A Bruxa e a Arte Do Sonhar (Doc) (Rev) Florinda Donner Grau
-
Upload
geronima33821 -
Category
Documents
-
view
294 -
download
2
Transcript of A Bruxa e a Arte Do Sonhar (Doc) (Rev) Florinda Donner Grau
-
7/23/2019 A Bruxa e a Arte Do Sonhar (Doc) (Rev) Florinda Donner Grau
1/250
http://groups-beta.google.com/group/digitalsourcehttp://groups-beta.google.com/group/digitalsource
http://groups-beta.google.com/group/digitalsourcehttp://groups-beta.google.com/group/digitalsourcehttp://groups-beta.google.com/group/digitalsource -
7/23/2019 A Bruxa e a Arte Do Sonhar (Doc) (Rev) Florinda Donner Grau
2/250
Florinda Donner-GrauFlorinda Donner-Grau
A bruxa e a arteA bruxa e a arte
do sonhardo sonhar
Traduo de
A. COTA
Donner! Florinda
A bruxa e a arte do sonhar / Florinda Donner-Grau;
traduo de A. Costa. - "io de #aneiro: "ecord: $o%a &ra! '(().
Traduo de: The *itch+s dream ,$ )-'-(-)
'. 0ndios 1anomami - "eligio e mitologia. 2. 3ndios 1anomami - 4edicina.
5. 6amanismo - 7ene8uela. 9. &tnologia - 7ene8uela - Trabalho de campo. ,.T3tulo.
-
7/23/2019 A Bruxa e a Arte Do Sonhar (Doc) (Rev) Florinda Donner Grau
3/250
T3tulo original norte-americano THE WITCH'S DREA
Copright ; '(() b Florinda Donner-Grau
-
7/23/2019 A Bruxa e a Arte Do Sonhar (Doc) (Rev) Florinda Donner Grau
4/250
foi introduzida ao mundo da cura espiritual como antroploga. Mas seufoi introduzida ao mundo da cura espiritual como antroploga. Mas seu
envolvimento logo se transformou e se aprofundou na dire!o de algoenvolvimento logo se transformou e se aprofundou na dire!o de algo
"em mais pessoal."em mais pessoal.
#ste livro $ o relato#ste livro $ o relato e%traordin&rio de suase%traordin&rio de suas e%peri'ncias com Donae%peri'ncias com Dona
Mercedes, uma %am!Mercedes, uma %am!idosa de uma remota cidade venezuelana conhecidaidosa de uma remota cidade venezuelana conhecida
por suapor suapopula!o de espiritualistas, feiticeiros e m$diuns. (ra"alhandopopula!o de espiritualistas, feiticeiros e m$diuns. (ra"alhando
como aprendiz de Dona Mercedes, Florinda testemunhou emcomo aprendiz de Dona Mercedes, Florinda testemunhou emprimeira m!oprimeira m!o
o poder e a "eleza da verdadeira cura espiritual.o poder e a "eleza da verdadeira cura espiritual.
)o mesmo tempo, travou contato com muitas pessoas *ue)o mesmo tempo, travou contato com muitas pessoas *ueprocuravam aprocuravam a
%am! em "usca de a+uda.%am! em "usca de a+uda.#ntremeado com as histrias impressionantes#ntremeado com as histrias impressionantes
de Dona Mercedes, est& a prpria histria dram&tica de autodesco"ertade Dona Mercedes, est& a prpria histria dram&tica de autodesco"erta
da autora, pois $ atrav$s dos encontros com essas pessoas *ue Florindada autora, pois $ atrav$s dos encontros com essas pessoas *ue Florinda
se conscientiza de seus prprios poderes espirituais e se d& conta dose conscientiza de seus prprios poderes espirituais e se d& conta do
*uanto sua presena se torna importante como au%iliar nos tra"alhos da*uanto sua presena se torna importante como au%iliar nos tra"alhos da
velha curandeira.velha curandeira.
-
7/23/2019 A Bruxa e a Arte Do Sonhar (Doc) (Rev) Florinda Donner Grau
5/250
especial para mim. $a %erdade! seu trabalho coincide com o meu! ao
mesmo tempo ue se des%ia dele. Florinda Donner-Grau J minha
companheira de trabalho. $Ks dois estamos en%ol%idos no mesmo proeto
e ambos pertencemos ao mundo de Don #uan 4atus. A diHerena pro%Jm
do Hato de ela ser mulher. $o mundo de Don #uan! homens e mulheres
caminham na mesma direo! seguem o mesmo caminho de luta! mas
esto de lados opostos da estrada.
-
7/23/2019 A Bruxa e a Arte Do Sonhar (Doc) (Rev) Florinda Donner Grau
6/250
por Florinda Donner-Grau! ue so8inha e contra terr3%eis desa%enas
mante%e-se calma! permaneceu Iel aos caminhos do guerreiro e seguiu os
ensinamentos de Don #uan ao pJ da letra.
arlos astaneda
$ota da Autora$ota da Autora
O estado de 4iranda! no nordeste da 7ene8uela! Hoi habitado pelos
3ndios Caribe e Ciparicoto durante o per3odo prJ-hispQnico. Durante a
-
7/23/2019 A Bruxa e a Arte Do Sonhar (Doc) (Rev) Florinda Donner Grau
7/250
coloni8ao! dois outros grupos raciais e culturais tornaram-se
proeminentes por lE: os coloni8adores espanhKis e os escra%os aHricanos!
tra8idos pelos primeiros para trabalhar em suas plantaLes e minas.
Os descendentes destes 3ndios! espanhKis e aHricanos deram
origem R mestia populao ue atualmente sobre%i%e nas peuenas
aldeias! %ilareos e cidades espalhadas pelo interior e pelo litoral.
4uitas destas cidades no estado de 4iranda so Hamosas pelos
seus curandeiros! muitos dos uais tambJm so espiritualistas! mJdiuns e
bruBos.
&m meados da dJcada de ?! %iaei para 4iranda. $auele tempo!
eu era uma estudante de antropologia interessada nas prEticas curati%as e
acabei trabalhando com uma curandeira nati%a.
-
7/23/2019 A Bruxa e a Arte Do Sonhar (Doc) (Rev) Florinda Donner Grau
8/250
O dicionErio da "eal Academia &spanhola deIne nagual como uma
adaptao espanhola para a pala%ra ue signiIca! na linguagem nEuatle
do eBtremo sul do 4JBico! bruBo ou mago.
As tradicionais histKrias de naguais homens de tempos antigos
ue possu3am poderes eBtraordinErios e eram capa8es de atos ue
desaIam a imaginao continuam a eBistir no 4JBico moderno. 4as!
tanto nas cidades uanto nas 8onas rurais! os naguais contemporQneos
so puramente legendErios. &les parecem %i%er somente no Holclore!
passado de boca em boca! ou no mundo da Hantasia.
O nagual ue conheci! entretanto! era real. $o ha%ia nada ilusKrio
nele. Uuando perguntei! sem uerer ser curiosa! o ue o torna%a um
nagual! ele me apresentou uma eBplicao ao mesmo tempo simples e
totalmente compleBa sobre o ue Ha8ia e era. &le me disse ue o
nagualismo comea com duas con%icLes: a certe8a de ue os seres
humanos so seres eBtraordinErios %i%endo em um mundo eBtraordinErio!
e a certe8a de ue nem o homem nem o mundo podem ser aceitos como
%erdade sob nenhuma circunstQncia.
A partir dessas doces e simples premissas! disse ele! surge uma
concluso simples: o nagualismo retira uma mEscara para colocar outra.
Os naguais retiram a mEscara com a ual %emos nKs mesmos e o mundo
em ue %i%emos como um local comum! sem graa! pre%is3%el e repetiti%o
e colocam uma segunda! ue irE audar-nos a %ermos nKs prKprios e o
ambiente ue nos en%ol%e da Horma ue realmente somos: momentos
emocionantes ue Porescem uma Snica %e8 durante nossa transitKria
eBistNncia e ue nunca mais se repetem.
ApKs o encontro com este inesuec3%el nagual! ti%e uma hesitao
momentQnea ao perceber o medo ue senti ao me deparar com estas
uestLes como um paradigma imposto. Uuis correr para longe dauele
3ndio e de sua busca! mas! ao mesmo tempo! no ueria Ha8er isso. Algum
tempo depois! tomei uma deciso drEstica e me untei a ele e a seu grupo.
4as esta no J uma histKria sobre auele nagual! embora suas
idJias e inPuNncia esteam Hortemente presentes em tudo o ue Hao. $o
J minha tareHa escre%er sobre ele! nem mesmo di8er seu nome. &Bistem
-
7/23/2019 A Bruxa e a Arte Do Sonhar (Doc) (Rev) Florinda Donner Grau
9/250
outros no grupo ue iro Ha8er isso.
Uuando decidi acompanhE-lo! ele me le%ou ao 4JBico para
conhecer uma estranha e Horte mulher! sem me di8er ue ela era
possi%elmente a mulher mais inPuente e sEbia do grupo dele. eu nome:
Florinda 4atus. Apesar das roupas malcuidadas ue usa%a! ela tinha uma
elegQncia comum Rs mulheres altas e magras. O aspecto pElido de sua
Hace! Ina e se%era! era coroado por tranas de cabelos brancos e
iluminada por largos e luminosos olhos. ua %o8 rouca e a risada alegre e
o%ial dissiparam meu temor irracional.
O nagual me deiBou aos cuidados dela. A primeira coisa ue uis
saber de Florinda era se ela tambJm era um nagual. orrindo uase
enigmaticamente! ela apenas reInou a deInio da pala%ra.
er um bruBo! um mago ou uma Heiticeira no signiIca ser um
nagual. 4as ualuer um pode se tornar um deles! a partir do momento
em ue ele ou ela se tornam responsE%eis por um grupo de homens e
mulheres e em ue encaminham este grupo para um en%ol%imento em
uma uesto espec3Ica do conhecimento disse ela.
Uuando perguntei ue uesto era essa! ela respondeu ue para
estes homens e mulheres o obeti%o era encontrar a segunda mEscara!
auela ue nos %ai audar a %ermos nKs mesmos e o mundo da maneira
ue nKs realmente somos: momentos emocionantes.
&ntretanto! este li%ro tambJm no J a histKria de Florinda! apesar
do Hato de ela ser a mulher ue me guia em todos os meus atos.
-
7/23/2019 A Bruxa e a Arte Do Sonhar (Doc) (Rev) Florinda Donner Grau
10/250
$o. Acontece ue %ocN gosta do nagual. A presena dele
dominou %ocN. Aconteceu o mesmo comigo. Fui dominada pelo nagual
antecessor. O bruBo mais irresist3%el ue E eBistiu.
Admito ue %ocN estE certa! mas em parte. &u me importo pela
busca do nagual.
$o du%ido. 4as sK isso no J suIciente. As mulheres precisam
conhecer algumas manobras espec3Icas a Im de encontrar a essNncia de
si mesmas.
Uuais manobrasV De ue essNncia %ocN estE Halando! FlorindaV
e eBiste alguma coisa dentro de nKs ue no conhecemos!
como habilidades escondidas! coragem e astScia amais imaginadas ou
uma nobre8a de esp3rito Hrente a dor e o soHrimento! ela aparecerE se nKs
Hormos conHrontados com o desconhecido! nos momentos em ue estamos
so8inhos! sem amigos! sem o apoio Hamiliar! sem suporte. e! nessas
situaLes! no acontecer nada! J porue nKs no temos nada. & antes de
di8er ue %ocN realmente se importa com a busca do nagual! de%e
descobrir se eBiste algo dentro de %ocN.
-
7/23/2019 A Bruxa e a Arte Do Sonhar (Doc) (Rev) Florinda Donner Grau
11/250
sobre auele lugar. $o sa3 de lE numa boa situao.
em melhor. Assim %ocN poderE enHrentar suas antigas
desa%enas.
-
7/23/2019 A Bruxa e a Arte Do Sonhar (Doc) (Rev) Florinda Donner Grau
12/250
pala%ras Hortes e gestos decisi%os! Florinda proibiu-me de pedir! sob
ualuer circunstQncia! conselhos a ualuer pessoa. Ao saber ue iria
para uma uni%ersidade! ela me ad%ertiu ue no utili8asse os adornos da
%ida acadNmica enuanto esti%esse no campo. &u no poderia pedir
Ha%ores! ter super%isores acadNmicos! nem mesmo pedir ualuer tipo de
auda a minha Ham3lia e amigos. De%eria deiBar os acontecimentos me
guiarem para um caminho a ser seguido. &scolhido um! de%eria mergulhar
nele com a HSria de uma mulher no caminho do guerreiro.
,ria R 7ene8uela para Ha8er uma %isita inHormal.
-
7/23/2019 A Bruxa e a Arte Do Sonhar (Doc) (Rev) Florinda Donner Grau
13/250
pensamentos e aLes.
-
7/23/2019 A Bruxa e a Arte Do Sonhar (Doc) (Rev) Florinda Donner Grau
14/250
Florinda enterneceu-se! desHa8endo a resposta incisi%a ue esta%a
pronta para me dar.
Tudo bem! tudo bem disse de%agar! acenando para ue
puBasse minha cadeira para mais perto da dela. 7ou di8er o ue
considero importante para sua %iagem. Feli8mente! no eBistem os
detalhes ue %ocN tanto procura. O ue %ocN uer eBatamente de mim J
ue eu diga como agir numa situao Hutura e uando isso %ai acontecer.
W algo estSpido demais para se perguntar. Como poderia dar instruLes de
algo ue ainda no eBisteV &m %e8 disso! ensinarei a %ocN como arrumar
seus pensamentos! sentimentos e reaLes. Com esse trunHo na mo! serE
capa8 de resol%er ualuer e%entualidade ue possa surgir.
7ocN realmente estE Halando sJrio! FlorindaV perguntei
incrJdula.
er3ssimo assegurou-me. ,nclinando-se na cadeira! disparou a
Halar com um meio sorriso ue! a ualuer momento! parecia ue iria
tornar-se uma gargalhada. O primeiro detalhe a ser considerado J Ha8er
uma a%aliao de si mesma. 7ocN %erE ue! no mundo do nagual! nKs
somos responsE%eis pelos nossos atos.
&la me lembrou ue eu conhecia o caminho do guerreiro. Durante
todo o tempo em ue esti%e com ela! recebi um eBtenso treinamento da
trabalhosa IlosoIa prEtica dos naguais.
-
7/23/2019 A Bruxa e a Arte Do Sonhar (Doc) (Rev) Florinda Donner Grau
15/250
Huriosamente a nada para poder ou%ir e %er sK assim podero %encer!
sendo humildes pela sua conuista! ou perder! sendo realadas pela sua
derrota.
$o caminho do guerreiro! mulheres no se rendem. &las podem
ser derrotadas milhares de %e8es! mas nunca rendidas. $o caminho do
guerreiro! acima de tudo! as mulheres so li%res.
,ncapa8 de interrompN-la! Iuei olhando de maneira IBa para
Florinda! completamente Hascinada! embora no pudesse captar o ue ela
di8ia. enti-me proHundamente desesperada uando ela parou de Halar
parecendo ue no tinha mais nada a di8er. $o consegui me controlar e
comecei a chorar de Horma compulsi%a. abia ue o ue ela acabara de
di8er no me audaria a resol%er meus problemas.
&la me deiBou chorar por um bom tempo e! ento! comeou a rir.
7ocN estE realmente chorandoY disse ela com incredulidade.
7ocN J a pessoa mais sem corao e insens3%el ue E conheci
disse entre soluos. 7ocN estE prestes a me mandar para sabe-se lE
Deus onde e no uer me di8er o ue de%o Ha8er.
4as eu disse Halou ainda rindo.
O ue %ocN acabou de di8er no tem nenhum %alor em uma
situao real retruuei com rai%a. 7ocN soa como um ditador
proHerindo slogans.
Florinda obser%ou-me alegremente.
7ocN serE surpreendida pelo uanto usarE destes slogans
estSpidos Halou. 4as! por agora! %amos chegar a um entendimento.
$o estou mandando %ocN para um lugar ualuer. 7ocN J uma mulher no
caminho do guerreiro e J li%re para Ha8er o ue desear. 7ocN sabe disto.
7ocN ainda no entendeu o ue J o mundo do nagual. $o sou sua
proHessora! nem sua mentora! ou mesmo responsE%el por %ocN. 7ocN J a
responsE%el por si prKpria. O ensinamento mais diH3cil de entender no
mundo do nagual J ue ele oHerece liberdade irrestrita. 4as liberdade no
signiIca estar li%re.
Cuido de %ocN porue %ocN tem uma habilidade natural para %er
as coisas como elas so! tem a capacidade de se aHastar de uma situao
-
7/23/2019 A Bruxa e a Arte Do Sonhar (Doc) (Rev) Florinda Donner Grau
16/250
e %er a bele8a em tudo isso. ,sto J um presente! %ocN nasceu assim. A
maior parte das pessoas ue se en%ol%em com o mundo do nagual le%a
anos para conseguir aHastar-se das situaLes nas uais estE en%ol%ida e
ser capa8 de %er a bele8a disso tudo.
Apesar de seu elogio! esta%a prestes a ter um ataue de ner%os.
&la Inalmente me acalmou! prometendo ue antes de meu a%io partir
me daria as inHormaLes espec3Icas e detalhadas ue eu tanto ueria.
&sperei no corredor de embarue da companhia aJrea! mas
Florinda no apareceu. Desapontada e desanimada! dei liberdade para o
sentimento de desespero e desapontamento ue crescia dentro de mim.
em me importar com os olhares curiosos em %olta de mim! sentei-me e
comecei a chorar. $unca ha%ia me sentido to so8inha. A Snica coisa na
ual pensa%a era ue ninguJm ha%ia %indo se despedir de mim! ninguJm
ha%ia %indo me audar com minha bagagem. &sta%a acostumada a me
despedir dos meus parentes e amigos.
Florinda tinha me ad%ertido ue ualuer um ue escolhesse o
mundo do nagual de%eria estar preparado para uma solido Horada. &la
deiBou claro ue! para ela! solido no signiIca estar so8inho! mas sim um
estado H3sico de solido.
Cap3tulo 5Cap3tulo 5
$unca poderia imaginar ue minha %ida se tornaria to monKtona.
&m um uarto de hotel de Caracas! so8inha e sem ter noo do ue Ha8er!
eBperimentei! pela primeira %e8! a solido da ual Florinda ha%ia Halado.
Tudo ue gosta%a de Ha8er era sentar-me na cama do hotel e assistir R T7
$o ueria tocar na minha bagagem. Cheguei a pensar em pegar um
-
7/23/2019 A Bruxa e a Arte Do Sonhar (Doc) (Rev) Florinda Donner Grau
17/250
a%io de %olta para Zos Angeles. 4eus pais no esta%am na 7ene8uela
neste per3odo e tambJm no conseguia teleHonar para meus irmos.
Depois de um esHoro tremendo! comecei a desHa8er minha mala.
&scondido no meio de uma cala dobrada! encontrei um pedao de papel
com a letra de Florinda! ue comecei a ler a%idamente.
$o se preocupe com detalhes. Detalhes tendem a se austar para
ser%ir as circunstQncias! se alguJm ti%er uma con%ico. eus planos
de%em ser como pegadas. &scolha alguma coisa e a chame de comeo.
&nto %E e encare o in3cio. Uuando esti%er cara a cara com o comeo!
deiBe ue ele a le%e para ualuer lugar poss3%el. ConIo ue suas
con%icLes no deiBaro ue %ocN escolha um in3cio eBcNntrico. ea
realista e simples para poder selecionar com sensate8. Faa isso agoraY
-
7/23/2019 A Bruxa e a Arte Do Sonhar (Doc) (Rev) Florinda Donner Grau
18/250
sentimento de apreenso ue logo se transHormou em medo. Uuando ele
me disse ue eu no de%eria ir a cidade de ortes! embora lE Hosse o
maior centro espiritualista do oeste da 7ene8uela! comecei a Icar
realmente chateada com ele. &le parecia estar antecipando-se a mim de
todas as Hormas. &ra eBatamente para esta peuena cidade ue eu esta%a
planeando ir se nada mais acontecesse.
#E esta%a uase me despedindo e deiBando a Hesta uando ele me
disse ue eu de%eria considerar seriamente a possibilidade de ir para a
cidade de Curmina! no nordeste da 7ene8uela! onde poderia ter um
sucesso Henomenal! pois a cidade era um no%o e %erdadeiro centro de
espiritualismo e cura.
&u no sei como descobri isso! apenas sei ue %ocN estE morta
de %ontade de estar com as bruBas de Curmina disse num tom de %o8
seco e prEtico.
&le pegou um pedao de papel e desenhou um mapa da regio!
dando-me as distQncias eBatas de Caracas aos %Erios pontos na regio
onde espiritualistas! bruBos! Heiticeiras e curandeiros %i%eriam. Deu uma
NnHase especial a um nome: 4ercedes
-
7/23/2019 A Bruxa e a Arte Do Sonhar (Doc) (Rev) Florinda Donner Grau
19/250
relacionarem com os dois tipos de pessoas ue os procuram: doentes em
busca de auda e clientes em busca de ser%ios de Heitiaria. Curandeiros
so proIssionais ue se empenham! eBclusi%amente! em restaurar a
saSde e o bem-estar.
Florinda tambJm He8 uesto de incluir em sua classiIcao uma
poss3%el combinao destas trNs prEticas.
Como em um ogo! mas sendo absolutamente sJria a respeito
dauilo tudo! ela sustentou ue! na tentati%a de restaurar a saSde! eu
esta%a predisposta a acreditar ue as prEticas de cura no-ocidentais
eram mais hol3sticas ue a medicina ocidental. &la me He8 %er ue eu
esta%a errada! porue a cura depende do proIssional e no de um
conunto de conhecimentos. &la argumentou ue no eBiste nada como as
prEticas de cura no-ocidentais! desde ue a cura! ao contrErio da
medicina! no sea uma disciplina Hormali8ada. &la costuma%a go8ar do
meu prKprio caminho. Fa8ia-me %er ue meu preconceito era como o
dauelas pessoas ue acreditam ue! se um doente Hoi curado pelo
tratamento com plantas medicinais! por massagens ou por re8as! a
doena seria psicossomEtica ou a cura seria resultado de uma sorte
acidental ue o proIssional no conseguiria entender.
Florinda esta%a con%encida de ue uma pessoa ue recuperasse a
saSde! tanto pelas mos de um mJdico uanto de um curandeiro! seria
alguJm capa8 de alterar em si prKprio os sentimentos Hundamentais do
corpo e tambJm suas ligaLes com o mundo seria ento! alguJm capa8
de oHerecer o corpo! assim como a mente! a no%as possibilidades! ue
uebrariam o habitual molde ue o corpo e a mente tinham aprendido a
obedecer. ma outra dimenso de conhecimento tornar-se-ia acess3%el e
as eBpectati%as de doena e cura do senso comum poderiam comear a
ser tradu8idas como no%os conhecimentos corporais ue se tornaram
cristali8ados.
Florinda comeou a gargalhar uando demonstrei uma surpresa
genu3na ao ou%ir seus pensamentos ue! nauele momento! eram
re%olucionErios demais para mim. &la me disse ue tudo o ue ha%ia
Halado surgiu do conhecimento compartilhado com seus companheiros no
-
7/23/2019 A Bruxa e a Arte Do Sonhar (Doc) (Rev) Florinda Donner Grau
20/250
mundo do nagual.
eguindo as instruLes do bilhetes de Florinda! deiBei os
acontecimentos me guiarem. DeiBei-os desen%ol%erem-se sem a menor
interHerNncia de minha parte. entia ue de%eria ir para Curmina e
conhecer a mulher sobre a ual o eB-esu3ta ha%ia Halado.
Uuando Hui! pela primeira %e8! R casa de 4ercedes
-
7/23/2019 A Bruxa e a Arte Do Sonhar (Doc) (Rev) Florinda Donner Grau
21/250
&la piscou repetidas %e8es! austando seu olhar para mim.
7im para a 7ene8uela para estudar mJtodos de cura
continuei! ganhando cada %e8 mais conIana. &studo em uma
uni%ersidade norte-americana! mas gostaria! realmente! de ser uma
curandeira.
-
7/23/2019 A Bruxa e a Arte Do Sonhar (Doc) (Rev) Florinda Donner Grau
22/250
amigo depois de uma sesso esp3rita em uma das cidades do litoral.
&mbora seu amigo tenha Icado perpleBo ao me %er so8inha to tarde da
noite! ela no Icou nem um pouco surpresa.
7ocN me He8 recordar instantaneamente alguJm ue uma %e8
conheci Halou. #E passa%a da meia-noite. 7ocN sorriu para mim.
$o me lembra%a de tN-la %isto ou mesmo de ter estado so8inha na
praa to tarde. 4as isto poderia ter acontecido na noite em ue cheguei
a Curmina. Depois de esperar em %o para ue a chu%a ue ca3a hE uma
semana parasse! Inalmente arrisuei %iaar de Caracas a Curmina. abia
ue! pro%a%elmente! encontraria desli8amentos de terras pelo caminho
esses contratempos transHormaram uma %iagem de duas horas em uma
de uatro. $a hora em ue cheguei toda a cidade dormia e ti%e diIculdade
para encontrar a pousada prKBima R praa! ue me ha%ia sido
recomendada por auele padre.
&nHeitiada pela certe8a dela em saber ue eu esta%a %indo para
%N-la! Halei sobre ele e sobre o ue ele me tinha dito na cerimMnia de
casamento em Caracas.
&le insistiu bastante para ue eu a conhecesse disse.
4encionou ue seus antepassados Horam bruBos e curandeiros Hamosos
durante o per3odo colonial e ue eles Horam perseguidos pela ,nuisio.
7ocN sabia ue! nauele tempo! as Heiticeiras acusadas eram
mandadas para Cartagena! na ColMmbia! onde eram ulgadasV
perguntou e imediatamente continuou a Halar. A 7ene8uela no era
suIcientemente importante para ter um tribunal da ,nuisio.
Fe8 uma pausa e! olhando direto nos meus olhos! perguntou:
Originalmente! onde %ocN planea%a estudar os mJtodos de
curaV
$o estado de 1aracu eu disse %agamente.
ortesV indagou. 4aria Zion8aV
alancei a cabea concordando. A cidade de ortes J o principal
local de culto a 4aria Zion8a. Di8em ue ela nasceu do relacionamento
entre uma princesa indiana e um conuistador espanhol! e Hoi reconhecida
por ter tido poderes sobrenaturais. Xoe! J re%erenciada por milhLes de
-
7/23/2019 A Bruxa e a Arte Do Sonhar (Doc) (Rev) Florinda Donner Grau
23/250
%ene8uelanos como uma santa milagrosa.
4as eu segui o conselho do eB-padre e %im para Curmina
disse. TambJm con%ersei com duas curandeiras. Ambas concordaram
ue %ocN J a mais sEbia! a Snica ue poderia eBplicar-me os mJtodos da
cura.
,mpensadamente! pois tinha acabado de criE-los nauele momento!
Halei sobre os mJtodos ue ueria seguir: obser%ao direta e participao
em algumas das sessLes de cura ao mesmo tempo em ue as gra%aria e!
mais importante de tudo! entre%istar sistematicamente os pacientes ue
ti%esse obser%ado.
A %elha mulher concorda%a com a cabea! rindo de %e8 em uando.
-
7/23/2019 A Bruxa e a Arte Do Sonhar (Doc) (Rev) Florinda Donner Grau
24/250
ueima%a no altar. A chama bruBuleante deiBa%a um rastro solitErio de
Humaa negra. $a parede! surgiu a sombra de uma mulher com uma
bengala na mo! ue parecia empalar a cabea dos homens e das
mulheres ue! mantendo os olhos Hechados! ocupa%am! ao meu lado! as
%elhas cadeiras de madeira dispostas em c3rculo pela sala.
-
7/23/2019 A Bruxa e a Arte Do Sonhar (Doc) (Rev) Florinda Donner Grau
25/250
masculina! interrompendo os cQnticos de dona 4ercedes.
A brasa %ermelha dos charutos perHurou a escurido ene%oada
como olhos acusadores esperando a concordQncia do resto do grupo.
&stou %endo ela concordou le%antando-se da cadeira e
passando por cada uma das pessoas da sala! parando por um instante
diante de cada uma.
errei de dor ao sentir alguma coisa aIada perHurando meu ombro.
7enha comigo ela murmurou em meu ou%ido. 7ocN no estE
em transe. Com medo de ue eu Hosse resistir! ela me pegou com
Irme8a pelo brao e me encaminhou R cortina %ermelha ue ser%ia como
porta.
4as %ocN me pediu ue %iesse insisti antes ue Hosse posta
para Hora da sala. $o %ou aborrecer ninguJm se puder Icar sentada
em um canto.
7ocN estE aborrecendo os esp3ritos murmurou enuanto
puBa%a a cortina sem Ha8er barulho.
Andei atJ a co8inha no Hundo da casa! onde! normalmente!
trabalha%a R noite transcre%endo as Itas e organi8ando os dados de
campo! ue gradualmente aumenta%am. m enBame de insetos ronda%a a
Snica lQmpada! ue pendia do teto da co8inha. &ssa lu8 Hraca ilumina%a a
mesa de madeira armada no meio do aposento! mas deiBa%a os cantos Rs
escuras! onde as pulgas reina%am e cachorros sarnentos dormiam. m dos
lados da co8inha! ue tinha um Hormato retangular! se abria para o ardim.
&ncostados nas outras trNs paredes! escuras pela Huligem! erguiam-se um
reser%atKrio para comida Heito de barro! um Hogo de uerosene e um tubo
de metal redondo cheio de Egua.
Andei pelo ardim enluarado. A lae de cimento! onde CandelEria
a acompanhante de dona 4ercedes coloca%a a roupa para uarar ao sol
todos os dias! parecia uma poa d+Egua prateada. As cordas do %aral
pareciam uma mancha branca contra a escurido das paredes de gesso
ue cerca%am o ardim. Delineadas pela lua! Er%ores Hrut3Heras! plantas
medicinais e o canteiro de %egetais Horma%am uma escura massa
uniHorme! mo%imentada apenas pelos insetos e pelo barulho estridente
-
7/23/2019 A Bruxa e a Arte Do Sonhar (Doc) (Rev) Florinda Donner Grau
26/250
dos grilos.
7oltei para a co8inha e Hui atJ o Hogo %er a panela ue E esta%a
Her%endo. A ualuer hora do dia ou da noite! sempre ha%ia alguma coisa
para comer lE. $ormalmente! ha%ia uma sopa reHorada Heita de carne!
galinha ou peiBe! dependendo do ue esta%a dispon3%el! e todo tipo de
%egetais e ra38es.
-
7/23/2019 A Bruxa e a Arte Do Sonhar (Doc) (Rev) Florinda Donner Grau
27/250
4ercedes ou! tal%e8! uma de suas pacientes! ou! ento! uma parente de
CandelEria! esperando ue ela sa3sse da sesso.
Desculpe disse. ou no%a aui. Trabalho com dona
4ercedes.
A mulher ia concordando com a cabea enuanto eu Hala%a. &la me
deu a impresso de saber sobre o ue eu esta%a Halando.
-
7/23/2019 A Bruxa e a Arte Do Sonhar (Doc) (Rev) Florinda Donner Grau
28/250
$este momento! comecei a sentir minha energia se es%aindo e
deiBei escapar uma sJrie de gritos Huriosos e penetrantes.
CandelEria %eio correndo para onde eu esta%a. &la percorreu a
distQncia entre a sala! na ual esta%a acontecendo a sesso esp3rita! e o
pEtio antes ue eu ti%esse tempo de tomar algum ar e gritar mais uma
%e8.
&stE tudo bem agora ela Icou repetindo num tom de %o8
reconHortante! ue parecia %ir de longe dali.
Gentilmente! acariciou minha cabea mas no consegui parar de
tremer. &! sem uerer! comecei a chorar.
$o de%ia ter deiBado %ocN so8inha desculpou-se. 4as
uem poderia imaginar ue uma musia seria capa8 de %N-laV
Antes ue os outros participantes da sesso sa3ssem para %er o ue
esta%a acontecendo! ela me le%ou para a co8inha. Audou-me a sentar e
me deu um copo de rum. ebi e! ento! contei a ela o ue ha%ia
acontecido no pEtio. $o instante em ue terminei de beber a dose e de
contar o meu relato! senti-me sonolenta! distra3da! mas longe de estar
bNbada.
DeiBe-nos a sKs! CandelEria disse dona 4ercedes! ao entrar
em meu uarto. AlJm de me colocar na cama! CandelEria ha%ia posto um
colchonete ao lado para estar unto de mim uando eu acordasse.
$o sei como di8er isso dona 4ercedes comeou a Halar
depois de um longo silNncio ! mas %ocN J uma mJdium. empre soube
disso. eus olhos agitados pareciam estar suspensos em uma
substQncia cristalina ao estudar atentamente meu rosto.
A Snica ra8o para eles terem deiBado %ocN participar da sesso
J porue %ocN tem sorte. 4Jdiuns tNm boa sorte.
Apesar da minha apreenso! comecei a rir.
$o ria disso repreendeu-me. ,sso J sJrio. $o pEtio! %ocN
chamou um esp3rito so8inha. & o mais importante dos esp3ritos! o esp3rito
de um dos meus antepassados! %eio atJ %ocN. &la uase no aparece!
mas! uando o Ha8 J por algum moti%o importante.
&la J um HantasmaV I8 esta pergunta estSpida.
-
7/23/2019 A Bruxa e a Arte Do Sonhar (Doc) (Rev) Florinda Donner Grau
29/250
Claro ue ela J um Hantasma respondeu com Irme8a.
$Ks entendemos as coisas da maneira como Homos ensinados.
$o hE des%ios disto. $ossa con%ico J de ue %ocN %iu o mais
assustador dos esp3ritos e de ue somente um mJdium %i%o pode
comunicar-se com o esp3rito de um mJdium morto.
-
7/23/2019 A Bruxa e a Arte Do Sonhar (Doc) (Rev) Florinda Donner Grau
30/250
disse enHaticamente. Coisas como essa somente pertencem ao mundo
dos mJdiuns e %ocN nunca de%e discutir esse mundo com mais ninguJm.
&u! com certe8a! poderia ter a%isado ue no ti%esse medo dauele
esp3rito! mas no acene para ela tolamente.
&la me audou a sair da cama e Hoi me le%ando para Hora da casa!
atJ o ponto onde eu ha%ia %isto a mulher. Ao Icar ali! em pJ! obser%ando a
escurido ue nos cerca%a! me dei conta de ue no tinha a menor idJia
se eu ha%ia dormido durante algumas horas ou uma noite e um dia
inteiros.
Dona 4ercedes parecia adi%inhar minha dS%ida.
o uatro da manh Halou. 7ocN dormiu cerca de cinco
horas.
&la se abaiBou no mesmo local onde a mulher este%e. Agachei-me
ao seu lado! entre os arbustos de asmins ue pendiam
das %ene8ianas de madeira como se Hossem uma cortina
perHumada.
$unca me ocorreu ue %ocN no soubesse Humar disse e
comeou a rir auela gargalhada seca e estridente. &la alcanou o bolso
da saia! apanhou um charuto e acendeu-o. &m um encontro de
espiritualistas! nKs Humamos charutos enrolados R mo. &spiritualistas
sabem ue o cheiro do tabaco auda os esp3ritos. Depois de uma
peuena pausa! ela colocou o charuto aceso em minha boca. Tente
Humar ordenou.
Traguei! inalando proHundamente. A grossa Humaa me He8 tossir.
$o inale disse sem paciNncia. DeiBe-me mostrar como J.
&la pegou o charuto! tragando-o repetidamente! inspirando e eBpirando
em um curto espao de tempo. 7ocN no uer ue a Humaa %E para
seus pulmLes mas sim para sua cabea
eBplicou. &ssa J a maneira como os mJdiuns chamam os
esp3ritos. A partir de agora! %ocN estarE chamando os esp3ritos deste local.
& no Hale sobre isso atJ %ocN ser capa8 de condu8ir so8inha uma sesso
esp3rita.
4as eu no uero chamar os esp3ritos protestei sorrindo.
-
7/23/2019 A Bruxa e a Arte Do Sonhar (Doc) (Rev) Florinda Donner Grau
31/250
Tudo o ue uero J ter um lugar em um desses encontros e assistir.
&la retrucou com uma assustadora determinao:
7ocN J uma mJdium e mJdiuns no %o a uma sesso para
assistir.
Uual a ra8o da sessoV perguntei! mudando o assunto.
Fa8er perguntas aos esp3ritos respondeu prontamente.
Alguns esp3ritos do grandes conselhos. Outros so maus. &
acrescentou com um toue de mal3cia: Uual esp3rito irE aparecerV
Depende do estado de ser do mJdium.
Os mJdiuns esto R mercN dos esp3ritosV perguntei. Olhando
para mim! ela Icou em silNncio durante um longo
tempo sem deiBar transparecer ualuer sentimento em seu rosto.
&nto! em um tom de %o8 pro%ocador disse:
$o! se eles Horem Hortes. Continuou a me encarar
Huriosamente e! logo depois! Hechou seus olhos. Uuando ela os abriu de
no%o! eles esta%am sem ualuer eBpresso.
Aude-me a ir para meu uarto murmurou. egurando na
minha cabea! ela se endireitou. ua mo desceu atJ meu ombro e depois
atJ meu brao. Os dedos rios en%ol%iam meu pulso como ra38es
carboni8adas.
ilenciosamente! nos arrastamos pelo corredor escuro! no ual
bancos de madeira e cadeiras cobertas com couro de cabra erguiam-se
inPeB3%eis contra a parede. &la caminhou para dentro do uarto. Antes de
Hechar a porta! me disse mais uma %e8 ue mJdiuns no Halam sobre seu
mundo.
abia! desde o instante em ue a %i na praa! ue %ocN era uma
mJdium e ue %iria me %er aIrmou. m sorriso! cuo signiIcado no
entendi! cru8ou seu rosto. 7ocN te%e ue %ir para me tra8er alguma
coisa do meu passado.
O uNV
&u no me conheo por completo. 4emKrias! tal%e8 disse
%agamente. Ou tal%e8 estea tra8endo a minha %elha sorte de %olta.
&la acariciou minha Hace com o dorso da mo e sua%emente Hoi Hechando a
-
7/23/2019 A Bruxa e a Arte Do Sonhar (Doc) (Rev) Florinda Donner Grau
32/250
porta.
Cap3tulo Cap3tulo
&mbalada por uma brisa sua%e e pela risada de uma criana ue
brinca%a na rua! cochilei durante toda a tarde em uma rede pendurada
entre dois pJs de Hruta-do-conde. TambJm me distra3a com o odor do
sabo em pK misturado ao Horte odor de creolina com o ual CandelEria
la%a%a o cho duas %e8es por dia! no importando o uanto esti%esse suo.
&sperei atJ uase seis horas. &nto! uando 4ercedes
-
7/23/2019 A Bruxa e a Arte Do Sonhar (Doc) (Rev) Florinda Donner Grau
33/250
balana%a precariamente preso ao teto de bambu. &sta%a cin8ento de
poeira e as aranhas conHeccionaram suas teias em %olta dos prismas. m
calendErio! daueles ue se arranca uma pEgina a cada dia! cobria a parte
de trEs da porta.
-
7/23/2019 A Bruxa e a Arte Do Sonhar (Doc) (Rev) Florinda Donner Grau
34/250
desamparo ! suponho ue estE tudo bem.
Com um rEpido mo%imento de cabea! 4ercedes
-
7/23/2019 A Bruxa e a Arte Do Sonhar (Doc) (Rev) Florinda Donner Grau
35/250
&stou doenteV perguntou sua%emente! olhando para dona
4ercedes.
O seu esp3rito J ue estE resmungou. eu esp3rito estE em
um grande turbilho. &la colocou a bSssola de %olta no armErio de %idro
e! ento! postou-se por trEs do %elho homem! repousou suas mos na
cabea dele.
-
7/23/2019 A Bruxa e a Arte Do Sonhar (Doc) (Rev) Florinda Donner Grau
36/250
sentado em cima do meu peito! e! uando abro meus olhos! %eo as
pupilas amarelas de um cachorro. &las se abrem cada %e8 mais e mais! atJ
ue me engolem... ua %o8 sumiu. ArHando! ele olhou por toda a sala.
-
7/23/2019 A Bruxa e a Arte Do Sonhar (Doc) (Rev) Florinda Donner Grau
37/250
Cap3tulo ^Cap3tulo ^
Certa de ue eu ha%ia dormido demais no%amente! %esti-me rEpido
e corri corredor abaiBo. Ciente de ue as dobradias iriam ranger! abria
porta do uarto de 4ercedes
-
7/23/2019 A Bruxa e a Arte Do Sonhar (Doc) (Rev) Florinda Donner Grau
38/250
poder de curar e de preudicar. &la tirou as mos do meu colo e comeou a
balanE-las no ar! como se uisesse apagar as pala%ras ue acabara de
di8er. Comeou a olhar em %olta da sala e! ento! deliberadamente
mo%imentou suas pernas magras e descarnadas para Hora da rede e enIou
os pJs num %elho sapato rasgado! ue deiBa%a o dedo do pJ para Hora.
eus olhos pisca%am alegremente! ao endireitar a blusa e a saia preta com
ue ha%ia dormido.
egurando no meu brao! le%ou-me para Hora.
DeiBe-me mostrar-lhe uma coisa antes de sairmos para dar uma
%olta Halou! dirigindo-se para a sala de trabalho. &la Hoi direto ao altar
macio! todo Heito de cera derretida. Comeou com uma simples %ela
disse por minha tatara%K! ue tambJm era uma curandeira.
ua%emente! ela correu suas mos pela lustrosa! uase transparente
superH3cie.
-
7/23/2019 A Bruxa e a Arte Do Sonhar (Doc) (Rev) Florinda Donner Grau
39/250
nSmero de curandeiros e pacientes ue %ocN entre%iste! %ocN nunca
aprenderE desta maneira. m curandeiro de %erdade precisa primeiro ser
um mJdium e um espiritualista! e! depois! um Heiticeiro. m sorriso
mara%ilhado iluminou seu rosto. $o Iue chateada se um dia desses
eu ueimar o seu bloco de anotaLes Halou casualmente. 7ocN estE
perdendo seu tempo com essa coisa sem sentido.
Comecei a Icar seriamente preocupada. $o gostei da perspecti%a
de %er meu trabalho %irar cin8a.
7ocN sabe o ue realmente importaV perguntou e em seguida
respondeu sua prKpria pergunta. As coisas ue esto por trEs dos
aspectos superIciais da cura. Coisas ue no podem ser eBplicadas mas
podem ser eBperimentadas. &Bistiram muitas pessoas ue estudaram os
curandeiros. &les acredita%am ue apenas olhando e Ha8endo perguntas
conseguiriam entender o ue mJdiuns! Heiticeiras e curandeiros Ha8em.
-
7/23/2019 A Bruxa e a Arte Do Sonhar (Doc) (Rev) Florinda Donner Grau
40/250
XistKrias sobre HJ. XistKrias sobre sorte. XistKrias sobre amor. &la
encostou sua cabea perto da minha e! num suspiro sua%e! completou:
XistKrias sobre Hora e histKrias sobre Hraue8a. &sse serE meu presente
para %ocN se manter calma. &la pegou meu brao e me le%ou para Hora.
7amos dar o nosso passeio.
$ossos passos ecoa%am solitErios na rua deserta! margeada por
altas caladas de concreto. 4urmurando baiBinho! ob%iamente
preocupada em no acordar as pessoas ue dormiam pelas casas por
onde nKs passE%amos! 4ercedes
-
7/23/2019 A Bruxa e a Arte Do Sonhar (Doc) (Rev) Florinda Donner Grau
41/250
lados.
&la parou de Halar por um instante para tomar HMlego e! depois!
apontou para os barracos ue cobriam os morros ue en%ol%iam a cidade.
& estes posseiros Hormaram uma no%a cidade completou. &la
se le%antou e caminhou atJ o Inal da rua principal! onde
os morros comea%am. arracos constru3dos com Holhas de metal
enrugado! grades e pedaos de papelo pendiam dos degraus da ladeira.
Os proprietErios dos barracos prKBimos Rs ruas da cidade Ha8iam ligaLes
clandestinas nos postes de lu8. O isolamento dos Ios era Heito
grosseiramente com Itas coloridas. $Ks %iramos em uma rua lateral!
depois em uma %iela e! Inalmente! seguimos um estreito caminho ue
desemboca%a no Snico morro da regio ue ainda no ha%ia sido ocupado
pelos posseiros.
O ar! ainda Smido do or%alho da madrugada! cheira%a a alecrim
sil%estre. &scalamos atJ uase o topo! onde crescia uma Er%ore solitEria.
entamo-nos no cho Smido! coberto de peuenas margaridas amarelas.
7ocN consegue ou%ir o barulho do marV 4ercedes
-
7/23/2019 A Bruxa e a Arte Do Sonhar (Doc) (Rev) Florinda Donner Grau
42/250
entregando bisnagas Hrescas ou se era a pol3cia recolhendo os Sltimos
bNbados da madrugada.
Descubra uem J recomendou.
Desci alguns metros e a%istei um senhor deiBando um ipe %erde
estacionado ao pJ do morro. O casaco dele pendia sobre os ombros e ele
usa%a um chapJu de palha.
-
7/23/2019 A Bruxa e a Arte Do Sonhar (Doc) (Rev) Florinda Donner Grau
43/250
homem mais uma %e8. eus olhos pareciam ter absor%ido o esplendor do
sol! pois eles brilha%am como se esti%essem pintados com Hogo.
Octa%io CantS estE indo atJ minha casa para seu tratamento
periKdico ela Halou. Tal%e8! aos poucos! ele possa contar uma histKria
para %ocN. ma histKria sobre como a oportunidade unta a %ida das
pessoas e como algo ue sK as Heiticeiras conhecem pode prendN-las em
um sK Hardo.
Octa%io CantS balanou a cabea concordando. ma tentati%a de
sorriso partiu de seus lEbios. A barba rala em seu ueiBo era branca como
os cabelos ue sobra%am para Hora do chapJu de palha.
Octa%io CantS E Hora oito %e8es atJ a casa de dona 4ercedes.
Aparentemente! ela o %em tratando de tempos em tempos desde ue ele
era o%em. AlJm de ser %elho e Hraco! ele era um alcoKlatra. &ntretanto!
dona 4ercedes enHati8ou ue todas as doenas dele eram pro%enientes do
esp3rito. &le precisa%a de encantamentos e no de medicina.
$o in3cio! ele diIcilmente Hala%a comigo! mas ento! tal%e8 por
sentir mais conIana em mim! comeou a Halar. Ficamos con%ersando
sobre a %ida dele durante horas. $o comeo de cada uma de nossas
sessLes! ele! in%aria%elmente! parecia ue iria sucumbir ao desespero!
solido e culpa. ,nsistia em saber por ue eu esta%a interessada na sua
%ida. 4as ele sempre se controla%a e recupera%a a conIana. $o restante
do encontro! ue podia ser de uma hora ou uma tarde inteira! Hala%a sobre
si mesmo como se ele Hosse uma outra pessoa.
Octa%io puBou um pedao do papelo liso para o lado! dando lugar
a um buraco ue ser%ia como porta do barraco. $o ha%ia lu8 lE dentro e a
Humaa pungente do Hogo minguado da lareira de pedra He8 com ue os
olhos dele lacrimeassem. Apertou-os e Hoi tateando o caminho pela
escurido. Tropeou em algumas latas e bateu com a canela em um
engradado de madeira.
4aldito lugar Hedorento Bingou ao sentir o cheiro. entou-se
por um momento no cho suo de papJis e esticou as pernas. $o canto
mais distante do miserE%el barraco! ele %iu um homem %elho cochilando
em um pu3do banco traseiro! retirado de um carro. Apesar dos caiBotes!
-
7/23/2019 A Bruxa e a Arte Do Sonhar (Doc) (Rev) Florinda Donner Grau
44/250
cordas! Harrapos e latas espalhados pelo cho! ele Hoi andando
%agarosamente! des%iando-se dos entulhos! atJ o lugar onde o homem
esta%a deitado.
Octa%io acendeu um HKsHoro. ob a lu8 Hraca! o %elho parecia morto.
Os mo%imentos de seu peito eram to le%es ue ele parecia no estar
respirando. As bochechas eram grandes e se destaca%am no rosto magro
e negro. A cala cEui! sua e rasgada! esta%a enrolada na altura da
panturrilha. A blusa de manga comprida! tambJm cEui! esta%a abotoada
atJ bem perto de seu pescoo enrugado.
7ictor #ulioY Octa%io gritou! sacudindo-o %igorosamente.
Acorde! meu %elhoY
&le se meBeu! abrindo! por um momento! os olhos cercados de
rugas. O branco descolorado de seus olhos Hoi a Snica coisa ue deu para
%er antes ue ele os Hechasse no%amente.
AcordeY Octa%io berrou eBasperado. &le tateou por um chapJu
de palha ue esta%a ogado no cho perto dele e enIou com Hora na
cabea do homem de cabelos brancos e desleiBados.
Uuem %ocN pensa ue JV grunhiu. O ue uerV
ou Octa%io CantS. Fui designado pelo preHeito para ser seu
audante ele eBplicou com um certo ar de importQncia.
AudanteV Halou sem con%ico enuanto se senta%a. $o
preciso de auda.
&le calou os %elhos sapatos sem cadaro e andou pela sala escura
atJ encontrar uma lanterna a gasolina. Acendeu-a. &sHregou os olhos e!
piscando %Erias %e8es! estudou atentamente o o%em.
Octa%io CantS tinha uma altura mediana e mSsculos Hortes!
deiBados R mostra pela aueta a8ul-escura sem botLes. A cala! ue
parecia ser grande demais para ele! cobria parte das suas botinas no%as e
engraBadas. 7ictor #ulio deu um risinho! imaginando se Octa%io CantS as
roubara.
&nto %ocN J o no%o homemV disse rispidamente! tentando
determinar a cor dos olhos de Octa%io! escondidos por um bonJ %ermelho
de beisebol. &ram olhos astutos! da cor da terra molhada. 7ictor #ulio %iu
-
7/23/2019 A Bruxa e a Arte Do Sonhar (Doc) (Rev) Florinda Donner Grau
45/250
ue ha%ia alguma coisa decididamente suspeita a respeito dauele o%em.
$unca %i %ocN por aui disse. De onde %ocN %emV
-
7/23/2019 A Bruxa e a Arte Do Sonhar (Doc) (Rev) Florinda Donner Grau
46/250
&ra o%em como %ocN uando Hui indicado por outro preHeito para
ser o assistente de um idoso 7ictor #ulio recordou.
&sta%a decidido e impaciente para comear a trabalhar. Olhe
para mim agora. O rum E no ueima mais minha garganta.
Agachando-se no cho! 7ictor #ulio procurou por sua bengala. &la
pertencia Ruele %elho homem. &le me deu antes de morrer.
Ze%antou a bengala escura e muito polida para Octa%io. &la Hoi
Heita com madeira de lei da Poresta ama8Mnica. $unca uebrarE.
Octa%io olhou de relance para a bengala e perguntou
impacientemente:
As coisas de ue nKs precisamos E esto auiV Ou ainda
teremos ue apanhE-lasV
#ulio deu um sorriso Horado.
A carne estE sendo macerada desde ontem. #E de%e estar pronta.
&stE Hora do barraco num tonel de ao.
7ocN %ai me mostrar como apurar a carneV Octa%io perguntou.
7ictor #ulio riu. &le perdera todos os dentes da parte da Hrente de
sua boca. Os dois molares amarelados ue lhe resta%am pareciam dois
pilares em sua boca ca%ernosa.
$o hE nada para mostrar Halou entre dois risinhos.
Apenas %ou atJ o HarmacNutico todas as %e8es ue uero
preparar a carne. &le J o Snico ue a amassa atJ ue ela Iue tenra. $a
%erdade! eBplicou! para ue Iue mais com um marinado.
Deu um grande sorriso. empre apanho a carne no
matadouro! uma cortesia do preHeito. Tomou outro gole da bebida. O
rum me auda a me preparar. Coou o ueiBo seco.
Os cachorros %o me pegar um dia desses murmurou!
oHerecendo a garraHa pela metade a Octa%io. W melhor %ocN ter uma
tambJm.
$o! obrigado. Octa%io recusou polidamente. $o bebo com
o estMmago %a8io.
7ictor #ulio abriu a boca! pronto para Halar alguma coisa. &m %e8
disso! apanhou sua bengala e o saco de estopa e indicou a Octa%io ue o
-
7/23/2019 A Bruxa e a Arte Do Sonhar (Doc) (Rev) Florinda Donner Grau
47/250
acompanhasse para Hora do barraco. ,ntrospecti%o! ele parou por um
momento e Icou olhando para o cJu! ue no esta%a nem escuro nem
claro! mas tra8ia um estranho e opressi%o tom cin8ento. &le ou%iu o latido
de um cachorro longe dali.
Ali estE a carne disse apontando com o ueiBo o tonel de ao!
em cima de um toco de Er%ore. &le entregou a Octa%io um rolo de corda.
erE mais HEcil carregar o tonel se %ocN amarrE-lo nas costas.
&Bperiente! Octa%io en%ol%eu o tonel de ao com as cordas!
colocou-o nas costas! cru8ou as cordas pelo peito e! por Im! amarrou-as
seguramente abaiBo do umbigo.
,sto J tudo de ue precisamosV perguntou! e%itando o olhar
IBo do %elho homem.
Tenho algumas cordas sobressalentes e uma lata de uerosene
no meu saco 7ictor eBplicou e tomou outro gole de rum.
Distraidamente! colocou a garraHa no bolso.
m atrEs do outro! eles seguiram os sulcos secos ue di%idiam os
canteiros de cana-de-aScar. Tudo esta%a uieto! com eBceo do
sussurrar dos grilos e da le%e brisa ue atra%essa%a as Holhas da cana.
7ictor #ulio tinha problemas para respirar. eu peito do3a. &le se sentia to
cansado ue ueria parar para descansar no cho duro. 7oltou-se e Itou
seu barraco a distQncia. m pressentimento atra%essou sua mente! o Im
esta%a prKBimo. &lea sabia hE tempos ue esta%a muito %elho e Hraco
para suportar todo trabalho ue de%eria Ha8er. &ra uma uesto de tempo
para ue arrumassem um no%o homem.
7enha! #ulio Octa%io chamou impacientemente. &stE Icando
tarde.
A cidade continua%a dormindo. Apenas poucas mulheres! a
caminho da igrea! esta%am acordadas. Com suas cabeas cobertas por
%Jus negros! elas passaram correndo pelos dois homens e no
responderam a seus cumprimentos. $as estreitas caladas de concreto!
ces de rua esuelJticos e aparentemente doentes se estica%am em
Hrente das portas Hechadas! apro%eitando a proteo das casas silenciosas.
ob o comando de 7ictor #ulio! Octa%io arriou o tonel de ao no
-
7/23/2019 A Bruxa e a Arte Do Sonhar (Doc) (Rev) Florinda Donner Grau
48/250
cho e abriu a tampa apertada. tili8ando um longo alicate de madeira
ue ha%ia tra8ido no saco de estopa! o %elho homem retirou pedaos de
carne do tonel. &! como em todo o caminho ue percorreram para chegar
atJ a cidade! alimentou todos os cachorros ue passaram por eles.
Furiosamente! sacudindo o rabo! eles de%ora%am a carne Hatal.
Os ces %o te comer no inHerno um homem gordo gritou
antes de sumir por entre as largas portas de madeira da %elha igrea
colonial! no outro lado da praa.
$enhum caso de rai%a este ano 7ictor #ulio berrou de %olta!
limpando o nari8 na manga da camisa. Acredito ue eles esto bem
alimentados para o alJm.
Contei de8essete Octa%io lamentou-se! coando as costas
machucadas. Temos um monte de cachorros mortos para apanhar.
O maior deles nKs no %amos ter ue carregar 7ictor #ulio
Halou! com um estranho sorriso em seu rosto. &Biste um cachorro ue
no de%e morrer na rua.
O ue uer di8erV perguntou! %irando a aba do bonJ de
beisebol para a parte de trEs da cabea. m olhar de dS%ida estampou-se
em seu rosto.
Os olhos de 7ictor #ulio eram estreitos e! nauele momento! suas
pupilas brilharam com um lampeo demon3aco. O corpo magro e %elho
tremeu antecipadamente.
&stou eBcitado. Agora! nKs %amos matar o pastor alemo do
mercador libanNs.
7ocN no pode Ha8er isso Octa%io protestou. &le no J um
co de rua. $o estE doente. &stE bem alimentado. O preHeito Halou
apenas ces de rua doentes.
7ictor #ulio pragueou em %o8 alta e! ento! olhou para seu audante
com uma eBpresso cruel. &le esta%a certo de ue auela era a Sltima %e8
ue teria acesso ao %eneno. e no Hosse Octa%io! outra pessoa estaria
encarregada de cuidar dos ces atJ o Inal do prKBimo per3odo de seca. &le
podia compreender ue o o%em homem no ueria causar nenhum
transtorno para a cidade! mas era algo ue ele no podia entender. &le
-
7/23/2019 A Bruxa e a Arte Do Sonhar (Doc) (Rev) Florinda Donner Grau
49/250
ueria matar auele cachorro desde ue ele o ha%ia mordido. &ssa era sua
Sltima chance.
&sse cachorro J treinado para atacar 7ictor #ulio disse.
Todas as %e8es ue ele se perde! morde alguJm. &le me atacou alguns
meses atrEs.
-
7/23/2019 A Bruxa e a Arte Do Sonhar (Doc) (Rev) Florinda Donner Grau
50/250
7amos sair rEpido daui Octa%io assobiou! amarrando o tonel
nas costas.
$o tem problema 7ictor #ulio gargalhou. ma sensao de
orgulho in%adia seu corpo enuanto procura%a alguma coisa para subir.
7amos Octa%io insistiu. $Ks %amos ser pegos.
$o %amos 7ictor #ulio assegurou-o com calma! subindo em
um caiBote de madeira bambo ue ele! apropriadamente! encostou no
muro. Ficou nas pontas dos pJs e procurou pelo cachorro enrai%ecido.
Zatindo Huriosamente! o animal baba%a gosma e sangue numa tentati%a
de arrancar o ue esti%esse preso em sua garganta. uas pernas Icaram
r3gidas. &le caiu. &spasmos %iolentos sacudiram seu corpo. 7ictor #ulio
%ibrou.
&le J duro de morrer murmurou! descendo do caiBote. &le no
sentia nenhuma emoo por ter matado o pastor alemo do libanNs.
Durante todos os anos em ue en%enenou cachorros! ele sempre e%itara
olhar suas mortes. #amais gostou de matar os %ira-latas sem dono da
cidade! mas esse Hoi o Snico trabalho ue arranou.
m medo %ago atra%essou o corao de #ulio. &le olhou para a rua
%a8ia. &ntortou o polegar para trEs e colocou sua bengala entre ele e o
punho. 4antendo o brao estendido! comeou a mo%er a %ara de um lado
para o outro to rEpido ue parecia ue a bengala esta%a suspensa no
meio do ar.
Uue tipo de brincadeira J essaV Octa%io perguntou!
obser%ando-o encantado.
$o J uma brincadeira. W uma arte. ,sto J o ue eu Hao melhor
7ictor eBplicou tristemente. De manh e R tarde! eu entretenho as
crianas na praa com minha bengala danarina. Algumas delas so
minhas amigas. &ntregou a %ara para Octa%io. Tente. 7ea se %ocN
consegue Ha8er.
7ictor #ulio riu das tentati%as desaeitadas de Octa%io em segurar a
bengala corretamente.
o anos de prEtica o %elho homem Halou. 7ocN tem ue
Horar seu polegar para trEs! atJ ue ele toue no punho. & tem ue mo%er
-
7/23/2019 A Bruxa e a Arte Do Sonhar (Doc) (Rev) Florinda Donner Grau
51/250
o brao mais rEpido de Horma ue a bengala no tenha tempo de cair no
cho.
Octa%io de%ol%eu-lhe a bengala.
W melhor ue apanhemos aueles cachorrosY eBclamou!
surpreendido pela lu8 da manh e pelos raios %ermelhos ue apareciam no
hori8onte.
7ictor #ulio! espere por mim uma criana berrou atrEs deles.
Descala! com o cabelo preto preso sem eito no alto da cabea! uma
garotinha de seis anos alcanou os dois homens. 7ea o ue minha tia
trouBe para brincar comigo disse! mostrando um Ilhote de pastor
alemo para o %elho homem. Dei o nome de orboleta. &la parece uma!
no pareceV
7ictor #ulio sentou-se no meio-Io. A garotinha sentou-se ao seu
lado! colocando o bonito e gorducho Ilhote no colo dele. Distraidamente!
ele correu seus dedos por todo o pNlo negro com manchas amarelas.
4ostre a ela como %ocN Ha8 a dana das bengalas a menina
pediu.
7ictor #ulio colocou o cachorro no cho e tirou a garraHa de rum de
dentro do bolso. &m um sK gole! bebeu todo o l3uido ue resta%a e depois
ogou a garraHa %a8ia para dentro do saco de estopa. Xa%ia uma eBpresso
desolada em seus olhos uando ele Itou o rosto alegre da menina. Zogo
ela cresceria! pensou. &la no se sentaria mais ao seu lado! embaiBo das
Er%ores da praa e no o audaria mais a encher latas %a8ias com Holhas!
imaginando ue elas se transHormariam em ouro durante a noite. &le Icou
imaginando! tambJm! se ela passaria a berrar e encarnar nele como
Ha8iam as crianas mais %elhas. &le cerrou os olhos.
7amos %er se a bengala uer danar murmurou. Coando os
oelhos! ue rangiam! le%antou-se.
Tanto Octa%io uanto a garotinha Icaram olhando pasmos para a
%ara.
-
7/23/2019 A Bruxa e a Arte Do Sonhar (Doc) (Rev) Florinda Donner Grau
52/250
Octa%io colocou o tonel no cho e sentou-se para admirar a
habilidade do %elho. 7ictor #ulio parou de cantar no meio de uma Hrase.
ua bengala caiu no cho. Com um olhar de surpresa e horror! %iu o Ilhote
lamber o suco da carne en%enenada ue escorria do tonel.
A garotinha apanhou a bengala! aHagando a ponta Inamente
talhada! e de%ol%eu-a para 7ictor #ulio.
$unca tinha %isto %ocN deiBE-la cair lamentou consolando-o.
A %ara estE cansadaV
7ictor #ulio repousou suas mos trNmulas na cabea dela! puBando
seu rabo-de-ca%alo gentilmente.
7ou le%ar orboleta para passear ele disse. 7olte para
cama! antes ue sua me a encontre aui Hora. 7eo %ocN mais tarde na
praa. 7amos catar Holhas untos. &le segurou o gordo Ilhote em seus
braos e acenou para ue Octa%io o acompanhasse rua acima.
Os cachorros de rua no esta%am mais deitados na Hrente das
portas Hechadas e sim estendidos! rios! com as pernas esticadas! nas ruas
empoeiradas. /s olhos opacos encara%am o %a8io. m a um! eles eram
amarrados por Octa%io com as cordas ue 7ictor #ulio trouBera no saco.
orboleta! enuanto seu corpo se agita%a con%ulsi%amente!
%omitou sangue em cima da cala do %elho. &le balana%a a cabea em
desespero.
O ue %ou di8er para auela crianaV murmurou! colocando
rapidamente o Ilhote en%enenado com os outros.
Fi8eram duas %iagens e arrastaram os cachorros mortos para Hora
dos limites da cidade! passando pela casa do libanNs! passando pelos
campos %a8ios! atJ descerem um barranco completamente seco. 7ictor
#ulio os cobriu com uma camada de gra%etos secos! depois encharcou a
pilha com a lata de uerosene ue ha%ia tra8ido com ele e tascou Hogo. Os
cachorros ueimaram lentamente! impregnando o ar com o cheiro de
carne e pNlo ueimados.
Com a garganta ardendo com a Humaa e a poeira! eles subiram o
barranco arHando. $o andaram muito atJ se ogarem sob a sombra de
uma acEcia toda Porida de %ermelho.
-
7/23/2019 A Bruxa e a Arte Do Sonhar (Doc) (Rev) Florinda Donner Grau
53/250
7ictor #ulio se esticou no cho duro! ainda Hrio da noite. uas mos
tremiam ao colocar! Irmemente! a bengala contra o estMmago. Fechou os
olhos e tentou normali8ar sua respirao! torcendo para ue isso
diminu3sse a dor ue comprimia seu peito. Desea%a dormir para se perder
nos sonhos.
Tenho ue ir andando Octa%io Halou um pouco depois. Tenho
outros trabalhos para Ha8er.
Fiue comigo o %elho implorou. Tenho ue contar R menina
sobre o cachorro. &le se sentou e Itou-o uase implorando. 7ocN pode
me audar. Zogo as crianas %o ter medo de mim. &la J uma das poucas
ue so aHE%eis.
O tom irreal de inHelicidade na %o8 dele assustou Octa%io. &le se
encostou no tronco da Er%ore e Hechou os olhos. $o seria obrigado a %er o
medo e a perda rePetidos no rosto do %elho homem.
7enha comigo atJ a praa. DeiBe todos saberem ue %ocN J o
no%o homem 7ictor #ulio pediu.
$o uero Icar nesta cidade Octa%io disse asperamente.
$o gosto desta histKria de matar cachorros.
$o J uma uesto de gostar ou no comentou. 0 uma
uesto de HJ. &le sorriu ansiosamente e deiBou seu olhar %agar na
direo da cidade. Uuem sabe %ocN no tenha ue Icar aui para
sempre murmurou! Hechando os olhos no%amente.
O silNncio Hoi uebrado pelo som de %o8es rai%osas. Da parte de
baiBo da rua! %inha um grupo de rapa8es liderados pelo Ilho mais %elho do
libanNs. &les pararam a alguns passos dos dois homens.
7ocN matou meu cachorro o menino libanNs gritou e! ento!
chutou o cho a poucos cent3metros do pJ de 7ictor #ulio.
Apoiando-se na bengala! o %elho homem le%antou-se.
O ue Ha8 %ocN pensar ue Hui euV perguntou! tentando
ganhar algum tempo. uas mos tremiam incontrola%elmente enuanto
ele procura%a pela garraHa de rum em seu saco. Fitou o Hrasco %a8io! sem
entender. $o se lembra%a de ter bebido a Sltima dose.
7ocN matou o cachorro os garotos repetiam em coro. 7ocN
-
7/23/2019 A Bruxa e a Arte Do Sonhar (Doc) (Rev) Florinda Donner Grau
54/250
matou o cachorro. Amaldioando-o e batendo nele! eles tenta%am
agarrar a bengala e o saco de estopa.
7ictor #ulio correu para trEs. randindo sua bengala! balanou
cegamente a %ara contra os sarcEsticos garotos.
DeiBem-me so8inhoY gritou por seus lEbios trNmulos.
-
7/23/2019 A Bruxa e a Arte Do Sonhar (Doc) (Rev) Florinda Donner Grau
55/250
Octa%io correu ladeira abaiBo e se aoelhou ao lado do corpo inerte
de 7ictor #ulio. alanou-o %igorosamente. O %elho abriu os olhos. ua
respirao %inha em espasmos. ua %o8 era um le%e murmSrio.
abia ue o Im esta%a prKBimo! mas pensei ue Hosse apenas o
do meu trabalho. $unca pensei ue seria dessa maneira. uas pupilas
tremula%am com uma estranha lu8 ao Itar os olhos do audante. De
repente! a lu8 se es%aiu.
Octa%io balanou-o Hreneticamente.
4eu DeusY &le estE morto murmurou para si mesmo! e ento
He8 o sinal-da-cru8. &le ergueu seu rosto suado na direo do cJu. ma lua
pElida podia ser %islumbrada! apesar do brilho E oHuscante do sol. &le
ueria re8ar mas no conseguia lembrar-se de uma simples orao. ma
Snica imagem atra%essa%a sua mente: uma multido de cachorros
caando o %elho homem pelos campos.
Octa%io sentiu ue suas mos comearam a Icar geladas e o corpo
tremer.
-
7/23/2019 A Bruxa e a Arte Do Sonhar (Doc) (Rev) Florinda Donner Grau
56/250
Cap3tulo ?Cap3tulo ?
Octa%io CantS ti%era a Sltima sesso da temporada. Colocou o
chapJu e le%antou-se da cadeira.
-
7/23/2019 A Bruxa e a Arte Do Sonhar (Doc) (Rev) Florinda Donner Grau
57/250
4ercedes
-
7/23/2019 A Bruxa e a Arte Do Sonhar (Doc) (Rev) Florinda Donner Grau
58/250
Musias so estranhas. Zembro-me dauela Inlandesa ue costuma%a
beber um copo de urina depois do antar para no engordar. & a mulher
ue %eio da $oruega para pescar no mar do Caribe. AtJ onde saiba! ela
nunca conseguiu pegar nada.
4as os donos de embarcaLes briga%am entre si para %er uem iria
le%E-la para pescar.
"indo ruidosamente! as duas mulheres se sentaram no cho.
ma pessoa nunca sabe o ue se passa na cabea de uma
musia CandelEria continuou. &las so capa8es de ualuer coisa.
&la ria em espasmos! cada um mais alto ue o anterior. &! ento! %oltou a
polir seus potes.
-
7/23/2019 A Bruxa e a Arte Do Sonhar (Doc) (Rev) Florinda Donner Grau
59/250
$o! a sombra J algo ue todos os seres humanos possuem!
algo mais Horte do ue a alma ela respondeu parecendo estar
aborrecida.
W isso a3! musia disse dona 4ercedes. Octa%io CantS
permaneceu preso durante muito tempo... um ponto onde a HJ une %idas.
&le no te%e Hora suIciente para Hugir disso. &! como CandelEria E disse!
a sombra de 7ictor #ulio o minou. Todos nKs temos uma sombra! uma Hraca
ou uma Horte.
-
7/23/2019 A Bruxa e a Arte Do Sonhar (Doc) (Rev) Florinda Donner Grau
60/250
!arte Dois!arte Dois
Cap3tulo )Cap3tulo )
&sta%a antecipando os sons ue usualmente ecoa%am pela casa
toda manh de uinta-Heira! uando CandelEria rearruma os pesados
mK%eis da sala de estar. ,maginando se conseguiria dormir de %erdade sob
auele tumulto! andei atJ a sala.
FeiBes de lu8 passa%am pelos buracos nos toldos de madeira ue
cobriam as duas anelas %oltadas para a rua. A mesa de antar com seis
cadeiras! o soHE escuro! os armErios abarrotados! a mesa de %idro para o
caHJ! e desenhos emoldurados de paisagens campestres e de cenas de
touradas na parede! esta%am eBatamente como CandelEria arrumara na
Sltima uinta-Heira.
Andei atJ o ardim! onde encontrei CandelEria meio escondida atrEs
de um arbusto de hibiscos. eu cabelo Hrisado! tingido de %ermelho! ha%ia
sido penteado para trEs e esta%a preso por dois prendedores enHeitados
com pedrinhas. Argolas douradas e brilhantes enHeita%am suas orelhas.
eus lEbios e unhas %ermelho-cintilantes combina%am com as cores de
-
7/23/2019 A Bruxa e a Arte Do Sonhar (Doc) (Rev) Florinda Donner Grau
61/250
seu %estido de algodo tingido. eus olhos longos sob pElpebras ue
nunca se abrem totalmente! tra3am uma eBpresso sonhadora.
O ue a He8 acordar to cedo! musia CandelEria perguntou.
Ze%antando-se! ela alisou a longa saia e o apertado corpete de seu %estido
ue re%ela%a um pedao generoso do seio.
$o ou%i %ocN meBer os mK%eis esta manh Halei. 7ocN %ai
sairV
em responder! ela correu para a co8inha! suas sandElias HrouBas
escorrega%am do calcanhar enuanto ela corria.
&stou cheia de coisas para Ha8er hoe declarou! parando por
um momento para aeitar o pJ de %olta na sandElia.
&stou certa de ue %ocN %ai conseguir Halei. 7ou audE-la.
Colouei Hogo na lenha do Hogo e me sentei R mesa com o ogo de chE
chinNs totalmente descasado. Ainda so ?:5. 7ocN estE atrasada
apenas meia hora.
Ao contrErio de dona 4ercedes! ue era totalmente indiHerente a
horErios! CandelEria di%idia seu dia em tareHas! cada uma delas com
horErios determinados. &mbora ninguJm se sentasse R mesa para comer
na mesma hora! ela IBa%a o horErio do caHJ eBatamente Rs sete da
manh. _s oito! ela E esta%a %arrendo o cho e tirando o pK dos mK%eis.
&la era alta o bastante para limpar as teias de aranha ue se Horma%am
nas uinas e o pK das prateleiras. &! Rs '' horas! a sopa diEria E esta%a
sendo esuentada no Hogo.
Assim ue tudo esti%esse conclu3do! ela se encarrega%a de suas
Pores. "egador na mo! primeiro caminha%a para cima e para baiBo do
pEtio! depois no ardim! molhando as plantas com amor. _s duas horas!
pontualmente! la%a%a roupas! mesmo ue ti%esse apenas uma toalha para
la%ar. Depois ue as roupas esti%essem passadas! ela lia Hotono%elas. $o
Inal da tarde! recorta%a Hotos de re%istas! colocando-as em um Elbum de
HotograIas.
O padrinho de &lio este%e aui ontem R noite ela sussurrou.
Dona 4ercedes e eu Icamos con%ersando com ele atJ o sol nascer. &la
apanhou o milho socado e co8ido na tarde anterior e comeou a bater a
-
7/23/2019 A Bruxa e a Arte Do Sonhar (Doc) (Rev) Florinda Donner Grau
62/250
massa para preparar o bolo de milho ue comer3amos no caHJ da manh.
&le de%e ter mais de oitenta anos. & ainda no conseguiu se recuperar
da morte de &lio. Zucas $une8 acusou-o da morte do garoto.
Uuem J &lioV perguntei.
O Ilho de dona 4ercedes CandelEria murmurou! di%idindo a
massa em peuenas rodelas. &le tinha apenas ') anos uando morreu
tragicamente. ,sto Hoi hE muito tempo. &la arrumou uma mecha de
cabelo para trEs da orelha e completou: W melhor no di8er a ela ue eu
contei ue ela te%e um Ilho.
Colocou os bolos de milho em uma grelha para serem assados no
Horno e ento me Itou! com um grande sorriso maldoso em seus lEbios.
7ocN no acredita em mim! acreditaV perguntou! mas impediu
ue eu respondesse le%antando uma das mos. Tenho ue me
concentrar no caHJ. 7ocN sabe como dona 4ercedes Ica Huriosa se ele no
estE Horte ou suIcientemente doce.
Considera%a CandelEria suspeita. &la tinha o hEbito de contar
histKrias inacreditE%eis sobre a curandeira! como uma %e8 em ue disse
ue dona 4ercedes ha%ia sido capturada por um grupo de na8istas
durante a egunda Guerra 4undial e trancaIada em um submarino.
&la J uma mentirosa dona 4ercedes uma %e8 me
conIdenciou. & mesmo uando Hala a %erdade! eBagera de tal modo
ue a torna uase uma mentira.
CandelEria! sem pro%a%elmente saber de minhas suspeitas! limpou
o rosto com o a%ental ue ha%ia amarrado em %olta do pescoo. &nto!
com um mo%imento rEpido e abrupto! ela se %irou e correu para Hora da
co8inha.
7igie os bolos gritou do corredor. &stou cheia de coisas para
Ha8er hoe.
-
7/23/2019 A Bruxa e a Arte Do Sonhar (Doc) (Rev) Florinda Donner Grau
63/250
apertando os olhos para se adaptar R luminosidade. "ecostou-se na soleira
da porta por um instante antes de se a%enturar pelo corredor.
Corri atJ seu lado! peguei no seu brao e le%ei-a atJ a co8inha.
eus olhos esta%am %ermelhos. ua boca esta%a cerrada e ela tinha uma
aparNncia triste. Fiuei pensando se ela! tambJm! tinha passado a noite
acordada. Xa%ia sempre a possibilidade de CandelEria estar di8endo a
%erdade.
-
7/23/2019 A Bruxa e a Arte Do Sonhar (Doc) (Rev) Florinda Donner Grau
64/250
de Hrente para eles! nunca uando esto atrEs.
,maginei se CandelEria esta%a com medo de ue eu mencionasse
&lio! pois ela parou atrEs de dona 4ercedes! gesticulando discretamente
para ue eu permanecesse em silNncio.
Dona 4ercedes parecia determinada a ler nossos pensamentos
primeiro olhou para mim! depois para CandelEria! com um olhar IBo e
%a8io. uspirando! segurou sua caneca e bebeu o resto do caHJ.
&lio tinha poucos dias uando sua me! minha irm! morreu
Halou olhando para mim. &le era minha alegria. Ama%a-o como se ele
Hosse meu prKprio Ilho. orriu ligeiramente e! depois de uma peuena
pausa! continuou a Halar sobre &lio. Disse ue ninguJm o consideraria
bonito. &le tinha uma boca grande e sensual! um nari8 reto com narinas
largas e o cabelo era sel%agem e encaracolado. 4as o ue Ha8ia &lio
irresist3%el para os o%ens e %elhos eram seus grandes! negros e lustrosos
olhos! ue brilha%am com alegria e bem-estar.
4inuciosamente! dona 4ercedes contou sobre as eBcentricidades
de &lio. &mbora ele esti%esse se tornando um curandeiro! raramente
perdia seu tempo pensando no curandeirismo. &le esta%a muito ocupado
em se apaiBonar e deiBar de se apaiBonar. Durante o dia! Ica%a
tagarelando por horas a Io com as o%ens mulheres e garotas ue %inham
%N-lo. A noite! com o %iolo na mo! ia Ha8er serestas para suas paueras.
DiIcilmente %olta%a antes do amanhecer! a no ser uando no era bem-
sucedido nas suas a%enturas amorosas. &nto! chega%a mais cedo e a
di%ertia com os espirituosos! mas nunca %ulgares! relatos dos seus
sucessos e Hracassos amorosos.
Com uma curiosidade mKrbida! Iuei esperando ue ela Halasse
sobre a morte trEgica dele. enti-me desapontada uando ela Itou
CandelEria.
-
7/23/2019 A Bruxa e a Arte Do Sonhar (Doc) (Rev) Florinda Donner Grau
65/250
Dona 4ercedes sorriu docemente como uma criana tentando! com
diIculdade! esconder um segredo.
Cap3tulo (Cap3tulo (
Gargalhadas! %o8es eBcitadas e o som abaHado das mSsicas de
+u1e"o% escapa%am dos peuenos restaurantes e bares ue margea%am
as ruas ue le%a%am para Hora de Curmina. $a Hrente do posto de gasolina!
antes de chegar R estrada! os galhos das Er%ores troncudas nos dois lados
da rua se cru8a%am como arcos! criando uma tran]ilidade irreal.
$a estrada! passamos por solitErios barracos! Heitos de bambu e
cobertos de barro. Todos eles tinham portas estreitas! poucas anelas e
telhados de sapN. Alguns deles eram pintados de branco! outros mal
tinham a cor do barro. Flores! principalmente gerQnios ue cresciam em
panelas %elhas e latas de Herro! pendiam de beirais largos. `r%ores
maestosas! cobertas de Pores douradas e %ermelho-sangue! encobriam
meticulosamente os limpos uintais! onde mulheres esta%am la%ando
roupas em bacias de plEstico ou colocando-as para secar em arbustos.
Algumas nos cumprimenta%am! outras apenas acena%am
impercepti%elmente com a cabea.
-
7/23/2019 A Bruxa e a Arte Do Sonhar (Doc) (Rev) Florinda Donner Grau
66/250
CandelEria! sentada no banco de trEs do meu ipe! me Hoi
mostrando o caminho.
-
7/23/2019 A Bruxa e a Arte Do Sonhar (Doc) (Rev) Florinda Donner Grau
67/250
"oraimaY As Heiticeiras esto auiY
Assim ue chegamos R porta da Hrente! uma mulher peuena e
enrugada parou para saudar-nos. orrindo! ela abraou CandelEria e
depois dona 4ercedes.
&sta J minha me CandelEria Halou com orgulho. O nome
dela J "oraima.
Depois de uma le%e hesitao! "oraima tambJm me abraou. &la
no tinha mais ue um metro e meio e era muito magra. sa%a um longo
%estido preto. Tinha cheios cabelos negros e os olhos brilha%am como os
de um pEssaro. Os gestos tambJm eram como os de um pEssaro!
elegantes e rEpidos enuanto nos le%a%a para dentro do %est3bulo escuro!
no ual uma peuena lQmpada esta%a acesa embaiBo de um uadro de
o #osJ.
"adiante de satisHao! ela pediu para nKs a seguirmos pela larga
galeria! em Horma de Z! ue limita%a o pEtio interno! onde um limoeiro e
uma goiabeira encobriam a sala de antar! a cJu aberto! e uma espaosa
co8inha.
4ercedes
-
7/23/2019 A Bruxa e a Arte Do Sonhar (Doc) (Rev) Florinda Donner Grau
68/250
uma decepo.
Como posso ter IlhosV CandelEria retrucou indignada. ou
solteiraY
Ca3 na gargalhada. A aIrmao dela no implica%a somente o Hato
de ela no ser casada! mas tambJm de ser %irgem. A eBpresso insolente
no seu rosto no deiBa%a nenhuma dS%ida de ue ela se orgulha%a do
Hato.
CandelEria se debruou no parapeito! ento se %irou e nos encarou.
$unca contei para %ocN ue tenho um irmo. $a %erdade! um
meio irmo. &le J bem mais %elho do ue eu. $asceu na ,tElia. Como meu
pai! %eio para a 7ene8uela para Ha8er Hortuna. &le tem uma empresa de
construo. & agora J rico.
"oraima concordou! enHaticamente! com a cabea.
O meio irmo dela tem oito Ilhos. &les adoram passar os %erLes
conosco completou.
&m uma repentina mudana de humor! CandelEria riu e abraou a
me.
,magineY eBclamou. A musia no conseguia conceber ue
eu ti%esse uma me. Com um sorriso tra%esso! completou: & o ue J
pior! ela nem mesmo acredita%a ue eu tinha um pai italianoY
$este eBato instante! a porta de um dos uartos se abriu e o
senhor! ue tinha %isto na anela! parou do lado de Hora do %arando. &ra
troncudo! com Inos traos ue lembra%am muito CandelEria. &le tinha se
%estido Rs pressas. A camisa Hora abotoada de Horma errada! o cinto de
couro! ue segura%a sua cala! no ha%ia sido passado em todas as
passadeiras! e os sapatos esta%am desamarrados. &le abraou CandelEria.
Guido 4iconi ele se apresentou para mim! depois se
desculpou por no nos ter recebido na porta. Uuando criana!
CandelEria era to bonita uanto "oraima Halou! en%ol%endo a Ilha em
um caloroso abrao. K uando cresceu! comeou a Icar parecida
comigo.
Di%idindo claramente uma piada particular! os trNs ca3ram na
gargalhada. alanando a cabea com satisHao! "oraima olhou para o
-
7/23/2019 A Bruxa e a Arte Do Sonhar (Doc) (Rev) Florinda Donner Grau
69/250
marido e para a Ilha com inabalE%el admirao. &la pegou no meu brao e
me le%ou para baiBo.
7amos nos untar a dona 4ercedes sugeriu.
O uintal! cercado por uma cerca de estacas! era enorme. $o ponto
mais distante! erguia-se um casebre com telhado de sapN. entada numa
rede! presa em duas %igas da peuena casa! esta%a 4ercedes
-
7/23/2019 A Bruxa e a Arte Do Sonhar (Doc) (Rev) Florinda Donner Grau
70/250
Dona 4ercedes nunca Halou sobre mimV A %o8 tinha uma
curiosa macie8 ue nunca ou%ira antes. &la di8 ue eu nasci Heiticeira.
Xa%ia muitas perguntas passando por minha cabea! mas no
sabia por onde comear.
CandelEria! sem se importar com a minha conHuso! encolheu os
ombros num gesto um tanto ou uanto impotente.
7amos almoar Guido 4iconi sugeriu! do alto da escada. &u e
CandelEria o seguimos. De repente! ele se %irou e me
encarou.
4ercedes
-
7/23/2019 A Bruxa e a Arte Do Sonhar (Doc) (Rev) Florinda Donner Grau
71/250
eBiste um sucessor! ue tem o %erdadeiro conhecimento. 7ictor #ulio tinha
um conhecimento real sobre matar cachorros e He8 uma ligao
in%oluntEria com Octa%io CantS. Disse a %ocN ue Octa%io permaneceu
muito tempo na sombra de 7ictor #ulio e ue dona 4ercedes estE me
dando a dela. Ao deiBar certas pessoas contarem suas histKrias! ela estE
tentando colocar %ocN! por alguns momentos! sob a sombra deles. 7ocN!
ento! poderE sentir a roda da oportunidade girar e como uma Heiticeira
pode audar esta roda a se mo%er.
em sucesso! tentei di8er a ela ue suas inHormaLes esta%am me
deiBando proHundamente conHusa. &la me Itou com olhos brilhantes e
conIE%eis.
Uuando uma Heiticeira inter%Jm! nKs di8emos ue a sombra dela
girou a roda da oportunidade disse pensati%amente e! depois de rePetir
por um instante! completou: A histKria de meu pai poderia esclarecN-la!
mas no de%o estar presente uando ele Hor contE-la a %ocN. &u o inibo.
empre Hao isso. 7irou-se para o pai atrEs de si e gargalhou. ua risada
era como uma eBploso cristalina! ue ecoa%a pela casa inteira.
Acordado! Guido 4iconi tossia na cama e imagina%a se a noite! ue
parecia imensa pelo tran]ilo sono de "oraima! E estaria terminando.
ma eBpresso de ansiedade cru8ou seu rosto ao olhar para o corpo nu de
sua mulher! escuro em contraste com os lenKis brancos! e para o rosto
dela! escondido por uma mecha de cabelo. Gentilmente! ele aHastou o
cabelo para trEs. &la sorriu. Os olhos se abriram le%emente! relu8entes
entre as grandes e eriadas pestanas! mas ela no acordou.
Tomando cuidado para no perturbE-la! Guido 4iconi le%antou-se e
olhou para Hora da anela. &sta%a uase amanhecendo. &m um uintal
prKBimo! um cachorro comeou a latir para um bNbado ue canta%a
cambaleando rua abaiBo. Os passos e a cano do homem sumiram na
distQncia. O co %oltou a dormir.
Guido 4iconi saiu da anela e agachou-se para apanhar! embaiBo
da cama! uma peuena mala ue ele mantinha escondida ali. Com a
cha%e ue guarda%a em um cordo em %olta do pescoo! unto com a
imagem da 7irgem 4aria! ele abriu a Hechadura e procurou
-
7/23/2019 A Bruxa e a Arte Do Sonhar (Doc) (Rev) Florinda Donner Grau
72/250
atrapalhadamente por uma larga bolsa de couro! enIada entre as roupas
dobradas. m estranho sentimento! uase uma premonio! o He8 hesitar
por um momento. &le no amarrou a bolsa em %olta de sua cintura.
-
7/23/2019 A Bruxa e a Arte Do Sonhar (Doc) (Rev) Florinda Donner Grau
73/250
moedas! ela di%idia a cama com os homens.
-
7/23/2019 A Bruxa e a Arte Do Sonhar (Doc) (Rev) Florinda Donner Grau
74/250
parei de acreditar ue ela nasceu uma Heiticeira. &la o con%idou para
entrar por um peueno corredor ue da%a para uma grande sala! ue
estaria %a8ia se no Hossem trNs cadeiras encostadas na parede. 4ais
adiante! ha%ia um uarto! separado da sala por uma cortina. &m um dos
lados! debaiBo de uma anela! esta%a um beliche! no ual "oraima ogou a
peuena mala. Do outro lado! ha%ia uma rede pendurada! na ual a
menina tinha ido deitar-se.
&le seguiu "oraima por um corredor peueno atJ a co8inha e os
dois se sentaram a uma mesa no meio do aposento.
Guido 4iconi pegou a mo de "oraima e! como se esti%esse
eBplicando coisas para uma criana! disse para ela ue no Hora
CandelEria ue o ha%ia tra8ido atJ a cidade! mas sim a represa ue iria ser
constru3da nas montanhas.
$o! isto J apenas o ue estE na superH3cie. 7ocN %eio porue
CandelEria o trouBe atJ aui "oraima balbuciou. Agora! %ocN %ai Icar
aui com a gente. $o %aiV
-
7/23/2019 A Bruxa e a Arte Do Sonhar (Doc) (Rev) Florinda Donner Grau
75/250
-
7/23/2019 A Bruxa e a Arte Do Sonhar (Doc) (Rev) Florinda Donner Grau
76/250
ua%emente! preocupado em no acordE-la! Guido 4iconi acariciou
as bochechas dela e! depois! caminhou na ponta dos pJs atJ o peueno
%est3bulo! iluminado pela lu8 de uma lamparina a uerosene.
-
7/23/2019 A Bruxa e a Arte Do Sonhar (Doc) (Rev) Florinda Donner Grau
77/250
o %ale e depois! %agarosamente! subiu a sinuosa estrada de terra. 4iconi
le%antou-se e olhou para trEs pela Sltima %e8. Os telhados de casas
acolhedoras e a igrea branca com um campanErio o I8eram Icar com os
olhos cheios de lEgrimas. Como ele adora%a o som dauele sino. Agora!
ele nunca o ou%iria no%amente.
ApKs descansar por um momento sob a peuena sombra de uma
amendoeira Porida na praa! Guido recomeou sua caminhada por uma
rua estreita! ue termina%a em um lance de degraus tortos ca%ados no
morro. &scalou metade do caminho e! ento! parou para %islumbrar o
porto abaiBo dele: Za Guaira! uma cidade cra%ada entre a montanha e o
mar! com casas cor-de-rosa! a8uis e multicoloridas! as duas torres da
igrea! e a %elha casa da alHQndega ue %igia%a o porto como um Horte
antigo.
As eBcursLes diErias atJ este ponto remoto tornaram-se uma
necessidade. &ra o Snico lugar onde ele se sentia seguro e em pa8. _s
%e8es! ele Ica%a ali durante horas olhando os grandes na%ios ancorando.
Tenta%a adi%inhar! pelas bandeiras ou pela cor da chaminJ! a ual pa3s o
na%io pertencia.
A %isita semanal! na cidade! ao posto da alHQndega era to
essencial para seu bem-estar uanto olhar os na%ios. #E Ha8ia um mNs
desde ue ele deiBara "oraima e CandelEria e continua%a indeciso se
de%eria ir direto para a ,tElia ou se de%eria Ha8er uma escala em $o%a 1or@.
Ou! como o senhor Xl@ema! um dos oIciais ha%ia sugerido! ele tal%e8
de%esse conhecer o mundo primeiro! embarcando em uma das Hragatas
alems ue na%ega%am para o "io! uenos Aires! atra%essa%am a `Hrica e!
ento! chega%am ao mar 4editerrQneo. 4esmo sem le%ar em conta estas
atrati%as possibilidades! ele no conseguia con%encer-se a comprar a
passagem de %olta para a ,tElia.
$o conseguia entender o poruN. Ainda ue! no Hundo de sua
alma! ele soubesse.
4iconi subiu atJ o topo da escada e %irou em um estreito caminho
sinuoso! ue le%a%a atJ um grupo de palmeiras. entou-se no cho! suas
costas encostadas em um tronco! e abana%a-se com seu chapJu. O
-
7/23/2019 A Bruxa e a Arte Do Sonhar (Doc) (Rev) Florinda Donner Grau
78/250
silNncio era absoluto. As Holhas da palmeira pendiam inertes. 4esmo os
pEssaros pareciam %oar com esHoro! como Holhas presas ao cJu sem
nu%ens.
&le ou%iu uma bre%e risada ecoando nauele silNncio. &spantado!
olhou em %olta. O som estridente Ha8ia-o lembrar da risada da Ilha. &! de
repente! o rosto dela se materiali8ou ante seus olhos. ma imagem Huga8!
abstrata! Putuando numa lu8 tNnue to pElida ue o rosto parecia estar
en%ol%ido por um halo.
Com mo%imentos rEpidos e abruptos! como se esti%esse tentando
apagar a imagem! Guido 4iconi abanou-se com o chapJu.
Tal%e8 Hosse %erdade ue CandelEria tenha nascido uma Heiticeira!
rePetiu. A criana poderia ser a causa da sua indeciso em partirV! ele
perguntou a si mesmo. eria ela a ra8o de suas tentati%as Hrustradas em
tra8er R mente! por mais ue ele tentasse! o rosto de sua mulher e Ilhos
na ,tEliaV
Guido 4iconi le%antou-se e perserutou cuidadosamente o
hori8onte.
-
7/23/2019 A Bruxa e a Arte Do Sonhar (Doc) (Rev) Florinda Donner Grau
79/250
rapidamente. Acometido de um sSbito mal-estar! Hechou os olhos e se
recostou em uma parede. AlguJm pegou no seu brao. &le abriu os olhos!
mas tudo o ue %ia eram lu8es negras girando na sua Hrente. 4ais uma
%e8! ou%iu a %o8 de uma criana chamando-o.
De%agar! ele comeou a melhorar do mal-estar. Os olhos ainda
esta%am um pouco embaados uando olhou para o rosto assustado do
senhor Xl@ema! o alemo do posto da alHQndega.
$o sei como cheguei atJ aui! mas uero Halar com %ocN
Guido 4iconi gagueou. ZE das montanhas! acabei de %er um na%io
italiano atracando no porto. Uuero comprar minha passagem para casa
agora mesmo.
O senhor Xl@ema balanou a cabea incrJdulo.
7ocN tem certe8aV perguntou.
Uuero comprar minha passagem para casa 4iconi insistiu
inHantilmente. Agora mesmoY ob os olhos do senhor Xl@ema! ele
completou! elo]ente! como se tudo auilo I8esse sentido: Finalmente
uebrei a magiaY
Claro ue %ocN uebrou. O senhor Xl@ema descon%ersou!
tran]ili8ando-o e le%ando-o para a Hrente do guichN.
Olhando para cima! Guido 4iconi obser%ou o alto e desolado
alemo mo%er-se para trEs do balco. Como sempre! o senhor Xl@ema
usa%a um terno branco de linho e sandElias pretas de pano. ma mecha
de cabelo grisalho! ue crescia em um dos lados da cabea! tinha sido
cuidadosamente penteada e distribu3da pela careca. O rosto esta%a sendo
marcado pelo implacE%el sol tropical e! sem dS%ida! pelo rum.
O senhor Xl@ema apanhou um pesado li%ro-ra8o e colocou-o! sem
Ha8er barulho! em cima do balco.
-
7/23/2019 A Bruxa e a Arte Do Sonhar (Doc) (Rev) Florinda Donner Grau
80/250
O senhor Xl@ema caiu na gargalhada e meBeu-se Ha8endo um
estrondoso barulho. &ntretanto! uando ele Halou! sua %o8 tinha uma
curiosa docilidade.
&sta%a apenas brincando. &u prKprio o le%arei atJ o na%io.
O senhor Xl@ema acompanhou-o atJ o hotel e o audou a untar as
bugigangas dele. Depois de ter certe8a de ue iria ter uma cabina
particular! como ele ha%ia reuisitado e pago! o alemo deiBou-o com o
comandante do na%io.
Ainda tonto! Guido 4iconi olhou em %olta! imaginando por ue no
ha%ia alguJm no dec1 do na%io italiano! ancorado no p3er nSmero no%e.
&le apanhou uma cadeira ue esta%a ao lado de uma mesa no dec1, abriu-
a e repousou a cabea no encosto de madeira. &le no esta%a louco.
&sta%a no na%io italiano! repetia para si mesmo! torcendo para dispersar a
constatao de ue no ha%ia outra pessoa em %olta. Depois de descansar
por um momento! andou atJ outro dec1 e conIrmou para si prKprio ue a
tripulao e os outros passageiros esta%am em algum lugar do na%io. &ste
pensamento restaurou sua conIana.
Guido 4iconi le%antou da cadeira e! debruando-se sobre o
corrimo! olhou para o p3er abaiBo. 7iu o senhor Xl@ema acenando!
olhando para ele.
4iconiY o alemo gritou. O na%io estE le%antando Qncora.
7ocN tem certe8a de ue uer ir emboraV
Guido 4iconi sentiu um suor Hrio. m temor irracional in%adiu-o.
Ficou com saudades de sua %ida tran]ila e sua Ham3lia.
$o uero ir gritou de %olta.
7ocN no %ai ter tempo de apanhar a bagagem. A prancha de
desembarue E Hoi erguida. 7ocN tem ue pular agora. 7ocN tem ue cair
na Egua. e %ocN no pular agora! no o HarE nunca mais.
Guido 4iconi %acilou por um segundo. $a sua mala esta%am as
Kias