

    cdigo

    no

    se

    abre

    espao

    para um princpio

    fundamental,

    como se

    fez

    com

    o

    princpio d boa f, para

    que

    seja enunciado com

    a

    extensW que se

    pretende

    afirmou,

    ororre

    aindaassim

    a

    suaaplim{iJporser

    o

    multado de

    nemsid des

    ticasessenciais

    que

    se

    impem ainda quando falte

    disposio

    legislativa expressa ,

    reconhecendo, porm, que,

    neste

    caso,

    percepo ou captao desua apliro torna-se

    muito

    dif:il, por o existir uma lei de

    referncia

    a

    quepossam

    os

    juzes

    relacionar

    a

    sua

    deciso''_

    Estas dificuldades foram

    e

    continuam

    a

    ser sentidas. No entanto,

    progressivamente, a partir da dcada de 80, parte da jurisprudncia passa a

    acolher

    esta doutrina, concretizando o princpio e formando, em pequenos

    passos, a sua dogmtica.

    A

    jurisdio, acentua Reale, antes de mais nada, um poder

    constitucional de explicitar normas jurdicas, e,

    entre

    elas, modelos jurdicos

    36

    Este poder, embora

    desenvolvido

    normalmente na realizao das normas legais

    adequadamente

    aos casos concretos

    37

    tambm

    se

    apresenta,

    excepcionalmente,

    como poder de

    editar

    criadoramente regras

    de

    direito,

    em

    havendo lacuna no

    ordenamento

    38

    A inexistncia de expressa

    previso no

    Cdigo Civil ao princpio da

    boa

    f passou

    a exprimir

    lacuna,

    angustiosamente sentida quando

    os tradicionais

    princpios

    de Direito das

    Obrigaes

    - o da autonomia privada,

    expresso

    na

    auto-vinculao,

    e o da responsabilidade por

    culpa

    -

    comearam

    a se

    mostrar

    mais que nunca insuficientes para uma justa soluo de casos resultantes,

    por

    exemplo,

    33

    COUTO E SILVA, Clvis, O Princpio da Boa-F no Direito Brasileiro e Portugus , cit.,

    p. 47

    .

    .1 As expresses grifadas esto em COUTO E SILVA, Clvis,

    O

    Princpio da Boa-F no Direito

    Brasileiro e Portugus , cit.,

    p

    61.

    1

    COUTO E SILVA, Clvis, O Princpio da Boa-F no Direito Brasileiro e Portugus , cit., p p.

    61

    e 62.

    36

    REALE, Miguel, Fontes e Modelos do Direito , dt. ,

    p.

    69.

    37

    Idem,

    p.

    70.

    Idem, ibidem.

  • 7/24/2019 A Boa-F Como Modelo

    10/33

  • 7/24/2019 A Boa-F Como Modelo

    11/33

    A Boa F

    como

    Modelo

    357

    incidindo em relao a ambos os participantes da relao obrigacional

    45

    O efetivo desenho destas hipteses deve ser recortado da jurisprudncia que vem

    empregando o mtodo de raciocnio tpico para modelar "grupos de casos tpicos" de

    violao

    do

    dever de agir segundo a boa-f,

    em

    construo ainda no-sistemtica, das

    hipteses

    46

    ,

    porm

    indicativa das figuras componentes de

    um

    possvel cdigo discursivo da

    boa-f

    em

    efetivo uso em alguns Tribunais brasileiros.

    A fim de sistematizar estes casos,

    proponho

    agrup-los

    em

    trs setores, o primeiro

    deles atinente ao que chamarei de "funo de otimizao

    do

    comportamento contratual" , o

    segundo relativo

    "funo de reequilbrio" do contrato e o terceiro correspondente

    "funo

    de limite" no exerccio de direitos subjetivos, recolhendo casos que dizem respeito s relaes

    privadas de direito comum, de direito do consumidor e de direito administrativo, campo de

    tambm especial relevncia na atuao da boa-f objetiva.

    A)

    A BOA-F E A FUNO

    DE OTIMIZAO

    DO

    COMPORTAMENTO

    CONTRATUAL

    A

    funo

    otimizadora

    do

    comportamento

    contratual

    obtida por

    dois

    modos

    diversos:

    de um lado,

    pela

    imposio de deveres de

    cooperao

    e de

    proteo dos recprocos interesses, deveres inst rumentais de conduta, pois visam o

    exato processamento

    da relao obrigacional, a

    satisfao dos interesses

    globais

    envolvidos, auxiliando na realizao positiva

    do

    fim contratual e

    na

    proteo pessoa

    e aos

    bens da

    contrapart'.

    De

    outro,

    pela utilizao

    do

    princpio

    da

    boa-f

    como

    cnone de

    interpretao e integrao

    do contrato consoante

    funo econmico

    social

    que concretamente

    chamado a realizar.

    45

    Para a explicitao deste tema, ver o meu A o a ~

    F

    no Direito Privado", cit., em especial pp. 437 e ss.

    46

    :. natural a formao tpica ou casustica quando se

    trata de

    dar concreo aos modelos jurdicos

    semanticamente

    abertos, como o de

    boa-f,

    ocorrendo a ressistematizao das decises mediante a

    formao de grupos de casos tpicos conforme o interesse concretamente lesado e consoante a

    identidade ou a similitude da ratio decidendi, em torno destes construindo a jurisprudncia certos

    tpicos ou parmetros que possam atuar, pela pesquisa do precedente, como amarras excessiva flutuao

    do entendimento jurisprudenciaL Facilitada, assim,

    estar

    a

    pesquisa

    do precedente e a elaborao,

    progressiva e aberta de tpicos, nos sentido viehweguiano, obtendo-se, pouco a pouco, a ressistematizao

    das fattispecies j previstas e permitindo"se a incorporao

    de

    novas hipteses sem que fosse necessrio

    recorrer punctua interveno do legislador. (Para o exame das funes e modos

    de

    operar as

    d ~ u s u l s

    gerais, o meu

    r\

    Boa F no Direito Privado",

    cit.,

    330 a 377).

    4

    ., Sobre

    os

    deveres instrumentais vide o meu

    A

    Boa-F no Direito Privado", cit., p. 440.

  • 7/24/2019 A Boa-F Como Modelo

    12/33

    358

    Judith Martins-Costa

    O mais imediato dever decorrente

    da

    boa-f

    o dever de lealdade com a contraparte.

    J decicu a jurisprudncia

    48

    ferir a boa-f objetiva o comportamento

    de

    cliente de banco,

    titular

    de conta-corrente

    que, depois

    de

    sucessivos saques, a limite coberto ou no, alega a

    inexistncia de dbito, Assim

    tambm

    detectou-se a quebra

    do

    dever de lealdade de contratante

    de

    seguro privado de sade que no preenchera,

    com

    lealdade e honestidade, o questionrio

    sobre

    doenas pr-existentes, que lhe fora fornecido pela seguradora no perodo antecedente

    concluso do negcio jurdico, estando ciente da existncia de molstia

    49

    A atuao contratual dos profissionais liberais, como a

    dos

    mdicos e dos advogados,

    caracteriza relao fiduciria, na qual os deveres de agir segundo a boa-f no so anexos ,

    mas absolutamente nucleares, a fidcia integrando o

    contedo do prprio

    dever principal.

    Por isto,

    j

    decicu o Judicirio que

    o

    advogado que recomenda providncia judicial onerosa

    ara o cliente e benfica a ele, estipulando-a no contrato de honorrios, age com deslealdade,

    violando o princpio

    da

    boaf contratual ,

    o que, na espcie, conduziu

    nulidade

    do

    ajuste

    50

    A

    lealdade marca

    tambm as

    relaes de Direito Administrativo. Em

    paradigmtica deciso, o

    Superior Tribunal

    de

    Justia assentou que o

    compromisso pblico assumido pelo Ministro da Fazenda, atravs de Memorando

    de Entendimento para suspenso da execuo judicial de dvida bancria de

    devedor que se apresentasse para acerto de contas, gera no

    muturio

    a justa

    expectativa de que essa suspenso ocorrer, preenchida a condio .

    Da

    decorrer

    o

    direito do particular

    de

    obter a suspenso fundado no princpio da

    boaf

    objetiva, que privilegia o respeito

    lealdade

    5

    A violao da lealdade restou evidente na

    medida

    da

    presuno que

    o

    compromisso

    pblico

    assumido

    pelo

    Governo,

    atravs

    do seu Ministro da Fazenda,

    o condutor da poltica

    financeira do

    pas, e

    com

    a

    assistncia dos

    estabelecimentos de

    crdito diretamente envolvidos,

    tivesse

    sido

    celebrado para ser efetivamente cumprido.

    Por

    isto a invocao,

    no

    aresto,

    do

    princpio

    eral da boa-f que, se vale

    no

    Direito Privado,

    valeainda mais para a administrao pblica

    48

    1JRGS, Ap.

    Ci\

    n 598225720- 17' C. Civ., j 06.4.99, Rei. Demtrio Xavier LOPES

    NETO

    ~ T J R G S

    Ap.

    Cv. n 597019439- 6'

    C. Civ., j

    12.11.97, Antonio Janyr DALL'AGNOLJUNIOR.

    50

    1JRGS,

    Ap. Civ.194.045.472- 9' C. Civ., j.26.4.94,

    Rel.

    Des. Antnio

    Guilherme

    Tanger JARDIM, in

    evista Direito do Consumidor, vol. 14, p, 173.

    11

    REMS n 6183-MG, STJ, 4'T. Rei. Min. Ruy ROSADO

    DE

    AGUIAR, unnime, j 14.12.1995, p. DJ 8.12.95.

    ratava-se de hiptese em Banco do Brasil, que

    entidade bancria oficial, vinculada Administrao

    blica, havia ajuizado processos de execuo de dvida contra clientes inadimplentes. O Ministro da

    Fazenda, autoridade qual, em ltima instncia est a autarquia bancria vinculada, havia firmado Memorando

    de Entendimento no curso de tratativas visando solucionar a questo, JUe atingia um grande nmero de

    devedores, comprometendo-se a suspender temporariamente a execuo se os devedores se apresentassem

    para renegociar o dbito.

    Embora

    o

    compromisso,

    o Banco do Brasil prosseguiu,

    mesmo

    assim, a

    xecuo judicial, negando o carter obrigacional do mencionado Memorando de Entendimento .

  • 7/24/2019 A Boa-F Como Modelo

    13/33

    A

    Boa-F

    como

    Modelo

    359

    e

    para

    a

    direo

    das

    empresas cujo

    capital

    predominantemente pblico,

    nas suas relaes

    com os c i d d o s ~

    sendo

    inconcebvel que um Estado democrco, que aspire a realizar a

    Justia esteja fundado

    no

    prindpio

    de

    que o compromisso pblico assumido

    pelos

    seus

    governantes

    no

    tem valor, no tem significado, no tem eficcia. Especialmente quando

    a Constituio da Repblica consagra o princpio da moralidade administrativa

    52

    Reforando o dever de lealdade nas relaes de direito d m i n i s t r t i v o ~ mas j agora

    o dever de lealdade de servidor para

    com

    a Administrao Pblica- est o caso em que

    mdica, servidora municipal, foi licenciada para tratamento de sade. No perodo da licena,

    porm, passou a atender pacientes em clnica particular, o gue motivou a sua punio

    (suspenso disciplinar).

    Inconformada,

    a mdica ajuizou ao indenizatria

    contra

    a

    Administrao, decidindo o Judicirio pela improcedncia da demanda, face ao dever,

    descumprido pela mdica, de no atender paciente particular,

    ou

    trabalhar

    em

    instituio

    hospitalar particular,

    no

    perodo da licena,

    comprometendo

    a plena recuperao de sua

    sade, objetivo precpuo da licena que lhe havia sido concedida

    3

    Como

    mandamento de cooperao intersubjectiva e de considerao aos interesses

    do

    parceiro contratual a boa-f provoca

    um

    aumento dos deveres, isto , a sua otimizao ,

    como demonstra

    deciso gue imps companhia seguradora o dever de, previamente

    suspenso dos efeitos de contrato de seguro, por inadimplemento

    do

    devedor, notificar o

    segurado, especificando os efeitos do

    no-atendimento

    5

    4

    Este acrdo aponta,

    exemplarmente, concreo que deve presidir a aplicao da boa-f

    como

    mandamento de

    considerao, pois o relativo

    peso

    dos deveres ata-se, de

    modo

    incindivel, natureza

    do

    contrato e s concretas circunstncias

    no

    qual concludo e desenvolvido.

    Dada

    a natureza

    essencial

    do

    seguro-sade, a sua intrnseca importncia relativamente a

    um

    bem fundamental,

    como o a sade, extremada massificao destas prestaes e a gravidade das conseqncias,

    para o segurado, penalizado

    com

    a perda da indeni2ao, foi acrescido o dever de informao

    que, em outras circunstncias, eventualmente no se manifestaria, assim

    demonstrando

    o

    acrdo o trao essencial da circunstancialidade que preside a incidncia da boa-f objetiva.

    No

    mesmo sentido de otimizao do contedo contratual pela imposio de deveres

    de considerao para com o parceiro contratual est acrdo que examinou hiptese de

    inadimplemento contratual, caracterizado pela violao do dever de absteno de condutas

    que

    pudessem prejudicar o co-contratante, afrontados

    que

    foram, pelo contratado, os

    let.,rtimos interesses daquele.

    Na

    hiptese, valendo-se da licena para uso de marca comercial,

    a empresa contratada, a par de no executar corretamente as obrigaes principais decorrentes

    do contrato, passou a veicular, na Internet, propaganda comercial na qual utilizava,

    no

    mundo

    virtual, o

    nome

    de domnio da empresa contratante, assim prejudicando,

    no mundo

    real,

    52

    Conforme os fundamentos da deciso citada.

    5

    l

    TJRGS, Ap.

    Civ.

    n

    596131060,

    3

    C. Civ.

    j.

    26.07.97,

    Rel.

    Des. Moacyr ADIERS.

    54

    TJRGS, Ap.

    Civ. no

    598037257, 5'

    C.

    Civ.

    Rel.

    Des. Carlos Alberto

    BENKE,

    j. 19.03.98.

  • 7/24/2019 A Boa-F Como Modelo

    14/33

    360

    Judith Martins-Costa

    os seus legtimos interesses ccon6micos

    55

    Por isto que,

    tendo

    presente o mandamento de considerao, tem a jurisprudncia

    atentado aos deveres de proteo

    com

    a pessoa e o patrimnio da contrapartc. Acrdo

    exemplar neste sentido encontra-se na jurisprudncia do STJ, pelo qual,

    o estabelecimento

    bancrio que

    pe

    disposio

    dos

    seus

    clientes

    uma

    rea

    para

    estacionamento

    de 'veculos

    assume o dever, derivado

    da

    boaf objetiva, de proteger

    os

    bens e a pessoa do usurio

    Ao

    apreciar a lide, no teve em conta o julgador apenas

    os

    deveres principais, decorrentes

    do contrato bancrio, mas a totalidade dos interesses envolvidos. A proteo dos bens e da

    pessoa

    do

    usurio (consumidor) dos servios bancrios encontra-se finalisticamente vinculada

    relao de consumo dos servios bancrios que liga o Banco e

    os

    usurios dos seus servios.

    No

    estando orientados diretamente ao cumprimento da prestao principal, estes deveres

    esto referidos otimizao da relao obrigacional visualizada complessivamente, isto ,

    satisfao dos interesses globais envolvidos.

    Do mesmo modo,

    em

    ao na qual litigava-se acerca de contrato de participao

    financeira em sociedade por aes, decidiu o Judicirio caber sociedade o dever de

    promover subscrio,

    no

    prazo de

    doze

    (12)

    meses, do

    montante das aes,

    correspondenternentc ao valor patrimonial de cada ao na

    data

    do pagamento

    do

    preo pelo aderente, a ser obtido no balano

    do

    perodo anterior integralizao,

    tudo

    fundado

    no

    prncpo da boa-f objetiva

    57

    O mesmo

    dever

    de proteo conduziu,

    .\O TJRGS, Ap. Civ. n 70001059641, 6 C. Civ., Rd. Dcs. Carlos Alberto Alvaro de OLIVEIRA, j em

    25.04.2001. Na fundamentao do voto do Relator l-se a seguinte passagem: 0 imperativo

    da

    bo j

    exigia da demandada conduta que respeitasse a parceira, no tentando se apropriar, em lance de esperteza, do

    patrimnio desta, iludindo sua confiana e assim tornando invivel a continuao do contrato .

    16

    STJ,

    4 T, ;\gr.

    Reg.

    no Al n

    17.

    901 - 3-

    SP, j

    12/09/04,

    Rei.

    Min. Ruy Rosado de AGUIARJNIOR.

    TJRGS,

    Ap.

    Civ.

    n 70000457093,

    lO

    C. Cv.,

    j

    25.5.00,

    ReL

    Luiz

    \ry

    VESSINI

    DE

    LIMA, a exemplo de

    outras dezenas de acrdos similares.

  • 7/24/2019 A Boa-F Como Modelo

    15/33

    A Boa-F como Modelo

    361

    em

    contrato de consrcio para a alienao de automveis,

    ao

    dever, da empresa, de restituir

    as parcelas pagas

    por

    consorciado desistente, e no contemplado

    com

    o sorteio

    do

    bem

    5

    8

    Os deveres de proteo, diret.m1ente derivados do dever geral de colaborao imanente s

    relaes obrigacionais, podem

    se

    estender s fases pr e ps contratual. Muito embora no exista,

    no

    ordenamento brasileiro, regra similar

    do

    art.

    1337

    do

    Codice

    Civile

    italiano, os juizes

    brasileiros tm iniciado a construo

    destajattispecie

    com base no princpio da boa-f objetiva e

    no

    dever de proteo das legitimas expectativas dos contratantes e dos pr-contratantes.

    Vejamos, em primeiro lugar, as hipteses de responsabilidade pr-contratual

    9

    , seja

    nos casos de recesso injustificado das tratativas

    ~ o s

    quais mxima a tenso entre o

    princpio da boa-f objetiva, de

    um

    lado, e a autonomia privada, de outro- seja na concreo

    de deveres pr-contratuais de proteo, de informao e de sigilo.

    Recente acrdo

    do

    Tribunal de Justia do Rio Grande

    do

    Sul, confirmando

    iterativa

    jurisprudncia

    , considerou caber o pagamento de perdas e danos

    demandante que havia

    tratado a locao de

    imveL

    rompendo o proprietrio do

    m v ~

    injustificadamente,

    as

    negociaes

    e locando-o a

    um

    terceiro.

    Tendo havido tratativas srias

    referentes

    locao de

    imvel,

    rompida pela

    requerida

    sem justificativa, e

    sem

    a

    observncia

    de deveres anexos,

    decorrentes do

    princfpio d boa f objetiva ,

    consignou-se

    no

    aresto, cabe

    indenizao

    Em

    outra hiptese a boa-f foi utilizada para determinar a responsabilidade ps

    contratual62, imputada ao fornecedor de servios, que no sustara a cobrana de ttulo extra

    judicial

    pago pelo

    devedor/consumidor, embora com

    retardo.

    Entendeu-se

    que o

    50

    TJRGS, Ap.

    Civ. na

    70000094433- 14' C. Civ., j 25.11.99, Rei. Aymor Roque POTIES DE MELLO.

    59

    Como aponta MOREIRA ALVI.':S, muito embora no haja no Cdigo Civil regra expressa acerca da

    responsabilidade

    pr>contratual, a

    doutrina

    a aceita,

    sendo dominante o entendimento de que a

    denominada culpa

    in

    contrahendo

    se

    funda

    na inobservncia

    da

    boaf.

    ( A Boa F Objetiva no

    Sistema Contratual Brasileiro ,

    dt.,

    p. 197).

    MJ

    Para

    o

    exame de anteriores

    acrdos

    que

    romperam

    com a tradio dt:

    conectar

    a

    responsabilidade

    pr-contratual

    prova do comportamento culposo veja-se o meu A Boa-F no Direito Privado , cit.,

    pgs. 472 a 514.

    61

    TJRGS, Ap. Civ.

    no

    598209179, 16

    C.

    Cv. J. em 19.08.98, Rel. Des. Helena Cunha

    VIEIRA

    1

    '

    2

    Tambm aqui

    h

    a prvia modelagem pela doutrina. Assim aponta MOREIRA ALVES ( A Boa-F

    Objetiva no Sistema Contratual Brasileiro , cit., p. 200,)

    segundo

    o gual a

    doutrina brasileira,

    apesar do silncio da legislao, reconhece a existncia de condutas a

    ser

    observadas no pen'odo ps

    contratual (post contractum). Para

    os

    que no admitem que, em nosso sistema jurdico vigente, se

    possa

    ter a boaf objetiva, sem textos legislativos expressos, como clusula geral no direito

    das obrigaes

    para justificar a existncia desses deveres secundrios, socorrem-se

    eles

    da teoria do abuso

    de

    direito

    e,

    portanto, segundo a doutrina alem,

    de

    teoria vinculada

    boa

    f

    objetiva ,

    aludindo

    doutrina

    de

    Darci BESSONE acerca

    da interpretao

    dos contratos comerciais.

  • 7/24/2019 A Boa-F Como Modelo

    16/33

    Judith Martins-Costa

    ecedor deveria ter detenninado ao estabelecimento bancrio incumbido da cobrana do

    amento do dbito, para que assim fosse evitado um

    ovo

    e agora injustificado

    do ttulo

    63

    que os deveres de colaborao

    implicam

    em agir positivamente

    que o fim contratual seja alcanado e em no agravar a situao da contraparte.

    Porm,

    conforme

    o caso, o dever de colaborao

    incumbe

    ao

    prprio devedor. Assim

    hiptese

    em

    que o dbito, expresso

    em

    duplicata, foi pago com trs dias de atraso na

    da

    empresa credora. Ocorre que o ttulo de crdito havia sido entregue instituio

    com autorizao para cobrana, o que motivou o protesto. O devedor pleiteou,

    por

    dano moral, o que foi rejeitado.

    Entendeu

    o Tribunal que o autor,

    ciente

    do protesto

    iminente, nada fez para e v i t ~ l o sequer solicitando empresa

    ra que o sustasse, no

    agindo

    com

    a

    preocupao daqueles

    que

    se

    sentem

    atingidos

    em

    dignidade no podendo

    agora

    pretender indenizao por dano m o r a l J ~ J

    .O dever

    foi

    o de colaborar para obstar a prtica do ato,

    o

    que

    poderia

    terfeito em

    decorrncia

    lealdade

    que

    deve presidir

    s

    relaes

    negociais ,

    como expressa

    a fundamentao

    do

    do

    Desembargador Relator que, apelando doutrina de Karl Larenz, determinou que

    ofensa ao princpio da boa-f, estabelecia uma concorrncia de

    modo a diminuir a responsabilidade da instituio bancria pelo indevido protesto

    titulo.

    A proteo da expectativa legitimamente criada pela contraparte de exponencial

    tambm

    no

    Direito Administrativo, pois a conduta da Administrao Pblica,

    princpio constitucional da moralidade pblica

    65

    vem ainda revestida

    presuno

    da

    legalidade

    dos

    atos administrativos.

    Por

    esta

    razo,

    entendimento

    mantido acerca da interpretao da lei s pode

    ser

    subitamente alterado se

    er a proteo das expectativas daqueles que confiaram na prtica por longos anos mantida.

    se decidiu, neste sentido, em sede de Ao Civil Pblica, rejeitar a pretendida anulao de

    ia de professoras, especialistas em educao, na medida em que as requeridas

    pelo cargo de especialista aps longos anos de exerccio

    em sala

    de

    aula, poca em

    e vigorava o entendimento administrativo

    no

    sentido

    de

    o benefcio da

    aposentao

    TJRGS, 1\p. Civ. n 70001037597- 9'

    C. Cv.,

    j 14.6.00,

    Rel.

    Paulo de Tarso Vieira SANSEVERINO, em

    l: ( .. .

    Descumprimento

    do dever de diligncia pela

    fornecedora

    apelam-e, decorrente da

    boa

    objetiva, no

    perodo

    ps-contratual, em face

    da no comprovao das

    medidas necessrias para orecolhimento

    ttulo

    posto em cobrana bancria .

    64TJRGS, Ap. Cv. n 589078542, sa c Civ. j 13.02.90, Rel. Des. Ruy Rosado de

    \

    GUIAR

    JNIOR,

    in

    Constituio Federal, art. 37, caput.

  • 7/24/2019 A Boa-F Como Modelo

    17/33

    A

    Boa-F como Modelo

    363

    abranger quem exercia dito

    cargo , fundando-se a deciso

    nos

    princpios da boa-f objetiva

    e da segurana jurdica

    66

    A proteo da justa expectativa conduz

    adoo

    de

    medidas positivas, razo pela

    qual acrdo do S1J entendeu que,

    ((nas

    circunstncias

    do negcio,

    o

    credor

    tinha odever,

    decorrente

    da

    boaj objetiva,

    de

    adotar medidas oportunas para,

    protegendo

    o

    seu

    crdito,

    impedir a

    alienao dos

    apartamentos a

    terceiros

    adquirentes

    de

    boaj'

    67

    Na

    espcie, v-se

    a conjugao entre, de

    um

    lado, o dever de agir segundo a boa-f objetiva, imposto

    incorporadora-

    esta deveria agir para impedir a alienao dos imveis, no apenas propondo

    a ao de execuo, mas averbando-a no Registro de Imveis e informando a empresa

    financiadora- e, de outro, a boa-f subjetiva,

    ou

    boa-f crena, dos terceiros adquirentes. Fica

    a evidente a distino que h entre agir segundo a boa-f e agir de boa-f.

    Importante

    grupo

    de deveres positivos diz

    com

    a prestao de informaes, de

    aconselhamento, de aviso, assim

    compondo

    os deveres de informao, em sentido amplo e

    de veracidade. Atuando,

    como

    todos os deveres que

    decorrem

    do princpio da boa-f, em

    relao a ambos os participes do vnculo contratual, o dever de informao imposto,

    por

    exemplo, aos segurados que, no contrato de seguro sade,

    no podem

    omitir circunstncia

    relevante. Neste sentido,

    j

    decidiu o Tribunal de Justia do Rio Grande do Sul, fundado no

    princpio da boa-f objetiva, faltar direito a

    segurado

    que omite circunstncia relevante,

    capaz

    de aumentar o risco, quanto o

    mais

    quando demonstrado o liame de

    causalidade

    entre

    aquela

    e o fato que

    se

    pretende

    acobertado

    68

    As companhias seguradoras tm,

    por

    sua vez, o dever de prestar informaes detalhadas acerca do contedo do contrato, no

    momento

    da concluso

    da

    avena

    69

    ,

    cabendo-lhes

    informar

    a parte sobretudo sobre as

    clusulas de excluso do beneffcid

    0

    Do

    mesmo modo o princpio da boa-f foi considerado

    a fonte do dever de sociedade annima de telefonia

    informar

    contraparte o real valor da

    venda de aes

    71

    66

    Comarca de Porto Alegre, 2' Vara da Fazenda Pblica, Ac. Civ. Pub.

    n

    01195487226, Rel. Juiz Clademir

    MISSAGIA,

    j

    07.08.98.

    67 STJ, RESp. n 32890/SP, 4' T j 12/12/94, Rei. Min. Ruy Rosado de AGUIAR JNIOR,

    in

    RSTJ 73/

    227.

    {> i 1JRGS, Ap. Cv. n 59719439, 6

    C.

    Civ., j 12.11.97, Rel. Des. Antnio Janyr DALL'AGNOLL JNIOR.

    1

    '

    9

    1JRGS, Em. Dcc. no 196722656- 6' C. Civ., j 17.4.97, Rel. Roque Miguel FANK.

    7

    nTJRGS, Em. lnf.

    n

    598007607- 3 Grupo de

    C. Civ., j

    03.4.98,

    Rei.

    Antonio Janyr DALL'AGNOL

    JUNIOR.

    71

    TJRGS,

    Ap. Civ.

    n 59907596 - 6'

    C.

    Civ., j 05.4.00,

    ReL

    Joo Pedro FREIRE.

  • 7/24/2019 A Boa-F Como Modelo

    18/33

    364

    Judith Martins-Costa

    Por vezes a boa-f mostra-se a via adequada para a recepo de doutrinas que se

    formam no Direito Comparado, o que mais uma vez confirma o nosso bartolismo .

    Assim ocorreu com a Teoria da Violao Positiva do Contrato (Positive Vertrageverletzung}

    cuja origem,

    nos

    direitos da famlia romano-germnica radica-se nas idias do alemo H.

    Staub,

    em

    1902, constituindo tambm conceito versado

    no

    direito

    do

    common law

    sob a

    denominao de

    anticipated

    breach

    o contract.

    Afirma Couto c Silva que esta recepo haveria de contribuir decisivamente para

    um nova concepo

    da

    relao obrigaciona/

    12

    O incumprimcnto antecipado ocorre

    quando o devedor, em contrato cujo adimplemento sujeito a prazo mais ou menos longo,

    pratica, no transcorrer desse prazo, atos que, por fora da natureza da prestao ou da lei,

    tornam impossvel o futuro cumprimento. Alguns doutrinadores, notadamente os discpulos

    de Couto e Silva

    73

    , passaram a examinar a aplicabilidade desta concepo ao direito brasileiro

    utilizando, para

    t l

    fim, regras legisladas acerca da impossibilidade e da mora, interpretadas

    segundo o princpio da boa-f, para entender que

    alm

    da

    impossibilidade, o incumprimento

    antecipado

    pode resultarda conduta contrria

    do devedor,

    por ao(..)

    ou

    omisso(..)

    ou

    a

    declarao

    do

    devedor

    expressa no sentido

    de

    que

    no

    ir cumprir a

    prestao w

    4

    ,

    podendo

    tambm resultar do chamado comportamento concludente .

    De

    modelo doutrinrio logo migrou o Inadimplemento Antecipado

    para

    a

    modelagem jurisdicional, entendendo-se caracterizado, por exemplo, o dever do

    construtor

    de construir,

    em

    tempo hbil, a prometida obra industrial em terreno que havia sido adquirido

    por

    preo subsidiado, o qual, descumprido, deu ensejo ao

    provimento

    da demanda

    resolutria

    75

    A funo otimizadora do contedo contratual tambm opera por via da interpretao

    e integrao de lacunas do contrato. Por evidente, a invocao da boa-f deve ser congruente aos

    72

    COUTO E SILVA, Clvis, () Princpio

    da

    B o : d ~ no Direito Brasileiro c Portugus , citado, p. 47.

    73

    Assim FRADERA, Vera Maria ,

    A

    Quebra Positiva do Contrato , Revista Ajuris,

    v

    44, Porto Alegre,

    1988, p. 144-152, AGUIAR JR, Ruy Rosado, Extino dos

    Contratos por

    Incumprmcnto do

    Devedor

    (Resoluo) , Rio de Janeiro, Aide, 1991, p. 126 ss FERREIRA

    DA

    S l l ~ V A J o r g e Cesa, ''A Boa-F e a

    Violao Positiva do Contrato , Porto Alegre, 1999, no prelo.

    -,AGUIAR

    JR., Ruy Rosado, Extino dos Contratos por Incumprimento do Devedor , cit., p. 127.

    70

    TJRGS,

    Ap. Civ.

    n 596251181

    l ' C. Civ.,

    j

    18.3.98, Rei. Armnio Jos

    ABREU

    LIMA DA ROSA.

    Em

    sentido similar, TJRGS, Ap.

    Civ.

    n

    59671530-

    s

    C.

    Civ., j 23.5.96, Rd. Paulo Augusto

    MONTE

    LOPES.

  • 7/24/2019 A Boa-F Como Modelo

    19/33

    A

    BoaF como Modelo

    365

    fatos considerados e

    s

    demais normas do sistema, tendo-se em conta, notadamente, o

    programa contratual considerado concretamente, pois, se assim no ocorrer, corre-se o risco,

    no descurvel, de a boa-f servir de anteparo ao

    partipris

    do julgador.

    Deciso em que tal no ocorreu, caracterizando, a

    meu

    juzo, o emprego adequado

    do

    princpio, exemplificado

    por

    acrdo do Tribunal de Justia

    do

    Rio Grande

    do

    SuF

    6

    em

    matria de contra to de seguro automobilstico que previa a responsabilidade da seguradora,

    em caso de infortnio, para danos pessoais . Recusando-se a empresa a pagar indenizao

    por danos extrapatrimoniais, por entender que a expresso

    'danos

    pessoais indicava to s

    os danos corporais , assentou o julgador o primeiro elemento contextual, qual seja, a

    incindibilidade da

    indenizao da

    dor causada pelo

    dano corporal

    ou pessoa. da

    do dano

    moral

    ou psicolgico,

    forte

    na

    bioestrutura de

    ser

    humano, corporal e psicologicamente

    indissolvel.

    A diviso existente

    corpo

    epsiqu ,por evidente, tem o im

    apenas

    pedaggico,

    para poder melhor estudar a

    pessoa

    humana e

    no

    como pretende a

    seguradora".

    Em seguida, recorreu o magistrado ao princpio da boa-f objetiva, estatuindo que,

    na dvida quanto ao significado de clusula predisposta por uma das partes, "a interpretao

    deve

    ser

    no sentido menos favorvel a quem a redigiu ,

    assim reenviando ao princpio da

    interpretatio contra preferentem,

    ou ainda a regra

    in dubio contra stipulatorem,

    que,

    assinalou,

    especialmente importante

    hoje

    em dia, devido

    difuso dos contratos

    padronizados ede

    adeso".

    No ir e vir' entre o texto e o contexto, no esqueceu o julgador da funo econmica

    do contrato. Afirmando constituir este

    nada mais

    que o

    revestimento juddico

    de

    uma

    operao

    econmica"

    entendeu de

    "sopesar,

    na

    anlise

    de

    contrato, a

    satisfao

    da

    necessidade,

    a

    obteno

    do

    bem que levou

    as partes

    a contratarem, e a funo econmica que o

    pacto

    exerce

    na

    vida

    de relao". Realizada a ponderao entre todos os elementos, de fato e de

    direito, enfim decidiu:

    E a escolha

    dever ser

    feita

    de

    modo a

    assegurar prevalea o interesse

    que se apresenta

    mais vantajoso

    em termos de custo social': o qual, no contexto do programa

    contratual considerado, apontava diviso dos prejuzos.

    Tambm

    considerando a prpria

    consecuo

    da finalidade do contrato , o que

    djzcr, a sua objetiva causa, h deciso em matria de contrato de seguro-sade cuja clusula de

    vigncia

    temporria

    foi tida como abusiva, por impeditiva

    do

    alcance daquela concreta

    finalidade

    77

    A interpretao do contrato,

    com

    o consegente afastamento da clusula abusiva,

    ocorreu complessivamente, fazendo o relator apelo doutrina de Cludia Lima Marques

    78

    que examinou a boa-f no mbito das relaes de consumo.

    "'GTJRGS,

    EI n 1%032114,4 Grupo de C. Cveis,

    Re .

    Des. Roberto I:.xpedito da CUNH;\ MADRID,

    j em

    17.

    3.

    97.

    'TJRGS, Ap. Civ. n 596230888,

    5"

    C. Cv., ReL

    Deo.

    Luiz Felipe BRASIL SANTOS, j

    em

    5.6.97.

  • 7/24/2019 A Boa-F Como Modelo

    20/33

    366

    Judith Martins,Costa

    Para alm destas hipteses - aqui lembradas a titulo exemplificativo - outras se

    verificam para promover o concreto reequilbrio das prestaes contratuais ameaado seja

    pela

    inexistncia de sinalagma gentico, seja pela

    quebra

    do sinalagma funcional, seja ainda,

    notadamente no mbito das relaes de consumo, pela insero de clusulas abusivas.

    B)

    A BOA-F E O EQUILBRIO CONTRATUAL

    O relativo equilbrio entre prestao

    e

    contraprestao que deve presidir os contratos

    bilaterais e sinalagmticos quebrado

    ou

    pela leso

    ou

    pela excessiva onerosidade.

    Ambas

    hipteses

    hoje em

    dia tm especfica previso legal no

    mbito

    das relaes jurdicas de

    conswno

    e no Cdigo Civil projetado. Porm, no

    campo

    do direito comum

    por

    vezes a

    boa-f

    chamada

    para ensejar a reviso das prestaes

    79

    lesionrias

    ou

    excessivamente

    onerosas

    80

    ,

    muito

    embora nem

    sempre

    os

    juzes realizem o

    correto

    discrime entre ambas.

    O instituto da leso, conquanto previsto nas

    Ordenaes Filipinas (Livro IV, Titulo

    XIII) do Reino portugus, constituindo, pois, figura antiqussima no direito luso-brasileiro,

    inclusive regulado

    por

    Teixeira de Freitas na Consol idao das Leis Civis (art. 359), estava

    ausente de nossa legislao desde 1916

    81

    ,

    tendo sido reincorporado no domnio das relaes

    de consumo

    pelo Cdigo de Defesa do

    Consumidor,

    de 1990S

    2

    Manteve-se a a nossa

    tradio de considerar a leso

    (laesio

    enorme, e enormissima defeito objetivo, diferentemente

    dos sistemas de raiz francesa. Tambm o Projeto de Cdigo Civil a prev, no art. 157.

    Segundo Moreira Alves,

    no

    concernente

    leso o

    Projeto

    se afastou

    tambm do

    sistema alemo e do italiano - e, portanto, do adotado pelo Cdigo Civil portugus de

    78

    MARQUES, Cludia Lima, Contratos no Cdigo

    de

    Defesa do Consumidor , So Paulo, Revista dos

    Tribunais,

    3

    edio, 1999.

    ~ T J R G S Ap.

    Ch n 196105167, 6 C. Cv.

    j

    em 8.8.96, Rei. Des. Armnio Jos ABREU LIMA

    DA

    ROSA,

    e assim ementada:

    "Contrato

    de

    financiamento.

    Excessiva

    Onerosidade.

    Embora

    no se aplique,

    diretamente,

    aos contratos bancrios, o CDC pode

    ser objeto

    de utilizao

    analgica

    quando manifesta a

    excessividade

    de

    interesses

    remuneratrios

    do capital. Caso

    em que,

    de resto, caberia recorrer

    a princpios

    gerais de

    Direito e

    evitar Locupletamento indevido de

    uma

    das

    partes.

    Mantena da TR,

    juros

    moratrios de

    1%

    ao

    ms

    e multa.

    Apelo provido

    em partr '.

    80

    No tocante reviso por quebra

    Ja

    base negociai objetiva o leading case foi a Ap. Civ. n 5880591113,

    T J R ~ 3

    C. Cv.,

    j

    6.12.88,

    Rel. Des. Ruy

    Rosado DE

    AGUIARJR.

    Bl Na dcada de 50 a leso foi recebida no Direito penal atravs da

    figura

    da usura, prevista na

    Lei

    n1521,

    de

    26/12/51, art.4 .

    82

    Cdigo

    de

    Defesa do Consumidor, Lei n8.078,

    de

    11

    de setembro

    de

    1990, art.6, inciso

    V,

    primeira

    parte.

  • 7/24/2019 A Boa-F Como Modelo

    21/33

    A

    Boa-F como Modelo

    367

    967 no

    se preocupando em punir a atitude maliciosa

    do

    favorecido, mas em tutelar o

    lesado. Assim sendo, a leso ocorre

    quando uma

    pessoa,

    sob premente necessidade, ou por

    inexperincia, se obriga a

    prestao

    manifestamente desproporcional ao valor da

    prestao

    oposta ,

    admitindo a

    lei

    a suplementao da contraprestao,

    ou

    a reduo

    do

    proveito, para

    afastar

    a

    conseqncia

    anulatria

    83

    .

    A leso

    introduzida

    pelo

    Projeto

    um

    defeito

    que

    se instala

    no momento

    da concluso

    do

    negcio, impedindo a formao

    do

    sinalagma gentico, razo pela qual, no

    meu

    entender, pressupe contrato bilateral e

    comutativo,

    m e n s u r a n d o ~ s e

    o desequilbrio tendo-se

    em

    conta o contrato

    como

    uma

    totalidade, isto , no devem ser consideradas apenas

    as

    prestaes principais.

    Para alm da leso, o Cdigo de Defesa

    do Consumidor

    e o projetado Cdigo Civil

    tambm permitem

    ao juiz revisar o contrato quando fatos supervenientes

    sua concluso

    tornarem excessivamente onerosa a prestao, embora o faam

    por

    modos distintos, exigindo

    distintos pressupostos.

    O Cdigo

    do

    Conswnidor no exige que a desproporo tenha por causa acontecimentos

    extraordinrios

    ou

    imprevisveis, razo pela qual, conquanto a referncia, na lei,

    excessiva

    onerosidad

    4

    ,

    mais proximamente se trata da adoo da Teoria da Base Objetiva

    do

    Negcio.

    Nesta imediata a correlao entre a reviso

    do

    contrato e o princpio da boa-f, o que, de resto,

    vem

    do

    Direito alemo, como relata a t t e n h a u e ~ ao comentar a pioneira sentena de

    28

    de

    novembro de 1923

    do

    Tribunal Supremo

    86

    Igualmente Clvis do Couto e Silva estabelecera

    83

    Assim pronunciou-se

    MOREIRA

    ALVES ao dar parecer sobre a emenda supressva do Senador

    Gabriel Hermes:

    A

    leso ocorre quando h

    a

    usura real. No h, na leso, ao contrrio

    do

    que ocorre com

    o estado

    de

    perigo,

    que

    vicie a

    simples oferta.

    Ademais,

    na leso no

    preciso

    que

    a outra

    parte

    saiba

    da

    necessidade ou da inexperincia:

    a

    leso

    objetiva. j no

    estado

    de perigo

    preciso que

    a

    parte beneficiada

    saiba

    que

    a obrigao foi

    assumida

    pela

    parte contrria para

    que

    esta

    se

    salve

    de

    grave dano {levando-se

    em

    conta,

    pois, elemento subjetivo }.In

    O

    Projeto de Cdigo Civil no Senado , Tomo Il, Braslia, Senado Federal,

    1998, p. 015.

    CDC( Lei n 8.078/90, art. 6, inciso V primeira parte.

    8

    ;;

    HATTENHAUl::R, Hans, Conceptos Fundamentaks dd Derecho Civil , trad. espanhola, Ed. Ariel,

    Barcelona, 1987, p. 90.

    8

    RGZ, 107, 78, 87 e ss, apud HATIENHAUER, op., e p., acima referidas. Por esta deciso precisou-se que

    no

    era somente o devedor, mas ambos os partcipes da relao contratual gue deveriam

    suportar,

    conjuntamente, os prejuzos da inflao, fundando-se o decidido justamente na clusula geral da boa-f

    objetiva inscrita no pargrafo 242 do Cdigo Civil. Estabelecido que a adstrio ao pactuado

    (pacta

    sunt

    servanda)

    devia amoldar-se

    b o a ~ f

    e aos costumes do

    trfego

    juridico,

    reformulou-se,

    no direito

    alemiio, a

    teoria

    da

    base

    do negcio

    e o

    antigo princpio

    da

    equivalncia,

    com

    o

    gue, afirma

    HATTENHAUER,

    a

    teoria das relaes obrigacionais abriu-se

    para

    novos caminhos .

  • 7/24/2019 A Boa-F Como Modelo

    22/33

    368

    Judith

    Martins-Costa

    esta correlao

    87

    , acolhida pela jurisprudncia brasileira

    88

    . J o Projeto de Cdigo Civil,

    no

    art. 478 prev a resoluo por excessiva onerosidade nos moldes como este instituto

    previsto em sua matriz italiana, podendo, na forma do art. 480, caber a reviso para evitar a

    excessiva onerosidade. Se, contudo, a reviso conduzir a que o contrato perca o seu sentido

    original como regramento objetivo de interesses dotado de determinada funo c o n m i c o ~

    social, a sim caber o remdili) extremo da resoluo.

    No vigorando ainda o novo Cdigo, a jurisprudncia faz apelo

    boa-f

    objetiva. O

    Tribunal de Justia do Rio

    Grande

    do

    Sul

    decidiu revisar

    contrato com

    fundamento no

    princpio da boa-f, entendendo cabvel a ao revisional de contrato de locao, por excesso

    de onerosidade, uma vez que indexao do valor locatcio fora pactuada pela variao do

    dlar americano, que sofrera sbita valorizao em face do

    real.

    Neste caso, embora inaplicvel

    o Cdigo de Defesa do Consumidor, pois no configurada a relao de consumo, caberia,

    diante

    das

    peculiaridades

    da situao

    econmica vigente

    aps

    a

    edio

    do

    Plano

    Real,

    em

    que

    os

    ndices inflacionrios tem

    sido

    insignificantes(. .

    )

    a anlise

    de

    cada

    caso

    a fim

    de

    se

    verificar a possibilidade ou no de reviso

    dos

    contratos pretendidos revisar . Na espcie,

    considerando a indexao dos encargos contratados pela variao do dlar americano e a

    elevao sbita deste, pareceu ao Judicirio

    perfeitamente possvel a

    reviso do

    contrato

    pelas partes, com base na boaf objetiva

    89

    .

    o mesmo princpio,

    por

    igual, que est no substrato das regras do Cdigo de

    Defesa

    do

    Consumidor

    que preceituam

    a nulidade

    de

    clusulas abusivas,

    que

    desequilibrem o contrato e que sejam inquas, atentatrias

    boa-f e

    eguidade

    90

    Entre outros inmeros

    casos

    que

    poderiam

    ser aqui

    lembrados est

    a deciso

    que

    cominou

    de nulidade,

    por

    abusividade, j que atentatria boa-f objetiva, clusula

    de

    contrato

    de seguro que estabelece, como parmetro

    indenizao, o preo de

    mercado

    do bem,

    determinando

    devesse o mesmo ter em

    conta

    o valor indicado na

    aplice de seguro

    91

    .

    Por fim, o

    modelo

    jurisprudencial da boa-f

    no

    Direito Brasileiro tem sido

    ainda

    composto por

    hipteses em que a boa-f

    opera

    negativamente, impedindo

    ou

    sancionando condutas contraditrias e

    vedando

    o exerccio

    de

    direitos subjetivos

    ou

    de

    ireitos potestativos.

    COUTO

    E SILVA, Clvis, Teoria da Base do Negcio , So Paulo, RT v 655, 1990.

    Exemplificatwamente, A

    c.

    'IJRGS, Ap.

    Civ.

    na 588059113, 5'

    C.

    Civ. Rei. Des. Ruy Rosado de AGUIAR

    j em 6.12.88.

    T J R G S

    Ap.

    Civ.

    n 70000078626, 15'

    C.

    C i \ ~ Rd. Des. Ricardo RAUPP RUSCHEL, j em 22.3.2000.

    CDC, art. 51, pargrafo

    4.

    1

    TJRGS,

    Ap.

    Civ.

    n 599443694

    1' C.

    de Frias

    Civ. j

    21.10.99,

    Rel.

    Paulo

    de

    Tarso Vieira SANSEVERINO,

    a exemplo de outros acrdos.

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    23/33

  • 7/24/2019 A Boa-F Como Modelo

    24/33

    370

    Judith

    Martins-Costa

    pretenso de quem reclama algo em aberta contradio com o que havia anteriormente

    aceitado, corno explica o tambm argentino Moisset de Espans

    97

    Este breve delineamento conceitual explica a razo pelo qual o venire tem tido

    progressiva aceitao nos Tribunais.

    Em

    matria de contrato de seguro,

    j

    decidiu o Superior

    Tribunal de Justia que a

    b o ~

    f

    veda o

    comportamento contraditrio

    inclusive na fase

    processual,

    por

    forma a incidir na fixao do dies aquo para o

    clculo

    da prescrio extintiva,

    pois se a recusa da seguradora a aceitar os dados de que

    dispunha em

    seu departamento

    mclico como suficientes para caracterizar a incapacidade coberta pelo seguro, e a no-aceitao

    do

    laudo apresentado pelo segurado ao propor a ao

    conduziu

    realizao de

    perida

    em

    juzo, no poderia ensejar a invocao daquelas datas dos laudos no-aceitos para a fluncia

    do

    prazo prescricional, estatuindo a deciso:

    a

    boa

    f objetiva que tambm

    est

    presente

    no

    rocesso, no

    permite que uma partealegue

    contra

    a outra um fato que ela

    no

    aceita epara

    o qual

    exige

    prova judicializada l i l .

    Tambm

    pela invocao ao

    venire

    a Administrao Pblica viu limitada a pretenso

    de exigir a devoluo de vencimentos pagos a servidor durante o

    perodo

    de concesso de

    licena remunerada, a qual, constatou-se posteriormente, havia sido equivocadamente

    concedida

    99

    , em outra hiptese sendo a boa-f foi o limite que impediu a reviso de contrato

    que j fora alvo de transao, em anterior oportundade

    w.

    Pela mesma via da boa-f objetiva tm a jurisprudncia brasileira acolhido tambm o

    conceito de Adimplemento Substancial, oriundo do direito do common law pelo qual

    limita-se

    ou

    se impede o exerccio do poder formativo (potestativo) de resoluo contratual

    nos casos em

    que

    a

    prestao contratual, embora no

    totalmente

    cumprida,

    foi

    substancialmente adimplida .

    O adimplemento substancial significa, segundo o magistrio de Clvis do Couto e

    Silva, o cumprimento prximo do resultado final, que exclui o direito de resoluo, facultando

    apenas o pedido de adimplemento e de perdas e danosw

    1

    Fazendo expressa remisso a esta

    7

    MOISSET

    DE

    ESPANS,

    Luh,

    ''La Teoria

    de

    los

    Propios

    Actos

    y

    la

    Doctrina y

    la Jurisprudencia

    acionales ,

    apud

    BORDA, op. cit., p 26.

    98 STJ, REsp

    n

    18.4573/SP, ST.J, 4' T. Rei. Min. Ruy Rosado de AGUIAR .JNIOR, DJ. 15.03.99. p. 241.

    ambm no STJ, e fundado na mxima do

    venire

    o RESP 95535/SP, DJ 1 4.10.96, p. 39015.

    wTJRGS, Ap.

    Civ. n 597200237

    3> C. Civ.,

    j.04.6.98, Rel. Percano

    CASTILHO$

    BERTOLUCI.

    100

    TJRGS,

    Ap.

    Cv. n 598474237 20 C. Civ., j.15.2.00, Rel.Jos Aquino FLORES

    DE

    CAMARGO.

    101

    COUTO

    E

    SILV1\,

    Clvis,

    O Princpio

    da

    Boa-F no

    Dirtito

    Brasileiro

    e

    Portugus ,

    cit.,

    p. 56

    e

    57.

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    25/33

  • 7/24/2019 A Boa-F Como Modelo

    26/33

    372

    Judith M a r t i n s ~ o s t a

    utilizado, outra figura, a surrectio aponta ao nascimento de um direito como efeito, no

    tempo, da confiana legitimamente despertada na contraparte por determinada ao ou

    comportamento. Assim ocorreu ao examinar-se lide decorrente de contrato de locao

    107

    que

    previa a resilio unilateral,

    mediante

    prvio aviso

    de

    sessenta (60) dias contraparte, por

    carta

    protocolada que expressasse o poder extintivo da denncia contratual, contemplando,

    outrossim, a possibilidade de renovao do contrato, desde que,

    por

    meio de carta

    protocolada, a parte interessada assim expressasse vontade com antecedncia mnima de

    sessenta

    (60)

    dias.

    Por

    um perodo superior a doze

    (12)

    anos,

    as

    partes vinham prorrogando

    a avena, sempre mediante o recurso

    formalidade do envio de cartas.

    Em

    certa ocasio,

    contudo, em resposta ao pedido de prorrogao, feita pelo locatrio, respondeu a locadora

    que no pretendia renov-lo. O debate centrou-se na argumentao,

    do

    lado locatrio, do

    "direito

    autornaticidade" da prorrogao, de outro,

    por

    parte da locadora, da legitimidade

    de sua pretenso a resilir a avena.

    deciso, embora considerando caber razo

    locadora,

    no

    sentido da inocorrncia

    de uma automaticidade da prorrogao contratual, uma vez terem as partes sempre

    observado o requisito da forma contratualmente prevista, entendeu, porm, obstado o

    poder

    formativo extintivo de resilio (denncia contratual), apontando, consequentemente,

    ao nascimento

    do

    direito prorrogao pelo fato de, no perodo imediatamente anterior ao

    dies ad quem

    do prazo

    contratual, ter a locadora imposto, ao locatrio, a realizao de

    despesas com reformas no prdio, levando-o a acredar que no romperia, inopinadamente,

    uma tradio de

    doze

    (12) anos no sentido da continuidade da relao contratual. Nos

    fundamentos do

    acrdo est o princpio da boa-f objetiva, como proteo confiana

    traida.

    Estes exemplos so suficientes, no meu entender, para

    demonstrar

    como vem a

    jurisprudncia brasileira construindo a normatividade do princpio da boa-f objetiva como

    norma rei tora da proteo da confiana, da colaborao c da considerao com os interesses

    alheios que presidem a relao obrigacional. Neste modelo em plena construo necessrio,

    no entanto, atentar para trs pontos importantes.

    O primeiro est em que o princpio da

    o a ~ f

    objetiva a via para a concretizao, no

    domnio das relaes obrigacionais, notadamente as contratuais, dos deveres que defluem

    da diretriz constitucional da solidariedade sodaP

    08

    A

    doutrina

    e jurisprudncia italianas

    tm, neste aspecto, uma lio a ensinar, na medida em reconduzem os deveres de agir

    1

    mTJRGS, IM n 197280175, 1'

    C.

    Cv, j 9.8.98,

    Rei.

    Des. Irineu MARIANI.

    1

    r;

    8

    Escrevi sobre o tema in M.ercado e solidariedade social entre cosmos e taxis a boa-f nas relaes de

    consumo , ensaio integrante de A Reconstruo do Direito Privado- reflexos dos princpios, diretrizes

    e

    garantias constitucionais

    no

    Direito Privado', no prelo.

  • 7/24/2019 A Boa-F Como Modelo

    27/33

    A

    Boa-F como

    Modelo

    373

    segundo a

    b o ~ f no perodo

    contratual e p r ~ c o n t r t u l

    diretriz constitucional da

    solidariedade sodal

    109

    ,

    reconhecendo que esta, por sua hierarquia constitucional,

    qualifica

    o complexo das atividades juridicamente relevantes dos sujeitos, compreendidas as pr

    negociais 1w,

    constituindo a boa-f

    um aspecto do princpio geral (que) exprime a

    necessidade

    de um

    esprito

    de colaborao recproco

    entre

    os

    contraentes eem

    condies

    de

    paridade, em Juno da realizao

    da

    pessoa hum n e

    de seu

    pleno e igual

    desenvolvimento

    Com efeito, constituindo "norma-princpio"

    112

    ,

    mais propriamente um modelo, a

    boa-f objetiva em sua concreta atuao opera articuladamente

    com

    outros princpios e com

    outras regras. No substrato desta tcnica combinatria est a considerao das transformaes

    que sofre a

    ordem

    econmica em razo da chamada "globalizao" e que utiliza as normas

    vagas, em combinao

    com

    normas imperativas, juntamente

    com

    outros procedimentos,

    tais

    como

    novas formas de articulao negociai, para minimizar os riscos das fissuras

    econmico-sociais, tendendo a assegurar, como assinala

    Jos

    Eduardo Faria,

    um equilbrio

    substantivo entre

    os partcipes das relaes econmico-sociais e criando, na medida do

    possvel,

    as

    condies para

    a consecuo de

    padres

    bsicos

    de

    solidariedade ecooperao

    113

    O segundo trao a assinalar diz com a responsabilidade da doutrina ao apontar os

    modelos hermenuticas que auxiliaro o juiz, e mesmo ao legislador, na elaborao dos

    modelos jurdicos. Vivemos

    em um

    tempo que tem pressa, mas a atividade doutrinria no

    pode prescindir da reflexo, do tempo de maturao das idias e das novas concepes,

    equilibrando-se na tenso

    entre

    o apontar de novos caminhos, constitutivo da sua misso

    antecipante de novas solues, e a necessidade de ponderao, a cada dia mais dificultosa e

    IO J Neste sentido PIGNATARO, Giseh, "Buona fede oggettiva e rapporto precontrattuale: gli ordinamenti

    italiano e franccse, Salemo, l _ ~ , d i z i o n i Scicmifiche Italiane,

    1999,

    p

    47, e MONATERI, Pier Giuseppe,

    La

    Rcsponsabilit

    Contrattualc

    e

    Prccontrattualc, Turim,

    UTET, 1998,

    p

    377 e ss, com indicao

    da

    jurisprudncia.,

    1

    w

    PIGNATARO, Gisela, "Buona Fede oggettiva c rapporto precontrattuale, cit,

    p

    48, traduzi.

    111

    PlGNAT1\RO, Gisela,

    Buona

    fede oggettiva e rapporto precontrattuale, cit, p 48, traduzi.

    112

    Utilho

    aqui as lies

    de

    ALEXY, Robert, "Teoria

    de

    Los Derechos Fundamenta es", Madri Ed.

    Centro de Estudios Constitucionales, 1993, em especial pp. 81 a 93.

    113

    L\RIA,

    Jos Eduardo,

    O Direito

    na Economia Globalizada", Tese apresentada ao

    concurso

    para

    Professor Titular de

    Departamento de

    Filosofia e Teoria Geral do Direito da Universidade de So Paulo,

    1999,

    p

    304.

  • 7/24/2019 A Boa-F Como Modelo

    28/33

    374

    Judith

    Martins-Costa

    necessria porque, como disse Hannah

    Arendt

    114

    ,

    a irreflexo,

    ''a imprudncia

    temerria ou

    a irremedivel confuso ou a

    repetio

    complacente de 'verdades que se tornaram triviais

    e vazias

    parece

    ser

    uma

    das

    principais

    caractersticas do nosso

    tempo .

    O terceiro trao, por fim, diz com a misso da jurisprudncia. Se o Direi to no

    um

    'dado que o jurista recebe,

    uma tarefa que

    o

    concita a

    u

    ingente esforo e a uma

    profunda responsabilidadel

    5

    ,

    devemos considerar que o princpio da boa-f objetiva,

    justamente

    por

    configurar

    norma

    vaga, semanticamente aberta, carreia, para o juiz,

    um extraordinrio acrscimo de sua responsabilidade.

    No

    pode

    nem

    recair no crasso

    decisionismo,

    nem no

    voluntarismo,

    tanto

    primrio

    quanto

    perigoso aos valores

    da

    Democracia.

    Se

    bem

    verdade que o princpio enseja uma tarefa de reconstruo dogmtica do

    Direito obrigacional, tambm verdadeiro que esta no absolutamente

    uma

    tarefa arbitrria.

    A invocao

    da

    boa-f

    contratual est

    contida nos limites da realidade do contrato,

    sua

    tipicidade, estrutura e funcionalidade, com aplicao dos princpios admitidos pelo

    sistema

    116

    Toda e qualquer reconstruo dogmtica est,

    em

    primeiro lugar, atada aos

    valores e diretivas do ordenamento, os quais exigem do juiz no apenas ato de vontade, mas,

    fundamentalmente, ato de conhecimento e de responsabilidade, razo pela qual a exigncia

    constitucional da motivao da sentena deve ser acrescida pela mais completa explicitao

    dos elementos de fato e de direito que ensejaram, na hiptese examinanda, a invocao da

    boa-f. Em segundo lugar depende do donnio tcnico do magistrado acerca dos mecanismos

    -metodolgicos e dogmticos- que permitem a soluo justa

    nos

    quadros do ordenamento.

    Bem sopesadas estas condicionantes, creio que,

    com

    passos s vezes hesitantes,

    nem

    sempre adequados, mas com a coragem para enfrentar os desafios cotidianamente colocados

    pela tenso entre o Direito e a realidade, a jurisprudncia brasileira comea a construir o seu

    prprio modelo da boa-f objetiva.

    ARENDT, Hannah, "A Condio Humana , 5' edio, Rlo de Janeiro, Forense Universitria, 1991, p 13.

    11

    ;;

    A

    expresso de

    CASTANHEIRA NEVES, O

    Papel do Jurista no

    : losso Tempo , om

    inDigesta, voL

    1, Coimbra, Coimbra Editora, 1995, p. 32.

    AGUIAR JR,

    Ruy

    Rosado de, A Boa-F nas Relaes de

    Consumo ,

    Revista Direito do Consumidor

    vo .

    14,

    So Paulo, 1995 p. 25.

  • 7/24/2019 A Boa-F Como Modelo

    29/33

    Boa F

    como Modelo

    375

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