A boa fé objetiva no processo civil - A teotia dos modelos de Miguel Reale

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UNIVERSIDADE FEDERAL DO ESPRITO SANTO CENTRO DE CINCIAS JURDICAS E ECONMICAS PROGRAMA DE PS-GRADUAO EM DIREITO DA UFES - PPGDIR MESTRADO EM DIREITO PROCESSUAL CIVIL

LEIDE MARIA GONALVES SANTOS

A BOA-F OBJETIVA NO PROCESSO CIVIL: A Teoria dos Modelos de MIGUEL REALE aplicada Jurisprudncia Brasileira Contempornea

VITRIA 2008

UNIVERSIDADE FEDERAL DO ESPRITO SANTO CENTRO DE CINCIAS JURDICAS E ECONMICAS PROGRAMA DE PS-GRADUAO EM DIREITO DA UFES - PPGDIR MESTRADO EM DIREITO PROCESSUAL CIVIL

LEIDE MARIA GONALVES SANTOS

A BOA-F OBJETIVA NO PROCESSO CIVIL: A Teoria dos Modelos de MIGUEL REALE aplicada Jurisprudncia Brasileira Contempornea

Dissertao apresentada ao Programa de PsGraduao em Direito da Universidade Federal do Esprito Santo, como requisito para obteno do grau de Mestre em Direito, na rea de concentrao Direito Processual. Orientador: Prof. Dr. Francisco Vieira Lima Neto

VITRIA 2008

LEIDE MARIA GONALVES SANTOS

A BOA-F OBJETIVA NO PROCESSO CIVIL: A Teoria dos Modelos de MIGUEL REALE aplicada Jurisprudncia Brasileira Contempornea

Dissertao apresentada ao Programa de Ps-Graduao em Direito da Universidade Federal do Esprito Santo, como requisito para obteno do grau de Mestre em Direito em Direito Processual.

COMISSO EXAMINADORA

______________________________________ Prof. Dr. Francisco Vieira Lima Neto Orientador

______________________________________ Prof. Dr. Hermes Zaneti Jnior Membro

______________________________________ Prof. Dr. Brunela Vieira de Vincenzi Membro

A Gil e Fred, por me encantarem todos os dias. A Helinho, in memorian.

AGRADECIMENTOS

A concluso deste trabalho permitiu-me apreender preciosas novas lies, reforar lies j conhecidas e melhor cultivar algumas virtudes: a pacincia, a persistncia, a coragem para vencer o medo do desconhecido e do novo, enfim... proporcionou-me um crescimento inenarrvel. Lies que me abriram os olhos e o interesse por tantos e diversos assuntos e pelas relaes e comportamentos da complexa vida em sociedade, que por si ss j me autorizam a dizer que valeu a pena! Entretanto, talvez a maior de todas as lies tenha sido a que a pesquisa cientfica no um trabalho que possa ser construdo individualmente, sozinho. No! A pesquisa exige uma conjugao de esforos, de opinies, de teses e antteses. um trabalho plural. Tal constatao, at mesmo por uma questo de fidelidade e lealdade, impe-me fazer alguns registros e agradecimentos queles que prestaram, de uma forma ou de outra, uma importantssima contribuio para o desenvolvimento dessa investigao.

Assim, precipuamente, agradeo a Deus, refgio contra todas as tempestades, pelo dom da vida.

minha me, meu padro de conduta, pelas lies de vida, pela coragem em todas as adversidades e pelo amparo ao longo dessa jornada e minha famlia, por sempre acreditarem no meu trabalho.

UFES, que me acolheu em toda minha vida acadmica, desde os tempos da Engenharia. Grande parte do que sou devo a essa Instituio. E, tambm, ao nosso Programa de Mestrado, do qual, no tenho dvidas, alcanar um nvel de excelncia a ser nacionalmente reconhecido.

Ao Professor Dr. Francisco Vieira Lima Neto, de quem tenho o maior orgulho, pela orientao segura e apoio incondicional ao longo de toda essa trajetria. A prontido em atender-me, as preciosas sugestes de bibliografia, de jurisprudncia, as observaes na leitura dos textos, as interrogaes formuladas, enfim ... No foi fcil acompanhar o seu ritmo! Quantos e-mails, quantos telefonemas... as lies apreendidas no se resumem s pginas desse trabalho, nas quais h a sua marca em cada uma delas e em cada captulo. Minha gratido por tudo, principalmente pelo equilbrio nos momentos mais difceis.

Ao Professor Dr. Hermes Zaneti Jnior, que semeou a idia dessa pesquisa, a quem tributo a minha gratido pelas instigantes discusses em sala de aula, as quais foram determinantes para levar a termo esse trabalho. Que desafio! A sua maestria, combatividade e dedicao so fontes de inspirao a prosseguir nessa caminhada.

Professora Dr Brunela Vieira de Vincenzi, pelos ensinamentos que colhi em sua obra A Boa-F no Processo Civil e pela participao em minha banca de qualificao com observaes e questionamentos que me permitiram aprofundar a reflexo sobre o tema.

A todos os Professores do Mestrado, pela nobreza em compartilhar as experincias angariadas nos escritrios, nos tribunais e nas incontveis palestras proferidas de norte a sul do nosso pas.

No poderia deixar de agradecer a alguns Professores, que, mesmo sem me conhecerem, prestaram-me contribuies preciosas: Ao Professor Dr. Darci Guimares Ribeiro, que alm do artigo de sua autoria, O Sobreprincpio da Boa-F Processual como Decorrncia do Comportamento da Parte em Juzo, indicou-me a obra fundamental do Professor Joan Pic I Junoy, El Principio de la Buena Fe Procesal a qual, alm do seu denso contedo, remete a uma bibliografia riqussima. Ao Professor Dr. Joan Pic I Junoy, que dalm mar, respondeu, prontamente, aos meus e-mails, tanto dos Estados Unidos quanto da Espanha, aclarando alguns pontos da aplicao da boa-f objetiva no ordenamento espanhol. Agradeo, tambm, Professora Dr. Maria Celina Bodin por colocar-me em contato com a Professora Dr. Teresa Negreiros, que num gesto de extrema grandeza, encaminhou-me o original de sua dissertao de mestrado Fundamentos Para uma Interpretao Constitucional do Princpio da Boa-F, obra com publicao esgotada. O auxlio das bibliotecrias do STF e do STJ foi imprescindvel. Prontamente foram atendidas as solicitaes feitas por e-mail, com posterior postagem das cpias xerogrficas de partes de livros e de peridicos, material indispensvel para desenvolvimento do trabalho.

Thas e Christina, t-las como amigas s pode ser um presente dos cus. Obrigada por caminharem comigo esse caminho.

Aos colegas de classe agradeo a frutfera convivncia.

RESUMO

O presente trabalho apresenta a boa-f objetiva como paradigma a reger as relaes intersubjetivas no campo do Direito Processual Civil demonstrando a superao da aplicao rigorosa das tcnicas processuais pela influncia de valores sociais, polticos e culturais. O novo matiz impresso pela boa-f objetiva no campo do Direito Processual Civil estabelece um modelo objetivo de conduta social marcado pela lealdade e probidade, que impera como standard jurdico para todos os que participam da relao jurdica processual. As garantias constitucionais processuais, expresso do Estado Democrtico de Direito, so otimizadas por meio das balizas estabelecidas pela boa-f objetiva como norma que rege a dialeticidade do contraditrio marcado pela cooperao leal e proba. A boa-f objetiva, como clusula geral positivada no art. 14, inciso II do Cdigo de Processo Civil, irradia o seu contedo em todos os espectros do Processo Civil, por meio de modelos jurdicos construdos pela jurisprudncia com o uso da tpica, trazendo um novo foco de luz para o alcance da efetividade da prestao da tutela jurisdicional.

Palavras-chave: Boa-f objetiva. Modelos jurdicos. Tpica. Clusulas gerais. Cooperao. Lealdade.

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PRESENTAZIONE

Lo scopo principale di questo lavoro quello di presentare la buona fede oggettiva come paradigma reggente dei rapporti intersoggettivi nel campo del Diritto Processuale Civile dimostrando il superamento dell applicazione rigorosa delle tecniche processuali dallinfluso dei valori sociali, politici e culturali. La nuova sfumatura impressa dalla buona fede oggettiva nel campo del Diritto Processuale Civile stabilisce un modello oggettivo di condotta sociale segnato dalla lealt e dalla probit che impera come standard giuridico per tutti coloro che partecipano del rapporto giuridico processuale. Le garanzie costituzionali processuali, espressione dello Stato Democratico di Diritto, sono ottimizzate attraverso le regole stabilite dalla buona fede oggettiva come norme che regolano la dialetticit del contraddittorio

segnato dalla cooperazione leale e proba. La buona fede oggettiva, come causola generale effettivata nellart. 14, inciso II del Codice di procedura civile, irradisce il suo costrutto in tutti gli espettri del Processo civile attraverso i modelli giuridici costruiti dalla giurisprudenza con luso della Topica, portando un nuovo raggio di delleffettivit della prestazione della tutela giurisdizionale. luce per il raggiungimento

Parole-chiave: Buona fede oggettiva. Modelli giuridici. Topica. Clausole generali. Cooperazione. Lealt.

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A BOA-F OBJETIVA NO PROCESSO CIVIL: A Teoria dos Modelos de MIGUEL REALE aplicada Jurisprudncia Brasileira Contempornea

SUMRIO

Introduo .......................................................................................................................... 11 PARTE I BOA-F OBJETIVA COMO PRINCPIO TICO, TEORIA DOS MODELOS, TPICA E SISTEMAS JURDICOS ABERTOS. ..................................... 15 Captulo I - A Boa-F Objetiva no Direito Processual Civil: O Modelo Jurisprudencial Construdo pelo Supremo Tribunal Federal. ................................................................ 15 1.1. A Boa-F Objetiva: Matizes de Sua Conceituao ................................................. 15 1.2. A Boa-F Objetiva: Concepes Doutrinrias........................................................ 21 1.3. A Boa-F Objetiva como Norma Otimizadora das Garantias Processuais Constitucionais............................................................................................................. 28 Captulo II - A Teoria dos Modelos de Miguel Reale e sua Aplicao para Identificar um Modelo Jurisprudencial de Boa-F Objetiva no Processo Civil............................. 42 2.1. Notas Introdutrias. ............................................................................................... 42 2.2. A Construo dos Modelos Jurdicos ..................................................................... 46 2.3. Classificao dos Modelos Jurdicos...................................................................... 53 2.4. Dinmica dos Modelos Jurdicos ........................................................................... 55 2.5. A Opo por Modelos Abertos .............................................................................. 58 Captulo III - A Relevncia da Tpica na Prxis Jurdica e a Tendncia Contempornea pelos Sistemas Jurdicos Abertos: a complementariedade necessria ........................................................................................................................................ 62 3.1. A Tpica como Tcnica de Identificao dos Problemas do Direito ....................... 62 3.2. Apontamentos Doutrinrios Teoria Tpica de Viehweg ................................... 70 3.3. Concepes Doutrinrias sobre os Topoi ............................................................... 74 3.4. Importncia da Tpica na Construo Jurisprudencial............................................ 76 3.5. O Declnio da Codificao e a Construo do Pensamento Sistemtico.................. 83 3.6. Concepes Doutrinrias sobre a Idia de Sistema................................................. 88 3.7. A Mobilidade como Trao Caracterstico dos Sistemas Abertos............................. 92 3.8. Pensamento Sistemtico e Tpica .......................................................................... 94 Captulo IV As Clusulas Gerais: Fatores de Interao Sistemtica e de Concreo Jurdica......................................................................................................................... 104 4.1. Clusulas Gerais: Intercambialidade nos Sistemas Jurdicos Abertos e Criao do Direito pelos Tribunais ............................................................................................... 104 4.2. A Boa-F Objetiva: Fundamento Axiolgico na Construo do Direito ............... 116 4.3. A Boa-F Objetiva como Elemento Estruturante na Construo de Modelos Jurdicos Jurisprudenciais........................................................................................... 120

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PARTE II A BOA-F OBJETIVA NO DIREITO PROCESSUAL CIVIL, ESTUDO DO MODELO JURISPRUDENCIAL BRASILEIRO DE BOA-F OBJETIVA, MODELOS CONCRETOS AFERVEIS DA JURISPRUDNCIA EM PROCESSO CIVIL ............................................................................................................................... 127 Captulo V A Boa-F Objetiva Processual na Constituio Federal ....................... 127 5.1. A Boa-F Objetiva como Instrumento de Ruptura da Dicotomia entre os Ramos do Direito Pblico e do Direito Privado........................................................................... 127 5.2. O Fundamento Constitucional da Boa-F Objetiva Processual ............................. 143 Captulo VI - A Boa-F Objetiva no Processo Civil Brasileiro................................... 165 6.1. A Boa-F Objetiva como Diretiva Ordenadora do Comportamento Processual .... 165 6.2. A Boa-F Objetiva e o Abuso do Direito nos Domnios do Processo Civil ........... 176 6.3. A aplicao boa-f objetiva pelo Juiz: Virtudes e Cautelas................................... 185 6.4. Referncias sobre a boa-f objetiva processual na experincia legislativa de outros povos ......................................................................................................................... 191 Captulo VII - A Boa-F Objetiva na Jurisprudncia Brasileira: Tentativa de Visualizao de um Modelo ......................................................................................... 198 7.1. O Trabalho da Jurisprudncia na Concreo Jurdica da Boa-F Objetiva......... 198 7.2. As Manifestaes da Boa-F Objetiva nas Figuras: Supressio, Surrectio, Tu Quoque e Venire Contra Factum Proprium. ............................................................................ 207 7.2.1. Supressio e Surrectio .................................................................................... 207 7.2.2. A Proibio de Consubstanciar Dolosamente Posies Processuais Tu Quoque ............................................................................................................................... 211 7.2.3. O Venire Contra Factum Proprium............................................................... 214 7.3. A Precluso Lgica e a Boa-F Objetiva.............................................................. 220 Captulo VIII - Modelos Concretos da Boa-f Objetiva Aferveis da Jurisprudncia no mbito Processual Civil................................................................................................ 228 8.1. Introduo ........................................................................................................... 228 8.2 A Boa-F Objetiva como Norma que Veda a Atuao Dolosa de Posies Processuais................................................................................................................. 230 8.3 A Boa-F Objetiva Como Norma Otimizadora das Garantias Constitucionais Processuais................................................................................................................. 235 8.4 A Boa-f Objetiva como Norma que Veda o Venire Contra Factum Proprium no Campo Processual Civil ............................................................................................. 245 8.5 A Boa-F Objetiva como Norma a Assegurar a Prestao da Tutela Jurisdicional em Tempo Razovel ........................................................................................................ 257 8.6 A Boa-f Objetiva como Norma Orientadora da Atuao do Poder Judicirio Frente aos Jurisdicionados..................................................................................................... 266 Concluso ..................................................................................................................... 273 Referncias ................................................................................................................... 277

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Introduo

O processo ao longo do tempo deixou de ser visto como instrumento meramente tcnico de aplicao de normas e alcanou um status que o coloca como autntica ferramenta de natureza pblica indispensvel para a realizao da justia e da pacificao social. 1 O rigor em favor da tcnica cede passo aos valores sociais, polticos e culturais, em razo dos quais todos aqueles que, de forma direta ou indireta, participam da causa precisam conduzir-se de forma proba, reta e leal. H uma exigncia de um modelo objetivo de conduta social que venha imperar como um standard jurdico no seio processual.

Dentro deste contexto, o processo passa a desenvolver-se guiado no apenas pelas tcnicas processuais, mas nele sobrelevam os influxos dos valores sociais e, em especial, do dever de lealdade e boa-f como bitolas a ajustar a conduta de todos aqueles que dele participam.

O momento atual desnuda mudanas estruturais, procedimentais e tcnicas, em que paradigmas e dogmas so descontrudos com o surgimento, a toda evidncia, de novos modelos compromissados com o homem e os valores que lhe so inerentes.

No que tange prestao da tutela jurisdicional, a atuao das partes norteada por princpios ticos que estabelecem balizas para o pronto agir no curso da relao jurdica entabulada, na qual a dialeticidade a marca de um contraditrio que vem a revelar a cooperao das partes na construo de uma prestao da tutela jurisdicional que espelhe a justia do caso concreto.

O alvo da presente pesquisa a boa-f objetiva, entendida como uma regra padro de comportamento probo, leal e correto, ou seja, uma norma tica de conduta, a ser observada por todos de forma objetiva (independente do estado psicolgico do agente), cujo campo de investigao o Direito Processual Civil.

Como clusula geral, cujo locus de positivao est no art. 14, inciso II, do Cdigo de Processo Civil, trata-se de disposio normativa que tem permitido um novo traado ou um novo desenho no mbito processual civil. Embora possa parecer exagero, a boa-f objetiva1

ALVARO DE OLIVEIRA, Carlos Alberto. O processo civil na perspectiva dos direitos fundamentais In Processo e constituio. Rio de Janeiro: Forense. 2004, p. 2.

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tem contribudo para superao de dogmas processuais e para o estabelecimento de uma nova ordem a reger o desenvolvimento do processo.

A boa-f objetiva nos domnios do Direito Processual Civil estabelece as balizas do agir permitindo a harmonizao do desenvolvimento das garantias constitucionais processuais. Trata-se de reler os princpios e as garantias constitucionais2 sob a tica da boa-f objetiva.

O presente trabalho se prope a analisar a jurisprudncia dos Tribunais ptrios para perquirir a aplicao da regra prescrita no inciso II do art. 14 do CPC que impe esse agir leal e cooperador nos meandros processuais e, ao final, afirmar ou infirmar a existncia de modelos jurisprudenciais calcados nesses princpios ticos.

O objeto do presente estudo, portanto, restringe-se, especificamente, ao Direito Processual Civil, circunscrito anlise jurisprudencial com vistas identificao de modelos jurdicos da boa-f objetiva nesse campo. Para tanto, ser analisada a jurisprudncia do Supremo Tribunal Federal - STF, do Superior Tribunal de Justia STJ, do Tribunal de Justia do Esprito Santo e do Tribunal de Justia do Rio Grande do Sul. 3

A opo pela anlise da jurisprudncia das Cortes Superiores revela-se fundada no fato de se irradiar para os Tribunais ptrios os entendimentos l construdos. J a opo pela anlise da jurisprudncia do Rio Grande do Sul prende-se ao fato de naquele Estado ver-se a grandeDINAMARCO, Cndido Rangel. A nova era do processo civil. 2. ed. So Paulo: Malheiros. 2007, p. 23. Com este objetivo, nos julgados disponveis nos stios desses tribunais na internet (www.stf.gov.br, www.stj.gov.br, www.tj.es.gov.br e www.tj.rs.gov.br) verificar-se- a ocorrncia da meno s expresses boaf ou boa-f objetiva, boa-f processual, lealdade processual ou lealdade e boa-f nas ementas de acrdos proferidos nas diversas reas do direito. Numa anlise preliminar, na pesquisa efetuada nos stios desses Tribunais na internet foram obtidos os seguintes resultados: no stio do STF: para a expresso boa-f foram encontrados 118 acrdos; a expresso boa-f objetiva no produziu nenhum resultado; quando consultado boa-f processual encontrou-se 01 acrdo que faz meno ao termo; j o verbete lealdade processual gerou 49 resultados; quando consultada a expresso lealdade e boa-f foi encontrado apenas 01 acrdo proferido em 1975. A consulta no endereo eletrnico do STJ produziu um maior quantitativo de resultados para as expresses consultadas, a saber: a expresso boa-f gerou 963 resultados; a busca com a expresso boa-f objetiva trouxe 35 acrdos como resposta; utilizando as palavras chave boa-f processual foram obtidos 6 resultados; com o verbete lealdade processual foram encontrados 34 resultados e para a expresso lealdade e boa-f foram gerados 15 resultados. Quadra destacar que, embora no tenha sido feita a tabulao dos resultados, pode ser verificado que a grande maioria dos resultados obtidos para expresses que no continham o adjetivo processual versava sobre direito material, em especial, matria relativa posse e tambm rea de contratos e sobre direito do consumidor. Foi realizada uma pesquisa nos stios dos Tribunais de Justia do Esprito Santo e do Rio Grande do Sul cujos resultados apontam a existncia de acrdo que fazem meno aos verbetes assinalados. Entretanto, embora no tenha sido feita qualquer tabulao desses resultados, so indicativos que demandam anlise para verificar se atendem ao objetivo da pesquisa.3 2

13 influncia do iminente jurista Clvis do Couto e Silva4, bem como do hoje Ministro aposentado do STJ, Ruy Rosado de Aguiar, que tambm atuou em julgamentos notveis da aplicao da boa-f objetiva no campo do direito obrigacional5. Por outro lado, a opo pela anlise da jurisprudncia do Tribunal de Justia do Esprito Santo mais do que justificada pela contribuio que, por certo, essa pesquisa trar para a comunidade jurdica do Estado, proporcionando uma discusso sobre a tica na reformulao da justia contempornea do Brasil.

Sob essa perspectiva, o fruto dessa pesquisa a ser realizada no mbito do Programa de PsGraduao em Direito Processual da Universidade Federal do Esprito Santo (PPGDIRUFES) apresentar as concluses sobre as investigaes cientficas acerca da existncia ou no de um modelo de boa-f processual desenhado a partir das decises prolatadas no mbito dos tribunais.

Sobreleva o estudo dos precedentes jurisprudenciais quer como fonte do direito, quer para analisar a coerncia com o ordenamento. A importncia do estudo aprofundado das decises judiciais ou administrativas revela-se de extrema importncia para aferir a sintonia existente entre os textos legislativos e as demandas que afloram do meio social.

Em um segundo momento, procura-se, a partir de um referencial terico desenvolvido ao longo do trabalho, verificar se nos citados acrdos poderia ser detectado algum padro, ou seja, se neles h uma coerncia de entendimento sobre o conceito de boa-f e suas diversificadas manifestaes e funes, fenmeno que permitir visualizar a existncia de modelo(s) de boa-f objetiva no campo do Direito Processual Civil brasileiro.

Em termos mais simples, investiga-se a existncia, nas decises desses Tribunais, de uma linha comum que possa ser identificada e que permitiria concluir que aquelas Cortes concebem a boa-f objetiva processual de uma maneira especfica, como, por exemplo, uma regra jurdica que impede o uso abusivo e doloso de posies processuais ou probe o

Conforme destacado por Judith Martins-Costa, no que tange aplicao da boa-f como modelo no campo obrigacional, as decises que iniciaram a trajetria de seu acolhimento como modelo jurisprudencial fazem expressas referncias obra de Clvis do Couto e Silva [...].MARTINS-COSTA, Judith. A Boa-F como Modelo (uma aplicao da Teoria dos Modelos, de Miguel Reale) in Cadernos do Programa de PsGraduao em Direito PPGDir/UFRGS. vol. II, n. IV, jun./2004, p. 354. 5 TJRGS, AC 591028295, 5 Cm. Cvel, rel. Des. Ruy Rosado de Aguiar Jr., Data do julgamento: 06.06.1991.

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comportamento contraditrio (vale dizer, uma aplicao no Direito Processual civil das figuras venire contra factum proprium ou tu quoque).

No que tange ao campo terico, como primeiro passo desta trilha, imprescindvel se torna explicitar a doutrina de Miguel Reale, para quem o Direito composto de uma srie de modelos.

Ao analisar a teoria das fontes formais do Direito, Reale aduz que os modelos jurdicos apresentam-se como uma nova perspectiva para essa teoria, uma vez que a sociedade contempornea, dinmica e plural tal qual se apresenta, reclama por estruturas-modelos que venham a abarcar as diversas e complexas questes que da emerge, bem como que atendam dinamicidade prpria da efervescncia scio-cultural desses novos tempos.

Neste sentido, a Teoria dos Modelos surge como uma via posta para atender aos anseios do momento histrico-cultural das sociedades modernas, nas quais j no se mostra suficiente a existncia de um feixe normativo que esboce um sistema fechado no qual impera o formalismo cego e esttico. Juristas e legisladores tm somado esforos para a implementao de mudanas estruturais no Cdigo de Processo Civil com o objetivo precpuo de fazer comungar os dois grandes valores alados a direitos fundamentais: segurana e efetividade na prestao da tutela jurisdicional.

Sob esse enfoque, a boa-f objetiva ocupa lugar de relevo na formatao dos modelos jurdicos. Ocorre que, sem um contedo definido pelo legislador, essa modelao vai sendo delineada na prtica forense cotidiana.

Pode-se, j nesse ponto, inferir que a boa-f objetiva, no mbito processual civil na contemporaneidade, apresenta-se como uma diretiva para que os escopos processuais venham a ser efetivamente alcanados.

Esse, portanto, o delineamento do trabalho ora proposto.

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PARTE I BOA-F OBJETIVA COMO PRINCPIO TICO, TEORIA DOS MODELOS, TPICA E SISTEMAS JURDICOS ABERTOS.

Captulo I - A Boa-F Objetiva no Direito Processual Civil: O Modelo Jurisprudencial Construdo pelo Supremo Tribunal Federal.

Sumrio: 1.1. A Boa-F Objetiva: Matizes de Sua Conceituao - 1.2. A Boa-F Objetiva: Concepes Doutrinrias - 1.3. A Boa-F Objetiva como Norma Otimizadora das Garantias Processuais Constitucionais.

1.1. A Boa-F Objetiva: Matizes de Sua Conceituao

Boa-f significa retido, honradez e confiana, a confiana com que uma das partes espera uma conduta leal da outra.1

No hodierna a dificuldade de se apreender uma precisa concepo do que vem a ser a boaf objetiva, entretanto tal constatao reflete a amplitude do seu contedo e a vagueza que nsita a tal instituto.

Dos domnios do Direito Civil, ao estipular um padro de lealdade e probidade nas relaes privadas, ao mbito do Direito Processual, ao veicular o imperativo da tutela da confiana e do atuar probo e honesto, a boa-f objetiva assume diversas faces, que delineiam modelos jurdicos de comportamento e de atuao os quais tm a aptido de fazer novas, vetustas disposies legislativas, num trabalho engenhoso de adequao das emergentes situaes jurdicas com o ordenamento vigente.

A Constituio Federal de 1988 erigiu no seu art. 3, inciso III, como um dos objetivos da Repblica a construo de uma sociedade solidria. Para o alcance do objeto posto nessa

1

DELGADO GONZLEZ, Bona fides, en el Diccionario de D. Privado de Casso-Cervera, I, pp. 700 e segs. apud DIEZ-PICAZO, Luis. La doctrina de los propios actos. Barcelona: Bosch. 1963, p. 135, nota de rodap n 33.

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diretriz a exigncia da eticidade deve nortear as condutas de todos aqueles que compem a sociedade, inclusive os que atuam no microcosmo do processo.

Paulo Cezar Pinheiro Carneiro destaca que o processo passa a congregar dois aspectos que se fundem: o plano tcnico e o humano ou tico, no para criar normas, mas para desvend-las, descobri-las, potencializ-las, aprimor-las, interpretando-as na linha dos escopos jurdicos, sociais e polticos do processo moderno, que informam o estado democrtico de direito.2

Nesse contexto, a boa-f objetiva apresenta-se como vetor das condutas de todos os que participam da relao jurdica processual, como valor que anima as garantias constitucionais processuais com especial relevo para a definio dos contornos do devido processo legal, bem como os corolrios do contraditrio e da ampla defesa. Pode-se dizer que a boa-f objetiva desvenda um novo olhar no desenvolvimento processual promovendo a potencializao e o aprimoramento dos aludidos princpios constitucionais elevados categoria de direitos fundamentais os quais, sob o enfoque da boa-f objetiva, tm o condo de estabelecer um novo traado para a prestao jurisdicional.

O direito no pode mais ser visto como um mero feixe normativo. A necessidade da convivncia tica da convivncia pautada pelo respeito boa-f objetiva um imperativo reinante tambm na esfera processual civil. A tica que rege o desenvolvimento processual impe uma atitude cooperativa, fundada na lealdade e na probidade de todos aqueles que, de uma forma ou de outra, participam da prestao da tutela jurisdicional, independentemente da posio em que se encontrem. a tica que dirige a sociedade que queremos ter3.

Segundo Rui Stoco [...] Se o Direito uma inveno humana, um fenmeno histrico e cultural, concebido como tcnica de soluo de conflitos e instrumento de pacificao social, as leis so o seu instrumento de realizao, enquanto amostras de comportamento que traduzem a conscincia social de uma era. [...] Por essa razo o intrprete ou o aplicador da lei tem a importante funo de servir de elo entre o passado, o presente e o futuro. Torna-se guia

2

CARNEIRO, Paulo Cezar Pinheiro. A tica dos personagens do processo. Revista Forense. v. 358, Rio de Janeiro: Forense. Nov. dez. 2001, p. 352. 3 DWORKIN, Ronald. O imprio do direito. Traduo Jefferson Luiz Camargo; reviso tcnica Gildo S Leito Rios. So Paulo: Martins Fontes. 2003, p. 492

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e ponte para a transio, pois liga o passado realidade atual e o presente s necessidades futuras, sem romper definitivamente com as amarras do passado.4

A importncia da clusula da boa-f de tal envergadura que transcende os domnios dos ordenamentos jurdicos a tal ponto de se afirmar que [...] O direito significa no somente dirigir, mas tambm enderear a vida e a boa-f uma expresso do reto viver.5, 6

Diez-Picazo j advertia que o conceito de boa-f um dos mais difceis de apreender dentro do Direito Civil e, um dos conceitos que tem dado a mais apaixonada polmica.7

Manuel Cachn Cadenas tambm assinala que, apesar de todo o esforo da doutrina e da jurisprudncia para circunscrever a noo da boa-f processual, no tem sido possvel suprimir a indeterminao do conceito e a inevitvel vagueza que a consubstancia.8

Pic, por sua vez, afirma que o princpio da boa-f uma das vias mais eficazes para a superao de uma concepo excessivamente formalista e positivista da lei, que permite aos juristas adequar as distintas instituies normativas aos valores sociais de cada momento histrico.9

A aplicao do princpio da boa-f traz para o seio do ordenamento jurdico um elemento externo a ele, extra jurdico, que passa a integrar a prpria regra jurdica, cujo valor e aplicao tem inquietado a doutrina. 10

Segundo Alpio Silveira o conceito de boa-f possui uma grande variedade de significados, todavia, todos possuem como cerne um contedo tico-social firmado na honestidade, probidade, lealdade, que deve estar presente em todas as relaes jurdicas e que no possui4 5

STOCO, Rui. Abuso do direito e m-f processual. So Paulo: Revista dos Tribunais. 2002, p. 35. CALDANI, Miguel Angel Ciuro. Aspectos filosficos de la buena fe. In Tratado de la buena fe en el derecho. Tomo I. CRDOBA, Marcos (Dir.). 1. ed. Buenos Aires: La Ley, 2004, p. 6. 6 No original: el derecho significa no slo dirigir sino enderezar la vida y la buea fe es una expresin del recto vivir. 7 DIEZ-PICAZO, Luis. La doctrina de los propios actos. Barcelona: Bosch. 1963, p. 134. 8 CACHN CADENAS, Manuel. La buena fe en el proceso civil. in El abuso del proceso: mala fe y fraude de ley procesal. GUTIRREZ-ALVIZ CONRADI, Faustino (Org.). Madri: Consejo General del poder judicial. Centro de documentacin judicial. 2006, p. 217. 9 PIC Y JUNOI, Joan. El debido proceso leal: reflexiones en torno al fundamento constitucional del principio de la buena fe procesal. In Justicia: Revista de derecho procesal. n. 34. 2004, p. 150. 10 DE LOS MOZOS, Jos Luis. El principio de la buena fe: sus aplicaciones prcticas en el Derecho Civil Espaol. Barcelona: Bosch. 1965, p. 15.

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um contedo essencial que possa deduzido a priori. Essa elasticidade do conceito da boa-f relaciona-se com o meio social e com o momento histrico.11

A doutrina e a jurisprudncia tm sido prdigas no trato da boa-f no que pertine ao direito privado, dedicando especial ateno ao comportamento dos contratantes e interpretao dos atos efetivados no campo obrigacional. No que tange, especificamente, ao tema da boa-f objetiva no campo processual, o mesmo tem sido pouco explorado doutrinariamente, o que, por si s, j justificaria a pesquisa ora empreendida.

Delinear a moldura que os Tribunais brasileiros tm dado aplicao da boa-f objetiva no campo processual, bem como aferir a existncia de modelos jurdicos formatados a partir das decises jurisprudenciais o desafio que ora se prope.

Ao tratar da aplicao da boa-f no marco do Processo, Pic destaca que a primeira interrogao que surge consiste em saber se as diversas regras ou pautas de conduta a serem adotadas pelas partes estariam vinculadas ao que ele denomina por princpio da boa-f processual. A resposta advm de ensinamentos de diversos doutrinadores o que leva a concluir que:Se por princpios do processo se entendem as idias que informam a regulao dos mais importantes aspectos daquele, isto , as idias base de determinados conjuntos de normas, idias que se deduzem da prpria lei ainda que no estejam expressamente formuladas nela, ou, a maneira como o processo se constri, que permita conhecer o comportamento dos sujeitos que intervm no processo, suas possibilidades, deveres e obrigaes, necessariamente chega-se a concluso que a boa-f processual um verdadeiro princpio, posto que, na idia da boa-f se encontra nsita o fundamento de distintas instituies processuais, existindo uma multiplicidade de normas que tendem sua proteo.12, 13

SILVEIRA, Alpio. La buena fe en el proceso civil. Buenos Aires: Ediar. 1947, pp. 226-227. PIC I JUNOY, Joan. El principio de la buena fe procesal. Barcelona: J.M. Bosch Editor. 2003, p. 51. 13 No original: El primer interrogante que surge al analizar la aplicacin de la buena fe en el marco del proceso, es el de si las diversas reglas o pautas de conducta que deben adoptar las partes responden a un principio general del proceso que podramos denominar principio de la buena fe procesal. Si por principios del proceso se entienden las ideas que informan la regulacin de los ms importantes aspectos de aqul, esto es, las ideas base de determinados conjuntos de normas, ideas que se deducen de la propia ley aunque no estn expresamente formuladas en ellas, o dicho de otro modo, el cmo est hecho el proceso que permite llegar al conocimiento del comportamiento de los sujetos que intervienen en el proceso, sus posibilidades, cargas y obligaciones procesales, necesariamente llegamos a la conclusin de que estamos en presencia de un verdadero principio, el da la buena fe, puesto que [] la buena fe se encuentra nsita en el fundamento de distintas instituciones procesales, existiendo multitud de normas que tienden a su proteccin.12

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A boa-f um conceito jurdico indeterminado e, portanto, s podem ser feitas meras aproximaes conceituais sobre a mesma. Dessa perspectiva necessariamente genrica, a boaf processual pode definir-se como aquela conduta exigvel a toda pessoa, no marco de um processo, por ser socialmente admitida como correta.14, 15

vista da vaguidade do conceito da boa-f, estabelece-se o dinamismo na adaptao dos valores ticos da sociedade aos valores normativos do ordenamento, o que dever ser averiguado em cada caso concreto. O contedo da boa-f no pode ser estabelecido a priori, sendo necessrio socorrer-se da jurisprudncia para saber se o comportamento de um litigante encontra-se afinado, ou no, mesma. Ser a jurisprudncia e no o prprio texto da lei que, dinamicamente, traduzir as regras a serem levadas em considerao para a concreo do contedo da boa-f. 16, 17

Como norma de comportamento leal, a boa-f objetiva apresenta-se sob diversas facetas ou nuances que se distinguem e se que manifestam luz do caso concreto. norma nuanada [...] na medida em que se reveste de variadas formas, de variadas concrees [...]. No possvel, efetivamente, tabular ou arrolar, a priori, o significado da valorao a ser procedida mediante a boa-f objetiva, porque se trata de uma norma cujo contedo no pode ser rigidamente fixado, dependendo sempre das concretas circunstncias do caso.18

PIC I JUNOY, Joan. El principio de la buena fe procesal. Barcelona: J.M. Bosch Editor. 2003, p. 69. Idntico contedo em: Id. El debido proceso leal: reflexiones en torno al fundamento constitucional del princpio de la buena fe procesal. In Justicia: Revista de derecho procesal. n. 34. 2004, p. 151; Id. Aproximacin al principio de la buena fe procesal en la nueva ley de enjuiciamiento civil. In Revista Jurdica de Catalunia. ANY c, n. 4. Barcelona: 2001, p. 953. 15 No original: La buena fe es un concepto jurdico indeterminado, y por tanto slo pueden efectuarse meras aproximaciones conceptuales sobre la misma. Desde esta perspectiva necesariamente genrica, la buena fe procesal puede definirse como aquella conducta exigible a toda persona, en el marco de un proceso, por ser socialmente admitida como correcta. 16 Ibid. pp. 69-70. Idem PIC Y JUNOI, Joan. El debido proceso leal: reflexiones en torno al fundamento constitucional del princpio de la buena fe procesal. In Justicia: Revista de derecho procesal. n. 34. 2004, p. 151. 17 No original: Slo desde esta perspectiva amplia se logra la continua adaptacin entre los valores ticos de la sociedad y los valores normativos del ordenamiento, correspondiendo al juez, en cada caso concreto, analizar si la conducta procesal de la parte se adecua a la forma de actuar admitida pela generalidad de los ciudadanos. Como se ha indicado, resulta imposible formular planteamientos apriorsticos sobre lo que resulta ser la buena fe procesal, por lo que en muchas ocasiones deberemos que acudir a la casustica jurisprudencial para saber cundo una determinada actuacin de un litigante la infringe o no. En definitiva, ser la jurisprudencia, en muchos casos, y no tanto la ley, la que nos indicar as reglas a tomar en consideracin para concretar las conductas procesales maliciosas. 18 MARTINS-COSTA, Judith. A boa-f no direito privado: sistema e tpica no processo obrigacional. So Paulo: Revista dos Tribunais. 1999. p. 412.

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Fazendo referncia concreo da clusula da boa-f objetiva, Wieacker destaca que o apelo ao pargrafo 242 do BGB vincula tambm a jurisprudncia futura aos princpios jurisprudenciais anteriormente elaborados na aplicao daquele. No obstante, essa compreenso no deve obscurecer a compreenso dos limites que j tenham sido estabelecidos na estrutura do mesmo ordenamento jurdico ao contedo da clusula geral.19,20

Segundo Wieacker: As novas criaes tico-jurdicas que so invocadas, hoje, com base no pargrafo 242 escapam totalmente codificao e exposio cientfica. O legislador no dono do futuro de sua sociedade, e a histria tem sempre burlado o intento de dirigir seus enormes poderes por canais previamente estabelecidos. Razo suficiente para que nossa tarefa consista em desviar as calmas mars, domin-las e dirigi-las para um trabalho que seja til.21,22

A boa-f objetiva um modelo de conduta social, ou, uma conduta socialmente considerada como arqutipo, ou tambm uma conduta que a conscincia social exige como dado imperativo tico.23, 24

A concepo da boa-f objetiva para Diez-Picazo posta nos seguintes termos:Outra coisa distinta o princpio geral da boa-f. Aqui a boa-f [...] engendra uma norma jurdica completa, que, ademais, se eleva categoria ou ao patamar de princpio geral do direito: todas as pessoas, todos os membros de uma comunidade jurdica devem comportar-se segundo a boa-f em suas recprocas relaes. Isso tem significaes: que devem adotar um comportamento leal em toda a fase prvia constituio de tais relaes (diligncia in contrahendo), e que devem tambm comportar-se lealmente no desenvolvimento das relaes jurdicas j constitudas entre eles. Este dever de comportar-se segundo a boa-f se projeta, por sua vez, nas WIEACKER, Franz. El principio general de la buena fe. Traduo de Jose Luis Carro. Prlogo de Luiz DiezPicazo. Madri: Civitas. 2. ed. 2. reimpr. 1986, p. 85. 20 No original: [] apelacin al pargrafo 242 vincula tambin la jurisprudencia futura a los constantes principios jurisprudenciales que con anterioridad fueron elaborados para la aplicacin de aqul. Sin embargo, con todo ello no debe oscurecerse la comprensin de los lmites que al rendimiento de una clusula general han sido establecidos en la estructura del mismo ordenamiento jurdico. 21 Ibidem. p. 98. 22 No original: Las nuevas creaciones tico-jurdicas que hoy suelen invocarse con base en el pargrafo 242 escapan totalmente como hemos ya sealado a la codificacin y a la exposicin cientfica. El legislador no es dueo del futuro de su sociedad y la historia se ha burlado siempre del intento de dirigir sus enormes poderes por cauces previamente establecidos. Razn de ms para que nuestra tarea deba consistir en desviar las mareas en calma, dominarlas y dirigirlas hacia un trabajo til. 23 DIEZ-PICAZO E GULLN. Sistema de derecho civil. vol. I, 10. ed. Madri: Tecnos. 2001, p.424. apud PIC I JUNOY, Joan. El principio de la buena fe procesal. Barcelona: J.M. Bosch Editor. 2003, p. 69. nota de rodap 117. 24 No original: un modelo de conducta social o, si prefiere, una conducta socialmente considerada como arquetipo, o tambin una conducta qua la consciencia social exige conforme un imperativo tico dado.19

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direes em que se diversificam todas as relaes jurdicas: direitos e deveres. Os direitos devem ser exercitados de boa-f; as obrigaes devem ser cumpridas de boa-f.25, 26

A boa-f objetiva um standard ou um modelo ideal de conduta social. a conduta social que se considera paradigmtica.27, 28

Os standards so diretrizes gerais de que o julgador pode servir-se para chegar a uma soluo mais justa baseada no exame das circunstncias especiais do caso concreto. So critrios axiolgicos para julgar o comportamento de um dever ou de um direito.29

1.2. A Boa-F Objetiva: Concepes Doutrinrias

Ao longo dos anos, o Processo Civil tem passado por diversas mudanas com o nico objetivo de torn-lo mais eficiente, realmente, um instrumento apto para uma prestao jurisdicional efetiva. As transformaes scio-econmicas e polticas deram causa a muitas das reformas implementadas no Direito Processual para mold-lo s novas exigncias da decorrentes. Entretanto, por mais que se empreendessem esforos para que as disposies legais pudessem abarcar essa diversidade oriunda do viver social, a concluso indubitvel foi que a riqueza oriunda das relaes estabelecidas reclamava por um catlogo normativo que pudesse dar maior perenidade regulao dessas relaes.DIEZ-PICAZO, Luiz. Prlogo in WIEACKER, Franz. El principio general de la buena fe. Traduo de Jose Luis Carro. Madri: Civitas. 2. ed. 2. reimpr. 1986, p. 12. 26 No original: Otra cosa distinta es el principio general de buena fe. Aqu la buena fe es ya un puro elemento de un supuesto de hecho normativo, sino que engendra una norma jurdica completa que, adems, se eleva a la categora o al rango de un principio general del derecho: todas las personas, todos los miembros de una comunidad jurdica deben comportarse de buena fe en sus reciprocas relaciones. Lo que significa varias cosas: que deben adoptar un comportamiento leal en toda la fase previa a la constitucin de tales relaciones (diligencias in contrayendo); y que deben tambin comportarse lealmente en el desenvolvimiento de las relaciones jurdicas ya constituidas entre ellos. Este deber de comportarse segn la buena fe se proyecta a su vez en las dos direcciones en que se diversifican todas las relaciones jurdicas: derechos y deberes. Los derechos deben ejercitarse de buena fe, las obligaciones tienen que cumplirse de buena fe. 27 Ibidem., pp. 12-13. 28 No original: un standard o un modelo ideal de conducta social. Aquella conducta social que se considera como paradigmtica. 29 DE LOS MOZOS, Jos Luis. El principio de la buena fe: sus aplicaciones prcticas en el Derecho Civil Espaol. Barcelona: Bosch. 1965, p. 53. Com fundamento nas lies de Roscoe Pound, para quem Todos os standards implicam: 1) um certo juzo moral a respeito da conduta; 2)No exigem um conhecimento jurdico exato que tenha que ser exatamente aplicado, mas o emprego do sentido comum ou da experincia cotidiana; 3) No so formulados com carter absoluto nem se lhes d um contedo fixo, mas que dependem das particularidades do caso. (An Introduction to the philosophie of law, New York, 1945, p. 118. apud DE LOS MOZOS, Jos Luis. El principio de la buena fe: sus aplicaciones prcticas en el Derecho Civil Espaol. Barcelona: Bosch. 1965, p. 54, nota de rodap n 28.25

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Nesse contexto, a codificao esttica restou superada por disposies abertas, normas fluidas, cuja plasticidade trouxe como penhor a aderncia a cada momento histrico numa perfeita adaptabilidade do contexto social com a ordem jurdica. Essas proposies, materializadas por meio de princpios, clusulas gerais ou conceitos jurdicos indeterminados, viabilizaram a sincronia da cincia do direito com a dinamicidade emergente do tecido social.

importante realar que a figura da boa-f assume duas conotaes: a subjetiva e a objetiva. No entanto, so figuras distintas que no podem ser confundidas. A boa-f subjetiva, que tambm conhecida como boa-f crena30, decorre de avaliao individual e equivocada que a pessoa possui e que faz acreditar que est atuando conforme o direito, o sujeito se encontra em completo estado de ignorncia sobre as caractersticas da situao jurdica. A pessoa acredita ser titular de um direito que, na realidade, no tem, porque esse direito s existe de maneira aparente.31 Ou, segundo Amaral, a boa-f subjetiva a convico pessoal da inexistncia de vcio, um estado de esprito, relevante para os direitos reais, [...].32

A boa-f objetiva no est inserida nesse contexto. A boa-f objetiva quer significar segundo a conotao que adveio da interpretao ao 242 do Cdigo Civil alemo [...] modelo de conduta social, arqutipo ou standard jurdico, segundo o qual cada pessoa deve ajustar a prpria conduta a esse arqutipo, obrando como obraria um homem reto: com honestidade, lealdade, probidade. 33

Teresa Negreiros assevera que na normativa constitucional que se deve buscar os critrios de interpretao e densificao da noo da boa-f objetiva, visto que onde e para onde, em ltima e definitiva instncia, se radicam e convergem os princpios constitucionais. 34

NORONHA, Fernando. O direito dos contratos e seus princpios fundamentais: autonomia privada, boa-f, justia contratual. So Paulo: Saraiva, 1994, p. 132. 31 MARTINS-COSTA, Judith. A boa-f no direito privado: sistema e tpica no processo obrigacional. So Paulo: Revista dos Tribunais. 1999. p. 411. 32 AMARAL, Francisco. A boa-f no processo romano. Revista Jurdica. vol. 1 n. 1. Rio de Janeiro: Faculdade de Direito da UFRJ, 1995, p. 33. 33 MARTINS-COSTA, op. cit. P. 411. nota 31 34 NEGREIROS, Teresa. Fundamentos para uma interpretao constitucional do princpio da boa-f. Dissertao apresentada como requisito parcial obteno do grau de Mestre em Teoria do Estado e Direito Constitucional da Faculdade de Direito da Pontifcia Universidade Catlica do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro: 1997, p. 51.

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Para corroborar esse entendimento a Autora traz colao o entendimento de Ruy Rosado de Aguiar Jnior:A boa-f uma clusula geral cujo contedo estabelecido em concordncia com os princpios gerais do sistema jurdico (liberdade, justia e solidariedade, conforme est na Constituio da Repblica), numa tentativa de concreo em termos coerentes com a racionalidade global do sistema.35

Essa viso leva Teresa Negreiros a concluir: Esta perspectiva, imposta pelo prprio legislador, de se conferir concreo do princpio da boa-f um contedo constitucionalizado, de forma a que esta se realize em termos coerentes com a racionalidade global do sistema, importa, portanto, uma profunda reviso da conceituao dos princpios jurdicos e, bem assim, da prpria idia de sistema, fundado constitucionalmente.36

No se podem vislumbrar as garantias processuais constitucionais dissociadas da boa-f objetiva. A boa f princpio geral do direito e, portanto, princpio diretor ou vetor de todo o ordenamento jurdico e, como tal, inamovvel.37 Essa concepo ou formulao do contedo e da importncia da boa-f objetiva pode parecer, em um primeiro momento, estarrecedora. No entanto, a harmonizao das garantias constitucionais processuais conduz,

inexoravelmente, ao efetivo acesso justia.

Com efeito, a repercusso da atuao da boa-f objetiva nas relaes intersubjetivas conduz a trilhar um novo caminho no campo do Direito Processual trazendo soluo para grande parte dos entraves na prestao de uma tutela jurisdicional efetiva.

So precisas as anotaes de Dinamarco de que a grande lio a extrair da obra de Cappelletti a de que o acesso justia o mais elevado e digno dos valores a cultuar no trato das coisas do processo. [...] a solene promessa de oferecer tutela jurisdicional a quem tiver razo ao mesmo tempo um princpio-sntese e o objetivo final, no universo dos princpios e garantias inerentes ao Direito Processual Constitucional. Todos os demais

AGUIAR JNIOR, Ruy Rosado. A Boa-F na Relao de Consumo, in Revista de Direito do Consumidor, n 14, Revista dos Tribunais, So Paulo, abril-junho de 1995, p. 24. 36 NEGREIROS, Teresa. Fundamentos para uma interpretao constitucional do princpio da boa-f. Dissertao apresentada como requisito parcial obteno do grau de Mestre em Teoria do Estado e Direito Constitucional da Faculdade de Direito da Pontifcia Universidade Catlica do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro: 1997, p. 51. 37 CRDOBA, Marcos. Palabras iniciales in Tratado de la buena fe en el derecho. Tomo I. CRDOBA, Marcos (Dir.). 1. ed. Buenos Aires: La Ley, 2004, p. VII.

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princpios e garantias foram concebidos e atuam no sistema como meios coordenados entre si e destinados a oferecer um processo justo, que outra coisa no seno o processo apto a produzir resultados justos.38

O processo justo o objetivo que tem sido perseguido. A maneira de alcan-lo o que tem impulsionado os juristas de todas as pocas numa busca incansvel. Vrias frmulas j foram apresentadas: a soluo ideal ainda no foi encontrada.

Conciliar a certeza e a segurana jurdicas com a prestao de uma tutela em tempo razovel o dilema que atormenta a todos envolvidos na lide forense. Entretanto, essa constatao no pode conduzir ao desencantamento nem, muito menos, levar ao descrdito desse valiosssimo instrumento da atuao estatal. A misso que se impe por demais nobre para deixar-se vencer pelos percalos j encontrados ao longo dessa trajetria.

Os mecanismos esto postos: as garantias constitucionais processuais vistas hoje como pilares que do sustentao atuao estatal na misso da justa composio da lide. Quer parecer que a grande dificuldade est na habilidade para se trabalhar esses mecanismos. Dinamarco adverte: preciso [...] no se ofuscar tanto com o brilho dos princpios nem ver na obcecada imposio de todos e cada um a chave mgica da justia, ou o modo infalvel de evitar injustias. Nem a segurana jurdica, supostamente propiciada de modo absoluto por eles, um valor to elevado que legitime um fechar de olhos aos reclamos de um processo rpido, gil e realmente capaz de eliminar conflitos, propiciando solues vlidas e invariavelmente teis. A adoo dessa premissa metodolgica manda, em primeiro lugar, que todos os princpios e garantias constitucionais sejam havidos como penhores da obteno de resultados justos, sem receber um culto fetichista que desfigura o sistema. [...] Muitas vezes preciso sacrificar a pureza de um princpio, como meio de oferecer tutela jurisdicional efetiva e suficientemente pronta, ou tempestiva; muitas vezes, tambm, preciso ler uma garantia constitucional luz de outra, ou outras, sob pena de conduzir o processo e os direitos por rumos indesejveis.39

Judith Martins-Costa apresenta a boa-f objetiva como topos subversivo, expresso que a ela mesma repercute com certa estupefao. Entretanto, como demonstra a autora, embora seja um conceito que remonta antiguidade, o mesmo permanece sempre atual e inovador na ordem jurdica. Nesse sentido, so diversas as adjetivaes que tm sido atribudas ao tema 38

DINAMARCO, Cndido Rangel. A nova era do processo civil. 2. ed. So Paulo: Malheiros. 2007, pp. 21-22. Destaques no original. 39 Ibidem. pp. 22-23.

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expresso da ps-modernidade40, fenmeno espantoso41, um mar sem margens42, que demonstram a amplitude do seu contedo e a inovao que o mesmo traz ordem jurdica. 43 Demolombre denomina a boa f como a alma das relaes sociais44. Jean Cruet diz que a boa-f o lubrificante invisvel que suaviza o funcionamento da mquina jurdica45. A boaf purifica e dulcifica os textos rgidos da lei com o banho lustral de suas normas ticas.46, afirma Milhomens. Alma que preside a convivncia social e todos os seus atos47 afirma Clemente de Diego. H, tambm, para alguns como A. Volanski, o conceito amplssimo no qual a boa-f o prprio fundamento do direito.48 Fuzier Herman define o conceito amplo de boa-f de outra forma quando diz que a equidade que preside a interpretao e execuo dos contratos.49 Von Thur diz que no se trata de uma norma jurdica nica. Mas de um princpio de direito que informa diferentes normas e que s vezes se inclina diante de outros interesses que o legislador julga mais importantes.50 Alsina Atienza sustenta que a boa-f princpio genrico que possui a aptido para solucionar casos concretos, de servir de fundamento e de propiciar a adequao da lei ao caso concreto, atenuando a sua aparente inflexibilidade.51 Destaca Alpio Silveira que a doutrina atribui boa-f o carter de

STORME, Marcel. La bonne foi: expression de la postmodernit en droit, in La bonne foi, cit. p. 460 e segs. apud MARTINS-COSTA, Judith. A boa-f no direito privado: sistema e tpica no processo obrigacional. So Paulo: Revista dos Tribunais. 1999. p. 409. 41 Patrick Henri. La bonne foi, Actes du colloque organiz le 30 mars 1990 per la Confrence Libre du Jeune Barreau de Lig, ASBL, ditios du Jeune Barreau de Lige, 1990, p. 5. apud MARTINS-COSTA, Judith. A boa-f no direito privado: sistema e tpica no processo obrigacional. So Paulo: Revista dos Tribunais. 1999. p. 409. 42 David-Constant. La bonne foi: une mer sans rivages, in La bonne foi, cit. p. 7 e segs. apud MARTINSCOSTA, Judith. A boa-f no direito privado: sistema e tpica no processo obrigacional. So Paulo: Revista dos Tribunais. 1999. p. 409. 43 MARTINS-COSTA, Judith. A boa-f no direito privado: sistema e tpica no processo obrigacional. So Paulo: Revista dos Tribunais. 1999. p. 409. 44 Code de Napoleon, XXIV, p. 376. Apud SILVEIRA, Alpio. La buena fe en el proceso civil. Buenos Aires: Ediar. 1947, p. 229. 45 A vida do direito e a inutilidade das leis. trad. port. p. 182. Apud SILVEIRA, Alpio. La buena fe en el proceso civil. Buenos Aires: Ediar. 1947, p. 229. 46 MILHOMENS, Jnathas. Da presuno de boa-f no processo civil. 1. ed. So Paulo: Forense. 1961, p. 22. 47 El silencio en el derecho, p. 98. Apud SILVEIRA, Alpio. La buena fe en el proceso civil. Buenos Aires: Ediar. 1947, p. 229. 48 Essai dne dfinition expressive du droit base sur la bonne foi. apud SILVEIRA, Alpio. La buena fe en el proceso civil. Buenos Aires: Ediar. 1947, p. 229. 49 Rprtoire alphabetique du droit franais, voz Bonne foi. Apud SILVEIRA, Alpio. La buena fe en el proceso civil. Buenos Aires: Ediar. 1947, p. 229. 50 La buena fe en el derecho romano y em el derecho actual, trad. esp. En la Revista de derecho privado, Madrid, 1925, p. 337. Apud SILVEIRA, Alpio. La buena fe en el proceso civil. Buenos Aires: Ediar. 1947, p. 246. 51 Efectos jurdicos de la buena fe, 1935, p. 4. Apud SILVEIRA, Alpio. La buena fe en el proceso civil. Buenos Aires: Ediar. 1947, p. 247.

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princpio no apenas informador do texto legal, mas, tambm, fornecedor de solues praeter legem para os casos a ela omissos.52 Jnathas Milhomens destaca que o direito do sculo da tcnica recolheu do passado os dados da experincia. Sem quebra de linha evolutiva, apropriou-se da sabedoria dos romanos [...] e engastou a bona fides em princpio. A boa-f no direito moderno separado da moral, mas no brigado com ela se apresenta sob a forma de princpio.53 Darci Guimares Ribeiro pe em relevo a importncia da boa-f processual qualificando-a como um sobreprincpio 54, na seguinte transcrio:

A boa-f processual quer seja ela obrigao, dever ou nus, quer esteja explcita ou implcita, , indiscutivelmente, um valor que paira acima de qualquer instituio jurdica, porque, nas palavras de Couture, el deber de decir la verdad existe, porque es um deber de uma conducta humana. O processo tem, em certa medida, uma boa dose de verdade, porque no seu conceito, em sentido social ou, como querem alguns, instrumental, ele um instrumento de realizao da justia, que est colocado disposio das partes pelo Estado, para que elas busquem a prestao da tutela jurisdicional, e nenhum instrumento de justia pode existir fundado em mentira. [...] Estas so as razes pelas quais a boa-f processual erigida categoria de sobreprincpio processual, que se sobrepe aos demais, por possuir um interesse pblico iminente, condicionando, sempre que possvel, os demais princpios, e coloca a verdade como apoio e sustento da justia, que a base do direito. O sobreprincpio da boa-f processual obriga as partes a agir e a falar a verdade em juzo, pois, segundo Klein, es principio geral que todo cuanto obste o dificulte los objetivos del proceso debe ser evitado. [...] A boa-f processual caracteriza-se, pois, como um sobreprincpio do ordenamento jurdico, posto que paira por cima dos demais princpios jurdicos, conseqentemente condiciona, determinando no espao e no tempo, sua interpretao. No se pode negar que os demais princpios processuais, inclusive aqueles guindados categoria constitucional, como por exemplo: o direito de ao, o contraditrio etc., no fiquem imunes ao dever supraconstitucional de agir e de falar em juzo ou fora dele com boa-f, com retido e com lealdade.55

SILVEIRA, Alpio. La buena fe en el proceso civil. Buenos Aires: Ediar. 1947, p. 247. MILHOMES, Jnathas. Da presuno de boa-f no processo civil. 1. ed. So Paulo: Forense. 1961, p. 10. 54 O Autor esclarece que a expresso sobreprincpio utilizada por analogia quela consagrada por Pontes de Miranda, regras de sobredireito, que segundo Pontes, significa Ser de sobredireito no ser de direito anterior o direito sobre que versa a regra de sobredireito, ser por cima desse direito para o determinar no espao, no tempo, ou em sua interpretao. PONTES DE MIRANDA, Tratado das aes. So Paulo: Revista dos Tribunais. 1972, 2. ed. t. I, 44, p. 245. O Autor observa, tambm, que Galeno Lacerda utiliza essa expresso emprestada, quando qualifica as normas sobre nulidades como normas de sobredireito processual. LACERDA, Galeno. O Cdigo e o Formalismo Processual. Revista da AJURIS. n. 28. ano 10. Porto Alegre: AJURIS. julho. 1983, p. 11. 55 RIBEIRO, Darci Guimares. O sobreprincpio da boa-f processual como decorrncia do comportamento da parte em juzo. Revista da AJURIS. vol. 31. n. 95 Porto Alegre: Ajuris. Set. 2004, pp. 76-78.53

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Afinal, que fenmeno ou que instituto este que tem causado tamanha estupefao e, ademais, desde os romanos, tem demonstrado a sua fora para reger relaes, estipular comportamentos, transmudar o primado da autonomia da vontade56 e, no mbito processual, tem servido para por em xeque ou, pelo menos, impor reflexo dogmas e verdades que pareciam to absolutos?

Princpio ou sobreprincpio geral do direito? Clusula geral de textura fluida tal qual um mar sem margens, alma das relaes sociais, fundamento prprio do direito, expresso da ps-modernidade?

Essas so concepes que buscam traduzir a amplitude e a complexidade da boa-f, que, no seu matiz objetivo, flexibiliza os textos rgidos da lei e harmoniza as relaes, que estabelece a confiana e reprime a deslealdade, que faz surgir direitos e faz desaparecer direitos, que impe obrigaes, que rompe paradigmas e estabelece paradigmas...

Clvis do Couto e Silva destaca que: O princpio da boa-f enderea-se sobretudo ao juiz e o instiga a formar instituies para responder aos novos fatos, exercendo um controle corretivo do Direito estrito, ou enriquecedor do contedo da relao obrigacional, ou mesmo negativo em face do Direito postulado pela outra parte. A principal funo a individualizadora, em que o juiz exerce atividade similar do pretor romano, criando o Direito do Caso. O aspecto capital para a criao judicial o fato de a boa-f possuir valor autnomo, no relacionando com a vontade. Por ser independente da vontade, a extenso do contedo da relao obrigacional j no se mede com base somente nela, e sim, pelas circunstncias ou fatos referentes ao contrato, permitindo-se construir objetivamente o regramento do negcio jurdico, com a admisso de um dinamismo que escapa, por vezes, at mesmo ao controle das partes. COUTO E SILVA,Clvis. O direito civil brasileiro na viso de Clvis do Couto e Silva. FRADERA, Vera Maria Jacob de. (org.). Porto Alegre: Livraria do Advogado. 1997, p. 42. Nesse mesmo sentido Judith Martins-Costa assevera que A concepo da obrigao como processo e como uma totalidade concreta pe em causa o paradigma tradicional do direito das obrigaes, fundado na valorizao jurdica da vontade humana, e inaugura um novo paradigma para o direito obrigacional, no mais baseado no dogma da vontade (individual, privada ou legislativa), mas na boa-f objetiva. MARTINS-COSTA, Judith. A boa-f no direito privado: sistema e tpica no processo obrigacional. So Paulo: Revista dos Tribunais. 1999, p. 394. Por sua vez, Tereza Negreiros destaca que [...] A boa-f objetiva conceituada como um dever de recproca cooperao entre partes ligadas por um vnculo obrigacional, e que, como tal, exige uma reformulao do significado da autonomia da vontade luz, precisamente, da normativa constitucional. NEGREIROS, Teresa. Fundamentos para uma interpretao constitucional do princpio da boa-f. Dissertao apresentada como requisito parcial obteno do grau de Mestre em Teoria do Estado e Direito Constitucional da Faculdade de Direito da Pontifcia Universidade Catlica do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro: 1997, p. 6.

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1.3. A Boa-F Objetiva como Norma Otimizadora das Garantias Processuais Constitucionais.

A ideologia norteadora da Carta Poltica de 1988 imprime no campo do Direito Processual Civil a consagrao dos fundamentos ticos do processo. A garantia do devido processo legal efetivamente assegurada quando aliada a justia formal justia substancial57, 58 refletindo, por conseguinte, um processo que seja intrinsecamente quo e justo segundo os parmetros tico-morais aceitos pela sociedade de qualquer poca e pas, que se revela capaz de realizar uma justia verdadeiramente imparcial, fundada na sua natureza e na sua razo.59, 60

Sob essa tica, o Supremo Tribunal Federal, na sua precpua funo de guardio da Constituio Federal, teve oportunidade de se manifestar sobre o princpio do devido processo legal, reconhecendo ser a mxima do fair trial uma das faces desse princpio e que, a garantia de um processo justo e quo est imbricada observncia da boa-f objetiva de todos os sujeitos participantes do processo.

Sob o delineamento amplssimo da concepo da boa-f objetiva, sobreleva a sua aplicao no mbito do Direito Processual Civil, no qual o processo - como instrumento pblico - para a consecuo dos seus escopos social, poltico, jurdico e pedaggico, tem na boa-f objetiva o norte a reger as atuaes de todos os sujeitos processuais.

Na busca da realizao dos aludidos escopos vale indagar: Como compatibilizar as garantias constitucionais, que visam efetividade do processo, expressas nos princpios do devidoTHEODORO JNIOR, Humberto. Abuso de Direito Processual no ordenamento jurdico brasileiro. In Abuso dos direitos processuais. BARBOSA MOREIRA, Jos Carlos (Coord.). Rio de Janeiro: Forense. 2000, p. 109. 58 [...] a teoria que melhor atende s idias do formalismo-valorativo [...] aquela que entende o processo como um procedimento em contraditrio pensada por Elio Fazzalari. [...] o processo s pode ser encarado, a partir da perspectiva do formalismo valorativo, como um procedimento em contraditrio, jungido aos valores constitucionais e devidamente demarcado pelas garantias processuais mnimas que configuram o devido processo legal processual (art. 5, LIV). Visa produo do justo, sua indelvel e irrenuncivel vocao constitucional, com o que tambm no domnio do processo e atravs dele se estar a construir uma sociedade mais livre, justa e solidria (art. 3, I, CRFB), fundada na cidadania e na dignidade da pessoa humana (art. 1, II e III, CRFB). MITIDIERO, Daniel Francisco. Elementos para uma Teoria Contempornea do Processo Civil Brasileiro. Porto Alegre: Livraria do Advogado. 2006, p. 145. 59 COMOGLIO, Luigi Paolo. Garanzie costituzionali e giusto processo( modelli a confronto). In Revista de Processo. n. 90, ano 23. So Paulo: Revista dos Tribunais. abr. jun. 1998, p. 105 60 No original: Questultima impone di considerare come dovuto ( e cio: como due, debido o devido) non gi qualunque processo che si limiti ad essere estrinsecamente fair (vale a dire: correto, leale o regolare, sul piano formale, secondo la law of the land), bensi un processo che sia intrinsecamente equo e giusto, secondo i parametri di qualsiasi epoca e paese, in quanto si riveli capace di realizzare una giustizia veramente imparziale, fondada sulla natura e sulla ragione.57

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processo legal, da ampla defesa e do contraditrio com o princpio constitucional da durao razovel do processo? Onde estaria o ponto de equilbrio? Qual a amplitude do devido processo legal? Qual a extenso da ampla defesa? At que ponto pode ser desenvolvido o contraditrio? Todas essas indagaes encontram respostas que desguam na aplicao da boa-f objetiva. Para a perfeita identificao do substrato oriundo do contedo da boa-f objetiva processual que se lana mo dos modelos jurdicos captados da fonte jurisprudencial na soluo veiculada em cada caso concreto.

Quadra por em relevo que as garantias constitucionais processuais no so de todo absolutas. O manejo e a extenso de cada uma delas deve ocorrer de forma harmnica o que, de per si, implica o alcance do ponto de equilbrio que importar um processo justo.

A idia de que as garantias constitucionais processuais seriam absolutas advm da ideologia do Estado liberal. Nesse sentido vale trazer colao as lies de Marinoni:[...] o direito liberal, diante da desconfiana em relao ao judicirio, foi obrigado a no dar elasticidade s noes de ampla defesa e contraditrio, e assim tornou invivel a tutela do direito antes da plenitude de cognio. [...] Os conceitos de ampla defesa e de contraditrio devem ser construdos a partir dos valores das pocas. Quando a preocupao do direito centrava na defesa da liberdade do cidado diante do Estado, a uniformidade procedimental e as formas possuam grande importncia para o demandado, nesse sentido a rigidez dos conceitos de ampla defesa e contraditrio assumia funo vital para o ru. Entretanto, como no poderia deixar de ser, a ampla defesa e o contraditrio eram vistos como garantias em relao ao Estado, e no como elementos que, quando conjugados, podem viabilizar a formao de procedimentos adequados s necessidades das diferentes situaes de direito substancial [...] 61

Concorrem para refletir essas reminiscncias da concepo liberal no Cdigo de Processo Civil o seguinte excerto:

O que hoje parece evidente, no o era poca da promulgao do Cdigo de Processo Civil, em 1973. O processo judicial no Brasil, visto a partir de sua disciplina constitucional, foi por muito tempo focalizado com um sistema de garantias contra o arbtrio e o personalismo, impondo limitaes ao poder de julgar em nome da idia de segurana jurdica, to cara ao pensamento moderno. Respaldada pelo discurso cientfico da modernidade, essa viso forjou processo tendencialmente plenrio, de feio cognitivista e prdiga recursividade. Tal modelo buscava proteger os indivduos contra os avanos do Estado-Juiz, impondo a certeza como condio de atuao efetiva do Estado, projetando enormemente a eficcia do princpio do contraditrio e da ampla defesa, fixando consistentes limites formais atividade jurisdicional e oferecendo amplas possibilidades de reviso MARINONI, Luiz Guilherme. Tutela de antecipada, julgamento antecipado, e execuo imediata da sentena. So Paulo: Revista dos Tribunais. 1998, p. 46.61

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hierrquica das decises. A vocao ordinariedade se fez evidente na prpria estrutura do Cdigo,[...]. Pouca ateno se deu ao aspecto temporal do processo e o seu descompasso, logo evidenciado, com a velocidade real da vida e com as exigncias dos novos direitos em afirmao.62

Entretanto, para o perfeito alcance do contedo das normas processuais faz-se mister compreender situar o momento histrico-cultural da sociedade. O direito advm da experincia social, conforme j afirmado por Miguel Reale. Portanto, a essncia das suas normas no pode ser alcanada dissociada da realidade social e da sua situao histrica. Nesse sentido adverte Ovdio Baptista:

indispensvel, no entanto, ter presente que essas tentativas de formao de sistemas, no que diz respeito ao direito, devem ser recebidas com reservas, pois o fenmeno jurdico, como se d com todas as expresses culturais formadoras das cincias do esprito, um ramo do saber humano que no se harmoniza com o conhecimento sistemtico, prprio da cincia da natureza. O direito, enquanto cincia hermenutica, busca o individual, em toda sua riqueza existencial e histrica, e, mesmo admitindo que se descreva como sistema, como prprio das cincias explicativas, que buscam alcanar o domnio da natureza e a construo de princpios e regras de validade universal, sua vocao natural orienta-o para a compreenso do fenmeno humano, que ser sempre situado historicamente. Esta peculiaridade, comum a todo fenmeno jurdico, mostra-se ainda mais visvel quando se trata do direito processual, dado que este ramo da cincia jurdica tem de tratar, necessariamente, de casos individuais, onde a construo de regras gerais mostrar-se- sempre uma tarefa limitada e precria.63

O processo, compreendido como fenmeno cultural, deve traduzir os valores e ideologias reinantes no seio social, deve retratar a cultura reinante na sociedade a qual se dirige.Se no processo se fazem sentir a vontade e o pensamento de um grupo, expressos em hbitos, costumes, smbolos frmulas ricas de sentido, mtodos e normas de comportamento, ento no se pode recusar a esta atividade vria e multiforme o carter de fato cultural. Nela, na verdade, se reflete toda uma cultura, considerada como conjunto de vivncias de ordem espiritual, que singularizam determinada poca de uma sociedade. Costumes religiosos, princpios ticos, hbitos sociais e polticos, grau de evoluo cientfica, expresso do indivduo na comunidade, tudo isto, enfim, que define a cultura e a civilizao de um povo, h de retratar-se no processo, em formas, ritos e juzos correspondentes. Ele, na verdade, espelha uma cultura, serve de ndice de uma civilizao.64

Marinoni conclama: chegado o momento do tempo do processo tomar o seu efetivo lugar dentro da cincia processual, pois este no pode deixar de influir sobre a elaborao62

AMARAL, Guilherme Rizzo e CARPENA, Mrcio Louzada. (Coord.). Vises crticas do Processo Civil Brasileiro: uma homenagem ao Prof. Jos Maria Rosa Tesheiner. Porto Alegre: Livraria do Advogado. 2005, pp. 23-24; 63 SILVA, Ovdio Arajo Baptista da, GOMES, Fbio Luiz . Teoria geral do Processo Civil. 4. ed. rev. e atual. So Paulo: Revista dos Tribunais. 2006, pp. 11-12. 64 LACERDA, Galeno. Teoria geral do processo. Rio de Janeiro: Forense. 2008, p. 4.

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dogmtica preocupada com a reconstruo do processo justo ou com aquele destinado a realizar concretamente os valores e os princpios contidos na Constituio da Repblica.65

O justo processo interesse de toda a sociedade e obrigao do Estado. Os direitos e garantias fundamentais estatudos na Constituio so tambm programas de ao e vetores do Estado por exprimirem valores que direcionam os fins da sociedade.66

As garantias constitucionais processuais atuam como vetores na atuao jurisdicional dando nova conotao axiolgica s normas processuais, ressaltando que o formalismo valorativo deixa evidente o imbricamento entre o processo civil, a Constituio e a cultura, sendo esse ltimo, pois, o mtodo mais adequado para estudar o direito processual civil contemporneo.67. Ademais, conforme asseverado por Mitidiero com esclio em Natalino Irti - La Et della Decodificacin - e em Zagrebelsky - Il Diritto Mitte Legge, Diritto, Giustizia:Vencida a ideologia de que il diritto si resolve nella leggi dello Stato, prpria daquilo que muito adequadamente j se chamou de mondo della sicurezza cuja forma histrica de legislao a forma-Cdigo (com a sua indisfarvel marca de auto-suficincia completude e coerncia), temos de levar a srio a idia de Estado Constitucional, concretizando cotidianamente os direitos fundamentais e reconhecendo que o direito, nessa quadra histrica, espraia para alm do crculo da legalidade estatal, buscando a sua unidade, suas potencialidades e seus limites nos valores e nas normas constitucionais.68

Nessa perspectiva, a norma inserta no art. 14, inciso II do CPC traz uma nova moldura para as normas processuais sob o espectro do Texto Constitucional. A absolutez dos direitos

fundamentais, como garantias liberais, j no perdura. O processo justo no compactua com tal concepo. O Processo no mero duelo das partes. A finalidade pblica do processo desborda os limites dos interesses das partes que so colocados na lide. Embora tenha sido concebido com matiz subjetivista o agir de acordo com a lei e com o direito traduzido pela boa-f subjetiva, h que se fazer uma releitura desse dispositivo legal com os olhar posto noMARINONI, Luiz Guilherme. Tutela de antecipada, julgamento antecipado, e execuo imediata da sentena. So Paulo: Revista dos Tribunais. 1998, p. 16. 66 MENDONA JUNIOR, Delosmar. Princpios da ampla defesa e da efetividade no Processo Civil brasileiro. So Paulo: Malheiros Editores. 2001, p. 61. 67 MITIDIERO, Daniel Francisco. Elementos para uma teoria contempornea do processo civil brasileiro. Porto Alegre: Livraria do Advogado. 2006, p. 21. 68 MITIDIERO, Francisco. Processo civil e estado constitucional. Porto alegre: Livraria do Advogado. 2007, p. 106.65

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Texto Constitucional. Para tal desiderato, Mitidiero, parafraseando Denti, convida a que se escreva um novo captulo da histria jurdica:[...] formalismo-valorativo, entendido esse como movimento cultural destinado a concretizar valores constitucionais no tecido processual [...] fora do carter nitidamente instrumental do processo, trazendo novamente ao plano dos operadores do processo a busca pelo justo. O mtodo o instrumental, e a racionalidade que perpassa o fenmeno a racionalidade prtica (quer na sua vertente processual, tpica-retrica, quer na sua vertente material), resgatando-se, em outro nvel qualitativo, o pensamento do problemtico para o direito processual civil. O processo deixa de ser visto como mera tcnica [...] assumindo a estatura de um verdadeiro instrumento tico, sem que se deixe de reconhecer, no entanto, a sua estruturao igualmente tcnica. Tal o momento que ora se est a viver: fomalismo-valorativo, em que os valores constitucionais impregnam a tcnica do processo, escrevendo mesmo, como observa Vittorio Denti, um novo capitolo di storia della nostra cultura giuridica.69

Os modelos jurdicos jurisprudenciais fundados na boa-f objetiva desempenham importante funo otimizadora de todo o sistema processual ao promover a ordenao da aplicao das normas processuais, bem como ao estabelecer uma aplicao prospectiva das mesmas, na busca indissocivel da efetividade do processo.

A eficcia do ordenamento jurdico processual est condicionada observncia da boa-f objetiva. Neste sentido, a aplicao das normas processuais encontra suas balizas na boa-f objetiva. a boa-f objetiva que permitir extrair a essncia do contedo da norma para aplic-la ao caso concreto. Da exsurge incontroverso que na multiplicidade de situaes a aplicao da norma tanto poder ser ampliada quanto restringida, sendo que tal equilbrio ser aferido na situao in concreto tendo por norte a efetividade do processo.70Podemos, a partir de ento, dizer que o vocbulo amplo para defesa no guarda pertinncia com ilimitado, porm, indiscutivelmente, significa extensa. No conota defesa prdiga, mas abundante. Isto porque o princpio constitucional da amplitude de defesa abrangente (no ilimitado), significando que tolera mitigaes, em face69

MITIDIERO, Daniel Francisco. Elementos para uma teoria contempornea do processo civil brasileiro. Porto Alegre: Livraria do Advogado. 2006, pp. 19-20. 70 Nesse sentido, traz-se colao: - MULTA DE 20% PREVISTA NO ARTIGO 601 DO CPC. A utilizao dos meios de defesa, com base nos princpios do contraditrio, da ampla defesa e do devido processo legal, encontra limites nos deveres processuais de lealdade e boa-f e nos princpios da celeridade e efetividade do processo, que tm o condo de assegurar parte um processo rpido e til, como garantia do direito fundamental de ao, previsto na Constituio Federal. Assim, os meios legais para impugnao das decises judiciais no podem ser usados simplesmente para protelar a execuo. A oposio vazia e impertinente da parte, com o flagrante e deliberado objetivo de retardar o resultado do processo, atenta contra a dignidade da Justia, e deve ser combatida pelo Poder Judicirio. Dessarte, correta a sentena ao enquadrar a conduta da R no artigo 600, inciso II, do CPC, e conden-la multa prevista no artigo 601 do mesmo Cdigo. (TRT 9 R.; Proc. 21561-2007-01109-00-1; Ac. 30053-2008; Quarta Turma; Rel Des Mrcia Domingues; DJPR 26/08/2008). (sem destaques no original)

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da eficcia normativa da efetividade, alada ao status constitucional do direito jurisdio e do devido processo legal, e no comporta dilaes interminveis, mesmo em nome da perfeio da descoberta da verdade; mas contm certos contedos indispensveis no jogo da proporcionalidade.71

O direito efetiva prestao da tutela jurisdicional importa atender necessidade de outorga da tutela do direito pelo processo. Nesse passo, o magistrado atua, sistematicamente, luz das diversas garantias constitucionais processuais incidentes sobre a lide e orientado para o atingimento desse alvo. A aplicabilidade de tais garantias no possui extenso ilimitada. A grande questo est no equacionamento dos valores segurana e efetividade. O direito de defesa encontra limites no marco da durao razovel do processo.

A boa-f objetiva no mbito processual civil apresenta-se como norma que equilibra a aplicao desses princpios na conjugao dos fatores segurana/certeza e celeridade na prestao da tutela jurisdicional.

Nesse diapaso, a boa-f objetiva norma conformadora das garantias constitucionais processuais aos interesses que se contrapem nos domnios do processo. Teresa Negreiros prope um enquadramento constitucional para o renascimento da boa-f, o que implica buscar na hermenutica constitucional os caminhos para a aplicao do princpio. [...] O princpio da boa-f configura-se, nesta tica, no como agente subversivo das transformaes na operao do sistema jurdico, mas como um resultado necessrio de sua conformao hierarquia de interesses fixada constitucionalmente.72,73 Na concepo formulada por Clia Barbosa Abreu Slawinski74, a boa-f objetiva regra que vem instrumentalizar valores constitucionalmente previstos.

MENDONA JUNIOR, Delosmar. Princpios da ampla defesa e da efetividade no Processo Civil brasileiro. So Paulo: Malheiros Editores. 2001, p. 80. 72 NEGREIROS, Teresa. Fundamentos para uma interpretao constitucional do princpio da boa-f. Dissertao apresentada como requisito parcial obteno do grau de Mestre em Teoria do Estado e Direito Constitucional da Faculdade de Direito da Pontifcia Universidade Catlica do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro: 1997, p. 12. 73 A proposio de Teresa Negreiros encontra-se alicerada nas lies de Pietro Perlingieri: Se o fundamento de cada ramo do direito de um ponto de vista no somente formal, mas tambm substancial, deriva do quadro constitucional, os atos e atividades devem ser influenciados, nos seus requisitos de validade e de eficcia e nos seus prprios pressupostos, pela hierarquia dos interesses que resulta da anlise das normas de uma Constituio rgida, fonte privilegiada das relaes pessoais, econmicas e sociais. PERLINGIERI, Pietro. Perfis do direito civil : introduo ao direito constitucional. Traduo de Maria Cristina De Cicco. 3. ed. rev. e ampl. Rio de Janeiro: Renovar. 1997, p. 285. 74 Contornos dogmticos e eficcia da boa-f objetiva. Rio de Janeiro: Lumen Juris 2002, p. 191.

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Dar interpretao subjetivista norma do art. 14, inciso II do CPC, na atual quadra histrica, esvaziar o seu contedo. ter uma viso mope da grandeza que dela advm. querer a perpetuao das concepes liberais individualistas em pleno sculo XXI. A elaborao dogmtica e doutrinria mantm-se renitente a ler essa clusula como metanorma, como garantia de que os direitos constitucionais sero garantidos em sua plenitude. Francisco Antnio Barros e Silva Neto afirma: Se o dever de lealdade processual revela a crtica ao liberalismo, natural que o esforo da moralizao do processo encontre resistncia nos setores mais conservadores da praxis forense e das academias.75 Entretanto, essa postura das academias e dos tribunais no pode ser vista com naturalidade. preciso libertar-se dessas razes. preciso deixar para traz a concepo subjetivista da boa-f aliada a bolo e m-f. A leitura do art. 14, inciso II do CPC com os olhos postos na Constituio Federal liberta-o dessa concepo subjetivista e d-lhe conotao objetiva imprimindo uma nova validade dogmtica.

A concepo liberal das garantias constitucionais processuais como absolutas endossa a viso duelstica do processo. Viso essa que no coaduna com o processo cooperativo, fruto da leitura das normas processuais luz da Constituio. A leitura do art. 14, II, do CPC - como boa-f objetiva - norma que veda o agir individualista. norma que limita o duelo irrefreado no campo processual, norma que veda o uso indevido do processo. A boa-f objetiva limita o uso das garantias processuais, no sentido advindo da idia liberal, aplicando outras garantias constitucionais. Trata-se de ler o princpio da ampla defesa, no como defesa prdiga ou defesa ilimitada, mas como defesa necessria. ler a garantia do contraditrio como garantia de participao efetiva, participao na construo da deciso. ler o devido processo legal na sua feio substantiva e no meramente formal, o devido processo leal, o devido processo justo. ler o princpio da igualdade ou da paridade de armas com os olhos postos na boa-f objetiva. Significa no se olvidar, na aplicao dessas garantias processuais, de outras garantias constitucionais, tais como, justia, equidade, tutela jurisdicional adequada. A boa-f objetiva traz nsita em seu contedo a noo de correo processual. mxima do comportamento correto. Atua no sistema jurdico como pretenso de correo. Nesse sentido vale trazer colao:SILVA NETO, Francisco Antnio de Barros e. A improbidade processual da Administrao Pblica e sua responsabilidade objetiva pelo dano processual. Tese apresentada ao programa de Ps-Graduao em Direito da Faculdade de Direito de Recife Centro de Cincias Jurdicas da Universidade Federal de Pernambuco, como requisito parcial para a obteno do grau de Doutor em Direito rea de Concentrao Direito Pblico. Data da defesa 05/11/2007, Disponvel em www.bdtd.ufpe.br/simplificado. Acesso em 22/09/2008, Recife. 2007, p. 13.75

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O centro do aparato das garantias reconhecidas como fundamentais, tanto para o processo civil, quanto para o processo penal, emanadas da Conveno Europia e do Pacto Internacional dos Direitos Civis e Polticos, resume-se na exigncia da correo processual, expresso que bem pode traduzir a palavra inglesa fairness e hearing, constantes do art. 6, I, da e do art. 14, I, do que qualificam o justo processo (fair hearing). [...]doutrinador: a mais expressiva componente do complexo de implicaes que a jurisprudncia da Corte e da Comisso Europia extrai, de um ponto de vista genrico, da idia de correo processual, certamente aquela que se traduz no princpio da igualdade ou paridade das armas entre as partes do processo 76

A est a grandeza da clusula da boa-f objetiva. Trata-se de norma cogente, norma de ordem pblica. Atua independentemente da vontade dos interessados e mesmo contrariando tais vontades, que so impotentes (=irrelevantes) para impedir a sua incidncia, a qual , assim, inexorvel.77 metanorma, atua estruturando a aplicao de outras normas processuais. norma que expressa a correo processual. A boa-f objetiva como correo processual encontra-se afinada historicidade do direito. Alexy sustenta que a pretenso de correo do direito importa em atribuir-lhe uma dimenso ideal necessria.78, 79

Nesse ponto, vale trazer baila que o princpio do devido processo legal pode ser definido como a espinha dorsal do processo. sobre tal princpio que o processo, em seu procedimento em contraditrio, se ancora. A relevncia de tal princpio incontestvel, sendo diretriz suprema do Estado Democrtico de Direito.

Conforme bem apontado por Maria Rosynete Oliveira Lima, hoje, quase duas dcadas aps a instalao da ordem jurdica pela Constituio Poltica de 1988, onde o princpio do devido processo legal veio expressamente estampado, a doutrina e a jurisprudncia mantm oCHIAVARIO, Mario. apud FAGUNDES FILHO, Henrique. A equidade e o processo justo In Processo e Constituio: estudos em homenagem a Jos Carlos Barbosa Moreira. FUX, Luiz; NERY JR., Nelson; WAMBIER, Teresa Arruda Alvim. (Coord.). So Paulo: Revista dos Tribunais. 2006, p. 722. 77 ALVIM, Arruda. Manual de direito processual civil: parte geral. Vol. I. 7. ed. ver. atual. e ampl. So Paulo: Revista dos Tribunais. 2001, p. 122. 78 ALEXY, Robert; BULYGIN, Eugenio. La pretensin de correccin del derecho: la polmica Alexy/Bulygin sobre la relacin entre derecho y moral. Traduccin e Introduccin de Paula Gaido. Teora Jurdica y Filosofa del Derecho, n. 18. Bogot: Universidad Externado de Colombia. 2001, pp. 28-29. 79 No original: Para Alexi el anlisis de la relacin entre derecho y moral en el marco de la teora del discurso muestra a la pretensin de correccin como una dimensin ideal y necesaria del derecho, que lo conecta con la moral universal procedimental. Segn Alexi, la pretensin de correccin implica una pretensin de justificabilidad. La pretensin de justificabilidad crea la posibilidad de presentar mejores contra-argumentos, que pueden cambiar la prctica de la justificacin en el futuro. Para Alexy justificar implica aceptar a otra persona como un igual, y la pretensin de defender lo que se afirma no slo frente al adversario sino frente a cualquiera. Estas pretensiones de igualdad y de universalidad constituyen la base de una tica procedimental, sobre la que se basa Alexy, y que toma fundamentalmente de Habermas. La conexin que la teora del discurso crea entre los conceptos de correccin, justificabilidad y generalizabilidad puede, conforme a Alexy, ser transportada del derecho con la ayuda de la tesis de que el discurso es un caso especial del discurso prctico general.76

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interesse pelo tema j no se discutindo mais a sua presencialidade normativa, mas a sua significao no contexto jurdico brasileiro.80

Nesse passo, o devido processo legal desdobra-se nas feies formal e substantiva como matriz da segurana jurdica, tendo como corolrios a ampla defesa, o contraditrio e a motivao das decises.

Neste sentido so as lies de Dinamarco:

O Direito Processual Constitucional pe o estudo do procedimento sob o enfoque da garantia do devido processo legal e com isso o estudioso conscientiza-se de que as exigncias do Cdigo constituem projeo de uma norma de maior amplitude e mais alta posio hierrquica, sendo indispensvel uma interpretao sistemtica. Da para entender que o procedimento um meio tcnico para a efetividade do postulado democrtico da participao, o passo pequeno e j se vai chegando percepo das grandes linhas do que se chama justo processo (Augusto Mrio Morello), ou processo justo e quo (Luigi Paolo Comoglio).81, 82

Nelson Nery Jnior, por sua vez, destaca que:[...] bastaria a norma constitucional haver adotado o princpio do due process of law para que da de