A C - Irmandade do Falcão 01 - Tudo por seu amor (TWKliek)

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TWKliek Anna Casanovas Irmandade do Falcão 01 l Anna Casanovas Tudo por seu amor Tudo por seu amor Tudo por seu amor Tudo por seu amor Série Irmandade do Falcão 01 Alex Fordyce, segundo filho do conde de Wessex, retorna a Inglaterra depois de ter passado os últimos cinco anos na França. Com o olhar perdido no horizonte, Alex recorda que quando era jovem sonhava ter sua própria empresa naval e poder se casar com Irene Morland, a única mulher que amou. Esses sonhos se viram truncados quando, depois do assassinato de sua mãe, Alex decidiu fazer parte da Irmandade do Falcão. A Irmandade do Falcão é um corpo de elite, um grupo de espiões a serviço, não da coroa da Inglaterra, mas sim dos princípios que conseguiram forjar uma nação. Seus membros não se conhecem entre si e o único que os identifica é um falcão que têm tatuado em alguma parte do corpo. Alex aceitou se converter em falcão com a esperança de proteger a família e seres queridos, e por eles sacrificou tudo: sua honra, sua felicidade, seu coração. E ao final não serviu para nada. William, o irmão mais velho de Alex, morreu em solo francês enquanto tratava de devolver à família Fordyce o respeito perdido por culpa de Alex. Agora Alex retorna a Inglaterra convertido no futuro herdeiro do conde de Wessex. Seu pai não quer nem vê-lo, seus outros irmãos, Robert e Eleanor mal o recordam… e Irene está a ponto de assumir compromisso com outro homem. Mas o pior não é isso, a Irmandade está convencida que a emboscada em que William Fordyce morreu foi possível graças à informação facilitada por um traidor à coroa, e acreditam que Alex é o único que pode averiguar sua identidade. Alex sabe que tem que seguir com seu papel. Ele, mais que ninguém, precisa vingar a morte de William, mas está farto de mentir e cada vez que vê Irene tem que se esforçar para não beijá-la e se ajoelhar ante ela e pedir que o perdoe por tê-la abandonado.

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Irmandade do Falcão 01

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Anna Casanovas

Tudo por seu amorTudo por seu amorTudo por seu amorTudo por seu amor

Série Irmandade do Falcão 01

Alex Fordyce, segundo filho do conde de Wessex, retorna a Inglaterra depois de ter

passado os últimos cinco anos na França. Com o olhar perdido no horizonte, Alex recorda que

quando era jovem sonhava ter sua própria empresa naval e poder se casar com Irene Morland, a

única mulher que amou. Esses sonhos se viram truncados quando, depois do assassinato de sua

mãe, Alex decidiu fazer parte da Irmandade do Falcão. A Irmandade do Falcão é um corpo de

elite, um grupo de espiões a serviço, não da coroa da Inglaterra, mas sim dos princípios que

conseguiram forjar uma nação. Seus membros não se conhecem entre si e o único que os

identifica é um falcão que têm tatuado em alguma parte do corpo. Alex aceitou se converter em

falcão com a esperança de proteger a família e seres queridos, e por eles sacrificou tudo: sua

honra, sua felicidade, seu coração. E ao final não serviu para nada. William, o irmão mais velho

de Alex, morreu em solo francês enquanto tratava de devolver à família Fordyce o respeito

perdido por culpa de Alex. Agora Alex retorna a Inglaterra convertido no futuro herdeiro do

conde de Wessex. Seu pai não quer nem vê-lo, seus outros irmãos, Robert e Eleanor mal o

recordam… e Irene está a ponto de assumir compromisso com outro homem. Mas o pior não é

isso, a Irmandade está convencida que a emboscada em que William Fordyce morreu foi possível

graças à informação facilitada por um traidor à coroa, e acreditam que Alex é o único que pode

averiguar sua identidade. Alex sabe que tem que seguir com seu papel. Ele, mais que ninguém,

precisa vingar a morte de William, mas está farto de mentir e cada vez que vê Irene tem que se

esforçar para não beijá-la e se ajoelhar ante ela e pedir que o perdoe por tê-la abandonado.

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Revisão Inicial: Rosilene Xavier

Revisão Final: Dani P

Formatação: Greicy

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Comentário da Revisora Rosilene Xavier: Sem comentários extensos... recomendo a leitura.

Comentário da Revisora Dani P: Nunca tinha lido nada desta autora, me parece que é seu 1º

romance histórico, o herói é bastante sofredor por não poder contar a família e ao grande amor

sobre sua profissão.

PRÓLOGO

Calais, França.

Janeiro de 1806.

Seu irmão tinha morrido. William tinha morrido e ele demorou mais de seis meses para

saber. Morreu sem saber a verdade, acreditando que o irmão era um covarde, e agora era muito

tarde. A gelada brisa marinha soprou de repente e Alex apertou a mandíbula com força para não

gritar. A raiva e a tristeza ameaçavam afogá-lo, já não podia mais, tinha que cuspir a dor que

sentia, a angústia, a impotência. Por que ele não havia morrido? Deus sabia que esteve a ponto de

morrer no campo de batalha poucos meses atrás, por que ele tinha se salvado e não Will? William

tinha tudo, era inteligente, honrado e teria sido um excelente conde. Mas ele, ele não, ele havia

sacrificado tudo por essa guerra que esteve a ponto de consumir meio mundo. Tudo. E já não

restava nada, só a casca de ovo vazia que era seu corpo, e as ânsias de se vingar.

—O navio zarpará em poucos minutos, senhor — disse um marinheiro ao passar a seu lado.

Alex assentiu com a cabeça e subiu a gola do casaco. Fazia frio, muito frio, embora, para

falar a verdade, ele mal o sentia. Levantou do chão a bolsa que continha seus poucos pertences e

percorreu com o olhar o porto pela última vez. Cinco anos. Passou cinco anos nesse país. Cinco

anos fingindo ser um bon vivant, um bom para nada, sacrificando sua honra, seu orgulho. Fechou

os olhos um instante e se permitiu pensar nela, algo que não fazia quase nunca. Sim, também

tinha sacrificado ela. Sacrificou a possibilidade de ter um futuro, de ser feliz, de...

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Tinha sacrificado tudo com a esperança de que aquela guerra não arrebatasse nada a

nenhum de seus seres queridos. Iludido. O destino não só zombou dele, mas também havia levado

seu irmão mais velho, seu confidente e melhor amigo. Meteu uma mão no bolso e apertou com

força a carta de Eleanor, sua irmã mais nova, a única com quem mantinha contato de vez em

quando. Eli tinha lhe escrito contando o acontecido e pedindo que retornasse. Havia parágrafos

que Alex sabia de cor, o que era uma sorte, pois o papel estava tão puído que logo seria ilegível.

Aquela carta era a única coisa que o manteve com vida nos últimos meses. Durante os dias que

passou na cama, detento de uma febre por causa da ferida da perna, as palavras de Eleanor

tinham sido sua salvação.

William morreu, Alex. Faz um ano se alistou no exército e, típico dele, não demorou para se

converter em capitão de seu batalhão. Papai, Robert e eu suplicamos que não seguisse adiante

mas ele...

Sua irmã havia deixado a frase sem terminar, mas Alex sabia perfeitamente o que omitia.

William tinha se fartado de escutar que em sua família eram todos uns covardes, que seu irmão

mais novo havia decidido ir ao continente para viver a vida em vez de cumprir com a obrigação

com seu país, e decidiu cuidar do assunto. Que Eleanor não o recriminasse só era sinal do grande

coração que tinha no peito, mas isso não significava que não tivesse razão ao pensar nisso.

Em junho nos comunicaram que tinha morrido. —A tinta escorreu um pouco por causa das

lágrimas. —Papai se nega a dizer, mas precisa de você, todos necessitamos. Retorna a casa, Alex.

Por favor.

Se pôs a andar e a pontada que sentiu na perna o recordou que ainda não havia se

recuperado e que talvez não o faria nunca. Coxeando, mas agradecido pela dor, pois isso

significava que o sangue circulava por toda a extremidade e que não teriam que cortá-la, Alex se

dirigiu para o navio. Depois de se instalar em seu camarote, que fazia as vezes de despensa,

decidiu ir ao convés. O navio que o levaria de retorno a Inglaterra não costumava levar

passageiros, mas era o primeiro que partia e ele já não estava disposto a perder mais tempo. Se

instalou na popa, firmando os pés no chão. Observou o horizonte, e recordou o muito ele e o

irmão gostavam de navegar. Ia percorrer o caminho da memória quando algo a suas costas captou

sua atenção. Não, era impossível. Aquele marinheiro não podia ser quem ele acreditava que era.

Mas quando o tipo em questão levantou a vista do cabo que segurava entre as mãos, a Alex não

coube nenhuma dúvida.

—Mollet — Alex pronunciou o nome de seu contato a meia voz. Havia semanas sem ter

notícias da Irmandade e, farto de esperar, decidiu empreender a volta a casa sem comunicar a

eles.

Roger Mollet era um homem de idade indeterminável e físico anódino, talvez por isso lhe

era tão fácil passar despercebido. Nos cinco anos que o conhecia o tinha visto se disfarçar de

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grumete, polícia, ladrão e mil ofícios mais, assim como adotar o acento de mais de dez países

diferentes. Ninguém sabia onde vivia, nem se possuía família ou amigos, mas ele parecia saber

tudo de todo o mundo.

—Fordyce. — Se apoiou no corrimão junto a ele. —Ou deveria te chamar Wessex? Agora

que seu irmão morreu, você será o próximo conde, não é assim?

—O que faz aqui? — Alex decidiu ignorar as referências a seu título nobiliário e ir

diretamente ao ponto. — E como sabe sobre meu irmão?

Mollet arqueou uma sobrancelha para deixar claro o que pensava da pergunta.

—Nos parece bem que retorne a Inglaterra. De fato, suas novas circunstâncias podem nos

ser muito úteis. —se afastou um pouco e o olhou aos olhos. Não precisava que dissesse a quem se

referia com esse “nos”. —Seu trabalho na França foi excelente. —Viu que Alex se incomodava e

decidiu baixar um pouco a guarda. Aquele menino tinha feito um grande trabalho e, embora não

era seu estilo, decidiu dizer o que pensava. —Pode se sentir orgulhoso.

—E do que serviu? —Alex precisava se desafogar e Mollet era a desculpa que necessitava. —

De nada. Meu irmão morreu.

—Sim, mas muitos outros não.

—Só me importavam eles — disse se referindo a seus irmãos e a seus amigos.

—Isso não é verdade.

—Sim é. Por que ia me importar alguém a quem não conheço?

—Porque se importa. É assim. — O falso marinheiro tirou uma cigarreira do bolso interior de

seu casaco. —Olhe, Alex. Eu nunca fui como você, para mim isto é só um trabalho, faço-o porque

me dá bem. Mas você, quando o conheci pensei que não duraria nem um dia. —Quando viu que o

escutava atento, seguiu: —Tantos ideais não servem para nada no campo de batalha. Mas me

demonstrou que me equivocava.

—Para que veio? —perguntou ele, que não queria seguir escutando elogios.

—Você se foi antes que pudéssemos te dar ordens. Não é próprio de você, Fordyce. —

Retornou ao sobrenome do jovem. Mollet não gostava de chamar ninguém pelo nome; isso fazia

que suas mortes fossem mais difíceis de esquecer.

—Nada teria conseguido me convencer que ficasse na França nem um dia mais. —Apertou a

madeira da amurada e deixou vagar o olhar pelo oceano.

—Sei, e nós também acreditamos que chegou o momento que retorne a Inglaterra; como

futuro conde de Wessex terá acesso às mais altas esferas da sociedade e, com sua reputação de

bon vivant, com certeza que o convidarão a todas as festas. —antes que Alex pudesse dizer que

não tinha intenção de fazer nada disso, Mollet continuou: —Napoleão ainda não está vencido,

possivelmente tenhamos conseguido pô-lo de joelhos, mas ainda falta muito para a vitória.

Sempre soubemos que tem espiões na Inglaterra. Seria um estúpido se não os tivesse, e se algo

ele demonstrou é que não o é. Mas ultimamente parece inclusive se adiantar a nós. —Deu um

trago no cigarro e prosseguiu: —Estamos convencidos que tem um confidente nas mais altas

esferas, alguém que goza da confiança de nosso rei enquanto que, ao mesmo tempo, planeja

apunhalá-lo pelas costas.

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—Manda Tinley, certamente Henry ficará encantado de descobrir esse bastardo. —Alex

nunca se negou a aceitar uma missão, mas desta vez o único que queria era ir para casa.

—É verdade. —Mollet sorriu. —Mas acredito que inclusive você estará mais motivado que

ele.

—Por que?

—Sabe onde e quando morreu seu irmão?

Alex soltou o corrimão, deu meia volta e, em menos de dois segundos, tinha Mollet seguro

pelas lapelas do casaco e esmagado contra o mastro da vela maior.

—Não, e se você sabe, é bom me dizer logo. —Entrecerrou os olhos e apertou os punhos. —

Fale.

Mollet sorriu.

—O batalhão de seu irmão foi atacado de surpresa enquanto iam a caminho de Boulogne.

Foi um massacre, muitos dos cadáveres foram impossíveis de identificar. —Mollet sabia que

estava jogando sujo, mas se isso era o que precisava para que o melhor de seus homens reagisse

— estava disposto a fazê-lo. —Iam em missão de reconhecimento, ninguém deveria saber que

estavam ali. Nem sequer eu estava a par.

Alex o sacudiu enojado e respirou fundo para controlar as náuseas.

—É impossível que fosse casualidade, a emboscada estava muito bem planejada. Nosso

espião, o qual a falta de nome batizamos como Louva-Deus, tem que estar muito bem relacionado.

Me solte.

Os dois homens se olharam aos olhos e o jovem se afastou devagar.

— Louva-Deus?

—Já conhece Hawkslife e sua obsessão com os insetos. Acreditam que Louva-Deus ou

pertence à alta sociedade ou tem acesso direto ao círculo mais estreito de alguém muito

importante. Queremos que reclame seu título de futuro conde de Wessex e que siga com seu

papel de bon vivant.

—Nem sonhe, estou farto de que minha família me odeie.

Mollet sabia que Alex se negaria, mas também que o convenceria que a postura da

Irmandade era a acertada.

—Fordyce, na Inglaterra todos acreditam que é um crápula, que o único que te importa são

as mulheres, o jogo e viver bem. Se agora aparecer como um herói responsável vai levantar

suspeitas, e ninguém, repito, ninguém confiará em você. O que te interessa é seguir como sempre.

Consegue que o convidem a todas as festas, a todas as reuniões, se faça membro de todos os

clubes, quanto mais secretos e mais decadentes, melhor, e cedo ou tarde seus colegas ingleses

começarão a confiar em você.

—Não. —Alex se manteve firme.

—Sim. —Mollet guardou a cigarreira. —Fará. —Viu que Alex ia discutir e levantou a mão

para impedi-lo. E sabe por que? Porque sabe que tenho razão, que seguindo com seu papel

conseguirá se inteirar daquilo que ninguém quer que saibamos, que assim averiguará mais coisas

que sendo o homem honesto que é na realidade. —Levantou uma sobrancelha. —Não se esqueça

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de que Lúcifer é na realidade um anjo vestido de demônio, e isso é exatamente o que agora

necessitamos.

Alex se manteve imóvel, e a não ser porque apertou os punhos com força, Mollet não teria

se dado conta que estava tentando se controlar.

—De acordo, farei. —Dessa vez, foi ele quem levantou a mão e fez o outro homem se calar

antes que falasse. —Mas com duas condições.

—Quais?

—A primeira: descobrir a identidade de Louva-Deus será minha última missão. Quero, não,

melhor dizendo, preciso contar a verdade a minha família.

—E a segunda?

—Seja quem for Louva-Deus — fez uma pausa, —quero matá-lo pessoalmente.

Mollet não concordou com nenhuma das duas condições, mas sim se limitou a entregar a

cigarreira a ele e a deixá-lo sozinho no convés, olhando para o horizonte.

CAPÍTULO 1

Inglaterra, verão de 1784.

—Vamos, Will! —exclamou um impaciente Alex. —Papai está nos esperando.

—Já estou quase acabando —respondeu o irmão mais velho, — só me faltam um par de

páginas. Deveria ler isto, o tal Hércules era incrível. Oxalá eu tivesse tanta força como ele.

—Fritzwilliam e Alexander! Se não sair já, mal teremos subido ao veleiro e já teremos que

descer —gritou o pai ao pé da escada.

—Hoje saímos para navegar? —perguntou William, como se o irmão mais novo não

estivesse repetindo durante os últimos vinte minutos. —por que não me disse nada?

—Eu te disse — se queixou Alex, —mas você não me escutou. Você e seus livros.

—Vamos, girino, quando aprender a ler tão bem como eu, com certeza você também

gostará.

—Duvido, enquanto tenha o Star — seu primeiro pônei. —Prefiro mil vezes sair a correr pelo

campo que ficar aqui encerrado com livros.

—Fritzwilliam e Alexander! —voltou a gritar o progenitor.

—Temos que descer já, ou passará toda a tarde nos chamando pelo nome completo.

—Eu odeio o meu — se queixou Alex.

—Você o odeia? Pois imagine eu.

Ambos sorriram e desceram pelo corrimão da escada.

—Meninos! —a mãe os repreendeu. —Eu já disse mil vezes que não façam isso.

Os muito marotos puseram cara de inocentes e assentiram.

—De acordo. Tomem cuidado. Charles — se dirigiu ao marido, —o barão e sua família estão

no salão.

Charles Fordyce, conde de Wessex, beijou a esposa na bochecha e, lhe oferecendo o braço,

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se dirigiu com seus dois filhos para onde os convidados o esperavam. Diana, a condessa de

Wessex, estava grávida e a ponto de dar a luz ao terceiro filho, embora ela confiava que fosse uma

menina. Com três homens na casa já tinha mais que suficiente. Se deteve frente à porta do salão

e, antes de abri-la, respirou fundo. Era a primeira vez que via George Morland desde a morte de

Martha, sua melhor amiga.

Martha e George se apaixonaram nada mais ao se conhecerem e, embora tenha ficado triste

por se afastar de Diana, não hesitou em ir viver em Northumberland para poder formar uma

família com o homem que amava. Cada ano iam passar uma temporada no imóvel que o marido

havia lhe comprado perto de onde residiam os Fordyce, e assim as duas amigas podiam seguir se

vendo. Fazia dois anos que não iam, desde que Martha tinha ficado doente. Por desgraça, seus

pulmões não se recuperaram jamais e George, incapaz de continuar na mansão em que a esposa

havia falecido, decidiu ir com os três filhos para Wessex, para ver se ali recordava os momentos

felizes que tinham vivido juntos. Ao menos isso foi o que escreveu na carta que enviou a Diana.

O conde e a condessa ficaram sem fala ao ver o rosto gasto do amigo. Sem hesitar um

instante, Diana correu a abraçá-lo e Charles se aproximou com cuidado dos três pequenos que

estavam com ele.

—Você deve ser James — disse ao mais velho, que devia ter mais ou menos a mesma idade

que seu primogênito. —Estes dois são William e Alex.

O menino levantou a cabeça e os olhou.

William, se comportando como o futuro conde que era, se aproximou de James.

—Você gosta de navios? Nós íamos navegar, você gostaria de vir?

—Sim — respondeu o outro, esboçando um leve sorriso.

—Fantástico. Alex. —Procurou a seu irmão, mas viu que este estava fascinado com uma das

convidadas. —Alex, o que está fazendo? —perguntou quando o viu tocar uma das tranças da

menina.

—É precioso! —exclamou surpreso. —Igual à cauda de Star.

—Quem é Star? —perguntou a pequena afastando sua mão.

—Meu cavalo. — Alex se negava a dizer que seu impressionante corcel era um mero pônei.

—Eu não sou um cavalo — replicou ofendida. —Sou uma menina.

Alex pôs cara de asco.

—Pois é uma lástima. Com esses dentes que tem, bem poderia sê-lo.

—E você com essas orelhas poderia ser um asno — se defendeu ela.

—Asno? —Alex se virou furioso e foi procurar a mãe. —Essa “menina” me chamou asno —

disse, puxando a saia dela.

—E você o que lhe disse antes? —perguntou a mulher se agachando para ficar a altura dele.

—Nada.

—Tem certeza?

—Só disse que o cabelo dela parecia o de Star.

Diana procurou com o olhar à pequena, que tinha ficado abandonada junto a um sofá, e se

aproximou dela.

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—Vêem aqui, tesouro —disse com voz doce. —Alex não queria te insultar. Na realidade disse

um grande elogio. Ele gosta muito de Star.

A menina se aproximou dela e Diana viu que tinha lágrimas nos olhos. Sentou-a em seu

regaço e pediu a Alex que se aproximasse.

—Alex, apresento Irene.

Ele agarrou a mão da desdentada Irene e deu um beijo, como se estivessem em um grande

baile.

—Vamos, não quero que briguem. Afinal de contas, vão passar muito tempo juntos. Quer ir

dar uma volta de navio com os meninos?

—Não, obrigado. Prefiro ficar aqui com Isabella. —Mostrou o berço em que descansava sua

irmã mais nova. —Agora que mamãe não está, eu tenho que cuidar dela.

—Se não tem mamãe — disse Alex curioso, — quem cuida de você?

Diana ia responder que ela, que ela se encarregaria disso, mas seu filho mais novo falou

antes que pudesse fazê-lo.

—Já sei, eu cuidarei de você, Irene. —A olhou aos olhos e desembainhou a espada de

madeira que sempre levava pendurada no cinturão das calças. —Eu sempre cuidarei de você,

prometo. —E após dizer isso, Alex saiu correndo atrás de William e James.

Os Morland já estavam a um par de meses instalados na mansão e, embora o barão

continuasse abatido, seus filhos, em especial os dois maiores, voltavam a sorrir. James, William e

Alex eram inseparáveis, e o trio fazia tremer seus respectivos tutores. Nenhuma cozinha estava a

salvo de suas pilhagens e os cavalariços temiam suas visitas. Irene, pelo fato de ser uma menina,

não era tão bem recebida no grupo, mas Alex se manteve firme a sua promessa, e sempre cuidava

dela. Inclusive quando os outros dois zombavam dele por deixar que a menina o penteasse ou por

aceitar ir tomar chá com suas bonecas.

Uma tarde, William e James foram nadar com o conde e o barão, e Alex, que estava

resfriado, teve que ficar em casa. Fingiu que lamentava perder a excursão, e que não podia

suportar a ideia de ficar com Irene, mas isso distava muito de ser verdade. Alex não tinha dito a

nenhum dos outros dois, mas o fascinava ficar com a menina. A via tão pequena, tão delicada por

fora e tão valente por dentro, que não podia deixar de compará-la com Star, embora o

incomodasse.

—Posso te pentear? —perguntou Irene com sua escova na mão. —Tem o cabelo muito

embaraçado.

E assim era. Alex tinha o cabelo negro e muito rebelde, e como odiava que o arrumassem,

sempre estava despenteado.

—De acordo — soprou resignado. —Mas nada de tranças.

—Nada de tranças.

Irene se sentou a suas costas e o penteou igual à suas bonecas.

Enquanto o fazia, Alex lhe contou as excelências de Star e ela o escutava atenta. Estava

elogiando quão bem seu pônei tinha saltado um pequeno, mas muito complicado obstáculo,

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quando viu no chão uma das fitas que a babá de Irene utilizava para prender as tranças e, sem

pensar, pegou e a guardou no bolso.

O vento voltou a soprar, mas desta vez carregado de chuva, e Alex levou uma mão ao bolso.

Ao longo dos anos, tinha acumulado um montão de fitas. A princípio não era consciente de que o

fazia, mas um dia, um dia que não esqueceria jamais, se deu conta de que tinha um montão.

Tinha-as de cor rosa, azul, violeta e branco, inclusive um par com pontinhas de seda, mas sua

preferida era sem dúvida a de cor verde com raias amarelas. Essa horrível manhã, depois da

discussão, ao abrir a gaveta de sua mesinha de noite viu todas e as jogou sobre a cama. Tinha que

jogá-las. Ia fazer isso. Pegou-as com ambas as mãos e se aproximou da lareira que havia em seu

quarto, mas foi incapaz.

Em vez disso, sentou na escrivaninha e começou a atar as fitas entre si até confeccionar uma

espécie de trança. Quando terminou, colocou sem pensar na bolsa de viagem e partiu rumo à

França. Isso fazia cinco anos. Cada dia, cada noite, todas e cada uma das vezes que tinha

acreditado estar a ponto de morrer, sempre que se sentia sozinho, quando estava assustado,

levava a mão ao bolso da calça e acariciava a trança de fitas. Mal tinham cor e muitas delas

estavam desfiadas, mas a ele, de todos os modos, reconfortava.

Deus, o que diriam Mollet e Hawkslife se soubessem que seu agente mais letal estremecia só

tocando algumas fitas de cabelo? Diriam que as lançasse pela amurada, que deixasse de lado os

sentimentos e que recordasse o juramento que havia feito. Incapaz de continuar ali de pé por mais

tempo, Alex acariciou as fitas uma vez mais e foi se deitar. Ainda faltava um pouco para chegar a

Inglaterra, e ia necessitar de todas as forças para ver os irmãos e o pai. Não queria nem expor a

possibilidade de se reencontrar com Irene. Se Deus tinha um ápice de compaixão lhe evitaria dito

encontro até que estivesse preparado.

Parecia que, Deus sim tinha compaixão, e quando o navio atracou na Inglaterra Alex não foi

recebido por ninguém de sua família, nem tampouco por nenhum dos Morland. Quem sim foi

recebê-lo foi lorde Hawkslife quem, fiel a imagem de professor de Oxford, estava vestido com

total sobriedade. Alex ainda recordava a primeira vez que o viu, quando, com apenas quatorze

anos, seus pais o mandaram a essa universidade para estudar.

William, dois anos mais velho que ele, já fazia tempo que estudava na sagrada instituição, e

havia se convertido em uma espécie de lenda entre os membros do claustro. O futuro conde de

Wessex, diziam todos, não só era preparado, mas também, além disso, era um líder nato. Alex

nunca sentiu ciúmes do irmão, justamente o contrário, se enchia de orgulho cada vez que ouvia

mencionar seu nome. Ele, melhor que ninguém, podia dizer que Will era incrível.

A princípio, Alex tratou de passar despercebido, e se não fosse pelo cretino do Bingley teria

conseguido. O muito imbecil não parou até conseguir provocar Alex, quem terminou por lhe dar

um murro e atirá-lo ao lago. Por sorte, o incidente só foi presenciado pelo professor de biologia,

lorde Hawkslife. Era a primeira vez que Alex o via, mas tinha ouvido falar dele, e nunca em termos

favoráveis.

—Venha comigo — foi a primeira frase que saiu da boca do espartano professor.

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—Sim, senhor — respondeu Alex temeroso.

Caminharam em silencio até chegar a uma das salas, e após entrar, Hawkslife voltou a falar:

—Por que faz mal os deveres de propósito?

Alex ficou atônito, algo que lhe aconteceria muito frequentemente no futuro com relação a

esse homem.

—Perguntei por que faz os deveres errados de propósito.

—Como sabe que não me equivoco de verdade?

—Pela resposta que você mesmo acaba de me dar. — O professor caminhou para ele. —

Onde aprendeu a brigar?

—Uma vez vi alguns meninos fazê-lo perto da igreja.

—Deveria esconder o polegar entre os dedos, assim não o quebrará. —Ele demonstrou, e a

Alex pareceu um conselho muito útil. —Pode ir.

Ele respirou aliviado, mas quando tinha a mão no trinco, Hawkslife voltou a falar:

—O espero amanhã às quatro da tarde. E não diga nada disto a seu irmão.

E a partir de então, Alex teve que fazer seus deveres duas vezes, uma diante de Hawkslife

para que ele os corrigisse ali mesmo e outro com as respostas erradas, para seguir com a farsa.

Uma semana mais tarde, o professor lhe disse:

—Possivelmente tenha convencido o resto do mundo, senhor Fordyce, mas a mim não. Sei

que você é preparado, muito preparado, e que acredita que trairá seu irmão se for melhor que ele

em algo. —Viu que ele ia se defender, mas levantou uma mão para fazê-lo calar. —Não se

preocupe, seu segredo está a salvo comigo, mas em troca quero seguir com nossas aulas e quero

que comece a ler os livros que lhe darei.

—Por que? —Alex nunca havia sido bom em obedecer ordens sem sentido e essa, de

momento, não tinha muito.

—Porque quer fazê-lo e porque no futuro farão falta homens como você. Feche a boca e siga

trabalhando. Não tenho todo o dia.

Alguns anos mais tarde, quando Alex tinha já dezessete e lido todos os livros que Hawkslife

havia lhe dado sobre biologia, astronomia, literatura e um montão de coisas mais que naquela

época pareciam completamente inúteis, o professor voltou a deixá-lo sem fala.

—Que esporte pratica Fordyce?

—Monto a cavalo, como todos meus companheiros, e faço um pouco de esgrima. São as

atividades que oferece a escola — respondeu ele, surpreso pela pergunta.

—Amanhã, quando vier me ver, traga sua roupa de esporte.

Alex arqueou uma sobrancelha.

—E perder um de seus maravilhosos livros?

—Não seja sarcástico, senhor Fordyce, não é nada elegante. Além disso, também lerá o livro.

Pegue. —Lançou-lhe um exemplar do Shakespeare. —O espero amanhã.

No dia seguinte, e enquanto analisavam a obra Julio César pelo caminho, o professor

Hawkslife o levou a um local no qual dois homens enormes o ensinaram a boxear.

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Ao boxe seguiram muitos outros esportes; gostou de alguns mais e outros menos, mas Alex

sofreu dores em todo seu corpo por culpa de vários deles. Cada vez que perguntava a Hawkslife

por que o fazia fazer aquilo e por que não podia contar a ninguém, ele respondia:

—Logo entenderá, e não pode dizer a ninguém porque, a diferença de você, sua família não

chegará a entender jamais. —Este último sempre dizia com olhar de resignação.— Paciência,

senhor Fordyce, seu destino está perto.

E ao fazer dezoito anos, seu destino o alcançou.

CAPÍTULO 2

Porto de Dover, Inglaterra, 1806.

—Bem-vindo Fordyce — o saudou Hawkslife ao se aproximar dele. —Que tal essa perna?

—Bem — respondeu ele ao sentir a pontada de dor que já havia começado a se acostumar.

—Desde quando perde o tempo indo receber as pessoas?

—Desde que essa “pessoa” é o melhor agente que já tivemos.

—Certamente diz isso a todos — disse ele à defensiva.

—Pois claro — contra-atacou o outro com um meio sorriso. —Pode se saber por que deixou

que o ferissem?

—Digamos que não me pediram permissão. Os franceses com quem topei em Trafalgar eram

assim de mal educados, uma lástima.

—Faz anos lhe disse que não fosse sarcástico.

—Ora, suponho que a guerra tirou o melhor de mim.

—Onde está Mollet? —perguntou o homem que, a seus cinquenta anos, seguia mantendo

um físico imponente, embora seu cabelo começava a ficar cheio de fios prateados.

—Logo descerá. Nosso falso marinheiro e seus companheiros estão descarregando a

mercadoria que o navio transportava.

Ambos ficaram de pé, olhando-se aos olhos sem dizer nada mais, mas passados alguns

segundos Hawkslife falou:

—Me alegro que esteja bem, Fordyce. Senti falta de nossas partidas de xadrez.

—E eu, senhor. —Alex sabia que esse comentário era o mais parecido a um gesto de carinho

que ia receber de seu professor e mentor lorde Griffin Hawkslife. O homem parecia ser esculpido

em gelo.

— Mollet já lhe contou os detalhes?

—Sim, senhor.

—Então já sabe que é de vital importância apanhar Louva-Deus o quanto antes. Não

podemos permitir perder mais homens, e tampouco podemos seguir demorando mais nossa

entrada na França. Tal como estão as coisas, nem sua majestade nem o primeiro-ministro querem

se arriscar a cair nas mãos de Napoleão.

—Entendo mas, tal como disse a Mollet, esta será minha última missão.

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—Como diz?

—Estou cansado, Griffin. —Pela primeira vez desde que o conhecia utilizou seu nome, e o

outro arqueou uma sobrancelha ao escutá-lo. —Já nem sequer sei quem sou. Já não sei por que

aceitei renunciar a tudo o que me importava.

—Sim sabe, Alex. —O professor, vendo que aquela conversa era muito mais importante que

os assuntos de Estado, decidiu seguir o exemplo do jovem e o chamar por seu nome. De fato,

sempre que pensava nele o fazia assim. Alex e os outros agentes eram o mais parecido a uma

família que jamais teria. —A morte de seu irmão foi uma tragédia, mas não permita que isso tire o

valor de tudo o que tem feito. Descubra quem é Louva-Deus, capture-o, vingue William. E se

depois quiser sair, prometo falar com o primeiro-ministro.

O jovem apertou os punhos.

—Hawkslife, Fordyce. —Mollet os saudou e isso evitou que Alex pudesse responder à

proposta de seu mentor. —Se quisermos chegar a Londres amanhã, deveríamos ir já.

Os três homens, acostumados a trabalhar juntos, deram meia volta e entraram na

carruagem que os esperava alguns metros mais atrás.

Durante o trajeto, Hawkslife, que tinha recuperado de novo a distância com Alex, pôs este a

par da informação que possuíam a respeito de Louva-Deus. Ao que parecia, o espião havia

conseguido desbaratar várias operações, e o muito presunçoso, sempre deixava um cartão de

visita com três olhos pintados nela. Daí o nome, contou o antigo professor de biologia, pois o

Louva-Deus tinha três olhos pequenos entre os dois que mais destacavam em sua cabeça

triangular.

Se apoiando nos poucos dados que foram recolhendo, o primeiro-ministro e Hawkslife

tinham chegado à conclusão, certamente acertada, de que se tratava de um homem muito seguro

de si mesmo e que, além de fortuna, ansiava a glória e ser reconhecido por sua astúcia e

inteligência. Alguém assim cedo ou tarde comete enganos, pois sua necessidade de sair à luz, de

esfregar nos narizes de seus inimigos sua inteligência superior, acaba por deixá-lo descuidado. Ou

nisso confiavam.

Mas dado que não estavam dispostos a esperar que isso acontecesse, Alex era sua melhor

arma secreta. Não só era preparado, mas também possuía a habilidade de se mesclar com as

pessoas, de descobrir qualquer pequeno detalhe e saber interpretá-lo. O jovem tinha uma espécie

de sexto sentido para averiguar quando alguém estava mentindo e sabia encontrar a verdade nos

lugares mais inesperados. Além disso, era rápido e, se necessário, sabia ser letal.

—Queremos que se instale em sua casa de Londres e comece a levar a vida despreocupada

que lhe atribuem — disse Hawkslife. —Sua família também está ali. Ao se inteirar da morte de

William, seu pai e seus outros dois irmãos deixaram o imóvel de Wessex e se instalaram na capital.

Alex respirou fundo, estava convencido que Eleanor, Robert e seu pai seguiam em Wessex e

que não teriam que presenciar nada daquilo.

—Acredito que têm intenção de passar em Londres uma temporada — continuou Hawkslife,

—o que nos é muito favorável.

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—Em que sentido? — perguntou Alex, tentando controlar sua fúria. Já tinha perdido William,

assim não ia permitir que nada daquilo em que ele estava metido se aproximasse nem de longe a

seus dois irmãos mais novos.

—Eleanor e as filhas do barão de Bosworth recebem um montão de convites, mas desde que

James Morland não está, não foram a nenhuma festa.

—James não está? —Quantas coisas ele perdeu? —Aconteceu-lhe algo?

—Isso agora não é importante. Baste dizer que o senhor Morland está ocupado em outros

misteres — respondeu Hawkslife, com brutalidade. —O que importa é que você não perca nem

um minuto e que descubra quanto antes quem é o traidor.

—Há uma coisa que não entendo — disse Alex, que começava a estar cansado de que lhe

dessem ordens. —Se tão convencidos estão que Louva-Deus pertence ao círculo próximo a sua

majestade e que se trata de um nobre de alta fila, por que não interrogam a todos e terminam

com o assunto de uma vez?

—Porque isso nos deixaria em ridículo. Seria como dizer que nossos serviços secretos são

inúteis e que nossos inimigos nos enganaram como crianças. Não, Fordyce, com os tempos atuais

é muito importante manter a aparência de normalidade. Temos que encontrar o traidor e eliminá-

lo sem que ninguém jamais saiba que passeou durante meses diante de nossos narizes. Entende

agora?

—Sim, senhor. — Ele, melhor que ninguém, sabia o poder que tinham as aparências.

Horas mais tarde, a carruagem se deteve frente à casa que a família Fordyce possuía em

Londres. Era uma mansão imponente, das mais espetaculares da cidade, com uma escada de

mármore italiano que precedia a entrada e janelões feitos a mão por vidraceiros renomados.

—Chegamos —anunciou Mollet apesar de não ser necessário. —Amanhã de noite lady

Derring celebra um baile, espero vê-lo lá.

Alex pegou sua bolsa e desceu sem se despedir.

O mordomo que abriu a porta ficou sem fala.

—Lorde Alex? — perguntou Reeves após piscar. —É você?

—Em carne e osso, Reeves — respondeu ele com um sorriso, adotando já seu ar de jovem

despreocupado. —Sentiu minha falta?

O homem, que rondava já os sessenta anos e que o tinha visto crescer, assentiu com os

olhos cheios de lágrimas.

—Seu pai e seus irmãos se alegrarão muito de vê-lo. Graças a Deus que voltou.

—Estão em casa? —perguntou ele entrando na mansão.

—Seu pai saiu com lorde Robert, mas sua irmã está no salão...

Alex não escutou o final da frase, mas sim caminhou para a citada habitação, mas quando

abriu a porta não pôde dar nem um passo mais. Ali, junto à lareira, estava Irene, lady Morland.

Irene tinha ido passar a tarde com Eleanor. Isabella, sua irmã mais nova, estava absorta na

leitura de uma novela gótica muito popular nos dias atuais, mas ela necessitava tomar um pouco

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de ar. Fazia dois dias que mal podia respirar. A sensação de que algo muito grave ia acontecer

estava apertando seu peito e não podia se desprender dela.

O que podia ser? Com certeza tinha a ver com James e seu último desaparecimento, mas

para falar a verdade, já havia se acostumado a que o inapresentável do irmão não estivesse

quando mais o necessitava.

Desde a morte de William, tudo parecia estar errado. Pobre William. Sentia falta dele, sentia

falta de seu melhor amigo. Depois do desengano que ambos sofreram com Alex, William e Irene

iniciaram uma estreita amizade. A princípio, unicamente costumavam falar de Alex e do muito que

lhes doía seu abandono.

William era um dos poucos a quem Irene contou que, como uma tola, se apaixonou por seu

irmão mais novo. Mas pouco a pouco a amizade foi crescendo e terminaram falando de tudo.

William lhe contava suas preocupações como futuro conde e, quando decidiu ir à guerra, Irene foi

uma das primeiras a quem ele disse.

Charles e George, seus respectivos pais, desejavam que se casassem, e não se incomodavam

em ocultar, mas eles dois só se queriam como irmãos. Irene sabia perfeitamente por quem

William estava apaixonado e podia se dizer que o cupido tinha sido tão cruel com ele quanto com

ela mesma. Antes que ele partisse para França, entregou a Irene uma carta e a fez prometer que

se não retornasse a entregaria a essa mulher. William se negava a morrer sem dizer a Marianne,

ao menos uma vez, que a amava. Irene ainda tinha a carta, Marianne Ferras ainda não tinha

retornado da França. Filha de pai francês e mãe inglesa, Marianne, britânica de coração, tinha ido

a Paris para o funeral do avô. Irene não queria correr o risco de que a carta se perdesse e não

poder cumprir assim com a vontade de William, então decidiu esperar até poder entregar em

mãos. E uma pequena parte dela acreditava que talvez seu amigo, furioso por não ver completo

seu desejo, retornaria de entre os mortos. Sentiu olhos percorrendo suas costas e se virou.

—Irene — disse Alex da porta, incapaz de se mover.

Ela se segurou com força na lareira para não cair. Cinco anos. Tinham passado cinco anos

desde a última vez que o viu e o muito cretino ainda conseguia fazer seu coração pulsar

desbocado. Estava mais magro, mas ao mesmo tempo o via mais forte, mais musculoso. Se deu

conta que tanto ele como ela estavam mais velhos. Alex tinha agora trinta anos, e ela se

aproximava dos vinte e seis. Perguntou-se o que pensaria ao vê-la. Irene não era vaidosa, e sabia

que era razoavelmente atraente, mas era impossível que pudesse competir com as reputadas

belezas do continente.

—Lorde Wessex — o saudou com frieza. Talvez não pudesse controlar a reação de seu

coração, mas sim podia controlar a de seu cérebro.

Alex retrocedeu ante recepção tão fria e, sem ser consciente disso, levou a mão ao bolso da

calça e tocou a trança de fitas coloridas. A mulher que estava diante dele não parecia a mesma

que costumava recolher o cabelo com aquelas fitas. Irene tinha crescido. A silhueta de menina

tinha dado espaço a de mulher e, embora não era voluptuosa, Alex não conseguia recordar curvas

tão sensuais como as que se perfilavam sob seu recatado vestido. Aqueles olhos verdes com os

quais tantas vezes tinha sonhado eram agora frios e distantes, e o único que parecia igual era sua

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juba cor mel. Mas diferente de cinco anos atrás, não a levava presa com uma simples fita, mas sim

luzia um complicado coque no alto da cabeça. Era seu anjo. Seu pior pesadelo.

—Irene — repetiu ele. —Como está?

—Bem, obrigada. Sua irmã foi buscar um livro, não demorará para descer. — Apertou as

mãos para que ele não visse que tremiam.

—Isso é tudo o que vai me dizer? — Não a deixou responder. —E desde quando me trata

com tanta formalidade? Sou eu, Alex. — Deu um passo para ela e então se deu conta que não o

tinha olhado aos olhos nem uma vez. — Me olhe. — Ela levantou a cabeça. —Sou eu, Alex.

A chegada de Eleanor a salvou de responder e lhe deu a oportunidade de se recompor. Dois

minutos. Alex tinha demorado dois minutos para encher seus olhos de lágrimas. E isso porque ela

jurou não voltar a chorar por ele.

—Alex! —Eleanor se equilibrou sobre ele. —Quando chegou?

—Faz cinco minutos — respondeu seu irmão, beijando-a na bochecha. — Você cresceu, Eli.

Ela rodeou o pescoço dele com os braços.

—E você está ficando velho. —O soltou e o olhou dos pés à cabeça. —Entre, sente-se. Tem

fome? Está mais magro.

Alex caminhou e ambas as mulheres ficaram geladas ao ver que coxeava.

—Não é nada — as tranquilizou ao detectar seus olhares. —Caí de um cavalo. —Tinha

chegado o momento de começar a mentir. —E ainda posso dançar e...

—E isso é o único que importa a você, Alex? —perguntou Irene furiosa. — Dançar?

Ele não pôde conter o sorriso que se formou ao ouvir que voltava a utilizar seu nome.

—Não, não é o único — respondeu olhando-a aos olhos e deixando claro que pensava em

atividades muito mais prazerosas.

Ela compreendeu perfeitamente a insinuação de seu olhar e ficou ainda mais furiosa.

—Tenho que ir — disse de repente. Sabia que tinha que sair dali antes de dizer a Alex tudo o

que pensava. —Acabo de recordar que meu pai me pediu que o acompanhasse a casa de lorde

Ross. Nos vemos amanhã, Eleanor. Lorde Wessex.

Alex entrecerrou os olhos ante o trato formal, mas pensou que o melhor seria deixar que se

fosse.

—Lady Morland. —Se ela o chamava por seu título ele bem podia fazer o mesmo.

—Sim? —disse ela da porta.

—Até manhã.

Irene saiu dali jogando faíscas.

—Não deveria ter feito isso, Alex — o repreendeu a irmã.

—O que? —fingiu não entendê-la.

—Provocar Irene. Não sei o que teria feito sem ela durante todos estes meses.

—Ela começou — replicou, como se fosse um menino de cinco anos e não um espião de

trinta.

Eleanor o olhou como dizendo que não pensava entrar nesse tipo de discussão, e mudou de

assunto.

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—Sua perna dói?

—Um pouco. —Não a queria preocupada com seus problemas. —Como está? —Segurou a

mão entre as suas.

—Agora que você está aqui, muito melhor. Obrigada por vir.

—Graças a você por me escrever. Sinto ter demorado tanto.

—Já, suponho que à condessa prussiana1 com quem estava não gostou que se fosse.

Alex demorou alguns segundos em entender do que a irmã estava falando, mas por fim

recordou que na Inglaterra todos acreditavam que passou os últimos anos na Itália, vivendo com

uma rica condessa prussiana. Enquanto ele lutava à sombra em Trafalgar e quase perdia uma

perna, sua família, graças à falsa informação mandada pela Irmandade, acreditava que estava

pulando com uma prussiana entre lençóis de seda. Perfeito. Simplesmente perfeito.

—Ainda é muito jovem para entender — se limitou a dizer ele, fazendo referência aos

assuntos íntimos.

—Já tenho vinte e dois anos, mas não discutamos. O que importa é que você veio.

—E papai e Robert? —perguntou. —Se alegrarão de me ver?

Ela demorou alguns segundos em responder e, antes de fazer isso, pensou muito bem a

resposta:

—Não o enganarei, Alex. Quando nos informaram que William tinha morrido, papai disse

que era o segundo filho que perdia. —Viu que o irmão apertava a mandíbula, mas se obrigou a

continuar. —Quando foi, mandou tirar todos os quadros nos quais aparecia e nos proibiu de

mencionar seu nome. Robert, por sua parte, está furioso. Sempre diz que o odeia, mas fala tanto

de você que acredito que na realidade sente muito sua falta.

—Eu não o vejo tão claro.

—Você vai ficar? —Eleanor, que tinha amadurecido muito no último ano, pensou que não

valia a pena andar com rodeios. —Se não tem intenção de fazê-lo, possivelmente deveria ir antes

que o vissem.

—Vou ficar — respondeu ele com sinceridade e a olhando aos olhos. Talvez não pudesse lhe

dizer a verdade, mas se negava a que acreditasse que era um cretino sem coração. —Será melhor

que descanse um momento antes de ver papai.

Apertou-lhe a mão e se levantou do sofá em que se sentou.

—Pode ir a seu quarto. —Ele a olhou surpreso, então Eleanor explicou: — Papai queria

convertê-lo em uma segunda biblioteca, mas o convenci para que não o fizesse. Espero não ter me

enganado.

—Eu também — disse ele já saindo do salão.

Mentir a Eleanor ia ser mais difícil do que tinha acreditado. Pensar que a irmã pudesse

perder a fé nele era mais do que podia suportar.

1 Do Estado Alemão que surgiu a partir da Prússia Oriental e que, ao longo de séculos, exerceu forte influência sobre a

história da Alemanha e da Europa. A última capital da Prússia foi Berlim

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CAPÍTULO 3

Eleanor havia dito a verdade, seu quarto seguia intacto. Nele ainda estavam os últimos livros

que tinha lido e o tabuleiro de xadrez que tantas vezes tinha perdido frente a William. Aproximou-

se da cama e se limitou a tirar a jaqueta. Deitou e fechou os olhos. Consciente de que não poderia

dormir, se esforçou ao menos por descansar os músculos e juntar as forças necessárias para seguir

adiante. Mal as pálpebras cobriram as pupilas, a imagem de Irene apareceu frente a ele.

Abriu os olhos e se sentou, não se via capaz de pensar nela, nem de recordar a última

conversa que tiveram antes que ele fosse a França. Sem saber muito bem o que fazia, puxou a

gaveta da mesinha de cabeceira e em seu interior viu a pequena figurinha de um falcão. O falcão

que tinha mudado sua vida para sempre.

Oxford, primavera de 1794.

Já tinha dezoito anos. Era todo um homem. Logo terminaria os estudos e por fim poderia

começar a dar forma a seus sonhos. Como era o segundo filho, Alex não tinha obrigação de se

ocupar dos imóveis da família — embora se William pedisse o ajudaria sem pensar - e podia se

dedicar ao que quisesse. Sua própria empresa naval. Esse era seu sonho. Sempre tinha gostado

muito de navegar, o mar sempre o tinha fascinado, e estava convencido que o futuro residia no

comércio.

Graças à educação liberal dos pais, Alex não era desses nobres que se negavam a trabalhar

por considerar isso indigno. Justamente o contrário, ansiava criar algo do que seus pais pudessem

se sentir orgulhosos. Algo do que ele pudesse se sentir orgulhoso. Não via o momento de

começar. Com a ajuda econômica que sem dúvida ia receber do pai, logo poderia construir seu

primeiro navio, ao qual não demorariam para seguir outros. Se seus cálculos fossem corretos,

embora teria que trabalhar muito duro, em alguns anos teria toda uma frota, e poderia oferecer

assim uma linha segura de comércio entre a Inglaterra e o novo continente. E quando isso

acontecesse, se concentraria em seu outro sonho: Irene.

Irene ainda tinha dezesseis anos, mas cada vez que a via o fascinava mais que a anterior.

Com o passar dos anos, tinham passado de brigar por tudo a contarem todos seus segredos, até

que um dia, nos natais passados, Alex se deu conta que tinha vontade de beijá-la. Estavam os dois

sentados junto a lareira na mansão que a família dela tinha em Wessex. William e James estavam

jogando uma partida de xadrez em uma mesa que havia em um canto enquanto seu pai e o barão

conversavam animadamente. Irene estava contando o que ela e Isabella tinham feito na semana

anterior e ele ficou fascinado com o movimento de seus lábios. Eram lábios lindos e Alex sentiu

um comichão nos dele, um comichão que não se deteria até descobrir o tato dos de Irene.

Assustado e envergonhado por sua própria reação, se levantou e disse que tinha que sair um

momento. Ela o olhou atônita e se zangou ao ver que saia da sala sem sequer se despedir. Uma

vez fora, Alex correu para os estábulos e, quando chegou ali, sentou em um montão de palha e

respirou fundo. Tinha estado a ponto de beijar Irene no salão, diante de seus irmãos e seus

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respectivos pais. Menos mal que as férias já estavam chegando ao fim e logo retornaria a Oxford.

Com certeza ali passaria e veria as coisas muito mais claras.

Retornar a Oxford não conseguiu nenhuma das duas coisas, mas Alex se deu conta de que o

que sentia por Irene não ia mudar com o tempo, ou, melhor dizendo, que piorava. Cada vez que

recebia uma de suas cartas, a aproximava do nariz para ver se retinha algo de seu aroma e,

quando todos seus companheiros se gabavam das donzelas ou empregadas de botequim com

quem se deitaram, ele não podia evitar desejar fazer todas essas coisas com Irene. Alguém bateu

na porta de seu quarto tirando-o assim de seu devaneio.

—Entre — disse Alex da escrivaninha na qual seguia fazendo cálculos.

—Senhor Fordyce — o saudou o professor Hawkslife, — se não estou equivocado, esta

semana cumpriu dezoito anos.

—Sim. Veio me trazer um presente? — perguntou de brincadeira enquanto dava meia volta.

—Poderia dizer que sim. — Deu-lhe uma pequena caixa. — Abra.

Ele obedeceu e dentro encontrou um pequeno falcão de aço enegrecido.

—Um falcão? — O colheu com uma mão e o observou com atenção. — O que significa?

—Venha comigo — se limitou a dizer Hawkslife e, como a essas alturas Alex já havia se

acostumado a esse tipo de respostas, obedeceu sem mais.

Saíram ao claustro e o professor perguntou:

—Lembra que lhe disse que no futuro precisariam de homens como você? — Alex assentiu e

então o outro continuou: — Pois o futuro acaba de se converter em presente.

Se detiveram frente à porta do escritório de Hawkslife.

—O que vou contar é muito perigoso, Fordyce. — Abriu, mas mesmo assim não entraram. —

E sei que não me equivoquei com você.

Indicou que entrasse e se sentasse em uma das duas poltronas que havia perto da

escrivaninha.

—Suponho que está a par da delicada situação política — disse o professor sem esperar

resposta. Ele mesmo se encarregou de que Alex conhecesse todos os detalhes dos conflitos, que

começavam a se tecer no continente. — Nosso país tem a obrigação de velar pela paz e, para isso,

nem sempre se pode jogar segundo as regras. O corpo de diplomáticos da Coroa tem as mãos

atadas em muitos assuntos e o serviço secreto nunca é tão secreto como seria de esperar. Em

1704, a rainha Ana, farta de não poder confiar em ninguém, e assessorada por sua grande amiga

Sarah Jennings, criou seu próprio corpo de “assessores”. Era formado unicamente por quatro

homens aos quais ela chamava seus falcões.

Nesse instante, Alex desviou o olhar para a pequena ave de aço.

— Esses quatro homens foram escolhidos pessoalmente pela rainha e seu marido. Ao que

parece era um matrimônio muito feliz — particularizou o professor, como se esse detalhe fosse

relevante. — Os falcões da rainha foram de grande ajuda ao longo de seu curto reinado e ela,

antes de morrer, pediu a eles que seguissem fiéis à Coroa. Dois desses quatro homens faleceram

pouco tempo depois, mas os outros dois decidiram que, em uma época tão cheia de intrigas,

traições e ambições, era necessário que houvesse quem estivesse sempre disposto a lutar pela

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verdade. Era necessário encontrar alguém a quem não importasse perder tudo, se em troca fosse

mantida a paz. Decidiram que prestariam seus serviços à Coroa, sempre e quando esta tivesse por

objetivo cuidar de seus súditos, e que procurariam por toda parte aqueles homens com o caráter e

a coragem necessários para fazê-lo.

—Por que está me contando tudo isto? — Alex não gostava muito do que estava escutando.

Espiões? Fidelidade à Coroa?

—Eu tinha vinte anos quando me entregaram o falcão que acabo de dar a você.

Alex se levantou de um salto.

—Estava em Londres trabalhando para a futura abertura do Museu Britânico quando meu

mentor, o doutor Wyvern, me deu isso. Contou-me a história que eu estou contando a você, e

acredito que eu fiquei nervoso um pouquinho antes. — O olhou aos olhos. —Volte a sentar, por

favor.

—Por isso esteve me obrigando a ler tantos livros e a praticar todos esses esportes? —

perguntou Alex tratando de entender tudo.

—Digamos, senhor Fordyce, que o estive treinando. Eu não tive essa sorte e, acredite, tudo o

que o ensinei terminará por lhe ser útil.

—O que está me dizendo? Que vou me converter em espião?

—Não. Vai se converter em algo muito mais complicado, vai se converter em um falcão.

—Um falcão?

—Um espião tem um trabalho, superiores, um lugar ao qual ir a receber ordens ou onde

prestar contas. Nós não. Nós só atuamos quando precisa, vamos resolver aquilo que outros não

podem resolver. Nunca recebemos medalhas e nunca ninguém vai nos resgatar. Ninguém sabe

que existimos, só assim podemos manter nossa liberdade.

—E o que ocorre se o primeiro-ministro ou o rei nos necessitam?

Hawkslife relaxou um pouco ao escutar que seu jovem tutelado já se incluía no grupo.

—O primeiro-ministro sabe como se contatar conosco.

Alex ficou calado alguns segundos e fechou os olhos. Sabia que essa tarde ia mudar o rumo

de sua vida e, depois do que tinha estado pensando antes, não queria tomar a decisão

equivocada.

—O que está me pedindo exatamente? —Supôs que para decidir tinha que saber toda a

verdade.

—Estou pedindo que deixe tudo, que sacrifique tudo por seu país. Estou pedindo que

abandone qualquer sonho de levar uma vida normal e que aceite que assim pode ajudar a salvar

muitas vidas. Todos os falcões foram escolhidos por algo especial. — Ao ver que Alex arqueava as

sobrancelhas, respondeu à pergunta não formulada: — Me escolheram por meus conhecimentos

sobre os animais e insetos, e por minha capacidade de análise. Digamos que me dou muito bem

em decifrar códigos. Meu posto de professor de Oxford é mais que conveniente e, daqui, tenho

acesso não só a muita informação, mas também a grande maioria dos jovens da Inglaterra.

—Por que eu? Por que não meu irmão? Ou qualquer outro?

—Seu irmão é o primogênito, e isso faria muito difícil, por não dizer impossível, justificar

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alguns comportamentos que teria que adotar para levar a cabo seus serviços como falcão. Além

disso, falta-lhe audácia. Ao resto dos alunos que conheci ultimamente nem sequer os levei em

conta. Em troca você, senhor Fordyce, não só é preparado, também o é o suficiente para

conseguir que ninguém saiba. Tem uma memória prodigiosa e um dom inato para conquistar tudo

o que tem a seu redor. É atrevido, valente, em determinadas ocasiões temerário, e tem um código

de honra inquebrável.

—E não sou o herdeiro.

—E não é o herdeiro.

—Tenho que pensar, e deveria consultar meu irmão e meu pai. — E Irene, pensou.

—Pense, mas não pode consultar ninguém. Se aceitar, terá que mentir a todo mundo.

Ninguém poderá saber o que faz, nem onde está, nem com quem.

—Ninguém?

—Ninguém. Se decidir se unir a nós, então começará seu treinamento de verdade.

Aproximam-se tempos difíceis. Estamos vivendo muitas mudanças, e nem todo mundo está

disposto a aceitar isso com facilidade.

—Posso lhe perguntar algo? — O professor assentiu e Alex formulou a pergunta. — Se

arrependeu alguma vez?

—Não — respondeu o homem sem hesitar, mas um brilho em seus olhos insinuou que em

ao menos uma ocasião sim o tinha feito. —Tem até depois do verão para meditar. Até então,

seguiremos com nossas lições e quando retornar de férias perguntarei uma única vez. Se sua

resposta for sim, será para sempre.

Alex o olhou aos olhos e, com o falcão na mão, saiu do escritório.

Fiel a sua palavra, Hawkslife seguiu com suas lições sem voltar a mencionar jamais esse bate-

papo e, ao chegar o verão, Alex já tinha decidido sua resposta. Ia dizer que não. Tudo isso dos

falcões parecia muito nobre e muito heroico, mas o único que ele queria era construir sua

empresa naval e se casar com Irene. Morria de vontade de voltar a vê-la. Cada vez se faziam mais

longos os meses que passavam separados e ansiava com força a chegada do verão, que era

quando podia ir a mansão de Wessex e estar com ela diariamente. Não havia falado de seus

sentimentos, e tampouco faria isso então. Esperaria até que Irene fosse mais velha, e até poder

lhe oferecer tudo o que ela merecia. Chegou em casa e bastou descer da carruagem para saber

que algo ia mau. Muito mal.

—Papai, mamãe! — exclamou ao cruzar a porta. —William! Seu irmão apareceu de repente

e viu que tinha o rosto contorcido.

—Alex, Deus... — A voz tremeu. — Mamãe...

Alex não o deixou terminar, mas sim subiu a escada que conduzia ao dormitório dos pais.

Diferente do que era costume na alta aristocracia, o conde e a condessa de Wessex sempre

tinham compartilhado o mesmo quarto.

—Alex! —gritou William correndo atrás dele. —Não!

Alex abriu a porta de repente e viu a mãe deitada na cama, com uma vendagem

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Irmandade do Falcão 01

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ensanguentada cobrindo sua cintura, e o pai ajoelhado a seu lado, sujeitando sua mão.

—Diana, não morra, por favor. Não me deixe — dizia Charles sem se envergonhar das

lágrimas que corriam por suas bochechas.

—O que aconteceu? — Se não fosse por William, que o segurou pelas costas, teria caído ao

chão.

—Mamãe decidiu visitar uma fábrica em que se dizia que empregavam crianças — contou o

irmão mais velho. — Papai lhe disse que levasse Reeves com ela, mas ela disse que Reeves tinha

coisas mais importantes que se ocupar do que se fazer de babá e insistiu em ir sozinha.

—Onde estão Eleanor e Robert? — perguntou ele procurando os irmãos mais novos com o

olhar.

—Na casa dos Morland. O barão os levou faz um instante.

—O que aconteceu? Me conte.

—Ao que parece, alguém não gostou que mamãe fizesse tantas perguntas e, quando ia subir

à carruagem, a apunhalaram.

Então Alex recordou as palavras que o professor Hawkslife tinha dito semanas atrás: “se

aproximam tempos difíceis. Estamos vivendo muitas mudanças, e nem todo mundo está disposto

a aceitar com facilidade”.

—O médico disse que não há nada a fazer — William se obrigou a continuar tratando de ser

forte.

Essas palavras propulsaram Alex junto à cama e se abraçou com força a sua mãe.

—Alex? — Ela o olhou aos olhos, que ele tinha cheio de lágrimas. —Carinho, não chore.

Tudo ficará bem.

—Mamãe. — Não sabia mais o que dizer. — Por que?

—Porque alguém tinha que fazer algo. Alguém tinha que defender essas crianças.

—E nós? Quem nos defenderá se você não estiver? — perguntou Alex enquanto o pai

tratava de consolar William.

—Você, Alex. Você defenderá todos.

Ele ficou gelado ao escutar essas palavras. Sua mãe sempre tinha dito que ele era um

guerreiro nato; de fato, havia lhe presenteado com sua primeira espada de madeira, com a qual

tinha brincado toda a infância de ser um cavalheiro.

Charles e William se aproximaram dele e o pai colocou uma mão em seu ombro.

—Vamos, Alex. Deixem sua mãe descansar.

Alex e William a beijaram e se abraçaram a ela com todas suas forças. Logo saíram do quarto

para que o pai pudesse fazer o mesmo na intimidade. Ambos sabiam que não iam voltar a vê-la.

Na manhã seguinte, seu pai saiu do quarto com o olhar perdido, e não precisou que lhes

dissesse que sua mãe tinha morrido. Alex, que estava sentado em um degrau da escada, se

levantou, deu um abraço em seu pai, outro em seu irmão e disse:

—Retornarei para o funeral.

Montou em seu cavalo e cavalgou até Oxford sem parar. Ao entrar no escritório do professor

Hawkslife se limitou a dizer:

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—Sim.

E sacrificou todos os seus sonhos.

CAPÍTULO 4

—Lorde Alex, o jantar já está servido — anunciou Reeves da porta.

Alex voltou a guardar o falcão e ficou em pé. Fazia anos que não via a estatueta. Nunca tinha

gostado das lembranças que despertavam cada vez que a segurava entre as mãos. Converteu-se

em falcão com a esperança de assim poder proteger a família, pensando que desse modo não

teriam que suportar outra perda tão dolorosa como a de sua mãe, e tinha terminado por perder

William e o respeito e o carinho de todos seus seres queridos.

—Em seguida desço Reeves. Obrigado.

—Seu pai está esperando-o no escritório. Pediu que o comunicasse que quer falar com você

antes de sentar à mesa.

—Obrigado, Reeves.

O mordomo fez uma leve reverencia e se foi. Era óbvio que nem por todo o ouro do mundo

se alteraria por seu jovem patrão. Charles Fordyce, conde de Wessex, era um homem razoável e

de bom caráter, mas todos sabiam que sua fúria não tinha igual.

Alex supôs que o melhor seria enfrentar quanto antes seu progenitor e assim poder seguir

adiante com seus planos, mas estava muito cansado e zangado para vê-lo então. Necessitava

alguns minutos para se tranquilizar. Sempre doeu que o pai e os irmãos, e, por que não dizer,

Irene, acreditassem com convicção em toda aquela farsa de que era um sedutor e um bom vivant.

Como podia ser que seu pai, o homem que o tinha educado, acreditasse que o filho era tão

intratável? Nunca ninguém o havia questionado, ninguém tinha perguntado se estava

acontecendo algo. Bom, isso não era de tudo verdade, mas nesse instante não possuía forças para

recordar aquela manhã com Irene. Se seu pai, ou inclusive William, o tivessem conhecido o

mínimo, teriam se dado conta que realmente não era assim. E doía se dar conta que não o tinham

feito. Todos acreditavam que ele, Alex Fordyce, era um crápula sem honra e sem nem um ápice de

lealdade no corpo... e valia recordar isso e se comportar segundo o papel.

Respirou fundo, levantou e se dispôs a seguir mentindo a um dos poucos homens que ainda

respeitava.

—Queria me ver? — perguntou da porta do escritório do pai.

Charles levantou a vista da carta que estava escrevendo e ficou em silêncio alguns minutos.

Alex se deu conta que havia envelhecido, seguia sendo um homem robusto, mas seu rosto refletia

as perdas que tinha sofrido.

—Alex — disse com voz entrecortada, como se levasse anos sem pronunciar esse nome, —

entre. —Viu a claudicação e perguntou: —Quer se sentar?

—Estou bem de pé — respondeu à defensiva. Era capaz de suportar que o pai gritasse, que o

insultasse, mas não que sentisse lástima dele.

—Que tal a Itália? — perguntou, deixando claro o que pensava de sua vida no continente. —

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E a condessa?

—Bem, obrigado.

—Não teria que ter vindo.

—William era meu irmão — disse ele, furioso consigo mesmo por não poder contar a

verdade.

—E meu filho. —Voltou a olhar para a carta. — Você esteve cinco anos fora, já tínhamos nos

acostumado a que não estivesse. Pensa ficar?

—Sim, gostaria de passar uma temporada em Londres. Nem na França nem na Itália sabem

jogar cartas tão bem como aqui, e ouvi dizer que há um par de viúvas com muito boa reputação.

Seu pai ficou em pé imediatamente. Alex o tinha provocado de propósito, incapaz de seguir

suportando sua indiferença.

—Graças a Deus que sua mãe não viu no que se converteu.

Nisso estavam de acordo, Alex não poderia mentir para ela.

—Me dá igual o que faça com sua vida — continuou seu pai, — mas não quero que arraste

Eleanor ou Robert com você. Já têm bastante com o que passaram.

—Não se preocupe, para o que quero fazer não necessito companhia. E menos a de dois

meninos.

—É... — mordeu a língua e apertou os punhos com força. —Me revolve o estômago só de

pensar que agora é meu herdeiro.

—Sempre foi assim? — Alex precisava saber que em algum momento o pai havia se sentido

orgulhoso dele. —Quando éramos pequenos — continuou ao ver que o conde o olhava sem

entender — …quando William e eu éramos pequenos, se perguntou alguma vez o que aconteceria

se o título caísse por acaso em minhas mãos?

Charles o olhou aos olhos e, durante um instante, Alex temeu que visse a verdade neles.

Devagar, voltou a se sentar.

—Não, a verdade é que não. — Passou as mãos pela cara e pareceu ainda mais cansado. —

Mas nessa época estava convencido que eu morreria antes de vocês, e que sua mãe seguiria

cuidando de todos.

—Se te servir de consolo, eu jamais quis herdar o título. Sempre pensei que William era o

melhor dos homens. Lamento que agora tenha que se conformar comigo. —Isso era verdade e sim

podia dizer-lhe.

Seu pai voltou a olhá-lo aos olhos antes de responder:

—Lembro que quando eram pequenos costumavam pensar que pareciam gêmeos. Só eram

relativamente manejáveis, mas juntos, juntos eram incontroláveis. Completavam-se.

Frequentemente pensava que se por desgraça me acontecia algo mau, poderia confiar nos dois

para que a família seguisse em frente. Jamais pensei que algum de vocês me falharia.

Alex sentiu que seus olhos ardiam.

—Pois se equivocou. —Tinha que recuperar a calma quanto antes.

—Você acha? — perguntou Charles inclinando a cabeça. —Faz anos que quero te perguntar

uma coisa.

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—O que?

—Aonde foi na manhã que sua mãe morreu?

Alex ficou petrificado.

—A nenhuma parte.

—Isso pensava.

—Acredito que não ficarei para jantar. —Ia dar meia volta, mas a voz de seu pai o deteve.

—Alexander, você não está morto. Não faça que deseje que tivesse sido você em vez de

William.

O jovem fechou a porta e se dirigiu para a entrada da mansão. Caminhou a largas pernadas,

ansioso por montar em seu cavalo e ir ao botequim mais próximo se embebedar. Sabia que o

álcool não serviria de nada, mas assim matava dois pássaros de um tiro: dava credibilidade a sua

vida de dissoluto e talvez conseguiria esquecer o olhar do pai.

—Alex!

O grito o deteve em seco na metade do corredor e se virou. Robert? Aquele menino de

quase dois metros e olhos negros como a noite era seu irmão mais novo? Na última vez que o viu

tinha quinze anos e agora, com vinte, era já todo um homem. Estava tão embevecido o

observando que não viu o murro que lhe deu. Na verdade era todo um homem, inclusive brigava

como um.

—Se levante —ordenou Robert.

Alex, que então se deu conta que estava caído no chão, levou uma mão à mandíbula para se

assegurar que não a tinha quebrado.

—Um momento — respondeu enquanto respirava.

Ele podia derrubar Robert em menos de dois segundos, mas não queria fazê-lo, e supunha

que o irmão precisava se desafogar.

—Eu disse que se levante. — E para dar mais força a suas palavras, o segurou pelas lapelas

da jaqueta e o pôs em pé.

—Me solte, Robert. Deixei que me batesse uma vez, não haverá uma segunda.

Robert o soltou, mas a julgar por sua expressão, não o fez por medo da ameaça, mas sim

porque sentia asco de tocá-lo.

—O que está acontecendo aqui? — perguntou Eleanor, aparecendo de repente. —se supõe

que íamos jantar todos juntos e tratar de nos dar bem.

—William está morto por sua culpa — disse Robert. —Não penso me sentar com ele.

—Robert, não diga isso — o repreendeu a irmã.

—Não, Eleanor, deixa que o diga — interveio Alex. —No fundo é o que todos estão

pensando. — Viu que nem ela nem o pai, que também acabava de aparecer, o contradisseram. —

Estarei fora, nos vemos amanhã.

Alex não foi a nenhuma parte, não porque não quisesse, mas sim porque não se via capaz de

manter uma conversa civilizada com nenhum de seus supostos amigos aristocratas. Em vez disso,

cavalgou até o amanhecer, e quando sentiu que nem ele nem seu cavalo podiam dar um passo

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mais, retornou a seu quarto para dormir um momento. Quando despertou e desceu para ver se

podia tomar o café da manhã, se surpreendeu encontrar Robert esperando-o no salão.

—Vi que coxeia — disse este a modo de saudação.

—Não é nada — respondeu ele se servindo um pouco de chá de uma bandeja que

trouxeram da cozinha.

—Quero me desculpar — balbuciou o irmão entre dentes. —Não deveria ter te batido, e não

é culpa sua que William esteja morto.

—Eleanor o obrigou a me dizer isso? — perguntou Alex.

—Sim.

—Então não o faça. — Mordeu uma torrada e quando viu que o irmão o olhava aos olhos

com um pouco de respeito, acrescentou: — Se chegar o dia em que você queira se desculpar de

verdade, então ficarei encantado de te escutar. Enquanto isso, não perca tempo.

—De acordo. Não sinto.

Alex sorriu.

—Sabe boxear? — perguntou, mudando de assunto.

—Sim, por que? — Era evidente que Robert não esperava essa pergunta.

—Porque gostaria de te devolver o golpe, mas sem que Eleanor nos interrompesse.

—No clube ao qual pertenço há um ginásio com uma quadra de esportes para praticar boxe.

Se quiser, poderíamos ir — ofereceu um pouco inseguro.

—De acordo, vou pegar minhas coisas. — se levantou e se dirigiu para a porta. —Por certo,

Robert, bate como uma menina.

—Ora — riu o irmão, — pois você caiu como se fosse um saco de batatas.

Ao longo da manhã, Alex conseguiu que o irmão mais novo o olhasse com menos

ressentimento, embora, em troca, terminou com um olho roxo e um par de costelas doloridas.

Também conheceu um par de cavalheiros que o convidaram a seus respectivos clubes. Era um

começo. O que o esperava essa noite seria muito pior. Depois de chegar em casa e ver que o pai

tinha optado por evitá-lo, se vestiu para a festa dessa noite. Graças à donzela de Eleanor sabia que

a irmã não tinha intenção de ir, mas mesmo assim foi vê-la para tentar convencê-la. Não gostava

de se meter sozinho na guarida do leão.

—De verdade não posso fazer nada para convencê-la a me acompanhar? —perguntou pela

enésima vez.

—De verdade. Depois de todas as emoções de ontem, não gostaria de passar a noite

rodeada de velhas fofoqueiras e presumidos pretendentes que só se interessam por meu dote ou

minhas conexões políticas.

Alex ia dizer que, embora fosse certo que era uma rica herdeira, os homens se interessavam

por algo mais que seu dinheiro. Sua irmã tinha herdado a beleza da mãe e certamente havia

inspirado vários sonetos.

—E se pode saber por que você tem tanta vontade de ir? —perguntou Eleanor estranhando.

Se ela soubesse...

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—Estou aborrecido e gostaria de reencontrar com velhos conhecidos. — “Quase tanto como

que me cortem um dedo”, pensou.

—As festas de lady Derring costumam ser muito pesadas, mas enfim, você saberá. Suponho

que estar em casa é muito tedioso.

Tanto que mataria por poder ficar ali com ela e seguir conversando toda a noite.

—Pois sim — mentiu ele. —Nos vemos amanhã.

—Saúda Irene de minha parte — disse Eleanor, abrindo de novo o livro que estava lendo

antes que ele a interrompesse.

—Irene vai estar lá? — Perfeito. E isso que acreditava que sua vida não podia piorar.

—Isso imagino. O pai dela é muito amigo de lorde Derring e ela sempre o acompanha a esse

tipo de eventos. Deveria ser amável com Irene. Sofreu muito com a morte de William.

—Ela e William eram..., estavam...?

—Prometidos? Não, mas oxalá estivessem.

Alex jamais tinha invejado William, mas nesse momento sentiu algo extremamente similar

ao ciúmes.

—E sua irmã Isabella também estará lá?

—Não acredito, Isabella odeia festas, e absorta com é com a leitura, com certeza ficou em

casa.

—Será melhor que vá. Adeus, Eli.

—Até manhã, Alex.

Chegou à mansão dos Derring, um casamento da idade de seus pais que possuía uma das

maiores fortunas do país, e comprovou de novo que a irmã dizia a verdade. A festa parecia muito

aborrecida, embora podia entender perfeitamente que Mollet tivesse insistido em que assistisse;

ali devia estar no mínimo a metade da alta classe londrina. O que significava que Louva-Deus podia

estar entre os convidados.

Depois de saudar os anfitriões, se mesclou com os convidados, e não demorou para

comprovar que há certas coisas que jamais mudam. Seguia havendo mamães ansiosas por casar as

filhas, os jovens dissolutos, desesperados por aparentar uma maturidade que não tinham, e os

velhos crápulas, tratando de seduzir damas inocentes, e havia também damas não tão inocentes,

oferecendo seus encantos com total discrição. Alex teve que fazer esforços para controlar as

náuseas. Enquanto toda aquela gente estava ali, se divertindo, no continente morriam milhares de

soldados defendendo aquele estúpido modo de vida.

Pegou uma taça de champanha de uma bandeja e se dirigiu ao jardim. Talvez ali pudesse

respirar um pouco. Pelo intrincado labirinto de roseiras e arbustos cruzou com um par de casais

respeitáveis que estavam conversando, mas não se deteve para saudar, mas sim caminhou até

uma pérgula que, se não lhe falhava a memória, decorava o canto mais afastado da mansão.

Encontrou o lugar, mas viu que havia alguém dentro. Ora, ao que parecia não era o único que

sabia de sua existência e que havia ido ali em busca de refúgio. Aproximou-se com a esperança

que a aquela misteriosa sombra não se importasse em compartilhar esconderijo com ele.

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—Lorde Wessex, o que está fazendo aqui?

Alex demorou alguns instantes em assimilar quem era seu acompanhante.

—Irene, o que tenho que fazer para que me chame Alex?

CAPÍTULO 5

Irene, furiosa consigo mesma por não poder deixar de olhar a porta para ver se Alex

aparecia, disse ao pai que ia passear um momento pelo jardim. Os Derring eram amigos queridos

da família, e ela conhecia a mansão perfeitamente, assim não ia se perder. E a verdade era que

precisava ficar sozinha.

—Irene, perguntei o que tenho que fazer para que me chame Alex?

—Nada — respondeu. — Mas só chamo pelo nome de batismo meus amigos mais próximos.

—E eu não sou? — perguntou ele, temeroso de escutar a resposta, mas já sabendo qual

seria.

—Não.

—E o que sou?

“Um fantasma do passado”, ia dizer ela, mas se manteve em silêncio.

—Será melhor que retorne — disse Irene. —Meu pai estará me procurando.

Alex a agarrou pelo cotovelo e a reteve.

—Me olhe, ao menos me olhe.

Viu que sua mandíbula tremia, mas que, devagar, se obrigava a levantar a cabeça para olhá-

lo. O que viu em seus olhos rompeu seu coração, e soube que tinha que soltá-la. Irene o

desprezava.

—Vá —disse em voz baixa.

Ela ia fazer isso, mas no último instante se deteve e, sem se voltar, perguntou:

—A encontrou?

Alex sacudiu a cabeça aturdido.

—O que?

—A liberdade. Todas essas experiências que disse que queria sentir — explicou ainda de

costas. —Tudo pelo que me deixou.

Então Alex recordou a discussão que tiveram na manhã antes que ele fosse a França e

respondeu:

—Não.

—Me alegro.

E saiu dali correndo, com lágrimas nos olhos.

Rosas brancas. Sentado em um banco de ferro, Alex fixou o olhar em um arbusto de rosas

brancas. Essas flores eram uma das duas únicas coisas que recordava do funeral de sua mãe. Isso,

e que passou horas abraçado a Irene. Ele, o pai, William, James e o barão Bosworth levaram o

ataúde até a igreja e quando o depositaram no chão, viu que um montão de rosas brancas

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decoravam a parte superior do féretro. Até esse momento não havia notado.

Inclusive agora era incapaz de recordar as palavras do pároco e tampouco se lembrava do

caminho de volta a casa. Mas sim recordava que ao chegar Irene o abraçou e não o soltou até

chegada a noite. Estavam em seu quarto, nunca lhe perguntou como entrou ou se alguém a tinha

visto fazê-lo. Um segundo estava sozinho, sentado na cama, tratando de não gritar da dor que

sentia e no seguinte ela estava ali, frente a ele abraçando-o.

Ainda se lembrava do que sentiu quando ela o rodeou com os braços e colocou a cabeça sob

a mandíbula dele. Por fim pôde respirar, e as lágrimas que se negou a derramar na igreja

começaram a escorregar sem controle por suas bochechas. Nenhum dos dois disse nada. Alex

seguiu chorando e abraçando-a com força, e ela acariciou suas costas para tranquiliza-lo. Minutos,

horas mais tarde, a jovem se afastou e, depois de retirar o cabelo que tinha colado na testa, foi

dali. Mas antes lhe deu um carinhoso beijo na bochecha.

Na manhã seguinte, Alex recebeu uma carta de Hawkslife. Não estava assinada por ninguém,

mas soube que era dele pelo pequeno falcão desenhado na borda. Nessa maldita carta lhe dizia

que o esperavam na Escócia, onde seguiriam com o treinamento e começariam a prepará-lo para a

primeira missão. Tinha que se apresentar imediatamente, e passaria mais de seis meses naquelas

frias terras. Junto com essas instruções, recordava que não poderia contar a verdade a ninguém e

que, para fazer sua vida mais fácil, tinham lhe preparado uma espécie de álibi. Este consistia em

uma falsa viagem a Itália com um suposto amigo de sua época de Oxford. Sua família, dizia

Hawkslife, receberia notícias periódicas dele sobre suas aventuras no continente, e assim não

estranhariam sua ausência.

Ali, na pérgula, Alex recordou o olhar de decepção do pai quando comunicou que, apesar do

recente falecimento de sua mãe, ele e um amigo iam passar meio ano na Itália. E quando contou a

William, a reação deste foi ainda pior. Seu irmão, com apenas vinte e um anos, tinha começado a

exercer de duque; seu pai estava muito abatido e ele gostava de se encarregar das

responsabilidades do título.

William lhe pediu que não se fosse, que ficasse para ajudá-lo. “Eleanor e Robert o

necessitam”, disse ele. E ele também, acabou por confessar. Alex se repetiu uma e outra vez que o

que ia fazer era muito mais importante que aquilo, e só graças a isso pôde resistir a tentação de

contar a verdade ao irmão mais velho.

Enquanto William lhe pedia que ficasse e que assumisse suas responsabilidades para com a

família, Alex adotou o papel que Hawkslife tinha sugerido e disse que não gostava, que era muito

jovem para tudo aquilo e que queria viver a vida. Então seu irmão começou a insultá-lo, e quando

Alex acreditou que ia lhe bater, golpe que teria agradecido, William deu meia volta e se foi. Horas

mais tarde, ele já estava a caminho da Escócia no lombo de seu cavalo, Cassio. De Irene não se

despediu; não se sentiu capaz.

Oito meses mais tarde, e não seis, como tinha planejado a princípio, Alex retornou a sua

casa. Durante todo esse tempo mandou estúpidas cartas a família dizendo quão bem estava

passando na Itália, quando na realidade já havia quebrado várias costelas, tinham lhe ensinado a

suportar técnicas de tortura e esteve a ponto de assassinar um homem em sua primeira missão:

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desbaratar um bando de contrabandistas que operavam nas costas inglesas.

—Fordyce?

Ao ouvir seu nome, Alex abandonou o caminho das lembranças que estava percorrendo e

centrou sua atenção no homem que estava a escassos metros dele.

—Sheridan?

—O próprio. Disseram-me que tinha retornado, mas não acreditei — explicou o que tinha

sido um de seus companheiros de classe em Oxford. Um tipo agradável, se a Alex não falhava a

memória, simples, mas pertencente a uma família muito influente. Seu pai era o duque de

Rothesay, um homem poderoso que não se conformava em assumir que os tempos estavam

mudando.

—Pois já vê que sim. — Se levantou e foi estreitar a mão dele.

—O que está fazendo aqui? Nunca imaginei que o encontraria na festa de lady Derring.

—Por que diz isso? — perguntou Alex arqueando uma sobrancelha.

—Com tudo o que viu e fez no continente, não sei que atrativo pode ter para você uma

aborrecida festa como esta.

—Você está aqui — se defendeu ele e pensou que aquele encontro era muito afortunado.

—Só porque minha mulher me obrigou.

—Onde estaria se não? — Talvez assim averiguaria onde poderia começar a procurar

informação sobre Louva-Deus.

—No Jackson's, o melhor clube de toda Londres. Suas mesas de jogo são só para os mais

atrevidos, suas cortesãs as mais sensuais, e seus “serviços” do mais discretos. Só se pode entrar se

algum sócio o apadrinha.

Sim, sem dúvida esse encontro tinha sido do mais afortunado.

—E você é sócio?

—É obvio, meu pai me apadrinhou. — Sheridan o estudou com o olhar e, depois de alguns

segundos, disse: — Você gostaria de vir comigo? Eu ainda não posso apresentar nenhum novo

sócio, mas sua reputação o precede e, ao fim e ao cabo, agora é o futuro conde de Wessex.

Alex se negou a pensar que a morte do irmão pudesse lhe ser útil em algum sentido, mas a

realidade dizia o contrário.

—Ficaria encantado. Despeçamos-nos de nossos anfitriões e vamos.

—Eu não o teria dito melhor, Fordyce.

Lorde Sheridan foi procurar a esposa, uma dama típica da alta sociedade, quem deixou

indiferente que seu marido a abandonasse ali, e logo ordenou a um lacaio que trouxessem a

carruagem. Por sua parte, Alex se aproximou de lorde e lady Derring para se despedir e viu que

junto a eles estavam o barão Bosworth e Irene. Pensou em evitar o encontro, mas sabia que nem

sequer ele podia ser tão mal educado, por isso se resignou ao enfrentamento.

—Lady Derring, obrigado por me convidar — disse, lhe beijando a mão. —Mas acredito que

chegou o momento de dar por concluída a noite.

A mulher sorriu, mas seu marido não foi tão amável.

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—Suas novas amizades deixam muito a desejar, Fordyce — disse lorde Derring ao ver que

Sheridan o esperava.

—Não perca tempo, John — interveio George, o pai de Irene. —Alex fará o que o agrade.

Sempre o fez, não é assim?

Olhou os olhos do homem quem considerava como um segundo pai e viu que estava furioso

com ele.

—Assim é — respondeu, sustentando o olhar.

—Deixe, papai — disse Irene. —Não vale a pena. Não mais. Lorde Wessex tem coisas mais

importantes a fazer que trocar velados insultos conosco. Com certeza lorde Sheridan o levará a um

lugar muito mais interessante que esta festa.

Alex arqueou uma sobrancelha e mordeu a língua para não perguntar que diabos sabia do

lugar que Sheridan ia levá-lo. Optou por se despedir com uma última reverência e saiu dali sem

mais.

Jackson's, tal como Sheridan havia contado durante o caminho, se achava em um edifício

muito elegante, em um dos bairros da moda da cidade. Sua fachada, de tijolo escuro, era sombria,

mas destacava uma enorme porta de carvalho com um elegante rótulo dourado com o nome do

lugar. Uma vez dentro, Alex comprovou que, em efeito, ser o futuro conde de Wessex tinha lhe

facilitado muito as coisas, e poucos minutos depois de entrar foi recebido por um dos anfitriões.

Ficou ali até que o sol começou a se insinuar pelo horizonte, e perdeu dinheiro jogando

cartas. O suficiente para que os homens ali presentes se dessem conta que não lhe importava

diminuir sua fortuna, e não o bastante como para que ninguém pensasse que era um jogador

compulsivo.

Flertou com um par de cortesãs, e, igual com as cartas, sua atitude foi premeditada,

procurando só que, a partir do dia seguinte, seu nome soasse nos círculos mais turvos da cidade.

Não se deitou com nenhuma, mas deixou claro que era um homem que se deleitava nos prazeres

mais terrestres. “Embora, na realidade — pensou Alex, —cortaria a mão antes de tocar uma

destas mulheres.” Agora que havia voltado a ver Irene lhe parecia inconcebível acariciar uma pele

que não fosse a dela.

Ao longo de todas aquelas horas, conversou com vários homens e pôde comprovar que

muitos estavam contra as mudanças que estavam se produzindo, e que nem todos apoiavam à

Coroa em sua atuação contra Napoleão. Todos foram muito discretos, mas Alex estava treinado

para ler nas entre linhas e sabia distinguir um comentário malicioso quando o ouvia. Lorde

Waldorf e o marquês de Vessey foram possivelmente os que mais captaram sua atenção e decidiu

que seriam os primeiros que começaria a investigar.

Cansado, empreendeu o caminho de volta a casa. Sheridan ficou para passar a noite no

clube, certamente nos braços de uma, ou várias, cortesãs, e tratou de convencê-lo que fizesse o

mesmo. Alex, se refugiou na desculpa de sua perna, que doía de verdade, e se retirou.

Ao chegar a seu quarto, se despiu e deitou. Sabia que tinha que descansar. Nem o melhor

dos falcões serviria de nada se não dormisse um momento, mas não podia. Cada vez que fechava

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os olhos, imagens de William morrendo sob fogo inimigo apareciam em sua mente. Só havia uma

coisa que o tranquilizaria, assim, resignado a romper seu propósito de ser forte, se levantou da

cama, bebeu um copo de uísque de um gole e agarrou a trança das fitas de Irene. Com ela

enredada entre os dedos dormiu.

CAPÍTULO 6

O primeiro que Alex fez ao despertar foi pedir que lhe preparassem um banho. Depois dos

esforços dos dois últimos dias, a perna estava matando-o e supôs que inundá-la em água quente o

aliviaria. Ouviu como um par de lacaios transportavam os baldes e meia hora mais tarde Reeves

apareceu para comunicar que já estava preparado. Alex, que levava muitos anos ocupando si

mesmo de suas necessidades, dispensou o mordomo e disse que o deixasse sozinho.

Coberto com um robe, se dirigiu ao quarto em que tinham preparado a banheira e, depois

de se despir, afundou na água fumegante. Pouco a pouco, sentiu como os músculos iam relaxando

e recostou a cabeça contra a borda. Junto à banheira, o sempre eficiente Reeves havia deixado

todos os utensílios necessários para que se barbeasse. Pegou o espelho de mão e, quando o

aproximou do rosto, viu que tinha muito má cara. As olheiras e a incipiente barba lhe marcava

ainda mais os ossos da mandíbula. Dado que atrás havia um espelho de corpo inteiro, Alex pôde se

ver refletido de costas e se precaveu que tinha o cabelo muito comprido. Com um gesto quase

inconsciente, levantou a mão que tinha livre e tocou o falcão tatuado em um ombro.

Procurou a navalha de barbear e, enquanto esfregava o sabão contra a pequena toalha de

mão para produzir a espuma necessária, recordou o dia em que marcaram sua pele com o

emblema da Irmandade.

Hawkslife tinha dito a ele que em menos de duas semanas poderia retornar a sua casa e ficar

ali alguns dias, mas que antes tinham que ir a Edimburgo fazer umas gestões. Como já era habitual

nele, o professor não lhe contou mais detalhes, e na manhã seguinte o levou a uma muito

estranha livraria da cidade. O proprietário, que respondia pelo nome de MacCornick, não tinha

absolutamente cara de livreiro, mas mais parecia um pirata. MacCornick contou que tinha passado

um montão de anos na China, como era de esperar, omitiu os motivos de sua estadia, e que ali

tinha aprendido a misteriosa arte das tatuagens. Alex escutou atento, mas se perguntou que

diabos isso tinha a ver com ele. Hawkslife não demorou para explicar.

—Já lhe contei que para o resto do mundo não existimos, mas faz alguns anos acreditamos

que era necessário encontrar um modo de nos identificar. Você, senhor Fordyce, não é o único

falcão que agora estamos treinando, como eu tampouco fui o único de minha promoção. —

Começou a desabotoar a camisa e, quando teve um par de botões soltos, puxou a manga e lhe

mostrou as costas. Ali, no extremo da omoplata, havia um pequeno falcão. —Posso lhe assegurar

que ninguém que não seja dos nossos conhece a existência deste símbolo. Se algum dia coincidir

com outro falcão em uma missão, antes de lhe confiar algum segredo exija ver sua tatuagem. Esta

marca nos identifica e nos protege, e é possivelmente o único meio de averiguar se um dos nossos

morreu em um campo de batalha. Não permita que ninguém a veja. Nas costas é bastante difícil

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Irmandade do Falcão 01

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que assim seja, mas vá com cuidado. Há ocasiões em que um homem não sabe muito bem o que

faz.

Alex entendeu perfeitamente a insinuação, mas lhe tirou importância. Ele nunca perdia

tempo com mulheres. Depois de ter sacrificado a possibilidade de ter a única que podia fazê-lo

feliz, suas relações se limitavam a meros intercâmbios comerciais. Assumia esses encontros como

um trâmite necessário, dada sua idade e condição física, e se assegurava que sua companheira de

cama soubesse perfeitamente quais eram suas intenções. Nunca prometia nada, nunca as beijava

e, se pudesse evitar, nem sequer se despia. Então as possibilidades de que alguém visse a

tatuagem eram realmente remotas.

—Tire a camisa — disse MacCornick, — e deite ali. Isto doerá um pouco.

Em efeito, doeu. Que lhe furassem a pele com uma agulha para introduzir a tinta em seu

corpo não foi nada agradável, mas depois dos meses que passou sob a tutela de Hawkslife e dois

mentores mais, já estava acostumado. MacCornick tatuou o falcão nas costas, mas a diferença do

de Hawkslife, o dele foi em um extremo da clavícula, justo onde começava o braço. A pele dessa

zona tinha ardido durante semanas, mas a alegria de retornar para casa fez que mal notasse a dor.

Terminado de se barbear, Alex ensaboou todo o corpo e depois se afundou na água.

Satisfeito pelo resultado, e se sentindo muito melhor que nas últimas horas, saiu da banheira e foi

se vestir. Ao entrar no quarto viu que tinha uma muda limpa sobre a cama e sorriu ao pensar em

seu velho e fiel mordomo. Ao que parecia, Reeves era o único que seguia sentindo um pouco de

carinho por ele.

Sentou-se em uma cadeira para calçar as botas de montar e, ao colocar a cabeça à altura da

gaveta da escrivaninha, viu que esta estava meio aberta. A puxou e dentro descobriu todas as

cartas que supostamente Alex tinha mandado ao pai ao longo de suas viagens. As mais velhas

estavam abertas, mas as mais recentes seguiam fechadas. Supôs que era normal que não quisesse

saber nada dele, ao fim e ao cabo, a primeira vez que o viu após retornar da Escócia o deixou

muito claro.

Alex estava muito contente de poder voltar a ver o pai e irmãos, inclusive convenceu

Hawkslife de que o deixasse comprar um pequeno presente para Eleanor como suposta lembrança

de sua estadia na Itália, mas quando desceu do cavalo e topou com o conde e William, que

retornavam de visitar os campos, soube que não era de tudo bem-vindo. Ele correu a abraçá-los,

mas os dois mantiveram distância.

Decidido a romper a brecha que se abriu entre eles, Alex perguntou como estavam e se

interessou pelo que tinham estado fazendo. William, sempre disposto a lhe estender uma mão,

começou a responder e pouco a pouco perguntou também por suas viagens. Mas seu pai não, este

disse que tinha coisas muito mais importantes a fazer que ficar ali escutando como o filho

esbanjava a vida com vícios, mulheres e outras frivolidades. Alex, consciente que não podia dizer a

verdade, tratou de tirar importância ao tema, mas o conde o fulminou com o olhar e disse:

—Pode ficar em casa, mas não pretenda que siga te tratando como meu filho. Um filho meu

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Irmandade do Falcão 01

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não teria ido de férias depois da morte da própria mãe, e tampouco teria passado oito meses

trotando pela Itália enquanto aqui tratávamos de superar nossa dor.

William colocou uma mão no ombro, justo em cima da recente tatuagem, e disse que tudo

se arrumaria. Como estava equivocado. Depois do encontro com o pai, Alex foi à mansão dos

Morland para ver Irene, mas o irmão desta, James, disse a ele que não estava, que havia ido

passar uma temporada com a família de sua tia.

Ao sair dali, e enquanto esperava que lhe trouxessem o cavalo, Alex deu um murro na

parede do estábulo. Levava oito meses sem vê-la e precisava explicar por que se foi sem se

despedir. Não pôde fazê-lo, e semanas mais tarde, justo quando acreditava que o pai começava a

tratá-lo como antes, recebeu uma carta da Irmandade dizendo que tinha que se apresentar

imediatamente na Escócia.

Alex terminou de calçar a bota e fechou a gaveta. Essa despedida foi igualmente horrível

como a primeira, pois tanto o conde como William tinham acreditado que tinha voltado para ficar.

A segunda missão de Alex consistiu em interceptar um correio entre a França e a Itália. Ainda

sentia náuseas ao pensar nisso. Para poder evitar que certas cartas caíssem em mãos equivocadas,

teve que seduzir à esposa de um nobre francês, pois era ela a encarregada de transportar as

missivas. A mulher em questão era uma harpía e tinha estado com mais homens que a cortesã

mais reputada de Londres. Era preparada e não estava disposta a baixar a guarda. Alex cumpriu

com a missão, destruiu as cartas e vomitou todo o conteúdo de seu estômago.

Hawkslife assegurou que sua intervenção tinha sido providencial e que graças à Irmandade

se salvaram milhares de vidas, mas ele não conseguiu perdoar a si mesmo. E quando um mês mais

tarde retornou a Wessex e viu Irene, soube que nunca conseguiria. Era a primeira vez que a via

desde o funeral e disso já fazia mais de um ano e, por impossível que parecesse, estava ainda mais

bonita. Quis abraçá-la, beijá-la, mas se obrigou a não fazê-lo. Quem era ele para se aproximar

assim dela? Ele, que tinha se deitado com uma mulher só para lhe roubar algumas cartas.

Alex acabava de chegar em casa e, por sorte, seu pai e irmão não estavam; conforme o

informou Reeves, tinham ido a Londres a negócios. Eleanor e Robert tampouco se encontravam

ali; ele estava no colégio, e ela com Isabella e uma de suas tias. Embora lamentou não poder vê-

los, Alex agradeceu ter um pouco de tempo para se preparar. Com a esperança de relaxar, foi em

busca de seu cavalo e, antes de chegar ao estábulo, viu que um cavaleiro se aproximava. Demorou

alguns segundos a compreender que era uma mulher e quando viu que era Irene ficou sem fala.

Ela deteve a égua justo na entrada e quando foi entregar as rédeas ao cavalariço sorriu.

—Alex?

—Sim — respondeu olhando-a aos olhos. — Está preciosa. — Nesse instante todo o

treinamento de Hawkslife para não revelar nunca seus pensamentos não serviu de nada.

—Vim deixar alguns remédios para Reeves. Sua esposa está resfriada. — Deu-lhe o pacote

que segurava na mão.

—Quer entrar? — ofereceu ele.

—Não, será melhor que vá — respondeu a jovem, um pouco ruborizada.

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Alex viu que tinha toda a intenção de fazê-lo e, sem poder evitar, disse:

—Sinto não ter me despedido.

Isso a deteve em seco.

—E também sinto não ter escrito.

Ao longo de todos aqueles meses, tinha escrito milhares de cartas para ela, mas nunca tinha

mandado nenhuma. Se negava a mentir, e tampouco podia contar o que sentia por ela então,

embora escreveu mil e uma declarações de amor, a moça nunca leria nenhuma.

Devagar, Irene se virou.

—O que esteve fazendo estes meses? — perguntou.

Não soube o que responder e ela interpretou o silêncio como uma negativa a fazê-lo.

—Não precisa que me conte. Suponho que esteve passando muito bem. Tanto que nem

sequer podia perder um segundo em me escrever. — Os olhos dela brilhavam furiosos.

—Não, não é isso. —Agarrou-lhe uma mão. —Posso te pedir uma coisa?

Ao tocá-la, a pele de Alex se arrepiou e pelo modo em que a respiração dela se acelerou,

soube que a leve carícia também a estava afetando. Depois de vê-la assentir, continuou:

—Não falemos disso. Não sei quanto tempo vou ficar, mas sei que não quero passar zangado

com você. Senti sua falta.

—E eu a sua, — respondeu Irene com sinceridade. —Está bem, se não quiser não falaremos

disso. Mas de verdade tenho que ir. Venha amanhã para tomar o chá, seguro que James também

se alegrará de te ver.

Montou de novo na égua e partiu. Alex ficou olhando-a até que desapareceu no horizonte, e

quando baixou o olhar, viu que no chão havia uma fita do cabelo. Sempre caíam. A recolheu e

guardou no bolso.

Dessa vez, Alex pôde ficar em casa quase dois meses e, embora a princípio nem o pai nem o

irmão puseram as coisas fáceis, pouco a pouco o ambiente voltou a ficar relaxado. Pela manhã

ajudava o conde em tudo o que podia e pela tarde saía para cavalgar com Irene. Cada noite rezava

para não receber outra carta e cada manhã, ao ver vazia a bandeja da correspondência, dava

graças a Deus por isso. Mas uma manhã, o Todo-poderoso deixou de escutar suas preces. Tinha

que ir de novo, e desta vez ficaria fora muito tempo.

Ficou de pé e agarrou a jaqueta. Fazia muito que não pensava nessa época. Ao longo dos

anos, tinha aprendido que de nada servia lamentar o passado, pois só era isso, passado, mas supôs

que era de esperar que ao retornar para casa as lembranças o ultrapassassem. Hawkslife havia lhe

ensinado a ocultar seus sentimentos, mas isso não significava que tivesse deixado de os ter.

Ao percorrer o corredor pensou no rumo que ia tomar sua investigação; depois do que viu

na noite anterior, o melhor seria conseguir que o admitissem no Jackson's e tratar de se introduzir

no círculo de amizades do duque. Também tinha que entrar em contato com Mollet para lhe

passar a lista dos nomes dos cavalheiros que lhe pareceram mais suspeitos. Isso era o que Alex

mais gostava de seu “trabalho”: desenredar os fios, seguir pistas, estudar o comportamento

humano em busca de respostas.

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Participar de bailes e eventos sociais também poderia lhe ser proveitoso, tal como se

demonstrou, pois assim também podia escutar outro tipo de conversas; as que mantinham as

mulheres. Se algo Alex aprendeu em todos esses anos, era que estas são muito mais preparadas

que os homens, e que não se pode desprezar o poder e o perigo de uma mulher despeitada. Se

por acaso Louva-Deus havia desprezado alguma dama, com certeza ela estaria mais que disposta a

traí-lo. Ia tão enfrascado em seus pensamentos que não viu que Eleanor o esperava ao pé da

escada com cara de poucos amigos.

—Se pode saber o que você foi fazer no Jackson's? — exigiu saber, ofendida.

—Bom dia, irmãzinha — a saudou o chegar a seu lado —Se pode saber como você conhece

esse nome?

—Isso agora não importa. Por que foi? E que diabos faz se juntando com o imbecil do

Sheridan?

—Se não recordo mal, eu sou seu irmão mais velho, e não tenho por que te dar explicações.

Além disso, não é de sua incumbência... — ficou calado alguns segundos. — E agora que penso

nisso, como sabe sobre Sheridan?

Eleanor ruborizou ao ver que tinha metido a pata. Irene a fez jurar que não diria nada a Alex,

mas ficou tão furiosa que não pode se reprimir. Ao Jackson's! Por todos os Santos, se seu irmão

mais velho seguia se comportando assim jamais conseguiria que fizesse as pazes com seu pai.

—Sei e ponto.

Ele a olhou aos olhos e o orgulhou ver que Eleanor sustentava o olhar muito melhor que

alguns dos delinquentes mais perigosos da Inglaterra. Alex era famoso por conseguir arrancar

confissões utilizando só essa arma.

—Segue aqui? — e quando sua irmã fingiu não saber a quem se referia, acrescentou: —

Irene, segue aqui?

—Acabam de ir. Ela e Isabella vieram para me convidar para jantar em sua casa esta noite.

Lorde Crompton e sua mãe irão visitá-los, e Irene não quer ficar a sós com eles. Acredito que teme

que ele volte a se declarar.

—Você aceitou o convite? — perguntou Alex, abrindo e fechando os punhos. Quem era esse

lorde Crompton? Voltar a se declarar, e já havia se declarado antes?

—Ainda não. Eu já disse que queria consultar papai. Não gosta que vá sozinha na carruagem,

mas por sorte esta noite pode me acompanhar, e assim nos dois poderemos assistir ao jantar.

Com certeza George ficará encantado. Agora ia escrever uma nota a eles para que soubessem que

seremos dois.

—Escreva, e diga que ponham três talheres mais.

CAPÍTULO 7

Na nota que tinha recebido da mansão dos Fordyce agradeciam o convite e diziam que, se

não fosse incômodo, os comensais iam ser três. Irene deu por certo que se tratava de Eleanor, seu

pai e Robert. Em nenhum caso lhe ocorreu pensar que pudesse ser Alex, e muito menos depois do

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desplante da noite anterior. Assim quando o viu descer da carruagem demorou uns segundos em

recuperar a compostura. Por sorte, lorde Crompton estava a seu lado e, fingindo que o escutava

com atenção, conseguiu dissimular sua reação.

Lorde Crompton, Richard como ele tinha insistido em que o chamasse, era um atrativo

cavalheiro viúvo de quarenta e tantos anos. Tinha-o conhecido em um recital de poesia ao que

tinha comparecido três anos atrás. Era extremamente educado, a tratava com muito respeito e,

desde a primavera passada, insistia em que se convertesse em sua esposa. Nunca a tinha beijado,

o gesto mais íntimo que tinham compartilhado era dar as mãos, com luvas claro está, na igreja.

Desviou a vista para Alex, que estava saudando seu pai, e em sua mente comparou aos dois

homens.

Alex era um mistério. Desde pequeno tinha sido a luz que tinha impedido que sua infância se

convertesse em um pesadelo cheio de escuridão. A fazia rir, a comparando constantemente com

seu pônei e sempre, sempre, cuidava dela. Tal como lhe tinha jurado solenemente no dia em que

a conheceu. Ao ficarem mais velhos, se converteram em amigos, ao menos assim tinha sido a

princípio, mas ela não demorou para se dar conta de que o que sentia por ele ia além de uma

simples amizade. Alex nunca deixou entrever que sentisse o mesmo, então Irene tampouco fez

nada para mudar sua relação. Preferia o ter como amigo a não o ter, e tinha medo que ele se

afastasse se descobria seus sentimentos. Assim não fez nada... até o dia do funeral de sua mãe.

Ver Alex tão triste, tão desolado, foi mais do que pôde resistir e correu a seu dormitório para estar

com ele.

Pelo caminho, antes de chegar ao quarto de Alex, cruzou-se com William, mas o mais velho

dos Fordyce se limitou a lhe abrir a porta e a dizer que fizesse tudo o que pudesse por seu irmão

mais novo. Ficou com o Alex toda a tarde, o abraçando, o consolando enquanto chorava, tratando

de lhe dizer sem palavras que o amava, confiando em que ele entendesse. Mas na manhã seguinte

Alex se foi, e demorou quase um ano a retornar.

A partir de então, suas idas e vindas foram cada vez mais frequentes e mais difíceis de

suportar. Cada vez que retornava a sua casa, ia vê-la e lhe pedia que não lhe perguntasse sobre o

que tinha estado fazendo, e ela, como uma boba, aceitava. Conversavam, davam longos passeios,

saíam para cavalgar e um dia, de repente, ele se desvanecia sem mais. Menos da última vez, fazia

cinco anos, em que, depois de uma horrível discussão e um beijo maravilhoso, desapareceu de sua

vida para sempre. Bom, ou isso acreditava até fazia pouco.

O Alex de agora era muito mais forte e distante, e seus olhos verdes pareciam ter

presenciado horrores indescritíveis, o que não encaixava com a vida de libertinagem que ao que

parecia tinha levado na Itália. Seu sorriso já não desprendia felicidade e seus ombros falavam de

uma carga muito pesada. Negou com a cabeça, tudo isso eram tolices, tolices que ela queria

acreditar para justificar o que ainda sentia por ele. Certamente o único que passava era que a

condessa da vez o tinha cansado muito.

Por outro lado, Richard era transparente como a água, não desaparecia sem mais e não

havia nenhum tema do que se negasse a falar. E lhe tinha pedido que se casasse com ele. Mas

nunca a tinha beijado e jamais lhe romperia o coração.

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O jantar transcorreu sem sobressaltos. Eleanor e Isabella comentaram o muito que tinham

gostado da última novela que tinham lido. Ao que parecia, era a história de amor de um lorde

atormentado que se convertia em vampiro para salvar a sua amada. George e Charles, como

sempre que coincidiam, ficaram a falar da situação política e das mudanças que estavam vivendo.

Lorde Crompton, mais próximo ao duque e ao barão tanto em idade como na maneira de pensar,

não demorou para se unir a dita conversação. O que deixou a Irene com duas opções: perguntar à

mãe de Richard por sua saúde, ou falar com Alex, lorde Wessex, corrigiu a si mesma. Dizendo-se

que seu trabalho como anfitriã era se assegurar que aquela mulher velha estivesse bem atendida,

e se repetindo que não o fazia porque tivesse medo de falar com Alex, se interessou pela saúde da

venerável dama.

Na hora das sobremesas, e seguindo o que marcavam as normas, os cavalheiros foram ao

salão tomar uma taça enquanto as damas seguiam conversando de suas coisas. Por sorte, a mãe

de Richard se retirou a seus aposentos e deu por concluída a noitada, e Irene pôde por fim relaxar

um pouco. Vendo que a irmã e sua amiga seguiam enfrascadas comentando as proezas de lorde

Penbroke, o herói vampiro, decidiu ir dar uma volta pelo jardim.

Alex não podia mais. O tal lorde Crompton era muito perfeito. Era tão educado, tão formal,

tão correto que tinha vontade de estrangulá-lo. Por que diabos tinha ido a aquele jantar?, se

perguntou pela enésima vez. “Porque não podia suportar a ideia de que Irene se fixasse em outro

homem”, pensou. Mas segundos mais tarde se corrigiu: não, tinha ido porque não podia suportar

a ideia de que Irene seguisse o ignorando.

Horas antes, justo quando desceu da carruagem, teve a sensação de que ela o olhava de um

modo diferente, como se o estivesse vendo pela primeira vez desde sua volta. Mas essa sensação

só durou um instante, e em seguida foi substituída pelo vazio. Irene conseguiu não lhe fazer caso

durante todo o jantar, e nas poucas ocasiões nas que se viu obrigada a lhe dirigir a palavra, o fez

com um frio “lorde Wessex”.

Seu pai, o barão e lorde Crompton falavam da guerra como se soubessem algo sobre o tema,

e Alex teve que morder a língua em mais de uma ocasião. Se não saía dali imediatamente logo

diria algo que lamentaria o resto de sua vida. Se desculpando com seu anfitrião, decidiu retornar a

sua casa caminhando. Ele, sua irmã e seu pai tinham ido juntos na carruagem da família, mas

ambas as mansões estavam muito perto, e a distância podia se percorrer a pé. Como era de

esperar, o barão lhe ofereceu um cavalo, que Alex declinou dizendo que iria bem o passeio.

Finalizadas as despedidas, pediu ao mordomo dos Morland que lhe trouxesse o casaco e, ato

seguido, partiu para sua casa. O exercício o ajudaria a fortalecer a perna e talvez assim conseguiria

clarear um pouco as ideias. Tinha que se centrar na missão e descobrir a identidade do Louva-

Deus quanto antes, mas a cada passo que dava não eram os pensamentos sobre esse traidor os

que ocupavam sua mente, a não ser lembranças sobre um jantar muito diferente daquele, e a

manhã que o seguiu, cinco anos atrás.

Alex, seus irmãos e seu pai tinham ido jantar na mansão dos Morland. Não celebravam nada

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extraordinário, mas Alex passou todo o jantar com o coração em um punho. Sua última missão o

tinha mantido afastado de sua casa durante mais de meio ano. Tinha sido duro, e tinha passado

momentos nos que acreditou que possivelmente não poderia retornar. A situação no velho

moderado tinha piorado muito e tinha a sensação de que só era o princípio. Fazia já dois meses

que havia voltado e ao que parecia seu pai e seu irmão mais velho tinham decidido dar por

finalizado seu conflito com ele.

Uma manhã, durante a segunda semana, William lhe disse que entendia que estava

passando por uma “fase”, que era normal que queria viajar e descobrir “mundo” e que, quando

lhe passasse, o receberia com os braços abertos. Alex, embora quis explicar que não era o libertino

que imaginava, pensou que essa condescendência era melhor que o desprezo ao que tinha tido

que enfrentar na primeira vez que se ausentou em uma missão. De todos os modos, o problema

mais grave não era seu pai, nem seu irmão mais velho, a não ser Irene. Com dezenove anos, tinha

lhe resultado muito difícil resistir a ela, mas com vinte e cinco era impossível.

Irene tinha se convertido em uma mulher maravilhosa, uma mulher que, graças à

intervenção divina, não tinha se apaixonado nem casado com ninguém durante sua ausência.

Alguém que o ia deixar louco com seus olhares e seus sorrisos. Sabia que era muito egoísta por sua

parte pensar desse modo; se ele não podia fazê-la feliz, o melhor seria que encontrasse a um

homem que pudesse fazê-la, mas não conseguia ser tão generoso. Uma pequena parte de si

seguia sonhando com o dia em que pudesse lhe confessar seu amor e com que lhe respondesse do

mesmo modo.

Ao finalizar o jantar, e enquanto esperava junto a seus irmãos que seu pai se despedisse do

barão, Irene se aproximou e lhe disse em voz baixa que queria vê-lo na manhã seguinte. Ele

aceitou, intrigado pelo convite e pelo rubor que tinham as bochechas dela. Passou nas nuvens

todo o caminho de volta a casa, mas ao cruzar a soleira, Reeves o fez aterrissar de repente.

Entregou-lhe uma carta. Uma em que Hawkslife lhe pedia que fosse, essa mesma noite, a um

botequim que havia na cidade mais próxima. Uma hora mais tarde, depois de se assegurar que

todos dormiam, Alex montou em Casio e foi ao encontro.

Hawkslife lhe contou que o mandavam a França e que teria que fixar ali sua residência. Ao

que parecia, Napoleão tinha deixado de ocultar suas ânsias imperialistas e necessitavam a alguém

ali para se assegurar que estavam informados de tudo. Alguém capaz de participar de um baile,

jogar cartas ou seduzir a uma mulher enquanto ao mesmo tempo descobria segredos de Estado.

Capaz de sobreviver em qualquer circunstância e de matar se era necessário. Alguém como ele.

Durante uns segundos, Alex pensou em se negar, em dizer que já estava farto, que queria ficar em

sua casa e retomar o sonho de sua naval e de Irene. Mas lhe bastou um instante para saber que ia

aceitar. Se quisesse proteger a sua família, se queria ser digno alguma vez do amor de Irene, tinha

que ir a França e fazer todo o possível por evitar que gente inocente morresse.

Hawkslife, que nem sequer se percebeu que Fordyce ia votar atrás, contou-lhe os detalhes

da operação e disse que o esperavam em Dover ao cabo de dois dias. O que lhe deixava um só

para se despedir de novo. E desta vez possivelmente para não voltar.

Depois de tomar uma jarra de cerveja, em uma tentativa absurda de fazer mais suportável o

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que o esperava, Alex retornou a sua casa, recolheu as poucas coisas que queria levar e deitou na

cama. Irene o esperava às oito e, embora lhe destroçasse o coração, diria-lhe adeus.

Irene, sem saber muito bem para aonde se dirigia, se afastou da mansão, e seus passos a

levaram até o carvalho que marcava o início do caminho. Passava por ali quase diariamente, mas

ultimamente tinha conseguido não sentir essa pontada no coração que costumava atacá-la cada

vez que via essa velha árvore. Dizia a si mesma que já não se lembrava do que tinha acontecido

sob seus ramos cinco anos atrás, mas na realidade nunca o tinha esquecido.

—Chega logo — foram as primeiras palavras de Alex ao vê-la junto ao carvalho essa manhã.

—Você também — respondeu ela com um sorriso.

Estava tão nervosa que não tinha dormido nada. A noite anterior, havia decidido que já não

podia seguir com tanta indecisão, e ia confessar a Alex o que sentia por ele. E se ele... se ele não

sentia o mesmo, choraria, mas ao menos poderia seguir adiante. Tinha vinte e um anos e ainda

tinha tempo de voltar a se apaixonar, ou isso queria acreditar.

—Está sentido algo? —perguntou ele, preocupado ao ver que enrugava a testa.

—Não, sim —sorriu. —Tinha tudo pensado, mas agora que te tenho diante não sei como

começar.

—Irene, me olhe — disse ele em voz baixa, —sou eu, Alex. A mim pode dizer o que queira.

—Estou apaixonada por você. — Conseguiu pronunciar cada sílaba com a suficiente firmeza

para que ele entendesse.

Nesse instante, Alex quis morrer. Era impossível que o destino fosse tão cruel. Ele tinha se

resignado a não estar jamais com ela, e a força dessa resignação residia em que estava convencido

que Irene não sentia o mesmo que ele. Mas saber que ela o amava era mais do que podia

suportar. Irene o amava e ele ia rechaçar esse amor e fingir que não era o presente mais precioso

que já tinha recebido.

—Não, não está. Isso é impossível — foi o único conseguiu dizer.

—Não, não é impossível. — Ao que parece, agora que tinha confessado seus sentimentos se

sentia com muita mais força que antes. — Acredito que me apaixonei por você no dia em que o

conheci.

—Só tinha quatro anos. — Deu um passo atrás.

—Já sei. O que quero dizer é que esse dia eliminou a possibilidade de que quando crescesse

me apaixonasse por outro homem que não fosse você.

—Passará. — A ele não tinha passado, e tampouco queria que acontecesse com ela, mas se

obrigou a continuar: — Com certeza que dentro de uns meses nem se lembrará de mim.

—Por que diz isso? — O olhou de um modo estranho, como esquadrinhando seu interior. —

Você vai voltar a ir?

—Sim. — Aproveitou a oportunidade. —Estou aborrecido da vida no campo. Estes dois

meses me parecem eternos, e uns amigos me convidaram a ir de viajem pela França.

Irene ficou olhando-o aos olhos.

—Não é certo. Não está aborrecido da vida no campo. O vi repassar as contas com seu pai e

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seu irmão, e cada vez que um de seus conselhos consegue melhorar algo seus olhos brilham. Você

adora estar com seus irmãos pequenos e... — decidiu se arriscar —… e você gosta de estar comigo.

—Tenho que fazer para passar as horas. — Doíam-lhe os punhos de quão forte os estava

apertando.

—Não faça isso — pediu ela.

—O que?

—Fingir que é um egoísta, um preguiçoso, um bon vivant. Você não o é.

Lhe devolveu o olhar e recorreu a seu treinamento.

—Sim sou. Quer saber a verdade? — perguntou de um modo cruel e, antes que ela

respondesse, continuou: — Estou farto de ver meu pai e meu irmão se comportando todo o dia

como dois mártires. A vida são dois dias, e terá que vivê-la. A verdade é que sinto falta de estar

entre as pernas de uma mulher. — Essa frase fez que ela retrocedesse e ele sentiu uma arcada. —

Estou farto de que todo mundo se preocupe tanto pela política e de que ninguém saiba se divertir.

—Não é verdade, — insistiu ela — eu não o quereria tanto se fosse assim. E te amo.

—E do que me serve seu amor?

Alex se deu conta então de que existia o inferno e que tinha ido parar nele. O que podia ser

pior que escutar Irene dizer que o amava e ter que negar-lhe.

Ela o olhou com os olhos cheios de lágrimas e tragou saliva. Alex rezou para que se voltasse

e se fosse. Mas não, sua Irene era muito mais valente que tudo isso. Respirou fundo e se

aproximou dele. Devagar, levantou uma mão e lhe acariciou a cara.

—Fique, Alex. Por favor. Talvez você não me ame, mas eu a você sim, e meu amor pode ser

suficiente para os dois. Fique e com certeza juntos encontraremos o modo de ser felizes.

Ele sentiu que seu coração rompia e durante esses segundos não lhe importou nada. Nem

Hawkslife, nem França, nem Inglaterra, nem ser um falcão nem nada. O único que lhe importou foi

Irene e as lágrimas que tinha derramado por sua culpa. Imitando seu gesto, levantou uma mão e a

depositou na bochecha que ainda estava úmida. Ela entrecerrou os olhos e ele inclinou a cabeça.

Quando seus lábios se acariciaram pela primeira vez, Alex teve a sensação de que o universo

estalava sob seus pés. Sentir o fôlego de Irene o acariciando era mais do que jamais se atreveu a

sonhar. Insegura, ela entreabriu a boca e, desesperado como estava, ele deslizou a língua em seu

interior. Se seu fôlego o tinha enlouquecido, seu aroma e seu sabor o tinham levado até o céu.

Estava beijando Irene. À única mulher que queria beijar. À única mulher que ia beijar jamais.

Notou que lhe acelerava o coração e que as mãos dela se agarravam com força na lapela de sua

jaqueta. Inclinou a cabeça para aprofundar mais o beijo e a jovem o agradeceu com um suspiro. O

beijo foi a mais, suas línguas se disseram te quero de mil e uma maneiras, e com a respiração

entrecortada, Alex foi se separando. Mas não deixou de beijá-la, mas sim lhe percorreu o rosto

com delicados beijos e lhe rodeou a cintura, afundando os dedos em seu vestido. Ela se deixou

desenhar pelos lábios dele e com as mãos decidiu fazer o mesmo com seu torso.

—Alex — suspirou. — Fique.

Ele, que tinha perdido a capacidade de raciocinar, de respirar, seguiu beijando-a, pensando

que se tinha que morrer, queria recordar o sabor de sua amada. Depois de lhe percorrer o rosto

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voltou a se centrar em seus lábios e lhe deu o beijo que fazia anos que queria dar. Um beijo que

dizia que sempre a tinha amado, e rezou para que algum dia pudesse lhe perdoar o que estava a

ponto de fazer.

—Fica — repetiu ela, e ele percebeu o desespero que havia em sua voz. O mesmo

desespero que ele sentia e tinha que ocultar. Tinha chegado o momento.

—Por isso permitiu que a beije? — perguntou ele, se apartando de repente. —Acha que

bastará um beijo para que fique?

Irene o olhou aturdida e levou a mão aos lábios, como, se queria se assegurar de que

seguiam sendo os mesmos.

—Um beijo de uma virgem inexperiente não consegue me tentar, Irene. —Sabia que com

suas palavras lhe estava fazendo mal, mas também sabia que era o único modo de que ela o

odiasse, e queria que o odiasse, tanto como ele começava a odiar a si mesmo por rebaixar o

melhor e único beijo de sua vida.

—Alex — balbuciou ela, — por que faz isto? Por que me faz isto?

—Já disse, estou aborrecido e aqui no campo não há nada, nada que possa me tentar.

Ela apertou os punhos e se negou a se dar por vencida.

—Jurou que me cuidaria.

—Vamos, Irene. Só tinha oito anos, foi a promessa de um menino. Um menino que já não

existe. De verdade acreditava que ia me converter em um herói? Sou eu, Alex, a mim o único que

importa é me divertir, e já começo a me cansar de te seguir o jogo.

—Sim, acreditava. E sua mãe também. — Já não chorava e pelo modo em que lhe brilhavam

os olhos, Alex soube que estava furiosa. Melhor, sua ira era exatamente o que merecia.

—Pois as duas se equivocaram — disse ele, mas sua mandíbula tremeu, e Irene se precaveu

do gesto e, antes que pudesse dizer algo, como por exemplo, que não lhe acreditava, Alex deu o

golpe de graça: — Olhe, a não ser que me ofereça algo mais que um beijo... — percorreu-lhe o

busto com a vista de um modo obsceno, — o melhor será que vá. Estou farto de perder o tempo

com você. O único que posso te oferecer é uma noite de paixão. Eu não sou dos que se casam,

para isso já está meu irmão. Se quiser, poderia lhe dizer que está disponível.

E ela o esbofeteou. Cruzou-lhe a cara com tanta raiva que nem sequer ele, um homem

treinado para receber golpes, pôde fazer nada para esquivá-lo. Embora tampouco o teria feito se o

tivesse visto vir.

—Tem razão, Alex. Não é um herói, é um covarde. Um miserável covarde que não merece

que...

Não terminou a frase e saiu dali correndo, de novo com lágrimas nos olhos, e perdendo,

junto aos pés de Alex, a fita verde com listras amarelas que levava no cabelo.

CAPÍTULO 8

Era uma noite clara de lua cheia e quando chegou ao velho carvalho Irene se deu conta que

havia alguém sentado ao pé do mesmo, mas demorou uns segundos para ver quem era. Alex tinha

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a cabeça apoiada no tronco e os olhos fechados, assim supôs que não a tinha visto. Ficou

petrificada na metade do caminho, indecisa sobre se o alertava de sua presença ou ia dali sem

mais. Talvez fosse uma covarde, mas não queria enfrentar a ele no mesmo lugar onde a tinha

humilhado e tinha quebrado seu coração. Decidida a se retirar, ia dar meia volta, mas justo nesse

instante Alex abriu os olhos e seus olhares se encontraram. Durante uns segundos, nenhum dos

dois disse nada, presas do silêncio, da escuridão e das lembranças, e Irene aproveitou para dar um

passo atrás.

—Não vá — pediu ele com voz entrecortada. Deteve-se ali em um gesto quase inconsciente

para recordar o melhor e pior momento de sua vida. E agora, ver que Irene não era capaz de estar

a sós com ele nem sequer durante uns minutos, era mais do que podia suportar.

Ela se deteve indecisa, mas depois de pensar melhor eliminou a distância que os separava e

se sentou na erva.

—Faz uma noite preciosa — comentou Alex, atônito ao ver que lhe tinha feito conta.

—É verdade — ela se limitou a responder antes de fechar os olhos e apoiar também a

cabeça no tronco.

Estiveram sem falar durante um momento, até que ele perguntou o que o tinha estado

carcomendo durante toda a noite:

—Vai se casar com lorde Crompton?

Irene não pôde dissimular o sobressalto que sentiu ao escutar a pergunta, mas sem abrir os

olhos respondeu:

—Possivelmente.

Alex rompeu o ramo que segurava entre os dedos, e se ela ouviu o som, fingiu não entender

o que significava.

—Não o faça, não será feliz.

Essa frase conseguiu que Irene perdesse por fim os nervos.

—Como se atreve a dizer tal coisa?! — ficou em pé de um salto. — Quem é você para saber

o que me faz ou não feliz?

Alex também se levantou e a enfrentou. Sabia que Irene tinha razão, mas recordar aquele

beijo, suas palavras, o amor que viu em seus olhos e que ele se encarregou de apagar, o fez sentir

um ataque de ciúmes como nunca tinha imaginado possível.

—Se não recordo mal — continuou ela, — você, lorde Wessex, não tem nenhum direito a

opinar sobre minha vida.

—Não me chame assim! Não o suporto. — Se sentia perdido, e se ela já não o reconhecia

não conseguiria se encontrar jamais. —Sou Alex. Alex, maldita seja.

—Não. — O fulminou com o olhar. —Talvez para suas condessas o seja, mas para mim é

lorde Wessex. Peça a elas que o chamem por seu nome, porque a mim já não tem direito a pedir

nada.

—E a ele? — perguntou, furioso com as circunstâncias que o obrigavam a manter o silêncio e

o impediam de lhe dizer que jamais nenhuma mulher o tinha chamado Alex. —Como o chama?

Não foi necessário que dissesse a quem se referia, e Irene respondeu imediatamente. Se

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fosse sincera consigo mesma, tinha que reconhecer que vê-lo tão zangado a fazia se sentir muito

poderosa.

—Richard.

Alex soltou uma maldição e passou as mãos pelo cabelo.

—Richard? — se aproximou dela e a apanhou entre a árvore e seu poderoso torso. Não a

tocava, mas se Irene queria se afastar ela sim teria que fazê-lo, e pelo modo em que o olhava sabia

que preferiria cortar uma mão antes de se aproximar. O beijou?

—Isso, lorde Wessex, não é de sua incumbência. Se afaste.

Ele se aproximou mais e quando o tecido de seu camisa entrou em contato com seu vestido,

teve a sensação de que lhe ardia a pele. Sentiu tanto calor que temeu que o linho se fundisse.

—Me conte.

—Nem sonhe com isso. — Ergueu o queixo e o olhou aos olhos. —Para que quer saber? Para

zombar de mim outra vez?

Essa última frase afetou Alex, mas não se afastou. Agora que voltava a senti-la por fim podia

respirar, e não lhe importou que Irene o desprezasse. Conformava-se estando perto dela.

—Já sei que meus beijos virginais não podem tentar a nenhum homem. — Zombou de si

mesma. —Mas talvez Richard queira algo mais que isso. Além disso, é um bom homem. Richard

não é um covarde que foge de suas responsabilidades, Richard é...

Alex não a deixou continuar. Capturou seus lábios com tanta força que inclusive temeu ter

feito mal a ela. Tinha que beijá-la, precisava saber que não estava morto por dentro, e sabia que o

único podia fazê-lo se sentir minimamente humano eram seus lábios.

E se voltava a ouvir o nome de Richard acabaria por ficar louco. Ela tratou de resistir ao beijo

durante uns segundos, ou ao menos isso foi o que disse a si mesmo, mas quando a língua de Alex

deslizou entre seus lábios, se rendeu a suas sedutoras carícias. As mãos que tinha mantido tensas

entre os dois relaxaram e rodearam a nuca dele para lhe acariciar o cabelo. Tinham passado cinco

anos, mas nesse instante foi como se tivessem se beijado no dia anterior. Tinha o mesmo sabor,

mas a reação de seu corpo era muito mais incontrolável. Alex não só a estava beijando, a estava

consumindo. Seus lábios a estavam devorando, e sentiu como seu coração pulsava desbocado.

Moveu os quadris, procurando o modo de estar mais perto dela, e Irene imitou o movimento. Seus

corpos ficaram encaixados, duas metades perfeitas que por fim formavam um único ser e, se não

fosse pelas capas de tecido que os separavam, estariam fazendo amor nesse mesmo instante. Os

lábios de Alex abandonaram os de Irene e lhe beijou então as pálpebras. Os dois estavam

tremendo.

—Me diga que não se casará com ele. Conte-me.

Irene se esticou de repente e jogou a cabeça para trás. Alex, sentindo que a magia se

desvaneceu, a permitiu fazê-lo. Notava-se a respiração entrecortada e passou a língua pelo lábio

inferior para reter ali seu sabor.

—Por isso me beijou? — perguntou ela furiosa. — Para conseguir me convencer que não me

casasse com Richard?

—Não — respondeu ele. Não a tinha beijado por isso. Tinha-a beijado porque não podia se

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imaginar seguir um dia mais sem fazê-lo.

—Acredito recordar uma ocasião em que me acusou de utilizar meus beijos para conseguir

que ficasse. — O separou de um empurrão e se afastou dele uns quantos passos. — E também

acredito recordar que me disse que o beijo de uma virgem não conseguiria “te tentar”. Pois bem,

lorde Wessex — pronunciou seu nome como se fosse um insulto, — seus beijos tampouco

conseguem tentar a mim.

—Eu...

—Não precisa dizer nada. De fato, o melhor será que não o faça. Não sei se me casarei com

Richard, mas o que o faça ou não, não depende de você. Faz muito tempo que perdeu o direito a

opinar sobre minha vida.

—Irene, sinto muito — disse ele, embora não sabia se se referia a tê-la beijado ou a ter

perdido a possibilidade de ser alguém especial para Irene.

Ao escutar essa desculpa, algo se rompeu dentro dela e com voz entrecortada, respondeu:

—E eu.

Sem dizer nada mais, deu meia volta e retornou a sua casa. E Alex não tratou de detê-la.

Depois desse encontro no velho carvalho, Alex e Irene estabeleceram uma espécie de

trégua. Durante os dias que seguiram, evitaram ficar a sós um com o outro, e quando se cruzavam

em um evento social se limitavam a intercambiar as frases de rigor. Ele seguia tratando de dar

com uma pista confiável sobre a identidade de Louva-Deus, e para isso tinha começado a

frequentar Jackson's, mas também dedicava um pouco de tempo a fiscalizar o estado dos imóveis

e investimentos de sua família. O fazia sem que seu pai soubesse, sem esperar nada em troca, com

o único objetivo de contribuir em algo e fazer mais suportável a morte de William.

Essa noite ia assistir à ópera. Em Londres estavam representando As bodas do Fígaro, de

Mozart, e lorde Sheridan e o marquês de Vessey o tinham convidado a seu camarote. Nenhum dos

dois ia estar acompanhado por suas esposas, mas sim por suas amantes, e por isso tinham

convidado a um par mais de “damas”, para que Alex não se sentisse sozinho. Ante tão generoso

gesto, ele deu de ombros e tirou a importância do assunto. Ainda recordava o beijo de Irene, e

nem a cortesã mais reputada do mundo conseguiria tentá-lo. Vestido com seu smoking, negro dos

pés à cabeça, abandonou a mansão.

O marquês de Vessey, em uma conversação que tinham mantido no Jackson's, tinha

insinuado que ele e outros nobres estavam fazendo negócios na Espanha sob o beneplácito de

Napoleão, e isso era algo muito similar à traição. O general francês, com o propósito de arruinar a

Inglaterra, tinha imposto um bloqueio sobre suas mercadorias, e se uns ambiciosos nobres

ingleses pretendiam se enriquecer com isso, a Irmandade tinha que intervir. O problema era que

os comentários do marquês tinham sido muito vagos, e justo quando ia dizer lhe algo interessante,

o duque de Rothesay, o pai de Sheridan, apareceu e bastou olhar o marquês aos olhos para que

este soubesse que tinha que fechar a boca. Alex fingiu não perceber o intercâmbio de olhares e

mudou de tema como se nada tivesse passado, mas decidiu que quando a ocasião fosse mais

propícia, retornaria a conversação.

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Sheridan e Vessey já estavam hospedados comodamente no camarote, e a seu redor havia

quatro mulheres muito voluptuosas e vulgares. Seus vestidos, pensados para o deleite de seus

acompanhantes, não deixavam nada à imaginação, e suas joias falavam de quão custoso era

desfrutar de sua companhia. Sem nenhuma pressa por ocupar seu assento, Alex se entreteve no

vestíbulo e saudou um par de antigos conhecidos. Nesse instante, com essa falsa sensação de

normalidade, se perguntou se assim seria sua vida se não tivesse entrado na Irmandade. Por sorte,

ou por desgraça, não teve tempo de pensar muito, pois nesse momento, lorde Crompton, ou o

que era o mesmo, Richard, sua mãe e Irene passaram frente a ele.

—Boa noite, lorde Wessex — o saudou o homem. —Encantado de voltar a vê-lo.

—O mesmo digo. — Alex aceitou a mão que lhe tendia e a estreitou. —Lady Crompton, lady

Morland. —Fez uma reverência a ambas as damas.

—Veio com sua família? — perguntou lorde Crompton. — Eu adoraria saudar seu pai.

—Não, esta noite estou sozinho — respondeu ele. Mas nesse instante, Vessey se aproximou

deles, com uma mulher pendurada em cada braço.

—Wessex, estávamos esperando você. —Sorriu-lhe. —Sheridan e eu não podemos entreter

a tantas belezas.

Nesse momento, uma das duas fêmeas se separou do marquês e se aproximou dele.

—É obvio — disse Alex, apertando os dentes ao ver o olhar de reprovação de Irene. — Se me

desculparem...

Lorde Crompton se limitou a assentir e as guiou, a sua mãe e a ela, para o camarote que sua

família tinha reservado na ópera. A sua primeira esposa adorava a música e lorde Crompton

confiava em que Irene, se aceitava se casar com ele, gostasse de acompanhá-lo. Dias atrás,

quando se inteirou da volta de lorde Wessex, acreditou que perderia Irene para sempre. Talvez

fosse um homem muito reservado, mas não era idiota, e sabia que lorde Wessex era o motivo pelo

que uma jovem como aquela seguia solteira. Jamais lhe tinha falado dele, e isso por si só já era

significativo, pois em troca não tinha nenhuma relutância em falar de William Fordyce, o irmão

falecido de Alex. Lorde Crompton não tinha insistido, dizendo-se que não lhe importava que não o

amasse, pois no fundo ele tampouco amava a ela. Richard tinha querido a sua primeira esposa, e

agora o único que procurava era uma companheira com a que passar o que ficava de vida.

Alex tinha dado dois passos para o camarote quando, incapaz de seguir suportando o tato

daquela mulher, a afastou de seu lado. Em um ato reflito, girou a cabeça e procurou Irene com o

olhar.

Caminhava junto a lorde Crompton e este deve ter dito algo gracioso porque pôde ver que

ela sorria. Não lhe tinha sorrido, e teve vontade de agarrar ao outro homem pela lapela de seu

smoking engomado e lhe dizer que todos os sorrisos de Irene lhe pertenciam. Mas isso era

mentira, e tal como lhe tinha recordado, tinha perdido o direito de se misturar em sua vida.

Apesar de tudo, a seguiu com o olhar até que desapareceu em seu camarote. Desejou que

ela se voltasse e o olhasse um segundo. Só necessitava isso, um segundo. Já ia se dar por vencido

quando viu que o tecido da cortina se movia e por um extremo apareceu Irene. Ali estava, de pé

frente a ele, a um montão de metros de distância, mas antes de fechar o olhou aos olhos e Alex

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pôde por fim se mover e seguir com sua missão.

Por que tinha feito isso? perguntou Irene a si mesma. O que a tinha impulsionado a se

levantar com a desculpa de fechar a cortina? Isso não era nada próprio de uma dama. Por que

tinha se comportado desse modo? Porque queria ver Alex. Minutos atrás, ao ver como aquela

harpía o tocava, tinha tido vontade de lhe gritar que o soltasse, mas se controlou e se recordou

que mulheres como essa eram as que ele gostava. Então, enquanto se dirigia com Richard e sua

mãe para seus assentos, sentiu o olhar de Alex cravado em suas costas. Não podia vê-lo, mas não

tinha nenhuma dúvida de que ele a estava olhando. Aqueles olhos lhe estavam suplicando que

fizesse algo, embora não sabia o que exatamente, e possivelmente tudo fosse fruto de sua

imaginação. Entretanto, tinha a sensação de que se não o fazia Alex ia sofrer, e por muito dano

que lhe tivesse feito, Irene não queria que sofresse. Assim, sem pensar muito no que fazia, disse

que a cortina estava má fechada e se levantou para colocá-la em seu lugar.

Enquanto ficava em pé, juntou forças para suportar a decepção de não vê-lo, ou de vê-lo

abraçado a aquela mulher, mas nada a preparou para o que viu. Ele estava ali, de pé frente a ela, a

metros de distância, como se estivessem os dois sozinhos, procurando seu olhar como se fosse o

único que o pudesse impedir de cair no abismo. Passaram uns segundos nos que Irene acreditou

que seu coração pararia, e de repente ele apertou os olhos com força e rompeu os laços invisíveis

que os tinham unido nesse momento roubado ao tempo. Fechou a cortina e se dispôs a escutar a

ópera mais longa de toda sua vida.

No entreato, uma das mulheres que se sentou ao lado de Alex, e que tinha estado se

insinuando sem descanso, assim como sem êxito, disse:

—Tenho que confessar, lorde Wessex, que, dada sua reputação, o imaginava diferente.

—Será pelo clima — respondeu ele sarcástico.

Seus acompanhantes masculinos riram.

—Ah — disse a cortesã provocadora, — se for assim, me ocorrem várias maneiras de

aquecê-la. —E percorreu sua coxa com um dedo para eliminar qualquer dúvida a respeito de seus

métodos para aumentar a temperatura.

—Acredito — disse ele, lhe apartando a mão, — que agora mesmo estou resfriado e não me

convém suar. — Ante as caras de surpresa dos outros, acrescentou: — Mas, bem, nada dura

eternamente.

—E acompanhou a frase com um olhar lascivo. Se não tivesse sido falcão, bem poderia ter se

dedicado ao teatro, pensou Alex.

Felizmente, Vessey decidiu mudar o tom da conversação. Se dirigiu a Alex e a Sheridan:

—Cavalheiros, me acompanham a procurar umas bebidas para nossas belas

acompanhantes?

Os três se levantaram e saíram do camarote que ocupavam. Alex sabia que o das bebidas era

uma desculpa, na ópera havia no mínimo vinte serventes destinados só a esses misteres, e que o

que Vessey ia lhes contar era muito mais interessante que as insinuações baratas daquelas

mulheres. Ao menos para ele.

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—Sheridan — disse o marquês, — segue em pé o desta noite?

—É obvio, meu pai me assegurou que todos estão à espera, e ansiosos por seguir adiante.

Alex fingiu indiferença, mas todos os nervos de seu corpo lhe diziam que aquela conversação

era importante.

—Wessex — Vessey se dirigiu a ele, — tem planos para hoje?

—Nada que não possa alterar —respondeu ele como se não fosse nada.

—Então, o que te pareceria fazer parte do clube mais exclusivo do mundo?

Por fim.

CAPÍTULO 9

A ópera finalizou sem mais surpresas e Sheridan se encarregou de dispensar a suas

acompanhantes, que fingiram a quantidade justa e necessária de desolação. Ao sair, Alex

aproveitou para escapar uns segundos e, com o olhar, esquadrinhou a multidão em busca de

Irene. Ali estava, junto com Richard, conversando tranquilamente. Ela não o viu, e Alex se deu

conta que junto a aquele homem a via tranquila. Tinha que reconhecer que lorde Crompton era

um cavalheiro, e que provavelmente se esforçaria por fazê-la feliz, embora jamais chegaria a amá-

la como ele a amava. Mas do que servia o amor? O único que ele tinha conseguido era fazê-la

chorar e... Apertou os punhos e se obrigou a mudar o rumo de seus pensamentos. Dois crápulas o

estavam esperando para levá-lo a um clube secreto, um no que teria que aparentar ser um

desalmado. Não podia entrar ali com o coração nos olhos. Respirou fundo e pensou em William. O

amor se desvaneceu e em seu olhar se instalou o ódio e a determinação.

—Vamos? —perguntou a Vessey.

—Vá, impaciente, Wessex? — zombou o outro, arqueando uma sobrancelha.

—Não, mas se me lembro bem, Sheridan disse que “todos estavam à espera”. E nunca gostei

de chegar tarde.

O homem lhe sorriu e juntos foram procurar ao terceiro componente de seu peculiar grupo.

Irene seria uma falsa se não reconhecesse que ver as quatro mulheres que tinham estado

com Alex irem sozinhas a fez feliz. Quando viu que lorde Sheridan as dispensava sem mais sentiu

como lhe tirassem um peso de cima, e graças a isso conseguiu relaxar um pouco e desfrutar de

uma agradável conversação com Richard. Embora logo, ao se deitar, não foram os olhos de

Richard que viu antes de dormir.

A carruagem que os levava se deteve frente a uma luxuosa mansão que Alex não demorou

para reconhecer. Era o domicílio do pai de Sheridan, o duque de Rothesay e, embora ele nunca

tinha estado ali, na informação que Hawkslife tinha passado havia uma descrição muito completa.

O mordomo que lhes abriu a porta parecia tão capaz de matar a alguém com suas próprias mãos

como de servir o chá, e Alex supôs que exercia ambas as funções à perfeição. Passaram ao salão,

onde os esperavam tinos dez cavalheiros, entre os quais se destacavam o duque e um homem

com um emplastro no olho esquerdo. Depois das saudações iniciais, o duque se aproximou de

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Alex.

—Wessex — o saudou direto.

—Rothesay, muito obrigado por me convidar — respondeu ele com uma ligeira inclinação de

cabeça.

—Confesso que tinha minhas dúvidas. — Se encaminhou para o móvel que continha as

bebidas e indicou a Alex que fizesse o mesmo. —Mas meu filho e seu enganador amigo, Vessey,

me dizem que é você de confiar.

—Depende — respondeu ele, deduzindo que o duque não respeitava aos que lhe seguiam a

corrente sem mais. —Digamos que cuido de meus interesses.

O homem de cabelo prateado arqueou uma sobrancelha.

—Nisso coincidimos. —Pegou dois copos. —Gostaria de tomar algo?

—Uísque.

—O que lhe parece a Inglaterra depois de ter vivido tanto tempo no continente? —

perguntou o duque, deixando claro que não lhe estava perguntando pelo clima nem pela comida.

—Aborrecida. Triste. Fraca. Perdida — respondeu ele após ter dado um gole.

—Vá, e isso o diz o irmão do patriótico e heroico Fritzwilliam Fordyce.

Alex esvaziou o copo.

—Sou a ovelha negra da família — replicou, apontando com o queixo para Sheridan.

Não queria falar de seu irmão com aquele homem, tinha a sensação de que se o fazia trairia

William.

—Tem razão — respondeu o duque o olhando aos olhos. — Me permita que o apresente ao

coronel Casterlagh.

O homem com o emplastro no olho estendeu a mão.

—Muito prazer, coronel. — Alex a estreitou a sua vez e sentiu um calafrio. Possivelmente

aquele homem não fosse tão capitalista como o duque, mas todo ele exsudava poder.

—Igualmente. — O percorreu com seu único olho e não lhe soltou a mão até passados uns

segundos. — Se parece muito a seu irmão. O conheci na França — explicou. — Justo uns dias antes

que falecesse. Uma lástima, embora reconheça que nunca tivéssemos sido amigos.

Estava seguro que o fato de que William aparecesse tão frequentemente na conversação

não era casual.

—Rothesay, já contou a lorde Wessex por que o temos convidado? —perguntou o coronel.

—Não, ainda não. Mas se quiser, pode fazer as honras.

O coronel apontou a chaminé e os três caminharam para ali. Sheridan e Vessey estavam

sentados em um sofá que havia no outro extremo do salão, com duas cortesãs, diferentes das que

os tinham acompanhado à ópera. As duas usavam o espartilho meio desabotoado e a cena, que a

muitos teria parecido erótica, desgostou Alex. Em outro extremo, um grupo de homens estava

jogando cartas, e outros dois fumavam havanês enquanto conversavam animadamente.

—O que tem de mal no Jackson's? —perguntou Alex, pois pelo que tinha visto até o

momento, o que faziam ali não distava muito do que se podia praticar no exclusivo clube para

cavalheiros.

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—Nada — respondeu Rothesay, — se o único que alguém pretende é se divertir. Digamos

que aqui temos mais... intimidade.

—O que o duque quer dizer— interveio o coronel, — é que aqui podemos conversar

tranquilamente sobre nossos interesses. Me diga, Wessex, o que interessa a você?

—Viver bem — respondeu sem se alterar.

—Pois então, coincidirá comigo em que seu bem-estar corre perigo.

—De verdade? — Se fazer de tolo sempre lhe tinha saído bem. —Confesso que não tinha me

dado conta. Parece-me que tudo segue igual. —Mostrou a seu redor.

—Há coisas que nunca mudam — conveio o duque com um sorriso, — mas não podemos

cometer o engano de nos confiar.

—Cavalheiros, confesso-lhes que não sei do que me falam. — Alex começava a se cansar de

tanto mistério e, no momento, não tinha descoberto nada que o fizesse pensar que Louva-Deus

pudesse estar ali. Pelo que tinha visto, se tratava só de um grupo de nobres malcriados que se

acreditavam melhores que outros.

—De dinheiro — respondeu o coronel. —De privilégios — acrescentou Rothesay.

—Talvez a Inglaterra ganhasse a batalha de Trafalgar — continuou o militar, — mas

Napoleão não perdeu a guerra. —Deve ter visto algo no olhar de Alex que não gostou, pois ficou

calado alguns instantes, e quando voltou a falar, seu tom foi muito mais relaxado, menos

comprometido: —O único que queremos é ficarmos ricos, nossa parte do bolo, por assim dizer.

Logo, o coronel e o duque lhe contaram que tinham previsto enviar uma quantidade de

dinheiro importante a Espanha para fazer ali uns investimentos que seguro iam resultar muito

lucrativas. Ao que parecia, lhe ofereciam que participasse de dito investimento em troca de nada,

mas quando ele arqueou uma sobrancelha, o coronel lhe assegurou que já encontrariam o modo

de que lhes devolvesse o favor. Alex fingiu estar muito interessado e muito agradecido de que o

incluísse em dita operação e mentalmente se assegurou de recordar todos os detalhes para poder

contar logo a Hawkslife. Já ia se despedir quando o peculiar mordomo do duque os interrompeu e

sussurrou algo ao ouvido de seu patrão. Fosse o que fosse, o homem sorriu e comentou ao

coronel.

—Ao que parece, nossa última operação está começando a dar seus frutos.

—Felicidades — disse Alex. —Posso perguntar no que consistia?

—OH, nada. Um pequeno investimento que fizemos na França — explicou o coronel, —perto

de Boulogne. Conhece a zona?

—Não — mentiu Alex. Conhecia a França à perfeição, e jamais esqueceria o nome do lugar

onde William tinha morrido.

—Uma zona preciosa, mas de muito difícil acesso. — O coronel o olhou aos olhos. —Uma

verdadeira armadilha mortal.

Alex esvaziou o conteúdo de seu copo e o apertou com tanta força que temeu rompê-lo.

—Se me desculpam — continuou Casterlagh, — acredito que irei saudar essas senhoritas.

O homem se levantou e o duque ficou com Alex uns instantes.

—Me alegro de ter conversado com você, Wessex. Acredito que nossa relação vai ser

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Irmandade do Falcão 01

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muito... interessante. —E também se afastou dali em busca de uma companhia mais voluptuosa.

Alex repassou com o olhar a cena sem ver nada. Seu cérebro não parava de dar voltas; o

comentário sobre Boulogne não tinha sido casual, nada do que tinha acontecido ali era fruto da

espontaneidade. Estavam estudando sua reação para ver se podiam confiar nele em suas

operações de contrabando? Ou era algo mais? Sabiam que a Irmandade estava atrás da pista de

um traidor? E o que era mais inquietante, sabiam da existência da Irmandade em si mesmo e que

ele era um falcão?

Com todas essas perguntas e muito poucas respostas, Alex se levantou e, depois de jogar

uma partida de cartas com os únicos participantes que não haviam sucumbido aos encantos das

cortesãs ali presentes, foi para casa.

—O que te pareceu? — perguntou na escuridão, ainda lamentava que houvesse muita luz a

seu redor.

—Pode nos ser útil — respondeu o duque.

—Há algo em seus olhos que eu não gosto.

—Tranquilo, se nos complicar a vida sempre pode sofrer um acidente. Já se sabe, comete

tantos excessos...

Alex se reuniu com Hawkslife na manhã seguinte e lhe contou o acontecido. Seu mentor

coincidiu com ele em que as menções à localidade francesa em que havia falecido o mais velho

dos Fordyce tinham sido intencionadas, e também em que isso lhes gerava várias incógnitas. Mas

estava claro que, de algum modo, Louva-Deus estava relacionado com isso. A armada real inglesa

tinha saído graciosa de todos os ataques da França, mas Napoleão estava travando alianças muito

perigosas e não podiam se confiar. Precisavam averiguar quanto antes quem era o traidor, e

determinar o alcance do que este sabia. O primeiro-ministro já tinha mudado várias missões de

sua frota, mas não podiam seguir assim.

—Tinley segue na França — explicou Hawkslife, se referindo a Henry Tinley, o único amigo

que Alex tinha entre a Irmandade, — Napoleão pretende ficar com a Espanha. A situação ali está

piorando por momentos, e se devemos mandar a nossos soldados temos que poder confiar em

nós mesmos.

—Sei. Amanhã a noite se celebra um baile na mansão da família do marquês de Vessey —

explicou Alex. —Irei e lhes direi que estou disposto a investir.

—De acordo.

Despediram-se e Alex retornou a sua casa. Ainda era muito cedo e, se se apressasse, talvez

poderia tomar o café da manhã com a irmã e o pai. Gostava de passar esses momentos com eles,

assim podia fingir, embora só fosse por um segundo, que eram uma família normal e que o

queriam. Entrou na cozinha a toda pressa, mal sacudindo o pó da jaqueta. Tinha forçado Casio,

mas ao chegar, seu fiel cavalo tinha recebido em troca uma ração extra de alfafa. Sentados à mesa

estavam seu pai e Eleanor, conversando. Ambos ficaram em silencio ao vê-lo, mas logo seu pai se

dirigiu a ele:

—De onde vem?

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Alex ia responder que tinha saído para dar um passeio, mas uma voz a suas costas o

impediu.

—Pelo aspecto que tem, diria que ainda não se deitou, não é assim, lorde Wessex?

Por que sempre tinha que pegá-lo despreparado? se perguntou ele. Tinha sido treinado para

que pudesse ouvir até a uma serpente se aproximando, e Irene sempre o pegava de surpresa.

—Assim é, lady Morland — respondeu dando a volta. — Acabo de chegar. — Ao ver que ela

o fulminava com o olhar acrescentou: — foi uma noite muito longa. —Se não fosse porque estava

seguro que a jovem o desprezava, teria jurado que o que viu em seus olhos foram ciúmes.

—Então, o melhor será que vá se deitar — disse Irene, e tratou de passar junto a ele.

Mas Alex lhe rodeou o pulso com os dedos e a reteve a seu lado.

—É um convite, lady Morland? — sussurrou de maneira que só ela pudesse ouvi-lo. Depois

do olhar da noite anterior na ópera, se negava a lhe permitir que o tratasse com indiferença, assim

optou por fazê-la zangar.

—Não. — O olhou aos olhos. — Me solte.

Alex o fez, mas só para evitar que seu pai e sua irmã interviessem.

—Irene, passa — disse Eleanor sem entender muito bem o que acabava de presenciar. —

Gostaria de tomar uma xícara de chá?

—Sim, obrigado — respondeu Irene se aproximando para dar um beijo na bochecha de sua

amiga. —Vim para ver se queria sair para passear um momento. Isabella, para variar, segue lendo,

e tenho que me aproximar do armarinheiro para comprar umas fitas.

—Fitas? Mas se já não usa — perguntou Alex a pegando despreparada.

Ela levou a mão ao coque e se ruborizou.

—Não —pigarreou, — são para um vestido.

Alex, consciente de que o pai e a irmã estavam olhando-os, decidiu se aproximar do

aparador onde estavam as bandejas com comida e servir um prato, mas ao dar o primeiro passo

sentiu uma pontada de dor na perna e teve que se segurar no respaldo da cadeira que tinha em

frente. Irene, em um ato refletivo, se aproximou dele.

—Está bem? — O olhou preocupada. E Alex acreditou estar no céu. Jamais tinha se alegrado

tanto de que o ferissem como nesse momento.

—Estou bem, obrigado.

Ela se afastou imediatamente, e recuperou a distância, mas ele decidiu fingir que não se deu

conta. Aquele olhar o reconfortaria durante muito tempo.

—Lorde Alex — disse Reeves, o chamando como quando era pequeno, — já lhe preparo eu o

prato.

—Obrigado, Reeves. — Se endireitou um pouco e foi sentar junto a sua irmã.

Normalmente ocupava outro lugar, mas ali estava mais perto de Irene. Ambas as jovens

estavam falando do que iam fazer essa manhã, e ele já ia se oferecer para acompanhá-las quando

as palavras de seu pai o deixaram boquiaberto:

—Alex, posso te pedir um favor? — perguntou ele.

Ele queria responder que podia lhe pedir o que quisesse, mas se limitou a assentir.

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—Poderia se ocupar das coisas de William? Nenhum de nós se viu capaz de entrar em seu

quarto, e tinha pensado que talvez você poderia...

Viu que o homem se emocionava e, para lhe evitar a vergonha, o interrompeu:

—É obvio, papai.

Apesar de que lhe doesse fazer isso, esvaziaria o quarto de William, embora só fosse para

evitar a seu pai ter que voltar a se despedir de seu primogênito. Comeu o que Reeves lhe tinha

servido e, depois de uma reconfortante xícara de café, ficou de pé com cuidado.

—Nos vemos mais tarde. Espero que tenham um bom dia.

Afastou-se dali em silêncio. Subiu a escada, respirou fundo e abriu a porta do quarto de seu

irmão mais velho.

CAPÍTULO 10

Irene não podia tirar da cabeça a expressão de Alex ao dizer ao pai que se encarregaria das

coisas de William. Em seus olhos acreditou voltar a ver o menino que tinha jurado sempre cuidar

dela, ao menino que chorou a morte de sua mãe, e não ao homem que a rechaçou como se seu

amor não valesse nada. Ela e Eleanor se foram a Cida para comprar as fitas, e no armarinheiro

foram crivadas de perguntas. A senhora Petigme, que tinha de francesa o mesmo que elas duas de

austríacas, e várias damas presentes no prestigioso estabelecimento, se interessaram muito pela

volta de Alex, e se por acaso tinha ou não interesse em procurar esposa. Eleanor respondeu com

educação a todas elas, ao fim e ao cabo, ela era sua irmã, e deixou muito claro que Alex não tinha

mostrado nenhum interesse por mudar seu status civil. Finalizadas as compras, foram almoçar e,

embora Eleanor sempre fosse uma companhia muito agradável, Irene passou todo o momento se

perguntando como era possível que o mesmo homem que passava a noite jogando cartas, ou algo

pior, se preocupasse com recolher os pertences de seu irmão falecido.

O primeiro passo foi o mais difícil de dar. O quarto seguia intacto, como se William fosse

aparecer de um momento a outro para lhe gritar que não tocasse suas coisas. Em cima da

escrivaninha que este utilizava para escrever sua correspondência, ainda havia um tinteiro cheio

de tinta e um montão de folhas brancas. Alex se sentou na cama e abriu a gaveta da mesinha de

noite. Dentro havia dois livros; o das aventuras de Hércules que tanto tinha fascinado William

desde pequeno, e um caderno marrom. Agarrou primeiro o caderno e, ao levantar a tampa, sorriu.

Jamais teria imaginado que seu irmão escrevesse um jornal. Passou por cima as primeiras páginas,

não podia se dizer que William tivesse sido muito metódico em suas notas. Os escritos iam de

mencionar certos problemas com uns investimentos, até longas descrições de uma garota

chamada Marianne. Ao que parecia, seu irmão tampouco tinha sido muito afortunado no amor;

Alex já ia a fechar o caderno, em uma tentativa de respeitar sua privacidade, quando viu seu nome

em uma página. A data que havia na margem superior indicava que o tinha escrito fazia três anos.

Alex segue na França, me pergunto o que estará fazendo. Quando se foi fiquei furioso, como

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se atreveu a abandonar todos assim? Disse um montão de coisas desagradáveis, e suponho que

então realmente opinava assim, mas agora... desejaria não as ter dito. Todos acreditam que é um

covarde, um bon vivant.., eu também acreditava no princípio. Mas, quanto mais penso em seu

comportamento antes que se fosse, mais estranho me parece tudo. Talvez necessite ajuda. Por isso

decidi que me alistarei no exército. Tenho que encontrar o modo de ir a França e dar com ele.

Ainda não direi nada a papai, nem a Irene, se minhas suspeitas são equivocadas e Alex é na

realidade todas essas coisas, não quero que voltem a sofrer um desengano.

Seu irmão tinha acreditado nele. Alex sentiu que suas mãos tremiam. William tinha ido

buscá-lo, e tinha morrido antes de fazê-lo. Começou a lhe custar respirar. Tinha morrido na

França, longe da mulher que amava, longe de todos, porque tinha querido ajudá-lo. Se levantou

da cama e caminhou nervoso pela habitação.

—Por que? —perguntou furioso em voz alta. —Teria que ter ficado aqui. —Já que seu irmão

não estava ali para lhe responder, ia dizer o que pensava de seu absurdo ato heroico. —Teria que

ter ficado aqui, maldita seja. Acaso não sabia que eles o necessitavam mais que eu? Claro, típico

de você querer controlar a vida de outros. E além se alistou! Não, você não poderia ter ido a

França sem mais e tratar de dar comigo, não. Você, além disso teve que se alistar, para que todo

mundo soubesse que era um herói. Pois já sabem, William. Está morto e tudo por querer ser um

estúpido herói.

Se movendo a impulsos, começou a recolher o que havia na escrivaninha, e cada vez que

guardava algo insultava William.

—Cabeça-dura. —Guardou a pluma. —Presunçoso. —O tinteiro. —Teimoso. —Umas caixas

com diferentes selos.

Com a mesa já vazia, se dispôs a fazer a mesma coisa com as gavetas da mesinha de noite,

assim retornou junto à cama. Agarrou o livro de Hércules e, igual a com o caderno, o abriu. Alex

supôs que William o tinha guardado porque sua mãe costumava ler para ele antes de se deitar e,

sem saber muito bem por que, começou a repassar a história do filho de Zeus. Não foi consciente

do passar do tempo e, recostado contra os travesseiros, foi lendo até que ao voltar uma página viu

umas folhas dobradas. A abriu, esperando encontrar uns apontamentos ou notas sem

importância, mas o que viu ali o obrigou a se endireitar de repente.

Eu não gosto nada desses homens. A última vez que estive no clube tive a sensação que

vigiavam todos e cada um de meus movimentos. Deveria ter ouvido Marianne e não me colocar

nessas coisas...

Ali terminava a anotação, em uma folha arrancada do caderno marrom. Outro dos papéis

era uma lista de nomes que, curiosamente, coincidia quase em sua totalidade com a que Alex

havia entregue a Hawkslife após assistir a aquele encontro privado na mansão do duque de

Rothesay. Em que demônios William se meteu? Na terceira folha havia um desenho; três olhos e

um sinal de interrogação ao lado. O sangue de Alex lhe gelou. Onde William tinha visto o cartão de

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visita de Louva-Deus? Tinha averiguado algo mais? O que tinha acontecido de verdade em

Boulogne?

Voltou a ficar de pé e se aproximou do móvel que havia perto do vestidor. Se não lhe falhava

a memória, William sempre tinha ali uma garrafa de uísque. Em efeito, a encontrou. Se serviu um

copo e, depois de esvaziado, se serviu outro e repetiu a operação, mas ao o apartar dos lábios o

apertou com tanta força que o cristal se rompeu entre seus dedos. O mais curioso foi que não se

deu conta que sangrava até que ouviu a voz horrorizada de Irene:

—Alex! — A jovem correu a seu lado e, o agarrando pela outra mão, o separou do desastre.

—Está sangrando muito. — Com cuidado, começou a lhe tirar os cristais que tinham ficado

cravados na palma.

Ele estava aturdido. Não sentia nada, ao menos nada físico. O único que tinha era vontade

de matar ao Louva-Deus com suas próprias mãos.

—Estou te machucando? —perguntou Irene ao sentir que ele ficava tenso.

Alex baixou a cabeça, e ficou ensimesmado olhando como Irene lhe limpava as feridas com

um lenço que tinha empapado no próprio uísque.

—Assim a ferida não se infectará— ela explicou. Seguiu limpando os restos de sangue e

vidro, e quando se sentiu satisfeita enfaixou sua mão com o lenço. —Já está. —Começou a se

afastar, pois para lhe curar se aproximou muito a ele, mas Alex reagiu a tempo e rodeou sua

cintura com a mão ilesa.

Ela levantou os olhos e ele teve que tragar saliva antes de poder falar.

—Eu... obrigado.

—De nada — respondeu ela.

—Alex — balbuciou ele, sem lhe importar que se desse conta que sua voz tremia.

—De nada, Alex. — Irene disse a si mesma que ao dia seguinte já voltaria a ser lorde Wessex.

Ele fechou os olhos e a atraiu para si, sem se deter até que a teve rodeado com os braços.

—Obrigado — repetiu.

Ficou abraçando-a, tratando de respirar e de assumir que talvez a morte de seu irmão não

tivesse sido consequência da guerra. Ia encontrar Louva-Deus e quando descobrisse sua

identidade, o interrogaria antes de matá-lo. Irene o abraçou, não como quando morreu sua mãe,

mas também com doçura, e ele se sentiu um miserável por se aproveitar de sua bondade. Inalou

pela última vez o aroma a lavanda de sua juba e se afastou. Irene, nervosa, segurou as mãos.

Alex caminhou de novo para a cama de seu irmão e se sentou nela.

—Quem é Marianne? — perguntou.

—Por que quer saber? —disse Irene arqueando uma sobrancelha. —William escreveu muito

sobre ela. —Mostrou-lhe o jornal. —Eu gostaria de conhecê-la.

—Seu nome completo é Marianne Ferras, veio a Inglaterra justo uns meses depois que você

fosse.

—Compreendo.

—Retornou a França para assistir ao funeral de seu avô e ainda não voltou — continuou

Irene.

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—Quando retornar, acha que poderia me apresentar a ela? Eu gostaria de conhecer a

mulher que tinha a William tão...

—Apaixonado? — sugeriu Irene.

—Sim. Apaixonado. —A olhou aos olhos e, depois de um longo silencio, acrescentou: —Pelo

que minha irmã me disse, acreditava que William e você...

—O que? —Gostava de vê-lo tão incômodo.

—Que William e você... —Alex era incapaz de terminar essa frase.

—Não, William e eu não. Mas fomos amigos. Era o melhor amigo que já tive.

Inclusive essa frase, que não implicava nenhum sentimento romântico, despertou o ciúme

de Alex. Sentimento que teve que se obrigar a reprimir.

—Deveria ir — disse Irene, mostrando a porta que tinha deixado aberta para manter assim

as aparências.

—Claro. — Alex ia levantar da cama, mas ela o deteve. —Não, conheço o caminho.

Ele a obedeceu. Estava cansado e talvez se ficasse sentado na cama de William conseguiria

descansar um momento. Ao estar ali era como se sentisse a seu irmão mais perto e isso o

reconfortava.

—Irene — disse ele antes que esta se fosse e voltasse a levantar os muros que os

separavam, — obrigado. Obrigado por deixar que a abraçasse.

Ela se deteve um segundo junto à porta e deu meia volta. Tinha os olhos cheios de lágrimas

sem derramar, mas se negou a mostrar.

—Tenho que ir. Descansa um pouco. — E apesar de que seu senso comum lhe gritou

justamente o contrário, decidiu se arriscar e seguir os ditados de seu coração: —Eleanor vai vir

amanhã para jantar, se quiser, poderia acompanhá-la.

Durante uns segundos, Alex acreditou ter morrido e estar no céu.

—Será um prazer.

Irene saiu então do quarto e Alex estava a ponto de dormir e sonhar que sua vida podia ser

maravilhosa, quando recordou que ele não tinha direito a tal felicidade. Maldito fosse, se

esqueceu do baile de Vessey. Não ia poder ir a casa dos Morland, e seguro que Irene não ia voltar

a lhe oferecer um ramo de oliva outra vez.

Furioso com o destino, que se empenhava em torturá-lo, levantou e desceu correndo para o

estábulo. Tinha que contar a Hawkslife o de William e, se tinha sorte, talvez conseguiria convencê-

lo que o acompanhasse ao ginásio para praticar um pouco de boxe. Precisava se desafogar, e tinha

medo de que se boxeava com seu irmão Robert, não pudesse controlar os golpes. Sempre que ia

com ele fingia não ser tão bom pugilista como na realidade era, pois em sua “profissão” tinha

aprendido muitos truques. Mas se Hawkslife aceitava o acompanhar, com ele não teria que

dissimular, a não ser justamente o contrário. Griffin Hawkslife tinha cinquenta anos, mas o que

tinha perdido em força física o tinha ganho em astúcia e era sem dúvida um rival muito perigoso.

Horas mais tarde, e com a mandíbula dolorida devido ao gancho de esquerda do professor,

Alex retornou a sua casa. Evitou topar com algum de seus irmãos, mas por desgraça não teve tanta

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sorte com seu pai, que o esperava frente ao quarto de William.

—Queria te agradecer por se encarregar de tudo isto.

—De nada, papai. — Os golpes recebidos o tinham afetado mais do que acreditava, pois teve

a sensação que seu pai o olhava com algo similar ao respeito. —Posso te perguntar uma coisa?

—Claro — respondeu o homem, intrigado.

—Que tipo de vida William levava antes de ir a França? E por que se alistou no exército?

O conde sorriu levemente antes de responder:

—Já conhecia o William, sempre queria se encarregar de tudo sem pedir ajuda a outros. Nos

meses anteriores a sua partida mal o vi. Pelas manhãs saía para se reunir com nossos advogados e

se ocupava dos investimentos da família. Não sei o que fazia cedo, mas sim sei que chegava muito

tarde em casa. Mal o vi sorrir em um par de ocasiões. Quando decidiu se alistar, disse-lhe que

estava louco, mas ele me disse que o fazia por todos nós, que estava farto... — mordeu a língua.

—Que estava farto de que todo mundo dissesse que os Fordyce eram uns covardes e que eu

estava perdendo o tempo na França em vez de cumprir com minha obrigação com meu país.

Tranquilo, papai, já o ouvi antes.

—E Deus sabe quantas vezes eu mesmo o terei pensado, mas agora..., agora já não sei o que

acreditar. Inteirei-me dos os conselhos que deu a nosso advogado. Ao que parece, tinha razão.

John está muito impressionado.

—Terá sido casualidade — respondeu Alex, nervoso. —Acredito que irei me deitar, a perna

está me matando.

—É obvio. —Seu pai deu uns passos para se afastar dali, mas ao chegar ao primeiro degrau

se deteve. —Como caiu do cavalo? Pelo que vejo, é um grande cavaleiro.

—Estaria avoado, ou bêbado — mentiu ele.

—Seguro — respondeu o conde, — já vi o muito que bebe. —Desde que tinha retornado,

tinha bebido em contadas ocasiões. —Enfim, que descanse, filho.

Alex entrou em seu quarto e, depois de se despir, deitou na cama. Não fez nem sequer o

esforço de não procurar a fita de Irene, e com ela na mão pensou no muito que teria gostado de

poder contar a verdade a seu pai.

Na manhã seguinte, Alex despertou antes do normal e passou toda a manhã repassando o

jornal e a correspondência de William, procurando alguma pista que o aproximasse mais a Louva-

Deus. Pelo visto, seu irmão tinha visitado o Jackson's em um par de ocasiões, e tinha saído dali

com a mesma impressão que ele. Pelo que pôde ler, à misteriosa Marianne não gostava que

pusesse sua vida em perigo, embora, por algum motivo, tampouco queria ter nenhuma relação

com ele. Isso tinha quebrado o coração de seu irmão, e em Irene tinha encontrado a uma grande

amiga em que confiar. Mas além dessas pequenas espionagens sobre a vida sentimental de

William, Alex não encontrou nada que pudesse ser útil em sua investigação.

Foram passando as horas e sabia que cedo ou tarde teria que mandar uma nota a Irene para

lhe dizer que não ia ao jantar. Esperou até que foi inevitável, rezando para que acontecesse algo,

algo, que mudasse seus planos. Resignado, se sentou à escrivaninha de seu irmão e escreveu:

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“Lamento não poder assistir ao jantar. Surgiu um imprevisto. Alex”.

Irene passou toda a manhã com seu pai, repassando temas pendentes, pois agora que James

tinha voltado a desaparecer alguém tinha que se encarregar de todas essas coisas. O barão e sua

filha sempre se levaram muito bem e coincidiam em muitas coisas, exceto em uma: George não

parava de insistir em que se casasse com lorde Crompton. Dias atrás, Irene tinha estado a ponto

de aceitar a proposta de Richard, mas depois do da noite anterior se via incapaz disso.

Algo acontecia a Alex, algo grave; era como se sentisse que a necessitava e seu coração não

podia se negar a esse rogo. Havia algo que não encaixava. Inclusive William lhe tinha insinuado em

um par de ocasiões que acreditava que seu irmão não tinha lhes contado toda a verdade, mas

naquele tempo ela estava tão furiosa e doída que nem sequer tinha querido escutar suas teorias.

Oxalá o tivesse feito, talvez assim agora entendesse algo do que estava acontecendo.

Quando Procter, o mordomo, lhe perguntou qual seria o menu para o jantar, Irene ordenou

os pratos preferidos de Alex, e se seu pai, que seguia sentado a seu lado, se deu conta, fingiu não

ter feito. Mais tarde, tomou o chá com sua irmã, e as duas riram comentando as loucuras que o

protagonista da famosa novela da Isabella cometia por amor. Fazia muito tempo que Irene não

estava tão contente e relaxada, mas nesse instante um lacaio lhe trouxe uma nota da mansão dos

Fordyce e tudo se desvaneceu. Alex não ia ao jantar. Tinha surgido um imprevisto. Um imprevisto?

Enrugou a nota entre os dedos e repreendeu a si mesma por ter baixado suas defesas e permitir

que o muito canalha voltasse a se deslizar dentro de seu coração.

—O que acontece? —perguntou Isabella.

—Nada — respondeu ela à defensiva.

—Vamos, Ire, me diga a verdade. O que Alex tem feito? —Para passar tantas horas com o

nariz colocado entre livros, sua irmã tinha uma muito acertada visão da realidade.

—Não vai vir. —Mostrou a nota. —Ontem... — sua voz tremeu, — ontem lhe convidei para

jantar. —Contou-lhe tudo o que tinha acontecido no quarto de William. —E já vê, acreditei que,

acreditei que tinha mudado.

Isabella leu a nota e agarrou a mão de sua irmã.

—Ire, não sei, talvez sim surgiu um imprevisto. Por que não lhe dá uma oportunidade?

—Você acha que a merece, Bela? —secou uma lágrima.

—Não sei, mas você sim que merece isso. —Apertou-lhe a mão. —Não pode seguir assim.

Ou lhe dá uma oportunidade ou se esquece dele para sempre.

—Tem razão. —levantou. —Acredito que sairei ao jardim um momento.

Irene deixou a sua irmã no salão e passou um par de horas cuidando das flores que tanto

amava. Pensou no que Bela lhe havia dito, e soube que tinha razão, devia tomar uma decisão.

Guardou os utensílios de jardinagem e foi a seu quarto para se preparar para o jantar. Quando viu

seu rosto refletido no espelho, soube que não tinha nada que pensar: ia dar uma oportunidade a

Alex.

Alex foi à festa do marquês de Vessey com sua estudada máscara de jovem despreocupado.

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A esposa de Vessey estava passando uns dias com sua família, na Cornualha, então o abandonado

marido tinha decidido organizar aquele evento para se consolar. Logo que entrou no salão, Alex

viu que voltaram se a reunir os mesmos homens que tinha conhecido na casa de Rothesay. Igual a

ali, também havia umas quantas mulheres de moral leve e mesas preparadas para jogar. Alex

procurou o coronel com o olhar e quando o encontrou teve a sensação que o homem o tinha

estado observando. Caminhou para ele e o saudou com um apertão de mãos.

—Coronel.

—Wessex. Pensou no do outro dia?

O caolho não perdia tempo, e isso deu ânimos a Alex, que o interpretou como sinal de que

ganhou sua confiança.

—Sim, e estou ansioso por me unir a vocês.

—Perfeito. Tomemos uma taça e logo já conversaremos sobre os detalhes.

Juntos se dirigiram para o aparador onde estavam os decantadores de cristal e se serviram

dois whiskies mais que generosos. Levavam um par de minutos conversando quando o duque de

Rothesay os interrompeu:

—Me alegro de vê-lo, Wessex. Coronel, venha comigo, temo que há certo assunto que

requer sua atenção.

Casterlagh deixou Alex e se foi com o duque que, pelo modo em que franzia a testa, parecia

muito preocupado. De onde estava, Alex não pôde escutar nada do que diziam, mas sim pôde ler

os lábios do coronel e soube que, fosse o que fosse o que os deixava tão inquietos, este devia ir

correndo ao botequim A Sereia para reunir com alguém.

—Ao que parece, nosso último correio foi interceptado — disse o duque. —Os franceses

começam a desconfiar de nós, e isso não podemos nos permitir.

—Tranquilo, diz que o enviado do imperador ainda segue no botequim? — perguntou o

coronel e, depois de ver ao outro homem assentir, continuou: —Então, esta mesma noite irei me

reunir com ele. Você se assegure que aqui tudo está controlado. —Apontou para Alex, que fingia

emprestar atenção ao que lorde Waldorf, outro dos assistentes, estava lhe contando. —Wessex

parece despreocupado, mas ainda não estou de tudo convencido que seja de confiar.

—É — lhe assegurou o duque. —Mas tranquilo, o terei vigiado. Casterlagh saiu da mansão e,

montado em seu cavalo, se dirigiu A Sereia, um botequim que estava justo nos subúrbios da

cidade. Tinha que convencer ao enviado de Napoleão que podiam seguir contando com eles e de

que o daquele correio tinha sido só uma coincidência. Havia muito em jogo.

Alex seguiu conversando com Waldorf sobre as injustas que eram com o nobre as reformas

sociais que estavam começando a se levar a cabo no país, e Alex tratou de controlar a vontade que

tinha de lhe dar um murro. Tinha que encontrar o modo de sair dali sem levantar suspeitas; olhou

a seu redor e quando uma das cortesãs lhe sorriu, teve uma ideia. Aproximou-se dela com um

sorriso nos lábios e lhe sussurrou ao ouvido o que queria que fizesse. A mulher o olhou aos olhos,

surpreendida, e por sua careta de decepção, foi mais que evidente que esperava que Alex lhe

pedisse outra coisa, mas dada a natureza prática e mercantil de sua profissão, sorriu e aceitou.

Rodeou-lhe o pescoço com os braços e começou a beijá-lo, se mantendo afastada de seus lábios,

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tal como ele tinha pedido. Sentou-se em cima dele, e fingiu estar encantada com o que acontecia.

Alex fechou os olhos, e se meteu em seu papel; percorreu as costas da mulher com as mãos e

jogou a cabeça para trás, como se estivesse desfrutando de cada momento. Passados uns minutos,

afastou à dama em questão e, a rodeando pela cintura, se aproximou de seu anfitrião.

—Vamos — disse Alex, insinuando que queria estar a sós com sua acompanhante.

—Vá, por fim se animou, Wessex. Começava a me preocupar.

Ele se limitou a sair dali levando a cortesã com ele, e não a soltou até que os dois estiveram

sentados na intimidade de sua carruagem.

—Está seguro que não quer nada mais, milord? —perguntou ela o percorrendo com o olhar.

—Seguro, sua atuação foi muito satisfatória.

—Isso o dirá por você, eu não estou absolutamente satisfeita. E é uma lástima, asseguro que

poderia fazer todos seus sonhos realidade.

—Duvido. — Ajustou bem o casaco. —Mas obrigado. —Golpeou o teto da carruagem para

indicar ao chofer que se detivesse. —Lhe diga a direção e a levará a sua casa. —Entregou-lhe uma

pequena fortuna. —De novo, obrigado por sua colaboração, e recorde, se alguém lhe perguntar,

esta foi uma das melhores noites de sua vida. Não esqueça que se me trai saberei onde a

encontrar.

—É obvio, milord. —Ela aceitou o dinheiro, e quando ele abriu a porta para sair,

acrescentou: —Serei uma tumba, e se algum dia volta a necessitar de meus serviços, ou de outros

mais completos, não duvide em me visitar.

Alex abandonou sua carruagem e a sua peculiar convidada a meio quilômetro do botequim.

Por sorte, a reputação de A Sereia era conhecida por todos, e ele mesmo tinha estado nesse local

em várias ocasiões para apanhar a algum malfeitor. Ao entrar, pediu uma cerveja e se esforçou

por se confundir com o resto dos clientes. Seguro que o coronel já estava ali, mas não o via por

nenhum lado. Talvez estivesse em uma das habitações que havia no andar superior. Esperou uns

minutos, e já ia subir quando a porta se abriu de repente e entraram um par de homens falando

em francês. Os tipos em questão trocaram ao inglês ao notar os ferozes olhares com que foram

recebidos, e se aproximaram para perguntar algo ao proprietário do local. Depois de escutar a

resposta, entregaram a ele umas moedas e se dirigiram acima.

Alex não teve nenhuma dúvida que aqueles dois eram os convidados que o coronel estava

esperando e os seguiu. Por sorte, a norma básica de conduta que imperava em A Sereia era que

ninguém se misturava nos assuntos de outros, então, nenhum dos presentes prestou atenção ao

que fazia.

Ficou no corredor, escutando, e pôde ouvir como o coronel assegurava aos tipos que tinham

a situação sob controle e que seguiriam adiante com o combinado, mas ambas as partes foram

precavidas o suficientemente para não mencionar detalhes mais concretos. Depois de um par de

insultos velados e ameaças não tão ocultas, os franceses abandonaram o botequim e Alex decidiu

segui-los. Ao coronel já sabia onde encontrá-lo, mas queria se assegurar que os outros não iam

visitar ninguém mais.

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Irmandade do Falcão 01

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Montaram em seus cavalos e a Alex não ficou mais remédio que roubar um para ele. Não era

a primeira vez que para cumprir sua missão tinha que delinquir de algum jeito, mas roubar os

cavalos de outro homem sempre o tinha incomodado especialmente. Se alguém levasse a seu

Casio teria que se ver com ele. Os franceses se detiveram frente a um dos prostíbulos mais

prestigiosos da cidade e Alex soube que ia ser uma noite muito longa. Se escondeu entre as

sombras do beco que dava justo diante da casa e ficou ali a esperar que saíssem. Ao amanhecer, e

quando já quase não se sentia a perna de tanto que lhe doía, os tipos abandonaram o local com

um sorriso de orelha a orelha e se dirigiram a um hotel. Alex entrou atrás deles e deu uma

generosa gorjeta a um empregado para que lhe dissesse os nomes daqueles hóspedes e o avisasse

se abandonavam o estabelecimento.

Antes de retornar a sua casa, fez uma última parada e escreveu uma mensagem a Hawkslife

com os nomes dos franceses. Parou um menino que passava pela rua e lhe deu as duas moedas

que ficavam em troca de que entregasse a nota. O guri, que não podia acreditar em sua sorte,

correu veloz a cumprir seu encargo. Montado no cavalo negro que a essas alturas já se acostumou

a seu novo amo, Alex iniciou por fim o caminho de volta. Se tivesse sorte, talvez pudesse entrar

antes que o pai e seus irmãos descessem para tomar o café da manhã.

Irene estava tão nervosa por saber o que teria acontecido a Alex para não comparecer ao

jantar, que despertou muito cedo e, sem pensar duas vezes, se vestiu e foi a casa dos Fordyce.

Quando Reeves abriu a porta e a viu ali tão cedo não disse nada a respeito — o mordomo era a

discrição personificada, — indicou-lhe que podia esperar no salão e se ofereceu para guardar seu

casaco. Estava ali, no vestíbulo, desabotoando-lhe quando a porta da entrada voltou a se abrir e

entrou Alex com manchas de batom no pescoço da camisa e na cara, e com aspecto de não ter

dormido nada.

Ele ficou olhando-a, e logo que se deu conta do que Irene estava vendo, deu um passo para

ela.

—Lady Morland, necessita que a ajude com o casaco? — Reeves perguntou então.

—Não, não se preocupe. Não será necessário. —Voltou a fechar os botões. —Já retornarei

mais tarde.

O mordomo lhe fez uma reverência e se retirou.

Alex era consciente de que Irene queria partir, mas dado que ele estava bloqueando a porta,

não podia fazê-lo, e decidiu aproveitar a situação.

—Já vejo que tipo de imprevisto teve que atender ontem à noite, lorde Wessex — disse ela,

apontando as manchas de batom.

—Irene, não é o que imagina — respondeu ele, a falta de outra desculpa. —Deixa que lhe

explique.

—Você não tem que me explicar nada, lorde Wessex. —Respirou fundo e ajustou bem as

luvas. —Espero que tenha um bom dia. —Tratou de esquivá-lo, mas ele a agarrou pelo braço. —

Me solte.

—Não, não penso fazê-lo — respondeu doído que estivesse tão predisposta a pensar mal

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dele. Na verdade todos os indícios estavam em seu contrário, mas ela nem sequer ia deixar que se

explicasse. —Me escute um segundo, por favor.

—Não. Nem um segundo mais. — Se soltou furiosa. —Nem um segundo mais.

—Irene, não vá assim. — Ao ver que abria a porta, saiu atrás dela. —Me escute.

—Onde esteve ontem à noite? —perguntou Irene sem poder remediar.

—Na casa de lorde Vessey — respondeu ele, disposto a lhe contar tanto como fosse possível.

—E essas manchas do que são? —Alex se manteve em silêncio e ela continuou: —Não, não

me diga isso, não quer falar disso. —Levantou as mãos, furiosa consigo mesma.

—Sim, sim quero falar disso.

Essa frase a deteve em seco.

—Pois agora sou eu que não quer, lorde Wessex.

Ele voltou a segurá-la pela mão e ela o olhou aos olhos.

—Não se afaste de mim, Irene.

Havia algo em seu olhar que lhe rompeu o coração, mas ela já não podia mais, só fazia umas

semanas que tinha retornado e sua vida já voltava a estar alterada. Tinha chorado mais nos

últimos dias que nos cinco anos anteriores.

—Alex — sabia que se queria que a escutasse tinha que lhe dar algo, — me solte, por favor.

Deixa que vá. —Estava lhe pedindo muito mais. —Deixa que siga com minha vida. Segue com suas

condessas, vocês... —Mostrou o carmim —… o que sejam. Mas não volte a se aproximar de mim,

não volte a me abraçar e não volte a me olhar deste modo.

—Eu... —Alex não podia nem pensar. Se ela o abandonava, se se negava a falar com ele, a

vê-lo, sua vida deixaria de ter sentido. — De acordo. Não voltarei a fazê-lo. —Ia solta-la, mas

pensou melhor. —Só te peço uma coisa.

—O que quer?

—Podemos ser amigos? —Viu que ia se negar e o impediu. —Você e William foram amigos e

acredito que de pequenos você e eu o tínhamos sido. Não quero que deixe de ver a Eleanor por

minha culpa. —Estava disposto a recorrer a todas suas armas.

—Está bem, tratarei de ser sua amiga. E agora, por favor, me solte. Não queria armar um

escândalo.

Alex a soltou e deu um passo atrás.

—Acredito que entrarei em casa, deveria trocar de roupa antes que meu pai e minha irmã

me vejam.

—Claro. Adeus.

Irene se afastou dali, decidida a esquecer Alex Fordyce de uma vez por todas.

CAPÍTULO 11

Alex pôs um pé diante do outro e se obrigou a retornar a sua casa e se afastar de Irene. Era

irônico. Ela estava convencida de que passou a noite pulando com uma mulher, quando, na

realidade, não tinha podido suportar que outra o tocasse. No passado, desejou mil vezes que Irene

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se apaixonasse por outro, desejou que conhecesse outro homem e fosse feliz com ele, embora

isso destroçasse sua alma. O melhor que podia fazer era deixá-la em paz. Mas quando a via, se

esquecia de todos esses desejos tão nobres e a queria só para ele. Entrou em seu quarto e tirou a

camisa manchada de batom. Asseou-se e colocou roupa limpa antes de descer para tomar o café

da manhã. De nada serviria que tratasse de dormir, então decidiu que passaria a manhã com seu

pai e logo iria ver Hawkslife para comentar os passos que iam dar depois dos novos

descobrimentos.

Robert estava tomando o café da manhã, e pela quantidade de comida que tinha diante dele

se diria que ia caçar ursos, no mínimo. Certo que o jovem ainda estava em plena efervescência

juvenil, mas Alex temeu que semelhante banquete fosse lhe sentar mau.

—Você vai comer tudo isto sozinho? —perguntou, levantando as sobrancelhas.

—Sim, ontem não jantei e hoje me espera um dia muito longo — respondeu seu irmão

comendo um bocado.

—Ah, sim? —Alex se sentou e agarrou um pão-doce antes que se acabassem.

—Sim, antes que William se fosse, me pediu que o ajudasse com certos assuntos.

—Que assuntos?

—Nada que possa te interessar. — Robert bebeu um pouco de café. —Me disseram que

você ficou muito amigo de Vessey e Sheridan. Por que será que não estranho?

—Não deveria acreditar em tudo o que dizem, Rob. — Alex também bebeu. — Esses

“assuntos” nos que William te pediu que o ajudasse, têm algo a ver com navios e envios de

dinheiro a Espanha e França? — depois de ler o caderno de seu irmão, Alex tinha chegado à

conclusão que William esteve levando a cabo uma espécie de investigação.

—Por que pergunta?

—Porque se for assim, eu gostaria de te ajudar. — Viu que Robert o olhava com os olhos

entrecerrados. —Lembra de quando era pequeno e você gostava tanto de subir nas árvores?

—Sim. —A lembrança fez sorrir ao mais novo dos Fordyce. —E quando ficava apanhado

acima era incapaz de saltar.

—Mas o fazia.

—Só porque abaixo estava você para me agarrar — respondeu Robert, e em seguida se

arrependeu de tê-lo feito.

—Então confiava em mim. — Alex procurou seu olhar. —Volta a fazê-lo.

Seu irmão não disse nada e terminou a xícara de café. Logo se levantou e se separou da

mesa, mas ao chegar à porta disse:

—Vou a meu quarto procurar umas notas. O espero no vestíbulo.

Só os anos de treinamento impediram que Alex começasse a saltar como um idiota.

Aproveitou esses minutos para procurar seu pai e lhe dizer que passaria a manhã com Robert, e o

homem não pôde ocultar a surpresa que lhe causou a noticia. Nem tampouco a satisfação que o

invadiu.

Alex foi a seu quarto para pegar uma pequena adaga que sempre levava em suas missões e

quando chegou ao vestíbulo Robert já estava ali.

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Os irmãos Fordyce foram ao porto na carruagem da família e, durante o trajeto, Robert

contou a Alex que, meses antes de partir para a França com o exército, William tinha estado

vigiando um navio em concreto; o Noite de Tormenta. Segundo William, nesse navio ocorria algo

estranho, pois sua tripulação ia sempre armada até os dentes e as autoridades portuárias tinham

sido incapazes de lhe dizer o que transportavam ou quem subia a bordo. William tinha se

informado de tudo aquilo quase por acaso, explicou Robert a Alex. Tudo começou uma noite em

que, em uma festa, William se interpôs entre Sheridan e uma dama grávida a que não achava

graça nos avanços do filho do duque. William, que era valente, mas não idiota, esclareceu o

jovem; se limitou a convencer Sheridan de que forçar a uma garota grávida não era o que mais

convinha e este, resignado e bêbado, permitiu que o acompanhasse de retorno a sua casa. Ao

chegar à mansão, e após depositar Sheridan em um sofá, William ouviu uma conversação entre o

duque e outro homem. Em dita conversação, ambos faziam referência à fortuna que iam ganhar

graças a seu “amigo francês” e mencionavam o nome de Noite de Tormenta. Talvez William teria

se esquecido de tudo, se não fosse porque, entre risadas, os dois homens zombavam de David

Faraday, o diplomático inglês e melhor amigo de William.

Alex, que escutava atento o relato do Robert, teve que fechar os punhos para não golpear

algo. William tinha se metido na boca do lobo. Se supunha que, ao ser o mais velho, ia cuidar de

sua família e que o papel de louco temerário ficava para ele, que para isso era dispensável.

—Na realidade — prosseguiu Robert, — William terminou por se esquecer da conversação,

mas um mês mais tarde, quando David Faraday apareceu morto em sua casa, a recordou.

Demorou semanas para averiguar o que era exatamente Noite de Tormenta e após descobrir que

se tratava de um navio começou a vigiá-lo cada vez que este atracava em Londres.

—E quando te contou tudo isto? — perguntou Alex, desejando ter estado ali naquele tempo.

—Um dia, depois de semanas pensando que William estava metido em uma confusão, o

segui até aqui. —Apontou os moles aos que acabavam de chegar. —Vi que falava com um par de

marinheiros e que logo tomava nota da conversação. Toma, são estes papéis. —Entregou-lhe

umas folhas. —Ao chegar a casa, o encurralei e ele terminou por me contar. Ao que parece, estava

decidido a averiguar quem tinha matado David, mas como tinha que ir a França — o olhou aos

olhos e Alex se moveu incômodo, — me pediu que seguisse eu com a vigilância do navio.

—E seguiu fazendo-o inclusive depois de se inteirar da morte de William?

—É obvio — respondeu seu irmão, ofendido. —E tenho toda a intenção de continuar com

isso. William queria saber quem tinha assassinado a seu melhor amigo, nunca se acreditou a teoria

da polícia.

—Que teoria? — perguntou Alex com curiosidade.

—Ao que parece, na casa de David faltavam várias coisas, papéis e não sei que mais, e

deduziram que os ladrões tinham entrado para roubar e que, ao se verem surpreendidos, o

mataram.

Papéis? Que tipo de ladrão rouba papéis tendo joias a seu alcance? David pertencia a uma

das famílias mais enriquecidas da cidade. Se a memória de Alex não falhava, David Faraday, além

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de diplomático, era um grande estrategista, e seguro que o primeiro-ministro o tinha consultado

sobre vários temas em relação a guerra com a França. Seus papéis seguro que não eram papéis

qualquer.

—Sabe se tinham alguma prova?

—Não, mas William estava obcecado com um cartão que encontrou no escritório de David

uns dias mais tarde, quando foi visitar sua família.

O pelo de Alex se arrepiou.

—Que tipo de cartão?

—Eu não cheguei a vê-lo, mas acredito que nas notas que te dei está desenhado.

Alex passou as folhas a toda velocidade, perfeitamente consciente do que estava

procurando.

—É esta? —Deu a volta ao papel para que seu irmão mais novo pudesse ver o desenho.

—Sim. O que acha que quererão dizer estes três olhos?

—Não sei, mas vou averiguar. —Alex guardou as notas no bolso interior de seu casaco e

olhou para Robert. —Obrigado por me contar tudo isto, Robert.

—Alex, o que estava fazendo na França? — se atreveu a perguntar o jovem, depois de uns

segundos de silêncio. —Nunca contei ao William, mas uma noite o ouvi falar com Marianne Ferras

e lhe dizia que não acreditava nada do que lhes tinha contado.

Alex apertou a mandíbula.

—Acaso importa agora? A verdade é que estava na França e não aqui.

—De acordo. Faz dias, me disse que já me desculparia quando de verdade queria fazê-lo.

Pois bem, eu te digo o mesmo; já me contará a verdade quando quiser.

Vá, Robert não só tinha um grande gancho de direita, mas também tinha caráter, pensou

Alex orgulhoso.

—Vamos, será melhor que entremos no botequim para falar com esses tipos. Acredito que

conseguirei os convencer de que nos contem algo. —E após essa frase, Alex abriu a porta da

carruagem.

—Nosso jovem detetive hoje vem acompanhado — balbuciou o fornido valentão entre

dentes. —Acha que ao chefe importará que haja testemunhas?

—Não acredito que goste muito — respondeu seu cupincha.

—Vá, pois então também teremos que lhe matar — disse o primeiro, sorrindo e cheio de

satisfação.

Robert estava tratando de dar com alguém o suficientemente sóbrio para que pudesse

responder a umas perguntas, quando Alex teve a sensação de que os estavam observando. Olhou

a seu redor e em um primeiro momento não viu nada estranho, mas em uma segunda inspeção

descobriu a dois indivíduos que fingiam estar bêbados. Um deles, consciente de que tinham sido

descobertos, desencapou uma pistola e Alex, sem pensar, se colocou frente a Robert. Tudo

aconteceu muito rápido; os gritos, o aroma de pólvora, a sensação de que seu braço ia estalar de

dor. Mas Alex reagiu do único modo que sabia, e saiu correndo atrás dos suspeitos.

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Demorou menos de dois minutos para apanhar ao primeiro e deixá-lo inconsciente de um

murro justo na porta do botequim onde estavam, mas o segundo conseguiu fugir. Alex o perseguiu

através do mole, mas como não queria deixar Robert sozinho, retornou sobre seus passos. Dava

igual. Enquanto tivesse a um ao que pudesse interrogar, o outro podia ir ao próprio inferno.

Aqueles desgraçados tinham tratado de matar seu irmão.

—Alex! — exclamou Robert correndo a seu lado logo que o viu chegar. —Está bem? —Olhou

preocupado a ferida do braço, que não parava de sangrar.

—Não é nada. Onde está esse cretino? — perguntou, procurando com o olhar ao homem em

questão.

—Ali, onde você o deixou.

Alex caminhou para ele e o levantou, o agarrando pelas lapelas do puído traje que usava.

—Acordado! —Sacudiu-o sem nenhuma delicadeza e, dado que o homem não reagiu, optou

por mudar de tática e o arrastou para fora, onde havia um barril cheio de água. —Acordado! —

exigiu de novo após lhe inundar a cabeça uns segundos.

Isso sim conseguiu o efeito desejado e o outro, depois de um ataque de tosse, abriu os

olhos.

—Vejamos — disse Alex, o apoiando contra uma parede. —Como se chama?

—Smitty — respondeu, cuspindo água.

—Muito bem, Smitty, quem o enviou? — O reteve com uma mão enquanto com a outra

desembainhava sua adaga. —E o advirto que se mentir começará a me tremer o pulso. —Apoiou a

lâmina contra a jugular do tal Smitty.

—O capitão do Noite de Tormenta.

Ao que parece, esse capitão não tinha sabido ganhar a lealdade de seus homens.

—Por que? — Alex apertou a ponta até fazê-la sangrar um pouco. Era uma ferida superficial,

mas nessa zona qualquer laceração sangrava profusamente.

—Não sei.

—É uma lástima, Smitty, porque se já não pode me ser útil...

—Eu juro, não sei. Só sei que não queria que o guri seguisse fazendo perguntas.

—Olhe, Smitty, parece ser um homem preparado — continuou Alex com sua voz mais letal,

—então vou te propor um trato; você me deixa entrar no Noite de Tormenta quando se produzir a

nova reunião e eu o deixo viver. O que te parece?

E outro não pensou nem um segundo.

—A reunião é amanhã. Venha aqui às oito. Alex afastou a adaga um pouco.

—Se mentir, ou montar uma armadilha, não o matarei. Primeiro matarei sua família, um a

um, logo destroçarei sua vida, e quando já não puder resistir mais, me suplicará que o mate. —Viu

que o homem tragava saliva e acrescentou: —Entendeu?

Smitty assentiu e Alex o soltou.

—Nos vemos amanhã.

O marinheiro saiu correndo e Alex se voltou. O de Smitty tinha sido pão comido, mas

enfrentar Robert, que o estava olhando como se lhe tivessem crescido duas cabeças, sim que ia

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ser todo um desafio.

Robert se aproximou dele a grandes passos; tinha a respiração acelerada e era óbvio que

estava tratando de entender o que acabava de presenciar. Alex ia falar, mas seu irmão levantou

uma mão e o deteve.

—Só tenho três perguntas: uma, por que diabos ficou na minha frente? Poderiam ter te

matado, e o que faço eu sem você e sem William? Deus, que diabos esteve fazendo na França? E

não se atreva a me dizer que foi de festa em festa, e três, desde quando sabe boxear assim? Por

que não me ensinou?

—Isso são cinco perguntas, Robert. Deveria aprender a contar.

Seu irmão sorriu e lhe recordou ao menino de dez anos que subia às árvores e logo não sabia

descer.

—Vamos, se apoie em mim, entre o braço e a perna parece uma calamidade.

Para variar, Alex lhe fez caso e deixou que Robert o ajudasse a subir à carruagem. A verdade

era que a ferida do braço lhe doía muitíssimo. A bala tinha entrado e saído, mas a ferida sangrava

bastante e começava a se enjoar. Seu irmão passou todo o caminho de volta o insultando por ter

ficado diante dele, e Alex o permitiu, com a esperança de que ele esquece todas aquelas

perguntas que acabava de lhe formular.

Chegaram em casa e justo ao descer da carruagem, viram que Eleanor, Irene e Isabella

acabavam de chegar também à mansão. Tanto Alex como Robert rezaram para que não os vissem,

mas sua irmã foi saudá-los e não tiveram escapatória. Alex não sabia se era a perda de sangue, a

falta de sono ou o cansaço emocional de todos aqueles dias, mas teve um leve desvanecimento e,

se não fosse por seu irmão, teria caído de bruços ao chão.

—Alex! — exclamaram Irene e Eleanor em uníssono.

Ele tratou de se incorporar, mas quando sem querer Robert o segurou pelo braço, a dor o

impediu. O sangue, que até então o feltro negro de sua jaqueta tinha oculto, se fez visível na

camisa branca.

—Meu Deus!, está sangrando —exclamou Irene, e correu a seu lado sem lhe preocupar o

que alguém pudesse pensar. —O que passou?

—Nada — começou a dizer ele, mas seu irmão o interrompeu.

—Dispararam nele. O muito imbecil se pôs diante de mim.

—Robert! Voltou a ir ao porto? — perguntou irada Eleanor.

—Ela também sabe? — Alex não dava crédito. Seus irmãos estavam todos loucos.

Possivelmente o melhor seria que desmaiasse.

—Não, não sei nada — respondeu Eleanor ofendida. —O único que sei é que William ia ali, e

que morreu, e não quero que você nem Robert vão. Está claro?

—Se importariam de discutir isso logo? — perguntou Isabella, que, ao que parece, era a

única capaz de manter a calma. —Seu irmão está se sangrando.

—Claro, perdão — disseram os dois de uma vez.

—O levemos ao salão —propôs Robert. —Chamarei um médico.

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—Não. —Alex o deteve. Quanto menos gente soubesse o acontecido, muito melhor. Além

disso, ele tinha prática em se curar de feridas de bala. —Eu não gosto dos médicos.

Seu irmão ia discutir, mas bastou o olhar aos olhos para saber que seria uma perda de

tempo.

—Ao menos deixa que lhe limpem a ferida, poderia se infectar.

Robert o ajudou a sentar em um sofá e logo foi pedir a Reeves que trouxesse água quente e

umas toalhas. O mordomo demorou uns minutos, e quando apareceu, na bandeja levava os

utensílios solicitados e um generoso copo de uísque.

—Obrigado, Reeves, você sim que me entende.

O homem assentiu com a cabeça e abandonou de novo o salão.

Irene, que Estranhamente se manteve em silencio até então, voltou a falar:

—Se importariam de nos deixar sozinhos, por favor?

Robert, Eleanor, Isabella e o próprio Alex a olharam surpreendidos.

—Se importariam de nos deixar sozinhos, por favor? —repetiu, olhando para Alex. —Eu

limparei a ferida dele. Eleanor, você enjoa com o sangue, e Isabella demoraria menos de dois

segundos em desmaiar. E você, Robert, tampouco correria melhor sorte.

O jovem ia replicar, quando seu irmão mais velho disse:

—Esperem fora, por favor.

As duas amigas e Robert saíram dali olhando uns aos outros com cara de assombro, mas

também com um sorriso de cumplicidade. Irene esperou até que o último fechasse a porta e se

aproximou devagar até onde Alex estava sentado. Quando esteve a escassos centímetros dele, se

agachou ligeiramente para que suas cabeças ficassem à mesma altura e poder olhá-lo aos olhos.

Ficou assim uns segundos e então lhe disse furiosa:

—Jamais volte a fazer algo assim.

E o beijou.

CAPÍTULO 12

Irene o estava beijando. Estava furiosa e o estava beijando como se não existisse o amanhã.

Alex demorou um pouco a reagir, pois sua mente teve que discernir que não estava sonhando,

que de verdade eram os lábios dela os que estavam acariciando os seus, sua língua a que estava

percorrendo o interior de sua boca, seu fôlego o que lhe roçava a pele. Irene deslizou os dedos

pela nuca de Alex e quando os afundou em seu cabelo, Alex teve que se esforçar por não ronronar

como um gato. Moveu a cabeça para aprofundar o beijo, para poder saboreá-la melhor e lhe deu

de presente um suspiro do mais profundo de seu ser. Com o braço que não tinha ferido lhe

rodeou a cintura e a atraiu mais para ele, tudo isso sem deixar de beijá-la, sem deixar de

atormentá-la com sua língua, seus dentes, seus lábios. A jovem lhe soltou a nuca e baixou as mãos

por seus braços, mas justo então ele incrementou a profundidade do beijo e ela reagiu apertando

os dedos. Em outras circunstâncias, não lhe teria importado, que ela o abraçasse com força;

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justamente o contrário, isso era bom sinal, mas os dedos de Irene se afundaram em sua ferida e

Alex não pôde evitar uma careta de dor.

—Sinto muito — disse ela ao se afastar.

—Não se preocupe — respondeu sem soltá-la.

—Sinto ter te beijado — acrescentou ruborizada. —Não deveria tê-lo feito.

Alex sentia que ela lamentasse. Por um beijo como aquele estava disposto a receber cem

balaços se era necessário.

—Irene... —ia dizer que não se desculpasse, mas ela o interrompeu e não o deixou fazê-lo.

—Não diga nada. O melhor será que o esqueçamos.

“Como se isso fosse possível”, pensou Alex.

—Como quiser — optou por dizer. —Será melhor que vá, tenho que limpar minha ferida.

—Nem sonhe, deixa que o ajude — se ofereceu ela. —Desabotoe a camisa. — O rubor de

antes aumentou até limites inconcebíveis.

Alex, que nunca se atreveu nem a imaginar escutar essa frase, obedeceu imediatamente.

Irene, que até então tinha estado ocupada preparando as toalhas, deu meia volta e ficou

hipnotizada vendo como Alex desabotoava os botões. Um a um. Muito, muito devagar. Tinha os

dedos fortes, compridos e elegantes, e umas mãos firmes, cobertas com o pelo justo para deixar

claro que não eram as mãos de um menino, a não ser as de um homem. Se deu conta que estas

lhe tremiam e isso a fez reagir. Seguro que o braço lhe doía muito mais do que deixava entrever.

Aproximou-se dele e, sem dizer nada, terminou de desabotoá-lo ela. A respiração de Alex se

acelerou, e manteve o olhar fixo nas mãos femininas, desejando poder imortalizar aquela imagem

em sua memória, em suas lembranças. Ao chegar ao último botão, Irene lhe abriu a camisa. Ele

acreditou que logo se afastaria, mas parecia fascinada com seu torso. Baixou a vista para ver o que

a tinha tão intrigada e então se lembrou de todas as suas cicatrizes. Ia dizer algo, mas quando lhe

começou a percorrer cada uma das linhas brancas com um dedo tremulo, perdeu a capacidade de

pensar, de raciocinar, de viver sem ela. Depois de percorrer a última, uma que ia da costela

inferior direita até o umbigo, presente de um soldado prussiano, Irene inclinou ligeiramente a

cabeça e lhe deu um beijo no oco do pescoço, justo ao lado do ombro, na única cicatriz que não

era obséquio da guerra. A que tinha feito jogando um dia com ela no jardim. Alex sabia que tinha

que dizer algo. Isso, ou acabaria por lhe fazer amor ali mesmo.

—O que é isto? —perguntou a jovem, resolvendo assim o dilema.

—O que? — Ele girou a cabeça para o ombro que ela estava olhando.

—Isto. —Tocou o falcão. — É um desenho?

—Uma tatuagem — respondeu Alex após pigarrear.

—Eu gosto. —Percorreu a ave de rapina com lentidão e ele se arrepiou.

—Irene, deveria ir. —Vê-la tocar o falcão o fez recordar o que era e os perigos que

comportava. —Eu mesmo lavarei a ferida.

—Não, acaso acha que não posso fazê-lo? — perguntou para provocá-lo, mas Alex não a

deixou pegar a toalha.

—Não, quem não pode sou eu. —Respirou fundo e a olhou aos olhos. —Lembra do que me

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Irmandade do Falcão 01

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disse esta manhã? Se quiser que cumpra com minha promessa, tem que ir. Agora.

Mas ela não se moveu, e seguiu lhe acariciando o braço ferido.

—Voltarei a ir — disse Alex como única saída, e dessa vez Irene sim reagiu e deteve suas

carícias. —Não sei quando, mas retornarei a França. —Não sabia se o faria ou não, mas antes de

poder expor um futuro tinha que averiguar quem era Louva-Deus e acabar com ele, e não queria

mesclá-la em tudo aquilo.

Irene por fim pareceu entendê-lo, e deu um passo atrás. E logo outro. E outro, até alcançar a

porta. Ali lhe deu as costas e, com a mão no trinco, sussurrou:

—Não volte a se pôr em perigo, Alex. Embora não volte a te ver jamais, não suportaria a

ideia de viver em um mundo no que você não estivesse.

O clique do fecho voltando para seu lugar o recordou que estava sozinho. Quanto fazia que

Irene se foi, levando consigo o pouco que ficava de seu coração? Um minuto? Duas horas? Ao que

parece, Robert e Eleanor tinham decidido deixá-lo a sós um momento mais, solidão que ele

agradeceu profundamente. Limpou a ferida com movimentos precisos, adquiridos após anos de

prática e antes de prosseguir com a cura, bebeu o copo de uísque que Reeves tinha levado.

Esfregou os olhos, e se disse a si mesmo que a ardência que sentia neles se devia ao álcool, que

tinha ingerido muito rápido. Embora custou um pouco, ficou em pé e se aproximou da chaminé.

Era muito mais cômodo cauterizar uma ferida em sua casa que em meio de um descampado

francês, pensou com um sorriso. Agachou-se e agarrou o ferro que os lacaios utilizavam para

remover os troncos e avivar assim as chamas. Levantou-o e o manteve em cima de uma língua de

fogo. Quando o ferro começou a mudar ligeiramente de cor, soube que já estava preparado e, sem

se alterar, aproximou o metal à ferida. Isso ia doer, mas uma parte dele ansiava sentir dor. Talvez

assim se daria conta que não estava morto por dentro. Apertou com força o ferro contra o orifício

de entrada da bala e apertou os dentes para não gritar. A ferida se fechou e Alex lançou o utensílio

ao chão sem nenhum olhar.

Retornou ao sofá cambaleando e, com mãos trêmulas, voltou a fechar a camisa. Não queria

que seus irmãos vissem o mapa de cicatrizes que era seu torso. Fechou os olhos e, ao sentir a

umidade que se acumulava neles, disse a si mesmo que era devido à dor da ferida, não ao beijo e a

despedida de Irene.

Irene foi procurar a irmã, que estava com Eleanor e Robert em outro dos salões da mansão

dos Fordyce, e sem dizer nada lhe pediu que retornassem a sua casa. Isabella, consciente dos

sentimentos que Alex despertava em Irene, se despediu de seus anfitriões e correu a seu lado. Na

carruagem, nenhuma das duas disse nada e a mais nova dos Morland supôs que sua irmã mais

velha necessitava o silêncio para se recompor. Não sabia o que tinha ocorrido, mas o olhar de

Irene era ainda mais triste e apagado que de costume. Estavam já a ponto de chegar quando esta

falou:

—Me disse que voltará a ir. —Manteve o olhar fixo no infinito para ver se assim conseguia

não chorar.

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Irmandade do Falcão 01

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—Quando? — perguntou Bela, o quem já sabia.

—Não sei.

Voltaram a ficar em silêncio e a carruagem se deteve frente à porta de sua casa. Um dos

lacaios as ajudou a baixar e, logo que entraram, seu pai foi recebê-las para lhes contar que tinha

chegado uma carta de James. O barão tinha muita vontade de ler para elas mas lhe bastou um

olhar a sua filha mais velha para saber que algo muito grave tinha passado.

—Você está bem, Irene? —perguntou preocupado, e ao ver que ela não respondia olhou

para Isabella.

—É pelo Alex — respondeu a pequena. —Esta manhã ele e Robert foram assaltados no porto

e recebeu um balaço. Por sorte, a ferida não foi muito grave, embora tenha sangrado muito.

George Morland escutava o relato de sua filha com muitíssima atenção. Ele nunca tinha

acreditado que Alex estivesse no continente se divertindo, mas dado que todo mundo estava

convencido de que assim era, com os anos assumiu que talvez tivessem razão.

—Irene o curou — seguiu Isabella. —E quando saiu do salão onde o tem feito, já estava

assim. —Apontou para ela.

—Obrigado, Bela — disse o homem. — Como sempre, sua explicação foi muito detalhada —

acrescentou com um sorriso.

Quando sua filha pequena decidia se afastar de seus adorados livros, era todo um

terremoto.

—Estou bem, papai. Não se preocupe — disse Irene. —Acredito que irei descansar um

momento.

—De acordo. — O homem a deixou passar. —Mas se necessitar algo, venha me buscar.

—Farei papai. —Deu-lhe um carinhoso beijo na bochecha e se foi a seu quarto.

O barão leu a carta de James para Isabella; ao que parece, o jovem tinha decidido ir passar

uma temporada na Escócia e se esqueceu de comentar. James, apesar de ter trinta e dois anos,

ainda se comportava como se tivesse vinte. Isabella, feliz por ter por fim notícias de seu irmão,

deu também um beijo em seu pai e disse que ia ao salão para ler um momento. George, por sua

parte, optou por ir a seu escritório e repassar uns documentos, mas ao sentar em sua poltrona se

deu conta de que não podia tirar da cabeça a suspeita de que o que tinha passado a Alex Fordyce

era algo mais que um simples assalto e que o jovem era muito mais do que aparentava. Talvez

houvesse chegado o momento de fazer certas perguntas.

Irene adormeceu chorando, e quando despertou, com a alma esgotada e o travesseiro

empapado, soube que tinha que seguir adiante com sua vida. Com uma vida em que Alex nem

estava nem ia estar jamais. Levou uma mão aos lábios e recordou o beijo. Quando o tinha visto ali,

ferido e sangrando, não pôde resistir o impulso de reafirmar que estava vivo. Depois do beijo, o

resto do mundo deixou de lhe importar, mas ao ver seu torso cheio de cicatrizes, soube que não

lhe havia dito a verdade: e, o que era mais grave, não tinha intenção de lhe dizer. Com essa frase

sobre sua próxima volta a França o tinha deixado muito claro.

Por desgraça, sim lhe havia dito a verdade; jamais poderia suportar a ideia de viver em um

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mundo no que ele não estivesse. Respirou fundo. Aquele beijo tinha sido o último que receberia

de Alex. Fechou os olhos e tratou de memorizá-lo. O último, pois logo que Richard voltasse a lhe

pedir em casamento, aceitaria.

Com a ferida cauterizada e coberta por uma ligeira vendagem, Alex foi em busca de

Hawkslife. Encontrou ao professor, que seguia exercendo como tal em Oxford, na sala de aula que

costumava se utilizar para praticar esgrima e lhe bastou um olhar para que o homem o seguisse

fora.

—O que sabe do assassinato de David Faraday? —perguntou Alex sem preâmbulos.

—Não muito — respondeu o outro, lhe indicando que caminhassem. —Scotland Yard

acredita que foi um roubo que saiu mal, mas por sua expressão, Fordyce, suponho que você sim

sabe algo.

—William o estava investigando, e encontrou isto na mesa do defunto. —Entregou-lhe as

notas entre as que estava desenhado o cartão de visita de Louva-Deus.

Hawkslife se deteve e repassou os papéis, arqueando as sobrancelhas.

—Seu irmão era muito preparado, ou um inconsciente. —Devolveu-lhe as notas. —Ao que

parece, topou com Louva-Deus antes que nós.

—Sim, isso parece. Amanhã a noite irei ao Noite de Tormenta.

—Boa ideia. —Hawkslife entrecerrou os olhos um segundo. —O feriram outra vez?

Alex deu de ombros.

—Iam disparar em Robert. —E ante o olhar de assombro do professor, contou-lhe o

acontecido.

—Vá, por isso se vê, a temeridade é um traço comum em todos os Fordyce — comentou

sarcástico o homem. —Acredita que seu irmão suspeita algo?

—Não sei. Me viu com o Smitty e logo me custou muito o convencer de que era a primeira

vez que interrogava a um malfeitor, mas acredito que ao final o convenci — respondeu Alex ao

recordar o conto que tinha contado a Robert. —E o tenho feito me prometer que não retornará ao

porto sem mim.

—Mais vale que faça conta. Louva-Deus e seus homens não andam com tolices; ontem

descobrimos um navio em Dover com toda a tripulação morta. Transportavam armas e toda a

carga desapareceu. O único que pudemos encontrar foi isto. —Entregou um cartão de Louva-Deus

completamente ensanguentado. —Estava cravado com uma adaga em cima do corpo sem vida do

capitão.

—De quem eram as armas?

—Da Coroa inglesa. Iam ser enviadas a nossos aliados.

—Quando souber algo mais, voltarei a lhe ver — disse Alex antes de ir-se. —Enquanto, isso

agradeceria que repassasse isto. —Entregou o caderno de William. —Se me lembro bem, a você

lhe dá muito bem decifrar códigos.

—Darei uma olhada, talvez seu irmão anotasse algo que possa nos ser útil. E, Fordyce —

acrescentou antes que seu aluno avantajado desaparecesse no lombo de seu cavalo, — procure

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que não voltem a lhe disparar.

Alex se deteve para passar a noite em uma hospedaria; estava muito cansado para fazer

todo o trajeto de volta a Londres, e precisava dormir. A ferida do braço ainda lhe ardia e a dor da

perna tinha aumentado. Pediu um quarto, comeu algo e, depois de rechaçar as insinuações de

uma das garçonetes, foi se deitar. Nesse lúgubre e pequeno quarto voltou a ficar a sós com seus

pensamentos e recordou o beijo que se obrigou a não reviver. Convexo na cama levou a mão à

tatuagem; ela o tinha percorrido com delicadeza, fascinada pelo desenho. Fechou os olhos e

tratou de descansar.

Fazia pouco que tinha amanhecido quando Alex despertou e empreendeu o caminho de

volta à cidade. Antes de ir a sua casa, se deteve para visitar o advogado da família para lhe

perguntar se William tinha pedido que fizesse alguma gestão fora do habitual. O homem lhe disse

que não, mas quando Alex já ia se despedir recordou algo:

—Poucos dias antes de ir-se, William me perguntou se conhecia o coronel Casterlagh.

Alex arqueou uma sobrancelha.

—E isso lhe pareceu estranho?

—Nesse instante não, a verdade é que não. Disse a seu irmão que não o conhecia e quando

lhe perguntei o motivo de sua curiosidade, me disse que não tinha importância. Mas faz uns dias

conheci o homem em questão e...

—E? — insistiu Alex.

—E eu não gostei. Talvez seja uma tolice, ou talvez seja culpa desse emplastro tão truculento

que leva no olho, mas o modo no que me falou me pôs os cabelos de ponta.

—Falou com você?

—Sim, minha esposa e eu estávamos na ópera e fomos saudar o duque de Rothesay. Ele foi

quem nos apresentou. Intercambiamos só umas palavras e o coronel me fez duas perguntas.

—O que lhe perguntou?

—Se podia lhe receber um dia e se estava a par de que você tinha retornado e que seguia

com sua má vida.

—Você o que disse a ele?

—Disse que a minha idade já não podia aceitar a mais clientes, e evitei responder sobre

você.

—Obrigado, John — disse Alex com sinceridade.

—Nunca gostei de mexericar. Minha reputação vale muito mais que uma fofoca na ópera.

—Estou de acordo.

—Espero ter servido de ajuda, lorde Wessex. A verdade é que tampouco dava importância a

esse encontro, pensei que, simplesmente, era um cavalheiro sem maneiras, mas eu não gostei

absolutamente.

—Tampouco eu gosto. Obrigado por tudo. —Deu-lhe um afetuoso apertão de mãos e se foi

dali.

Estava claro que o duque de Rothesay e o coronel Casterlagh levavam entre as mãos algo

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muito perigoso, mas quem era Louva-Deus? Um deles? Ou possivelmente havia alguém mais atrás

movendo os fios? Alex esporeou Casio e chegou a sua casa em poucos minutos. Tinha que se

trocar e se preparar para a noite; às oito tinha que estar no porto para se encontrar com o Smitty

e penetrar no Noite de Tormenta.

CAPÍTULO 13

O Noite de Tormenta estava atracado na zona mais escura do porto de Londres, e tal como

Robert tinha contado, sua tripulação ia armada até os dentes. Smitty acudiu pontual à entrevista

e, dado que Alex se vestiu como um trabalhador do mole, o subiu ao navio como se fosse um

mais. Uma vez dentro, o acompanhou ao armazém, pois dali podia se escutar perfeitamente o que

acontecia no camarote do capitão, que era onde tinham lugar as reuniões. Alex se instalou ali e

disse a seu recalcitrante ajudante forçoso que se fosse, não só do navio, mas também da cidade.

Recordando a ameaça do dia anterior, o fornido valentão não hesitou em obedecê-lo.

Desde seu privilegiado esconderijo, Alex pôde ver subir a bordo ao duque de Rothesay, a seu

filho Sheridan e ao coronel Casterlagh, assim como um par de homens mais que tinham toda a

pinta de ser ou ter sido militares. Minutos mais tarde, os dois franceses que tinha visto em A

Sereia também apareceram, seguidos por seus esbirros, que se colocaram estrategicamente.

Talvez todos aqueles homens fossem sócios, mas era evidente que não confiavam os uns nos

outros. Feito que a Irmandade podia utilizar a seu favor.

Depois de umas breves saudações e uma ronda de whiskies, foi um dos franceses o que

iniciou a conversação:

—Não foi algo a mão no Dover? Não acredito que seja necessário lhes recordar que nestes

negócios a discrição é de vital importância.

—Queriam as armas, não? — perguntou Sheridan à defensiva. —Pois já as têm.

—Sheridan — brigou o duque, — nossos amigos têm razão, da próxima vez seremos mais

discretos. Digamos que, em efeito... foi a mão.

Alex não podia vê-los, só ouvi-los, mas estava convencido que esse último comentário tinha

ido acompanhado de um sorriso.

—As armas estão em um armazém aqui no porto — explicou coronel Casterlagh. —Mas não

as entregaremos até ter recebido o dinheiro.

—De acordo — aceitou o outro francês, — mas antes, já solucionaram o tema do David

Faraday?

—Sim — respondeu o coronel com satisfação. —A polícia está convencida que foi um roubo

e também nos ocupamos de nosso outro pequeno detetive.

—Ah, sim?

—Ao primeiro disse o duque se referindo a David, — tivemos a sorte de eliminá-lo em uma

dupla operação do mais produtiva e o segundo, depois do susto de ontem não voltará por aqui.

—E o que me dizem do outro irmão? — perguntou um dos estrangeiros. —Não é perigoso?

—Lorde Wessex? — disse o coronel. —Não, e além disso aceitou investir conosco. O muito

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idiota não sabe que vai financiar a operação que seu irmão tratava de desmantelar em Boulogne.

Ao escutar isso, Alex apertou a mandíbula. Se não fosse porque sabia que seria um suicídio,

teria entrado nesse camarote e teria matado ao coronel e ao duque com suas próprias mãos.

—Se você diz...

—É obvio. E não se preocupe, no caso de que seja um aporrinho, sempre podemos eliminá-

lo.

—Sigamos com o nosso — propôs o duque. — Com a morte de Faraday, o primeiro-ministro

mudou um pouco sua maneira de trabalhar e ainda não dispomos de nova informação.

E não voltariam a tê-la, pensou Alex. Agora que a Irmandade tinha tomado cartas no

assunto, os segredos de Estado não iam cair outra vez em más mãos. O único que lamentava era

que isso não tivesse acontecido antes e ter evitado assim a morte de David e William.

—Então — o interrompeu um francês, — os conselhos empresariais do imperador deixarão

de fluir até que isso aconteça.

O duque e o coronel disseram algo, mas Alex foi incapaz de entender.

—Talvez o melhor seria pospor esta reunião até dentro de três semanas. Seguro que então

já teríamos solucionado o problema. —Foi o coronel o que falou e desta vez o fez em voz alta.

—Boa noite, cavalheiros. — Os franceses se despediram sem perder nem um segundo mais e

abandonaram o navio.

O duque, seu filho e o coronel ficaram ali uns minutos, mas finalmente também percorreram

a passarela e retornaram ao porto sem mais demora.

Alex seguiu escondido durante um momento, não queria que ninguém o visse descer do

Noite de Tormenta e por a perder a operação. Se dependesse dele, prenderia a todos essa mesma

noite mas, tal como havia dito Hawkslife, se queriam averiguar o alcance da traição tinham que

seguir investigando. Além disso, não se podia prender um duque sem provas sólidas e no

momento só tinham um par de conversações que facilmente poderiam ser negadas. E, o mais

importante, ainda não sabiam quem era Louva-Deus. Tratava-se de um só homem, disso Alex

estava seguro, e queria saber exatamente qual deles.

Um par de horas mais tarde, saiu dali e, montado em Casio, cavalgou até sua casa. Tinha que

escrever uma mensagem a Hawkslife quanto antes; a Irmandade tinha que encontrar o armazém

com as armas antes que aqueles traidores as entregassem aos franceses, e tinham que advertir ao

primeiro-ministro de que se cuidasse de todo o mundo e que fosse ainda mais precavido em suas

diligências. Aqueles tipos estavam dispostos a algo com tal de ficarem ricos; trair a seu país não

era nenhum problema para eles, como tampouco o era matar a tudo o que se interpor em seu

caminho.

Quando Alex despertou na manhã seguinte e viu que nem sua irmã nem Robert estavam na

casa, se perguntou o que acontecia. Tomou o café da manhã a toda pressa e foi em busca de seu

pai, que estava em seu escritório repassando a correspondência.

—Bom dia, papai — disse ao entrar.

—Bom dia, Alex — respondeu o homem levantando a vista. —Seu braço dói?

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—Não muito. Sinto não ter lhe contado isso antes — explicou o jovem, sabendo que a seu

progenitor não gostava de não estar a par do que acontecia sob seu teto.

—Eleanor e Robert me disseram isso ontem a noite. Aonde foi?

—Ao Jackson's — mencionou o nome do clube famoso por seus vícios.

—Então, se tem voltado para as andadas suponho que é porque já se encontra bem, não?

—Assim é. Onde estão Robert e Eleanor? —perguntou Alex, mudando assim de tema.

—Eleanor foi comprar algo para o baile desta noite, luvas, eu acho. E Robert a acompanhou.

—Baile? —Alex tinha muitas preocupações para estar a par dos eventos sociais da

Temporada.

—O baile que se celebra hoje na mansão do duque de Lancaster. Pensa ir? — O conde

arqueou uma sobrancelha. —Estará ali todo mundo. Talvez pudesse fazer um oco em sua agenda e

acompanhar a seus irmãos.

Alex pensou uns segundos. Se seu pai estava certo, seguro que o duque de Rothesay e o

coronel também estariam, e talvez pudesse averiguar algo mais sobre seus planos.

—É obvio, papai. Você irá?

—Claro, assim o barão de Bosworth e eu poderemos conversar um momento e fumar uns

charutos.

O barão de Bosworth, o pai de Irene, era o melhor amigo do conde e costumavam coincidir

frequentemente.

—Então, o verei logo, papai.

Despediu-se e saiu do escritório com a intenção de visitar Sheridan de surpresa, para lhe

dizer que estava ansioso por saber mais detalhe do negócio que seu pai, o duque, tinha proposto.

Para sua desgraça, Sheridan não estava em casa, e o diligente mordomo do nobre lhe informou

que tinha ido ao clube. Alex, sopesou a possibilidade de ir também, mas supôs que já o veria

aquela noite, e que podia pospor o encontro, então aproveitou a repentina mudança de planos

para visitar a família de David Faraday.

Os Faraday viviam em uma mansão perto do parque e, embora Alex só os tinha visto em um

par de ocasiões, recordava que eram um casamento muito bem acomodado. David, e William se

conheceram em Oxford, e sua amizade tinha continuado ao abandonar a instituição.

A Alex bastou estar dois minutos no vestíbulo da família para saber que David tinha sido

assassinado. Qualquer ladrão que tivesse entrado nessa casa com intenção de roubar teria levado

os candelabros que adornavam o aparador, por não falar dos quadros que havia na parede. O pai

de David, anos mais velho que o seu, o recebeu no salão e uma vez que ambos se deram o

pêsames por suas respectivas perdas, o convidou a sentar.

—Se me permitir a pergunta, lorde Faraday, sabe no que estava trabalhando David antes de

morrer?

—Não, não sei — respondeu o homem. —David era muito reservado. Sempre dizia que não

queria que sua mãe e eu nos preocupássemos com ele.

—Entendo.

—Lorde Wessex, não me interprete mal, agradeço muito sua visita, mas a que veio

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realmente?

Vá, aquele homem acabava de ganhar seu respeito para toda a vida.

—Meu irmão estava convencido de que a morte de David escondia algo mais que um roubo.

Viu que lorde Faraday erguia as costas e, pelo brilho que apareceu em seus olhos, soube que

ele pensava o mesmo.

—Sei, seu irmão me comentou isso, mas por desgraça ele já não está.

—Mas eu sim — respondeu Alex.

—Se não me falha a memória, lorde Wessex, a você não costumam importar estes assuntos.

—Sua memória não o engana, mas digamos que seu filho e eu tínhamos algo em comum.

—O que? — perguntou o homem.

—Eu tampouco quero que minha família se preocupe comigo — respondeu enigmático. —Se

me permite dar uma olhada ao escritório de David prometo que o manterei informado de algo que

descubra, sempre e quando não contar a ninguém o de minha visita.

—Não se preocupe, lorde Wessex, você só veio me dar o pêsames.

Alex sorriu e se levantou para se aproximar da mesa de David. Lorde Faraday se despediu e o

deixou sozinho, lhe dizendo que podia ficar quanto quisesse. Passada uma hora, Alex soube com

certeza que o ladrão tinha ido ali para roubar informação; as gavetas estavam cheias de mapas

com rotas riscadas e datas cotadas junto a certas localidades. Para alguém alheio, esses dados

podiam não ter importância, mas Alex reconhecia cada uma das datas; em todos aqueles lugares

se livraram importantes batalhas.

Um papel em concreto retinha ainda a cor do sangue. Eram umas manchas muito estranhas,

como se o papel em questão tivesse estado muito enrugado. Alex o observou com atenção e

tratou de imaginar a cena. David devia estar sentado em sua escrivaninha quando o assassino

apareceu e o apontou com a arma. Nesses segundos em que a vida de um passa frente a seus

olhos, o que passou na cabeça de David? Alex sabia sem dúvida o que passaria na sua.

Possivelmente David soube que ia morrer e pensou em um modo em que sua morte fosse

relativamente útil. O papel estava muito enrugado, como se David tivesse tratado de escondê-lo

no punho. Pelo que Hawkslife lhe tinha contado, morreu de um tiro no peito, então deve ter

sangrado o bastante. Se seu corpo desabou sobre a escrivaninha, seguro que o sangue cobriu a

madeira e jorrou por sua mão esquerda. David tinha querido ocultar esse papel, mas por que. Nele

só havia uns números. Talvez Hawkslife pudesse averiguar algo mais. Fosse o que fosse o que

significassem os números, seguro que era importante; David Faraday tinha decidido dedicar seus

últimos segundos de vida a evitar que o traidor levasse a informação consigo. Alex guardou o

papel no bolso interior do casaco e abandonou a mansão dos Faraday. Ao fim e ao cabo, tinha que

se vestir para ir a um baile.

A Irene não gostaria muito de ir ao baile do duque de Lancaster, mas tinha prometido a seu

pai e a sua irmã que iria com eles. Levava todo o dia pensando nas cicatrizes de Alex, onde diabos

as teria feito? Ela sabia muito pouco das relações entre homens e mulheres, mas era impossível

que nenhuma condessa tivesse feito isso a ele. E aquele falcão. A “tatuagem”, como chamado ele

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o tinha, o que significava? Porque estava segura de que significava algo. Alex tinha estado

relativamente tranquilo até que viu que ela observava o desenho. Repetiu a si mesma que devia

deixar de dar voltas ao assunto, que ele não merecia que se preocupasse. Já que tinha dito que o

amava, embora disso fizesse cinco anos, e Alex a tinha rechaçado. Que mais necessitava para

assumir que não a queria? Furiosa consigo mesma por voltar a se torturar com as lembranças,

Irene decidiu que iria ao baile e que desfrutaria de cada segundo. Aquelas cicatrizes, fossem ou

não culpa de uma amante excessivamente fogosa, não eram assunto dela. E se Alex era tão

estúpido para seguir pondo sua vida em perigo, dane-se ele, ela seguiria com a sua e trataria de

ser muito feliz.

Tanto Eleanor como Robert vestiram seus melhores ornamentos para participar ao baile. Ela

usava um vestido de seda verde que fazia ressaltar sua pele branca e seus olhos e cabelos negros.

E ele, com smoking e camisa e colete bege, seria sem dúvida um dos jovens mais atrativos da

festa. Por sua parte, o conde de Wessex também estava muito atrativo; a seus quase sessenta

anos, ainda retinha o porte de sua juventude, e seus inteligentes olhos azuis eram legendários. Só

faltava Alex, e quando apareceu, os três ficaram olhando-o. Alex ia vestido completamente de

negro; vestia umas calças impecáveis e jaqueta e colete da mesma cor que a noite. A camisa, que

qualquer outro cavalheiro teria combinado em branco ou em uma cor mais clara, era deste modo

negra, o mesmo o lenço de pescoço. Assim vestido, e recém barbeado, seus olhos destacavam

ainda mais sobre suas pronunciadas maçãs do rosto, e todos que o olhasse se dariam conta que

era um homem ao que não se devia importunar.

—Pretende assustar a todas as damas? — perguntou Robert com um sorriso.

—Não, mas agora que o diz não é má ideia — respondeu Alex ao chegar a seu lado —

Vamos?

Eleanor e seu pai não disseram nada. Ela porque ainda estava embevecida olhando a seus

dois muito bonitos irmãos, e o conde porque cada vez via mais coisas que não encaixavam com a

imagem que tinha de seu filho pródigo.

A entrada à mansão do duque de Lancaster estava paralisada pela multidão de carruagens

que se dirigiam ao baile. O protocolo de recebimento era tão lento que era habitual que se

formassem longas caudas. Por fim, chegou o turno deles e, depois de saudar os anfitriões, a

família Fordyce se mesclou com o resto dos convidados. Robert não demorou para encontrar a um

par de amigos e Eleanor foi saudar Isabella, que estava em uma esquina junto com outra dama.

Alex pensou que esse momento era tão bom como qualquer outro para ir em busca do duque de

Rothesay ou de seu filho Sheridan, mas seu pai o impediu.

—Por que não me acompanha a saudar George? —Mostrou ao barão de Bosworth. —Ele e

Irene estão ali.

—Como queira — respondeu ele, sabendo que não podia se negar.

Os dois caminharam em direção ao barão e com cada passo que dava a Alex custava mais e

mais respirar. Irene estava preciosa.

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Vestia um vestido cor rosa pau que realçava sua perfeita figura. As únicas joias que luzia

eram os brincos que tinha herdado de sua mãe: dois diamantes em forma de gotas de chuva, e um

simples colar. Tinha o cabelo recolhido, e Alex sentiu falta de suas fitas de cores, que tinham

passado a ser substituídas por complicadas agulhas com cristais que refletiam a luz dos

candelabros. Vestia luvas até o cotovelo, tal como ditava o protocolo, e Alex teve que reprimir o

desejo que sentiu ao imaginar a si mesmo deslizando o tecido para baixo.

—Boa noite, George, Irene — saudou seu pai, tirando-o assim de seu ensimesmamento.

—Boa noite, Charles — respondeu George, — já acreditava que tinha me abandonado.

Trouxe esses charutos dos que falei.

—Boa noite, lorde Bosworth — Alex saudou o pai de Irene.

—Alex — o barão lhe estendeu a mão, —como está?

—Bem, e você?

—Intrigado — respondeu o barão com um enigmático sorriso, mas antes que Alex ou Irene

pudessem dizer algo, acrescentou: —Queria comentar uma coisa, Charles, então se nos

desculpam...

O conde e o barão se afastaram dali deixando um Alex e uma Irene sozinhos, que ainda

tinham sido incapazes de reagir.

—Seu braço dói? —perguntou ela sem olhá-lo aos olhos.

—Não, não se preocupe. —Apertou os punhos com força para evitar o impulso de colocar

um dedo sob seu queixo e lhe levantar a cara e ver seus olhos. — Está preciosa.

—Obrigado.

Nesse instante, começaram a soar as notas de uma valsa e Alex soube que ia cometer uma

das maiores loucuras de sua vida.

—Irene, me concede esta dança?

Então ela por fim o olhou aos olhos e sussurrou:

—Não deveríamos.

—Sei, mas não me importa. —E entendeu a mão. Durante uns segundos, acreditou que Irene

o rechaçaria, mas lentamente colocou os dedos em cima dos dele e o acompanhou até a área em

que estavam o resto dos casais.

CAPÍTULO 14

Soaram as primeiras notas, mas de tão forte que pulsava seu coração, Alex mal pôde escuta-

las. A mão de Irene tremia e, quando ela colocou a outra no ombro, ele a rodeou com o braço.

Apertou os dentes uns segundos e lutou por recuperar a têmpera que costumava acompanhá-lo

durante suas missões. Ele tinha sido capaz de dançar com um montão de mulheres sem se alterar,

repetindo os movimentos da valsa enquanto as interrogava sobre o trabalho de seus maridos ou

de seus pais. Jamais, nenhuma só vez, tinha sentido nada, nada absolutamente. Em troca agora,

suas costas suavam, seu coração retumbava e sentia um comichão por todo o corpo. E só porque

era Irene, e não qualquer dama sem nome, a que estava entre seus braços.

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Irmandade do Falcão 01

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Ela mantinha o olhar fixo no nó do lenço de Alex. Sabia que era de muito má educação não

olhá-lo à cara, mas se via incapaz de fazê-lo. O ter tão perto era já por si muito doloroso; saber por

fim o que se sentia ao dançar com ele era de uma vez um sonho e um pesadelo feitos realidade.

Mas se o olhava aos olhos sabia que jamais lograria esquecê-lo. Se não lhe via a cara, talvez ao

cabo de uns mil anos se convenceria que não tinha dançado com ele, que tinha sido outro,

qualquer menos Alex. Impossível. Mas embora não o olhasse, sempre recordaria seu aroma, a

sensação de estar entre seus braços, o calor que emanava de seu corpo. Quantas vezes tinha

sonhado com que dançavam uma valsa juntos? Centenas, milhares, mas nenhum sonho podia se

comparar com o que estava sentindo nesse momento. Em seus sonhos sempre se imaginava feliz,

e não a bordo das lágrimas. Em seus sonhos, lhe apartava uma mecha de cabelo e lhe dava um

carinhoso beijo no pescoço. Em seus sonhos, Alex lhe dizia que a amava, e nunca aparecia com

manchas de batom de outra mulher. Não pôde controlar o amargo sorriso que se instalou em seus

lábios.

—Por que sorri? — perguntou ele, que tinha visto como seu rosto passava da preocupação a

pensativo e logo ao aborrecimento. Irene era muito expressiva, incapaz de ocultar suas emoções.

—Por nada — respondeu ela.

—Nunca te deu bem mentir — disse Alex, furioso por que não queria lhe contar o que estava

pensando.

—E como sabe? faz anos que não me vê — replicou ofendida.

Como se atrevia a pensar que a conhecia? Ele não tinha estado ali os últimos anos. Não sabia

nada dela. Nada.

Alex se deu conta que Irene estava se afastando, não fisicamente, pois seguiam dançando e

dando os passos da valsa ao ritmo da música, mas seu coração já não estava ali. Era como se

tivesse erguido um muro infranqueável entre os dois e, incapaz de suportá-lo, decidiu fazer todo o

necessário para derrubá-lo. A aproximou dele; a distância que agora os separava era quase

inexistente, e ia contra todas as normas de etiqueta.

—Me solte — disse ela entre dentes.

—Por que sorria? —insistiu Alex, como se fora um menino pequeno.

—Não é seu assunto.

Ele a aproximou ainda mais.

—Me solte — repetiu. —Talvez às francesas ou às prussianas gostem que as manuseiem,

mas a mim não.

Alex arqueou uma sobrancelha e decidiu interpretar o comentário como algo favorável. Se

Irene tinha ciúmes de suas inexistentes conquista, possivelmente tivesse ainda alguma pequena

possibilidade.

—Não a estou manuseando.

Seguiram dançando em silencio durante uns segundos e, à medida que a peça ia chegando a

seu fim, os casais que ocupavam o salão foram se detendo. Eles dois fizeram o mesmo, e ficaram o

um frente ao outro sem se mover. Irene não o tinha olhado aos olhos nem um segundo.

—Tinha razão — disse ele em voz baixa.

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Ela não respondeu, então Alex seguiu falando, dando voz ao que sentia na alma.

—Não deveríamos ter dançado.

Irene tinha a cabeça encurvada para que ninguém, e muito menos Alex, pudesse ver que

tinha os olhos cheios de lágrimas. Por que fazia isso? Por que lhe dizia essas coisas e a abraçava

desse modo? Respirou fundo, e justo quando ia levantar a vista para lhe dizer que tinha sorrido

porque em seus sonhos jamais imaginou uma valsa tão agridoce como o que acabavam de dançar,

ouviu uma voz a suas costas:

—Acredito recordar que tinha me prometido a seguinte dança, lady Morland.

Richard. Quase tinha se esquecido dele. Irene repreendeu a si mesma e se obrigou a sorrir.

—É obvio, lorde Crompton —respondeu. —Se me desculpar, lorde Wessex.

Alex sabia que tinha que soltá-la, sabia que a mão que ainda mantinha em sua cintura tinha

que se apartar dali, mas não podia. Não queria. Não queria que outro a tocasse. Resignado, e

furioso com o destino, apertou os dentes, fez uma leve reverencia e se foi sem se despedir. E se ao

maravilhoso lorde Crompton lhe parecia um mal educado, pois pior para ele. Além disso, se

supunha que tinha ido ali para ver se averiguava algo mais sobre o duque de Rothesay ou o

coronel Casterlagh e não para que lhe chutassem de novo o coração.

Se dirigiu à sala a que se retiraram aqueles cavalheiros que, fosse por idade ou condição

social, podiam se permitir o luxo de não dançar. Como era de esperar, o duque estava ali com seu

filho, mas nem rastro do esquivo coronel. Alex se aproximou deles e viu que Vessey também

estava presente, conversando animadamente com um tipo que recordava ter visto na casa do

marquês.

—Boa noite, cavalheiros — os saudou ao chegar a seu lado. — Wessex, já acreditávamos que

não ia vir. Desde quando um homem como você perde tempo com um cubo de gelo como lady

Morland? — zombou Rothesay.

—É uma amiga da família — respondeu ele, quando na realidade queria agarrar ao duque

pelo pescoço e apertar os dedos até que deixasse de respirar.

—Ah sim, os compromissos sociais — suspirou Vessey. — São toda uma moléstia.

—Bom, ao menos essa logo deixará de ser — interveio Sheridan, despertando a curiosidade

de Alex.

—O que quer dizer com isso?

—Sei de boa fonte que esta noite, o cândido e aborrecidíssimo lorde Crompton vai pedi-la

de novo em casamento — explicou o jovem, esvaziando a taça que tinha na mão de um só gole. —

Mas falemos de algo mais interessante.

Não! Alex queria seguir falando daquilo, de verdade lorde Crompton ia pedir a mão de

Irene? Seu pelo arrepiou e ficou gelado. Era impossível que o destino fosse tão cruel, era

desumano que, estando tão perto de seus sonhos, Irene escorresse de entre seus dedos para

sempre. Alex sabia que se ela casava com lorde Crompton seria fiel a ele. Além disso, ele seria

incapaz de fazer isso à mulher que tinha roubado sua alma e o coração desde a infância. Respirou

fundo e esvaziou um copo de uísque que nem sequer recordava ter na mão.

—Que planos tem para amanhã? — perguntou Rothesay a Alex.

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—Planos? Nenhum — respondeu ele, sem dar importância ao tema.

—Perfeito. Tinha pensado que poderia me acompanhar a... — se deteve e levantou a vista.

Alex fez o mesmo, e viu que o coronel Easterlagh estava de pé junto a janela que dava ao

jardim, com o olhar fixo no duque.

—Se me desculpar um segundo... —disse Rothesay. — Em seguida volto.

Alex inclinou a cabeça e se fez a um lado, fingindo estar muito interessado na estúpida

conversação que estavam mantendo Sheridan e Vessey uns metros mais à frente, quando na

realidade tinha os cinco sentidos fixos no coronel e no duque. Era óbvio que passava algo e

quando o casal se encaminhou para o pequeno escritório que havia ao lado do salão, soube que

tinha que segui-los e averiguar do que estavam falando. Sem dissimulação, se aproximou do

aparador onde o anfitrião guardava as bebidas e se serviu outra taça, e logo, com passo firme, saiu

ao terraço que comunicava as duas estadias com o jardim. Se ficava ali uns segundos, ninguém

notaria sua ausência, e qualquer que o visse acreditaria que tinha saído para tomar ar. Cruzou os

dedos para que essa desculpa servisse.

—Sofremos um pequeno contratempo — disse o coronel furioso. —Acabo de receber

notícias da ilha de Skye; não sei muito bem o que aconteceu, mas o navio desapareceu, e os

franceses exigem explicações.

—Já te disse que esse tal Magnus não era de confiar. Essa cicatriz me punha os cabelos de

ponta. — O duque passou uma mão por seu cabelo prateado.

—Magnus não aparece por nenhuma parte, e a cicatriz a tinha feito tratando de defender

pessoas como você — assinalou o coronel acariciando o emplastro que lhe cobria o olho. — Não

esqueça.

O duque se moveu incômodo, sabia de sobra que não devia provocar a seu sócio.

—A operação da ilha Skye era só algo acessório, deveríamos nos preocupar em oferecer a

nossos amigos franceses algo o bastante suculento para voltar a estar em estado de graça.

—Você sempre tão patriótico — zombou o coronel. — Mas tem razão. Levamos meses

planejando isto e agora que já não temos que nos preocupar nem com David Faraday nem com

William Fordyce tudo deveria ir bem.

Rothesay ficou pensativo e algo em seu olhar deve ter inquietado ao militar porque este

franziu o cenho e perguntou:

—O que acontece?

—Nada. — Se serviu uma taça e a esvaziou. — Acabo de me lembrar de uma coisa. —Seu

interlocutor o olhou interessado. — Dentro de duas semanas, lorde Redford celebra uma de suas

festas.

—E? —Casterlagh também se serviu uma taça. — Essas festas são o mais parecido a uma

orgia sem chegar a sê-lo.

—Ainda temos os papéis de Faraday?

—É obvio, mas seguimos sem poder decifrar a chave dos dois últimos mapas.

—Esse maldito Faraday era muito preparado, embora tenha ouvido dizer que tinha uma

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debilidade.

—Qual? — O coronel começava a estar cada vez mais alerta.

—Uma chamada Charlotte. — O duque sorriu. —Ao que parece, a moça trabalhava como

professora, mas depois da morte de Faraday tem caído em desgraça e está a ponto de começar a

trabalhar para madame Antonia.

—Madame Antonia?

—Sim. Na realidade, Charlotte está convencida que só terá que revisar as contas, mas já

conhece a Antonia, não deixará escapar a oportunidade de ganhar todo o dinheiro que essa

jovenzinha possa lhe gerar.

—E, claro está, a boa da Antonia te contou que Charlotte estará presente à festa de lorde

Redford.

—É obvio. Estou convencido que, com o incentivo adequado, conseguiremos que a pequena

Charlotte nos entregue qualquer papel que nosso amigo Faraday pudesse ter deixado com ela.

—De verdade acha que terá algo?

—Estou convencido. Na casa de Faraday faltavam vários cadernos, e já inspecionamos seu

escritório, então a garota é a opção mais lógica. Certamente, ela nem sequer seja consciente de

que os tem, e, bom, depois de pegarmos a documentação, talvez inclusive possamos ser os

primeiros a provar seus encantos.

Dançar com Richard não era absolutamente comparável a dançar com Alex, pensou Irene

enquanto seu pretendente fazia uma reverência ao soar os últimos compassos. Tinha sido

agradável, mas nem por um segundo tinha sentido o mínimo comichão, nem tampouco seu

coração tinha acelerado.

—Obrigado por me conceder esta dança, Irene — disse lorde Crompton lhe dando um

respeitoso beijo nos nódulos.

—Graças a você por me pedir isso Richard — respondeu ela quase sem pensar.

—Você gostaria de dar um passeio pelo jardim? Há uma lua preciosa e tenho entendido que

nossa anfitriã possui umas roseiras magníficas.

—É obvio, mas e sua mãe? Tem certeza que estará bem? — Na realidade a Irene não

importava muito se lady Crompton se aborrecia ou não, mas queria se assegurar que o passeio

não se alargava muito.

—Por minha mãe não se preocupe. Além disso, eu gostaria de falar com você a sós.

Vendo que estava apanhada, aceitou o braço que Richard lhe oferecia e saiu com ele pelo

terraço para o jardim. A lua cheia brilhava no alto do céu, e a brisa arrastava os sussurros das

conversações enquanto soavam as primeiras notas de uma nova valsa. Richard e ela cruzaram um

pequeno labirinto de arbustos e se detiveram frente a um banco de pedra.

—Lady Morland, Irene — começou ele, lhe pedindo que tomasse assento antes dele fazer

isso. — Dentro de um mês farei cinquenta anos.

—Sei, Richard.

O homem sorriu e seguiu falando:

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—Este verão se fazem dez anos da morte de Sarah, minha esposa. —Viu que ela o olhava

com olhos compassivos e continuou: —Não vou insultar a amizade que existe entre nós te dizendo

que a amo, a verdade é que sei que jamais sentirei por ninguém o que senti por ela, mas te tenho

muito afeto. Acredito que nos entendemos bem e sei que poderíamos ser muito felizes juntos.

—Eu tampouco o amo, Richard — respondeu Irene, orgulhosa de ter a um homem tão

honesto como amigo.

—Sei, está apaixonada por Alex Fordyce. Tranquila — se apressou a acrescentar ao ver que

ela se assustava, — não direi a ninguém, mas não entendo que ele não se dê conta e faça algo a

respeito.

Irene riu com amargura.

—Não tem que se dar conta de nada. Faz anos lhe confessei que o queria e ele saiu fugindo

para a França.

Richard se sentou a seu lado e agarrou sua mão.

—Case comigo, Irene. Meu irmão tem um montão de filhos aos que adorariam herdar o

título mas eu quero ter um filho próprio. Sempre pensei que seria um bom pai. —Lhe apertou os

dedos para confirmar que opinava igual. —E você será uma mãe maravilhosa.

—Não sei, Richard. — Sentiu que uma lágrima escorregava por sua bochecha. —Podemos

nos fazer muito dano. Você mesmo diz que jamais esquecerá Sarah e eu não sei se poderei me

conformar sendo o prêmio de consolação de ninguém. Nem sequer de um homem tão bom como

você.

Os dois ficaram em silencio durante um momento, escutando um mocho que ululava perto

deles.

—Irene, você não é um prêmio de consolação. Consideraria-me o homem mais afortunado

do mundo se concordasse em ser minha esposa e me desse a oportunidade de fazer você feliz. —

Respirou fundo. — Mas tem razão, você merece ocupar todo o coração de um homem, e temo

que o meu ainda pertence a Sarah.

—Obrigado por entender, Richard.

Levantou-se e deu alguns passos antes que ele a detivesse de novo.

—Ficarei em Londres até uns dias antes de meu aniversário, e logo retornarei a Cornualha.

Com certeza ali encontrarei a alguma dama disposta a se casar com um homem de minha posição.

—Sorriu. — Mas quero que saiba que até esse dia minha oferta segue em pé.

—Obrigado, Richard. — Ela deu meia volta. —Te prometo que pensarei.

—Acredito que ficarei aqui um pouco mais — disse ele mudando de tema, — estou muito

velho para estas festas.

Irene sorriu.

—Se não se importar, eu me adiantarei. Não quero que alguém nos veja sozinhos e

começassem a mexericar. Sabe o que, Richard? — Ele arqueou uma sobrancelha e ela prosseguiu:

— Se meu coração não parecesse uma confusão, acredito que poderia chegar a me apaixonar por

você.

Lorde Crompton sorriu e deixou que ela se afastasse.

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Irene passeou pelo jardim, furiosa consigo mesma por não conseguir arrancar Alex da alma.

Talvez o melhor seria aceitar a oferta de Richard e começar uma nova vida em Cornualha. Ele tinha

sido sincero e honesto, e possivelmente poderiam ser felizes. Lorde Crompton, era um homem

muito amável, preparado e carinhoso e seguro que se tinham um filho seria um pai extraordinário.

Estava dando voltas à ideia da maternidade quando viu Alex no terraço que havia entre o salão no

que estavam os cavalheiros tomando suas taças e outra habitação da casa. O que estaria fazendo

ali? Teria ficado com alguma mulher? Possivelmente a mesma que tinha manchado sua camisa de

batom? De repente, ele levantou a vista e a viu, e durante uns instantes nenhum dos dois se

moveu.

Que diabos fazia Irene sozinha no jardim?, Alex se perguntou sem poder deixar de olhá-la.

Por sorte, tinha conseguido escutar a conversação entre o duque e o coronel sem que ninguém o

descobrisse, então agora o único tinha a fazer era retornar ao salão sem levantar suspeitas. Já ia

afastar a vista de Irene quando viu lorde Crompton aparecer atrás dela. Tinham estado os dois sós

no jardim? O maravilhoso Richard se declarou? Alex apertou os dentes e, ao ver que Irene ia tratar

de esquivá-lo, a olhou aos olhos e lhe deixou claro que não se atrevesse a tentar.

Lorde Crompton, educado e discreto como de costume, fulminou Alex com o olhar, mas

passou reto sem dizer nada, embora primeiro olhou para Irene um instante para se assegurar que

ela não queria que interviesse. Por sua parte, esta, consciente de que não podia escapar de Alex,

caminhou com passo lento e algo inseguro para o terraço. Nesse momento Alex se deu conta que

tinha cometido um muito grave engano. Era impossível que, quando Irene chegasse até ele, os

homens que estavam dentro do escritório não ouvissem nada. Seguro que apareceriam, e ao vê-lo

ali se dariam conta que tinha estado espiando-os e começariam a desconfiar dele. Tinha que fazer

algo, e tinha que fazer já. Alargou a mão e rodeou o pulso de Irene para atraí-la para si.

—Sinto muito — ele disse em voz baixa e, antes que ela pudesse perguntar o que era o que

sentia, a beijou.

Separou os lábios dela com os seus e a beijou com todas as suas forças. Uma parte dele se

obrigou a recordar que só o estava fazendo para evitar pôr em perigo sua missão, mas sua cabeça

e, muito pior, seu coração lhe diziam que não se enganasse, que a estava beijando porque não

podia suportar a ideia de que lorde Crompton se declarou, e porque queria obrigá-la a recordar

tudo o que sacrificaria se aceitava sua oferta de casamento.

Irene ficou aturdida um instante, mas seus lábios tomaram as rédeas de seu corpo e

responderam ao beijo. O aroma de terra úmida e limão que a pele de Alex sempre desprendia

alagou seus sentidos e notou em seu fôlego o sabor do uísque. O aroma de madeira do licor, junto

com o suave veludo da língua dele, fez que um calafrio percorresse Irene.

Alex a abraçou com mais força e a capturou entre seu corpo e a parede da mansão. Ele, que

tinha passado anos sonhando tê-la entre seus braços, se esqueceu de onde estavam e de por que

estava ali, e, sem deixar de beijá-la, deslizou uma mão da cintura de Irene até o decote daquele

vestido que o tinha estado atormentando toda a noite. Percorreu a pele que ficava a descoberto

com um dedo, devagar, dolorosamente devagar, e quando ela estremeceu, afundou o dedo entre

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a fina linha que separava seus peitos. Por fim, sabia que sua pele era mais suave que a seda, mais

cálida que um entardecer, mais sensual que nada que tivesse podido acariciar jamais. Perdeu o

controle de seus beijos e, ao ver que ela respondia do mesmo modo, seguiu beijando-a com

paixão. Devorou-lhe os lábios e logo se afastou para poder beijar o rosto e morder o pulso que

pulsava descontrolado em seu pescoço. Irene tinha os olhos fechados, Alex a estava beijando

como se nunca tivesse beijado a ninguém, e isso só podia significar que estava sonhando, mas os

gritos de surpresa que ouviu lhe demonstraram que estava acordada.

—Lady Morland! — exclamou surpreendida sua anfitriã, a duquesa de Lancaster.

Alex se afastou bem a tempo de ver a dama em questão, junto com uma de suas amizades,

avançando pelo mesmo caminho por onde Irene tinha chegado. Segundos mais tarde, o janelão se

abriu e apareceram o duque de Rothesay e o coronel Casterlagh.

—Lorde Wessex! —disse a duquesa. —Exijo uma explicação!

O tom elevado da dama fez que vários convidados deixassem pela metade suas danças e

suas conversações e se aproximassem para mexericar.

—Lorde Wessex — interveio o duque, — temo que a duquesa tem razão. O que está fazendo

aqui? — Cravou os olhos nele e lhe deixou claro que não engolia toda aquela cena.

—Acredito que é evidente, não lhe parece? — depois de ter posto Irene em uma situação

tão desagradável, Alex não ia permitir que o duque insinuasse que atrás daquele beijo se escondia

algo mais. Embora tivesse razão. — Estava dando um beijo em minha prometida.

Essa última palavra causou diferentes reações nos ali presentes; tranquilizou sua anfitriã,

surpreendeu ao duque e ao coronel, e assustou Irene. Mas todos coincidiram em olhar para Alex

boquiabertos.

A duquesa de Lancaster foi primeira a reagir; certamente a dama em questão era a que mais

experiência tinha em sair de situações tão incômodas como essa. Por sua parte, Alex, apesar de

saber que tinha feito o correto para proteger a missão, se via incapaz de olhar a Irene.

—Felicidades, lady Morland — disse a duquesa.

Irene levantou a vista para ela e, com lágrimas nos olhos, correu em busca de seu pai.

CAPÍTULO 15

O barão de Bosworth estava se aproximando do jardim quando viu sua filha com o olhar

perdido e o rosto desencaixado.

—Irene — a chamou, — o que acontece?

—Alex — foi o único pôde dizer.

—O que tem feito desta vez? — perguntou furioso lorde Wessex, que estava junto a seu

melhor amigo.

Irene não teve que responder, pois o próprio Alex apareceu atrás dela.

—Lorde Morland — fez uma pequena reverência, — Irene e eu vamos nos casar.

—Isso é certo, Irene? — o nobre perguntou a sua filha.

—Não — respondeu ela sem hesitar e olhando Alex aos olhos. — Quero ir daqui.

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—É obvio. Charles se importaria de ir procurar Isabella? — o barão pediu a seu amigo.

—Em seguida — respondeu este. —Alex, venha comigo.

Pela cara que pôs este era óbvio que não queria ir dali, mas também sabia que não podia

desafiar o pai no meio da flor e nata da sociedade inglesa, então mordeu a língua.

—Amanhã irei visitar você, Irene — disse antes de se despedir. — Boa noite, barão, lady

Morland.

Seu pai o puxou e juntos foram procurar Isabella, que certamente estava com Eleanor

conversando sobre uma de suas novelas e por isso não se inteiraram de nada.

—Se pode saber o que passou? — perguntou lorde Wessex sem ocultar seu mau humor.

—A duquesa de Lancaster me surpreendeu beijando Irene em um dos terraços —explicou

Alex, recitando os fatos como quem dá uma lição de história.

—Tanto te custa mostrar algo de respeito a uma das poucas mulheres que sente, ou sentia,

algo por você?

Alex ficou sem fala. Não tinha nem ideia que seu pai se deu conta de que entre ele e Irene

havia algo. Na realidade, estava convencido que ninguém sabia.

—Não, o senhor é tão caprichoso como sempre — prosseguiu seu pai. — E pensar que

acreditava que tinha mudado. Olhe, não diga nada — o interrompeu, como se seu filho tivesse

tratado de se defender, coisa que não tinha feito. — Espero que por uma vez na vida cumpra com

sua obrigação e faça o correto.

Alex tragou saliva para ver se assim controlava a bílis que tinha subido à sua garganta. Uma

parte dele sabia que as palavras de seu pai se deviam a que este na realidade não sabia nada de

sua vida, dos sacrifícios que tinha feito, do “correto” que tinha sido, mas outra parte de si mesmo

queria gritar por ele não duvidar sequer um momento de todas as más ações que lhe atribuíam.

Esfregou a ponte do nariz. De nada servia que a essas alturas se arrependesse de ter entrado para

formar parte da Irmandade, mas seria bonito ver, embora só fosse uma vez, que seu pai sentia

algo de respeito por ele.

—É obvio, papai — se limitou a responder. — Já tinha dito à duquesa que Irene era minha

prometida. Amanhã irei vê-la e arrumarei tudo. Olhe, aí estão. — Apontou às duas moças que

andavam procurando.

O conde de Wessex acompanhou Isabella para a entrada da mansão, onde o barão e Irene já

estavam esperando em sua carruagem. Isabella, que era como uma sobrinha para Charles, escutou

escandalizada o relato, mas pelo modo em que olhou para Alex de reolho, este não soube se se

alegrava ou não de que sua irmã fosse se casar com ele.

Por sua parte, Eleanor foi muito mais clara na hora de expressar sua opinião:

—Mas como se atreveu a fazer isso a Irene?

Ele respirou fundo e se resignou a que ninguém lhe perguntasse se sentia algo por ela.

—Simplesmente aconteceu.

—Simplesmente! Às vezes me dá vontade de te sacudir. — Eleanor queria sair dali quanto

antes, então caminhou briosa para o vestíbulo para recolher seu xale e avisar a seu irmão Robert

que partiam. —Acaso não tinha bastante rompendo seu coração!

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—Eu não tenho quebrado seu coração. — Se não se defendia ao menos uma vez, acabaria

por disparar em alguém. Por sorte não levava consigo sua pistola. — Ela me devolveu o beijo.

Podia ter me afastado, ter me dado inclusive uma bofetada, mas não o fez.

Sua irmã arqueou uma sobrancelha.

—E o que esperava? Ela não tem tanta experiência como você — defendeu a sua amiga, e

Alex teve vontade de rir. Se sua irmã soubesse que ele, no que se referia a beijar, não tinha mais

experiência que a jovem...

Eleanor se deteve um segundo e o olhou. Foi como se pela primeira vez se desse conta que

tinha os punhos apertados, que sua mandíbula tremia e que o via nervoso.

—Alex, está bem? —perguntou.

Ele também se deteve e nesse instante soube que não podia mentir mais. Estava farto de

representar o papel de sedutor sem escrúpulos, quando o único que queria era correr atrás de

Irene e lhe pedir que o perdoasse e que se casasse com ele; mas não para evitar o escândalo, mas

sim por amor.

—Não — respondeu. — Não estou bem.

Então, sua irmã fez algo que ninguém tinha feito desde a morte de sua mãe. Ficou nas

pontas dos pés, e deu um beijo em sua bochecha, acariciou seu cabelo e o agarrou pela mão.

—Tranquilo, tudo sairá bem, já verá.

E o puxou para a porta. Alex não soube o que dizer, e a Eleanor não pareceu lhe importar.

Durante uns segundos, sua irmã conseguiu que não se sentisse tão desprezível. Para sua desgraça,

seu pai e Robert não pareciam tão dispostos a lhe dar uma oportunidade e passaram todo o

caminho de volta a sua casa lhe dizendo quão decepcionados estavam e o recordando que tinha

que cumprir com sua obrigação para com Irene. Alex aguentou o sermão como pôde e tratou de

se concentrar na mão que Eleanor seguia apertando de vez em quando para lhe dar ânimos.

Ao chegar à mansão que a família Fordyce tinha na cidade, os quatro desceram da

carruagem sem que isso implicasse um afastamento na reprimenda que Alex estava recebendo.

Ele, cansado e farto, decidiu recorrer a sua fama de mau filho e plantar cara.

—Vou me deitar. Suponho que podem guardar um par de comentários para amanhã. Deus

sabe que não quereria que ficasse nada por dizer. Boa noite, papai, Robert. — Deu meia volta e

olhou a sua irmã. — Obrigado, Eleanor. — Se agachou, deu um beijo na testa dela e subiu a escada

para seu quarto antes que um dos três pudesse responder.

Já em seu refúgio, Alex tirou a jaqueta, a gravata e o colete, mas deixou postos a camisa e as

calças. Quando todos estivessem dormindo, iria ao estábulo e cavalgaria com Casio até o

amanhecer. Iria bem para pensar e, de passagem, se aproximaria do lugar onde deixava as notas

para Hawkslife, para pô-lo a par dos últimos descobrimentos. Tinha que participar da festa de

lorde Redford e evitar que aquela moça, Charlotte, caísse nas mãos do duque e do coronel. E

também tinha que contar a ele o que tinham dito sobre a ilha Skye e um homem chamado Magnus

com uma cicatriz. Apesar do acontecido com Irene, participar do baile tinha sido muito produtivo,

agora só tinha que encontrar o modo de não machucar mais à mulher que amava e de descobrir a

identidade de Louva-Deus quanto antes.

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Cavalgar com Casio sempre o tinha ajudado, mas essa noite, ou melhor dizendo, esse

amanhecer não conseguiu tranquiliza-lo muito. Não podia esquecer a sensação de ter Irene entre

seus braços, nem tampouco o olhar cheio de desprezo com que o obsequiou antes de ir embora

com seu pai. Alex era perfeitamente consciente de que tinha atuado mau, que tinha se

aproveitado das circunstâncias, mas depois de dançar com ela, vê-la com lorde Crompton o tinha

feito perder a calma, e a desculpa de que era necessário para sua missão foi o único que

necessitou para que por fim seu corpo se decidisse a atuar.

Deixou a mensagem para Hawkslife, que essa manhã não estava, pois tinha ido receber a

outro agente que Alex não conhecia, e retornou a sua casa. Queria se banhar antes de ir visitar

Irene. Já não tinha muito a seu favor, então de nada lhe serviria causar , acima de tudo, má

impressão.

Irene não dormiu em toda a noite; passou as primeiras horas insultando Alex e

repreendendo a si mesma por ter respondido a seu beijo. Depois chorou, porque embora sempre

tinha sonhado se casar com ele, jamais pensou em fazê-lo para evitar um escândalo. Por

obrigação. Não queria ser a obrigação de Alex. Não queria que se casasse com ela só para que seus

respectivos pais não o matassem. Era um dizer, claro. Irene poderia suportar que Richard a

desposasse sem amá-la, mas nunca poderia fazer o mesmo com Alex. Com este não poderia se

resignar a não desejar mais, a não esperar que ele a quisesse, que sentisse o mesmo ela. Secou

furiosa uma lagrima. Não, não podia se casar com ele. Alex já tinha dito que ia retornar a França, e

estava convencida que o fato de que se casassem não ia mudar isso. Bateram na porta e Irene se

olhou no espelho antes de dar permissão a seu visitante para que entrasse.

—Adiante — disse, depois de se pentear e secar os olhos.

—Sou eu, Irene —disse seu pai.

—Entre, papai.

George entrou no quarto e se sentou na cama.

—Quer me contar o que aconteceu ontem à noite na festa? — perguntou-lhe com

amabilidade, empregando um tom de voz que sua filha não ouvia desde fazia muito tempo.

Irene se sentou a seu lado e lhe contou todo o acontecido na festa, da valsa até quando a

duquesa de Lancaster os surpreendeu se beijando no terraço. Tampouco omitiu a proposta de

casamento de Richard, pois queria que seu pai conhecesse toda a verdade antes de lhe contar o

que pensava fazer a respeito.

—Não quero me casar com Alex, papai. Ele só disse que estávamos comprometidos para

proteger minha reputação diante da duquesa e desses dois cavalheiros.

—Que dois cavalheiros? — perguntou George.

—O duque de Rothesay e esse militar que usa um emplastro no olho — respondeu ela. —

Saíram do escritório frente ao que Alex estava.

O barão ficou pensativo uns segundos. Que fazia Alex ali? Estava escutando a esse par às

escondidas ou só estava espiando a sua filha? Se tivesse se tratado de outros indivíduos, George

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não teria perdido nem um segundo se fazendo essas perguntas, mas fazia tempo que tinha suas

suspeitas sobre o coronel Casterlagh. A questão era, que interesse podia ter Alex em escutar uma

conversação desses homens?

Bom, já teria tempo de se preocupar com isso mais tarde; naquele instante, sua filha

requeria todo seu apoio.

—Carinho — disse o barão, — não tem por que casar com Alex se não quiser. —Irene o

olhou surpreendida. — Já sabe o muito que quis a sua mãe, e ela ficaria furiosa comigo se a

obrigasse a casar com alguém a quem não ama. — Ela se ruborizou e ele fingiu não se dar conta.

—Mas tem que saber que, se não o fizer, sua reputação sairá muito prejudicada, e que talvez

nenhum cavalheiro queira se casar com você jamais. É isso o que quer? Envelhecer sozinha?

—Não — respondeu Irene com sinceridade. — Mas tampouco quero ser a obrigação de

ninguém. Quero que meu marido me ame — confessou com lágrimas nos olhos. — E Alex sempre

me deixou claro que prefere seguir com seu estilo de vida.

—Te proponho uma coisa. Por que não lhe dá uma oportunidade? Está abaixo, chegou faz

uns minutos — explicou. — E se de verdade não quer casar com ele, eu prometo que

encontraremos o modo de sair adiante. Talvez pudesse ir uma temporada a Northumberland, ou

ao continente.

—Está bem, papai. Obrigado. — Levantou e lhe deu um beijo na bochecha. —Se importaria

de me deixar sozinha? Quero me recompor um pouco antes de descer.

—É obvio. — O barão ficou em pé e se dirigiu para a porta. — Estarei em meu escritório.

Ela assentiu e se vestiu para liberar uma das batalhas mais duras de toda sua vida; se negar a

casar com o homem que amava.

Alex se levantou do sofá e passeou de um lado a outro do salão dos Morland. Voltou a

sentar. Levantou novamente. Ajeitou bem o nó do lenço, que não tinha se movido nos últimos

dois segundos, e eliminou umas rugas inexistentes de suas calças.

A porta se abriu e seu coração deu um tombo, mas era só a governanta que tinha ido

oferecer um pouco de chá. Irene não desceria para recebê-lo, seguro que nesse preciso instante

estava fazendo as malas para ir embora com seu querido lorde Crompton. Voltou a ouvir o chiar

da porta e se voltou para lhe dizer à empregada que estava bem, que não queria tomar nada, mas

ao ver Irene ficou sem fala. Ele a tinha visto zangada antes, mas nunca com o olhar tão vazio e

perdido como naquele instante. Era óbvio que tinha chorado, e que tinha feito todo o possível

para ocultar isso. Vestia um precioso vestido verde, e Alex não pôde evitar sorrir ao ver que levava

a juba trançada e amarrada com uma fita da mesma cor, igual a quando era pequena.

—Obrigado por me receber — disse, a falta de algo melhor. —Deveríamos falar sobre ontem

à noite.

Irene entrou no salão e lhe indicou com a mão que voltasse a sentar. Alex o fez e logo ela

ocupou uma poltrona que estava frente à sua, mas o bastante longe para que seus joelhos nem

sequer se roçassem.

—Não vou me casar com você, Alex — disse serena e o olhando aos olhos, e por uns

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segundos acreditou ver dor neles, mas desapareceu tão rápido como veio.

—Temos que fazê-lo, Irene. Seguro que a estas horas a duquesa já contou a todo mundo, e

meia Londres já estará se preparando para assistir à cerimônia.

—Não me importa. Meu pai e eu estivemos falando, e acredito que o melhor será que eu vá

passar uma temporada no imóvel de Northumberland. Quando estalar um novo escândalo, todos

se esquecerão de mim e poderei retornar a Londres. Além disso, assim você pode ir a França, tal

como tinha planejado — ela explicou quase sem respirar. —O único que tem a fazer é desmentir o

compromisso. Talvez pudesse mandar uma nota aos periódicos para que o publiquem na seção de

sociedade, se não for muita moléstia.

Alex estava petrificado, Irene estava falando como se estivessem repassando o menu de

uma festa, e não da que podia ser a decisão mais transcendental de suas vidas. Sua voz soava

distante, alheia a tudo e ele esquentou os miolos tratando de dar com algo que a fizesse reagir.

—Não penso fazer tal coisa.

—De acordo. Como queira, então irei sem mais e você se encarregará de contar a todo

mundo o acontecido — replicou ela sem se alterar. — Acredito que será melhor que vá fazer as

malas.

Ia se levantar, mas seus joelhos tremiam muito e optou por ficar sentada alguns segundos

mais.

—Tão horrível te parece a ideia de casar comigo? — perguntou Alex, tratando de ocultar que

ela estava rompendo seu coração.

O lábio inferior dela tremeu, apertou as mãos e tragou saliva antes de responder:

—Nem sequer me pediu isso. Limitou-se a dizer à duquesa que estávamos prometidos e logo

o anunciou sem mais a meu pai, então não acredito que minha opinião importe muito a você.

—Sinto muito. — Baixou a vista. — Pensei que era o melhor, dadas as circunstâncias.

—A isso refiro, Alex. Reagiu, “dadas as circunstâncias”. Não foi uma declaração de amor,

nem se sentiu afligido por seus sentimentos para mim, nem nada remotamente romântico.

—E o que me diz de você? — Alex não podia suportar que ela acreditasse que não a amava.

—Acaso não retornava de estar com lorde Crompton?

Isso pareceu afetá-la, e se esticou ainda mais na poltrona.

—Assim é, e, a diferença de você, Richard sim pediu que me casasse com ele.

—O que você disse a ele? — perguntou Alex ficando em pé. — O que você disse? — insistiu.

—Isso não é de sua incumbência —respondeu ela, levantando também.

—Que não é de minha incumbência?! — exclamou. — É obvio que é, você é, você é... —

apenas os separavam uns milímetros e, ao ver o fogo que havia nos olhos de Irene, ficou sem fala.

—O que sou, Alex? — Ele seguiu em silêncio e ela se armou de coragem. — Direi a você o

que não sou. Já não sou aquela menina que o seguia embevecida a todas partes. Nem tampouco a

moça que disse que o amava sob uma árvore. Vá embora daqui, Alex.

O sangue corria pelas veias dele desbocado, e não podia ouvir nada de tão rápido que

pulsava seu coração. Estava preciosa, furiosa e preciosa. E jamais a tinha desejado tanto como

naquele momento. Irene tinha razão, já não era uma menina, nem tampouco uma moça, era toda

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uma mulher e por ela seria capaz de fazer algo. Então o fez.

A abraçou como à noite anterior no terraço, mas desta vez não se desculpou, e a beijou.

Separou-lhe os lábios com a língua, fazendo impossível a ela negar a paixão que sabia que ambos

sentiam e a beijou até que ela rodeou seu pescoço com os braços e pegou seu corpo ao dele. Alex

percorreu suas costas com as mãos e, ao chegar à cintura, seguiu baixando até a insinuação de

suas nádegas. Ali se deteve e a abraçou com mais força para que ficasse claro que ele também

tinha mudado. Ao menos fisicamente. Ante aquela carícia tão descarada e sensual, Irene

retrocedeu e Alex aproveitou então para falar:

—Eu tampouco sou o mesmo menino que deixava que o penteasse, nem o moço que deixou

que você escapasse de entre suas mãos — disse, olhando-a aos olhos. — Desta vez vou fazer isso

correto. — Soltou-a. — Esta mesma tarde irei ao arcebispado para pedir uma licença especial para

nos casar quanto antes.

“Nenhuma palavra sobre o amor. Nenhuma”, pensou Irene. O máximo que tinha conseguido

era que dissesse que a desejava. Como se isso fosse algum segredo. Talvez ela não soubesse muito

sobre os homens, mas sabia quando um estava excitado.

—Não se incomode — sentenciou se afastando. — Isto não muda nada. — Ante seu olhar de

assombro, acrescentou: —Acaso acreditava que não reagiria igual a suas outras mulheres, Alex? É

um homem atrativo e sabe o que faz. — Ele estava se enfurecendo por momentos, mas isso não a

deteve. — Que consiga que responda a seus beijos não significa que aceite me casar com você.

Alex deu um passo atrás e apertou os punhos. Respirou fundo um par de vezes e tratou de

se controlar.

—Voltarei amanhã para comunicar a data das bodas e para concretizar com seu pai todos os

detalhes. — Se dirigiu para a porta, mas a voz dela voltou a detê-lo:

—A lorde Crompton disse que não.

Alex deu meia volta e a olhou aos olhos, então Irene decidiu se arriscar e dizer algo mais:

—Disse a ele que não porque não queria me casar com um homem que não me ama e do

que eu não estou apaixonada. E por isso mesmo me nego a me casar com você.

Irene sabia que estava correndo um risco enorme, que estava colocando seu coração na

linha de fogo, mas disse a si mesma que não podia tomar nenhuma decisão sem saber quais eram

os sentimentos de Alex. O único que este tinha que fazer era lhe dizer que esse não era seu caso,

que se se casava com ele não o faria com um homem que não a amasse. Nem sequer tinha que

vocalizar as palavras “te amo”. Mas foi incapaz, e Irene soube que já não ficava nem a mais remota

esperança.

Até esse instante, Alex estava convencido que sabia o que era a dor, mas ouvir Irene dizer

que não estava apaixonada por ele demonstrou que se equivocava. Uma pequena parte de seu

cérebro resistia a acreditar e lhe dizia que isso não era exatamente o que ela havia dito, que essa

frase só era aplicável a lorde Crompton. Mas outra parte, a que tinha salvado sua vida no campo

de batalha, a que o impulsionou a se converter em falcão depois da morte de sua mãe, lhe dizia

que sim, que ela não o amava.

—Isso já não tem importância, Irene. Temos que casar; não podemos nos permitir o luxo de

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pensar em nossos sentimentos. Pensa em sua irmã, em seu pai, em Eleanor. Se não nos casarmos,

eles sofrerão por nossa culpa, de verdade é capaz de viver com isso? —Viu como seus olhos

enchiam de lágrimas e continuou. — É evidente que nos sentimos muito atraídos um pelo outro, e

te prometo que a deixarei fazer o que quiser. Não me meterei em sua vida.

Com cada sílaba, o coração de Irene ia detendo.

—Será melhor que vá — disse, pois se via incapaz de conter as lágrimas por mais tempo.

—Vou, mas retornarei amanhã.

Ela não disse nada e permitiu que se fosse. Logo que ouviu o ruído da porta se fechando, se

derrubou no sofá e deu rédea solta a sua tristeza. Meia hora mais tarde, seu pai entrou e, sem

dizer uma palavra, a abraçou e a consolou como quando era pequena.

Quando lhe pareceu que estava mais acalmada, a acompanhou até onde estava Isabella e a

deixou ali com ela. Sem hesitar um segundo, saiu de sua casa e pediu a carruagem. Talvez tinha

estado entorpecido desde a morte de sua esposa, mas agora ia procurar Alex e lhe diria que se

afastasse de sua filha para sempre.

CAPÍTULO 16

Alex, tal como tinha dito a Irene, foi visitar arcebispo, mas o que não tinha dito a ela era que

o prelado em questão era um fiel aliado da Irmandade e que sem dúvida alguma lhe entregaria

uma licença especial sem fazer nenhuma pergunta. O arcebispo também o assegurou que, por

parte dele, ninguém se inteiraria jamais de que dita licença tinha saído do arcebispado, então se

ao final decidiam não se casar, o único que tinha a fazer era destruí-la. Com o papel no bolso do

peito, justo em cima de seu coração, Alex cavalgou de retorno a sua casa, mas antes se deteve

para ver se Hawkslife tinha já recolhido sua mensagem. Nada. Seu mentor ainda não tinha

retornado e isso complicava as coisas. Se Hawkslife não aparecia no prazo de dois dias, teria que

começar a tomar decisões por sua conta.

Deixou Casio nos estábulos e disse ao cavalariço que lhe desse o dobro de ração de aveia.

Seu fiel cavalo tinha tido a desdita de ser o único capaz de suportar seu mau humor, e bem

merecia algo em troca. Entrou na casa com intenção de ir a seu quarto e descansar um momento;

depois de passar a noite em claro e de discutir com Irene, possivelmente iria bem dormir um

momento. Mas para variar, o destino não estava disposto a colaborar, e logo que cruzou a porta

principal apareceu Robert feito uma fúria.

—Viu o periódico?

—Não — respondeu ele esfregando os olhos. — Não tive oportunidade.

Seu irmão golpeou seu peito com um exemplar.

—Leia. — Passeou frente a ele como um leão enjaulado. —Ao que parece, a pessoa que tem

escrito a coluna da sociedade, e citou textualmente, “lamenta muitíssimo que uma jovem tão

delicada como lady Morland vá casar com um homem da reputação de lorde Wessex, que não só é

famoso por sua dissipada vida no continente, mas também apenas algumas noites atrás

compareceu a uma festa na casa do marquês do Vessey, festa que abandonou em companhia de

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uma dama cuja identidade se desconhece”.

—Não deveria acreditar em tudo o que lê, Robert — se limitou a dizer Alex.

—É certo?

—Sim. — Em um primeiro momento pensou em negar, mas se algo tinha aprendido durante

todos aqueles anos a serviço da Irmandade, era que quanto mais se atesse aos fatos, muito

melhor. Além disso, ele não tinha a memória de Hawkslife, que era capaz de manter várias

mentiras ao mesmo tempo e com diferentes pessoas.

—Tão difícil era para você não atacá-la? Não poderia ter seguido com suas prostitutas?

—Eu não a ataquei! Só a beijei — se defendeu Alex.

Que seu irmão acreditasse capaz de tal desfaçatez, e mais depois do acontecido no porto, o

tirou de suas casinhas.

—Se de verdade sentisse algo por ela, não teria feito semelhante coisa. — O jovem parecia

procurar briga.

—Me deixe passar, Robert. Quero me deitar um momento. — Alex não queria brigar com

seu irmão, e se seguia ali, isso seria exatamente o que acabaria fazendo.

—Sabe o que? — O menino levantou uma sobrancelha. — Se William estivesse vivo, nada

disto teria acontecido.

—O que disse?

—Eu disse que se William estivesse vivo, nada disto teria acontecido. Para começar, você

seguiria desperdiçando sua vida na França, e, certamente, ele teria se casado com Irene. — Robert

sabia que este último era mentira, pois seu irmão mais velho tinha lhe confessado que estava

apaixonado por outra mulher, mas não pôde resistir a tentação de esfregar isso pelos narizes de

seu irmão.

—Vamos, diga provocou Alex tirando a jaqueta para deixar em cima do corrimão da escada.

— Diga, sei que está desejando isso.

Robert também tirou a sua, e inclusive desabotoou os punhos da camisa para arregaçá-la.

—O que quer que diga? — perguntou com ironia o mais novo dos Fordyce.

—Diga de uma vez.

—Alex!, Robert! — exclamou Eleanor, que apareceu então no alto da escada.

—Não interfira, Eleanor — advertiu Alex. — Fique exatamente onde está, isto é entre o

Robert e eu.

—Alex tem razão, Eleanor, fique aí.

—Estão loucos. Os dois — sentenciou ela, mas não se moveu de onde estava.

—Vamos, Robert, diga de uma vez.

Seu irmão o olhou aos olhos e pronunciou as palavras que o outro estava esperando.

—Oxalá você tivesse morrido em vez de William. — E lhe deu um murro.

Igual ao dia de sua chegada, Alex deixou que o golpeasse essa primeira vez, mas depois

começou a lhe devolver os golpes. Se os dois tiravam a raiva que levavam dentro, talvez algum dia

conseguiriam voltar a confiar um no outro. Robert conseguiu dar um chute na perna ferida de Alex

e ele caiu ao chão, mas este o derrubou dali com uma rasteira. Ambos ficaram em pé e, depois de

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atirarem vários golpes e de quebrar uma cadeira, dois vasos e uma mesinha da entrada,

começaram a lutar. Alex teria podido deixar inconsciente o irmão em mais de uma ocasião, mas a

verdade era que tinha vontade de brigar com ele. Tinha vontade de brigar com todo mundo, e

Robert era um oponente mais que digno. Se não fosse porque se deixaria matar antes que

permitir que seu irmão menor seguisse seus passos, se atreveria a dizer que Robert seria um

falcão exemplar. Por culpa desses pensamentos, se distraiu e Robert conseguiu rodear seu

pescoço com um braço. Lutaram e, ao se soltar, a camisa de Alex se rasgou. Sem pensar duas

vezes, arrancou a manga que o estorvava e executou um movimento que concluiu com o torso de

Robert sob seus joelhos.

Nesse preciso instante a porta se abriu e seu pai entrou acompanhado pelo barão. Alex se

levantou em seguida e inclusive estendeu a mão a seu irmão para o ajudar a levantar.

Seguidamente, rasgou a manga que jazia no chão em duas partes e ofereceu uma a Robert para

que secasse o sangue do lábio. Depois, levou o recorte que ficou entre os dedos ao nariz para ver

se assim deixava de sangrar.

—Pode-se saber o que significa isto? — perguntou seu pai.

—Nada — respondeu Alex — foi só um mal-entendido, não é assim, Robert?

Este afastou o pedaço de camisa dos lábios antes de responder:

—Sim, um mal-entendido.

—E não poderia ter solucionado isso bebendo, como um par de cavalheiros normais? —

zombou seu progenitor, que não acreditava absolutamente na desculpa que estavam contando. —

Será melhor que vão se trocar. E se assegurem de limpar bem essas feridas. Não têm boa pinta.

Alex e Robert se olharam aos olhos e com a vista se disseram que estavam em paz. Ato

seguido, deram meia volta para subir a seus respectivos quartos, mas Charles deteve seu filho

mais velho.

—Alex, George veio falar com você.

Ia pegar sua jaqueta, que estava justo ao lado do barão, quando viu que este percorria seu

braço com o olhar. Nervoso, embora sem motivo aparente, Alex pegou a jaqueta e a vestiu.

—Acabo de recordar que tenho uma entrevista com meu advogado — disse de repente

lorde Morland. —Se não se importar, Charles — acrescentou se dirigindo a seu amigo, —

retornarei amanhã.

—É obvio que não. Mas e Alex?

—O que ia dizer a ele pode esperar. — Olhou ao que ia se converter em seu genro aos olhos.

— Estudou em Oxford, não é assim, Alex?

—Assim é — respondeu este, surpreso pela mudança de tema.

—Retornarei amanhã — repetiu o pai de Irene. — Por certo, Alex, se vir Hawkslife, lhe dê

lembranças de minha parte.

George entrou em sua carruagem e desabou na fofa almofada que cobria o banco interior.

Alex era um falcão. A tatuagem do ombro o delatava. Era um falcão, igual a ele. Levou a mão à

parte inferior da clavícula direita, o lugar que ele tinha escolhido para que o tatuassem. Soltou

uma gargalhada. Alex era um falcão. O destino tinha um senso de humor do mais peculiar.

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George fechou os olhos e recordou o dia em que entrou em formar parte da Irmandade. Ele

e Hawkslife se conheceram na universidade. Naquela época, ambos eram alunos, e os dois

captaram a atenção do professor de matemática, Ogden Holburn. Este, que resultou ser muito

mais que um professor, os instruiu na arte da esgrima e no boxe, e não descansou até que

conseguiram dominar vários idiomas, uns rudimentos de química e, claro está, jogar cartas à

perfeição. O dia em que se tatuaram os falcões, George optou pela clavícula, enquanto seu amigo

preferiu a terceira vértebra começando pela nuca. Um lugar extremamente doloroso, segundo o

artista que lhes desenhou as aves negras. A partir de então, suas vidas seguiram caminhos

diferentes, mas sempre encontravam tempo para se reunir e compartilhar experiências. Ou tinha

sido assim até que Hawkslife conheceu Vivian e tudo se foi ao traste.

Separou de sua mente a trágica história de seu amigo e se centrou no que significava para

sua filha que Alex fosse um falcão. De certo modo, George não sabia o que era pior, que fosse

falcão ou o bon vivant que todos acreditavam? Respirou fundo e se esforçou por imaginar o que

diria sua esposa a respeito. Antes de se declarar George tinha contado a sua amada a que se

dedicava, mas também lhe disse que tinha chegado o momento de se retirar e que, embora

sempre seguiria fiel aos princípios da Irmandade, se formavam uma família os ajudaria de outro

modo.

Quando pequeno, Alex tinha sido um menino doce, peralta, recordou George, mas tudo

começou a mudar depois da trágica morte de sua mãe, durante seu último curso em Oxford.

Seguro que então Hawkslife já levava meses o treinando. Alex tinha passado todos esses anos na

França lutando para proteger a toda aquela gente que agora o desprezava. E por isso se distanciou

tanto de Irene antes de ir-se. Por fim tudo encaixava. Na realidade, via tudo tão claro que o

surpreendeu não ter se dado conta antes. Suspirou. Isso só confirmava o bom falcão que era Alex,

e até onde estava disposto a chegar para defender seus ideais.

Quando a carruagem se deteve frente a sua casa e o chofer lhe anunciou que tinham

chegado, George tomou uma decisão. Não podia permitir que Irene rechaçasse ao jovem

acreditando que era um trapaceiro, embora tampouco podia dizer a verdade a ela, ao menos não

no momento. Mas estava convencido que no passado sua filha tinha estado realmente apaixonada

por ele, e não estava seguro de que esses sentimentos tivessem desaparecido de tudo. Por outra

parte, se Alex estava disposto a seguir com essa história do casamento, era sinal que sentia algo

por Irene, pois, a essas alturas, bem teria podido desaparecer e deixar que ela enfrentasse sozinha

ao escândalo. Trataria de convencê-la que voltasse a falar com Alex antes de ir-se, e no dia

seguinte diria a este que, se sentia algo por Irene, mais lhe valia lutar por ela.

O pai de Irene conhecia Hawkslife, e não só isso, pelo modo em que tinha observado seu

braço, também sabia o que significava a tatuagem. O coração de Alex pulsava tão desbocado que

se sentou para não sofrer um enfarte. Só havia uma explicação plausível para tudo aquilo e era

que George Morland, o barão de Bosworth, era, ou teria sido, um falcão. Apoiou os cotovelos nos

joelhos, levantou as mãos e ocultou a cabeça entre elas. Quando seu irmão tinha arrancado a

manga da sua camisa, nem sequer se lembrou do falcão que levava ali tatuado, uma amostra mais

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de quão cansado estava. Antes de ir embora, o barão tinha dito que retornaria no dia seguinte,

então Alex supôs que o único que podia fazer era esperar. Ter paciência e esperar. Ele nunca tinha

tido paciência, e era péssimo esperando, mas por sorte, e isso era um dizer, Robert entrou então

em seu quarto com uma garrafa de uísque e dois copos. Sem pronunciar palavra, serviu o líquido

ambarino e lhe deu um dos copos. Ambos beberam em silêncio, mas passados uns minutos,

Robert falou:

—Sinto o que tenho dito. —Levantou a mão para evitar que o interrompesse. —E não vim

aqui obrigado por Eleanor. Nossa irmãzinha está tão zangada que nem sequer me dirige a palavra.

Alex sorriu e estendeu o copo para que voltasse a enchê-lo.

—Não preferiria que tivesse morrido você. — Ao ver que seu irmão levantava uma

sobrancelha, incrédulo, acrescentou: —Preferiria que não tivesse morrido nenhum dos dois.

—Isso sim que acredito. — Esvaziou de novo o copo.

—O de Irene e William tampouco é verdade — prosseguiu Robert.

—Sei. Irene me falou de Marianne. Conhece-a?

—Não muito, mas era óbvio que William estava louco por ela.

—Eu estou apaixonado por Irene — soltou Alex de repente. Tinha a necessidade imperiosa

de dizer a alguém, e, de repente, Robert lhe pareceu o mais adequado. Ou o único disposto a

escutá-lo. — Sempre estive.

—Acredito que necessito outra taça.

—E eu.

—Alex — disse Robert depois de beber e com a voz um pouco mais rouca. — Sinto muito ter

brigado com você, mas quando tenho lido tudo isso no periódico...

—Entendo. Acredite, tampouco me fez feliz. — Será melhor que o deixe sozinho. Trata de

descansar, tem muito má cara.

—O mesmo digo.

Robert pegou então a garrafa, já vazia, e os dois copos.

—Obrigado, Robert.

—De nada. — Se encaminhou para a porta. — Bom, ao que parece papai tinha razão e as

diferenças se solucionam muito melhor bebendo.

Alex sorriu de novo e se derrubou na cama.

O barão de Bosworth entrou em sua casa com ânimo renovado e ansioso por falar com sua

filha mais velha, então, sem perder um segundo, se dirigiu ao quarto de Irene. Bateu na porta. Ela

abriu e ao cruzar a soleira viu os baús meio cheios, abertos no chão.

—Já está fazendo as malas?

—Sim, quero ir o antes possível — respondeu sua filha sem deixar de transportar roupa de

um lugar ao outro.

—Não acha que está se precipitando?

—Não.

—Irene, para um segundo. Já sabe que se tiver quer ir não vou te impedir mas antes me

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responda uma pergunta.

O tom de seu pai, tão sincero e honesto, a fez se deter.

—Que pergunta?

—Há cinco anos, quando Alex se foi, estava apaixonada por ele?

O lábio dela tremeu, mas se obrigou a dizer a verdade:

—Sim.

—Então não vá.

—Papai! — exclamou horrorizada. — Não posso ficar. Simplesmente, não posso.

—Você sabe que eu sempre quis o melhor para todos vocês. — Esperou que sua filha

concordasse antes de continuar. — E agora sei, sem dúvida nenhuma, que o melhor para você é

que fique. Não me pergunte como sei, mas estou convencido disso.

Irene secou uma lágrima que escorregou por sua bochecha, uma dessas lágrimas que jurou

não voltar a derramar por Alex, e respondeu:

—Não sei se posso fazê-lo.

—Se for, nunca saberá a verdade sobre Alex. —Esse comentário conseguiu que ela o olhasse

de outro modo. —Fique, ao menos uns dias. Se for assim, deixará sua irmã e a mim em uma

posição muito difícil. Se não quer casar com Alex, não o faça, mas fique aqui. Os Morland não são

uns covardes, não fugimos das coisas importantes. — E com essa última frase, saiu do quarto e

cruzou os dedos.

—Senhor — o mordomo o chamou antes que George tivesse descido dois degraus, — tem

visitas.

—Visitas? — O barão passou as mãos pelo cabelo. Esse dia estava resultando muito

exaustivo.

—Sim, o esperam em seu escritório. — O homem fez uma reverência e baixou a escada que

antes tinha subido a toda pressa para avisar a seu senhor.

—Obrigado, Procter. E respire, homem, ou lhe dará um ataque.

—Obrigado pelo conselho, senhor — balbuciou a suas costas.

George se dirigiu a seu escritório, e justo antes de abrir a porta se deu conta que seu fiel

mordomo não lhe tinha dito o nome de suas misteriosas visitas. Ao que parecia, a idade estava

afetando a seu servente. Entrou sem chamar, ao fim e ao cabo era sua casa, e quase teve que se

segurar ao marco da porta para não cair. Ali, no meio de seu escritório, estavam Hawkslife, James

e uma preciosa moça que olhava o filho embevecida.

—Olá, papai. Apresento Tilda, minha esposa.

—Sua esposa? — Fechou a porta atrás dele.

—É um prazer conhecê-lo, lorde Bosworth — disse a moça.

—Me chame George — respondeu sem pensar, e então desviou a vista para seu filho e seu

amigo de juventude. — Desde quando se conhecem? — Se não lhe falhava a memória, James

nunca tinha coincidido com Hawkslife.

—James, será melhor que desabotoe as calças — disse Hawkslife.

—Vá, acreditava que essa frase só tinha direito a dizer eu — brincou Tilda, dando um beijo

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TWKliek Anna Casanovas

Irmandade do Falcão 01

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em seu marido.

—Um momento. — George levantou a mão para deter seu filho. — O que quer me mostrar

não será o que estou pensando.

—Sinto muito, George — disse Hawkslife. —Mas James era muito bom e estava jogando sua

vida a perder. Acredito que não precisa se despir — se dirigiu a James. — Seu pai não precisa ver o

falcão que tem na coxa, ele tem um idêntico na clavícula direita. A verdade é que sempre achei

engraçado que os dois, sem saber, escolheram que lhes tatuassem a ave da mesma forma. De

perfil e com as asas em alto. Suponho que é certo isso que dizem de que de tal pau tal lasca.

Pai e filho se olhavam, incapazes de reagir e sem quase escutar as palavras do outro homem

presente no escritório.

—É um falcão? — perguntaram ambos ao uníssono. — Desde quando? — voltaram a falar a

vez.

—Acredito que isto vai demorar. Gostaria de tomar algo, senhora Morland? —perguntou

Hawkslife a Tilda.

—Nada, obrigado, e me chame Tilda — respondeu ela. — Ao fim e ao cabo, sem você jamais

teria conhecido James.

—Começa você — pediu George a seu filho. — Desde quando é falcão?

James relatou a grandes rasgos como tinha conhecido Hawkslife e como a Irmandade tinha

dado um novo rumo a sua vida que, naquele tempo, carecia de sentido. Ato seguido, contou-lhe o

acontecido na ilha Skye e como ali se apaixonou por Tilda.

—E não podia ter nos convidado à bodas? Suas irmãs vão te matar — disse com um sorriso

afetuoso.

—Sei, mas não, não podia esperar. — Deu um beijo em sua esposa. — E seguro que quando

Isabella e Irene conheçam Tilda entenderão. Acredito que agora toca a você se explicar, papai.

George respirou fundo e relatou a seu filho, também a grandes rasgos, suas vivencias como

falcão. Terminou lhe contando o acontecido com Irene e Alex.

—Alex também é falcão? — balbuciou James, a quem começava a lhe custar assimilar tanta

informação.

—Sim — respondeu Hawkslife. — Alex Fordyce é um de nossos melhores agentes, seu

trabalho como infiltrado na França foi vital em numerosas ocasiões. George, temo que tenho que

ir. James me entregou uns documentos de vital importância que queria revisar antes de me reunir

com Fordyce.

—De acordo, mas antes de ir, me prometa que não se aproximará de minhas filhas — pediu

George meio de brincadeira. — Ao menos, é um alívio que na Irmandade não tenha agentes

femininas.

—Quem disse tal coisa? — perguntou Hawkslife completamente a sério. — Mas não se

preocupe, nem Irene nem Isabella são falcões.

—Procura que as coisas sigam assim — sentenciou George, o acompanhando até a porta. —

Venha me ver dentro de uns dias e me conte como vão as coisas com a missão de Alex. Talvez

possa ajudar em algo.

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TWKliek Anna Casanovas

Irmandade do Falcão 01

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—Farei. — Se despediu Hawkslife. — Morland — se dirigiu James, — cuide de sua esposa.

Não a merece.

—Sei, senhor.

O professor abandonou a mansão dos Morland. Esperava-lhe uma noite muito longa. Seguro

que Alex tinha lhe deixado mais de uma mensagem, e estava impaciente por lê-las; tinha a

sensação que cada vez estavam mais perto de Louva-Deus. Sorriu. Sua noite ia ser longa, mas

apostaria tudo o que tinha que tanto George como seu filho também iam passar um montão de

horas em claro, falando de tudo o que se ocultaram durante anos.

CAPÍTULO 17

Depois de ler a mensagem de Alex, Hawkslife pegou o caderno de William e todos os papéis

que James Morland havia entregue. Era evidente que a operação de contrabando que Morland

tinha desmantelado na ilha Skye era a mesma da qual tinham estado falando o coronel Casterlagh

e o duque de Rothesay, e que o homem ao que Morland tinha disparado para salvar a que agora

era sua esposa não era outro que o tal Magnus. Segundo Alex, David Faraday tinha sido

assassinado e de seu escritório tinha desaparecido documentação relativa à segurança da

Inglaterra. E não só isso, mas também o coronel e o duque estavam decididos a procurar uma

moça que, segundo eles, podia ter em seu poder vários cadernos de Faraday.

Essa operação ia se complicando a cada segundo. Louva-Deus estava melhor introduzido do

que acreditavam. Ainda não tinha contado a ninguém, mas Hawkslife tinha recebido notícias de

que na França tinham achado o corpo de um de seus colaboradores da Irmandade assassinado. O

jovem, de nome Miguel Montoya, era de origem espanhola, e os tinha ajudado em mais de uma

ocasião, mas nunca se converteu em falcão por questões de família. Era uma lástima, uma

verdadeira lástima. Miguel tinha sido torturado antes de morrer, e seu assassino deixou seu cartão

de visita cravado com uma adaga no peito do morto. Nela tinha desenhados aqueles três olhos

maliciosos, e Hawkslife soube então que Louva-Deus estava jogando com eles.

Sua única vantagem era Alex. No momento, ninguém suspeitava que fosse nada mais que

um homem sem escrúpulos nem princípios e por muito que a Alex doesse, assim tinha que seguir

sendo. A melhor pista que tinham eram o coronel e o duque, e não podiam jogá-la a perder de

qualquer jeito. Concentrou-se no caderno de William e não demorou para decifrar o código. Por

desgraça, o irmão mais velho de Alex não sabia nada que eles já não soubessem, mas sim

contribuiu mais detalhe a sua informação, como por exemplo, que as finanças do duque de

Rothesay tinham melhorado substancialmente da noite para o dia, ou que o coronel apareceu de

repente nas altas esferas da sociedade sem que ninguém tivesse ouvido falar dele antes. William

também relatava em seu caderno o que tinha averiguado no porto e, graças a suas precisas notas

sobre entradas e saídas de navios, Hawkslife confirmou que o navio que James Morland tinha

interceptado na ilha Skye era um desses. Além disso, ao confrontar as notas de William Fordyce

com as do jornal que James tinha entregue, encaixavam à perfeição. Ao que parecia, o homem da

cicatriz, Magnus, era também muito preciso com o caderno de bordo e Hawkslife conseguiu riscar

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TWKliek Anna Casanovas

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à perfeição as rotas que tinha seguido seu navio até a data.

Nesse mesmo caderno se citava um armazém do porto de Londres, e Hawkslife apostaria o

que fosse que era ali onde estavam escondidas as armas dos franceses. Tomou nota, mas pensou

que o melhor seria as deixar onde estavam e colocar a um homem para que as vigiasse. Se as

autoridades iam ali e as levavam, jamais conseguiriam desmantelar a operação por completo.

Aquelas armas eram o chamariz perfeito para apanhar tanto aos franceses como aos traidores.

Alex despertou com uma impressionante dor de cabeça, devido tanto aos golpes que tinha

recebido de seu irmão como à meia garrafa de uísque que bebeu antes de se deitar. Abriu os olhos

muito devagar. Os raios do sol que penetravam pela janela eram como agulhas cravando em seu

cérebro. Sentou-se na cama e, quando se acreditou capaz de suportar, levantou e caminhou para

o vestidor. Ao que parece, alguém tinha se encarregado de lhe deixar uma jarra de água limpa na

pia para se assear, de modo que decidiu se barbear. Logo se vestiu e desceu para tomar o café da

manhã. Seguro que depois de um par de xícaras de café se sentiria muito melhor, e mais lhe valia

estar bem acordado quando o pai de Irene chegasse. Chegou ao salão no qual sua família

costumava tomar o café da manhã e viu que estava deserto. Melhor, ainda não estava preparado

para enfrentar de novo a seu pai ou seu irmão. Reeves, atento como de costume, apareceu justo

então com uma cafeteira fumegante e lhe serviu uma xícara de seu adorado café.

—Pedi que lhe sirvam algo de comer — disse o mordomo. —E se me permite o atrevimento,

também dei instruções para que preparem a beberagem do velho John.

—A beberagem do velho John? — perguntou Alex fechando os olhos para saborear melhor o

café.

—Sim, tenho entendido que ajuda em casos como este.

—Como quais? — Alex não entendia nada.

—Seu irmão já o bebeu, e acredito que se encontra muito melhor que você.

—Ah, entendo.

—Me alegro, senhor.

Com uma leve reverencia, Reeves voltou a deixa-lo sozinho. Meia hora mais tarde, e depois

que Alex comprovasse que a beberagem do velho John era repulsiva mas eficaz, o mordomo

retornou para lhe anunciar a chegada do barão de Bosworth.

—Bom dia, Alex — saudou George ao mais entrar.

—Bom dia, lorde Morland — respondeu ele.

—Vejo que ao final decidiram fazer caso a seu pai. — Assinalou o copo que tinha contido a

asquerosa beberagem. —Acreditava que Reeves já não se lembrava de prepará-lo.

—Sim, pelo visto se lembra.

—Me alegro.

Os dois ficaram uns segundos em silêncio e George, talvez pela idade, ou porque era o único

que não tinha ressaca, foi o primeiro a reagir. Aproximou-se da cadeira em que Alex estava

sentado, afrouxou a gravata e se desabotoou um par de botões da camisa. Ante o olhar atônito do

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jovem, afastou o tecido o suficiente para que este pudesse ver o falcão tatuado justo debaixo de

sua clavícula direita.

—Feitas as apresentações — disse o barão, — queria te agradecer.

—Agradecer? — Isso sim que não esperava.

—Por ter estado todos estes anos na França trabalhando pela Irmandade. Não posso nem

imaginar o que terá sacrificado em troca.

—Tudo — respondeu Alex emocionado. — Sacrifiquei tudo.

—E agora o que pensa fazer? — se sentou frente a ele. — Ontem a noite vi Hawkslife.

—Já retornou da Escócia? — perguntou Alex.

—Sim. — George omitiu a informação sobre seu filho. Antes de desvelar que James também

era um falcão, queria consultá-lo com seu amigo. — Não sei no que consiste a missão que levam

entre as mãos. Não se preocupe — acrescentou, ao ver que Alex o olhava angustiado, —não tem

que me contar isso só quero saber uma coisa, tem algo a ver com o que aconteceu com Irene?

—Não — respondeu Alex. —Ela apareceu no lugar equivocado no momento equivocado,

mas o fato de que a beijasse não tem nada a ver com a missão. O que sinto por Irene não tem

nada a ver com a Irmandade.

—De acordo. Suponho que terei que me conformar com isso. — O olhou aos olhos. — Vai

contar a verdade a ela?

—Não, é muito perigoso.

—E o êxito da missão depende de que todo mundo siga acreditando que é um

inapresentável — continuou George sem que Alex tivesse que explicar. Conta comigo.

Ante esse voto de confiança, o jovem teve que tragar saliva antes de responder:

—Por que? Sua filha estaria muito melhor longe de mim. Se ficar a meu lado, todo mundo a

criticará, dirão que seu prometido, que seu marido, é infiel a ela.

—E será?

—Não! — replicou furioso. —Mas a verdade não importa. Nunca importou.

—Esta missão não durará sempre, Alex. — O barão se levantou e se aproximou de uma

janela. —Lembro do dia em que contei a minha mulher, à mãe de Irene, que era um falcão. A

princípio ela não acreditou em mim. Segundo ela, eu não era o bastante retorcido para ser um

espião. — Riu. — Por ela deixei o serviço ativo, e é a melhor decisão que tomei em minha vida.

—Eu não sei se viverei o suficiente. — Aproveitando que lorde Morland lhe dava as costas,

confessou-lhe um segredo: — O homem que ando procurando é o responsável pela morte de

William. Não descansarei até dar com ele. Custe o que custar.

George deu meia volta.

—Entendo você, e, como eu disse, pode contar comigo. Hawkslife me disse que viria me

visitar e quando me puser a par da missão farei tudo o que possa para te ajudar. —Respirou

fundo. —E o farei porque acredito que você é o homem capaz de fazer feliz a minha filha. Espero

não me equivocar, mas se acha que você e Irene não podem ter um futuro juntos, peço que, no

mínimo, fale com ela antes de desaparecer. Faz cinco anos, quando foi... —Viu que Alex ia dizer

algo mas o deteve. — Não sei o que aconteceu a vocês, mas Irene não pode seguir esperando que

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no futuro você retorne ou entre em razão. Então, se for necessário, fala com ela e lhe dê a

oportunidade de ser feliz com outro.

Alex se levantou e se aproximou do barão. O jovem sempre o tinha respeitado, mas nesse

instante sentiu verdadeira admiração, e não porque tivesse descoberto que era um falcão, mas

sim porque além disso, sabia defender às pessoas que amava. Se deteve frente a ele e lhe tendeu

a mão.

—Farei tudo o que possa para que Irene seja feliz. Dou minha palavra.

George lhe estreitou a mão e o olhou aos olhos.

—Sei. E agora será melhor que vá. Ambos sabemos que Hawkslife não gosta de esperar.

Alex sorriu e se atreveu a perguntar por Irene:

—Como está sua filha?

—Zangada, mas se parece muito a sua mãe, então com certeza logo estará bem. Se não me

falha a memória, quando está zangada sai para cavalgar e passa horas sentada sob o carvalho que

há no caminho que conduz a nossa casa.

—Obrigado.

O barão saiu dali com um sorriso nos lábios, seguro que Alex já estava vestindo o casaco e

pedindo a um dos cavalariços que lhe preparassem seu cavalo.

Irene estava sentada com as costas apoiada no tronco da velha árvore. Tinha os olhos

fechados e a cara ligeiramente inclinada para cima, para que os tímidos raios de sol dessa manhã

pudessem lhe acariciar o rosto. Ouviu os cascos de uma cavalgadura e soube sem dúvida que era

Casio. O cavalo de Alex relinchava de um modo especial cada vez que se aproximava da égua de

Irene, algo que sempre a tinha feito sorrir. Talvez eles dois nunca pudessem ser felizes, mas suas

montaduras tinham encontrado o modo de estar juntas de vez em quando.

—Como sabia que estava aqui? — perguntou sem abrir os olhos.

—Seu pai — respondeu Alex desmontando e se aproximando dela. Se sentou a seu lado e

também fechou os olhos. Em sua mente tinha imaginado tudo o que queria lhe dizer, e recordou o

pouco que podia contar a ela.

—Decidi ficar — disse Irene. —Não vou a nenhuma parte.

—Se lembra dessa vez que tratamos de construir um balanço? — perguntou ele como se não

a tivesse escutado. —Viu um na casa de não sei que amiga e se empenhou em que queria um

igual.

—Lembro.

—Seu pai disse a você que não ia pendurar nenhuma corda em nenhuma parte, que você e

seus irmãos já se machucavam bastante sem ajuda. E no dia seguinte você veio buscar. —Sorriu.

—Nunca pude te negar nada.

Ela ia dizer que sim, que cinco anos atrás, tinha lhe negado seu coração, mas ao abrir os

olhos viu que ele tinha as pálpebras fechadas e que parecia feliz rememorando, e optou por seguir

em silêncio.

—Peguei uma corda dos estábulos — prosseguiu Alex, —e tratei de pendura-la no ramo de

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uma árvore que havia na parte traseira de sua casa. Um que ficava justo diante de seu quarto.

—Você caiu — recordou ela. — Um montão de vezes.

—Assim é, e tenho uma cicatriz no joelho que me recorda isso cada dia. Ao final ficou sem

balanço.

—Mas você foi o único que tentou fazer isso e isso que só tinha doze anos.

Então Alex abriu os olhos e inclinou a cabeça para olhá-la.

—Por que não me dá uma oportunidade, Irene? Desde que retornei nós só discutimos. —

”Ou nos beijamos”, pensou. — Mal falamos. Talvez se voltássemos a nos conhecer não te

desgostaria tanto a ideia de casar comigo.

Ela viu que a mandíbula dele tremia e pensou no que seu pai tinha dito. “Se for, nunca

saberá a verdade sobre Alex.” E como sabia que de nada serviria tratar de resistir, seguiu os

ditados de seu coração.

—Está bem. — Estendeu-lhe a mão. —Olá, meu nome é Irene Morland.

—Encantado. — Pegou a mão dela e lhe deu um beijo nos nódulos. —Eu sou Alexander

Fordyce, mas pode me chamar Alex.

—De acordo, Alex. —Sorriu para ele. —Faz muitos anos conheci um Alex.

—Ah, sim?

—Sim, era meu melhor amigo. — O olhou aos olhos. —Sempre brincávamos juntos, ele

costumava dizer que me defenderia de todos os dragões do mundo.

Um nó se fez na garganta dele.

—E o que aconteceu com ele?

— Se foi — respondeu ela.

—Talvez algum dia volte e te conte que isso é precisamente o que esteve fazendo.

—O que?

—Te defendendo dos dragões.

Irene esboçou um triste sorriso.

—Os dragões não existem.

Alex ia dizer que ela tinha razão, que por desgraça os dragões não existiam, mas que, em

troca, o mundo estava cheio de seres malvados capazes de tudo para satisfazer sua cobiça.

Entretanto, não disse nada disso, e preferiu mudar de tema.

—As duas últimas vezes que estivemos aqui nos beijamos.

Irene se ruborizou, mas respondeu:

—Eu preferiria apagar de minha memória esses momentos. Ao menos o primeiro.

—Por que?

Ela deu de ombros e não disse nada. A verdade era que ambas as lembranças eram para Alex

dois dos mais valiosos, e lhe doía que Irene não pensasse igual; embora uma pequena parte de si

mesmo pudesse entender.

—Te proponho uma coisa — disse ele fingindo uma alegria que não sentia, —o que te

pareceria quebrar a tradição?

—Não te entendo…

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—Desde que voltei, sempre que te dei um beijo, ou que você me deu um, estávamos

zangados. —Não deu tempo a que ela reagisse e continuou: — e faz cinco anos...

—Não quero falar do que aconteceu então.

—Está bem. O que quero dizer é que se formos nos casar. Não, não digo que isso seja o que

vamos fazer, mas no caso de que isso acontecesse, não acha que deveria ter me dado, no mínimo,

um beijo sem estar zangada?

Irene ficou em silêncio, ponderando os prós e os contra da sugestão, ou isso disse a si

mesma, pois o que de verdade estava fazendo era tratar de dar com uma desculpa o

suficientemente boa para convencer a seu cérebro de que fizesse o que desejava seu coração.

—De acordo. Mas só um beijo.

—Só um. — Alex não podia acreditar que ela tivesse dito que sim.

Sem levantar, girou sobre si mesmo e levantou uma mão. Acariciou as sobrancelhas dela, a

ponte do nariz, a comissura dos lábios. O pulso de Irene se acelerou, seu corpo todo tremeu e nem

um só segundo deixou de olhá-lo. Alex inclinou a cabeça devagar e roçou os lábios dela com os

seus. Foi só um par de segundos, mas para ele durou como uma vida inteira. Amava a aquela

mulher e tinha que encontrar o modo de fazê-la feliz, embora isso significasse deixá-la ir. Se

afastou, e viu que os dedos de Irene se aferravam a suas lapelas, como se não quisesse que se

afastasse; mas deve ter se dado conta, pois um a um seus dedos o soltaram e o deixaram ir.

—Será melhor que retornemos — disse Alex. — Está ficando tarde.

—Claro — respondeu ela.

A ajudou a montar e logo subiu em Casio. Cavalgaram juntos até a mansão dos Morland e

quando Irene ia se despedir, Alex lhe disse:

—Posso vir te ver amanhã?

Ela demorou uns segundos a responder, mas quando o fez foi para dizer que sim.

Alex deixou Casio nos estábulos sem saber qual dos dois estava mais contente, se ele ou seu

cavalo. Tinha passado meia manhã com Irene, e tinha a sensação de que tinha recuperado algo do

carinho que ela sentia por ele desde pequena. Não se conformava com isso, mas era um princípio.

Subiu de dois em dois os degraus até seu quarto, mas ao entrar ali viu uma carta em cima de sua

escrivaninha e seu humor mudou por completo. Hawkslife queria vê-lo. E era urgente.

CAPÍTULO 18

Hawkslife tinha passado quase toda a manhã com os dois Morland, pai e filho. James voltou

a repassar com ele o que tinha descoberto na ilha Skye enquanto seu pai os escutava atentos. Ao

terminar, Hawkslife lhes contou o que a Irmandade, ou melhor dizendo, Alex Fordyce, tinha

averiguado em Londres. As conclusões às que chegaram não eram nada alentadoras; o coronel

Casterlagh e o duque de Rothesay eram uns traidores e não atuavam sozinhos.

As operações de contrabando que tinham lugar na Escócia eram só um dos muitos modos

que tinham de financiar sua organização. Era evidente que aquelas duas sanguessugas estavam

atrás do assassinato de David Faraday e que também eram os culpados de que o exército de

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Bonaparte tivesse atacado ao esquadrão de William Fordyce na França. Tampouco podiam

esquecer os diferentes ataques que tinham sofrido certos navios ingleses e o roubo daquele

carregamento de armas. Por sorte, agora sabiam onde estavam estas e que ainda não tinham

caído em mãos dos franceses.

Era também evidente que o cérebro que se escondia atrás de tudo isso, Louva-Deus, como o

tinham batizado na Irmandade, era muito preparado e muito retorcido. E que, por desgraça, não

era nenhum daqueles dois traidores. Hawkslife nunca tinha acreditado que o duque fosse Louva-

Deus; Rothesay era muito presunçoso para ser tão letal, mas em troca o coronel sim encaixava

mais nesse perfil psicótico, embora depois de encontrar o cadáver de Miguel Montoya na França

com o cartão de visita de Louva-Deus cravada no peito, estava claro que era impossível que fosse

o militar.

Se prendiam Casterlagh e Rothesay naqueles momentos, nunca averiguariam até onde

chegava a rede de mentiras, nem quem se escondia atrás delas. O melhor seria seguir o jogo deles,

assim Fordyce tinha que continuar cultivando sua relação com aquele grupo de nobres, e se

assegurar que o convidavam à festa de lorde Redford para encontrar Charlotte antes que eles e

protegê-la.

James, que depois de casar tinha decidido abandonar o serviço ativo como agente, se

adjudicou a tarefa de tratar de decifrar o caderno e as notas de Magnus, o homem da cicatriz ao

que tinha disparado para salvar a sua esposa. Também se ofereceu para repassar as notas de

William, pois, ao fim e ao cabo, o irmão mais velho de Alex tinha sido um de seus melhores

amigos.

Por sua parte, George Morland sugeriu que poderiam tratar de encontrar a tal Charlotte

antes da festa, então possivelmente Alex não teria que ir à mesma, e poderiam economizar um

desgosto a Irene, que sem dúvida não tomaria nada bem que seu prometido tivesse que

comparecer a uma orgia. Além disso, o barão disse a Hawkslife que faria perguntas por aí, nos

clubes e no Parlamento, para ver se alguém sabia algo sobre Faraday que lhes tivesse passado por

cima. Também sugeriu, e todos estiveram de acordo, que deviam dizer a Alex que James era um

falcão, desse modo não só teriam mais ajuda, mas também talvez se sentiria menos sozinho.

Com as tarefas mais ou menos repartidas, Hawkslife abandonou a mansão dos Morland e se

dirigiu a seu domicílio para se preparar para a visita de Alex.

Alex tratou de controlar a raiva que sentia. Tinha o pressentimento de que fosse o que fosse

que Hawkslife ia lhe contar acabaria com qualquer oportunidade que pudesse ter de se reconciliar

com Irene. Desmontou de um salto e foi ao encontro de seu mentor. Hawkslife o estava

esperando em seu escritório. Em cima da mesa tinha espalhadas várias notas de William junto

com um caderno que ele não tinha visto antes.

—É a documentação que recuperou o falcão que se ocupava da missão da ilha Skye —

explicou Hawkslife ante a pergunta não formulada. — Com respeito a esse falcão, acredito que

chegou o momento que lhe conte algo.

—Como? — Alex se sentou na cadeira que havia frente a escrivaninha sem esperar que o

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outro o convidasse.

—Me refiro à identidade desse espião. — Esperou que Fordyce o olhasse aos olhos e disse:

—É James Morland.

—James Morland? — repetiu ele, sem acreditar. —James Morland? O filho do barão?

Acreditava que a Irmandade jamais recrutava a herdeiros.

—O senhor Morland foi uma exceção. Seguro que recorda sua habilidade para ficar em

situações perigosas e sair bem delas. — Depois de ver o jovem assentir, continuou: —Pois bem,

digamos que a Irmandade acreditou que lhe podia ir bem tal temeridade. O senhor Morland

retornou e, espero que não se importe, mas tanto o barão como eu estimamos oportuno que

soubesse que você era também um dos nossos.

—Não me importa. Sempre gostei de James, e será agradável poder conversar com alguém

sem ter que pensar se estou me delatando.

—Me alegro que lhe pareça bem. As circunstâncias do senhor Morland mudaram na Escócia;

agora é um homem casado.

—James se casou? — perguntou Alex sentindo inveja e curiosidade ao mesmo tempo.

—Assim é, seguro que quando o vir o porá à par das circunstâncias que rodearam o início de

sua relação com a senhorita Tilda. Mas agora nos centremos no que nos importa.

—É obvio. — Alex pigarreou e decidiu que já teria tempo para se inteirar dos detalhes da

misteriosa história do casamento de James.

—Estamos convencidos de que a operação de contrabando da ilha Skye está estreitamente

relacionada com o Louva-Deus.

—Aproximou-lhe o caderno. — De fato, o senhor Morland se viu na obrigação de eliminar a

um homem com uma cicatriz no rosto que encaixa à perfeição com o tal Magnus do que você

ouviu falar. Pelo que sabemos, e graças a incipiente investigação que seu irmão realizou antes de

morrer, o coronel e o duque são os responsáveis pela morte de David Faraday, e suponho que não

precisa dizer que é de vital importância que encontremos à senhorita Charlotte. Além disso, pelas

notícias que recebi da França, Louva-Deus acaba de assassinar a um de nossos homens.

—Espere. — Alex repassou mentalmente a informação. — Está me dizendo que nem o

coronel nem o duque são Louva-Deus?

—Não, estou lhe dizendo que isto vai além desses dois energúmenos; que, por desgraça,

Louva-Deus está muito mais introduzido do que temíamos, e que esses traidores não só estão

ficando ricos, mas também estão dispostos a tudo para aniquilar aos melhores homens da

Inglaterra.

—Maldição.

—Senhor Fordyce, não faça que o recorde o que penso dos cavalheiros que dizem

impropérios.

Alex olhou para Hawkslife sem muita expressão de arrependimento e lhe perguntou:

—O que vamos fazer com as armas? Sabe onde as guardam?

—Sim. —Mostrou o livro que James levou do navio de Magnus. —Neste caderno se indica a

localização exata de onde estão, já dei instruções para que Mollet coloque ali a um de seus

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homens. George, o barão de Bosworth, se ofereceu para fazer algumas pergunta nas altas esferas

sobre David Faraday. Talvez assim consigamos descobrir algo mais sobre o jovem. E seu filho

James, embora tenha deixado o serviço ativo, está repassando todas as notas e tratando de

decifrar uns mapas e umas cartas de navegação.

Essa última informação deixou Alex sem fôlego James tinha deixado o serviço ativo? Se isso

era possível, talvez também ele pudesse conseguir. Claro que, pensou, em seu caso possivelmente

não terminasse aquela missão com vida.

—Fordyce — disse Hawkslife o tirando de seu ensimesmamento, — o barão me pôs à par do

que aconteceu na festa com sua filha, lady Morland. O que pensa fazer? Por agora é impossível

que deixe de representar seu papel; necessitamos que siga com sua amizade com o duque e o

coronel. E, se não encontrarmos Charlotte a tempo, deverá comparecer à festa de lorde Redford.

—Sei, me acredite. Não se preocupe, minha relação com lady Morland não evitará que eu

faça o que tenha que fazer.

—Fordyce — disse Hawkslife, recordando uma época em que também ele acreditou estar

apaixonado, — por que não conta a verdade a ela? A Irmandade não se oporá. E sendo lady

Morland como é filha de um agente, seguro que saberá guardar o segredo. Leva-o no sangue.

—Não — respondeu Alex sem hesitar. —É muito perigoso. Além disso, talvez não precise.

—A que se refere? — Hawkslife intuía o que tinha querido dizer com isso, mas queria

escutar de sua boca.

—Tenho que matar Louva-Deus pelo William. Por mim. E, se não conseguisse, não quero que

Irene chore minha morte. Será muito mais fácil me esquecer se segue acreditando que sou um

autêntico cretino.

Hawkslife ficou em silêncio alguns segundos e Alex, dando por terminada a reunião,

começou a levantar; mas a voz de seu professor o deteve:

—Não tenho o prazer de conhecer a senhorita Morland, mas lhe asseguro, Fordyce, que

você, cretino ou não, não é nada fácil de esquecer. Pegue. —Lançou-lhe um caderno no que tinha

copiado a informação básica a respeito do que tinham descoberto até então. —Lei isto e me

mantenha informado a respeito das atividades do duque e do coronel.

Alex pegou o caderno no ar e o guardou no bolso interior da jaqueta.

—Obrigado — disse sem especificar por que. —O verei dentro de dois dias.

Irene passou a tarde com seu recém-chegado irmão James e sua esposa. Nem ela nem

Isabella o tinham perdoado por se casar sem as avisar, mas gostaram tanto de Tilda que logo

esqueceram seu aborrecimento. A história de como se conheceram era algo confusa, pois ainda

não sabiam o que James tinha perdido na ilha Skye, e Tilda não parecia tampouco disposta a

contar. De todos os modos, Irene e Isabella estavam tão contentes de ver James de novo, e tão

feliz, que lhes deu igual se tinham se conhecido pescando ou em uma loja. O importante era que,

por fim, tinham recuperado seu irmão mais velho. Que estava ali com elas, tomando o chá, era tal

como o recordavam de pequeno, e, graças a Deus, não se parecia em nada ao James que se foi dali

com o único objetivo de beber, jogar e conhecer mulheres. Nenhuma das duas sabia o que tinha

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Irmandade do Falcão 01

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passado na Escócia, mas tampouco iam insistir no tema.

—Tilda, amor, tinha pensado que manhã poderíamos ir a essa livraria que comentei —disse

James, dando um beijo em sua esposa.

—James Morland! Não posso acreditar que por vontade própria vá a uma livraria — riu

Isabella.

—Não seja exagerada — se defendeu ele.

—James — interveio Irene, —ainda me lembro do que fez com o último livro que te dei de

presente.

—O que fez? — perguntou Tilda.

—Irene, pensa antes de falar — a ameaçou James, que estava se ruborizando. Precisamente

ele, um espião conhecido por sua frieza. As coisas que um fazia por amor...

—O deu de comer às cabras — respondeu Irene, sem temor algum à reação de seu irmão.

Estava tão apaixonado que seguro que se Tilda o pedia lhe daria inclusive um abraço. —Então

tinha treze ou quatorze anos. As cabras tiveram indigestão.

Tilda sorriu e deu outro beijo em James; quando se separaram, ele se dirigiu a Irene.

—Viu Alex? Papai me pôs à par do que aconteceu na festa.

—O vi esta manhã — respondeu ela.

—E?

—E estivemos falando.

Isabella e Tilda escutavam atentas.

—Irene, está apaixonada por ele?

—James! — exclamou sua irmã ruborizando. —Acredito que não é de sua incumbência.

—Está bem, não me diga isso. Mas deixa que te dê um conselho; às vezes as aparências

enganam.

—James tem razão, Irene — acrescentou Tilda.

—Do que estão falando? Primeiro papai e agora você. Acaso sabem algo sobre Alex que eu

não saiba?

—Não, não, é obvio que não. Todos sabemos que se foi daqui e que passou os últimos cinco

anos vivendo no continente. Mas também é certo que desde pequeno se esforçava por você. E

suponho que a morte de William o afetou mais do que deixa entrever.

—Talvez tenha razão — disse ela. — Amanhã virá para me ver. Decidimos tratar de não

brigamos para ver se assim ao menos podemos ser amigos.

—Irene, já sabe que se não casarem toda a família ficará em uma posição muito difícil —

observou James.

—Sei. —Pelo modo em que mordeu o lábio inferior seus irmãos souberam que ela não

estava muito bem. —E sei que Alex está disposto a se casar para que minha reputação não fique

em mau lugar. É só que... que eu gostaria de encontrar o que você encontrou com Tilda.

Esta sorriu e disse:

—Já sei que acabo de te conhecer, mas de verdade acha que com o Alex não poderia ter algo

muito parecido ao nosso?

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Todos ficaram olhando para Irene, mas por sorte, nesse mesmo instante Procter, o

mordomo dos Morland, entrou no salão anunciando outra visita. Ao que parece, o rumor sobre o

compromisso entre lorde Wessex e lady Morland tinha começado a circular pela cidade e um par

de damas, muito bem intencionadas e nada curiosas, é obvio, decidiram ir visitá-la para felicitá-la

pessoalmente.

James, aproveitando que todo mundo o tinha por um mal educado, fugiu dali com sua

flamejante esposa com a desculpa de ir procurar um livro. Mas pelo modo em que ambos se

olhavam, tanto Irene como Isabella souberam que antes de ir à livraria em questão, seu irmão e

sua cunhada se retirariam a seu quarto para “descansar” um momento. Então, Irene teve que se

armar de coragem, e com a única companhia de sua querida e fiel irmã mais nova, enfrentou a

duas das piores matronas da alta sociedade londrina.

Alex, embora não teve que passar o resto da tarde com duas línguas viperinas, foi ao

Jackson's para ver se encontrava Sheridan ou Vessey e podia convencê-los de usar as luvas de

boxe e dar uns golpes. Era uma reação infantil, sem dúvida, mas dar um murro no filho do duque o

relaxaria um pouco. No clube, encontrou só a Vessey, então sua vontade de boxear passou, mas

aproveitou para lhe surrupiar um pouco de informação.

Segundo as notas que Hawkslife tinha lhe dado, Vessey era o proprietário da casa em que os

contrabandistas se reuniam na ilha Skye. A conversação foi curta e frutífera; a mente do marquês

não era especialmente ágil, e inclusive a Alex incomodou não ter que se esforçar muito. Ao

terminar, sabia que o marquês possuía várias propriedades na Escócia e que em várias ocasiões as

cedia ao duque para seus “diferentes negócios” em troca de uma suculenta soma. Ao que parece,

as finanças do marquês, igual às de muitos membros da nobreza, passavam por um mau

momento, e enquanto obtivesse uma boa compensação, não lhe importava muito de onde

proviesse o dinheiro. Também averiguou que o único delito do marquês era ser idiota, e que não

sabia nada, ou muito pouco, a respeito das operações de contrabando ou da relação do duque e

do coronel com o Napoleão Bonaparte. Uma lástima, teria gostado de poder prender o tipo. Talvez

não fosse um traidor, mas graças a sua “colaboração” e a seu dom para olhar para o outro lado,

tinham morrido homens inocentes. William tinha morrido sozinho, no meio de um descampado,

na França, enquanto Vessey seguia vivo e bebia um copo de uísque em seu nariz.

CAPÍTULO 19

Alex estava nervoso e sua perna doía muitíssimo. Depois de se despedir de Vessey no

Jackson's, decidiu ir a um ginásio que havia em certa zona muito pouco recomendável de Londres

e boxear um momento. Se lhe doíam todos os músculos do corpo, talvez conseguiria passar uma

noite sem pensar na absurda morte de seu irmão mais velho, sem sonhar com Irene e naqueles

beijos carinhosos que nunca se deram, uma noite sem sentir que tinha falhado com todo mundo e

sem ter o convencimento de que voltaria a fazê-lo. Atou o lenço e pensou que, tanto se aquela

missão tinha êxito como se não, ele decepcionaria a sua família.

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Se Hawkslife tinha razão e Louva-Deus estava na França, Alex teria que voltar a ir, e talvez

nunca retornasse dali. E se não conseguiam averiguar a identidade de Louva-Deus, se não

conseguia vingar a morte de William, Alex temia perder a pouca prudência que ficava. Então, fosse

qual fosse o resultado final, Irene merecia a alguém muito melhor como marido, embora esse

homem nunca a amasse tanto como ele.

—Lorde Fordyce? — Reeves o chamou da porta. —Seu pai quer lhe ver — anunciou, já

iniciando sua retirada. Mas algo deve ter aparecido na cara de seu jovem senhor que o fez se

deter. — Se encontra bem?

Alex respirou fundo e se voltou para olhar ao mordomo de frente e não através do reflexo

do espelho.

—Perfeitamente.

—A você nunca lhe deu bem mentir.

Alex teve que morder os lábios para não rir. Se algo lhe dava bem precisamente era mentir.

—E economize a resposta sarcástica, senhor Alex — o repreendeu o homem o chamando

igual a quando era pequeno, — talvez tenha convencido a todos de que é um crápula, mas eu sigo

acreditando que há algo mais. — Ante seu olhar atônito, continuou: — Seu irmão nunca acreditou

em toda essa história, e, se me permitir o atrevimento, a William conseguia muito bem saber

quando alguém estava mentindo. — Arqueou uma sobrancelha. —Então, volto a perguntar: se

encontra bem?

—Não. —Desta vez optou por ser sincero. —Estou cansado, minha perna dói e mal dormi

duas horas. Satisfeito com a resposta?

—Muito, senhor. — O mordomo entrou no quarto. —Sente. Com a idade aprendi que meus

ossos já não são o que eram, e confesso que sei um par de truques. — Tomou assento junto ao

jovem e lhe massageou a coxa ferida. Passados uns minutos, nos que Alex não pôde evitar fechar

os olhos, o mordomo disse: — Se não fosse porque sei que é impossível, diria que uma baioneta

causou esta ferida, ou uma faca muito grande. O músculo parece estar rasgado. — Sem dizer nada

mais, se levantou. — Farei que um dos lacaios traga um pouco do unguento que eu utilizo, com

certeza o aliviará. Seu pai o está esperando no salão. Me encarregarei de que lhes sirvam um

pouco de café.

Alex levantou um pouco a comissura do lábio rindo de si mesmo e sacudiu a cabeça.

—Obrigado, Reeves. — E quando se assegurou que o homem o olhava aos olhos,

acrescentou: — Por tudo.

Com melhor ânimo que meia hora antes, terminou de vestir a jaqueta e desceu a escada

para se reunir com seu pai, ao que não tinha visto desde que brigou a murros com seu irmão mais

novo. Seguro que o conde queria lhe recordar, e com razão, que aquele não era modo de se

comportar e que, para variar, estava decepcionado de seu comportamento. Antes de bater na

porta, Alex decidiu que o melhor que podia fazer era suportar o sermão com estoicismo e assim,

se tinha sorte, poderia sair quanto antes para visitar Irene, tal como tinha prometido a ela no dia

anterior. Tinha muitíssima vontade de vê-la.

—Adiante — disse Charles de dentro ao ouvir que batiam na porta.

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Alex abriu e entrou, agradecendo o aroma de café recém feito que provinha de uma

cafeteira que descansava junto a uma xícara, em cima da mesa em que seu pai costumava

amontoar a correspondência.

—Reeves me insinuou que você ia precisar — disse seu pai apontando o café. —E ao que

parece tem razão. Se sirva você mesmo.

—Você não quer? — perguntou ele.

—Não, obrigado. — Esperou que tivesse dado um par de goles antes de acrescentar. —Se

importaria de me contar que diabos está acontecendo?

Ouvir seu pai falar desse modo o sobressaltou. Lorde Wessex costumava ser um homem

muito calmo, e em muito estranhas ocasiões utilizava palavras rudes.

—Desde que voltou não sei o que fazer com você. — Esfregou a ponte do nariz, um gesto

que ao que parece era característico da família. — Há dias que penso que é de novo aquele

menino de dez anos do qual estava tão orgulhoso, e de repente — estalou os dedos, — se

comporta de novo como um canalha. E o de Irene...

—O de Irene não tem perdão, mas te prometo que, embora seja o último que faça, o

arrumarei — assegurou solene.

—O último que faça? Alex, de que demônios está falando? — Se levantou e se aproximou de

seu filho. —O que tem feito durante todos estes anos? Por que coxeia? Por que seus olhos já não

brilham como quando era pequeno?

A voz de Alex se quebrou. Era a primeira vez que seu pai questionava seu comportamento, a

primeira vez que parecia olhá-lo com algo parecido ao respeito.

—Eu..., papai. —Tragou saliva.

—Olhe. —Voltou a se levantar e começou a passear. —Sei que você e eu nem sempre nos

levamos bem. —Tomou ar. — Depois da morte de sua mãe, começou a fazer coisas estranhas, e

eu pensei que era um egoísta e que o único queria era se divertir. —Viu que seu filho apertava a

mandíbula e acrescentou: — Mas agora não o deixo tão claro. Já perdi a um filho, Alex, não quero

perder a outro. Me diga a verdade.

—Não posso.

Ante essa resposta direta, o homem deixou de passear e o olhou.

—Não pode? Por que?

—Porque não posso. Papai, tem que confiar em mim.

—Confiar em você? Depois de tudo o que aconteceu, Alex...

Não o deixou terminar a frase.

—Sei que estou pedindo muito, e certamente não mereço isso, mas por favor, confia em

mim. Dentro de uns dias tudo terá terminado e eu...

—Voltará a ir a França? Para viver a vida?

Alex fechou os olhos. Ao que parece certas coisas não mudavam, e seu pai, embora

começava a acreditar que havia algo mais, seguia considerando-o um libertino .

—Não sei — disse a verdade. —Mas te prometo que se esse fosse o caso, antes de ir

contaria tudo.

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Seu pai o olhou aos olhos durante um longo instante, e quando o jovem já acreditava que

não ia obter resposta, voltou a falar:

—Está bem, Alex, confiarei em você. Não faça que me arrependa. — Se encaminhou de novo

a sua escrivaninha. —O que vai fazer com Irene? Essa garota não merece ver sua reputação

arrastada pelo barro, então mais te vale fazer o correto.

—Farei, papai. — Levou uma mão ao bolso da jaqueta. —Tenho uma licença especial para

casamos, mas prometi a Irene que não a obrigaria a contrair matrimônio se não era o que ela

queria. Assegurei que, antes de anunciar algo, trataria ao menos de recuperar sua amizade.

—Me parece bem. A filha de George é uma das mulheres mais doces e inteligentes que

conheci. A sua mãe gostava muitíssimo, então procura cumprir sua palavra.

—Disse que iria vê-la a esta mesma manhã, então se não quiser me dizer nada mais será

melhor que vá. — Se levantou e deixou a xícara já vazia junto à cafeteira. — Estará aqui quando

retornar?

—Provavelmente, por que? — perguntou o homem, inspecionando de novo uns

documentos que tinha diante.

—Porque eu adoraria te contar como me foram as coisas com Irene. — Talvez não pudesse

lhe contar nada relacionado com a missão, mas Alex morria de vontade de compartilhar alguma

parte de sua vida com seu pai.

—Estarei aqui — respondeu ele, e se não fosse porque Alex viu que a pluma que segurava na

mão tremia, teria acreditado que não lhe importava nada voltar a vê-lo.

Chegou à mansão dos Morland e, ao cruzar a soleira, o primeiro que ouviu foram as risadas

procedentes do salão. O mordomo lhe pediu a jaqueta e o chapéu, que ele entregou ao ponto, e

se apressou para essa sala. Fazia anos que não ouvia rir a ninguém. Sua vida na França não era o

que podia se chamar risonha, e desde que havia retornado, esse som não tinha alcançado seus

ouvidos. Levantou a mão e deu uns golpes na porta para pedir permissão para entrar.

—Adiante — respondeu uma voz de homem.

Alex abriu sem demora e comprovou que o dono da voz não era outro que James Morland,

seu companheiro de aventuras de pequeno e agora companheiro de profissão. Era inegável que

James tinha mudado com os anos, mas seu sorriso seguia sendo igual de zombador que quando

eram meninos. Estava de pé frente à chaminé e diante dele havia uma atrativa mulher que lhe

sorria acolhedora.

—Alex! — exclamou ao vê-lo entrar. —Passa. Quanto tempo sem te ver. —Estendeu a mão

com sincera alegria.

—Eu que o diga, James. Alegro-me muito de te ver — respondeu ele também sincero. —

Lady Morland — saudou Irene, que estava sentada em um sofá, e logo olhou à dama

desconhecida.

—Desculpa — disse James, antes de dar meia volta para dar um beijo à ruiva. — Te

apresento a Tilda Morland, minha esposa — acrescentou com orgulho.

—É toda uma honra, senhora. — Alex lhe fez a reverência de rigor.

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—Tilda — o interrompeu ela. — Tudo isso de senhora eu não gosto.

—Como que você não gosta? — perguntou James de brincadeira. — Se soubesse a

quantidade de mulheres que trataram de me caçar, não opinaria o mesmo.

—Sei, céu. — Deu-lhe um beijo e acrescentou olhando sua cunhada. — Irene, me

acompanha um momento ao quarto? Eu gostaria de pegar a lista dos livros que quero comprar na

livraria, e assim James e lorde Fordyce podem conversar um pouco a sós.

—De acordo. — Irene se levantou e ambos os cavalheiros as dispensaram.

—Não sei se deveria te dar um murro — disse James quando ficaram a sós.

—Desculpa? — Alex retrocedeu um pouco.

—Um murro. — James o olhou aos olhos. — Irene me contou o que aconteceu na festa.

Lhe sustentou o olhar.

—Suponho que isso seria um bom castigo.

—Supõe bem.

—Vai me bater?

—Não, acredito que não. — James se aproximou do móvel onde guardavam o uísque. —

Quer uma taça?

—Não, obrigado.

—Eu tampouco. — O anfitrião abriu uma pequena gaveta que havia justo atrás das bebidas.

—Toma. —Lançou a Alex uma pequena caderneta.

Este a apanhou ao voo.

—O que é?

—Algumas de minhas notas. — Viu que o outro arqueava uma sobrancelha e perguntou com

um sorriso — Não quererá que baixe as calças e mostre a tatuagem, não é?

Alex riu.

—Não precisa. — Se sentou em uma poltrona e abriu o caderno. — Hawkslife me passou um

relatório sobre o que averiguou na ilha Skye.

—Sei, mas estas são as notas que fui tomando durante minha estadia. Talvez tenha passado

algo por alto. Pensei que podiam te ser úteis.

—Obrigado.

Ficaram em silencio durante uns segundos.

—Sinto o de William. — James foi o primeiro a falar. — Disse-lhe que não se alistasse.

—Ambos sabemos que ele não gostava muito de fazer caso a alguém. —Levantou a vista,

que tinha fixa no caderno, e o olhou. —Obrigado.

—Suponho que Hawkslife já te contou que renunciei a seguir em ativo, mas depois do que

aconteceu na Escócia, e do de seu irmão, estou disposto a fazer tudo o que esteja em minha mão

para os ajudar.

—Por que?

—Por culpa de tudo isto quase perco Tilda — respondeu James sem hesitar. —Acredito que

ao final sim me servirei uma taça.

Não voltou a perguntar a Alex se queria uma, mas sim se limitou a lhe aproximar um copo

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com dois dedos de uísque.

—Obrigado — disse este. —Posso te perguntar uma coisa?

—Claro. —Esvaziou o copo. —O que queira.

—Te custou escolher?

James olhou Alex aos olhos e não teve que lhe perguntar a que se referia. Seu amigo da

infância queria saber se lhe havia custado escolher entre a Irmandade e Tilda. Entre uma vida

cheia de perigos e uma vida cheia de amor. Ficou pensativo durante um momento, recordou como

era antes de conhecer Tilda, do muito que a Irmandade tinha significado para ele, do importante

que tinha sido ter um motivo pelo que despertar cada dia.

—Não — respondeu. —E tampouco te custará.

Alex lhe sustentou o olhar e, quando por fim o afastou, precisou mudar de tema.

—Sabe algo das festas de lorde Redford?

—Algo. — James se levantou. —Não posso presumir ter sido um santo, e em uma ocasião

compareci a uma delas. Basta dizer que só fiquei meia hora. Esse homem e seus amigos estão

doentes.

—Sei, ouvi rumores.

—Todos certos. Por que pergunta?

—Ao que parece, David Faraday estava apaixonado, e o duque e o coronel suspeitam que

Charlotte, sua amada, pode estar em posse de certa documentação de interesse. Por desgraça,

não conseguimos encontrar à senhorita Charlotte, mas nossos suspeitos pretendem “conquistá-la”

na festa de lorde Redford.

—Deus.

—Se não darmos com ela antes — prosseguiu Alex, — teremos que penetrar ali, e não

acredito que a sua esposa goste muito da ideia.

—Nem a minha irmã tampouco. Maldita seja, Alex, temos que dar com o paradeiro dessa

moça. Está em grave perigo. Uma coisa é que nós tenhamos que correr riscos, mas uma mulher

inocente, isso sim não penso permitir.

—Tem razão. — Alex também se levantou. — Não quero que morra mais gente inocente, e o

que fariam a essa garota seria pior que a morte.

Ouviram uns passos e ambos ficaram alerta, mas por sorte conseguiram relaxar antes que

Tilda abrisse a porta.

—Já estamos de volta — disse a esposa de James se aproximando dele. — Carinho, vamos?

—Ao ver que seu marido ia dizer algo, o interrompeu: —Com certeza você e lorde Fordyce podem

voltar a se ver mais tarde. —Piscou um olho para ele.

—Claro, é obvio — respondeu James. Voltou a estender a mão a Alex. —Pensa em todos os

temas que ficam pendentes, Fordyce.

—Assim o farei, Morland. — Estreitou-lhe a mão.

O casal se despediu de Irene e saíram pela porta, ensimesmados um com o outro.

—Tem que perdoar a minha cunhada. — Disse Irene, — ao que parece, a discrição não é seu

forte.

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—Gostaria de dar um passeio? — antes que ela respondesse, acrescentou. —Eu gostaria de

te mostrar algo.

—O que?

—Já verá. É uma surpresa. — Viu que Irene levantava uma sobrancelha e lhe explicou: —

Digamos que é algo que sempre me tem feito pensar em você.

Cruzou os dedos e confiou em que ela seguisse sendo igual de curiosa quando de pequena.

—Está bem. — O olhou aos olhos e soube que Alex tinha planejado aquela conversação com

antecedência. —Mas não acredite que sempre te será tão fácil sair com a sua.

Fácil?

—É obvio. Vamos? Não quero que fique tarde.

—Ofereceu o braço e a acompanhou fora, onde uma carruagem os estava esperando.

Irene se sentou e ouviu que Alex dava instruções ao chofer, mas não conseguiu decifrar as

palavras exatas. Depois, ele também entrou e se sentou a seu lado, e Irene pensou que jamais

aquele habitáculo tinha parecido tão ridiculamente pequeno. Alex estava se comportando como

um cavalheiro, e tinha se sentado a uma distância prudencial, mas cada vez que a carruagem se

sacudia um pouco, seus joelhos roçavam sua saia e, apesar das capas de tecido, Irene sentia essa

carícia na pele.

—Aonde vamos? — perguntou em uma tentativa por pensar em algo que não fossem as

longas pernas de Alex.

—Já verá.

Ela apertou os lábios e, por uns segundos, temeu que ele fosse sequestra-la para assim

resolver o assunto do casamento.

—Tranquila — disse Alex como se tivesse lido sua mente. —Já chegamos.

Sem dissimular, Irene olhou pela janela.

—O Museu Britânico? — se afastou e se voltou para olhá-lo.

Ele tinha um sorriso de orelha a orelha.

—Me trouxeste para o Museu Britânico?

—Aonde pensava que ia te levar? — Piscou um olho para ela e saiu primeiro para a ajudar a

descer.

—Não sei. —Sem pensar, Irene pegou a mão que Alex lhe oferecia mas ao sentir o contato

de sua pele contra a sua, um calafrio percorreu seu corpo. Ao subir à carruagem tinha tirado as

luvas e sua mente tinha estado tão ocupada com os joelhos de Alex que se esqueceu de voltar a

colocá-las. E ao que parece ele também.

Alex demorou alguns segundos além da conta para soltar sua mão e o modo em que a olhou

não serviu para que o coração de Irene se acalmasse, mas a dispensa do chofer recordou a ambos

que não estavam sozinhos. O homem perguntou a Alex onde queria que os esperasse e, depois de

obter a resposta, sacudiu as rédeas dos cavalos para se afastar dali.

—Outro dia li no periódico que durante este mês o museu ia acolher uma coleção de

quadros de artistas italianos — explicou ele enquanto subiam os degraus. — Olhei a lista, não

punha os nomes das obras, mas sim o dos artistas, e há um que eu gostaria de te mostrar.

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—Um quadro?

—Sim. O vi faz quatro anos na Florência.

—Você esteve em Florência? Acreditava que não tinha saído de Paris.

Alex viu que Irene se esticava um pouco ao falar de sua etapa no estrangeiro, mas antes que

pudesse dizer algo, ela voltou a falar:

—Agora que penso, acredito recordar que li algo sobre uma cantora de ópera italiana e você.

Sim, fará uns quatro anos.

Alex recordava perfeitamente a essa cantora de ópera. Claudia Rosetti era a amante de um

alto militar francês, mas sendo como era filha de napolitanos, se ofereceu a ajudar à Irmandade

em troca de uma módica quantidade. Claudia lhes tinha sido muito útil. Era uma mulher

preparada e muito prática, e Alex nunca tinha sentido a mínima atração por ela, mas tinham

coincidido em vários bailes e seguro que as intrigas que tinham chegado a Londres incluíam uma

apaixonada aventura entre os dois. Apertou os dentes e tratou de pensar o que podia dizer para

evitar essa conversação.

—Acredito que a exposição é por aqui. — Apontou um corredor próximo e ambos giraram

nessa direção.

CAPÍTULO 20

Passearam uns minutos em silêncio, observando os quadros que penduravam das paredes e

lendo as cartolinas explicativas que havia ao lado. Irene se deteve frente a uma paisagem de

Veneza, e Alex quis lhe contar que, ao natural, a cidade dos canais era inclusive mais bonita que no

quadro, mas não se atreveu. Ela parecia absorta em suas coisas e, embora a pintura a tinha

fascinada, estava claro que algo seguia preocupando-a.

—Você esteve em Veneza? —perguntou por fim, sem olhá-lo.

—Sim — respondeu Alex.

—Com ela? — disse isso como se não lhe importasse a resposta, mas a ele não escapou que

ao formular a pergunta seu lábio inferior tinha tremido.

—Não — respondeu a verdade. Em Veneza tinha estado sozinho. Na realidade tinha estado

sozinho em todas as partes, pensou.

Irene não disse nada mais e se deslocou para o quadro seguinte, mas seus olhos não

puderam evitar se fixar na pintura que pendurava perto da porta que comunicava com a outra

sala. Caminhou para lá e teve que reprimir o impulso de levantar a mão e tratar de acariciar o

tecido.

—É preciosa — disse.

Alex respirou fundo antes de responder. Seu coração pulsava tão forte que estava

convencido que outros visitantes da exposição poderiam ouvi-lo.

— Se chama São Jorge e o dragão — disse após pigarrear. —Quando o vi pela primeira vez,

pensei em você.

Ela girou a cabeça para olhá-lo e viu que o tinha quase pego a suas costas, com a vista

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cravada no quadro.

—Pensei em todas as vezes que tínhamos brincado de cavalheiros quando pequenos. Você

se empenhava em participar de justas e se negava a se fazer de princesa... até que fez treze anos,

e então começou a pôr fitas no cabelo e... —Levantou uma mão como se fosse lhe acariciar o

coque, mas se conteve. —Estava em Florência quando descobri o quadro e lembro que passei

quase uma hora o olhando — sorriu, — pensando em quão fácil parecia isso de matar dragões e

quão difícil estava me resultando.

—Inclinou a cabeça e a olhou aos olhos. — Acha que a princesa sabe por tudo o que São

Jorge passou? Que o amará quando descobrir que teve que matar para conseguir salvá-la?

Irene afastou a vista para voltar a estudar a obra e se fixou na princesa. Não parecia ser

consciente dos problemas do cavalheiro, mas seguro que saberia recompensar aquele gesto tão

heroico, pensou. E isso era o que ia dizer ao Alex, mas quando o olhou de novo viu um brilho

estranho em seus olhos, um brilho que falava de solidão e de tristeza.

—Está bem? — Levantou a mão e lhe acariciou a bochecha. Estava gelado e apertava a

mandíbula com tanta força que esta quase lhe vibrava. — Alex? —Moveu o polegar para lhe

acariciar. O gesto pareceu despertar daquele estado de transe.

—Sim, estou bem. — Deu um passo atrás para se afastar da mão de Irene. — Este quadro

sempre me tem feito pensar em você — repetiu.

Irene queria lhe perguntar que outras coisas a tinham recordado, queria dizer que a ela tudo

a fazia pensar nele, e queria exigir que lhe dissesse por que não tinha retornado antes a Inglaterra,

mas quando ia abrir a boca para saltar ao precipício, a saudação de umas conhecidas evitou que o

fizesse.

Depois das apresentações de rigor e um par de olhares mal intencionados, as damas se

afastaram dali e voltaram a deixá-los sozinhos frente ao quadro de Paolo Uccello.

—Deveríamos ter vindo com Isabella, ou com Robert — disse Irene. —Como se não

tivéssemos bastante com o que aconteceu na outra noite.

Alex, que parecia ter recuperado a compostura, respondeu:

—Você já é velha para necessitar uma carabina. E nossas famílias sempre estiveram muito

unidas. — Passou uma mão pelo cabelo, nervoso. — Além disso, como disse muito bem, depois do

da outra noite, todo mundo dará por feito que estamos comprometidos. — Colocou as mãos à

costas para que ela não pudesse ver que lhe tremiam. —Não digo que seja assim, só digo que com

certeza é o que todo mundo pensa.

—Suponho que tem razão. — Irene tinha o olhar fixo no quadro quando acrescentou: — Se

eu fosse ela, o único quereria seria estar com o cavalheiro. Montar em seu cavalo, rodear sua

cintura com os braços e ir da cova do dragão com ele. Para sempre. —Surpreendida pelas palavras

que tinham saído de sua boca, esperou que Alex dissesse algo, e ao ver que não o fazia, suspirou:

—Suponho que nunca saberemos como termina a história.

Ao fim e ao cabo, um quadro é só um instante, talvez São Jorge resultou ser um mentiroso

incapaz de cumprir suas promessas. Ou possivelmente a princesa não merecia que se sacrificasse

tanto por ela.

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Irmandade do Falcão 01

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Começou então a andar e, com Alex a seu lado, percorreram o que ficava da exposição.

—Não sei — disse ele quando já estavam abandonando o museu, — possivelmente tenha

razão e a vida de São Jorge e a princesa fosse um desastre depois que a salvasse, mas estou

convencido que ele fez tudo o que pôde por ela. — Calou um momento e a olhou aos olhos. — E

ela o merecia. —Fez outra pausa mais longa. — Vamos, a carruagem está ali. Deveríamos retornar

a sua casa.

O chofer lhes abriu a porta ao ver que se aproximavam e ambos entraram e se sentaram. As

ruas estavam muito transitadas, e o veículo se deslocava com lentidão. Alex tinha o olhar fixo na

paisagem, enquanto fechava os punhos com força e apertava a mandíbula do mesmo modo que

no museu. Irene estava sentada frente a ele, fingindo estar também muito interessada, no que

acontecia fora, mas sem poder deixar de pensar no homem que tinha diante. Um que não parecia

tirado de uma coluna de fofocas, que não tinha o aspecto de um despreocupado libertino.

—Se te perguntar uma coisa, me dirá a verdade?

Alex demorou uns instantes em se dar conta que Irene tinha falado.

—Sempre te digo a verdade — respondeu ele à defensiva. Era certo que não era

completamente sincero com ela, mas desde o primeiro dia se propôs não lhe mentir jamais.

—Quando esteve na Itália, pensou em mim alguma vez? Além de quando viu o quadro. — se

ruborizou e conteve a respiração.

—Sim.

Ela ficou pensativa e Alex acreditou que já não ia dizer nada mais, mas não foi assim.

—Me conte algo que seja verdade.

—Não te entendo.

—Algo que seja verdade. Antes que desaparecesse, eu nunca duvidava de nada, nunca

desconfiava de meus sentimentos nem das opiniões que tinha sobre outros — suspirou. — Desde

muito pequena, estava convencida que você e eu nos apaixonaríamos, como nos contos, e

seríamos felizes para sempre. Ridículo.

Alex abriu os olhos e, sem poder controlar a reação de seu corpo, se moveu e se sentou

junto a Irene.

—Quando foi, não só me rompeu o coração mas também, após, já não sei o que acreditar.

Passei todos estes anos desconfiando de meus sentimentos, incapaz de saber se o que tinha

sentido por você era real ou só um teimosia infantil, e durante todo este tempo, os periódicos

encheram páginas inteiras com suas aventuras no continente. A princípio me neguei a acreditar

que pudesse ser verdade, nada disso encaixava com o Alex que eu conhecia, com o que tinha

jurado me defender dos dragões. — Uma lágrima solitária escorregou e a secou furiosa. — Mas ao

final terminei por me convencer. Uma não pode refutar o que lê quase diariamente, e um mês

atrás de outro chegava alguém que tinha coincidido com você em um baile em uma embaixada ou

algo pelo estilo.

Alex levantou uma mão e, sem ser consciente do que fazia, acariciou-lhe o cabelo e enredou

um dedo na fita cor malva que adornava o extremo de sua trança.

—E quando já voltava a ser eu mesma, quando tinha me convencido que me casando com o

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Richard poderia ser feliz, vai e retorna e o mundo inteiro volta a cambalear. Desde que você voltou

não sei quem é. É o crápula que todos dizem? Há momentos em que penso que sim, mas então

olha aos olhos, como esse dia na ópera, e o coração me diz que não.

—Irene, minha vida — sussurrou ele emocionado.

—Não me chame assim. Estava decidida a ir daqui, inclusive tinha começado a fazer a

bagagem, mas meu pai me disse que não podia partir sem saber a verdade. E tem razão. Preciso

saber a verdade. Já sei que não sente nada por mim, me disse faz isso cinco anos e não precisa que

me recorde. — Uma chama verde apareceu no fundo dos olhos de Alex, mas antes que ele

pudesse dar voz a esse sentimento, ela seguiu falando: — E sei que eu já não sinto o mesmo que

sentia por você então, mas... tenho que saber que posso confiar em mim, que não me equivoquei

tanto com você. Então, por favor, me conte algo que seja verdade sobre estes últimos cinco anos.

Não precisa me contar tudo — sorriu sem humor, —mas se quiser que sejamos amigos, preciso

saber algo autêntico sobre você. — Girou a cabeça e o olhou aos olhos.

E se Alex não tivesse estado já apaixonado por ela sem remédio, nesse instante teria

sucumbido. Irene tinha os olhos brilhantes pelas lágrimas que se negava a derramar e sua

mandíbula tremia, mas não ocultava nada e o enfrentava como o mais valente dos soldados.

—Senti sua falta. Muitíssimo. — Se rendeu à tentação e deslocou a mão que tinha no cabelo

dela até sua bochecha. —Me pediu que te conte algo que seja verdade, e não me ocorre nada

mais certo que isso. Senti sua falta. — Respirou fundo e afastou a mão. Irene merecia que lhe

dissesse algo mais que isso. Apoiou a cabeça no respaldo e fechou os olhos. Se ia lhe contar o de

Nicolette, não podia olhá-la.

—Levava uns meses na França — prosseguiu — quando conheci a pequena Nicolette, a filha

de meus vizinhos. Era uma menina preciosa e muito preparada, que sempre andava se metendo

em confusões. Lembro que quando a vi pensei que era muito miúda, e dias depois seu pai me

explicou que padecia uma enfermidade pulmonar e que, portanto, tinha uma constituição

delicada. Nicolette vinha a minha casa cada dia. A ensinei a jogar xadrez e ela, em troca, me

convidou a tomar o chá com suas bonecas. Adorava as lendas do rei Artur e, sempre que podia, ia

vê-la para lhe contar uma. Chegou o inverno e seu estado piorou. Vivian e Luc, seus pais, fizeram

todo o possível, mas uma semana depois do Natal, a menina morreu. — Abriu os olhos e viu que

Irene o estava olhando. —No dia anterior tinha estado com ela, lhe contando o que nos aconteceu

aquele dia que William e James se esconderam nas ruínas. Riu tanto... E no dia seguinte estava

morta. Durante estes cinco anos senti sua falta, mas jamais tanto como aquela noite.

—Alex...

Ele não a deixou terminar, mas sim reagiu como um leão ferido e a abraçou com todas suas

forças. Durante uns segundos, temeu que o apartasse, mas Irene o rodeou com os braços e

acariciou sua nuca com ternura. Mas essa carícia não era suficiente para acalmar a dor que lhe

rasgava a alma cada vez que pensava em quão injusto era o destino. Um destino que permitia que

meninas como Nicolette morressem por culpa de uma estúpida guerra que impedia que o

medicamento que necessitava se achasse no país, um destino que tinha permitido que William

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morresse em um absurdo campo de batalha e que o tinha mantido afastado da única mulher a

que amaria.

Beijou-a, com fogo e com desespero. Os lábios de Irene eram o único que podiam lhe

tranquilizar. Tinha dito que já não sentia o mesmo por ele que cinco anos atrás, que já não o

amava, e saber isso quase destroçou seu coração. Alex seguia amando-a, nunca tinha deixado de

fazê-lo, mas se o único que podia conseguir dela era sua paixão e seus beijos, ia se conformar com

isso. Se conseguia sair vivo de seu enfrentamento com Louva-Deus, já encontraria o modo de

voltar a conquistá-la, convencê-la que podia fazê-la feliz. Enquanto isso, se conformaria com algo

que Irene queria lhe dar. Os beijos que tinham compartilhado desde sua volta tinham sido

maravilhosos, mas esse terminaria por fazê-lo estalar. Talvez fosse porque estavam no interior de

uma carruagem que parecia diminuir a cada momento, ou porque ela respondia a suas carícias

com um ardor até então desconhecido, ou possivelmente porque Alex já não podia resistir mais.

Seus lábios se negavam a abandonar os de Irene, se aferravam a eles como se disso

dependesse sua própria existência. Deslizou a mão que tinha enredado em seu cabelo pelas costas

de Irene e, ao chegar à cintura, a estreitou contra ele até tê-la entre seus braços, sentada em seus

joelhos. Assim embalada, a apoiou no respaldo e afastou a mão para dirigi-la para seu decote.

Tinha que tocá-la. Levava anos sonhando com ela, imaginou suas curvas em todos e cada um de

seus sonhos, as tinha desenhado com as mãos e agora precisava saber o imensamente superior

que era a realidade. Seus dedos tremiam ao deslizá-los pelo tecido, e ao sentir que Irene não se

separava da carícia, decidiu se arriscar e tocar a pele nua. Ela suspirou e tremeu, mas seguiu sem

se afastar, então Alex começou a desabotoar os laços do vestido.

Quando sentiu que se afrouxaram o suficiente, deslizou a mão por debaixo do tecido e lhe

envolveu o peito com a palma. Irene se afastou de repente e esticou as costas, mas ele recapturou

seus lábios com um beijo e ela voltou a se derreter entre seus braços. Alex não pôde evitar gemer

de prazer ao sentir como o peito se excitava sob seus dedos e, de repente, a necessidade de que o

tocasse foi insuportável. Sentiu as inseguras mãos dela percorrendo a lapela de sua jaqueta, e,

dado que seu cérebro tinha deixado de funcionar com o primeiro beijo, de seus lábios escaparam

seus mais secretos desejos.

—Me toque — sussurrou, com uma voz tão gutural que estava convencido que ela ou não o

ouviria ou não o entenderia; mas sim o fez.

Foi uma verdadeira tortura sentir como os dedos de Irene desenhavam cada botão de sua

camisa até se deter em cima da cintura da calça. Acreditou que ela não ia seguir, e Alex estava já

no céu, mas quando essa mão se deslizou até sua ereção, se precipitou para o inferno. Os dedos

de Irene percorreram seu duro sexo com acanhamento, quase sem se atrever a tocá-lo, mas

quando os quadris de Alex, em um ato reflexo, se levantaram em busca de mais, ela o

surpreendeu de novo e o acariciou com todas suas forças.

—Mais, por favor — suplicou ele, apertando os dentes para tratar de recuperar um pouco de

controle. — Por favor.

Antes de escutar esse “por favor” Irene ia se afastar, e inclusive o esbofetear, apesar de que

o beijo e as carícias tinham chegado à sua alma, mas essas duas palavras tinham bastado para

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derrubar os muros que se obrigou a levantar ao redor de seu coração para se proteger de Alex. Se

era sincera consigo mesma, tinha que reconhecer que estava apaixonada por ele desde que tinha

uso da razão, e por muitos lorde Crompton que conhecesse ao longo de sua vida, nenhum jamais

conseguiria lhe fazer sentir o que sentia estando com o Alex. O ver tão alterado, tão fora de si, a

fazia se sentir poderosa, como se a humilhação que tinha sofrido cinco anos atrás, ao lhe confessar

seu amor, não fosse tão grave. Que pudesse reduzi-lo a aquele estado significava que Alex não era

tão indiferente como tinha pretendido aquele dia. Mas se atreveria a lhe tocar como ele desejava?

Afastou a cara um instante para poder o olhar e viu que tinha os olhos fechados com força, a

respiração entrecortada, e que apoiava a testa contra seu ombro para poder beijá-la no pescoço.

Sentiu como lhe percorria a pele com a língua e quando a deslizou por cima de seu pulso, a

mordeu com delicadeza. Irene estremeceu e soube a resposta. Sim. Com o único objetivo de

conseguir que Alex não pudesse esquecê-la jamais, deslizou a mão por sua dura entreperna e

sentiu como vibrava. Ele parecia ter perdido o controle por completo e não deixava de lhe beijar o

pescoço e o ombro enquanto com a mão lhe acariciava os peitos por debaixo do vestido.

Guiada só por seu instinto, Irene levantou a mão e tratou de puxar a camisa dele para poder

tocar sua pele nua. Alex deve ter notado que nessa posição não podia fazê-lo e, com um

movimento brusco, ele mesmo tirou a camisa das calças. Ela não perdeu nem um segundo, levava

anos sonhando sentir o tato de seu abdômen. O tinha imaginado mil vezes de um milhão de

maneiras diferentes, e nada era comparável com aquela mescla de aço e veludo que por fim podia

sentir sob seus dedos. O que mais a surpreendeu foi que, apesar dos tremores que percorriam

todo o corpo de Alex, sua pele estava ardendo. Com os dedos, desenhou a linha de pelo que

conduzia a seu umbigo, mas foi incapaz de abrir os olhos para olhá-lo. Tudo aquilo tinha que ser

um sonho e se abria os olhos, a realidade se interporia entre os dois.

—Minha vida — repetiu ele junto a seu ouvido para logo lhe beijar a mandíbula, a maçã do

rosto, até alcançar de novo os lábios que tinha tido esquecidos durante uns minutos. — Necessito

de você.

Irene lhe devolveu o beijo sem entender muito bem o que Alex necessitava, mas consciente

no mais profundo de seu ser que, fosse o que fosse, só ela podia lhe dar. Suas línguas se

acariciaram, imitando os movimentos que outras partes de seu corpo ansiavam poder fazer. A

mão com a que ele a segurava pela cintura estava tremendo, e com a outra seguia tocando seu

peito, como se fosse uma muito delicada peça de ourivesaria. Alex tinha ficado imóvel durante uns

segundos, desfrutando de sentir ao fim os dedos de Irene em sua pele, mas seus quadris voltaram

a se mover e ela o deixou sem respiração ao deslizar aqueles maravilhosos dedos dentro de sua

calça.

Alex voltou a ficar imóvel. Não podia permitir que Irene o tocasse daquele modo. Não estava

bem. Mas todos seus sentidos lhe gritavam que, embora fosse só uma vez, queriam sentir aquela

doce tortura. Segurou o pulso dela com a mão e apoiou de novo a testa contra seu ombro.

—Não — disse entre dentes sem soltá-la, embora tampouco a afastou.

Ela seguia com os olhos fechados, e o imitou e recostou a testa contra seu peito.

—Alex — tragou saliva, —não sei o que estou fazendo, mas... — ruborizou e quis morrer de

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vergonha.

—Mas? — perguntou ele.

—Mas desde que você voltou, o único momento em que acreditei ver o Alex que eu

recordava é agora.

Seu coração pulsava tão descontrolado que acreditava que ia sair do peito. Respirou fundo e

afastou a cabeça para poder olhá-la.

—Irene, me olhe. — Não seguiu falando até que ela cumpriu seu pedido: — O que você está

me pedindo?

—Não sei. — Mordeu-se o lábio inferior. — Mas preciso saber que não é o frio sedutor que

descrevem os periódicos. —Viu como sua mandíbula tremia e acrescentou. —Preciso saber que é

vulnerável, que eu o afeto tanto como você a mim.

Alex fechou os olhos e lhe deu um carinhoso beijo nos lábios. Logo beijou sua bochecha, o

pescoço e voltou a descansar a testa naquele oco que parecia feito só para ele. Irene acreditava

que ia levantá-la nos braços para apartá-la, mas então sentiu que deslizava sua mão por dentro de

suas calças. Não sabia o que fazer. Como qualquer garota inglesa que se apreciasse, tinha visto as

esculturas dos museus, e um par de amigas já casadas tinham lhe contado intimidades, mas ao

sentir sua ereção sob os dedos ficou gelada. E ao mesmo tempo se derreteu por dentro.

Ele seguia rodeando seu pulso, mas então a soltou e colocou os dedos em cima dos seus

para guiar seus movimentos. A respiração foi acelerando, e Irene podia sentir as inalações junto a

seu ouvido. Seguia beijando seu pescoço, enquanto a mão que tinha em sua cintura se agarrava a

ela com tanta força que com certeza ficariam umas pequenas marcas. Jamais tinha se sentido tão

poderosa, tão desejada. Os dedos de Alex abandonaram os seus e a deixou a seu arbítrio. Irene

não esteve nem tentada a se afastar; o sexo de Alex tremia sob suas carícias e ele estava

completamente rendido a seus pés. Procurando, precisando fazer algo mais, Irene levantou um

pouco a cabeça e beijou Alex na garganta, justo debaixo do queixo, e esse beijo foi a faísca que

faltava para que toda a paixão estalasse. Rápido como um raio, ele tirou sua mão de dentro das

calças, se abraçou a ela com força e lhe deu um beijo rendido e emocionado. Seus quadris não

deixaram de se mover até passado um momento e logo, enquanto as ondas de desejo

abandonavam por fim seu corpo, a beijou.

A carruagem se deteve.

Alex a levantou de cima de seu regaço e a colocou com cuidado a seu lado. Sem olhá-la aos

olhos, colocou a camisa por cima da calça, tampando assim as provas de sua perda de controle.

Irene tampouco se via capaz de o olhar. Seguro que se seus olhos se encontravam ele veria que ela

tinha mentido ao dizer que já não sentia o mesmo que cinco anos atrás.

—Está bem? —perguntou Alex.

Irene afirmou com a cabeça sem dizer nada.

—Não deveria ter permitido que as coisas chegassem tão longe. Peço perdão.

Essas palavras conseguiram que ela se atrevesse a lhe olhar.

—Não tem que me pedir perdão. Fui eu quem insistiu.

—Sim, mas não teria que ter feito caso ao pedido — afirmou ele, guardando o lenço com o

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que tinha tentado se assear um pouco. — Se supõe que um homem de minha experiência não

deveria se comportar como um menino de quinze anos.

—Se arrepende? — perguntou Irene antes de poder morder a língua.

Ele a olhou aos olhos e com esse olhar tratou de lhe entregar outro pedaço de sua alma.

Passados uns segundos, respondeu:

—Não. Jamais poderia me arrepender de ter estado com você — disse enquanto pegava a

fita malva que tinha caído do cabelo de Irene e a guardava no bolso sem que ela o visse.

—Eu tampouco — confessou a moça, lhe dando de presente um sorriso.

E, de repente, tudo pareceu menos grave.

CAPÍTULO 21

Depois de deixar Irene em sua casa com a promessa de que voltariam a se ver no dia

seguinte, Alex retornou à sua para trocar de roupa e ir em busca da misteriosa apaixonada por

David Faraday. Teve a sorte de não se encontrar com ninguém no vestíbulo. Nada mais teria

faltado ter que explicar a seu pai ou a seu irmão por que levava as calças manchadas como um

adolescente. Apesar do incômodo que estava, não podia deixar de sorrir. Irene o tinha acariciado e

pela primeira vez em sua vida Alex sabia o que era sentir sobre sua pele as mãos da pessoa amada.

Tratou de recordar a alguma das poucas mulheres com as que tinha estado e lhe resultou

impossível. Com seus dedos inexperientes, Irene tinha apagado o rastro que qualquer outra

tivesse podido deixar em seu corpo. Trocou de calça, embora não de camisa; queria seguir

cheirando o perfume de Irene durante todo o tempo que fosse possível, e saiu dali em busca de

Casio.

Alex passou tudo o que ficava do dia e parte da noite tratando de encontrar à senhorita

Charlotte. Ao que parece, a professora de escola tinha desaparecido no dia seguinte da morte de

David Faraday. Nem sequer tinha assistido ao funeral deste, feito que surpreendeu muitíssimo aos

pais de Faraday, pois conheciam a jovem e, embora não sabiam o alcance de sua relação com seu

filho, não tinham dúvida alguma do que um significava muito para o outro. A moça não tinha

família, e só uma de suas amigas concordou em falar com Alex.

—Uma manhã, encontrei Charlotte chorando desconsolada — disse a garota em questão,

que trabalhava na escola como donzela. —Me disse que David tinha morrido e que tinha que ir

embora. Parecia muito assustada.

—Ela disse aonde ia?

—Não — confirmou preocupada, — e isso que insisti muitíssimo. Me disse que era por meu

bem. OH, Deus, me sinto fatal. Esse dia pensei que era uma exagerada e que o único que queria

era estar sozinha. Deveria tê-la acompanhado.

—Não se preocupe, fez o correto. — Ao ver que ela o olhava cética, a consolou. — Prometo

que a encontrarei. Ela falou alguma vez de madame Antonia?

—Sim, acredito recordar que me contou que um dia essa senhora a parou em um mercado e

lhe ofereceu trabalho.

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—Espero não ofendê-la com minha pergunta, mas se importaria de me descrever Charlotte

fisicamente?

—Charlotte? É alta, ao menos para ser uma mulher, tem o cabelo negro, a tez escura e os

olhos de uma cor verde muito característica.

Alex recordou então que tinha descoberto que nas festas de lorde Redford adoravam

disfarçar a jovens como ciganas e as leiloar ao melhor lance, e pensou que Charlotte era uma

candidata perfeita para dito leilão.

—Obrigado, senhorita Grei, me foi de grande ajuda. Decidiu não ir ao bordel de madame

Antonia, pois sabia que se entrava ali e saía sem, digamos, utilizar seus serviços, levantaria muitas

suspeitas, e, além disso, graças a um informante, a Irmandade já sabia que Charlotte não estava

nesse estabelecimento.

Seguro que Antonia, que na realidade era uma excelente mulher de negócios, tinha oculto a

sua nova jóia em algum lugar do campo, para assim evitar que perdesse valor antes da festa de

lorde Redford.

Retornou a sua casa e se dedicou a repassar o caderno de James e as notas que Hawkslife

lhe tinha dado, mas suas pálpebras pesavam e pouco a pouco adormeceu. Ao recordar o que tinha

acontecido na carruagem, fechou os olhos e sorriu.

À manhã seguinte, e ainda de bom humor, Alex decidiu organizar uma pequena excursão

com seus irmãos e os Morland. Assim poderia passar o dia com Irene e, ao mesmo tempo, ele e

James poderiam fazer algumas perguntas sobre Charlotte. A Irmandade sabia que madame

Antonia possuía várias propriedades na campina, e o mais provável era que a jovem estivesse em

uma delas. Olhou em um mapa as localidades mais próximas e optou por uma. Desceu para tomar

o café da manhã e contou Robert e Eleanor seu plano, omitindo é obvio a parte relacionada com a

investigação, aos dois pareceu uma ideia excelente. Robert o olhou com um pouco de suspicacia,

mas concordou em acompanhá-los e lhe sugeriu que enviasse um lacaio a casa dos Morland para

avisá-los e que pudessem se organizar.

Um par de horas mais tarde, ambas as famílias estavam a caminho do campo. Alex, Robert e

James foram a cavalo, enquanto Irene, Isabella, Tilda e Eleanor viajavam em uma carruagem. Os

seguia uma pequena carreta com duas donzelas e todo o necessário para o piquenique: duas

cestas repletas de comida, três garrafas de vinho, um par de lençóis para colocar sobre a erva e

três varas de pescar.

Com a desculpa de perguntar por um velho amigo da escola, Alex e James se adiantaram ao

grupo e foram à cabana que madame Antonia possuía naquela localidade. Por desgraça, estava

vazia, e parecia ter estado durante muito tempo. Desanimados por esse contratempo, e pelo

pouco tempo que ficava, os dois falcões se perguntaram se não estariam cometendo um engano

ao se dar de presente aquela manhã de feriado escolar.

—Fica você com eles, James, eu seguirei até a costa. Madame Antonia tem ali outra casa, e

não acredito que levou Charlotte muito longe de Londres.

Ambos seguiam montados em seus cavalos e James pensou um pouco nas possibilidades

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antes de responder:

—Eu não gosto que vá sozinho, não sabemos o que pode encontrar nessa casa. — Seu cavalo

relinchou para lhe dar a razão. — Tudo isto poderia ser uma armadilha, Alex.

—Não acredito. O mais provável é que Antonia esteja se aproveitando do mistério que se

gerou em torno de Charlotte para fazer subir o preço pelo que vai leiloá-la na festa de lorde

Redford.

—Sim, mas e se o duque e o coronel decidiram que não podiam esperar até então e foram

atrás da moça? O que fará então? Não pode lhes dizer que simplesmente passava por ali.

—Tranquilo. O duque e o coronel estão tão convencidos de sua genialidade que vão esperar

até festa de Redford. Nem sequer sabem que estamos seguindo sua pista. —Viu que James

arqueava uma sobrancelha, e acrescentou: — Mas se seus temores são certos, então ainda é mais

imperativo que demos com Charlotte. Não podemos permitir que essas duas sanguessugas a

encontrem antes que nós.

—E o que digo a Irene?

Alex segurou com forças as rédeas de Casio e pensou no sorriso que a jovem tinha lhe dado

antes de subir à carruagem.

—Diga que tive que ir.

—Sem mais? — James o olhou aos olhos. —Sabe que tanto ela como seus irmãos se

preocuparão.

—Lhes diga que me cruzei com um velho conhecido e que fui com ele tomar algo, a recordar

velhos tempos. Isso não é de se estranhar.

—Está bem, mas me prometa que irá com cuidado. E que esta mesma noite virá a minha

casa. — Fez dar meia volta a seu cavalo. — Terá que pedir perdão a minha irmã por tê-la deixado

esperando. Nos dois estaremos esperando.

James saiu cavalgando em busca do resto, para evitar que pudessem ver Alex se afastando

dali a toda velocidade.

Tal como James tinha temido, ao ouvir que Alex tinha preferido passar o dia com um velho

amigo que estar com ela, os olhos de Irene perderam a luz que tinham aquela manhã. Eleanor se

preocupou, e Robert disse entre dentes que já estranhava que Alex tivesse querido ir ao

piquenique com eles.

Irene se esforçou por não chorar, e se não fosse por um par de lágrimas que lhe escaparam

quando viu seu irmão beijar Tilda, quase o teria conseguido. Disse a si mesmo que já deveria estar

acostumada aos desplantes de Alex, que a essas alturas já deveria saber que não podia confiar

nele. Mas seu teimoso coração se empenhava em defendê-lo. Sua mente lhe dizia que era um

inapresentável, que tinha se encontrado com um companheiro de cachorradas e tinha preferido

ficar com ele a beber a passar o dia com ela. Mas seu coração lhe sussurrava ao ouvido que Alex

devia ter um muito bom motivo para fazer o que fazia, e que se não tinha retornado com James

era porque tinha lhe acontecido algo muito grave. O problema era que, por mais que esquentasse

os miolos, não lhe ocorria o que podia ser esse algo tão grave para fazê-la sair como alma que leva

o diabo em outra direção.

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James se esforçou muitíssimo por evitar o tema da partida de Alex, e tratou por todos os

meios de conseguir que os irmãos Fordyce, assim como Irene, Isabella e Tilda desfrutassem do

piquenique. Irene, que por desgraça já tinha muita prática em ocultar seus sentimentos, fingiu que

não passava nada, e transcorridas umas horas, chegou inclusive a desfrutar.

Casio cavalgou a um ritmo frenético e durante todo o trajeto. Alex não deixou de pensar em

Irene, nos beijos e nas carícias do dia anterior, e no difícil que lhe seria lhe explicar que se foi dali

sem mais. Pensou também em William. Seguro que ele não teria se metido nessa confusão. Seu

irmão era tão metódico e estrito que com certeza nada escapava a seu controle. Alex sentia falta

dele. Antes que a Irmandade o mandasse a França para se infiltrar ali como espião, ele e William

tinham compartilhado tudo. Seu irmão era dos poucos que sabiam que estava apaixonado por

Irene, e quando começou toda a farsa, foi o primeiro a lhe dizer que deixasse de brincar com a

jovem. Sim, William era todo um cavalheiro.

Alex ia imerso em seus pensamentos quando alcançou o povoado costeiro onde a cortesã

tinha outra propriedade, e desta vez, a julgar pela fumaça que saía da chaminé, sim estava

ocupada. Se aproximou dali com discrição; sua intenção era fingir que se perdeu e perguntar, com

expressão de inocência, se alguém podia lhe dar indicações para encontrar o caminho de volta a

Londres.

Bateu na porta duas vezes e, segundos mais tarde, um fornido homem de aspecto nórdico

abriu. Alex se apresentou e lhe ofereceu o melhor de seus sorrisos. O tipo não o devolveu, mas lhe

disse que entrasse para descansar um momento. Logo que Alex pôs um pé na casa, viu que

Charlotte não estava ali, mas o gigante loiro tampouco parecia encaixar muito com o entorno.

Seguiu com sua farsa de nobre avoado e, pouco a pouco, o outro homem foi relaxando, e lhe

contou que estava cuidando da casa de sua senhora, uma rica mulher da capital, que ia chegar ali

essa mesma noite.

Ante a informação, Alex decidiu que tinha que sair dali o antes possível e observar oculto a

chegada da dama em questão.

Não podia correr o risco de que alguém o visse e perder assim a vantagem do fator surpresa

se queria fazer ato de presença no leilão da moça. Se levantou da cadeira em que esteve tomando

uma taça e se despediu de Grütz, seu anfitrião agradecendo por sua hospitalidade e pelo plano

que lhe tinha desenhado para que chegasse a Londres. Quando se afastou o suficiente, retornou

sobre seus passos e se ocultou em um arvoredo que havia perto da casa, do qual poderia ver se

alguém se aproximava.

Por sorte, uma carruagem se deteve pouco tempo depois e dela desceu madame Antonia,

duas donzelas, e um par de jovens que, a julgar por sua indumentária, também eram cortesãs.

Maldição, Charlotte não estava entre elas. Minutos mais tarde, e com o sigilo próprio de alguém

com seu treinamento, se aproximou da casa para ver se averiguava algo mais. Optou pela parte

traseira, com certeza as donzelas tinham os quartos nessa zona, e os membros do serviço eram os

que costumavam ter as conversações mais interessantes. Efetivamente, as duas moças estavam

falando do costureiro que lhes suporia ter a ponto todos os vestidos para a festa da semana

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Irmandade do Falcão 01

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seguinte. Também estiveram mexericando sobre a nova moça que tinha contratado madame e

sobre a própria. Segundo aquelas moças, a esta última ou seja, Charlotte, a tinham enviado a casa

de uma amiga de madame para que se recuperasse de um resfriado, mas ambas riram da

desculpa. Por desgraça, não mencionaram o nome da amiga e Alex teve o pressentimento de que

não conseguiriam encontrar a jovem a tempo e que, portanto, se veria forçado a ir à festa de lorde

Redford.

—O que está fazendo aqui? — perguntou Grütz com cara de poucos amigos. — Acreditava

que se foi a Londres. Será melhor que me acompanhe dentro para que possamos seguir falando.

Alex se amaldiçoou por não ter ouvido o homem se aproximar. Agora já não poderia evitar o

enfrentamento.

—Acredito que não, meu querido amigo. —Moveu ligeiramente os ombros para preparar-se

para atacar.

Grütz viu o gesto e não perdeu nem um segundo em desencapar uma adaga que levava na

cintura.

—Vamos, dentro. — O gigante apontou a casa com a ponta da lâmina.

Alex fingiu obedecer, mas em seguida deu meia volta e se equilibrou sobre o outro. Lutaram.

Grütz lutava como um marinheiro dos baixos recursos e seus golpes eram certeiros, mas Alex era

letal. Depois de receber um murro nas costelas que recordaria durante dias e um na cara que

quase o deixou inconsciente, conseguiu arrebatar a adaga de seu inimigo e o segurou pelo

pescoço com um braço.

—Agora ficará quieto —disse ao ouvido e, colocando a ponta da faca na jugular dele,

acrescentou: — e deixará que vá.

Ambos estavam suando e tinham a respiração entrecortada.

Grütz assentiu e quando Alex ia solta-lo, o gigante cometeu o engano de tirar uma faca da

manga com a que tratou de apunhalá-lo. Em menos de um segundo, e guiado só por seu instinto,

Alex tampou sua boca, esquivou o ataque e o degolou. Sentiu como o espesso sangue de seu

oponente escorria entre seus dedos junto com seu último fôlego de vida, e quando caiu morto a

seus pés, Alex sentiu náuseas. Apesar de que era consciente de que tinha feito o necessário para

sobreviver e seguir com a missão, não gostava de ter tido que matar a aquele homem. Correu para

onde tinha deixado Casio oculto e montou nele sem perder um segundo. Cavalgou como alma que

leva o diabo. Tinha a camisa manchada de sangue, dele e de Grütz, o a perna incomodava

muitíssimo, as costelas e pela dor de cabeça que tinha, seguro que seu olho esquerdo não tinha

muito bom aspecto. E tinha matado a um homem. Poderia passar horas, dias, justificando suas

ações e talvez ao final encontrasse uma explicação o bastante boa para dormir tranquilo um par

de noites, mas sua consciência sempre o recordaria que no fundo era um assassino, e que alguém

como ele não era digno de uma mulher como Irene.

Tinha prometido a James que quando retornasse iria à mansão dos Morland, mas não podia

se apresentar ali tal como estava, então quando horas mais tarde chegou à cidade, se dirigiu

diretamente a sua própria casa e penetrou com sigilo em seu quarto. Despiu-se e deixou a roupa

manchada de sangue em um montão para atirá-la ao dia seguinte e que ninguém a visse. Enfaixou

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as costelas, massageou a perna com o unguento que o bom do Reeves lhe tinha dado, e, depois de

lavar a cara e as mãos, se deitou à espera que amanhecesse.

James estava no quarto com sua esposa e não podia deixar de pensar em Alex. Não tinha se

apresentado.

—Te passa algo, James? — perguntou Tilda da cama.

—Alex não veio ontem à noite — ele explicou.

—Acha que lhe aconteceu algo? — Sua esposa se levantou e se aproximou dele para o

abraçar pelas costas. James estava olhando como saía o sol e colocou as mãos, em cima das dela.

—Não sei. — Se voltou e a beijou. — Espero que não — disse ao terminar o beijo que, como

sempre, o deixou com vontade de mais. —Não sei se Irene poderia suportar.

Tilda ficou nas pontas dos pés e desta vez foi ela a que iniciou a carícia.

—Por que não lhe conta a verdade? — Ao ver que seu marido optava por lhe beijar o

pescoço em vez de responder, insistiu: — por que Alex não quer lhe dizer que é um falcão?

James percorreu seu pescoço com beijos, mas ao final afastou a cabeça e voltou a falar:

—Temos que lhe dar um pouco de tempo. Leva anos fingindo ser outra pessoa. Pelo que

Hawkslife me contou, enquanto todos acreditávamos que era um bon vivant, jogou um papel de

vital importância nesta guerra e ainda não superou que William morresse sem saber a verdade.

—Espero que sua irmã não se renda.

—E eu. Tenho a sensação que se Alex perdesse para sempre a Irene, não lhe importaria

seguir vivendo. — James sentiu que Tilda estremecia entre seus braços. — Você está bem?

—Sim, mas desde que conheci sua irmã e a Alex não posso tirar da cabeça o perto que estive

de te perder. Não sei o que teríamos feito sem você.

James ia lhe dar um novo beijo quando se deu conta de algo.

—Haveríamos? — Procurou o olhar de sua esposa e, ao ver que lhe sorria com os olhos

cheios de lágrimas, suas mãos começaram a tremer. —Quer dizer que...? Está grávida?

—Isso acredito. — Agarrou-lhe as mãos e as colocou sobre seu estômago. —Desde dois

meses, se não me equivoco. —James a elevou nos braços e começou a beijá-la como um louco.

—Te amo, te quero tanto..., Tilda —disse emocionado ao deixá-la em cima da cama como se

fosse feita de cristal.

—E eu a você, James.

—OH, Deus! Está grávida! E eu ontem, ontem você e eu... —ruborizou. —Você, eu... — Ao

recordar o modo tão enérgico em que lhe tinha feito amor, começou a suar. —Você, eu...

—Você e eu nos queremos muito, e nossa filha está feliz de que assim seja. Não se ponha de

novo em plano santarrão, pai James. —Tilda zombou do disfarce que ele levava quando o

conheceu.

—Filha? Como sabe que será uma menina? — ele perguntou, depois de tragar saliva duas

vezes.

—Porque assim, nos duas poderemos demonstrar o muito que o queremos. Mas se me

equivoco e é um menino, seguro que me ajudará a recordar a seu pai que é o homem mais

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maravilhoso do mundo.

—Me prometa que irá com cuidado. Se te passasse algo, não poderia suportar — insistiu ele.

—Prometo. —Viu que James se levantava e se dirigia ao escritório. — O que vai fazer?

—Vou escrever lhe uma carta a minha mãe. — A mãe de James havia falecido quando este

era pequeno, mas ele tinha o costume de lhe escrever para contar as coisas mais importantes de

sua vida. —E logo irei procurar Alex. Não permitirei que minha filha fique sem um de seus tios.

James estava descendo a escada com um sorriso de orelha a orelha quando ouviu que seu

mordomo abria a porta principal e dava as boas vindas a Alex. Nesse mesmo instante, Irene, que

devia estar tomando o café da manhã, apareceu no vestíbulo e, ao ver o olho arroxeado e o lábio

partido do recém-chegado ficou gelada.

—O que te passou? — perguntou.

—Fordyce — disse James percorrendo a distância que os separava.

—Bom dia — saudou este olhando só a seu amigo. — Poderíamos falar a sós?

Antes que James pudesse dizer algo, Irene o adiantou e, com os braços cruzados, se plantou

diante de Alex.

—Não pensa me responder? Me olhe. — Ele o fez e quando ela viu o desespero que havia

em seus olhos, deu um passo adiante. — Onde esteve ontem? Quem te fez isto? —Levantou uma

mão para tocar a bochecha dele e Alex fechou os olhos ao sentir a carícia.

—Com uns amigos em um botequim. — Apertou os dentes para não gritar ao afastar a mão

dela. —Me convidaram à festa que lorde Redford celebra dentro de uns dias. —Alex sabia que

Irene, o mesmo que o resto da sociedade, estava a par do que acontecia nessas festas.

Depois do de Grütz, passou horas deitado na cama, pensando em todos os homens aos que

tinha matado, em todas as mentiras que havia dito e em como tudo isso tinha afetado a Irene e a

sua família durante todos aqueles anos. Ela mesma lhe tinha confessado que por sua culpa tinha

deixado de confiar em seu instinto e Alex sabia que não podia seguir lhe fazendo mal. Ele já não

tinha salvação, e não podia nem pensar na possibilidade de levar uma vida normal até que

acabasse com Louva-Deus, coisa que possivelmente não aconteceria jamais. Não era justo que

Irene o esperasse. Ela tinha que seguir adiante com sua vida, e o modo mais fácil de conseguir isso

era fazendo que o odiasse com todas suas forças.

A jovem o olhou aos olhos e Alex recorreu a todo o amor que sentia por ela para fingir

indiferença. Deve ter conseguido, porque a viu se afastar como se a tivesse golpeado.

—Entendo, lorde Wessex. — Fez uma pequena reverência e se dirigiu a seu irmão. — Estarei

em meu quarto, James. Quando terminar, eu gostaria de falar com você.

—É obvio — disse este. E se aproximou dela por que não vai falar com Tilda? Logo irei te

buscar.

—Está bem. — E sem dizer nada mais se foi dali sem olhar atrás.

—Vamos à biblioteca. — James assinalou a porta e fulminou Alex com o olhar.

Os dois se dirigiram para ali e quando ficaram a sós, o jovem Morland estalou:

—Pode se saber que diabos te passou?!

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—Tive um pequeno percalço — respondeu ele, e, ato seguido, relatou o acontecido sem

omitir detalhe.

—Entendo que esteja alterado. Nunca é agradável terminar com a vida de alguém. Sei. —se

sentou em uma poltrona. —Mas de verdade era necessário tratar Irene assim? —O olhou aos

olhos e acrescentou: — Poderia lhe dizer a verdade.

—Não — respondeu Alex, agarrando as mãos para que seu amigo não visse que tremiam. —

Irene merece a alguém muito melhor que eu. Devo me afastar dela quanto antes.

—Minha irmã merece estar com o homem que ama — replicou James com firmeza.

—Eu não sou esse homem. Já não.

O outro arqueou uma sobrancelha e, como grande estrategista que era, optou por mudar de

tema.

—E o que pretende fazer?

—Tenho escrito uma nota que vou mandar aos periódicos dizendo que lady Morland e eu

não estamos comprometidos. — Estendeu uma cópia. — Nela peço desculpas por ter ofendido a

uma dama como ela e a eximo de toda responsabilidade pelo que aconteceu na festa do duque de

Lancaster.

— Irene sabe que tem escrito isto? — James a leu por cima.

—Não, mas foi ela mesma quem me sugeriu que o fizesse faz uns dias. — Decidiu não contar

ao James que após tinham acontecido também outras coisas. — Quando amanhã a nota apareça

publicada em todos os periódicos, voltarei a ser o mesmo crápula de sempre, e tratarei de passar

mais tempo com nossos suspeitos. Das duas uma, ou encontramos Charlotte, ou tenho que

conseguir que me convidem à festa de lorde Redford.

—Está bem. Hawkslife me disse que o irmão de Montoya tinha lhe mandado os documentos

que estavam em posse de Miguel antes de morrer. Irei vê-los para ver se averiguo algo. Me faça

um favor, sim? — Esperou que o outro o olhasse para acrescentar: —Eu não gostaria de perder a

outro amigo. Me mantenha informado de tudo.

—Farei. — Alex respirou fundo. —Se me acontecer algo...

—Contarei a Irene a verdade. — James terminou por ele a frase que se negava a sair de sua

garganta.

Os dois amigos se olharam e Alex se foi dali convencido de que tinha feito o correto.

CAPÍTULO 22

Na manhã seguinte, quando Irene leu a nota que Alex tinha mandado aos periódicos, chorou

na solidão de seu quarto.

Mas após derramar a última lágrima, disse a si mesma que era melhor assim e, embora não

podia esquecer o olhar de desolação que descobriu nos olhos dele na última vez que o viu, pensou

que tinha chegado o momento de aceitar que o Alex do qual se apaixonou quando pequena fazia

muitos anos tinha deixado de existir. Se é que alguma vez tinha existido, e que o que sim existia

jamais a tinha amado.

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A princípio lhe custou, mas quando seu coração fraquejava, repetia a si mesma que Alex não

a amava. Cada vez que alguém lhe perguntava se estava bem, Irene sorria, fechava os punhos com

força, e mentia e dizia que sim. Supôs que era normal que se preocupassem com ela, mas se

negava a falar do tema, então, após responder só com monossílabos, logo deixaram de lhe

perguntar. Por sorte, a gravidez de Tilda não demorou para se converter na principal preocupação

da família e Irene se centrou em cuidar de sua cunhada e preparar a chegada do bebê.

Por sua parte, Alex seguiu com seu plano. Passava as noites com lorde Vessey, Sheridan, o

duque e o coronel aguentando seus discursos sobre a debilidade que estava mostrando a

Inglaterra frente a Napoleão, indo de festa em festa e fingindo que se divertia. Por sorte, cinco

dias mais tarde lhe entregaram um convite para a festa de lorde Redford, e Rothesay mencionou

que estava ansioso por estar com certa cigana virgem.

Quando Alex chegava a sua casa, se despia e se banhava, e se sentia tão sujo que tinha que

fazer verdadeiros esforços para não se machucar ao esfregar a pele. Terminado o ritual, se sentava

em sua escrivaninha e repassava todos os documentos que Hawkslife e James tinham lhe

mandado, procurando algo, o que fosse, que lhes tivesse passado por cima e que permitisse dar

com o paradeiro de Louva-Deus. Assim passava as horas e, quando todos os ossos do corpo lhe

gritavam que se deitasse um momento para descansar, pegava a trança de fitas de Irene e, com

ela enredada entre os dedos, se metia na cama. Sabia que era uma espécie de tortura, pois cada

vez que tocava essas fitas, sonhava com sua amada, mas dado que só podia tê-la em sonhos, não

ficava mais remédio que se conformar com aquilo.

No dia antes da festa de lorde Redford, Alex entrou em uma livraria para comprar um

manual de navegação no que estava interessado. Nunca tinha deixado de gostar de navios e

seguia fantasiando com a ideia de ter um próprio algum dia. Estava passeando entre as estantes

repletas de livros quando, avoado, tropeçou com alguém.

—Perdão — disse imediatamente, mas quando levantou a vista e viu Irene ficou gelado. —

Lady Morland.

Ela demorou uns segundos a responder. Levava dias sem ver Alex e o ter tão perto estava

afetando a sua capacidade de raciocinar.

—Lorde Wessex. — Se ele a tratava com tanta formalidade, ela não podia ser menos. Ia se

afastar e o deixar passar quando se arriscou a lhe olhar à cara; não pôde evitar que seu coração

desse um tombo. Alex tinha olheiras, estava mais magro, ainda ficavam sinais do murro que tinha

recebido e, a julgar pelo modo em que apertava a mandíbula, algo o deixava muito preocupado.

—Está bem?

Bem? Não, não estava bem. Suas mãos doíam de tão forte como estava apertando os

punhos para não abraçá-la. Sua garganta adia da vontades que tinha de gritar que já não podia

mais, e queria dizer a todo mundo que a amava, que sentia falta da sua família e que queria

ganhar de novo o respeito de seu pai, pois desde que tinha mandado a carta aos periódicos

rompendo o compromisso, o conde se negava a falar com ele.

Mas como não podia fazer nada disso, se limitou a responder:

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—Não.

Se a Irene surpreendeu que fosse tão brusco e sincero, não deixou entrever, se limitou a dar

meia volta e ir em busca de Isabella e Tilda, que a estavam esperando uns metros mais à frente.

Alex não ouviu o que lhes disse, mas as outras duas damas se foram, deixando Irene sozinha.

—Tem muito má cara — disse ela ao retornar a seu lado. —Que livro está procurando?

—Um manual de navegação — respondeu Alex, que não se podia acreditar o que estava

acontecendo. Estava convencido de que se algum dia tinha a sorte, ou a desgraça, de se encontrar

com Irene, esta lhe negaria a saudação.

—Vá, vejo que em algo não mudou. — Se pôs a andar e se dirigiu a estante onde estavam os

volumes desse tema.

—E você, que livro está procurando?

—Um de contos, para Tilda.

—James me disse que está grávida. Felicidades, seguro que será uma tia fantástica. — A Alex

quase lhe engasgou esse último comentário.

—Obrigado. — Irene ficou tensa e ele supôs que não quereria falar de algo tão íntimo. — A

festa de lorde Redford é amanhã, não?

—Sim, como sabe?

—Por favor, Alex, todo mundo sabe.

Se detiveram frente à escada que conduzia ao andar inferior da livraria, onde se encontrava

a saída.

—Sim, é amanhã — confirmou.

—Vai? — perguntou olhando-o aos olhos.

—Sim — respondeu após soltar o ar que não sabia que estava aguentando. —Tenho que ir.

Lhe sustentou o olhar e levantou uma mão para acariciar sua bochecha.

—Tenha cuidado.

E após essa frase, desceu a escada.

Irene tinha o coração desbocado. Depois de passar os primeiros dois dias em uma espécie de

transe, seu pai apareceu uma manhã em seu quarto e lhe soltou um discurso muito enigmático.

Ela não compreendeu a metade das coisas que ele disse, mas o homem insistiu muito em que

desse outra oportunidade a Alex e em que as coisas nem sempre eram o que pareciam.

Irene quase tinha esquecido essa conversação, convencida de que só tinha sido uma

tentativa de seu pai para animá-la, mas ao encontrar com Alex na livraria, tinha recordado de

repente. Ele não parecia estar desfrutando da vida, como se empenhavam em relatar os

periódicos cada manhã. Na realidade, parecia triste e cansado, muito cansado; e sozinho. E o único

que ela tinha vontade de fazer era abraçá-lo e lhe dizer que tudo ia sair bem. Mas como isso era

impossível, se conformou roçando a bochecha alguns segundos.

Saiu da livraria e se reuniu com Isabella e Tilda, que a estavam esperando na carruagem.

Tinha que falar com seu pai quanto antes e lhe perguntar exatamente o que tinha querido dizer

aquela manhã.

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A mansão de lorde Redford estava situada a uns dez quilômetros da cidade. Era um

impressionante edifício de pedra calcária, com uma entrada flanqueada por escadas de ambos os

lados e um jardim muito bem cuidado. Neste ardiam tochas para a ocasião, e ao se aproximar,

Alex tomou nota mental dos homens armados que havia no telhado e das diferentes vias de

escapamento.

Apesar da insistência de Sheridan, Alex tinha ido à festa com sua própria carruagem: assim

gozava de mais liberdade e tinha mais tempo para pensar. Ao chegar, foi recebido por lorde

Redford, um homem de uns cinquenta anos e aspecto fornido, famoso por carecer totalmente de

maneiras e princípios. Junto a ele estavam o coronel Casterlagh, copo na mão, e o duque de

Rothesay.

Durante aqueles últimos dias, ambos os homens tinham chegado a confiar bastante em Alex,

mas por sorte para ele, seguiam tratando-o como se fosse um tolo do que só queriam se

aproveitar economicamente.

Alex tinha descoberto um par de coisas muito interessantes, e Hawkslife já tinha reunido

suficientes provas para acusar ao coronel e ao duque de roubo, assassinato e traição; entretanto,

ainda estavam muito longe de averiguar a identidade de Louva-Deus. Hawkslife tinha a teoria,

secundada pelo pai de Irene, que, a julgar pelo que tinham averiguado, aquela organização estava

muito hierarquizada, e era muito pouco provável, por não dizer impossível, que esses dois

indivíduos conhecessem a identidade de Louva-Deus. Não, não podiam prendê-los; tinham que

seguir o jogo deles até descobrir o paradeiro de seu líder.

—Gostaria de dar uma volta antes que comece o leilão? — perguntou seu anfitrião.

—É obvio — respondeu Alex com um sorriso forçado.

Redford os guiou através de uma sala em que havia várias mulheres meio nuas, tratando

com atenção outros convidados. Em outra sala, foram já nuas de tudo e emprestavam seus

serviços sem reparo algum. Alex manteve a calma em todo momento, o olhar à frente e uma mão

dentro do bolso, segurando as fitas de Irene entre os dedos. Depois que esta lhe dissesse na

livraria que fosse com cuidado, Alex pensou que se saía daquilo ileso, talvez ainda tivesse alguma

possibilidade de reconquistá-la, e se agarrava a essa ideia como a um prego ardendo.

—Ouvi dizer que madame Antonia tem uma surpresa especial para esta noite — comentou o

coronel após beber um gole de conhaque.

—Assim é, uma preciosa virgem. — Lorde Redford riu. —Lhe custou um pouco domá-la, mas

acredito que estará pronta para o leilão.

—Acredita que poderíamos vê-la antes? — perguntou o duque de Rothesay. —O

recompensarei por isso, Redford, já sabe o muito que eu gosto de jogar com vantagem. A meu

amigo o coronel e nós gostaríamos de ver a moça.

—Está bem. Me sigam.

Subiram uma escada e atravessaram um longo corredor até chegar à última sala da ala

esquerda. Lorde Redford abriu sem chamar, e dentro viram uma moça vestida de cigana, junto

com dois guardas e uma das cortesãs de Antonia.

—Senhorita Charlotte, tem visitas.

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Alex viu que a jovem mordia o lábio inferior para não responder e que um dos guardas

colocava uma mão nas costas dela para recordar que tinha que se comportar como era devido. O

coronel se aproximou e segurou o queixo dela com dois dedos.

—Tinha muita vontade de conhecê-la, senhorita Grei. Lamento muitíssimo o que aconteceu

a seu prometido; uma lástima. Alguém tão jovem, e morrer assim, tão de repente.

Charlotte jogou a cabeça para trás para se soltar e cuspiu na cara dele. Casterlagh ia

esbofetea-la, mas um dos guardas agarrou a mão dele.

—Lamento, senhor, mas não podemos permitir que saia ao leilão com a cara marcada. Se

quer lhe dar seu castigo, terá que puxar por ela.

—É obvio. — Afastou a mão e sorriu à mulher. —Me diga, Charlotte, contaram o que se

espera de você? — Viu que ela estremecia e continuou: — Claro, madame Antonia é muito

exigente com suas garotas, mas bom, talvez pudéssemos chegar a um acordo.

—Um acordo? — perguntou ela olhando ao coronel e ao duque.

—Digamos que em troca de certos documentos do falecido senhor Faraday poderíamos tirar

você daqui.

—Eu não tenho nada — respondeu ela, erguendo de novo as costas.

Enquanto tinha lugar essa conversação, Alex estudou o quarto em busca de algo que

pudesse lhe ser útil, mas por desgraça não viu nada. Nesse instante, apareceu o mordomo de seu

anfitrião para anunciar que os estavam esperando abaixo para iniciar o espetáculo que precedia

ao leilão.

—Nos veremos logo, querida — disse o coronel a modo de despedida, e Charlotte afastou a

vista.

—Termina de prepará-la — ordenou lorde Redford.

—Sim, milord — respondeu a cortesã presente no quarto.

Os guardas saíram, deixando Charlotte a sós com a mulher. Alex supôs que não voltaria a ter

uma oportunidade como aquela e, logo que chegaram ao salão principal, se afastou dos outros

com a desculpa de ir se servir uma taça. O coronel o olhou com suspicacia, e o duque o seguiu um

momento com a vista. Mas quando viram que efetivamente se serviu um conhaque e que estava

conversando com outro dos convidados, relaxaram. Alex aproveitou o pequeno caos que se gerou

quando um grupo de cortesãs entraram em cena para sair dali e voltar para o quarto de Charlotte.

Escutou com sigilo atrás da porta durante um segundo, só para se assegurar que não havia um

exército ali o esperando, e abriu com decisão.

—Não grite, meu nome é Alex, e meu irmão era o melhor amigo de David — explicou ao

entrar, e imediatamente lançou uma bolsa repleta de moedas à cortesã que seguia ali, vigiando

Charlotte. — Isto é por seu silêncio e cooperação — disse a ela.

—Não é necessário, mas fico de todos os modos. Alex soube que a mulher não ia ajudar por

bondade, mas sim porque não gostava nada da ideia de ter competência.

—Temos que ir daqui quanto antes — Alex apressou Charlotte. — Troque de roupa, com

esta será impossível que passemos despercebidos.

—Toma. —A outra mulher lhe deu uma saia e uma camisa que tirou de uma gaveta. —Eu

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vestirei o disfarce de cigana. Deveria ter sido para mim desde o começo, mas claro, madame se

empenhou em que fosse para uma virgem — acrescentou sarcástica.

—Quando têm previsto realizar o leilão? — perguntou Alex.

—A meia-noite, dentro de duas horas.

—Genial. Deus me libere de que algo me resultasse fácil — disse em voz baixa. — Vejamos,

de verdade acredita que não se darão conta que não é Charlotte? —perguntou à cortesã.

—Acredite em mim, às doze, todos estarão tão bêbados que nem sequer o notarão.

—Então talvez tenha algo mais de margem.

—Violet, eles estão esperando! — gritou alguém do corredor.

Charlotte se assustou.

—Não disse que não era até as doze? — disse.

—O adiantaram. — Pigarreou e acrescentou: — Tranquilos, assim se criará maior espera.

Os passos se afastaram e Alex decidiu mudar de planos. Comprovou que levava a adaga

oculta na manga e deu instruções:

—Violet, se se assegurar de que o leilão dure pelo menos uma hora, te darei outra bolsa

como essa, de acordo? — A cortesã assentiu e então se dirigiu a Charlotte: —Vou te tirar daqui,

não se preocupe. Preparadas?

Violet sacudiu a juba, cobriu a cara com um véu, e abriu a porta para se dirigir ao salão. Ia

rebolando, o que proporcionou a Alex a distração necessária para levar a jovem.

Estavam já no andar inferior; só lhe faltava chegar à porta principal e conseguir que

trouxessem sua carruagem. Conseguiu sem problemas.

—Me escute, Charlotte — disse à garota, que o olhava assustada mas também decidida. —

Meu chofer a levará a casa de um amigo, se chama Hawkslife e a está esperando.

—E você não vem?

—Não, não podemos levantar suspeitas. Tranquila, nos veremos amanhã.

—Mas... e se se inteiram de que me ajudou a escapar?

—Não se inteirarão. —Fechou a porta do carro. —Tenho que voltar — disse ao ouvir os

gritos de folguedo que provinham do salão.

—David me falou de você uma vez, é o irmão de William, não é?

—Sim.

—Obrigado por me ajudar — disse ela com lágrimas nos olhos. —Desde que David morreu

eu... Sinto ter me metido nesta confusão. Escondi os papéis que ele me deu na escola. Nem sequer

sei o que significam. Pensei em destruí-los, mas não me atrevi. Sinto muito.

—Não se preocupe por isso agora. Tenho que ir.

Alex deu umas palmadas nos cavalos e a carruagem empreendeu a marcha. Tal como tinha

previsto, inclusive os guardas tinham ido ao leilão e ninguém estava vigiando o exterior.

Entrou no salão, se serviu outra taça e se sentou em um sofá, perto de uma das cortesãs,

para aparentar que tinha estado ali todo esse momento, mas não se precaveu de que o coronel

observou todos seus movimentos com suspicacia.

—Fordyce acaba de entrar — disse Casterlagh ao duque. — E onde estava até agora? —

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perguntou este, fingindo seguir muito interessado na mulher que o acompanhava.

—Não sei. —Bebeu um pouco de uísque. —Já te deu o dinheiro?

—Sim, faz dias. Por que?

—Tenho um mau pressentimento.

—Sempre igual! Não se preocupe, seguro que estava com alguma das garotas da Antonia.

Nesse instante, apareceu a madame e, depois de um exaltador discurso sobre a beleza e a

virgindade de Charlotte, procedeu a leiloada. Se se deu conta que a mulher disfarçada não era a

inocente professora, o ocultou à perfeição. Na verdade, a cortesã que tinha ocupado o lugar de

Charlotte, Violet, estava disfarçando muito bem, mas Alex sabia que assim que ela tirasse o véu a

verdade viria à tona.

O leilão chegou a quantidades escandalosas e ao final foi o duque de Rothesay quem se

elevou vitorioso. Madame Antonia felicitou ao vencedor e lhe disse que podia se retirar com seu

prêmio a outra habitação, mas para surpresa de Alex, o duque não se foi sozinho, mas sim o

coronel o acompanhou. Deveria aproveitar para escapar. Em questão de minutos, aqueles dois

homens se dariam conta que Violet não era quem fingia ser. Levantou-se e já se dispunha a sair da

mansão quando alguém o deteve.

—Lorde Wessex, não se irá tão logo, não?

CAPÍTULO 23

—O que significa isto?

—Não fique assim — sussurrou Violet ao ouvido do duque. — Prometo que se alegrará da

mudança.

—Onde está? — O coronel não perdeu nem um segundo e agarrou à cortesã pelo pescoço.

— Onde está?

—Quem? — A jovem começou a se assustar. Estava acostumada a ver de tudo, e o fato de

que aqueles homens a tivessem acompanhado juntos ao quarto não tinha sido estranho, mas

agora via que aquilo ia além dos serviços que ela estava acostumada a emprestar. —A virgem?

—Exato — respondeu Casterlagh, e entrecerrou os dedos ao redor de seu pescoço até que

sentiu que lhe custava respirar. — Onde está?

—Não sei. —Levantou as mãos para agarrar às do homem torto e ver de afrouxava um

pouco a pressão. — Juro, não sei.

—Vamos, vamos preciosa — interveio o duque, — não me diga que você pôs este disfarce

por acaso. — Se aproximou do coronel e o obrigou a soltá-la, mas quando ela respirou aliviada,

cruzou-lhe a cara de um bofetão. — Onde está?

—Seu amigo a levou daqui — respondeu a jovem assustada, levando a mão à bochecha que

o duque tinha esbofeteado. — O outro homem que entrou com vocês no quarto.

—Fordyce? E aonde a levou?

—Não sei. —Retrocedeu ao ver que o coronel voltava a se aproximar dela. — Não sei. Só sei

que me deu uma bolsa de dinheiro e disse que me daria outra se obtinha que o leilão durasse uma

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hora. Juro.

—Está bem, pequena — a tranquilizou Casterlagh. —Está bem. Rothesay — se dirigiu ao

duque, — fique aqui com... nossa amiga. Eu irei procurar Fordyce.

O coronel saiu do quarto mas antes, com um olhar, disse a seu sócio que não esperava

encontrar à moça com vida quando retornasse.

—Vá, vá, Alex Fordyce, me surpreende lhe ver aqui — disse madame Antonia após percorrê-

lo com o olhar sem dissimulação. — Nem seu pai nem seu irmão jamais visitaram meu

estabelecimento. Suponho que é certo isso que dizem por aí. — Deslizou o leque que segurava em

uma mão pelo antebraço dele.

—O que dizem por aí? — perguntou ele, tratando de flertar e de controlar as náuseas ao

mesmo tempo.

—Já sabe, que você é a ovelha negra da família.

—Ah, só isso? Vá, vejo que terei que me esforçar em fazer algo mais chamativo.

—Se quiser, posso lhe fazer um par de sugestões.

A mulher começou a se aproximar e, justo quando Alex já se resignou a cumprir com seu

papel de sedutor, o coronel os interrompeu:

—Antonia, eu gostaria de falar a sós com lorde Wessex uns segundos — disse, piscando um

olho para ela.

—É obvio, cavalheiros. — A cortesã inclinou ligeiramente a cabeça e se afastou dali.

A Alex bastou olhar a Casterlagh para saber que tinha saído do fogo para cair nas brasas.

—Coronel, no que posso ajudá-lo?

—Venha comigo. O duque e nós gostaríamos de lhe perguntar um par de coisas.

—É obvio.

Alex o seguiu até o quarto em que antes tinham desaparecido com Violet, e quando o ouviu

correr o fecho, soube que ia lhe custar sair dali.

—Sente — ordenou o militar. — Em seguida estarei com você.

—E a moça que entrou aqui antes? — perguntou Alex tratando de aparentar normalidade.

—A senhorita Violet teve certos problemas de respiração e decidiu se mudar a climas mais

úmidos. Mas antes de... nos despedirmos contou algo muito interessante.

—Não tenho nenhuma dúvida; diz-se que as mulheres de sua profissão são muito

comunicativas. E para que queriam me ver?

—Onde esteve todo este momento? — perguntou o duque sem mais preâmbulos.

—No salão, falando com madame Antonia — respondeu ele fingindo não compreender

aonde queriam ir parar.

—E antes? E não trate de dissimular, eu mesmo o vi sair do salão antes que começasse o

leilão — interveio o coronel.

—Me servi uma taça e fui dar uma volta. Falaram-me tanto destas festas, que sentia

curiosidade. Acaso ofendi a nosso anfitrião? Se for assim, agora mesmo irei me desculpar. —Alex

se levantou da poltrona onde estava sentado e se aproximou da porta.

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—Não tão rápido. Ao que parece, o duque pagou uma fortuna pela mulher equivocada. Ou é

que um homem tão observador como você não se deu conta?

—Lamento que sua excelência tenha feito um mau investimento, mas não tenho nem ideia

do que estão me falando — respondeu Alex se atendo a seu papel.

—Se supunha que iam leiloar à mulher que vimos antes no quarto, mas ao final, Violet

ocupou o seu lugar. — O coronel se aproximou de Alex. — De verdade não se deu conta?

—Nunca me fixo muito nas mulheres. Todas me parecem iguais.

—Seguro que se lady Morland estivesse aqui não opinaria igual.

—Claro que — acrescentou o duque, se aproximando também a ele, — lady Morland nunca

estaria em uma festa assim, não?

Alex apertou os dentes e contou mentalmente até dez.

—Suponho. E para isto me têm feito vir? para me perguntar sobre uma puta desaparecida?

—riu. —Estou seguro que madame Antonia poderá lhes oferecer uma substituta.

—Essa garota não pôde sair daqui sozinha, e cedo ou tarde terminaremos encontrando-a.

Mais lhe vale que não averiguemos que foi você quem a ajudou... porque, nesse caso, sua irmã ou

lady Morland poderiam se converter em uma dessas substitutas que acaba de mencionar.

—Vamos, coronel, seguro que a moça ficou nervosa e está por alguma parte — respondeu

ele, se esforçando por controlar a vontade que tinha de estrangular a aqueles dois tipos com suas

próprias mãos por ter ameaçado a Irene e a sua irmã. — Eu mesmo os ajudarei a procurá-la, mas

antes, o que lhes parece se tomamos uma taça com nosso anfitrião?

O duque e o coronel se olharam uns segundos e ao final o militar abriu a porta.

—Uma grande ideia, Fordyce.

Alex sabia que não tinha conseguido enganá-los e que suas veladas ameaças não tinham

chegado a mais porque estavam rodeados de membros da boa sociedade londrina. Lorde Redford

aproveitou para se rodear de mais gente. Rothesay e o coronel prosseguiram até o móvel e

serviram três copos de uísque.

—Ainda leva a ampola? —o duque perguntou a Casterlagh.

—Sempre.

—Acredito que chegou o momento de nos desfazer de Fordyce. Tenho a sensação de que

não é o que parece, e já temos muitos problemas com os franceses para ter que enfrentar a um

mais.

—Estou de acordo. — O coronel ficou de costas ao salão e esvaziou o conteúdo de uma

diminuta ampola de cristal em um dos copos. — Demorará umas horas a fazer efeito.

Com cuidado de não se equivocar, os dois homens foram em busca de seu jovem amigo e

lhe ofereceram seu copo, e, depois de um brinde em honra às mulheres, sorriram satisfeitos.

A cabeça de Alex doía muitíssimo, e a sala começava a dar voltas. Se sentou em um sofá,

junto a um par de cortesãs que estavam se despindo pouco a pouco, para deleite de um velho

lorde que estava a ponto de ir ao outro bairro. Sua testa suava, um suor frio, gelado, e podia sentir

cada um dos batimentos de seu coração. Fechou os olhos uns segundos e respirou fundo, e ao

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abri-los estava no meio do campo de batalha no que quase tinha perdido a perna. Centenas de

soldados franceses estavam mortos a seu redor e todos tinham o rosto esfumado, como se não

tivessem cara. Isso era impossível. Todo mundo tinha cara. Sacudiu a cabeça e piscou, e quando

voltou a olhar aquelas caras anônimas já estavam bem desenhadas, e todas tinham as feições de

seu irmão mais velho. Estava a ponto de vomitar, e suas pernas tremiam, mas conseguiu se

levantar e, cambaleando, chegou até a porta.

—Se encontra bem, lorde Wessex? — perguntou o duque com uma cara de satisfação que

Alex só tinha visto antes no rosto de antigos inimigos.

—Perfeitamente — mentiu. — Se me desculpar, vou tomar um pouco o ar.

—É obvio.

Saiu dali e conseguiu chegar até os estábulos antes de cair de joelhos. Tinham-no

envenenado; tinha visto o efeito do veneno muitas vezes para não reconhecê-lo. Secou o suor da

testa e voltou a ficar em pé. Se seus cálculos não falhavam, e rezava por não se equivocar, ficavam

umas poucas horas. Teria que ter pego um pouco de atropina. A Irmandade tinha utilizado esse

antídoto em várias ocasiões, e Hawkslife sempre o recordava que era de muita utilidade levar uma

pequena dose em todas as missões, sobretudo se a pessoa ia se meter diretamente na boca do

lobo. Seguro que seu mentor lhe soltaria um sermão quando o visse... Isso se ainda seguia com

vida.

Caminhou até onde estavam os cavalos e escolheu o que lhe pareceu mais forte e veloz,

embora em seu estado não estava muito seguro de que sua percepção fosse de confiar, e saiu

rapidamente para Londres. Não podia ir a sua casa, pensou entre tremores; nem seu pai nem seus

irmãos saberiam como reagir. E não tinha tempo de chegar a casa de Hawkslife. Sua única saída

era James Morland. Seguro que o irmão de Irene era melhor agente que ele e tinha uma dose do

antídoto em sua casa. E no caso de que não fosse assim, tanto ele como seu pai eram falcões, de

modo que saberiam o que fazer ou aonde acudir.., e se passava o pior, ao menos poderia ver Irene

pela última vez.

Seus ouvidos retumbavam, quase não podia respirar e estava empapado em suor, mas se

agarrava à crina de seu cavalo com todas suas forças ao mesmo tempo que se amaldiçoava por ter

sido tão estúpido. Deveria ter previsto que uns homens capazes de se associar com alguém como

Louva-Deus não iam se deixar enganar de qualquer jeito.

Deteve o cavalo frente à mansão dos Morland e bateu na porta com todo o ímpeto de que

foi capaz. Os joelhos já não podiam sustentá-lo, tinha que piscar para evitar que lhe nublasse a

vista, e estava convencido de que seu coração sairia pela boca. Golpeou de novo e, quando já

acreditava que ia morrer ali, na rua, a porta se abriu e desabou nos braços de James.

—Alex! — O jovem conseguiu segurá-lo e tranquilizar ao mordomo que, meio adormecido,

tinha acudido também a abrir. —Avise a meu pai, Procter.

Este partiu em busca do barão e James levou Alex ao salão para tombá-lo em um sofá.

—Veneno — balbuciou ele. — Duas horas. —Tratava de dar a seu amigo a informação

necessária para ajudá-lo.

—Maldição, te disse que não devia ir sozinho a essa festa. — James o deitou e ia se afastar,

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mas Alex segurou sua mão.

—Irene... diga a ela... que a...

—Não, já o dirá você.

—James, o que está passando? — perguntou George ao entrar, enquanto terminava de

fechar o roupão.

—É Alex, o envenenaram. Não temos muito tempo. Fique aqui com ele, eu tenho atropina

em meu quarto. O barão arqueou uma sobrancelha.

—O que? Pensei que algum dia poderia me ser útil.

Saiu dali correndo e deixou Alex, que não parava de tremer e de balbuciar palavras

ininteligíveis, com seu pai.

James entrou em seu quarto e viu sua irmã sentada junto a Tilda. Por um lado se alegrava de

que esta não estivesse sozinha, mas por outro teria dado algo por evitar que Irene se inteirasse do

que estava acontecendo.

—James, carinho, o que acontece?

Ele já tinha aprendido que era impossível ocultar algo de sua esposa, e supôs que a seu

amigo tanto poderia ajudá-lo o antídoto como ver Irene.

—É Alex. — Como tinha previsto, sua irmã ficou em pé de um salto. —O envenenaram,

necessita o antídoto quanto antes.

—Onde está? — perguntou Irene já na porta.

—No salão, papai está com ele — respondeu, mas ela já tinha começado a descer a escada.

—O que está procurando? — perguntou Tilda, que também se pôs em pé.

—Uma caixa de madeira.

—Pequena e com uma pluma esculpida nela? — Ao ver que seu marido assentia, continuou:

—junto a suas camisas.

James lhe deu um beijo e sorriu.

—O que faria eu sem você?

—Me buscar. —O abraçou. —Vamos, vá, Alex te necessita. E sua irmã também. Quer que

desça?

—Não, prefiro que fique aqui. Se o antídoto surtir efeito, a reação de Alex não vai ser muito

agradável, e se não...

—Surtirá efeito. Vá.

James a beijou uma vez mais e acrescentou antes de sair:

—Te amo.

Tilda respondeu que ela também, mas seu marido já estava na escada.

Quando James entrou no salão, o que viu quase partiu seu coração. Sua irmã estava de

joelhos junto ao sofá, acariciando a testa de Alex, que tinha ficado inconsciente, o olhando com

lágrimas nos olhos. Se ele tivesse que enfrentar à possibilidade de perder a Tilda, estaria muito

pior. Seu pai estava atrás dela, tratando de lhe dar ânimos.

—Irene, se afaste, tenho que lhe dar o antídoto.

James abriu a ampola e se aproximou de Alex, mas este, apesar de sua inconsciência,

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começou a sacudir a cabeça, se negando a tomar o líquido. Era uma reação instintiva,

provavelmente devida às alucinações causadas pelo próprio veneno.

—Maldita seja, Fordyce! Abre a boca — balbuciou James, mas suas duras palavras só

conseguiram que Alex se alterasse ainda mais. — Papai, me ajude. Segure a cabeça dele.

George estava se colocando atrás do doente quando sua filha o deteve.

—Eu o farei, papai.

Irene afastou uma mecha de cabelo de Alex, que tinha grudado à testa, e bastou essa leve

carícia para que ele se tranquilizasse um pouco. Logo ela colocou as mãos nas bochechas, frias e

suarentas, e disse com voz firme, mas cheia de sentimento:

—Alex, amor, tome o remédio.

Ao ouvir sua voz, ele abriu os olhos, mas tinha o olhar perdido, vidroso, e James aproveitou

para lhe fazer tragar o antídoto. Seu corpo começou a tremer com mais força e James procurou o

cubo que seu mordomo tinha lhe trazido antes. Teve o tempo justo de colocá-lo antes que Alex

começasse a vomitar. Até o momento, seu suor tinha sido gelado, mas enquanto vomitava, a

temperatura lhe subiu até quase arder.

Irene estava sentada no sofá, junto a ele, e lhe acariciava o cabelo e as costas, pois esses

simples gestos pareciam ser o único capaz de tranquiliza-lo.

—James, papai — disse a jovem, tratando de controlar as lágrimas. —O que lhe acontece?

—O envenenaram — respondeu James, convencido de que sua irmã merecia ao menos essa

parte de verdade.

—Ficará bem?

—Não sei — respondeu também com sinceridade. —O antídoto que lhe dei é muito eficaz,

mas não sei que quantidade de veneno ingeriu, nem de que tipo. Antes de perder a consciência

Alex só teve tempo de me dizer que o tinham envenenado há duas horas.

De repente, Alex deixou de vomitar e se derrubou no sofá. Irene lhe secou a comissura dos

lábios com um dos lenços que Procter também havia trazido e viu que, embora estava muito

pálido, parecia ter recuperado um pouco de cor. Ainda inconsciente, ele se alterou, mas quando

sentiu a palma de Irene em seu rosto voltou a se tranquilizar.

—Tem que beber muito líquido — disse o barão. —Temos que colocá-lo em uma cama e nos

asseguramos que elimina todo o veneno sem se desidratar. James, agarra-o pelos braços, Procter

e eu o seguraremos pelas pernas.

Assim o fizeram, e ao chegar ao quarto o deitaram na cama. James tirou suas botas e lhe

colocou um pano úmido na testa para refrescá-lo um pouco.

—Ficarei com ele.

—Não, ficarei eu — disse Irene, e quando seu irmão a olhou aos olhos, ela manteve sua

postura. Passados uns segundos, se limitou a acrescentar: — Se fosse Tilda, iria?

—Está bem. Toma, lhe dê umas quantas gotas mais dentro de uma hora. E se assegure de

que bebe algo. Se me necessitar, estarei em meu quarto. — James se foi dali resmungando algo

em voz baixa. Algo parecido a “já sabia eu que não ia ser tão fácil me retirar”.

Irene pegou uma cadeira e a aproximou da cama para poder estar perto de Alex se por acaso

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necessitava algo. Se notou algo úmido na bochecha e secou uma lágrima que não sabia que tinha

derramado, e logo entrelaçou seus dedos com os dele, cuja mão estava inerte. Até que seu pai

falou não se deu conta de que não estavam sozinhos.

—Suponho que sabe que se fica passando a noite aqui terá que casar com ele. — Sua filha

levantou a vista e George continuou. —Se de verdade acreditasse que não a ama, a ajudaria a

evitar o casamento, mas sei que não é assim. Logo que amanheça irei ver Charles; seguro que

tanto ele como Eleanor e Robert estarão preocupados com Alex. — Se aproximou dela e lhe deu

um beijo na testa. —Cuide dele, e pensa no que te disse: Alex é muito mais do que aparenta, não

permita que ele siga fingindo.

Os pesadelos eram cada vez mais insuportáveis; os rostos dos cadáveres eram idênticos ao

de William, e lhe sorriam com malícia, recordando quão decepcionados estavam com ele. Depois,

esse cemitério de soldados se converteu em uma festa, uma em que via Irene dançando com

Richard, beijando-o, lhe sussurrando coisas ao ouvido. Uma Irene quase inalcançável apesar de

que ele caminhava e caminhava tratando de se aproximar. Quando por fim o fazia, ela o olhava e

lhe dizia que já não o amava, que chegava tarde e que tinha decidido se casar com outro. Mas o

veneno tampouco se satisfazia com esse pesadelo, e sua poluída mente imaginou então a seu pai

levando-o detento até o inferno, onde dizia ao diabo que podia ficar com ele em troca de seu

outro filho. Charles o trocava por William sem pensar, dizendo que fazia anos que tinha deixado

de sentir que era filho dele. Mas de repente, o rosto do conde se deformava, e se convertia no de

um inseto de três olhos que zombava de todos eles.

Irene passou a noite inteira junto a Alex, sem lhe soltar a mão nem um segundo, rezando

para que deixasse de tremer e de suar, e de balbuciar palavras que não conseguia entender.

Acreditou ouvir seu nome um par de vezes, mas aqueles sons guturais pareciam nascer da dor, e

rasgava sua alma pensar que ela fosse capaz de lhe causar tal agonia. Seguiu as instruções de seu

irmão ao pé da letra, e lhe deu umas gotas mais do remédio com um copo de água, mas quando

conseguiu que o bebesse, Alex voltou a vomitar.

Esgotada, e mais assustada do que tinha estado em toda sua vida, descansou a cabeça sobre

seu torso, com cuidado de não lhe fazer mal e lhe beijou os nódulos, uma e outra vez, acariciando-

o até que teve a sensação que deixava de tremer para ficar profundamente dormido. Irene fechou

os olhos e suplicou a Deus e a sua mãe, que estava no céu, que se curasse; dava-lhe igual se a

queria ou não. Seu pai tinha razão, sim o amava, e talvez seu amor fosse suficiente para mantê-lo

com vida.

Alex abriu os olhos muito devagar. Custava-lhe muito respirar e sua garganta ardia como se

tivesse tragado um ferro candente. Tratou de levantar a mão e, ao ver que não podia, desviou a

vista para a mesma. E o que viu o deixou sem respiração. Irene estava sentada em uma cadeira, a

seu lado, dormida e com a cabeça recostada sobre uma das mãos dele. Devia estar muito

incômoda. Estava despenteada e parecia muito cansada, mas Alex mataria por vê-la assim cada

manhã. Levantou a outra mão e lhe acariciou o cabelo.

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—Irene. — Tratou de pronunciar seu nome, mas o que saiu de sua garganta não foi mais que

um sussurro, embora bastou para despertá-la.

—Alex. — Abriu os olhos e ficou olhando-o uns segundos, emocionada ao ver que ia se pôr

bem. De repente, se deu conta de quão íntima era sua postura e se levantou envergonhada. —

Vou procurar James.

Saiu do quarto em um abrir e fechar de olhos e Alex começou a recordar tudo; a festa, o

veneno, a frenética cavalgada até chegar à mansão dos Morland, e as mãos de Irene cuidando-o e

lhe suplicando que não morresse. Recordou também que em um estranho canto de sua mente,

enquanto ainda era presa daquelas horríveis alucinações, pensou que agora que a tinha visto pela

última vez podia morrer em paz. Mas não tinha morrido e, embora tivesse conseguido tirar

Charlotte daquela casa, ainda lhe faltava muito por fazer.., e ao que parece ia ter que organizar

um casamento quanto antes.

Não ia permitir que a reputação de Irene ficasse arruinada por ter passado a noite cuidando

dele. Sim, casariam, e se conseguia sair com vida daquela missão, faria tudo o que estivesse em

sua mão para que voltasse a se apaixonar por ele, e se ela não chegava a querê-lo nenhuma

milésima parte do que ele a amava, Alex iria dali para sempre, para que ela pudesse ser feliz junto

a outro homem. Mas no momento, o mais importante era que nem ela nem sua família sofressem

pelo fato de tê-lo ajudado.

CAPÍTULO 24

Passaram umas quantas horas antes que Alex voltasse a abrir os olhos, e quando o fez não

viu Irene, a não ser James Morland, que parecia quase tão preocupado como sua irmã tinha

estado antes.

—Espero que da próxima vez que te diga que não é aconselhável que vá sozinho a uma festa

com um montão de traidores à Coroa como convidados me faça caso — brigou sem dissimular o

alívio que sentia porque se recuperou. —Me deu um susto de morte, Fordyce.

—Sinto muito, eu também me assustei — respondeu ele sincero. —Não sei como te

agradecer o que tem feito por mim.

—Eu sim. — Ofereceu-lhe um copo de água. — Fazendo feliz a minha irmã.

Alex bebeu a água; ainda lhe doía a garganta, mas o líquido o refrescou e o aliviou um

pouco.

—Falou com Hawkslife?

Antes de responder, James pegou uma cadeira e se sentou junto à cama.

—Vejo que não quer falar do tema, mas deixa que o recorde que, quando acreditava que ia

morrer, o único que te importava era que Irene soubesse...

—Que soubesse o que? — perguntou sua irmã da porta. Os dois homens ficaram olhando-a

e Alex não pôde evitar se ruborizar ao vê-la ali tão formosa. Vestia um simples vestido verde com

diminutas listras cor creme. Era de corte discreto, e com um decote muito inocente, mas para Alex

essa imagem era muito mais sensual que a das cortesãs meio nuas que tinha visto a noite anterior.

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Tinha feito uma trança, com uma daquelas fitas de cores que ele colecionava às escondidas, e

seguia o olhando à espera de uma resposta.

—Que soubesse o que? — insistiu.

—Que eu sinto muito — respondeu ele incapaz de dizer a verdade, e muito menos diante de

James. —Que sinto muitíssimo tudo o que a tenho feito passar.

Alex teve a sensação que os olhos de Irene perdiam um pouco de luz, mas pensou que era só

imaginação dele.

—Tem visita — informou ela então. — Seu pai e seus irmãos estão aqui. Na realidade, o

conde chegou faz umas horas, mas como estava dormindo, ficou abaixo com meu pai. Está muito

preocupado por você. — Pela expressão de Irene, Alex deduziu que seu progenitor, além de

preocupado, estava também muito zangado. — Subirão em seguida, só queria te avisar.

—O deixarei sozinho, meu amigo — disse James. —Não sou o suficientemente valente para

enfrentar a lorde Wessex. Ainda tremo ao recordar como brigava conosco quando pequenos. Irei

ver nosso querido professor para lhe contar suas aventuras; nos vemos logo. — Levantou e se

dirigiu à porta. —E faz o favor de deixar de se comportar como um idiota. Adeus, irmãzinha. —Deu

um beijo na bochecha de Irene e se foi dali.

—Está bem? — perguntou esta sem olhá-lo aos olhos. — Quer beber um pouco de água?

Meu pai disse que tinha que beber muito líquido.

—Sim, obrigado, um pouco de água iria bem. — Se incorporou um pouco na cama e quando

ela aproximou o copo, aproveitou para lhe agarrar a mão. — Irene, temos que falar.

—Sei — respondeu ela; — logo.

—Está bem. — Fechou os olhos e inalou seu perfume, a limão e verão. — Logo. —

Aproximou seus nódulos a seus lábios, mas antes que pudesse lhe dizer algo mais, Irene afastou a

mão e Robert e Eleanor entraram no quarto seguidos de seu pai.

—Alex! — Sua irmã se lançou a seus braços. — Menos mal que está bem.

—Os deixarei a sós. — Irene se despediu e saiu do quarto para ir ao seu e tratar de pôr em

ordem seus sentimentos. Alex tinha razão, tinham que falar, mas ela ainda não sabia o que lhe

dizer, nem tampouco o que esperar dele.

Charles se aproximou do filho e o olhou aos olhos.

—Se encontra bem? — perguntou-lhe sério, mas também emocionado. —George e James

me contaram o que aconteceu e dizem que ficará bem.

O que teriam lhe contado? Todos sabiam que tinha ido à festa de lorde Redford, e tanto seu

pai como seu irmão lhe tinham deixado claro mais de uma vez o que pensavam de tal

acontecimento.

—O que vai fazer agora? — Desta vez foi Robert quem falou. — Com Irene, me refiro. Por

discretos que sejam os serventes dos Morland, seguro que a estas horas, toda Londres sabe que

passou a noite aqui.

—Tem razão — respondeu ele a seu irmão, feliz de que o olhasse com certo carinho. — O

melhor será que nos casemos quanto antes. Já disse a ela que tínhamos que falar e suponho que

conseguirei convencê-la que é o melhor para todos.

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—De verdade vai se casar com Irene? — Eleanor o olhou feliz.

—Ao menos tentarei — respondeu ele, cansado. — Mas não diga nada até que tenha

conseguido lhe falar, de acordo?

—De acordo. — Se agachou e lhe deu um beijo na bochecha.

— Eleanor, Robert — disse seu pai então, — se importariam de sair um momento? Eu

gostaria de falar a sós com seu irmão.

Despediram-se de Alex, prometendo que voltariam a visitá-lo mais tarde, e se foram do

quarto. Eleanor foi falar com a Isabella, a irmã de Irene, e Robert foi em busca de James, quem ao

chegar tinha dito que queria lhe apresentar a um professor de Oxford ou algo assim.

—Vamos, papai — incitou Alex logo que a porta se fechou, — diga o que tinha que dizer.

Charles, que tinha estado de pé todo esse momento, se aproximou da cama e se sentou na

cadeira que Irene tinha ocupado durante a noite. Estudou a seu filho com o olhar sem dizer uma

palavra durante longo momento, mas ao terminar seu escrutínio levantou a mão e lhe afastou

uma mecha de cabelo da testa, e, com esse gesto, o desarmou. Todo o sarcasmo que Alex tinha

armazenado para enfrentar a seu progenitor se desvaneceu no ar.

—George e James me contaram uma história inverossímil e muito estúpida. Segundo eles,

ontem, na festa de lorde Redford, esteve jogando cartas com um par de indesejáveis que, ao ver

como perdiam toda sua fortuna em suas mãos, decidiram te envenenar para recuperá-la. Mas

você não sabe jogar cartas.

Alex estava tão atônito pela reação de seu pai que não atinou a lhe dizer que sim sabia jogar;

em realidade, era um perito, tanto nas normas como nas armadilhas que se podiam fazer.

—Além disso — continuou o homem, — sua intenção ao ir a essa festa não era jogar uma

partida de naipes. Estes últimos dias algo esteve te consumindo. Antes de ir a casa de lorde

Redford mal dormia nem comia, parecia quase desesperado. Não, não foi ali se divertir. —

Levantou da cadeira e caminhou até os pés da cama. — Não sei o que foi fazer, Alex, mas esta

manhã, quando George me disse que quase morre, me dei conta de uma coisa: sua mãe e eu não

educamos a um canalha, então, quando estiver disposto a me contar a verdade, estarei disposto a

te escutar.

Alex se disse que a umidade que notava nos olhos se devia ao cansaço, ou possivelmente

eram os últimos traçados do veneno.

—Só te peço uma coisa — acrescentou seu pai antes de sair. —Procura que não o matem

antes.

Alex não esperava essa reação. Tinha dado por feito que seu pai voltaria a lhe deixar claro

quão decepcionado estava dele, e que terminaria inclusive por jogá-lo da família. Em vez disso,

tinha lhe dado um voto de confiança; algo muito melhor que isso, tinha lhe dado esperança.

Não fazia nem dois minutos que o conde tinha saído do quarto quando Procter, o mordomo

dos Morland, entrou para lhe avisar que seu banho estava preparado. James tinha deixado claro

que preferia que ficasse ali um dia mais para se assegurar que tinha eliminado todo o veneno, e o

pai de Alex não tinha tido mais remédio que aceitar e lhe levar uma muda limpa.

Sentou-se na cama e notou que suas pernas e os braços tremiam e que ainda lhe custava

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Irmandade do Falcão 01

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respirar; sintomas típicos da ingestão de cicuta. Sorte que o duque e o coronel, provavelmente

para evitar que morresse em meio da festa e se assegurar que o fizesse mais tarde em seu quarto,

tinham lhe dado uma dose inferior à necessária para matá-lo. E, felizmente, tinha chegado a casa

de James a tempo e este dispunha do antídoto. Cansado, esfregou os olhos. Sim, tinha tido

muitíssima sorte.

Levantou-se e se meteu na banheira e, embora a água não eliminou suas preocupações, sim

conseguiu que se sentisse mais humano.

Vestido com umas calças negras e uma camisa branca que certamente sua irmã tinha

escolhido, e sem perder tempo em se barbear, se penteou, calçou suas botas e foi em busca de

James.

Se fosse pedir a Irene que casasse com ele, bem podia falar antes com seu irmão para

perguntar o que pensava a respeito e, embora o correto seria falar primeiro com George, ainda

não estava o suficientemente recuperado para enfrentar ao pai de sua — cruzou os dedos —

prometida.

James não tinha retornado, disse Procter, mas o mais inquietante era que levou Robert com

ele. Eleanor estava com Isabella e Tilda no jardim, aproveitando o sol quente, explicou também o

mordomo, e lady Morland estava na biblioteca, lendo. Ao terminar de lhe dar a informação, o

homem o olhou esperando que lhe dissesse aonde queria que o acompanhasse, e Alex teve a

sensação de que inclusive ele duvidava que fosse o bastante valente para ir ver Irene.

—Acredita que a lady Morland se importaria de falar comigo? — perguntou com educação.

—O acompanharei à biblioteca — respondeu o mordomo sem responder a sua pergunta. E

Alex se perguntou se não o fazia porque acreditava que não devia ou porque não queria insultar a

seu interlocutor.

Chegaram a sala em questão e, depois de um par de golpes na porta, e o anúncio de rigor,

Alex se deu conta que estava a sós com a mulher que amava e não sabia o que dizer. Felizmente,

não lhe acontecia igual.

—Alex, tem melhor aspecto — disse Irene levantando da poltrona em que estava lendo. —

Gostaria de comer algo? Posso pedir que lhe preparem umas torradas.

—Não, obrigado. Acredito que esperarei um pouco. — Sorriu nervoso.

—De nada. —Ela se deu conta que ele se ruborizava, e lhe recordou ao menino de oito anos

do qual se apaixonou. — Seu pai disse que voltaria mais tarde, e Robert...

—Sei, Procter me pôs a par de tudo. Posso me sentar? — perguntou, apontando a poltrona

que havia frente à sua.

—Claro — respondeu Irene, mas Alex esperou que ela tomasse assento para fazê-lo ele a sua

vez.

—Irene — começou, mas ficou sem fala ao ver como o olhava. Pigarreou. — Irene, quero

que case comigo. Depois do que aconteceu no baile dos duques de Lancaster, eu já estava

convencido de que era o que tínhamos que fazer, mas como você se negou redondamente aceitei

esperar. O arcebispo me outorgou uma licença especial e confiava em poder te convencer que

fosse minha esposa. E depois da visita ao museu pensei, pensei que... Mas claro, logo aconteceu o

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da festa de lorde Redford e eu... — como sempre que estava nervoso, passou as mãos pelo cabelo.

—Ontem você passou toda a noite em meu quarto — prosseguiu, procurando argumentos para

convencê-la, —e embora os serviçais desta casa sejam muito discretos, seguro que a estas horas já

circulam rumores. Tem que pensar em seus irmãos; Isabella é muito jovem, e James e Tilda sairão

também prejudicados...

—Me casarei com você — o interrompeu Irene. —É o melhor para todos.

—Tem que pensar que, se houver um escândalo, ninguém receberá Tilda e... o que disse?

—Eu disse que me casarei com você, Alex. Tem razão, é o melhor para todos. — “e te amo”,

pensou, mas não o disse, pois ele tampouco tinha dito nada sobre o amor.

—Ah. — Se agarrou as mãos para que ela não visse que tremiam. —Me alegro que você

também o veja assim. Deveríamos celebrar as bodas o antes possível. Hoje mesmo mandarei um

comunicado aos periódicos anunciando nosso compromisso, e a cerimônia poderia ter lugar

dentro de duas semanas. Lamento que não possa ter um festejo por todo o alto, mas dadas as

circunstâncias, algo íntimo me parece mais adequado.

—Jamais quis um casamento de alto topete. — “Só você e eu”, pensou. — Algo íntimo me

parece bem. Se não tiver inconveniente, poderíamos celebrá-la em Northumberland. A casa do

verão de sua família também está perto e essa zona sempre me pareceu como tirada de um conto.

—É obvio. — Alex brincou nervoso com suas mãos. De todas as possibilidades que tinha

imaginado, que Irene aceitasse tão rápido e se comportasse de um modo tão frio e razoável nem

sequer tinha passado por sua cabeça. Onde estava aquela mulher tão apaixonada que tinha dito

que já não o amava? Em uma tentativa por procurá-la, tirou um tema que jurou não mencionar

em sua presença. —Suponho que quererá saber o que aconteceu na festa de lorde Redford.

Ela mordeu o lábio inferior e, depois de uns segundos, disse:

—Não, a verdade é que não.

Alex teve que recorrer a toda sua força de vontade para não se levantar indignado e lhe

perguntar que como era possível que não queria sabê-lo. Acaso não lhe importava?

—Quando o vi tão doente, me dei conta que o único que importa é que esteja bem. Nem

você nem eu voltaremos a ser aqueles adolescentes que passavam tantas horas juntos. Você não é

um cavalheiro andante, é um homem de carne e osso com defeitos e virtudes, e eu — sorriu sem

humor —assumi que há uma parte de seu passado que não me pertence, e da qual não tenho

direito a saber nada.

Como que nada? Tudo o que Alex tinha feito em sua vida tinha feito por ela. Todo ele, sua

vida, seu passado, seu presente, seu futuro, tudo pertencia a Irene e agora não lhe interessava?

—Aceitei que nos casemos. Não quero que minha família veja sua reputação manchada, e

muito menos agora que James e Tilda vão ter um bebê. Seguro que você e eu chegaremos a ter

uma vida confortável. — Se levantou e se aproximou de uma das estantes cheias de livros. — Você

poderá retornar a França quando quiser, e eu seguirei aqui com minhas coisas.

Alex ia dizer que não tinha intenção de retornar a França, mas se deu conta que talvez sim

tivesse que fazê-lo e, embora doeu na alma ver que Irene dava por sentado que seu casamento ia

ser tão distante como muitos dos casamento de conveniência que enchiam as filas da alta

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sociedade, pensou que era melhor assim.

—Além disso — prosseguiu ela, — seu pai e o meu se alegrarão muitíssimo, e a Robert e

Eleanor sempre os considerei como se fossem meus próprios irmãos.

E a ele?

—Se quiser, esta noite no jantar podemos comunicar a todos; embora seguro que já

imaginam. — Irene falava como se estivesse organizando uma excursão ao campo.

—De acordo — disse ele, ainda sem saber o que tinha passado com sua apaixonada amante.

—Se encontra bem, Alex? —Se aproximou e tocou sua testa. — Não tem febre, mas talvez

deveria se deitar.

Ele se levantou de repente. Irene tinha razão. Não tinha febre, mas tinha começado a suar, e

suas mãos ainda tremiam e o fato de tê-la tão perto não o ajudava muito.

—Estou bem — respondeu.

—Então, será melhor que vá organizar o menu para o jantar desta noite.

Tinha que sair dali quanto antes. Aparentar indiferença para Alex a estava matando, mas

tinha chegado à conclusão de que se queria sobreviver a esse casamento tinha que se assegurar

por todos os meios de não lhe entregar seu coração. Ao menos não de tudo. Tinha conseguido

manter a calma durante toda a conversação, mas tocar sua testa tinha sido um engano. Seus

dedos ardiam da vontade que tinha de acariciá-lo e sentia um nó no estômago cada vez que

olhava seus lábios.

—É obvio — disse Alex se aproximando dela. —E você, se encontra bem?

—Sim, claro. — Moveu o pescoço para aliviar algo da tensão que tinha ali acumulada. — É só

que esta noite... — Deixou a frase pela metade e, ao recordar que a tinha passado sentada em

uma cadeira junto a sua cama, rezando para que não morresse, segurando sua mão com todas

suas forças, se ruborizou e quis se afastar. Mas ele não o permitiu, e apanhou os dedos dela com

os seus.

Por fim.

—Seu pescoço dói? —perguntou, se colocando a suas costas. Ela ia dizer que não, mas

quando as mãos de Alex posaram ali e começaram a lhe dar uma ligeira massagem, o único que

saiu de seus lábios foi um suspiro.

—Não deveria ter ficado toda a noite nessa cadeira — sussurrou ele junto a seu ouvido antes

de depositar um leve beijo em seu pescoço, justo debaixo do lóbulo.

Irene fechou os olhos e, embora uma pequena parte lhe dizia que se afastasse, se sentia tão

feliz que Alex não tivesse morrido e que estivesse ali tocando-a, que foi impossível.

—Deveria ter ido a sua cama.

Talvez fosse imaginação dela, mas Irene teve a sensação que a voz de Alex tremia um pouco

ao pronunciar essa última palavra.

—Não tinha por que ficar toda a noite a meu lado — sussurrou de novo, e desta vez lhe deu

um beijo na nuca enquanto enredava um dedo em seu cabelo para lhe roubar a fita sem que ela se

desse conta.

Irene voltou a suspirar e, sem abrir os olhos, desvelou um de seus segredos.

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—Sim tinha por que.

As mãos dele se separaram de seus ombros, e Irene lamentou imediatamente. Na biblioteca

não se ouvia nada — o batimento de seu próprio coração fazia que lhe resultasse impossível ouvir

nenhuma outra coisa. Abriu os olhos e viu Alex de pé frente a ela, a escassos centímetros,

olhando-a com tanta intensidade que sentiu um comichão por todo o corpo, igual a quando se

inundava no lago gelado um dia do verão.

—Acredito que será melhor que vá — disse quando pôde recuperar a voz. —Tenho muitas

coisas a fazer.

Ele deixou que se fosse, e observou como se fechava a porta da biblioteca sem deixar de

acariciar nem um segundo a fita que tinha entre os dedos.

A missão da noite anterior tinha sido todo um êxito, apesar do envenenamento de Alex, pois

a senhorita Grei estava a salvo, e tinha prometido que lhes entregaria todos os papéis que David

tinha deixado a seu cuidado. A moça estava muito doída pelo assassinato de seu prometido, e se

sentia muito culpada por ter caído nas garras de madame Antonia. Hawkslife lhe disse que não se

preocupasse, mas não sabia se suas palavras a tinham consolado muito, então se alegrou

muitíssimo de ver o jovem Fordyce. Feitas as apresentações, Charlotte e Robert ficaram tomando

o chá na sala de estar da residência do professor, e este levou James a seu escritório.

—Fordyce está bem?

—Sim, estou convencido que se recuperará, mas um par de dias de repouso não iriam nada

mal.

—Não, suponho que não.

—O que contou a senhorita Charlotte?

—Não muito — respondeu Hawkslife, — mas não foi preciso. Ao que parece, poucos dias

antes de seu assassinato, o senhor Faraday lhe entregou uns cadernos para que os guardasse. Ela

diz que só contêm números e gráficos, e que decidiu deixá-los na escola em que trabalhava. Por

sorte, teve o bom tino de não desvelar sua existência a ninguém. Logo a acompanharei para

buscá-los. Teria ido antes, mas queria contar a Fordyce que prendemos aos franceses.

—Quando?

—Ontem à noite. Nossos dois amigos franceses devem ter se inteirado que o duque de

Rothesay e o coronel Casterlagh iam comparecer à festa de lorde Redford, e decidiram aproveitar

que não estariam na cidade para se aproximar do porto. Nossos homens esperaram que

entrassem no armazém onde guardavam as armas antes de capturá-los. Decidimos deixar o

armazém intacto para que nem o duque nem o coronel suspeitem nada. O que importa é que nos

levem até Louva-Deus e se acreditarem que toda a operação se estragou, não o conseguiremos.

—E onde estão agora os franceses?

—Alojados comodamente em uma cela britânica. Por desgraça, ambos estão muito bem

treinados e nos está custando persuadi-los para que nos contem algo. Mas, tal como disse a eles,

temos todo o tempo do mundo.

—Acredita que poderiam nos entregar ao Louva-Deus?

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—Duvido. Pelo pouco que disseram, são agentes de Napoleão e sua função era a de

emissários, meros correios inclusive; duvido que jamais tenham entrado em contato com ninguém

que esteja por cima do duque ou do coronel. Embora sem dúvida podem nos ser muito úteis, pois

dispõem de informação logística e conhecem detalhes sobre muitas das operações nas que

certamente estão colocados nossos traidores. Agora que os tiramos de cena, e aproveitando que a

recuperação do senhor Fordyce transtornará Rothesay e Casterlagh, outro de nossos homens, um

falcão, se fará passar pelo novo emissário de Napoleão.

—Outro falcão?

—Sim. Na realidade é um dos poucos amigos que Alex Fordyce tem, dentro da Irmandade,

claro está. Chama-se Henry Tinley e também passou muito tempo na França, então pode se fazer

passar por galo à perfeição. Chegará dentro de três dias, o que nos dará um pouco de tempo para

afrouxar a língua de nossos hóspedes e tratar de averiguar o que David Faraday tratava de

esconder em seus cadernos.

—E eu que pensava que ia me aborrecer...

—Por certo, acredito que tenho que o felicitar. —Ante o olhar atônito de James, Hawkslife

lhe estendeu a mão. Este sabia de sobra que todos os falcões acreditavam que era feito de gelo e

que não tinha emoções—. Disseram-me que vai ser pai, minhas mais sinceras felicitações; o fará

muito bem.

—Obrigado. — James estreitou a mão do professor falcão e se deu conta que poucas vezes o

tinha visto tão sincero, tão humano.

—Temos que averiguar quem é Louva-Deus e resolver tudo isto quanto antes. — Ficou

pensativo uns segundos e, para surpresa de James, Hawkslife acrescentou: — Eu gostaria que

Fordyce encontrasse o mesmo que você.

—Por isso queria conhecer Robert? para ter um substituto?

—Não, ao menos não de tudo. — O professor se sentou em uma poltrona. —Estamos

observando Robert há uns anos. É um jovem inteligente, como seus dois irmãos mais velhos, e

muito visceral, possivelmente muito, algo que a você com certeza resultará familiar. Para a

Irmandade, seria muito útil contar com um homem assim entre suas filas, mas você sabe que

nunca obrigamos a ninguém, e no caso de Robert não acredito que possamos convencê-lo. Temo

que quando se inteirar que tudo o que passou a seu irmão Alex foi “graças” à Irmandade, não

quererá saber nada de nós.

CAPÍTULO 25

A governanta do senhor Hawkslife serviu o chá E Robert procurou algum tema de

conversação. Jamais tinha visto uma mulher tão bonita e tão triste como Charlotte Grei. Era alta e

morena, com uns preciosos olhos cor esmeralda, e embora tratava de se manter distante e

valente, era óbvio que estava assustada.

—Senhorita Grei — disse, — o senhor Hawkslife me disse que você é professora.

—Sim, bom, era. Antes — respondeu ela antes de beber um pouco de chá.

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—Antes?

—Antes que David morresse. Certamente você o conhecia, David Faraday.

Ao escutar esse nome tão familiar, Robert a olhou de outro modo.

—É obvio, David era um grande amigo de meu irmão mais velho.

—Você é Robert Fordyce — disse Charlotte ao relacionar os nomes. —Ao que parece, só me

falta conhecer sua irmã.

—Eleanor — disse ele, mas de repente algo lhe soou estranho. —Suponho que conheceu

William através de David, mas e Alex?

A porta se abriu, e James e Hawkslife entraram no salão.

—Não se preocupe, senhorita Grei — disse o professor, —pode você contar o que aconteceu

ao jovem Fordyce.

Robert percorreu a todos com o olhar até se deter de novo na moça.

—O que está acontecendo aqui? Quando conheceu Alex?

—Ontem à noite, quando me salvou de ser leiloada na festa de lorde Redford.

—Alex?

—Sim, foi muito valente. — Charlotte secou uma lágrima. — Depois do de David me assustei

muito, ele era como um irmão para mim. Sim, já sei que todo mundo acreditava que éramos

amantes, ou que estávamos comprometidos, mas não era assim, embora não teria me importado.

Dias antes de morrer, me deu uns cadernos e me pediu que os guardasse. Não era a primeira vez

que me pedia algo assim, acredito que tinha a sensação que alguém o estava observando. —

Sorriu e secou outra lágrima. — Era muito cuidadoso com seu trabalho, não confiava em ninguém,

ou em quase ninguém. William Fordyce era dos poucos homens ao que tinha entregue sua

amizade. Logo que me inteirei da morte do David soube que não tinha sido um roubo, como

diziam os periódicos, e me assustei. Abandonei a escola, não queria pôr em perigo a minhas

meninas — explicou. —E procurei outro trabalho. Ainda não posso acreditar que fui tão estúpida

para cair nas garras de madame Antonia. Ontem à noite iam me leiloar, e ao que parece, conforme

me contou o senhor Hawkslife, os homens que iam me comprar estavam interessados em obter

qualquer informação que pudesse lhes dar sobre David. — Estremeceu só de pensar. —Se não

tivesse sido por seu irmão, certamente hoje estaria morta.

—Alex a salvou?

—Sim.

Robert, que até então tinha estado sentado, se levantou de repente.

—E suponho que não o envenenaram porque tivesse feito armadilhas jogando cartas, não?

—dirigiu a pergunta a James.

—Não — respondeu este o olhando aos olhos.

—E você é algo mais que um professor de Oxford, não é assim?

—Algo mais — respondeu Hawkslife, — mas acredito que a resposta a essa pergunta

deveríamos deixá-la para quando tudo isto tenha acabado. Não lhe parece?

Robert ficou olhando aos dois homens e logo se aproximou da jovem.

—Foi um prazer conhecê-la, senhorita Grei. Espero voltar a vê-la, mas agora tenho que ir.

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—O acompanho — disse James.

—Não, prefiro estar sozinho — se apressou a responder o jovem. — E certamente você tem

muitas coisas a fazer. — Com essas palavras, e muitas incógnitas em sua cabeça, Robert Fordyce

abandonou a residência do professor Hawkslife com uma única coisa clara: tinha que falar com seu

irmão.

Depois de falar com Irene, Alex ficou na biblioteca um momento mais, pensando no que

tinha acontecido. Ela tinha sido razoável, fria e distante, mas tinha aceitado se casar com ele e

passou toda a noite sentada a seu lado. E tinha estremecido quando lhe tinha dado um beijo no

pescoço. Enredou a fita nos dedos e tratou de ser otimista; ao cabo de duas semanas se casariam,

e quando tudo aquilo terminasse, poderia dedicar todo o tempo do mundo a reconquistá-la, a

seduzi-la. Levantou-se e se dirigiu ao escritório em busca de papel e uma pluma para escrever a

carta que mandaria aos periódicos para anunciar suas iminentes bodas, mas mal tinha dado uns

passos quando Robert entrou feito uma fúria e lhe deu um murro que o derrubou em cima do

tapete.

—Começo a me cansar de que me bata, Robert — disse Alex, esfregando a mandíbula. —

Pode-se saber a que vem isto?

—Isto é por ter mentido para mim durante todos estes anos e ter permitido que acreditasse

que era um indesejável — respondeu o jovem, emocionado, se agachando para lhe ajudar. — E

isto — acrescentou o abraçando com sentimento — é por ser meu irmão mais velho e ter

conseguido sair com vida de... de seja o que for que esteja metido.

Alex respondeu ao gesto e sentiu como seus olhos umedeciam. Robert o abraçava como

quando eram pequenos e tinha medo de algo. Estiveram assim vários minutos, até que por fim

Robert se afastou sem tratar de dissimular suas lágrimas.

—Me perdoa? —perguntou, igual a se tivesse cometido uma travessura.

—Por que? — quis saber Alex com o coração em um punho.

—Por não ter acreditado em você, por ter te dito todas essas tolices. Por tudo.

—Não há nada que perdoar.

—Acabo de conhecer a senhorita Charlotte Grei e me contou o que aconteceu ontem à noite

— prosseguiu o jovem ao ver que seu irmão arqueava uma sobrancelha à espera de uma

explicação. —E também conheci Hawkslife.

—Acredito que será melhor que me sente — disse Alex, que ainda estava fraco por culpa do

veneno, ou isso disse a si mesmo. — Conheceu Hawkslife? O que te contou?

—Nada, mas me deixou entrever que quer falar comigo.

Alex mataria com suas próprias mãos a seu mentor se se atrevia a arrastar Robert ao inferno

que ele tinha vivido.

—Não se preocupe — o tranquilizou este como se tivesse lido sua mente, — embora não me

tenha dito nada, me bastou ver a cara de James para saber que você não gostaria da ideia. A

senhorita Charlotte me explicou o que fez ontem à noite por ela, e que foi por isso pelo que o

envenenaram.

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—Sim, foi por isso.

—E James parecia estar a par de tudo. Por que não me disse isso? Eu poderia ter te ajudado.

—Não, Robert. —Levantou a mão para fazê-lo calar. — Sei que poderia ter me ajudado, de

fato, em outras circunstâncias te confiaria inclusive minha vida, mas — fechou os olhos e tragou

saliva. — Isto tinha que fazer sozinho. Só de pensar em que poderia correr perigo me para o

coração.

—E como acha que nos sentimos, Eleanor e eu, quando James nos disse que quase morre

envenenado? Como acha que se sentiu papai?

—Sei, Robert, e sinto muito. Te prometo que quando tudo isto termine lhes contarei a

verdade, só te peço uns dias mais e, por favor, não diga nada a papai.

—Por que? —O olhou sem entender. —Se ele soubesse a verdade, certamente se sentiria

aliviado. Deus, se eu ainda não sei e já me sinto muito melhor. Alex, não acha que tenha chegado

o momento de que confie em nós?

—Sempre confiei em vocês, mas ainda não posso correr o risco. Estamos a ponto de apanhar

a uns homens que podem me conduzir até o responsável pela morte de William, entende?

Robert se passeou nervoso pela habitação antes de responder:

—O único que entendo, Alex, é que William está morto e isso sim que não tem remédio, mas

você está vivo e, ao que parece, tem uma segunda oportunidade para ser feliz. Não quero voltar a

te perder. Papai não suportaria, e nós tampouco.

—Não vão me perder. Agora que sei que conto com seu apoio, farei tudo o que possa e mais

para sair com vida desta. Mas tenho que fazê-lo, Robert. Te prometo que quando tudo isto

termine saberá a verdade. Toda a verdade.

Permaneceram um momento em silêncio e Robert foi o primeiro a falar.

—Está bem, de acordo. Não direi nada.

—Obrigado.

O jovem sorriu e optou por mudar de tema.

—Me diga uma coisa, já pôde falar com Irene?

—Sim. — Alex não pôde evitar se ruborizar. — Nos casaremos dentro de duas semanas.

Acha que poderia ser meu padrinho? Robert lhe deu outro abraço tão emotivo como o de antes.

—Pois claro, será toda uma honra. Quando pensa dizer a papai e a Eleanor?

—Esta noite. Irene convidou a todos para jantar e aproveitaremos a ocasião.

—Bom, pois será melhor que vá para casa me trocar. —Sinto o murro, Alex.

—Não passa nada, quase se converteu em uma espécie de tradição, mas se abstenha de

repeti-lo no dia do casamento.

—Tentarei.

Ambos os irmãos se despediram, e Alex ficou na biblioteca dos Morland, esperando

impaciente que James chegasse e o pusesse a par de tudo. Por sorte, seu companheiro falcão não

demorou para aparecer e lhe contou o que Hawkslife tinha dito sobre a detenção dos franceses, a

chegada de Henry Tinley e os cadernos de David Faraday.

—Vá, me alegro que Henry venha a Inglaterra. Leva muito sem aparecer por aqui, embora

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seja uma lástima que não possa comparecer ao casamento se está representando o papel de

emissário francês.

—Casamento? — perguntou James se fazendo de tolo. — Que casamento?

—Sua irmã aceitou se casar comigo — respondeu ele algo nervoso. — Íamos dizer isso esta

noite a todos.

—Me alegro, Alex. De verdade. — James estreitou a mão de seu amigo e o olhou aos olhos.

—Tem que contar a verdade a ela, só assim poderão ser felizes.

Alex se levantou de novo e começou a passear de um lado a outro da biblioteca.

—Não posso, ainda não. Possivelmente quando tudo isto termine. —Viu que o outro ia

discutir, e acrescentou: —Desde que a conheci, e eu só tinha oito anos, não passou um só dia em

que não tenha pensado em Irene. Aconteceram muitas coisas entre os dois, e... necessito tempo.

—Está bem, mas tem que saber que aceito porque sei que ao final terminará por fazê-la

muito feliz. Você voltou a enjoar? —perguntou, mudando de tema.

—Não, mas ainda me dói a cabeça e me tremem algo as mãos.

—É normal. Suponho que esta noite, depois do jantar, tem previsto retornar a sua casa,

não?

—Claro, não quero danificar a reputação de sua irmã mais que o necessário.

—Perfeito. Amanhã podemos ir juntos ver Hawkslife, para ver se entre os dois resolvemos

isto quanto antes.

Alex sentiu um nó na garganta, era a primeira vez desde que tinha entrado para fazer parte

da Irmandade em que não se sentia sozinho, e era uma sensação que gostava.

—Obrigado.

—De nada. — James se levantou. —É todo um prazer trabalhar com você, cunhado —

acrescentou com um sorriso antes de sair da biblioteca para ir ver sua esposa.

Depois de sua partida, Alex voltou a ficar só e, de repente, se deu conta que estava sorrindo.

O jantar foi relativamente relaxado. Depois de uns incômodos minutos iniciais nos que Alex e

Irene comunicaram a suas famílias que iam casar ao término de duas semanas, o ambiente se

distendeu, e entre prato e prato comentaram os detalhes da cerimônia e o pequeno banquete que

celebrariam depois para seus convidados. Tanto os Morland como os Fordyce coincidiam em que

queriam que o ato fosse íntimo, e também estiveram de acordo em que celebrá-lo em

Northumberland era uma grande ideia; e muito romântica, segundo Isabella e Eleanor. Alex e

Irene não puderam estar nem um segundo a sós e, ao terminar, ele retornou a sua casa para

guardar as aparências.

Na carruagem, de caminho à mansão Fordyce, Alex pensou em que Irene mal o tinha olhado

durante toda a noite, de fato, se esforçou por esquivar seus olhos em todo momento. Por não

mencionar que quando Procter anunciou o jantar e lhe ofereceu o braço para acompanhá-la ao

salão, ela tinha optado por seguir conversando com Tilda e fingir que não se dava conta do

detalhe.

Na solidão de seu quarto, se reconfortou pensando em que tinha aceito se casar com ele e

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disse a si mesmo que o único que passava era que estava nervosa. Para se convencer ainda mais,

procurou a trança que tinha confeccionado com suas fitas de cabelo e acrescentou a última. A

colocou em cima e, depois de acariciá-la uma vez mais, deitou na cama. No dia seguinte voltaria a

vê-la e falaria com ela.

Alex não falou com Irene nem no dia seguinte nem no outro, nem no outro. De fato não o

fez até o dia do casamento. Sim, se viam diariamente, mas só para comentar detalhes sobre a

cerimônia ou do banquete, e ela sempre se assegurava que não estivessem sozinhos. No princípio,

Alex não se deu conta, mas após várias tentativas frustradas de ficar a sós com sua prometida, não

teve mais remédio que assumir que Irene, embora pretendia seguir adiante com o casamento, não

tinha intenção de estar com ele mais que o necessário. Doeu-lhe vê-la tão decidida a manter

distância, e ocupou sua mente com os documentos de David Faraday, que no momento não

pareciam ter nem pé nem cabeça, e com os dados que tinham conseguido dos detentos franceses.

Por outra parte, depois da festa de lorde Redford, o duque de Rothesay e o coronel

Casterlagh pelo visto tinham decidido ficar uns dias mais na mansão de seu depravado amigo e

ainda não tinham voltado para a cidade. Tanto Alex como Hawkslife estavam convencidos que

esse repentino interesse pela vida campestre se devia a que não queriam levantar suspeitas sobre

o envenenamento do jovem falcão, mas não tinham nenhuma dúvida que vários de seus esbirros

tinham estado em Londres procurando Charlotte. Por sorte, não a encontrariam jamais.

Possivelmente Henry Tinley pudesse lhes ajudar a descobrir algo mais sobre Louva-Deus, e já só

faltavam uns dias para sua chegada.

A semana antes do casamento foi inclusive pior. Tanto os Fordyce como os Morland se

instalaram na mansão que a família da noiva tinha em Northumberland, assim Alex, não só não

podia estar a sós com Irene, mas também não tinha nada que fazer. Hawkslife tinha dito que não

se preocupasse, que uns dias de descanso iriam bem, e que se averiguava algo encontraria o modo

de comunicar a ele. Pelas noites mal podia dormir, pois ou tinha pesadelos sobre a guerra ou

sonhava tendo Irene entre seus braços e despertava excitado como um jovem de dezoito anos. Se

só tivesse podido beijá-la uma vez mais, talvez teria conseguido se tranquilizar, mas ela engenhava

para fazer impossível toda intimidade e, se por acaso se encontravam em um corredor, nem

sequer o olhava aos olhos.

Era muito frustrante, e seu coração não podia suportar essa frieza durante mais tempo. Só

faltava uma noite mais, umas quantas horas e Irene Morland se converteria em sua esposa.

Desistindo de dormir, Alex se levantou da cama, e se sentou junto à janela para ver como

amanhecia.

CAPÍTULO 26

Irene estava sentada frente ao espelho em um dos quartos que havia na parte traseira da

igreja. Estava muito nervosa e assustada, e seu pai tratava de reconfortá-la segurando sua mão.

—Tranquila, Irene, tudo sairá bem — lhe disse o barão. —Já verá.

—Tenho medo, papai — reconheceu ela, e secou uma lágrima com cuidado de não manchar

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Irmandade do Falcão 01

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as luvas.

—Sei, princesa, mas Alex te quer. Não, não me olhe assim, sabe que é verdade. O único que

tem a fazer é lhe dar uma oportunidade.

—Não me quer, ao menos não como você e mamãe se queriam, e não sei se posso seguir lhe

dando oportunidades, não quando se refere a meu coração. Não o suportaria.

—Então, o que estamos fazendo aqui? — perguntou seu pai sério. —Sabe perfeitamente que

não a teria obrigado a casar com ele.

—Sei. Aceitei o casamento porque não podia me negar. Não tem sentido, sei. Mas aquela

noite, quando o envenenaram, soube que não poderia suportar perde-lo. Talvez assim, embora

ele nunca me ame, consiga ter um pouco de paz.

O barão se aproximou de sua filha e lhe deu um beijo na bochecha. —Alex te necessita,

Irene, tanto como o necessita você. Confia em mim e fala com ele.

—De acordo, papai. — Por algum motivo, suas palavras a reconfortaram e por fim ficou em

pé. — Será melhor que saiamos.

—É obvio. —Ofereceu-lhe o braço. —É a noiva mais bonita que já vi, excetuando a sua mãe,

claro.

—Obrigado, papai. Saíram dali e, ao pegar o corredor que conduzia ao altar, Irene viu Alex ali

de pé e o resto do mundo desapareceu.

Alex estava muito nervoso, apesar que tanto Robert como James faziam todo o possível para

tranquiliza-lo. Tinham passado a manhã conversando com ele de tolices. Inclusive seu pai, com o

que mantinha uma espécie de trégua desde o envenenamento, o tinha convidado a tomar uma

taça juntos antes de sair para a igreja. Agora estava de pé frente ao sacerdote que ia casa-los. Este

lhe tinha jogado um sermão sobre os votos matrimoniais e agora não deixava de o olhar de

soslaio, pois estava convencido que o motivo de que se casassem com tanta pressa era a gravidez

de Irene. Alex lhe disse que não era assim, embora em seu foro interno pensou que gostaria

muitíssimo que sim fora. E enquanto tinha o olhar fixo em um dos ramos de flores que havia no

altar, sentiu como arrepiava o pelo da sua nuca e soube que ela tinha entrado.

Inclinou a cabeça e ficou sem fôlego. Alex tinha ouvido dizer um montão de vezes que as

noivas estavam radiantes, mas no caso de Irene era verdade. Estava muito bonita com aquele

vestido de seda marfim que tinha pertencido a sua mãe. Levava o cabelo preso e adornado com

umas simples pérolas. Alex sentiu algo de pena ao ver que não tinha nenhuma fita que logo ele

pudesse guardar como lembrança. Deslizou o olhar para seu decote, onde viu um pequeno laço;

teria que se conformar com isso.

O barão a acompanhou junto a Alex e este lhe levantou o véu.

Quando se olharam aos olhos, o coração dele quase se deteve. Não sabia como nem

quando, mas conseguiria que aquela mulher fosse a mais feliz do mundo.

O sacerdote disse algumas palavras, que penetraram nos ouvidos de Alex sem deixar rastro,

e por fim chegou o momento de pronunciar seus votos. Agarrou a mão de Irene e pronunciou cada

palavra do mais profundo de sua alma, rezando para que ela soubesse que dizia de coração cada

uma delas, e, depois de lhe tirar a luva, deslizou a aliança no dedo dela muito, muito devagar.

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Irmandade do Falcão 01

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Irene piscou duas vezes e observou atônita a própria mão. Ao ouvir seu nome, repetiu os votos

aparentemente também com sinceridade, mas sem levantar a cabeça. Alex lhe estendeu a mão e,

com dedos trêmulos, ela colocou o anel. Ao terminar, ia se afastar mas ele entrelaçou os dedos

com os seus e não a soltou. O pároco os olhou com desaprovação, mas Alex nem se alterou;

levantou suas mãos entrelaçadas e depositou um suave beijo nos nódulos de Irene. O homem se

deu por vencido e após declará-los marido e mulher lhe disse que podia beijar à noiva.

Alex se voltou devagar até ficar frente a ela e colocou um dedo sob o queixo para levantar a

sua cabeça. Ao lhe ver os olhos, ficou sem fôlego: Irene estava chorando, mas em seus lábios se

desenhava também um trêmulo sorriso. Inseguro, acariciou a bochecha dela muito devagar e se

inclinou.

—Posso te beijar? — sussurrou-lhe ao ouvido.

Ela não respondeu, mas sim se limitou a assentir com a cabeça, e esse gesto bastou para que

seu marido se aproximasse um pouco mais e capturasse seus lábios com os seus. A nenhum dos

casamentos aos que Irene tinha comparecido os recém casados se beijaram daquele modo, como

se não houvesse ninguém mais na igreja, mas Alex o fez. Foi um beijo curto mas apaixonado e, ao

terminar, apoiou a testa contra a dela durante um segundo.

—Senti sua falta — sussurrou de novo, mas se afastou antes que Irene pudesse reagir e lhe

perguntar a que se referia.

As felicitações de seus irmãos a tiraram de seu ensimesmamento e logo ambas as famílias e

os poucos convidados que tinham comparecido ao enlace retornaram à mansão para celebrar o

pequeno, mas bem nutrido banquete. Durante o ágape, Alex não pôde voltar a falar com sua

esposa, pois ambos estiveram ocupados escutando os bons conselhos de seus irmãos. Terminada

a comida, todo mundo começou a se impacientar por ir embora e, dado que nem os Fordyce nem

os Morland pareciam ser especialmente discretos, nem sequer trataram de dissimular e se foram

quanto antes.

—Por fim sós — disse Alex depois de se despedir de James. — Está cansada?

—Não. Bom, um pouco — respondeu Irene, nervosa. — Foi um casamento precioso.

—Sim, foi. — Alex pegou uma garrafa de champanha e serviu duas taças. —Toma.

—Obrigado, embora a verdade é que nunca gostei muito — disse ela ao aceitar a bebida.

—Não se preocupe, só queria brindar com você — respondeu ele com um meio sorriso.

—OH.

—Por você — murmurou Alex a olhando aos olhos antes de esvaziar sua taça.

Ela deu só um gole e ruborizou dos pés a cabeça.

—Acredito que irei a... nosso quarto — disse em voz baixa —Tenho que...

—Vá, eu ficarei aqui um momento. —Acariciou-lhe o braço. Irene se foi do salão e subiu

devagar a escada.

Tinham decidido que viveriam na casa que Alex tinha em Londres, herança de um irmão de

seu pai ao que quase não conhecia. Era uma mansão em pleno Mayfair. Alex nunca tinha vivido ali,

mas tinha se assegurado que tudo estivesse preparado para quando retornassem de

Northumberland. Entretanto, não se instalariam nela até ao final de uns dias, pois seus respectivos

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pais tinham insistido em que ficassem um tempo no campo; uma espécie de lua de mel, já que

Alex não podia ir de viagem no momento. A este doía não poder dar de presente uma viagem a

sua esposa; o teria encantado poder levá-la a Itália, ou a Grécia. Possivelmente algum dia pudesse

fazê-lo e desfrutar dessas preciosas paisagens com ela a seu lado.

Ficou olhando as chamas que dançavam na chaminé e pensou em quão diferente poderia

ser tudo se quatorze anos atrás não tivesse decidido entrar para fazer parte da Irmandade. Talvez

agora levasse anos casado com Irene e possivelmente inclusive já teriam uma menina, ou um

menino. Serviu-se outra taça de champanha e a esvaziou de um gole. De nada servia pensar nos

possivelmente, o que tinha a fazer era encontrar Louva-Deus quanto antes e assim poderia dedicar

o resto de sua vida a Irene.

Ela estava acima. Certamente já teria desfeito o penteado, e sua preciosa juba cairia pelas

suas costas. Só de pensar que ia poder beijá-la todo seu corpo tremia. Fechou os olhos, respirou

fundo e abriu a porta para ir enfrentar a seu destino.

Irene estava sentada frente a penteadeira, com o olhar fixo em seu reflexo, quando ouviu

como se abria a porta. Sem se voltar, levantou a vista e viu Alex no espelho; tinha desabotoado os

dois botões superiores da camisa e tirado a jaqueta, mas além disso o via igual de impecável. Era o

homem mais atrativo que já tinha visto, e só o olhando sua respiração acelerava. Ele se aproximou

devagar, sem apartar os olhos dela nem um segundo, e não se deteve até ficar atrás de suas

costas.

—Posso? — perguntou, tirando a escova de suas mãos.

Irene soltou a escova que nem sequer recordava que sustentava e assentiu. Alex começou a

penteá-la com suavidade, fascinado com a textura e a cor do cabelo de sua esposa.

—Quando éramos pequenos, você me penteava — disse em voz baixa.

Ela tinha fechado os olhos sem se dar conta, mas soube que ele o tinha dito com um sorriso

nos lábios.

—Sempre foi despenteado — explicou. —E eu adorava tocar seu cabelo, era como tocar o de

um dragão.

—Dragão? Vá, e eu que acreditava que me tinha tocado o papel de príncipe Valente —

sussurrou acariciando o pescoço dela com a mão que tinha livre.

Ela moveu a cabeça e suspirou, e Alex voltou a falar:

—Abre os olhos, Irene. Me olhe.

Ela demorou uns segundos mas ao final fez o que lhe pedia.

—Prefere que vá? — Ao vê-la abrir os olhos atônita se explicou melhor: —Se quer posso

esperar. Não é necessário que esta noite você... — pigarreou. — Quero que quando fizermos amor

seja porque nos dois desejemos. Deus sabe que não pude te dar o casamento que merece, nem

sequer posso te levar de lua de mel, mas isto — abriu os braços como se quisesse abranger o

quarto inteiro, — isto sim posso controlar e, se você quiser, estou disposto a esperar. — Levava

toda a vida esperando, então uns dias mais não iam lhe matar. — Se quer posso aguardar até que

se sinta mais cômoda comigo. Estes últimos dias nem sequer pudemos falar a sós, assim suponho

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que tudo isto será muito estranho para você. — Pegou-lhe uma mão, pois precisava sentir sua pele

contra a sua. —Podemos esperar até que as coisas estejam melhor entre você e eu, e se — voltou

a pigarrear e se obrigou a continuar, — e se nunca chegam a estar e quer pedir a nulidade, poderá

fazê-lo.

Irene o olhou aos olhos.

—Estaria disposto a pedir a nulidade? — perguntou sem o compreender.

—Estaria disposto a fazer algo para que fosse feliz. — Certamente morreria se lhe dizia que

amava a outro homem, mas jamais a obrigaria a seguir casada com ele.

Ambos ficaram se olhando aos olhos durante um longo momento, e Alex já ia se afastar

quando Irene lhe apertou a mão para evitar.

—Fique.

—Está segura? — sussurrou ele acariciando sua bochecha.

—Sim, mas tenho medo.

—E eu.

—Você? Você sabe o que vai acontecer. Eu, depois de morrer minha mãe... — se ruborizou.

—Tilda me contou algumas coisas, mas James se pôs nervoso e...

—Chis. —Colocou-lhe um dedo sobre os lábios para fazê-la calar. —Eu tampouco sei o que

vai acontecer. Agora só estamos você e eu, esqueça de tudo o que acredita que sei, de tudo o que

acredita que tenho feito e pensa só em mim e nos momentos que compartilhei com você, porque

nisso é no único eu sempre penso. Em todas as horas.

Alex a ajudou a levantar da banqueta em que estava sentada e parou frente a ela.

—Levo anos sonhando com você — lhe disse com reverência, — com seu cabelo — lhe

acariciou a juba, — sua pele — deslizou uma mão por seu decote até colocá-la sobre seu ombro e

enredar os dedos na fita de sua camisola: — Seu aroma. — Se aproximou e roçou o pescoço com o

nariz para inalar seu aroma. — Seu sabor. — Se afastou e, depois de olhá-la aos olhos, inclinou a

cabeça para beijá-la.

O beijo começou como uma tentativa, e Alex teve que fazer um esforço sobre-humano para

não deitá-la na cama e fazer amor com ela ali mesmo. De repente, sentiu as mãos de Irene sobre

seu torso, tratando de desabotoar com estupidez os botões de seu colete. Incapaz de deixar de

beijá-la, optou por ajudá-la e ele mesmo abriu os botões dos punhos e tirou o colete.

Quando Irene chegou ao último botão, separou, indecisa, o tecido de sua camisa e colocou

as mãos em seu torso. Ele não pôde evitar gemer e esse som a comoveu até o mais profundo de

seu ser.

O beijo se converteu em um duelo de lábios, a paixão que emanava de Alex parecia ter a

força de um mar desbocado, e Irene era a costa em que iam morrer todas essas ondas. Os lábios

dele se negavam a abandonar os dela e sua língua parecia viciada em seu sabor. Lhe acariciou o

peito até chegar ao pescoço da camisa e a puxou até tirar-lhe por completo. O som do tecido ao

cair ao chão não distraiu a nenhum dos dois, mas avivou a necessidade de Alex de sentir a pele

nua de Irene contra seu corpo.

Levantou as mãos muito devagar e deslizou os suspensórios da camisola pelos braços de sua

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amada. Irene estava tão aturdida por seus beijos que demorou uns segundos a reagir, e teve o

impulso de se cobrir com uma mão, mas ele segurou seu pulso e logo a puxou a aproximando.

Quando seus torsos nus entraram em contato, Alex respirou como se o fizesse pela primeira vez

em toda sua vida, e Irene tremeu de emoção. Nenhum dos dois tinha acreditado que o sonho de

estar nos braços um do outro pudesse se tornar realidade.

Alex tratou de controlar sem êxito os batimentos de seu coração e pensou que uma boa

ideia seria deixar de beijar Irene e se concentrar em percorrer a beijos seus peitos. Entretanto,

essa alternativa teve o efeito contrário e, com cada beijo que lhe dava no pescoço, na clavícula,

em um peito, no outro, em vez de acalmá-lo, o aproximava mais à loucura. Ou à felicidade. Ela

respondia a esses beijos com suspiros e tremores, até que quando por fim Alex não pôde mais e

lhe capturou um peito entre os lábios e não o soltou até se saciar, Irene se atreveu a deslizar as

mãos até as calças dele. Ela já estava nua, e Alex podia sentir o calor que emanava de sua doce

entreperna através do tecido de suas calças; a única barreira que impedia que perdesse

totalmente a prudência. Quando Irene, igual de terna e insegura que antes, começou a

desabotoar-lhe ele decidiu que ia arder no inferno, bem podia dar ao demônio motivos para

reclamar sua alma. Afastou os lábios do peito de sua esposa e ficou de joelhos diante dela.

Rodeou-lhe a cintura com os braços e deu carinhosos beijos no estômago e no umbigo. Sentiu-a

tremer nervosa, e viu que tratava de se afastar, mas conseguiu convencê-la que não o fizesse a

base de beijos e sussurros.

—Irene, minha vida. — Beijou-lhe o quadril esquerdo. — Meu amor. — O direito. — É

preciosa. — O umbigo outra vez. — Preciso de você.

Devagar, ela voltou a relaxar e afundou os dedos no cabelo dele. Alex interpretou o gesto

como uma rendição e a beijou onde de verdade queria fazer. Enterrou o rosto entre suas pernas e

após inalar aquele perfume que o perseguiria durante o resto de sua vida, beijou-lhe ambas as

coxas com ternura para logo dar um beijo apaixonado na parte mais íntima de seu ser.

Alex tinha ouvido falar desse tipo de beijo. De fato, uma cortesã com a que tinha travado

certa amizade lhe contou que era um dos atos que mais dava prazer a uma mulher. Ele sentiu

curiosidade e, embora ainda recordasse a vergonha que tinha passado, pediu-lhe que explicasse. A

mulher, que era a amante de um amigo dele, assim o fez, e se ofereceu inclusive para lhe dar aulas

práticas, mas Alex se negou. No transcurso dos anos, se resignou a não estar com Irene, mas tinha

jurado a si mesmo que nunca compartilharia carícias muito íntimas com ninguém. E se os beijos

entravam nessa categoria, aquele outro tipo de beijos também. Então, embora não fosse virgem e

tinha inclusive reputação de ser bom amante, nunca tinha intimado tanto com ninguém, e agora

se alegrava muitíssimo disso. Beijar Irene daquele modo era maravilhoso, e sentir que ela

estremecia de prazer, que lhe tremiam as pernas, as mãos, que suspirava, que ruborizava sob seus

beijos também. Não podia se imaginar fazendo aquilo com uma mulher pela que não sentisse o

que sentia pela sua.

—Alex — balbuciou ela, — não acredito... — puxou o cabelo dele para afastá-lo.

—Quer que pare? — Não queria fazê-lo, mas se ela pedia, o faria. — Te fiz mal?

—Não. — Ela ruborizou. — É que...

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—Você gosta? — perguntou ele, se atrevendo a lhe dar um carinhoso beijo nos úmidos

cachos. Irene estremeceu e ele repetiu o gesto. — Eu gosto muitíssimo. Quero te beijar outra vez,

por favor.

Levantou a vista e não afastou o olhar até que ela abriu os olhos e o devolveu. Tinha as

bochechas rosadas e na testa brilhavam umas gotas de suor. Jamais tinha visto uma mulher mais

formosa e, ao pensar que era sua esposa, seu coração deu um tombo. Retendo o olhar dela preso

no seu, se inclinou para frente e a beijou de novo. Irene voltou a fechar os olhos, e afrouxou os

dedos para começar a lhe acariciar o cabelo.

—Chis..., tranquila. Pensa no muito que te desejo, no muito que... —”Que te amo”, quis

dizer, mas não o fez, pois desejava que a primeira vez que ela ouvisse essas palavras de seus lábios

o olhasse aos olhos. Não queria que Irene pensasse que só eram fruto da paixão. — O muito que

quero estar com você.

Alex a beijou, a acariciou, a saboreou até que as pernas dela já não a sustentavam e quando

alcançou o orgasmo, desabou em seus braços. Sem perder um segundo, a levou até a cama, onde

a abraçou e percorreu seu rosto a beijos até que ela deixou de tremer. Ruborizada e sem saber

muito bem o que fazer, Irene lhe devolveu o abraço e deu um terno beijo nos lábios. Afastou o

cabelo da cara dela e, depois de outro beijo, levantou um instante para tirar as calças.

Aquele dia na carruagem, Irene tinha podido lhe tocar, mas ver Alex nu em todo seu

esplendor a deixou sem fala. Aquele homem não se parecia em nada às insossas descrições que

tinha lido. O primeiro adjetivo que lhe veio à mente para descrevê-lo foi “magnífico”. Sim, era

magnífico, maravilhoso, extraordinário, e ela não tinha nem ideia do que fazer com ele. Alex

pareceu ler sua mente, pois voltou a deitar a seu lado e lhe deu outro beijo.

—Recorda o que te disse antes; esquece tudo o que acha que tenho feito. Só importamos

você e eu, e tem que saber que jamais, jamais, senti por nenhuma mulher o que sinto estando

com você. — Beijou-a, disposto a lhe conquistar a alma e, ao terminar, a olhou aos olhos. — Quero

fazer amor com você, mas quero, não — fechou os olhos e tragou saliva, — necessito, que você

também o deseje. — Com voz tremula, acrescentou: — Sei que não queria se casar comigo, ao

menos não nestas circunstâncias, e sei que não sou o que esperava, mas quer fazer amor comigo,

por favor?

Irene o olhou com lágrimas nos olhos, lágrimas que não queria derramar nesse instante tão

precioso. Alex tinha razão, quando sonhava casando com ele, as circunstâncias que imaginava

eram muito diferentes e sim, o menino com o que tinha sonhado não era como o que tinha entre

os braços, mas aquele estava resultando ser todo um homem. Um com muitas capas, e que

parecia ter um coração incrível oculto atrás dessa falsa fachada. Alguém de quem se podia

apaixonar mais profundamente do que jamais tinha acreditado.

—Sim — levantou uma mão e lhe acariciou a bochecha, — quero.

Essas duas palavras bastaram para que um calafrio percorresse Alex por inteiro, e, depois de

fechar os olhos uns segundos, deu-lhe um beijo capaz de derreter as poucas dúvidas que ficassem

sobre se tinha feito bem ao se arriscar com ele. A língua de Alex conquistou sua boca como um

exército decidido a não fazer prisioneiros e com as mãos percorreu suas curvas igual a um

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emigrante em país estrangeiro e quando acreditava que ia alcançar de novo as estrelas, Alex se

colocou em cima dela e interrompeu o beijo.

—Acredito que vai te doer um pouco — disse, ao mesmo tempo que deslizava a ponta de

seu pênis dentro do sexo dela.

Irene se esticou e tratou de juntar as pernas em um ato reflexo, mas ele voltou a beijá-la até

que conseguiu relaxá-la de novo.

—Tranquila, sou eu. — “E nasci para estar aqui”, pensou Alex, mas não se atreveu a dizê-lo.

Com um último e suave movimento de quadris, se afundou de tudo em seu interior e ambos

abriram os olhos para se olhar.

Os dois se disseram sem palavras que se necessitavam, que se amavam, que tinham nascido

para estar um com o outro, mas nenhum se atreveu a abrir seu coração. Seus corpos teriam que

bastar.

—Está bem? — perguntou ele quando foi capaz de reunir forças suficientes para falar e não

lhe confessar que a queria com loucura.

—Sim. — Irene o rodeou pelo pescoço com os braços e o aproximou a ela. — Me beije, por

favor.

Ele o fez, uma e outra vez, e outra, e outra, até que o corpo de Irene relaxou sob o seus e os

quadris da moça começaram a imitar os movimentos dos seus. Percorreu o rosto dela a beijos e

apoiou seu peso em uma só mão para com a outra poder acariciá-la com ternura, mas pouco a

pouco esta se transformou em paixão, e tanto ele como ela perderam o controle e se entregaram

um ao outro do modo que desejavam suas almas, sem limites, sem reservas, sem segredos. Alex

sentiu como o melhor orgasmo de sua vida começava a nascer no extremo inferior de suas costas

e quando Irene gritou seu nome ao alcançar o seu, ele fez o mesmo, abraçando-a com força.

Incapaz de soltá-la.

O batimento de seu coração não se apaziguava, e não queria abrir os olhos por medo de que

tudo aquilo tivesse sido um sonho, o melhor sonho de sua vida. Sentiu o fôlego dela roçando sua

orelha, e isso bastou para que todo ele voltasse a tremer de paixão. Levantou um pouco a cabeça

e recostou a testa na de sua esposa, um gesto que gostava, porque assim tinha a ilusão de que

podia captar seus pensamentos. Se moveu um pouco, sem sair de dentro dela, e lhe deu um

delicado beijo nos lábios. Persistiu nele uns segundos, procurando lhe transmitir toda a ternura e o

amor que sentia, e então ela levantou uma mão que até então tinha mantido imóvel nas costas de

Alex e acariciou sua nuca, justo antes de entreabrir os lábios e lhe devolver o beijo com o mesmo

sentimento. Se alguma parte do coração de Alex não pertencia à mulher que tinha sob seu corpo.

O entregou então.

Irene o beijou como aquela vez sob a árvore, igual a aquela noite anos atrás em que lhe disse

que o amava, e Alex se atreveu a sonhar, ao menos durante aquele instante, que ela ainda o

amava e que algum dia terminaria por dizer-lhe.

Aquele beijo não só foi demolidor para seus sentidos, mas também Alex sentiu que voltava a

se excitar, e como não queria machucar Irene, se afastou com delicadeza. No preciso instante no

que saía de seu interior, ela não pôde ocultar uma careta de dor e ele se sentiu culpado

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imediatamente.

—Não se mova — disse com carinho, e se levantou para ir procurar um pano e água.

Pensou em colocar um roupão, mas ao sentir o olhar de Irene percorrendo suas costas,

desprezou a ideia e tratou de controlar sua crescente ereção. Com o pano e a terrina de água nas

mãos, retornou à cama e se centrou em lavar sua esposa.

—Alex— exclamou ela, ruborizando da cabeça aos pés, — eu posso fazer isso — acrescentou

mortificada.

—Sei, minha vida — respondeu ele sem deixar que se tampasse, — mas quero me assegurar

que está bem.

—Claro que estou bem, é somente que…

—O que? A mim pode dizer o que queira — assegurou, depois de eliminar o último rastro de

sangue que manchava a delicada coxa de Irene.

—Sinto vergonha — disse ela então.

—Não a sinta. Entre você e eu não tem que haver segredos. — Mal pronunciou essas

palavras, se arrependeu. Não porque não acreditasse assim, ele acreditava firmemente que em

um casamento não devia haver segredos, mas sim porque sabia que em seu caso em concreto ia

ser necessário que os houvesse. Ao menos durante um tempo. De modo que se apressou a

acrescentar: — Ao menos aqui não, não neste quarto, não quando estivermos fazendo amor.

Irene o olhou aos olhos e mordeu o lábio inferior, e Alex soube que ela tinha entendido

perfeitamente o que tinha acontecido. Quando segundos mais tarde lhe respondeu, o confirmou

com suas palavras:

—Não, aqui não teremos segredos, Alex.

Se negando a romper a magia que até esse instante os tinha rodeado, ele deitou junto a sua

esposa e voltou a beijá-la. Devorou seus lábios com desespero, morrendo um pouco por dentro ao

pensar que tinha que lhe ocultar a verdade, ela devolveu o beijo com paixão, embora Alex não

pôde se livrar da sensação que Irene retinha parte de seu coração consigo. Decidiu beijá-la uma

vez e outra, até que não foi suficiente com os beijos e deslizou as mãos por seu corpo. Beijou-a

com todo o amor que sentia e que lhe queimava as veias de tanta vontade que tinha de se

confessar a ela e quando já não pôde mais, e ao sentir que ela também tremia de desejo, deitou

de costas no leito e a colocou em cima. Irene o olhou sem compreender muito bem o que

pretendia fazer.

—Aqui não há segredos, Irene — sussurrou ele se apoiando nos antebraços para se

aproximar dela e beijá-la de novo. — Quero voltar a fazer amor com você. — Esperou que ela

assimilasse e logo perguntou: —Te dói?

—Não — respondeu sincera, —mas assim?

Alex sorriu e lhe deu outro beijo.

—Se não me falha a memória, você monta a cavalo muito bem — respondeu. —Só te peço

uma coisa — acrescentou ao ver que ela por fim o compreendia, — me trate bem.

Irene não pôde evitar sorrir. Esse aspecto dele era o que mais tinha sentido falta durante

tantos anos. Alex era o único que podia relaxá-la nas situações mais tensas com apenas um

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comentário, com um sorriso, com um beijo.

Seguindo seu instinto, e tratando de controlar a emoção e os nervos que a atendiam, se

incorporou um pouco e dirigiu a mão para a ereção masculina. Alex, ao vê-la tremer, colocou uma

mão em cima da sua para guiá-la, e juntos uniram seus corpos. Irene ficou quieta durante uns

segundos e ele mal podia respirar.

Foi como se um raio atravessasse a ambos. Nessa postura, Alex podia relaxar sem medo de

machucá-la, pois ela tinha o controle, e logo que Irene se deu conta que assim era, decidiu

atormentá-lo por tudo o que supostamente tinha feito a ela.

Irene estava embriagada de paixão, de amor, e de uma incrível sensação de poder. Ter Alex

debaixo, tremendo, ansiando suas carícias era indescritível. Tinha feito amor com ela com ternura,

e ela sempre recordaria essa primeira vez como algo mágico, quase irreal, mas agora, ao estar ali,

proprietária de suas sensações, de seu prazer, se sentia uma deusa. Uma deusa a que Alex

adorava e venerava, ao menos naquele quarto. Era impossível que ele não sentisse nada por ela.

Irene possivelmente fosse uma ingênua, mas sabia que para compartilhar algo tão intenso como o

que eles dois tinham compartilhado precisava algo mais que paixão. Alex se empenhava em não

lhe contar a verdade e, embora tivesse se casado disposta a suportar a distância, a exigindo

inclusive, agora tinha mudado de opinião. Ia conquistar a seu marido, ia conseguir apaixoná-lo até

tal ponto que não só lhe contaria tudo o que tinha acontecido na França até sua volta, mas

também entregaria sua alma e o coração, igual a ela estava disposta a fazer com ele.

Alex a segurou pela cintura com as mãos e arqueou um pouco os quadris, e Irene decidiu

que não havia melhor momento que aquele para começar. Moveu-se tentativamente, se

incorporando também um pouco e um gemido escapou dele. Ia por bom caminho. Voltou a se

impulsionar para baixo com delicadeza ao mesmo tempo que deslizava as mãos pelo torso dele e

o notou estremecer. Incrível. Percorreu o torso com os dedos, desenhando aqueles peitorais tão

bem definidos e ele soltou uma maldição. Ela também começava a perder o controle. Ver Alex

daquele modo, fazia que um agradável comichão lhe nascesse entre as pernas e se estendesse por

todo seu corpo.

—Irene, minha vida — o ouviu sussurrar.

Seu coração dava um tombo cada vez que ele a chamava assim.

—Alex — sussurrou ela a sua vez, incapaz de se conter. Seus dedos toparam então com uma

horrível cicatriz e recordou que já a tinha visto antes, e que ele nunca tinha explicado como a tinha

feito. De repente, e sem saber muito bem por que, procurou o falcão que tinha desenhado em um

ombro e o percorreu com um dedo.

Ao sentir que Irene lhe tocava a tatuagem, Alex abriu os olhos de repente. Tinha-os fechado

em uma tentativa por se controlar, mas uma vez abertos foi incapaz de voltar a fechá-los. Ela o

olhava fascinada, como se o amasse, igual à tinha imaginado tantas vezes em seus sonhos. Sem

dizerem nenhuma palavra, ambos se sustentaram o olhar e, a partir desse instante, se fundiram o

um no outro.

Alex acelerou o ritmo de seus quadris, e Irene lhe permitiu, tomar o controle, sentindo já

como seu corpo se deslizava de novo para o abismo, mas desta vez se precipitou junto com ele,

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sem deixar de se olhar aos olhos nem um segundo. Depois das sacudidas de incrível prazer, Irene

desabou sobre Alex e, antes de adormecer, deu-lhe um beijo no falcão, sem saber que aquele

desenho simbolizava tudo o que ele queria lhe ocultar.

Alex estava convencido que nada podia superar aquela primeira vez, mas se equivocava. Se

cada vez que fazia amor com Irene era melhor que a anterior, em menos de uma semana estaria

morto. Sentiu que ela adormecia e com muito cuidado a separou de cima dele e a deitou a seu

lado. Levantou e pegou de novo o pano para se assegurar que nada entorpecesse o descanso de

sua esposa. “Sua esposa.” Olhou-a e acariciou o cabelo dela.

—Te amo — sussurrou, convencido que não podia ouvi-lo, mas não podia passar um

segundo mais sem dizer-lhe.

CAPÍTULO 27

Irene abriu os olhos devagar, convencida de que quando o fizesse estaria sozinha em sua

cama de sempre. Apesar de que o pelo do peito de Alex fazia cócegas na sua bochecha e de que o

notava subir e baixar com sua respiração, tinha medo que tudo fosse só fruto de sua imaginação.

Ele estava acariciando seu cabelo com uma mão, devagar, enredava os dedos em uma mecha e os

deslizava até o extremo, onde brincava um momento com as pontas; logo o soltava para repetir a

mesma operação com outra mecha.

Alex não olhou se Irene despertou; não precisava. Notou como ela esticava as costas e seu

corpo perdia a relaxação do sonho. Seguia nua, coberta com os lençóis com os que ele tinha

enrolado aos dois ao deitar. Estava pega a seu flanco, com um pé em cima dos joelhos dele e um

braço ao redor de seu torso. Ainda não estava o bastante acordada para se dar conta que o tinha

abraçado, porque seguro que quando o estivesse trataria de se afastar um pouco. Disposto a que

ela não erigisse nenhuma barreira entre os dois, e muito menos tão cedo, Alex colocou a mão que

já tinha nas costas de Irene sobre seu quadril e a aproximou ainda mais a seu corpo. Deixou de lhe

acariciar o cabelo e deslizou a mão para seu queixo, para levantar sua cara e poder olhá-la aos

olhos. O surpreendeu os mantendo abertos e se olharam durante uns preciosos instantes.

“Te amo tanto...”, pensou ele, e, com um nó na garganta, se agachou para beijá-la. Irene

respondeu ao beijo e, com acanhamento, separou os lábios e deslizou a língua entre os seus. A

Alex seguia o surpreendendo que ela tomasse a iniciativa em suas carícias e um tremor percorreu

suas costas. Irene se afastou com lentidão e piscou um par de vezes, como se não confiasse em

suas próprias pupilas.

—Bom dia — disse ele, acariciando de novo o cabelo dela com uma mão. — Dormiu bem?

—Muito bem — respondeu ela sem poder evitar ruborizar. — E você?

—Também — mentiu Alex; não tinha dormido nem um segundo. Já teria tempo de fazê-lo

quando não estivessem juntos. — O que gostaria de fazer hoje? —Tinha convencido Hawkslife que

lhe concedesse uns dias livres para passá-los ali no campo, com Irene. James tinha prometido que

iriam buscá-lo se acontecia algo, e Alex sabia que precisava se sentir, embora só fosse durante uns

segundos, como um recém casado.

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—De verdade vamos ficamos aqui uns dias? — Irene tinha se resignado a não ter lua de mel.

Não porque ela e Alex tivessem falado do tema, mas tal como se desenvolveu seu noivado, por

chamá-lo de algum jeito, estava convencida que não a teriam. Que Alex estivesse disposto a

passar um tempo na campina era mais do que esperava, apesar que, durante a última semana,

tanto seu pai como James não tinham deixado de lhe repetir que devia dar uma oportunidade a

seu recém estreado marido.

—De verdade. — Deu-lhe outro carinhoso beijo. — Quando tudo isto termine, a levarei de

férias a Itália.

—Quando terminar o que?

Alex demorou uns segundos a compreender a pergunta. Deus, tinha feito amor com ela e já

começava a cometer falhas.

—Nada. — A afastou com cuidado e se sentou na cama. Respirou fundo e se levantou para

se vestir. — Pode descansar um pouco mais, se quiser.

Mas ela já estava saindo da cama, se cobrindo com um dos lençóis. Irene tinha ficado

fascinada olhando Alex de costas; suas nádegas, suas fortes pernas, e... um pequeno fogo prendeu

em seu estômago e se propagou por todo seu corpo. Tinha ouvido falar do desejo, mas até aquele

preciso instante não tinha entendido o que era. E o capitalista que podia chegar a ser. Ao ver seu

marido assim, no único que podia pensar era em percorrer toda aquela pele com as mãos e os

lábios, em saborear cada tremor, cada gota de suor que escorregasse por aqueles músculos.

Talvez tivesse se casado tarde, mas pelo visto, seu corpo estava ansioso por recuperar o tempo

perdido, e como não queria se envergonhar frente a Alex, que agora parecia distante, pensou que

o melhor seria seguir seu exemplo e começar a se vestir.

—Não. Gostaria de sair para passear — disse, quando por fim conseguiu segurar o lençol e

se tampar. — Acha que poderíamos ir pescar?

—É obvio — respondeu ele. — Irei a... — Com o roupão atado na cintura mostrou a porta

contigua. — Irei a meu quarto me vestir.

—Alex — disse Irene sem pensar, com o coração pulsando descontrolado. — Se só formos

ficamos aqui uns dias... — terminou a frase antes de perder a coragem, — por que não deixa aqui

todas as suas coisas?

A mão dele se deteve no ar, a escassos centímetros do trinco da porta. Estava de costas, e

esperou que ela não tivesse se dado conta de seu estremecimento.

—Está segura?

Irene demorou uns instantes em responder. Estava segura? Não, não estava segura de poder

suportar que Alex voltasse a lhe romper o coração, mas talvez assim conseguiria se desencantar,

ou possivelmente, uma vozinha disse em sua cabeça, conseguiria encontrar o modo de que ele a

quisesse tanto como ela o queria. Sacudiu a cabeça para afastar essa ideia absurda. Na realidade já

não o queria, o único que acontecia era que tinha descoberto a parte física do amor e queria lhe

tirar o máximo proveito.

—Estou segura — respondeu com convicção.

Alex assentiu com a cabeça e se retirou para que ela também pudesse se vestir. Meia hora

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mais tarde, estava na sala de jantar, esperando que Irene descesse, e já tinha dado instruções à

governanta para que colocasse suas coisas no quarto que ia compartilhar com sua esposa. Isso não

daria à mulher muito trabalho; o único que levou ali era roupa e os utensílios de barbear… e a

trança de fitas de cabelo. Mas esta descansava agora no bolso interior de sua jaqueta, depois de

lhe acrescentar, na solidão de seu quarto, uma fita do vestido de noiva que tinha roubado de Irene

antes de deixá-la só essa manhã.

Quando ela apareceu e lhe sorriu, Alex ficou sem fôlego. Supôs que se conseguia sair com

vida daquela missão, terminaria por se acostumar a vê-la assim. “Possivelmente dentro de uns

sessenta ou setenta anos”, disse a si mesmo. Irene usava um simples vestido azul marinho, e para

seu deleite, amarrou o cabelo com simplicidade na nuca. A única jóia que luzia era o anel que ele

tinha colocado no anular no dia anterior. Tocou com o polegar o que ele luzia no mesmo dedo.

Jamais tinha pensado que um frio pedaço de metal pudesse chegar a significar tanto.

—Sinto o atraso — disse Irene um pouco ruborizada.

—Não importa. O que te parece se tomarmos um café da manhã simples e peço à cozinheira

que nos prepare uma cesta de piquenique para o meio-dia? — perguntou ele, fazendo gestos ao

mesmo tempo ao mordomo para que se aproximasse e poder lhe dar assim as instruções precisas.

—Me parece bem. Iremos pescar? — Colocou um guardanapo e bebeu um pouco de chá.

—Sim, já pedi que nos preparem as varas, embora me parece que estão um pouco velhas.

—Já está procurando desculpas? — ela o provocou.

—Desculpas?

—Para quando não pescar nada.

—Perdoa — replicou ele fingindo ficar sério, — acredito recordar que na última vez que

fomos de pesca, foi você a que não pescou nada.

—Certo. — E a culpa tinha sido toda de Alex, por ter desabotoado dois botões do pescoço da

camisa. Irene ainda recordava o sufoco que tinha sentido quando viu aquele triângulo de pele nua,

embora não tinha nenhuma intenção de dizer a ele. — Mas suponho que estará de acordo comigo

em que passaram muitos anos, e posso te assegurar que minha técnica melhorou muitíssimo.

—Então suponho que agora o veremos — disse ele, aceitando a velada provocação.

—Suponho. Quando quiser podemos ir.

Chegaram ao lago quase uma hora mais tarde. Foram em uma carreta, e tanto Alex como

Irene rechaçaram a insistência da governanta de que levassem com eles a algum lacaio. Alex

preparou os utensílios de pesca com destreza. Sem olhar a sua esposa em nenhum momento,

porque sabia que se o fazia esqueceria a pesca e faria amor com ela ali mesmo, colocou as varas,

preparou os anzóis e tirou a jaqueta para logo arregaçar a camisa e desabotoar dois botões do

pescoço.

Irene estendeu a toalha no chão e colocou a cesta em cima, mais ou menos no centro, e seus

sapatos em um dos extremos. Em outro, deixou as luvas e o chapéu. Satisfeita com o resultado,

fixou sua atenção em Alex e quase ficou sem fôlego. Tinha desabotoado dois botões, igual a

aquela vez. Optou por torturá-lo do mesmo modo e, sem sequer pensar, ela desabotoou também

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os dois botões de cima da camisa.

—Já está tudo preparado — disse ele enquanto fingia estar absorto nos anzóis.

—Perfeito, tenho o pressentimento que vou pescar muito.

—Sério? Atrever-se-ia a apostar algo?

—Depende, no que está pensando?

Alex a olhou aos olhos antes de responder:

—O que te pareceria se o ganhador...?

—Ou ganhadora.

—Ou ganhadora pudesse fazer uma pergunta ao outro e o perdedor ou perdedora tivesse

que responder a verdade.

—Uma pergunta?

—Uma pergunta.

—De acordo. — Estendeu a mão e ele a aceitou, mas em vez de a estreitar a levou aos lábios

para lhe dar um beijo.

Os dois se dedicaram à pesca com esforço, mas ao final o destino favoreceu a Irene. Em seu

cubo havia duas trutas, enquanto que no dele só uma.

—Está bem, pergunta — disse Alex, se sentando em um tronco e dando por feito que lhe

perguntaria algo sobre sua época no continente.

—Farei, não se preocupe, mas acredito que primeiro quero saborear um pouco o momento.

Sentou-se sobre a toalha e, com um lenço, secou o suor que cobria sua pele do decote. Viu que ele

seguia seu movimento como se estivesse hipnotizado e repetiu o gesto com lentidão. Logo abriu a

cesta e tirou a garrafa de vinho e duas taças, e, imediatamente, Alex se sentou junto a ela para

desarrolhar o borgonha.

—Vamos, pergunta — insistiu ele enquanto servia as duas taças.

Irene o olhou aos olhos, consciente que tinha uma oportunidade única, pois Alex não se

atreveria a mentir. Perguntaria por que se foi, cinco anos atrás? Ou se se arrependia disso? Muitas

vezes, tinha sonhado com que lhe contava essas coisas, e se deu conta que não queria que o

fizesse só por ter perdido uma aposta.

—Lembra daquele dia que fomos de pesca, fará uns seis ou sete anos? — Alex assentiu e a

olhou intrigado. —Desabotoou de propósito os dois botões da camisa?

—Isso é o que quer me perguntar? — Não tratou de ocultar o quanto estava surpreso.

—Sim, isso é exatamente o que quero te perguntar — respondeu ela com um sorriso,

desviando a vista para a camisa desabotoada dele.

—Sim, fiz de propósito — reconheceu, se ruborizando. —Você e eu..., nessa época, você e

eu...

—Eu fazia o mesmo. Lembra que sempre te pedia ajuda para montar? — Alex assentiu e ela

continuou: —Nunca precisei, o fazia para que me agarrasse pela cintura. Suponho que os dois nos

comportamos como tolos.

Ele levantou uma mão e acariciou a cara dela.

—Não, não diga isso. Excetuando ontem, esses dias foram os mais felizes de minha vida.

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Irene morria de vontade de lhe perguntar se isso era verdade, por que tinha ido embora, por

que a tinha deixado e não tinha voltado durante tanto tempo, mas não o fez. Gostava de estar

assim com Alex, e queria desfrutar dessa trégua o máximo possível, porque tinha o mau

pressentimento que não ia durar para sempre. Então o que fez foi levantar um pouco a cabeça e

procurar os lábios de seu marido para lhe dar um beijo.

Ele respondeu ao beijo sem hesitar, disposto a demonstrar com seus gestos o que não podia

lhe dizer com palavras. Enquanto a beijava, foi deitando sobre a toalha que cobria a erva e apoiou

seu peso nas mãos. Irene acariciou a pele do torso que se via através daqueles dois botões

desabotoados, e Alex aumentou a intensidade do beijo. Trocando ligeiramente de postura, se

deitou de lado e começou a afrouxar o vestido de Irene. Ela se deu conta e o segurou pelo pulso.

—Não se preocupe — a tranquilizou antes de beijá-la de novo. —Ninguém nos vê, só quero

tocar sua pele.

Fiel a sua velada promessa, ele não a despiu, só lhe abriu um pouco o decote do vestido para

poder acariciá-la. Irene podia sentir como Alex estremecia e lhe acariciou a nuca, como se tratasse

de acalmar a um leão selvagem. Ele inclinou a cabeça e beijou seu pescoço, para logo percorrer

sua clavícula e os montículos de seus peitos com os lábios e a língua. Com a mão com que antes

lhe tinha afrouxado o vestido, levantou um pouco a saia e acariciou sua perna até chegar à

panturrilha, onde se deteve, brincando com o final das meias.

Irene deslizou a sua vez uma mão pelas costas de Alex, se deleitando ao ver como cada

músculo que tocava estremecia, e ao chegar a suas nádegas, se atreveu a acariciá-las. O gesto

enlouqueceu Alex, que, ao que parece, até esse instante tinha podido manter um pouco de

controle, e, depois de um furioso e apaixonado beijo, afastou a cabeça para olhá-la aos olhos.

—Minha vida, sei que sou um bruto e um insensível por te pedir isto, mas preciso fazer amor

com você. — Viu que ela abria os olhos como pratos e que ia se afastar, mas quando a observou

passar a língua pelo lábio inferior, deu-lhe um beijo mais e insistiu: —Por favor.

Irene não disse nada. A verdade era que se via incapaz de falar, e com as mãos procurou a

parte dianteira das calças dele. Com acanhamento, e sem desviar a vista para a zona em questão,

conseguiu seu objetivo. Alex estava beijando seu pescoço de novo, percorrendo o lóbulo da orelha

com a língua, e levantando sua saia o necessário para poder fazer amor sem despi-la de tudo.

Qualquer que passasse por ali pensaria que só estavam abraçados, embora Irene suplicou ao céu

que ninguém fosse buscá-los. Perdida nos beijos de Alex, nem se deu conta que este lhe retirava

com cuidado as mãos de sua entreperna para poder guiar sua ereção até ela. Se deslizou em seu

interior com lentidão, a beijando a todo o momento e se detendo cada segundo para se assegurar

que não a machucava. Só se moveu quando ela entrelaçou seus dedos na nuca dele e o beijou com

a mesma paixão que a noite anterior.

Todo o corpo de Alex parecia emanar força e colocou as mãos sobre os ombros de Irene para

segurá-la onde estava e poder possuí-la com a lentidão e a ternura que ela merecia. Se via incapaz

de deixar de beijá-la e o erotismo de estar fazendo amor vestidos ameaçava fazê-la ficar em

ridículo. Antes de alcançar seu próprio prazer tinha que se assegurar que ela desfrutasse, e com

esse único fim, moveu os quadris e se separou de seus lábios para procurar de novo seu pescoço e

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devorar-lhe a beijos. Irene levantou os joelhos e ele ficou completamente prisioneiro em seu

interior; nunca teria imaginado melhor cárcere. Levantou a cabeça para apanhar o lóbulo de sua

orelha entre os dentes e lhe sussurrar ao ouvido:

—Minha vida.

Essas duas palavras fizeram que o fogo que se foi avivando dentro de Irene se convertesse

em um incêndio. Gritou de prazer, se entregando de novo a aquela maravilhosa sensação que já

não lhe era tão desconhecida, e Alex acompanhou seus gritos com um beijo. Minutos mais tarde,

quando ambos retornaram daquele lugar que só podiam alcançar juntos, ele começou a se afastar,

mas ela, embora permitiu que se retirasse um pouco, não deixou que se afastasse de tudo, e o

reteve abraçado. Permaneceram assim, sem dizer nada, durante um longo momento, até que

Irene, em uma tentativa de acalmar a seu já entregue coração, disse:

—Vá, não sabia que pescar pudesse ser tão emocionante. Alex sorriu e, em um ato reflexo,

se incorporou e lhe deu um último beijo, mas desta vez repleto de ternura.

—Nem eu.

A partir desse dia, Alex e Irene deixaram de procurar pretextos para estar sozinhos e mal

saíram de seu quarto. Tal como tinham dito a primeira noite, ali não tinham segredos, e embora

não tinha lhe dito nenhuma só vez que o amava e ele tinha que morder a língua para não dizer-lhe

cada segundo, Alex tinha a sensação que Irene começava a lhe entregar de novo sua confiança. Em

um par de ocasiões, inclusive acreditou ter visto em seus olhos o mesmo brilho que tinham antes

que ele se fosse a França e rompesse o coração dela. Pela primeira vez em sua vida, Alex

começava a acreditar que tinha possibilidades de ser feliz, que o único que tinha que conseguir era

que sua esposa o olhasse do mesmo modo fora daquele bendito quarto. Então, começou a

planejar uma excursão a um povoado próximo, onde tinha uma pequena igreja que com certeza

Irene gostaria. Uma vez ali, diria a ela que a amava, que estava apaixonado por ela, que sempre

tinha estado, e lhe pediria que, por favor, desse a ele a oportunidade de reconquistá-la.

A manhã da excursão amanheceu ensolarada. Os dois estavam deitados na cama depois de

ter feito amor quando alguém bateu na porta. Alex colocou a bata e foi abrir, convencido de que

seria o mordomo para os avisar que já tinha tudo preparado, mas o único que o homem lhe

entregou foi uma carta que o recordou que ainda não tinha direito a sonhar. Fechou a porta e

apoiou a testa contra a madeira. Respirou fundo, se afastou e rompeu o lacre com a marca do

falcão.

—Passa algo, Alex? — perguntou Irene da cama.

Ele deu meia volta e a olhou, consciente de que aquela podia ser a última vez que a visse tão

feliz e relaxada em sua presença.

—Temos que retornar a Londres.

—Por que? Aconteceu algo a seu pai ou a seus irmãos?

—Não.

—Então?

—Se vista, por favor. Vá pedir que nos preparem a bagagem quanto antes — disse, já dando

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meia volta para ir-se.

—Alex, não pensa me dizer por que temos que ir?

—Não. São minhas coisas, não se preocupe.

—Que não me preocupe? — levantou da cama sem o acanhamento de uns dias atrás e

colocou também a bata. —De verdade quer que não me preocupe? Como pode sequer dizer tal

estupidez depois de tudo o que compartilhamos estes dias?

—Irene, agora não tenho tempo para isto. Se vista, por favor e sim, de verdade não quero

que se preocupe por mim.

—Está bem — respondeu ela, sentindo como a esperança que a tinha embargado durante

aquelas noites cheias de beijos a abandonava de repente. Já não queria seguir falando com Alex,

não queria lhe dizer que “suas coisas”, como ele as tinha chamado, eram também suas coisas, não

queria cometer o mesmo engano que tinha cometido cinco anos atrás e lhe pedir que ficasse. “É

melhor assim — pensou, —melhor que veja agora como vai ser nosso casamento”. — Estarei

pronta dentro de uma hora.

—Obrigado —disse Alex ao sair do quarto.

Mas Irene quase nem o ouviu, e após derramar umas silenciosas lágrimas, jurou a si mesma

que era a última vez que lhe dava uma oportunidade.

CAPÍTULO 28

A carta que Alex tinha recebido era de Hawkslife e nela dizia que o coronel Casterlagh e o

duque de Rothesay estavam de novo na cidade. Também lhe contava que, graças à senhorita

Charlotte, tinham recuperado os cadernos de David Faraday, e, embora ainda não tinham podido

acabar de decifrar tudo o que havia neles, não cabia nenhuma dúvida que o falecido possuía

informação muito valiosa a respeito da segurança do país.

Pelo que sabiam, o coronel e o duque se apoderaram de certos planos sobre o

desdobramento do exército inglês e tinham vendido a informação aos homens de Napoleão. Alex

esporeou seu cavalo e segurou as rédeas com força de tanta vontade que tinha de estrangular a

esses dois traidores. A emboscada do batalhão que comandava William tinha sido fruto dessa

traição, e estava impaciente por fazer alguém pagar por isso.

Na carta, Hawkslife lhe pedia que retornasse a Londres quanto antes, pois, ao que parece, o

coronel e o duque estavam perguntando sobre ele e começavam a ficar nervosos.

Irene viajava sozinha na carruagem, enquanto Alex tinha insistido em ir a cavalo. Tinha dito a

ela que assim, com o carro só para ela, estaria mais cômoda, e Irene tinha aceitado sem pigarrear.

Teria estado igual de cômoda com ele, muito mais na realidade, se tivesse seguido sendo o

carinhoso amante dos dias anteriores. Mas não, Alex tinha voltado a se converter naquele frio

desconhecido de olhar perdido e ela não tinha vontade de estar sentada frente a esse estranho.

Uma lágrima escorregou solitária pela bochecha dela e a secou furiosa. Não ia chorar.

Nenhuma lágrima mais. Já tinha chorado muito por Alex, e pelo que nunca poderia ser. Ao longo

daqueles últimos cinco anos, tinha conseguido se convencer que ele nunca a tinha amado, que

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suas lembranças eram só isso, lembranças, e que ela tinha interpretado mal seus gestos e olhares

de carinho. Quase o tinha conseguido, pensou, quase, mas nos últimos dias, Alex tinha voltado a

dar asas a seu sonho. Tinha voltado a olhá-la como se a amasse, e aqueles beijos... se negava a

acreditar que alguém pudesse beijar assim sem estar apaixonado. Se negava a acreditar que o que

tinha acontecido junto ao lago fosse só uma reação física. “Mas, claro — recordou a si mesma, —

você tampouco tem experiência, possivelmente seja assim sempre.” Tinha que deixar de pensar.

Se seguia pensando só conseguiria se enjoar. Alex tinha que retornar a Londres, e não só não tinha

dito por que, mas também, além disso, tinha deixado bem claro que não era assunto dela, que não

devia se preocupar. Isso era o que mais tinha doído nela. Durante uns instantes, tinha acreditado

que já não eram pessoas separadas, que o que afetava ao um implicava também ao outro, mas ao

que parece estava equivocada.

Detiveram-se para passar a noite em uma hospedaria. Alex a ajudou a descer da carruagem

e entrou para procurar alojamento. Irene o esperou na entrada, tomando uma xícara de chá que,

muito amavelmente, a esposa do proprietário tinha oferecido. Enquanto, o chofer se ocupou dos

cavalos e também foi descansar. Alex voltou; e bastou olhar a sua esposa para saber que essa

noite não ia ser como as anteriores; seus olhos já não brilhavam, os tinha apagados,

irremediavelmente tristes.

—Já podemos subir — disse, — pedi que lhe preparem um banho, assim poderá relaxar um

pouco antes de jantar.

—Obrigado. — Levantou-se. — Um banho irá bem. Você esperará aqui?

Alex tinha intenção de acompanhá-la, mas a pergunta deixou claro que sua companhia não

seria bem recebida.

—Sim, caminharei um momento para estirar as pernas. Subirei dentro de um momento.

Irene sabia que não tinha sido precisamente sutil, assim tampouco tratou de dissimular e

seguiu a uma das donzelas para o quarto.

Vinte minutos mais tarde, Alex pediu o jantar e disse que o subissem a seus aposentos.

Calculou que Irene já teria tido tempo de sobra para se banhar, então subiu a escada e deu um

golpezinho na porta antes de abrir. Uma das donzelas da hospedaria a estava ajudando a se vestir.

—Nos deixe a sós — disse Alex à moça, e esta obedeceu após fazer uma leve reverencia. —

pedi que nos subam aqui o jantar — explicou a Irene, — assim não é necessário que se vista. — Ela

deixou o vestido e colocou a bata em cima da regata. —Vejo que a banheira ainda está aqui.

—Vais se banhar?

“Vá —pensou ele, — ao menos volta a me falar.”

—Sim, se importa?

—Não. — Pegou um livro e se sentou no extremo da cama que ficava mais afastado da

terrina. Ele se despiu com rapidez e se meteu na água, que com certeza já estava fria. Ao ver como

se esfregava as costas com o pano, Irene não pôde evitar recordar uma tarde, há apenas dois dias,

em que se banharam juntos.

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Mortificada, fechou os olhos uns segundos e tratou de apagar essas imagens de sua mente.

—Está zangada? — perguntou Alex em voz baixa. Desde a manhã, era a primeira vez que

tocava no tema.

—Não — respondeu Irene, — não estou zangada. — Passou as páginas do livro para que o

ruído deixasse claro que sim estava.

Ele se incorporou e enxaguou espuma que ainda ficava no corpo antes de se envolver na

mesma toalha que ela tinha utilizado. Encaminhou-se para um biombo que havia no quarto e se

vestiu atrás. Vestiu só uma calça de fina lã negra e uma camisa branca, que não abotoou de tudo.

Ela seguia fingindo ler o livro quando bateram na porta para lhes deixar a bandeja com o jantar,

que consistia em um pouco de frango frio, sopa e uns quantos queijos e frutas. Alex deu instruções

ao lacaio para que a deixasse em cima da mesa e ato seguido o dispensou.

—Tem fome?

—Não muita — respondeu Irene, mas apesar de tudo deixou o livro e viu que ele estava lhe

servindo um prato com um pouco de cada coisa. Se sentou em uma das duas cadeiras que havia

junto à mesa. — Alex, de quem era essa carta? Por que temos que retornar a Londres?

Prometeu-se não voltar a perguntar. Tinha dito a si mesma que não lhe importava, mas

depois de passar toda a manhã furiosa tinha chegado à conclusão que tinha que tentar uma vez

mais; as palavras de seu pai e de seu irmão lhe dizendo que Alex merecia uma oportunidade não

paravam de ressoar em sua mente.

—Já disse, são minhas coisas — respondeu ele, mas Irene viu como esquivava seu olhar e

apertava a mandíbula.

—Que coisas?

—Coisas.

—Alex, me olhe — ela disse, e ele obedeceu sem hesitar. — Me conte.

Ele voltou a apartar a vista.

—Não é nada — repetiu.

—Não me minta. Estava com você quando leu a ditosa carta, então não te ocorra me dizer

que não é nada. Você mudou a cara, Alex, todo você mudou de repente.

—Não é nada — insistiu ele.

Se levantou furiosa.

—Alexander Fordyce, sempre odiei que me mintam, mas que além disso seja você quem o

faça, e depois do que compartilhamos estes dias... — a voz dela quebrou e Alex sentiu como se lhe

tivessem dado um murro. — É por outra mulher?

—Não! Deus, Irene, não. — Ele também se levantou e correu a seu lado. —Eu juro que

jamais houve nem haverá outra mulher. Aconteça o que acontecer, juro que isso sempre será

verdade.

—Aconteça o que acontecer? Alex, do que está falando?

Ele não disse nada mais, e tratou de convencê-la do melhor e único modo que sabia:

beijando-a com todo o amor que sentia. Ela respondeu durante uns segundos, mas de repente se

afastou.

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Irmandade do Falcão 01

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—Por favor, me conte a verdade. Disse que quando estivéssemos juntos nunca me mentiria.

Alex fechou os olhos e apoiou a testa contra a dela.

—Não estou mentindo, minha vida — insistiu, tratando de se convencer que ocultar a

verdade não era o mesmo que mentir.

Ela se afastou um pouco e retornou à mesa.

—Não tenho fome — disse, com o olhar perdido. — Acredito que irei me deitar.

Alex, que também tinha perdido o apetite, pegou a bandeja e a devolveu ao andar inferior,

se desculpando com a proprietária e a assegurando que tudo estava muito bom, mas que tinha

passado a fome deles. A mulher fez algum comentário a respeito dos recém casados. Retornou ao

andar de acima e, ao entrar no quarto, não o surpreendeu ver que Irene já estava na cama. Tirou

as botas e as calças, e se deitou a seu lado. A abraçou. Ela ficou tensa, mas o deixou fazer e,

minutos mais tarde, ambos estavam dormindo.

Deviam faltar um par de horas para que amanhecesse quando Irene e Alex despertaram e,

sem dizer nada, fizeram amor.

Durante os dias que tinham passado na mansão de Northumberland, tinham explorado seus

corpos com sensualidade e abertamente, mas sempre tinham feito amor com ternura. Entretanto,

esse amanhecer foi diferente. Era como se os dois quisessem deixar claro um ao outro que não

iam se render; Alex estava desesperado por convencer Irene de que a amava, e por lhe dizer que

estava fazendo tudo isso por seu bem, e ela queria que lhe entregasse seu coração e sua

confiança. Compartilharam beijos frenéticos, carícias cheias de angústia com o fim comum de se

fundir um com o outro. Alex a tinha debaixo, e fazia amor com ela enquanto lhe percorria o

pescoço com os lábios e os dentes.

—Minha vida... — gemeu antes de alcançar o orgasmo, ao sentir que ela também se

precipitava pelo precipício.

Ao terminar, ficaram abraçados até que Alex se afastou para que Irene não estivesse

incômoda. Voltou a abraçá-la, mas viu que ela tinha dormido, de modo que fechou os olhos para

descansar um pouco mais antes que saísse o sol e tivesse que enfrentar de novo à realidade.

Quando Irene despertou, viu que Alex já estava meio vestido; tinha vestido as calças e estava

olhando através da janela.

—O que significa o falcão? — ela perguntou ao olhar o ave tatuada, convencida de que a

tinha visto antes em outro lado e com o pressentimento de que aquele desenho era mais que isso.

Ele se voltou devagar, mas em menos de cinco segundos colocou a camisa e a abotoou.

—Nada.

Ela se sentou de repente. Estava lhe mentindo outra vez. Depois do que aconteceu no dia

anterior, do desespero com que tinha feito amor com ela aquela mesma madrugada, depois de

tudo, seguia sem lhe dizer a verdade.

—Está bem, Alex, você ganha — disse, saindo da cama. —Não voltarei a te perguntar nada,

você segue com suas “coisas”, que eu seguirei com as minhas. — Viu que ele ficava tenso, e

acrescentou: — Só te peço um favor; na realidade dois: quero que tenhamos quartos separados.

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Irmandade do Falcão 01

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Não se preocupe, quero ter filhos, então não porei nenhum impedimento para que você e eu...

Enfim, já sabe.

—E o segundo favor? — perguntou ele, vestindo a jaqueta para sair dali quanto antes.

—Não volte a me chamar “minha vida”.

Alex a olhou aos olhos, e Irene acreditou ver neles uma dor que não correspondia com seus

gestos nem suas palavras.

—Eu não gosto que me chame assim quando na realidade é incapaz de compartilhar algo

comigo. Nada que não seja seu corpo, quero dizer.

Ele assentiu resignado e jurou a si mesmo que por muitas barreiras que sua esposa quisesse

interpor entre os dois, conseguiria lhe demonstrar que sim era sua vida. O único que tinha a fazer,

se repetiu, era vingar a morte de William e possivelmente assim seria digno dela.

Chegaram a Londres e se dirigiram diretamente à casa que Alex tinha em Mayfair, onde

foram recebidos pelos membros do serviço que Reeves, o mordomo dos Fordyce, se encarregou

de contratar. Alex fez as apresentações e só levavam ali uns dez minutos quando viu que em cima

do móvel da entrada havia uma carta esperando-o.

—A trouxeram fará uma hora, milord. O mensageiro disse que era urgente — explicou a

governanta, interrompendo seu discurso sobre o menu que lhes tinha preparado para essa noite.

—Obrigado. — A abriu sem perder um segundo e notou como seus próprios dedos se

fechavam sobre o papel. Deu meia volta para se dirigir a Irene, mas ela o adiantou.

—Tem que ir — sentenciou com acerto. —Não se preocupe, pedirei à senhora Morris que

me mostre meu quarto e logo irei visitar meus irmãos.

—Te prometo que não demorarei — disse ele, apesar que sabia que não podia prometer tal

coisa.

—Faz o que tenha que fazer. — Se voltou para a governanta, que fingia não escutá-los. — E

me diga, senhora Morris, sempre prepara o assado com especiarias?

A mulher respondeu solícita, entusiasmada ao ver que a senhora da casa tinha prestado

atenção a ela, e Alex foi em busca de Casio que, segundo suas instruções, também tinha sido

transladado a seu novo domicílio.

Alex cavalgou o animal com perícia e tratou de não pensar na fria despedida de Irene, se é

que podia se chamar isso de despedida, e na conversação que tinham mantido na hospedaria

antes de partir. A pequena parte dele que conseguia manter a lógica sabia que sua esposa tinha

razão ao se sentir ofendida, mas a outra, a que era incapaz de raciocinar, queria lhe suplicar que

tivesse um pouco mais de paciência e que confiasse em seu amor.

Hawkslife lhe dizia em sua carta que Henry Tinley tinha chegado por fim a Inglaterra e que ia

passar os primeiros dias incógnito. Alex tinha muita vontade de falar com ele. Era seu melhor

amigo. Entre James e William sempre tinha havido uma química especial, e Alex tinha ficado um

pouco deslocado. Então, quando conheceu outro falcão em uma missão algo suicida, os dois se

fizeram amigos quase imediatamente e ao longo dos anos essa amizade tinha ido a mais.

Ao chegar a seu destino, quase saltou de seu cavalo e, depois de lançar as rédeas a um

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cavalariço, foi em busca de Henry e Hawkslife. Ambos o estavam esperando.

—Alex! — exclamou Henry abraçando-o. —Como te ocorreu se casar sem mim? Se não fosse

porque a noiva é Irene me zangaria muitíssimo com você.

Alex ainda recordava uma noite em que tinham bebido além da conta e tinha terminado

confessando a Henry quão apaixonado estava de uma mulher que tinha conhecido quando mal

tinha oito anos. Por sorte, Henry lhe contou depois que levava anos apaixonado por uma

misteriosa mulher a que tinha beijado uma vez em um baile de máscaras, e assim ambos se

sentiram igual de envergonhados.

—Henry! Me alegro muitíssimo de te ver — respondeu com sinceridade. —Deixa que te

olhe. —Viu que o outro sorria. —Vamos, desembucha, onde a tem feito desta vez?

—Aqui. —Henry levantou o braço esquerdo e desabotoou o punho da camisa. Depois que

lhe tatuassem o famoso falcão, o intrépido agente ficou fascinado pela arte das tatuagens e

decidiu que cada vez que levasse a cabo uma missão com êxito se daria de presente outra marca

de tinta. Não precisava dizer que Hawkslife não achado nenhuma graça na ideia, mas supôs que

todos seus agentes tinham suas manias e o deixou correr.

Alex era dos poucos que estavam a par dessa peculiaridade de Henry, excetuando às damas

de duvidosa reputação que costumavam cair rendidas a seus pés, é obvio, e costumava brincar lhe

dizendo que se seguia assim, algum dia já não teria nem um centímetro de pele sem tatuar. Desta

vez, o desenho era um pequeno dragão que adornava a parte interior do pulso de seu amigo.

—Está louco, Henry.

—E você.

—Acredito que ambos estão. Senhor Fordyce, senhor Tinley, será melhor que passemos a

meu escritório e nos ponhamos a par de tudo, não lhes parece? — perguntou Hawkslife já se

dirigindo para a porta.

—Por que tenho a sensação de que nos há renhido? — zombou Henry.

—Porque o tenho feito — respondeu o professor sem se alterar.

Os dois jovens riram e o seguiram sem pigarrear. Uma vez no escritório, Hawkslife foi o

primeiro a falar.

—Lamento ter tido que o incomodar em sua lua de mel, Fordyce — disse, os surpreendendo.

— Acredite em mim, sei pelo que está passando.

“Ah sim?”, pensaram tanto Alex como Henry, mas nenhum disse nada.

—Não o teria feito se nossos principais suspeitos não tivessem decidido retornar à cidade —

continuou o homem. — Estão algo confusos, disso não cabe dúvida; acreditam que seus sócios

franceses os abandonaram. — Sorriu. — Se soubessem que estão em uma de nossas cômodas

celas... Enfim, a questão é que estão se pondo nervosos e estamos convencidos que tratarão de

procurar algo com o que ganhar de novo o carinho do imperador francês. Graças aos documentos

de David Faraday, suspeitamos que o do roubo de armas e o do contrabando é só um capricho,

uma minúcia, que o que de verdade estiveram vendendo foram segredos.

—Antes de ir da França — começou a relatar Henry, — um de meus contatos me disse que

Napoleão estava muito interessado em obter uma lista.

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—Uma lista? — perguntou Alex.

—Sim, ao que parece alguém lhe esteve falando de um misterioso corpo secreto — explicou

Henry.

—Depois do assassinato de Miguel Montoya, seu irmão Rodrigo me enviou uma carta em

que relatava que tinham tatuado um falcão atravessado por uma flecha em seu irmão —

acrescentou Hawkslife. — Ao que parece, o tinham feito com um ferro candente, marcando-o

como a um animal.

—Deus — balbuciou Alex. Tinha coincidido com o Miguel e Rodrigo em uma ocasião e aquele

jovem não merecia morrer; e muito menos que o torturassem. Pensou em Rodrigo, no sério e

furioso que se pôs ao saber que seu irmão mais novo tinha decidido arriscar a pele por um

punhado de ingleses. Rodrigo tinha lhe parecido um homem muito inteligente e muito perigoso.

—Em Paris circula o rumor de que Napoleão está disposto a pagar muito dinheiro por uma

lista em que apareçam os nomes e a maneira de localizar a ditos agentes.

—Não existe tal lista — replicou Alex.

—Sim existe — o corrigiu Hawkslife. —Faz anos, se decidiu que para maior segurança de

todos nós, se confeccionaria um registro de todos os membros da Irmandade.

—Para nossa segurança? Mas se é quase uma sentença de morte! — exclamou Alex. —Não

se supunha que nem sequer podíamos conhecer os outros agentes? Um registro! Deus santo!

—Tem razão, Fordyce — respondeu o professor. —Eu mesmo me opus com todas as minhas

forças, mas o primeiro-ministro acreditou necessário, e há uns anos dita lista esteve em seu poder.

Segundo meus conhecimentos, só existe esse exemplar, e só sua majestade e eu podemos

modificá-la e ter acesso a ela.

—E Louva-Deus? — perguntou Alex. —Como encaixa Louva-Deus em tudo isto?

—Ao que parece, o imperador não decidiu encarregar o roubo da lista a nenhum de seus

agentes — prosseguiu Henry, — mas sim procurou a outra pessoa. Não consegui dar com ninguém

que o tenha visto, mas sim consegui encontrar alguns de seus cartões de visita. —Os estendeu a

Alex e em ambas viu o desenho dos três olhos que já conhecia. —Isso estava cravado no peito de

Claudia Rosetti, recorda? Era aquela cantora de ópera...

—Lembro dela — o interrompeu Alex, — e a outra em um soldado francês que começava a

trabalhar para nós.

—De verdade acredita que é possível que Louva-Deus ande atrás da Irmandade? —

perguntou a Hawkslife.

—Sim, acredito que é mais que possível — respondeu este, e tanto Alex como Henry se

deram conta que lhes estava ocultando algo. — A única pista confiável que temos são Casterlagh e

Rothesay.

—Alex passou as mãos pelo cabelo. — E é evidente que eles não puderam matar Claudia

nem Miguel daqui.

—Tem razão — apontou Henry. —Mas todas as minhas pistas chegavam a um beco sem

saída. Era como se o homem se desvanecesse no ar. Ninguém jamais viu; parece o próprio diabo,

ninguém o viu mas todos falam dele.

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—Por sorte para nós, o duque e o coronel se puseram nervosos — interveio Hawkslife. —

Sentou-lhes muito mal que você não tivesse o detalhe de morrer, Fordyce.

—Tratarei de fazê-lo melhor da próxima vez.

—E sei que já tentaram mandar dois correios aos homens de Napoleão lhe dizendo que têm

informação muito interessante. Embora esteja convencido que não é assim e que o único querem

é voltar a ganhar o beneplácito do imperador.

—O que propõe que façamos, Hawkslife?

—Proponho que lhes demos essa informação.

—Ficou louco! — exclamou Henry. —Já sabia eu que algum dia aconteceria.

—Não diga tolices, senhor Tinley, recordo-lhe que a ironia nunca foi seu forte. Sigamos.

Estou convencido que se Fordyce propícia um encontro com eles e lhes diz que está em posse de

dito documento, tanto o coronel como o duque o olharão com muito bons olhos.

—E como se supõe que consegui essa fantástica lista?

—Pode lhes dizer que a encontrou entre os pertences de seu irmão William. Certamente

que, com a excelente reputação deste e sua amizade com Faraday não duvidarão de que é

verdade. Quando os tiver convencido que a tem, dirá a eles que não pensa entregar a nenhum

intermediário, que quer falar diretamente com o chefe da organização.

—Louva-Deus.

—Exatamente — acrescentou Hawkslife. — Já verá como aceitam. Esses dois homens sabem

perfeitamente o valor que poderia ter essa lista. Não deixarão que uma recompensa tão grande

escape de suas mãos. Mas para evitar que ponham em dúvida suas boas intenções, deverá

convencê-los que está farto da Inglaterra e que quer fazer as malas e se instalar na França; e que

fazendo esse pequeno favor à causa francesa pensa que tem mais possibilidades de ter um futuro

prometedor em sua terra.

—Em resumo, quer que diga a eles que estou disposto a trair meu país e a abandonar a

minha mulher.

—Só se for necessário.

—É obvio. — Levantou da cadeira. —Você que fará, Henry?

—Eu ficarei aqui uns dias mais para ver se posso ajudar James com os cadernos de Faraday,

e logo, quem sabe? Talvez também termine por me casar com o amor de minha vida.

—Retorne a sua casa, Fordyce. Segundo meus informantes, o duque e o coronel vão

comparecer a uma festa esta noite, assim pode esperar a manhã. Acredito que têm previsto ir ao

Jackson's ao meio dia.

—Estarei ali.

E sem mais se despediu dos dois, mas não para ir a sua casa, a não ser para ver se dava com

Casterlagh e Rothesay e podia averiguar algo mais. Estava impaciente por acabar com tudo aquilo

quanto antes.

CAPÍTULO 29

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Ver James e Tilda animou e deprimiu Irene em partes iguais; a animou porque seu irmão e

sua cunhada estiveram muito carinhosos com ela, e a deprimiu porque sentiu uma inveja quase

ilimitada ao ver o felizes e apaixonados que estavam. James insistiu em que não se deixasse

enganar por Alex, e Tilda repetiu duas vezes que o hábito não faz o monge. Frase que, ao que

parece, fez ruborizar a seu irmão sem motivo aparente. Isabella e seu pai não estavam, tinham ido

visitar lady Juliana, uma amiga da família, então, antes de partir, Irene lhes pediu que dissessem a

sua irmã que fosse vê-la no dia seguinte sem falta.

Foi dali e retornou ao que ia ser seu lar e não a surpreendeu ver que Alex ainda não tinha

retornado. Foi a seu quarto e decidiu descansar um momento antes do jantar.

Ficou olhando o teto, pintado de uma tênue cor azul clara que parecia o céu; o delicado

papel, estampado com diminutos pardais, contribuía para causar dito efeito. A governanta lhe

contou que o próprio lorde Wessex o tinha escolhido, algo que Irene não conseguia acreditar.

A moça destinada a ser sua donzela se chamava Doris, e era jovem e muito serviçal. Já tinha

posto em ordem todas suas coisas e tinha pendurado todos seus vestidos no vestidor. Nesse

preciso instante, bateu na porta.

—Senhora — disse a garota, — lorde Wessex ainda não chegou. Quer que lhe prepare um

banho antes do jantar?

—Sim, Doris, muito obrigado. —Talvez a água quente conseguisse fazê-la entrar em calor,

porque estava claro que Alex não pretendia sequer tentar.

Ao terminar o longo banho, se vestiu com um vestido de seda verde e baixou a sala de

jantar. A senhora Morris tinha organizado um jantar magnífico e a mesa estava servida como se

fosse receber a dois monarcas.

—O senhor chegou? — perguntou Irene, tratando de aparentar que era o mais normal que

não soubesse se seu marido estava ou não em casa.

—Não, senhora — respondeu o mordomo. —Vai esperar por ele?

Irene ia dizer que sim, mas de repente viu si mesmo ali sozinha, vestida para um homem que

nem sequer se incomodou em chegar a tempo para jantar com ela, e sentiu que seus olhos

enchiam de lágrimas.

—Não, na realidade não. Importar-se-ia de me desculpar com a senhora Morris e pedir a ela

que me prepare uma bandeja? Jantarei em meu quarto — informou ao homem. E logo

acrescentou para se justificar: — Ainda estou muito cansada da viagem.

—É obvio, senhora.

Irene não esperou que ele terminasse de lhe fazer a reverência e saiu dali como se lhe

faltasse o ar. Chegou a seu quarto e disse a Doris que estava esgotada e queria descansar. A

donzela a ajudou a vestir a camisola e a bata e se despediu dela desejando que melhorasse. Irene

lhe sorriu, mas quando ficou a sós, se pôs a chorar. Poucos minutos mais tarde, lhe subiram algo

de comer, mas ela se limitou a comer uns pequenos bocados e a devolver a bandeja quase intacta.

O melhor seria que se deitasse.

Alex retornou a sua casa cansado e frustrado. Hawkslife tinha razão, tanto o coronel como o

duque tinham comparecido a uma festa essa noite. Esta se celebrava na casa da velha matrona

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lady Osborne, onde Alex não podia entrar sem estar convidado. Esperou até que ambos se foram

da mansão, e logo os seguiu até um botequim, mas ali tampouco teve sorte, pois os dois

desapareceram em seguida com as garçonetes.

Em sua própria casa as coisas não melhoraram muito. Seu recém adquirido mordomo o

fulminou com o olhar e o informou que a senhora tinha comido sozinha em seu quarto, mas que

se ele queria podiam lhe servir algo na sala de jantar. Alex declinou o oferecimento e correu para

ver Irene. Abriu a porta sem chamar e encontrou a estadia às escuras, com sua esposa

aconchegada na cama. Fechou a porta com sigilo, se sentindo ainda mais desgraçado que antes, e

foi se trocar. Seu quarto era contiguo ao dela, mas Alex tinha a sensação de que os separavam

milhares de quilômetros. Já preparado para dormir, se deitou, mas foi incapaz de conciliar o sono.

Horas mais tarde, farto de dar voltas e de sentir falta de Irene, se levantou e foi a seu quarto. Sem

fazer ruído, deitou ao lado dela e a abraçou, e ao sentir que ela se aconchegava contra ele, por fim

pôde descansar.

Igual à noite da hospedaria, horas antes do amanhecer Alex e Irene fizeram amor, e também

igual a essa noite, em seus beijos e carícias havia desespero.

—Mi... — ia dizer ele quando estava a ponto de alcançar o orgasmo, mas ela colocou um

dedo nos lábios e o silenciou.

Até então, Alex não entendeu o difícil que ia ser não a chamar “mim vida”, e muito mais

naqueles momentos nos que, em sua mente, essas palavras equivaliam à declaração de amor que

no momento não podia fazer. Mas Irene o tinha pedido e ele não teve mais remédio que respeitá-

lo. Apertou os dentes uns segundos, olhando-a aos olhos, e justo a beira do abismo a beijou sem

trégua. Tinha lhe proibido que a chamasse “minha vida”, mas não que lhe entregasse a alma com

seus lábios.

Quando Alex despertou, Irene já não estava a seu lado, e quando baixou a sala de jantar, o

informaram que sua esposa tinha tomado o café da manhã muito cedo com sua irmã, e que logo

tinham decidido ir dar um passeio. Alex chegou à conclusão de que despertar só era quase pior

que dormir sozinho, e decidiu partir para o Jackson'S.

Apesar do péssimo despertar que teve, sem poder ver Irene nem um segundo só antes que

se fosse, o dia de Alex mudou de rumo quando chegou ao famoso clube para cavalheiros. Mal

estava ali a meia hora quando Sheridan, o filho do duque, apareceu, e se aproximou o saudando

efusivamente.

—Fordyce! — exclamou, lhe estendendo a mão. — Onde diabos tinha se metido? É verdade

isso de que se casou?

—É. — E fiel a seu guia continuou: —Já sabe como são as coisas. Meu pai e o barão

Bosworth virtualmente nos obrigaram. Na realidade, não havia para tanto.

—Poderia ter sido pior. Irene Morland parece um cubo de gelo, mas não cabe dúvida que

mais de um nós gostaríamos de fundi-la.

Alex flexionou os dedos para evitar cair na tentação de lhe dar um murro pelo comentário.

—Mudando de tema — prosseguiu Sheridan, — meu pai anda te buscando. Acredito que ele

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e o coronel Casterlagh queriam te falar de um investimento.

“Seguro”, pensou Alex:

—Também me interessaria muito vê-los, sabe onde poderia encontrá-los?

—Aparecerão a qualquer momento.

E, em efeito, ao cabo de poucos minutos, ambos os cavalheiros entraram no clube. Se o

coronel e o duque se surpreenderam ao ver o Alex vivo, nenhum o deixou entrever, mas ele

preferiu não andar com rodeios e ser o primeiro a atacar:

—Coronel Casterlagh, sua graça — saudou os dois.

—Lorde Wessex — respondeu o duque, retornando a formalidade que tinham perdido em

seus últimos encontros. —Me alegra ver que está bem. Não tínhamos notícias suas desde a festa

de lorde Redford.

—Assim é, e não sabe quanto lamento. — Alex fez gestos a um dos empregados do clube

para que se aproximasse e os servisse. — Sofri um pequeno percalço e tive que ir sem avisar.

—Nada grave, espero.

—Não, não se preocupe — respondeu ele, olhando ao coronel aos olhos. — Só uma leve

intoxicação.

—Me alegra ouvi-lo — disse o duque, e logo mudou de tema. — Se não me equivoco, temos

que o felicitar por seu recente matrimônio.

—Obrigado. —O pelo de Alex se arrepiou ao escutar a frase. Não queria que Irene tivesse

nada a ver com aqueles dois traidores. —O casamento foi um pouco precipitado, mas por sorte já

volto a ter plena disposição de meu tempo, e me dei conta que a pátria mãe não me senta nada

bem.

—Ah, não? — perguntou o coronel.

—Não. Chove muito, muita gente fiscaliza meus gastos, e digamos que meu recém adquirido

status marital não me convence. Pensei que gostaria muito de fazer uma viagem. Uma longuíssima

viajem.

—Tem algum destino em mente? — Desta vez o duque expressou a dúvida.

—Depende.

—Do que? — perguntou o coronel.

Tinham picado o anzol e agora precisavam satisfazer sua curiosidade, assim decidiu se

arriscar, embora primeiro se assegurou que Sheridan não pudesse ouvir o resto da conversação

antes de continuar.

—Do dinheiro que receba em troca de certa informação muito valiosa.

—Cavalheiros — disse o duque com severidade, — acredito que deveríamos seguir esta

conversação em um lugar mais tranquilo. Não lhes parece?

—É obvio.

Os três se dirigiram para um dos salões privados do clube.

—De que informação está falando? — perguntou Rothesay ao fechar a porta, como se já não

pudesse se aguentar mais.

—E a quem quer vender. O coronel cravou o olhar de seu único olho nos dois de Alex. —E

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por que nos conta isso precisamente agora?

Alex se sentou em um sofá e tirou um charuto. Ele não estava acostumado a fumar, mas

tinha a teoria de que essa pose beneficiava a seu personagem.

—Acredito que chegou o momento de sermos sinceros. Vocês dois sabem tão bem como eu

que não tenho nenhuma vontade de ficar aqui e ser o seguinte conde de Wessex. E; pelo que me

contaram sobre seus investimentos — os olhou aos olhos antes de acrescentar, — é óbvio que sua

principal fonte de ganhos se encontra em chão francês.

—No que está pensando? — perguntou o duque.

—Chegou a meus ouvidos que vocês estão interessados em certa lista.

—Isso acredita? — Casterlagh arqueou uma sobrancelha.

—Isso acredito, e sei onde podem consegui-la.

—E por que deveríamos confiar em você? A última vez que o vimos, o duque e eu íamos ficar

com uma formosa e virginal cigana, e de repente a moça se esfumou no ar.

—Sim, e eu me indispus... de repente. — Suas palavras deixavam claro que sabia que seu

envenenamento tinha sido coisa deles. —Mas bom, suponho que agora que voltamos a ser amigos

tudo está esquecido, não?

—Me diga, Fordyce, como está tão seguro de que a informação que possui pode ter certo

valor?

Ele se serviu uma taça e bebeu devagar. Agora não podia se apressar, aqueles dois homens

eram traidores, mas não idiotas.

—Entre os pertences de meu irmão mais velho encontrei vários cadernos — começou. —A

maior parte não continha nada interessante, então os descartei. Mas depois de falar com o pai de

David Faraday pensei que possivelmente eu tinha passado algo por alto e voltei a dar uma olhada.

O único que captou minha atenção foi uma página em que se mencionavam certos nomes. — Ele e

Hawkslife tinham forjado uma história verossímil e tinha que se ater a ela. — Mesmo assim, não

lhe fiz muito caso, mas depois do incidente na festa de lorde Redford, comecei a investigar um

pouco — fez uma pausa, — e digamos que alguns dos valentões que trabalham para vocês são

bastante faladores.

—Vá, Fordyce — disse Casterlagh, — já dizia eu que não era tão inocente como parecia.

—Obrigado, coronel. Eu gosto de acreditar que sou um homem prático. Teria ido vê-los

antes, mas com o casamento me foi impossível. E tampouco sabia se já tinham retornado à cidade.

—Nos entretivemos um pouco no campo — explicou o duque. — Antes de seguir com esta

conversa eu gostaria de ver a lista. Não quero que volte a haver mal-entendidos entre nós.

—Tal como disse antes, sua graça, me considero um homem prático, e jamais me ocorreria

sair de casa com uma informação tão valiosa em cima. Mas não se preocupe, quando chegarmos a

um acordo, estarei encantado de mostrar.

—Que tipo de acordo tem pensado? E como podemos saber que não está nos enganando?

—Desta vez foi o coronel o que expressou suas dúvidas.

—Quero quinhentas mil libras e o compromisso do imperador de que poderei me instalar

em chão francês sem nenhum problema. E quero conhecer o homem que dirige os fios.

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—Para que?

Alex se esforçou para não sorrir. Nem o duque nem o coronel tinham negado a existência de

alguém da fila superior.

—Para lhe oferecer meus serviços, para que se não? — Soube que com essa frase tinha

conseguido convencer definitivamente aos dois homens. — Pelo que tenho descoberto estes

últimos dias, trair à pátria mãe resulta muito lucrativo.

—E o que fará com sua recente esposa?

—Isso não é assunto seu, mas responderei de todos os modos. Não tenho intenção alguma

de ficar aqui e brincar de casinha. Eu retornarei a França para viver a vida, e minha esposa ficará

aqui para seguir com a sua. Não será nem a primeira nem a última mulher casada que vive a

centenas de quilômetros de seu marido, e sempre e quando for discreta com suas aventuras, eu

não me oporei a manter a farsa. — Bebeu um gole para ver se assim conseguia fazer retroceder a

arcada que sentiu ao dizer toda essa fileira de mentiras.

—Necessitaremos uns dias para organizar o encontro.

—Não demorem muito — disse Alex, — estou impaciente por voltar para a França, e com os

tempos atuais certamente não me custaria muito encontrar a um comprador mais ágil.

Casterlagh e Rothesay intercambiaram um olhar.

—Dentro de uma semana — disse o coronel. — Já lhe confirmaremos o lugar e a hora

exatos. Tenha a lista a ponto, Fordyce.

—É obvio. — Se levantou e puxou os punhos da camisa. — Foi um prazer falar com vocês,

cavalheiros. — Fez-lhes uma leve reverencia e saiu dali, ansioso por retornar a sua casa.

—O que opina? —perguntou o duque ao coronel.

—Acredito que cometemos um engano ao subestimar Fordyce.

—Colocou bem o emplastro do olho. — Ao que parece, nem todos os amigos de seu filho

são uns tarados.

—Isso parece. Acredita que de verdade tem a lista?

—É provável. Já sabe que sempre suspeitou que William Fordyce era um espião.

—Sei, mas tem que reconhecer que para ele todo inglês respeitável e minimamente heroico

é um espião. Está obcecado com eles.

—Você também o estaria se tivesse passado pelo que ele passou.

—Às vezes penso que está louco — comentou Rothesay. —Não resta dúvida que está

obcecado. Com todo o dinheiro que chegou a ganhar, e com a quantidade de homens, e mulheres,

que eliminou em seu caminho, deveria se sentir mais que satisfeito.

—A verdade é que me importa muito pouco a saúde mental de nosso autodenominado líder

— replicou o coronel. — Eu me meti nisto por dinheiro; perdi um olho tratando de defender este

maldito país e o único que recebi em troca foi uma miserável pensão.

—Sei, mas como muito bem disse, a estas alturas todos ganhamos muitíssimo dinheiro.

Talvez tenha chegado o momento de deixá-lo.

—De deixá-lo? Não me dirá que ao final resulta que tem escrúpulos, Rothesay?

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Irmandade do Falcão 01

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—Nada tão mundano, nem muito menos. Mas se de verdade existe um corpo secreto de

espiões a serviço da Coroa e há uma lista com todos esses nomes, não acha que isto poderia ser

mais perigoso do que acreditam?

—Talvez deveríamos vigiar Fordyce de perto. — Casterlagh ficou pensativo durante uns

segundos. —Manda uma mensagem a França para lhe pôr a par de tudo. Se estiver tão obcecado

com a lista como supomos, seguro que poderemos subir o preço.

—Não deveria lhe provocar, nunca esqueça que para ele não somos seus amigos, nem

sequer somos seus sócios. Nos utiliza, e se acreditar que já não lhe somos úteis, ou que o estamos

enganando, não duvidará em nos eliminar.

—Sei — respondeu o coronel. — Mas ele tampouco, deveria esquecer que eu matei com

minhas próprias mãos, e que não duvidarei em voltar a fazê-lo se acreditar que meu futuro corre

perigo. Já perdi um olho, não perderei a fortuna que tanto me custou amealhar. Nem por ele, nem

por todos os garotos ingleses que se acreditam capacitados para brincar de espiões.

—Será melhor que primeiro nos asseguremos que Fordyce está tão disposto a trair seu país

como diz, e logo deveríamos nos pôr em contato com os emissários de Napoleão. É como se

tivessem se esfumado da capa da Terra, e alguém tem que nos pagar todas essas armas que temos

armazenadas.

—Você se ocupe de encontrar aos franceses e de mandar a carta a França, e eu me

encarregarei de Fordyce. Se esse energúmeno pretende nos enganar terá uma grande surpresa.

CAPÍTULO 30

Antes de retornar a sua casa, Alex foi visitar Robert e Eleanor. Não tinha visto seus irmãos

desde as bodas e queria se assegurar que estivessem bem. Algo no comportamento de Casterlagh

e Rothesay o tinha deixado intranquilo. Não tinha nenhuma dúvida de que esses dois homens

fariam mal a qualquer que se interpusesse em seu caminho. Ao entrar, Reeves o surpreendeu lhe

dando um abraço, embora se afastou em um abrir e fechar de olhos, tão depressa que Alex

chegou a duvidar que tivesse acontecido.

—Felicidades, senhor — disse o homem com uma leve reverencia. —Sempre pensei que a

senhorita Irene e você faziam muito bom casal.

—Obrigado, Reeves, acredito que é o primeiro que não insinua que ela deveria ter casado

com William.

—Se me permitir, senhor — o ancião o olhou aos olhos, —acredito que o senhor William não

estava em disposição de se casar com ninguém.

—Já, ouvi isso. — Alex pigarreou e hesitou uns segundos antes de prosseguir: — Conheceu

Marianne? Segundo o que me contou minha esposa, William e a senhorita Ferras tinham uma

relação muito estreita.

—Sim, conheci a senhorita Ferras. É uma lástima que ainda não tenha retornado da França.

—Eu gostaria de conhecê-la, assim talvez... — Lhe fez um nó na garganta e o mordomo o

ajudou lhe evitando terminar a frase:

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—Seus irmãos estão na biblioteca — disse. — O senhor Robert está obcecado em encontrar

uma novela que a senhorita Grei lhe pediu.

Alex sorriu. Ao que parece, a professora com aspecto de amazona tinha impactado

muitíssimo a seu irmão mais novo.

—A senhorita Eleanor o está ajudando.

—Obrigado, Reeves. Não precisa me acompanhar, assim lhes darei uma surpresa.

Apenas uns segundos mais tarde, Alex entrou na biblioteca e viu que o mordomo tinha

descrito a situação com total exatidão: Robert estava repassando com o olhar todas as estantes e

Eleanor estava a seu lado, o olhando como se ele estivesse louco.

—Robert, eu já disse mil vezes que não temos esse livro de sonetos.

—É impossível. Mamãe tinha a coleção completa de Shakespeare, estou seguro.

—Tinha, mas acredito que William levou o livro.

—William? Um livro de sonetos? Para que o ia querer?

—Não sei. — O olhou aos olhos com picardia. —Talvez esse livro o fizesse pensar em

alguém. Talvez estivesse tão tolo como você o está agora.

—Eu?

—Você.

—Não sei a que se refere.

—Olá. — Alex decidiu interromper antes que seus dois irmãos começassem a discutir por tal

tolice.

—Alex! —Eleanor correu a seus braços. —Não sabia que tinham retornado. Onde está Irene?

Não veio com você?

—Não, acredito que foi ver sua irmã, mas estou convencido que logo passará para vê-los.

Que livro está procurando, Robert?

—Um de sonetos de Shakespeare — respondeu seu irmão, enigmático.

—E desde quando te interessa a poesia?

—Está bem, me rendo. —Olhou para Eleanor e Alex. —Charlotte, a senhorita Grei, me

perguntou se podia emprestar a ela.

—Eu sendo você iria comprar uma edição nova. Se Eleanor diz que não o temos, é por que

não o temos. Nossa irmãzinha tem uma memória prodigiosa, então duvido que o encontre aqui.

—Tem razão, logo irei comprar um. — Agora que Eleanor se afastou, se animou a abraçar a

seu irmão mais velho. — Me alegro de voltar a te ver. Não me atreveria a dizer que você parece

feliz, mas sim que parece disposto a tentar.

—Ainda não. — O olhou aos olhos. —Embora agradeço o voto de confiança. Falou com

Tinley?

—Henry está aqui? — perguntou Eleanor. —Não sabia que tinha retornado da Itália.

—Muita gente não sabe, temo que não tem intenção de visitar sua família. Nem de ficar

muito tempo. E agora que penso nisso, como sabia que estava na Itália?

—Não sabia — respondeu Eleanor com muita rapidez. —Sabia que estava no continente, e

disse a Itália por dizer algo. Foi casualidade.

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—Claro. — Nem Alex nem Robert acreditaram naquela explicação, mas o mais velho dos

Fordyce tinha muitos problemas para pensar nisso então. — Onde está papai? Eu gostaria de vê-lo

antes de ir.

—Em seu escritório — respondeu Robert. — Se alegrará de te ver. Ultimamente passou

muitas horas com o barão e os ouvi mencionar seu nome em um par de ocasiões.

—Com certeza estava me amaldiçoando.

—Justamente o contrário. — Seu irmão pôs uma mão em seu ombro. — Vá, mas eu gostaria

de falar com você logo, antes que fosse.

—É obvio. — Se aproximou da Eleanor e lhe deu um beijo na bochecha. —Posso te pedir um

favor, irmãzinha?

—Já sabe que sim.

—Se vir Irene... — notou que se ruborizava, — e... te conta algo...

—Alex, se Irene me contar algo, não o direi a você. É uma de minhas melhores amigas, e

jamais trairia sua confiança. — Viu que ele se sentia envergonhado por ter tratado de lhe pedir tal

coisa. —Mas te prometo que a escutarei e lhe oferecerei todo meu carinho; e lhe direi que confie

em você igual a eu sigo fazendo.

—Obrigado — disse sincero e emocionado. — Irei ver papai.

Saiu da biblioteca e cruzou o corredor em direção ao escritório do conde. Nesse escritório,

Alex tinha descoberto a seus pais se beijando em mais de uma ocasião e se perguntou se ele teria

a mesma sorte; se algum dia um de seus filhos, ou filhas, interromperia um dos beijos de Irene.

Bateu na porta e ao ouvir a voz de seu pai entrou sem mais.

—Alex — disse o homem se levantando. —Não sabia que tinham retornado. — Se

aproximou dele e estendeu a mão. — Me alegro que esteja aqui. E Irene?

—Foi visitar sua família, suponho que virá mais tarde — respondeu.

—Vai tudo bem? —Ao que parece, agora que seu pai tinha decidido lhe dar uma

oportunidade, parecia capaz de ler sua mente com a mesma facilidade que quando era um guri de

doze anos. — Parece preocupado.

—Estou — respondeu, com uma sinceridade que inclusive surpreendeu a ele mesmo.

—Posso te ajudar em algo?

—Aonde foram mamãe e você na lua de mel?

—À costa — respondeu o conde um pouco desconcertado. — Sua mãe queria passar uns

dias no mar, e eu, bom, já sabe que não podia negar nada a ela. Por que?

—Eu não pude levar a Irene de lua de mel.

—Tranquilo, já o fará mais adiante, quando tiver resolvido todas as suas coisas. —Viu que

seu filho arqueava uma sobrancelha e apertava os punhos. —Tranquilo, não sei nada, embora

nestes últimos dias estive revisando todas as transações e mudanças que você esteve fazendo nas

propriedades da família desde sua volta e... te devo uma desculpa.

—Uma desculpa?

—Vamos, Alex, enquanto eu acreditava que o único que te interessava era comparecer a

festas e ir a todas as casas de apostas da cidade, você se ocupou de resolver várias questões

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importantes. E não só não me disse nada, mas também além disso deu instruções para que me

ocultassem isso. Tão mau teria sido que soubesse que meu filho tinha retornado de verdade?

—A verdade é que não sei.

—Alex, não sou idiota. Dói-me que não tenha acreditado em mim o suficiente para me

contar a verdade. — Respirou fundo. — E me dói muitíssimo que ainda não me conte isso, mas tal

como disse, estou disposto a esperar.

—Obrigado, papai. — O olhou aos olhos. — Prometo que lhe contarei tudo logo.

—Desde o começo?

—Desde o começo.

—De acordo. E agora, vejamos, o que é que o tem tão preocupado?

—Necessito que me repudie frente a todos nossos amigos e na câmara dos lordes. Necessito

que toda a Inglaterra acredite que sou um homem sem escrúpulos, capaz de trair a seu país e a

sua família. Capaz inclusive de abandonar à mulher que ama.

Charles o olhou aos olhos e viu o muito que lhe estava custando dizer isso.

—De acordo, Alex, você sempre gostou de fazer as coisas difíceis, mas como dizia sua mãe,

você é o guerreiro da família.

—Obrigado, papai. Senti sua falta.

O homem o abraçou emocionado.

—E eu a sua, Alex. Vamos, acredito que conheço o lugar exato no que montar uma cena. Me

acompanhe ao White's, com certeza se discutirmos ali, seu plano ficará em marcha em questão de

segundos.

Ambos saíram do escritório, mas antes de abandonar a mansão contaram a Robert o que

iam fazer e este se ofereceu para ajudar. Alex ia se negar, pois seu irmão mais novo parecia estar

seguindo seus passos, e isso era algo que ele queria evitar a todo custo. Embora se Robert

também os acompanhava, a representação seria ainda mais dramática. Resignado a aceitar sua

ajuda, mas de uma vez decidido a tirar da cabeça dele seus planos de se converter em espião, Alex

se dirigiu com ele e seu pai ao clube de cavalheiros onde os três tiveram uma discussão que sem

dúvida passaria à história.

O conde esteve muito convincente. Com certeza os anos anteriores nos que os sentimentos

expressos tinham sido reais, foram de ajuda. E Robert se comportou como o perfeito irmão

ofendido, chegando inclusive a lhe atirar uma taça de muito caro conhaque à cara. Alex, que

estava muito versado nessas lides, zombou deles e de sua vida com sarcasmo e cinismo, deixou

claro que queria ir embora dali e que estava farto de que controlassem todos seus movimentos.

Como expediente final, se foi do clube os deixando com a palavra na boca e insultou a um par de

cavalheiros que cruzaram em seu caminho. Meia hora mais tarde, e sentado na solidão do salão

de sua casa, Alex pensou no muito que lhe custaria arrumar tudo aquilo quando pudesse voltar

para sua vida normal. Se é que o conseguia, claro está.

Irene passou o dia com sua irmã e seu pai, e tudo parecia ir bem até que Procter, o

mordomo, anunciou a chegada de lorde Crompton. Irene não tinha visto Richard desde aquela

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festa na casa dos duques de Lancaster em que Alex a beijou, e não estava do todo segura de como

teria recebido a notícia de seu casamento. Lorde Crompton era acima de tudo um cavalheiro, e

certamente tinha ido felicita-la.

—Boa tarde, lorde Crompton — saudou George, o pai de Irene, ao vê-lo entrar. — Como

está sua mãe?

—Bem, obrigado. — Estreitou-lhe a mão e olhou a seu redor. — Poderíamos falar a sós?

Tanto o barão como suas filhas estranharam que não tivesse saudado as moças. Não era

próprio de lorde Crompton se comportar dessa maneira.

—Ocorre algo, Richard? — perguntou Irene.

—Irene, perdão, lady Wessex. — A olhou uns instantes. — Não, não ocorre nada.

—Você nunca soube mentir, Richard. O que acontece? — perguntou ela.

Richard respirou fundo e optou por lhes contar o motivo de sua visita.

—Esta tarde estava no White's tomando uma taça com lorde Claybourne.

—Como está o bom do Griffin? Faz muito que não o vejo — interrompeu George.

—Bem. — Richard pigarreou. — Lorde Claybourne estava me cantando os louvores do novo

semental que comprou quando chegou o conde de Wessex e seus dois filhos — olhou para Irene,

— Alex e Robert.

—Alex estava no White's com seu pai e seu irmão? — À jovem resultou impossível ocultar

sua surpresa.

—Estavam tomando uma taça, e quando ia me levantar para ir saudá-los e felicitar a lorde

Wessex por seu enlace, os três começaram a discutir. — Fez uma pausa e quando voltou a falar se

dirigiu só a Irene. — Não sabia que estava aqui, vim com a intenção de contar o que tinha ouvido a

seu pai para que ele fizesse o que acreditasse conveniente. Não quero te machucar, e acredito que

ou me corresponde te revelar toda esta sórdida história, então talvez será melhor que vá.

—Não, Richard. Agradeço sua preocupação, mas nos conte o que viu — insistiu ela.

—Está bem. — Centrou de novo sua atenção no barão de Bosworth. — Lorde Wessex e seu

filho mais velho começaram a discutir sobre certos assuntos financeiros. Ao que parece, o conde

não está disposto a seguir financiando seus esbanjamentos. Intercambiaram palavras muito duras,

e Robert inclusive jogou o conteúdo de uma taça em seu irmão. Finalmente, lorde Wessex

repudiou publicamente a Alex, ali, diante de todo mundo, e este disse que lhe dava igual, que o

único que queria era ir embora da Inglaterra e retomar sua vida na França.

As pernas de Irene tremeram e teve que se sentar para não cair.

—Está seguro que disse isso, lorde Crompton? — perguntou George. O barão estava

convencido de que tudo fazia parte da missão para apanhar Louva-Deus, mas tinha medo de que

se Alex resultava muito convincente ao final tivesse que ir para a França de verdade e destroçasse

para sempre o coração de sua filha.

—Sinto muito, lorde Morland, mas estou muito seguro. Lorde Claybourne e eu estávamos a

apenas dois metros deles. Nossa mesa estava justo atrás de Alex, e seu pai, o conde, podia nos ver

perfeitamente. Nunca gostei de mexericar — continuou, e todos sabiam que era certo, — mas vim

aqui para lhe avisar. White's estava repleto de gente, e com certeza o rumor já está circulando por

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toda Londres. Queria que soubesse.

—Não se preocupe, lorde Crompton.

Richard viu que a jovem tinha empalidecido e que sua irmã Isabella estava sentada a seu

lado, lhe dando a mão.

—Sinto muito ser portador de tão más notícias, Irene. Não sabia que estaria aqui. — Se

aproximou dela. — O que vai fazer?

Ela levantou a vista, jurando a si mesma não chorar, e lhe respondeu:

—Não sei. Suponho que retornarei a minha casa e falarei com Alex.

Richard assentiu.

—Se posso fazer algo por você, só tem que me pedir. Não precisava que lhe dissesse que se

seu marido a abandonava ele a ajudaria com o processo de anulação. Nem tampouco que estaria

disposto a se casar com ela depois do escândalo.

—Se não se importar, lorde Crompton, agora lhe pediria que nos deixasse a sós — pediu o

barão. —Acredito que minhas filhas e eu temos muito do que falar.

—É obvio. — Richard fez uma reverência a ambas e, depois de se despedir de lorde Morland,

abandonou a casa.

O som da porta ao se fechar marcou o início das lágrimas de Irene. Alex não a amava. Queria

retornar a França e seguir com sua vida. Só tinha se casado com ela para não destroçar a

reputação de suas respectivas famílias. Sentiu que a abraçavam e se agarrou a esses braços entre

soluços dilaceradores.

—Papai, por que? — perguntou, — por que?

O barão a abraçou como quando era pequena e lhe sussurrou ao ouvido:

—Tranquila, já verá como tudo se arruma.

Enquanto isso, Isabella correu para pedir que lhes preparassem um pouco de chá e ato

seguido retornou a seu lado e acariciou seu cabelo.

—Irene, talvez tudo seja um engano, um mal-entendido.

—Não, não há nenhum engano — respondeu esta ao se afastar de seu pai. — Não é um mal-

entendido.

—Irene, já verá como tudo se arruma — insistiu George. — Retorna a casa e fala com Alex.

Eu irei ver Charles, certamente isto não é o que parece.

—Papai, Isabella, agradeço muito que tratem de me animar, mas — suspirou, — o melhor

será que assuma a realidade quanto antes. — Levantou e passeou pela sala, nervosa. — Se Alex

quer retornar a França, não tratarei de impedir. Talvez assim, ao menos um dos dois será feliz. —

Caminhou um pouco mais. — Faz uns dias despertei antes do amanhecer. — Explicou sem olhá-los

à cara, — ele ainda estava dormido e tratei de me levantar da cama. Me abraçou com tanta força

que desisti e voltei a me deitar. Segundos mais tarde, me deu um beijo na nuca e sussurrou:

“Minha vida, não me deixe”. Dei meia volta e vi que seguia dormindo — lhe escapou um soluço, —

e pensei que talvez algum dia poderíamos chegar a ser felizes juntos. Pensei — outro soluço —que

algum dia me diria o mesmo estando acordado. — Secou as lágrimas. — Mas agora me dou conta

que é impossível. — Se inclinou e beijou a seu pai na bochecha e também a sua irmã. —Tenho que

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ir.

Nenhum dos dois tratou de detê-la e pela janela, o barão viu como sua filha mais velha

entrava na carruagem que Procter tinha mandado chamar. Convencido de que atrás da discussão

entre Alex e lorde Wessex tinha algum motivo, se despediu de Isabella e foi visitar seu melhor

amigo.

Irene chegou a sua casa e sem perder nem um segundo, temerosa de que se o fazia a

coragem a abandonasse, se dirigiu ao salão, onde o mordomo tinha dito que se encontrava seu

marido. Abriu a porta sem chamar, decidida a soltar toda a raiva e a dor que levava dentro, mas o

que viu a deixou sem fala. Alex estava de pé junto à chaminé, de costas a ela, com a testa apoiada

contra a parede e os olhos fechados. Tinha as mãos em cima do suporte e agarrava o mármore

com tanta força que seus nódulos tinham ficados brancos. Parecia estar furioso e triste ao mesmo

tempo, e quando afastou um pouco a cabeça para logo voltar a descansar a testa no mesmo lugar,

o coração de Irene deu um tombo. Aquele homem não parecia um irresponsável disposto a subir

ao primeiro navio que partisse para a França, pelo contrário, era alguém que parecia cansado e

preocupado. Muito preocupado. E sozinho.

—Alex — pronunciou seu nome em voz baixa, quase sem se dar conta.

Ele deu meia volta e a olhou inacreditado, demorando uns segundos a reagir e recuperar a

atitude a que ela estava acostumada.

—Irene — pigarreou, — que tal estão seu pai e sua irmã?

Aproximou-se dele e o olhou aos olhos.

—Temos que falar. — Antes que lhe desse alguma desculpa, acrescentou: —Sei o que

aconteceu no White'S. —Ao vê-lo arquear uma sobrancelha, explicou-lhe: —Lorde Crompton foi

ver meu pai para contar-lhe.

—Richard. —Alex apertou os punhos. — Faltou-lhe tempo — balbuciou em voz baixa.

Tinha vontade de estrangular ao bom lorde Crompton com suas próprias mãos, mas se

obrigou a pensar com mais calma. Ele e Hawkslife tinham estado falando do papel que Irene podia

desempenhar em toda aquela trama. Seu professor tinha insinuado que possivelmente tinha

chegado o momento de contar a verdade a ela, mas Alex se negou. Sabia que Irene era muito

nobre e valente para ficar de lado, e com certeza insistiria em lhe ajudar. Não, o melhor seria que

se mantivesse afastada dele, e quando tudo terminasse, se é que terminava, não descansaria até

dar com o modo de recuperá-la.

—Alex — disse ela, o que passou? É verdade o que lorde Crompton me disse?

—O que te disse? — perguntou ele à defensiva.

—Que você discutiu com seu pai e seu irmão.

—É certo.

—Que seu pai o repudiou — prosseguiu, o olhando ainda aos olhos.

—Isso também é certo.

—Que quer retornar a França para seguir com sua vida. Sozinho.

Lhe sustentou o olhar e amaldiçoou ao destino por colocá-lo nessa situação pela segunda

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vez na vida. Anos atrás, já tinha tido que olhá-la à cara e lhe dizer que não a amava. Agora ia ter

que lhe mentir de novo.

—Sim, isso também é certo.

Nesse instante, Irene acreditou morrer; sentiu como seu coração parava durante uns

segundos para logo seguir pulsando sem vontade. Ia dar meia volta e sair dali para sempre,

quando se deu conta que as mãos que seu marido tinha caídas a ambos os lados do corpo,

estavam tremendo. Piscou para eliminar o esforço de lágrimas que tinham ameaçado se derramar

e o observou atentamente. Tinha o olhar fixo nela, mas em seus olhos não havia desprezo nem

aborrecimento, a não ser dor e algo mais, algo pelo que de repente Irene soube que valia a pena

lutar. Olhou sua mandíbula apertada e viu vibrar um músculo nela; Alex estava mentindo.

—Não acredito em você — ela disse desafiante.

—É a verdade — insistiu ele, mas para evitar cair na tentação de lhe confessar os

sentimentos que transbordavam de seu coração, se encaminhou para a janela que dava ao jardim

e ficou ali de pé, olhando fora.

Esse gesto convenceu ainda mais a Irene de que Alex não só estava mentindo, mas também

além disso estava sofrendo. Ela jamais se considerou muito valente, mas uma força inusitada

encheu sua alma e decidiu que ia fazer tudo o que fosse necessário para derrubar o muro que seu

marido tinha erguido a seu redor.

—Entendo — disse. —Não me quer. — Passeou pelo salão, se detendo cada dois passos para

continuar falando. — Quer retornar a França para seguir com sua vida. — Viu que ele assentia e

seguiu com seu plano: — Então, suponho que quererá anular o casamento, não? — A mão de Alex

voltou a tremer. Perfeito. — E suponho que não se importará que eu refaça minha vida com outro,

afinal, se não me quer, com certeza não se importará.

Se colocou atrás dele e, ao vê-lo esticar as costas, reuniu a coragem que lhe faltava para dar

um passo mais. Os separavam escassos milímetros. Irene podia ver como a pele da nuca de Alex

começava a se empapar de suor e soube que ele não só estava mentindo, mas também estava

começando a se excitar. Ainda era muito inexperiente no que se referia a esse tema, mas estava

convencida que o que ela e Alex sentiam estando juntos não era tão habitual. E se isso era o único

que conseguia que seu marido reconhecesse ia se conformar com isso, ao menos no momento.

—Te dará igual que outro homem me acaricie. —Levantou uma mão e lhe percorreu o rosto

e o pescoço com a ponta dos dedos. — Te dará igual que outro me beije. — Deslizou os dedos

pelos botões da camisa de Alex e sentiu como o coração dele se acelerava. —E que me faça

estremecer de prazer. — Graças a Deus, seu marido não podia ver quão ruborizada estava, então

se atreveu a deslizar a mão até a entreperna dele. — Te dará igual que outro homem me ensine

tudo o que significa a paixão. — Ia afastar a mão, mas ele agarrou seu pulso e a deixou onde

estava. —Se tudo isso te der igual, por mim pode ir a França amanhã mesmo. — Eliminou o quase

inexistente espaço que os separava e ficou nas pontas dos pés para lhe morder o lóbulo da orelha.

Sentiu como ele estremecia, e depois acrescentou em voz baixa: — e se vai e dentro de umas

semanas descubro que estou grávida, seguro que Richard não se importará casar comigo e criar a

esse menino, ou menina, como se fosse dele. — Voltou a se apoiar no chão e acrescentou: —

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Afinal de contas, te dará igual, não?

O que aconteceu então só podia se comparar a uma tormenta que estala de repente, ao

ataque de um tigre que esteve enjaulado durante semanas. Alex se voltou e lhe deu o beijo mais

dominante e possessivo que jamais tinha dado. Levantou-a nos braços, a aproximou da

escrivaninha, atirou ao chão tudo o que o incomodava e depositou a sua esposa sobre a mesa sem

deixar de beijá-la, lambê-la, mordê-la. Desabotoou as calças e levantou a saia dela com

movimentos torpes e desenfreados. Se afundou nela e foi como se esse animal selvagem

encontrasse a paz. Deixou de beijá-la durante um segundo para dizer com voz entrecortada:

—Não me dá igual. Você é minha.

Beijou-a de novo, um beijo atrás do outro, e outro, lutando para que o corpo dela

entendesse que lhe pertencia. Abandonou seus lábios para lhe percorrer o pescoço e o ombro

com seus beijos, enquanto movia os quadris com frenesi, desesperado por invadir todos e cada

um dos cantos do corpo da mulher que amava.

—É minha —voltou a dizer quando a sentiu a ponto de alcançar o orgasmo. —Me diga.

Ela demorou uns segundos a entender o que ele estava pedindo e abriu os olhos para

procurar os dele com o olhar. Ao encontrá-los, viu neles um desejo que nunca tinha acreditado

possível que existisse.

—Me diga, repetiu ele, sublinhando sua súplica com uma investida de sua pélvis.

—Sou sua — disse ela, segundos antes de lhe morder o lábio inferior. — E você é meu —

sentenciou ao se afastar, sem se arrepender de tê-lo mordido.

Essa afirmação, junto com a sensual dentada, obteve que Alex tivesse o maior orgasmo de

sua vida. Precisando estar o mais perto de Irene que fosse possível, e lutando contra a roupa que

os mantinha afastados, Alex a beijou e a penetrou ainda mais. Ela estalou de prazer um segundo

mais tarde, e lhe devolveu o beijo com um ardor que só fez que o clímax dele prendesse com

maior intensidade. Irene se afastou um pouco e ele ia se queixar quando ela falou de novo:

—É meu. — Deu-lhe um beijo no nariz. E esse gesto tão terno, tão diferente à paixão que

tinha invadido a ambos segundos antes, desmoronou Alex por completo.

—Sempre fui.

—Então — disse ela o afastando um pouco para poder se recompor, — será melhor que o

tenha presente antes de voltar a me mentir. — Ajeitou bem o vestido e caminhou para a porta. —

Estarei em meu quarto, e o aconselho que não venha me ver até que esteja disposto a me contar a

verdade.

CAPÍTULO 31

Alex estava de pé em metade do salão sem terminar de acreditá-lo que acabava de

acontecer. Tinha- feito o amor a Irene como se esta fora uma qualquer; ali, em cima da mesa, sem

sequer despi-la, quase sem acariciá-la. E ao que parece, ela tinha gostado. Embora o mais

surpreendente não fosse isso. O mais surpreendente era que sua esposa tinha dito que não

acreditava em toda a fileira de mentiras que lhe tinha contado. Se fosse sincero consigo mesmo,

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Irmandade do Falcão 01

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tinha que confessar que não sabia se ficava alegre ou se preocupava. Seu coração tinha dado um

tombo ao ver que ela confiava nele o suficiente para saber que era incapaz de ir para a França sem

mais. Mas por outro lado, não podia evitar pensar que Irene estaria mais segura separada de sua

presença.

Esgotado, tanto mental como fisicamente, Alex se sentou em uma poltrona e fechou os

olhos. Por sorte, a maioria dos lordes não eram tão preparados como sua esposa, e todos, incluído

o bom Richard, engoliram o anzol. Certamente a essas horas toda Londres falava da discussão que

ele e seu pai tinham tido no White's, e isso só podia significar que o coronel e o duque logo se

inteirariam também do incidente.

O duque de Rothesay mandou um par de cartas a França; uma ao cabeça de sua pequena

mas lucrativa organização, e outra a um de seus próprios homens para perguntar se por acaso os

emissários do imperador tinham retornado a seu lar. O coronel seguiu Alex durante um par de dias

e pôde constatar que Fordyce tinha perdido o apoio de sua família e que tanto seu pai como seu

irmão o desprezavam. Isso encaixava perfeitamente com a história que Alex tinha lhes contado no

dia em que tinha ido lhes oferecer a cobiçada lista, e também justificaria que queria ir viver em

outra parte. O único que não encaixava naquela história era sua esposa. Alex Fordyce cuidava

muito de não ir com ela a nenhuma parte. Por toda a cidade circulavam rumores a respeito de que

sempre comparecia sozinha a todos os atos sociais, e que ele nem sequer tinha ido visitar sua

família política. A verdade era que Fordyce passava os dias visitando um velho professor e a um

amigo de infância, exceto por um par de ocasiões, em que o viu acompanhado de James Morland.

Mas o coronel, que no exército tinha aprendido que as aparências frequentemente são

enganosas, decidiu colocar um espião na casa do jovem lorde. Uma das donzelas da mansão

sofreu um pequeno acidente, absolutamente casual, por outra parte, e a solícita prima da moça se

ofereceu voluntária para ocupar o lugar da lesada enquanto esta se recuperava. A governanta de

Fordyce aceitou o trato encantada, feliz de não ter que se preocupar com uma substituta e evitar

assim também incomodar a sua nova senhora. A jovem em questão era na realidade uma das

garotas de madame Antonia e, em troca de uma generosa bolsa de moedas, contou ao coronel

tudo o que descobriu sobre Alex Fordyce e sua esposa.

Lucy, a cortesã convertida agora em espiã, explicou-lhe que embora o casal se deitasse em

camas separadas, sempre despertavam na mesma. No quarto da senhora, para ser mais exatos.

Também lhe disse que os membros do serviço mexericavam sobre os apaixonados beijos que

lorde Wessex dava em sua esposa quando acreditava que ninguém os via, e sobre as lágrimas que

tinham visto ela derramar quando ele não estava.

Fordyce tinha mentido para eles. Ao menos no que se referia a sua esposa, e Casterlagh não

conseguia entender por que. Não tinha sentido. Não lhes importaria o mínimo se quisesse levar a

sua mulher com ele para a França. Por que tinha insistido tanto em que queria retornar sozinho a

sua antiga vida? O coronel não podia tirar da cabeça outra das lições que tinha aprendido no

exército; e era que as mentiras nunca viajam sozinhas: Por estranho que parecesse, tinham o

estranho costume de ir sempre acompanhadas, e se Fordyce tinha mentido sobre sua esposa,

sobre que outras coisas tinha ocultado a verdade?

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Irmandade do Falcão 01

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—Deveríamos nos reunir com Fordyce dentro de um par de dias — disse Rothesay. —

Estamos em situação de lhe oferecer o dinheiro que nos pediu, e recebi uma carta da França

dizendo que se confirmarmos a autenticidade da lista, o chefe virá dentro de umas semanas.

—Acreditava que tinha jurado nunca retornar a Inglaterra — disse o coronel.

—E assim é, mas ao que parece está disposto a fazer uma exceção.

—Há algo em tudo isto que eu não gosto — comentou o militar.

—Não me dirá que insiste no da esposa. Se Fordyce quer se deitar com ela antes de ir a

França, que o faça. Que importância tem isso?

—Não sei, mas tenho o pressentimento de que algo não encaixa. É certo que William

Fordyce era todo um aporrinho, com suas incessantes pergunta sobre nossos investimentos e

nossos navios, mas disso a estar em posse dos nomes dos membros de um corpo secreto de

espiões da Coroa... Inclusive David Faraday, que estava a par das operações militares inglesas,

desconhecia essas informações. — Se aproximou do bar móvel e se serviu uma taça. — Foi uma

pena que tivéssemos que matá-lo. — Bebeu antes de continuar: —Tinha me acostumado a roubá-

lo.

—Casterlagh — zombou o duque, — às vezes me esqueço do pouco sofisticado que é. Sim,

foi uma pena matar Faraday, mas começava a suspeitar algo, e, além disso, graças à informação

que obtivemos de suas notas, ganhamos muitíssimo dinheiro.

—Por não mencionar que apagamos William Fordyce do mapa.

—Sim, isso sim que foi uma grata surpresa — riu o duque. —Certamente, esse Fordyce era

mais perigoso do que acreditávamos. Com esses princípios que sempre defendia a capa e espada,

seguro que ele mesmo formava parte desses misteriosos espiões.

—Talvez, mas sigo sem confiar em seu irmão — insistiu o coronel. — Quando conhecemos

Alex Fordyce, cometemos o engano de pensar que era um farrista como seu filho. Não se ofenda.

—Não me ofendo; é certo. Meu filho é uma marca, por isso suponho que é você quem está

me ajudando a me fazer rico e não ele. Mas a um sempre vem bem ter a alguém disposto a

continuar com o sobrenome familiar.

—Deus, juro que jamais entenderei à nobreza. Sigamos com Fordyce. — Foi enumerando

cada ponto com um dedo: — Não é um farrista, a única mulher com a que se deita é com sua

própria esposa; casou para evitar um escândalo, sobreviveu a uma ingestão de veneno que, no

mínimo, deveria tê-lo deixado catatônico; diz ter uma lista com os nomes dos melhores espiões do

reino, e foi visitar quatro vezes a seu antigo professor.

—Casterlagh, isso de ter só um olho faz que não veja as coisas claras. Não me interprete mal,

não digo que confessemos a ele todos os nossos segredos, mas tampouco há para tanto. Em

minha opinião, Fordyce é o típico segundo filho que cresceu à sombra de um irmão mais velho

perfeito e que agora que se supõe que tem que ocupar o lugar do primogênito não quer fazê-lo.

Estou convencido que o único que pretende é ganhar o máximo dinheiro possível para ir viver na

França rodeado de luxos. Se a lista for autêntica, damos o que pede e logo já nos encarregaremos

de que os franceses nos compensem amplamente por isso. E se a lista é falsa, o matamos e ponto.

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—Vá, Rothesay, acreditava que o sanguinário era eu — bramou o militar.

Ambos riram e brindaram pelo brilhante futuro que os esperava.

Hawkslife tinha convocado a todos seus homens para uma reunião essa mesma tarde. Alex

foi o primeiro a chegar. Passou toda a manhã repassando umas notas de Faraday em busca de algo

que pudesse ter lhes escapado. Minutos mais tarde chegou Henry Tinley, e contou que ele sim

tinha descoberto algo mais, mas que esperaria até que estivessem todos para pô-los à par; além

disso contou que sua vida amorosa seguia tão desgraçada como sempre. Depois chegou James,

cujo trabalho aqueles dias tinha sido tão infrutífero como o de Alex, e minutos mais tarde Robert.

—O que ele faz aqui? — perguntou Alex furioso. —Meu irmão não pinta nada em tudo isto.

—Acredito que isso ele tem que decidir, não lhe parece senhor Fordyce? — espetou seu

professor. — O jovem Robert está a par de todas as suas reticências, e sabe que o fato de ter

pedido sua colaboração não significa que entre a fazer parte da Irmandade. Não é assim?

—Assim é, Alex. Deixa que os ajude. Pelo pouco que James e o senhor Hawkslife me

contaram, toda ajuda que possam receber é pouca.

—Não — respondeu Alex sem se alterar.

—Não me faça recorrer à chantagem emocional, irmãozinho — Robert disse então. — Vou

ficar, tanto se você gosta como se não, então o melhor será que nos centremos no importante e

deixemos os sermões fraternos para mais tarde.

Alex viu que todos estavam pendentes dele e teve que se conter para não dar um abraço em

seu irmão. Por muito que o preocupasse que este fosse pôr sua vida em perigo, tinha que

reconhecer que se sentia muito orgulhoso dele.

—Está bem.

—Adiante, cavalheiros. — O professor os levou até a sala de estar. — Temo que não tenho

muito boas notícias. —Esperou até que todos estivessem sentados antes de continuar: — Roger

Mollet, um de nossos contatos na França, me comunicou que outro colaborador da Irmandade foi

assassinado. O senhor Ardant nos proporcionava informação de vital importância sobre as rotas

dos navios franceses, e em mais de uma ocasião nosso exército pôde evitar emboscadas graças

aos detalhes que nos tinha facilitado com respeito à operação francesa. Ardant foi achado em sua

banheira, degolado e com um cartão de visita sobre a mesa de noite.

—Louva-Deus — se adiantou Alex.

—Assim é — confirmou Hawkslife. — Mollet também diz que tem a certeza de que se está

tramando algo no exército, mas carece da informação necessária para confirmar o lugar e a data

do suposto ataque. Ao que parece, ouviu uma conversação entre um par de militares de alta fila.

Se tratava de dois homens muito próximos ao imperador e diziam que Napoleão, com a ajuda de

seu novo aliado, não demoraria para apagar do mapa aos cães guardiães da Coroa inglesa. E que

conseguiria ter a Inglaterra a seus pés.

—Isso confirma o que eu tenho descoberto — interveio Henry. — Nos últimos anos, tanto

Rothesay como Casterlagh viajaram a França em duas ocasiões. A última foi pouco antes da

emboscada em que William morreu. — Olhou aos outros irmãos Fordyce aos olhos. — E no navio

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de volta, um marinheiro os ouviu brindar pela fortuna que acabavam de ganhar em troca de

vender uns simples documentos militares. O marinheiro em questão também ouviu que falavam

de que outro homem era quem tinha conseguido entrar em contato com o imperador francês.

Meu contato me disse que, por desgraça, não mencionaram seu nome, mas sim fizeram um

comentário algo estranho.

—Em que sentido? — perguntou James.

—Segundo minha fonte, que coincidiu com o marinheiro em questão em um botequim

francês, o coronel perguntou ao duque se esse outro homem sempre tinha tido esse aspecto, e

este respondeu que não sabia, que jamais o tinha visto sem o lenço e o chapéu, que nem sequer

tinha chegado a ver suas mãos sem as luvas.

—Possivelmente só estivesse se ocultando — apontou Robert.

— Possivelmente esteja desfigurado — refletiu Alex.

—Desfigurado? Em que sentido?

—Talvez tenha umas grandes cicatrizes e não goste de mostrá-las — seguiu elucubrando

Alex.

—Poderia ser — assentiu Hawkslife, e pensou que a única pessoa que ele tinha conhecido

com cicatrizes desse tipo tinha morrido fazia muitos anos, para salvar sua vida. — Mas sem mais

informação nos será impossível encontrá-lo. Temos que dar com Louva-Deus quanto antes, não

podemos seguir esperando que esses dois traidores nos levem até ele. Não podemos permitir que

morra ninguém mais.

—Poderia mandar uma nota ao duque lhe dizendo que necessito o dinheiro quanto antes e

que se não me entregarem isso amanhã a noite venderei a lista a outro.

—É muito arriscado, Alex — opinou seu irmão mais novo.

—Não, se nós estivermos ali também — disse James. — Não podemos perder mais tempo.

Prendamos a esses traidores e com certeza terminarão por confessar o nome do homem

mascarado.

—O único problema é que não podemos correr o risco de que avisem Louva-Deus de algum

modo — interveio Hawkslife. — Temos que trancá-los e nos assegurar de que Louva-Deus segue

acreditando que estão livres.

—Poderia colocá-los na casa que tenho a dois quilômetros da cidade — sugeriu Henry. —

Sempre a utilizei como refúgio, e tem uma cela que encaixa perfeitamente com o que temos em

mente. Está isolada, e ninguém sabe que é minha. Podemos retê-los ali até que se mostrem mais

colaboradores.

—Boa ideia, Tinley — o felicitou seu mentor.

—Mandarei hoje mesmo uma nota ao duque lhe pedindo que tanto ele como o coronel se

reúnam comigo na casa de Tinley amanhã às quatro da tarde. Direi a eles que se não trouxerem o

dinheiro não há lista, e quando os dois estejam ali, os acusamos de traição e os prenderemos.

—O senhor Morland e o senhor Tinley estarão ocultos na casa para o ajudar quando for

necessário, senhor Fordyce.

—E eu? — perguntou Robert.

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—Você estará comigo na retaguarda, preparado para entrar em ação — respondeu

Hawkslife com seu tom de professor intransigente.

Alex olhou a seu irmão aos olhos e naquele preciso instante soube que Robert chegaria até o

final e que algum dia seria muito melhor falcão que ele. Também foi consciente de que tratar de

evitá-lo não serviria de nada.

—Cavalheiros — concluiu Hawkslife, — será melhor que retornem a suas casas. Amanhã os

espera um dia muito duro.

James, Robert, Henry e Alex se despediram na entrada e todos cavalgaram para seus lares.

James e Alex, ansiosos para estar com a mulher que amavam, e Henry e Robert para descansar na

solidão de seus quartos e sonhar com as mulheres às que algum dia gostariam de amar.

Alex escreveu a nota com urgência e mandou um lacaio à mansão de Rothesay com

instruções precisas de que ficasse ali para esperar a resposta do duque. O servente cumpriu com

seu encargo e uma hora depois de sua partida bateu na porta do escritório de Alex. A missiva era

direta, duas linhas que expressavam a urgência que devia sentir a mão que as tinha escrito, mas

nelas dizia que sim, que ali estariam. Alex respirou fundo, esvaziou a taça que se serviu mas que

permanecia intacta em sua mão, e subiu a seu quarto.

Irene ouviu que seu marido abria a porta do quarto contiguo e pouco mais tarde percebeu o

som inconfundível da roupa ao cair ao chão. Depois do incidente, por chamá-lo de algum modo,

do escritório, Alex e ela mal se falavam. Ele parecia disposto a cumprir o que Irene tinha pedido e,

como não estava preparado para lhe dizer a verdade, se mantinha em silêncio. Se a via em algum

lugar da casa, a olhava com tanta intensidade que em mais de uma ocasião ela tinha tido medo de

se derreter ali mesmo, e quando a beijava como se a necessitasse para seguir vivendo, morria de

vontade de agarrá-lo pela camisa e lhe exigir que contasse o que estava passando. Havia inclusive

falado com seu pai para perguntar se sabia algo, mas este se limitou a dizer que desse um

pouquinho mais de tempo a seu marido e que tudo ia sair bem. Essa condescendência a tinha

posto furiosa, mas ao que parece tanto James como Isabella estavam dispostos a lhe dar o mesmo

conselho. Irene passava o dia tratando de não pensar em Alex e as noites, quando poderia dormir

abraçada a ele.

Irene sempre se deitava sozinha, e, para falar a verdade, não sabia em que preciso momento

seu marido entrava em seu dormitório, mas sabia que sempre despertava entre seus braços,

depois de sucumbir a seus beijos e carícias. Se moveu incômoda na cama e se obrigou a não

pensar nele. Fechou os olhos e tratou de dormir.

Alex levava mais de três horas em seu dormitório e ainda não tinha ido vê-la, pensou Irene,

abandonando por completo a intenção de conciliar o sonho. “Deveria se alegrar — disse a si

mesma, — talvez assim consiga esquecê-lo e seguir adiante com sua vida.” Fechou os olhos outra

vez e escutou atentamente, com certeza ele já se teria dormido e ela era a maior boba do reino

por estar ali esperando por ele.

Não ouvia nada. Às escuras, deitada na cama, Irene tratou de aguçar o ouvido e logo ouviu

como os lençóis se moviam. E voltavam a se mover. Um suspiro. Um profundo suspiro. Algo devia

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preocupa-lo; talvez tivesse voltado a discutir com seu pai, ou com seu irmão. Possivelmente tinha

tomado a decisão de voltar para a França e não sabia como lhe dizer.

Irene se sentou na cama e deixou as pernas pendurando pela lateral. Tinha tantas

possibilidades, podia passar horas tratando de imaginar e certamente nunca daria com a resposta

acertada. Levantou e se aproximou da penteadeira. Viu seu reflexo no espelho e deixou de

enganar a si mesma; sem Alex a seu lado não conseguiria dormir. E; ao que parece, ele não tinha

intenção de ir visita-la essa noite. Mas bom, a porta que comunicava os dois quartos se abria para

ambos os lados, e Alex tinha insinuado em mais de uma ocasião que podia utilizá-la quando

quisesse.

Entrou sem chamar e, embora não pudesse vê-lo, soube que seu marido ficava tenso.

Caminhou para ele, mas a escassos centímetros da cama sentiu medo do rechaço e do ridículo, e

não pôde dar um passo mais. As respirações dos dois eram o único se podia ouvir, e o ar estava

cheio de perguntas que nenhum se atrevia a formular. Devagar, Alex deu meia volta e, deitado de

lado, se apoiou no cotovelo para se incorporar um pouco. A luz da lua que penetrava entre as

cortinas não bastava para iluminar o quarto, mas sim para que ele pudesse ver seus olhos e o

brilho que desprendiam. Estiveram assim, com o olhar prisioneiro no do outro, durante segundos.

Alex acreditava que seu coração ia sair do peito da emoção que sentia. Irene tinha ido seu

quarto. Apesar de que cada noite faziam amor e ela respondia com paixão a suas carícias, estava

convencido que jamais daria o primeiro passo, e essa noite tinha decidido que queria pensar em

tudo o que estava acontecendo. Não obstante desde que se colocou na cama, se via incapaz de

conciliar o sono sem sua esposa ao lado, mas precisava meditar no que podia passar no dia

seguinte.

Se tudo saía bem, logo poderia contar a verdade a Irene e se o perdoava, poderiam começar

a levar a vida que ele tanto tinha desejado. Se algo saía mau, ele possivelmente teria que retornar

a França para tratar de completar a missão com êxito e então Irene possivelmente o abandonasse

para sempre. E se acontecia o pior, se terminava perdendo a vida, bom, então possivelmente ela

pudesse ser feliz com outro.

Sua esposa estava ali de pé, olhando-o, sem se mover e sem ocultar que estava nervosa, mas

se sentindo orgulhosa de ter conseguido chegar até ali. Alex queria lhe dizer tantas coisas, lhe

confessar tantos sentimentos que, igual a um bom vinho, tinham ido ganhando corpo e

consistência em seu coração ao longo dos anos. Ia fazer isso, sentia cada letra, cada sílaba, ansiosa

por escapar de seus lábios. Só um dia, tinha que esperar só um dia mais. Afastou os lençóis e se

moveu um pouco para lhe dar lugar. Sem dizer nada, nenhuma palavra, Irene se deitou a seu lado

e se aconchegou contra ele. Alex rodeou a cintura dela com um braço e inclinou a cabeça para lhe

beijar no cabelo. Minutos mais tarde, ambos adormeceram.

CAPÍTULO 32

Amanheceu e, com a ajuda de Robert, Henry se encarregou de fazer os últimos preparativos

em sua casa de campo. Asseguraram-se de ter as rotas de acesso controladas, as janelas bem

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fechadas e todo o necessário para receber aquela mesma tarde ao duque de Rothesay e ao

coronel Casterlagh. Robert retornou mais tarde junto ao professor Hawkslife e este lhe mostrou o

lugar onde se instalariam para vigiar que os dois traidores não fossem acompanhados de mais

homens. O jovem Fordyce e o professor falcão vigiariam ocultos no pequeno bosque que rodeava

a casa de Henry Tinley onde ia ter lugar a reunião final.

James Morland passou a manhã junto a sua esposa, que o assegurou mais de cem vezes que

se encontrava bem e lhe suplicou que fosse com cuidado, pois se acontecia algo com ele, ela e seu

bebê o perseguiriam até o próprio inferno para o fazer retornar.

Alex, para não levantar suspeitas de última hora, foi passar a manhã no Jackson's, onde

boxeou com Sheridan, o filho do duque, e comeu algo com este e Vessey. Dias atrás já tinha se

dado conta de que alguém o seguia, e supôs que o coronel e o duque teriam decidido vigiá-lo para

se assegurar de que suas intenções eram honestas. Ou tão honestas como podem ser as intenções

de um homem disposto a trair seu país por dinheiro. Retornou a sua casa para se preparar para o

encontro e quando entrou em seu quarto viu que Irene o estava esperando.

Logo que Irene abriu os olhos, soube que Alex não estava a seu lado. Era a primeira vez que

passava mais de cinco minutos no dormitório de seu marido e ficou ali, sentada sobre a cama,

observando todos os detalhes. Em cima da mesinha de noite havia um livro, um exemplar de

relatos sobre mitologia grega que parecia muito estragado. O pegou e o volume se abriu por uma

página, como se seu proprietário lesse frequentemente aqueles parágrafos. Irene leu o princípio

das aventuras de Hércules. Se não lhe falhava a memória, essa história era a preferida de William

quando era pequeno. Ter ali aquela lembrança tão pessoal de seu irmão mais velho não encaixava

absolutamente com a indiferença e o distanciamento com que Alex costumava falar de William

nas poucas ocasiões em que isso acontecia.

Levantou nervosa e se encaminhou para a cômoda que havia justo debaixo de um espelho.

Abriu a primeira gaveta; não sabia o que estava procurando exatamente, mas era como se uma

voz em seu interior a impulsionasse a dar com a prova definitiva que a ajudasse a averiguar quem

era Alex realmente. A gaveta estava cheia de lenços de pescoço, quase todos negros, sem dúvida

os preferidos de Alex, e algum branco. Ia fechar quando viu algo que não encaixava. Uma fita de

seda verde. A puxou, e quando descobriu a trança de fitas de cabelo sentiu que suas pernas

tremiam e teve que voltar a se sentar. Naquela trança havia dezenas de fitas, algumas deviam ter

mais de quinze anos, outras não pareciam tão velhas, e um par estavam quase novas. E todas

eram dela. Irene recordava perfeitamente a fita verde com listras amarelas que tanto gostava

quando era pequena, e aquela outra rosada que costumava usar com o vestido xadrez, branco e

vermelho, quando tinha dez anos, e a malva que tinha usado recentemente.

Sempre tinha acreditado que as tinha perdido sem mais, que teriam caído por alguma parte

e nunca tinha tratado de busca-las. E Alex as tinha guardado todo esse tempo? E tinha ido

confeccionando aquela trança? A acariciou; estava desgastada de tanto roce, algumas de suas fitas

estavam inclusive desfiadas, e outras tinham perdido um pouco de cor. Incapaz de encontrar

sentido, e lutando por não derramar as lágrimas que se amontoavam em seus olhos, Irene se

levantou e foi se vestir. Em seu quarto, se refrescou um pouco, se vestiu e desceu ao salão,

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embora só a ideia de comer algo a fez sentir arcadas. Não podia ficar quieta, lhe custava inclusive

respirar, de modo que optou por voltar para o dormitório de Alex e esperá-lo ali.

—O que é isto? — perguntou levantando a trança de fitas, assim que ele entrou.

Alex fechou a porta a suas costas e se aproximou da cama, onde ela estava sentada.

—Fitas de cabelo — respondeu a meia voz.

—Minhas fitas de cabelo — particularizou Irene, também emocionada. — Há algumas de

quando era pequena. — Uma lágrima escapou. — Por que?

Alex se sentou a seu lado e enxugou a lágrima com o polegar.

—Não chore, minha vida.

—Por que? — levantou e se afastou um pouco dele, como se aquela proximidade lhe doesse

na alma — por que? — Ao ver que ele seguia sem responder insistiu: — por que guardou todas

estas fitas? Por que? Me conte.

—Porque precisava ter algo de você — respondeu Alex sem olhá-la aos olhos.

—Não o entendo — sussurrou ela esgotada, lançando a desfiada trança em cima da cama. —

Não o entendo. Me abandonou — ela o recordou furiosa. — Me disse que não me queria. Passou

os últimos cinco anos sem me escrever nenhuma só carta. Casou comigo para evitar que nossas

famílias se vissem salpicadas pelo escândalo. E durante todo este tempo, durante todos estes

anos, enquanto eu acreditava que nem sequer se lembrava de mim, você foi guardando minhas

fitas de cabelo — disse este último como se fosse uma ofensa. Uma traição.

—Tenho feito tudo por você — respondeu Alex se atrevendo por fim a procurar com o olhar

os olhos de sua esposa. Nesse instante, já não lhe importava a Irmandade, nem Louva-Deus, nem

vingar a morte de seu irmão, o único que queria era eliminar a dor dos preciosos olhos de sua

amada.

—Alex... —balbuciou ela, — eu...

—Não diga nada, Irene. — Se levantou e se aproximou. — Lembro a primeira vez que

encontrei uma de suas fitas — lhe explicou, acariciando a trança. — Era vermelha, com pequenas

flores brancas. A vi caída no meio do jardim de minha casa e, sem pensar, guardei isso no bolso. —

Suspirou rememorando aquele instante. —No dia seguinte ia devolver mas quando a vi fui incapaz

de fazê-lo. Não posso explicar, foi como se minha mente quisesse fazer uma coisa mas meus

dedos se negassem a obedecer. Eu tinha doze anos, e passei todo o verão recolhendo as fitas que

você foi perdendo. Ao chegar o inverno, tinha enchido uma pequena caixa de cartão, dessas nas

que minha mãe guardava os lenços, então comecei a trança. — A meteu no bolso da jaqueta. —

Sempre a levo comigo. Não pode nem imaginar a quantidade de noites que dormi com suas fitas

enredadas entre os dedos, convencido de que podia seguir cheirando seu perfume, de que assim

podia recordar a maravilhosa sensação de seus lábios sob os meus.

—Por que? — repetiu. — Por que preferiu ter só umas lembranças? — Apertou a mandíbula

e o olhou decidida. — Por que nos negou a possibilidade de ter um futuro juntos?

—Irene, eu... — balbuciou ele. — Eu acreditava que era o melhor para você. Não sabia se ia

retornar, não sabia...

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—O melhor para mim! — estalou a jovem. — Como se atreve, Alexander Fordyce?

—Não, Irene, você não entende. Ainda não sabe toda a verdade, mas amanhã lhe contarei

tudo. E então compreenderá que...

—O que! O que compreenderei Alex? — secou uma lágrima e se afastou um pouco. — O que

me contará, Alex? Que foi a França porque acreditava que assim conseguiria superar melhor a

morte de sua mãe? Que não podia ficar e ser a sombra de seu irmão? Que te dava medo casar

comigo? Que foi vítima de uma chantagem? Que é um espião? Me conte Alex, passei os últimos

cinco anos tratando de te justificar, tratando de encontrar algo que explicasse sua partida. E sabe

uma coisa? — Viu que ele a olhava atônito. — Não há mais explicação que a verdade: você não me

ama, não me amava então e não me ama agora.

—Irene, eu a...

—Nem te ocorra me dizer isso agora. — Zombou de si mesma. — Demorei muito para deixar

de chorar, sabia? Se não fosse por William e por Marianne possivelmente não o teria obtido.

Passei um ano inteiro convencida de que receberia alguma carta sua me contando não sei que

história e me pedindo que o perdoasse. Mas claro, tanto você como eu sabemos que nunca

chegou a mandar essa carta. Durante os anos seguintes, estive muitíssimo melhor, mas apesar de

tudo seguia pensando que apareceria e me contaria algo que explicasse tudo, e que logo me

pediria que o esperasse, que o ajudasse, ou qualquer outra coisa igual de incrível. Você tinha

minhas fitas de cabelo para te reconfortar, e o que eu tinha, Alex? Suas palavras de carinho?

Nunca me disse nenhuma. Suas cartas? Inexistentes. Seus beijos? Um, e ao final zombou dele. E

agora, o que tenho agora? Sim, é certo que com você tenho descoberto a paixão. — Voltou a rir

com amargura e a ele rompeu o coração. — Você sempre foi o único homem com o que quis

descobrir o aspecto físico do amor. Mas estou cansada, Alex, então já não me importa saber por

que foi, o único que quero saber é se vai ficar e nos dar a oportunidade que nos negou faz cinco

anos.

O relógio que havia no salão do andar inferior deu as badaladas e ele sentiu que a Terra se

abria sob seus pés. Se supunha que em menos de uma hora tinha que estar na casa de Tinley,

disposto a capturar ao duque e ao coronel, e ainda tinha que se trocar. E o único que queria fazer

era beijar a sua esposa e a assegurar que o único que desejava neste mundo era estar a seu lado.

Mas não tinha tempo de fazê-lo.

—Te prometo que farei todo o possível para que seja assim — disse, vendo-a morrer um

pouco por dentro ao não ouvir a resposta que provavelmente tinha estado esperando.

—Compreendo — sussurrou ela, se arrependendo de ter aberto seu coração pela segunda

vez. —Acredito que irei me deitar um momento. — Precisava estar a sós para recompor o que

ficava de sua alma.

—Irene — disse Alex agarrando sua mão antes que pudesse girar o trinco da porta. —

Amanhã tudo será diferente, confia em mim.

Ela assentiu e saiu do quarto dele deixando atrás não só sua confiança mas também

qualquer esperança de que Alex lhe dissesse jamais que a amava.

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Irmandade do Falcão 01

202

Alex se trocou tão rápido como pôde e montando em Casio se foi para a casa de campo de

Henry. Por fortuna, este e James já estavam em suas respectivas posições e o ajudaram a ultimar

alguns detalhes. Robert e Hawkslife já estariam em seus postos de vigilância, preparados para

entrar em ação no caso de que fosse necessário. Faltavam cinco minutos para a hora prevista e

alguém bateu na porta, de modo que Alex foi abrir, pois, supostamente, ele era o único que havia

na casa. Respirou fundo, consciente de que aquilo era o princípio do fim, mas quando viu que só o

duque de Rothesay tinha chegado, soube que o desenlace ia ser muito mais complicado e perigoso

do que tinha suposto.

—Boa tarde — saudou sua visita. — O coronel Casterlagh se atrasou?

—Não exatamente — respondeu o outro, enigmático. —Posso passar?

—É obvio. — Alex o acompanhou ao salão, consciente de que James e Henry estavam

pendentes de todos seus movimentos.

—Tem a lista? — perguntou o duque.

—Em meu bolso. E meu dinheiro?

—Disso precisamente queria falar. O coronel e eu decidimos que não o pagaremos até que

estejamos seguros da autenticidade da lista.

—Então temo que não há trato. — Se o homem não lhe oferecia dinheiro em troca do

maldito papel, não poderia o acusar de traição. — Será melhor que se vá, seguro que encontrarei

a alguém disposto a me pagar uma fortuna para saber os nomes dos espiões da Coroa.

—Não tão rápido, Fordyce. Receio que não me expliquei bem — particularizou Rothesay, e

Alex sentiu como um calafrio lhe percorria as costas. —Você me mostrará a lista agora mesmo.

—E por que ia fazer isso?

—Porque se dentro de duas horas não me reúno com o coronel em determinado lugar com

ela em minhas mãos, matará a sua esposa.

Casterlagh graças à informação da cortesã que tinha infiltrado na casa de Fordyce como

donzela, conseguiu convencer ao duque de que tinham que andar com mais cuidado com Alex

Fordyce, e que precisavam ter algo com o que poder negociar. E que melhor arma negociadora

que a vida da mulher com a que fazia amor cada noite. Rothesay e ele decidiram se separar; o

primeiro compareceria ao encontro na casa de campo, afinal de contas, o nobre não se dava bem

com as armas nem com as mulheres, e o segundo se encarregaria de fazer-se com lady Wessex e

convencê-la, por mal se era necessário, de que o acompanhasse.

Alex reagiu em questão de segundos; anos de treinamento reduzidos a uns instintos animais.

Segurou ao duque pelas lapelas e o golpeou contra a parede.

—Onde estão?

—Me dê a lista e não lhe acontecerá nada — respondeu o homem, que tinha ficado perplexo

ao ver a transformação de Alex de cavalheiro despreocupado a alguém capaz de matar com suas

próprias mãos.

—Onde estão? — repetiu. — Tirou uma adaga que levava oculta na cintura da calça e a

levou ao jugular do traidor. — Onde estão?

—Alex, solta-o! — gritou Henry, que apareceu de repente na porta. — O está estrangulando.

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Irmandade do Falcão 01

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Solta-o para que possa falar.

Ele afrouxou um pouco a presa, só o suficiente para que o duque pudesse tomar ar.

—O que significa isto? — perguntou Rothesay ao ver que também entrava James Morland.

—Isto significa que o apanhamos. — Alex apertou a adaga contra sua jugular, cortando-o um

pouco, deixando claro que ia a sério. — Que temos provas de que esteve vendendo informação e

armas aos franceses. Significa, sua graça, que sabemos que é um traidor.

Alex o soltou de repente e o duque tirou um lenço para secar o sangue que escorregava por

sua garganta.

—Temos o jornal do capitão do navio com o que levavam a cabo as operações de

contrabando na ilha Skye — disse James. — E também os documentos de David Faraday. Sabemos

que ordenaram seu assassinato.

—E isso não é tudo — interveio Henry. — Capturamos a seus amigos franceses. — Sim,

aqueles aos que iam vender as armas que têm armazenadas no porto.

—Não pode ser — balbuciou Rothesay. — Não podem me fazer isto.

—Pois claro que podemos — respondeu Alex. — Podemos fazer isto e muito mais, mas se

me diz agora mesmo onde está minha esposa, possivelmente possa lhe ajudar.

—Não... — balbuciou o outro, — não pode ser. Não posso ir ao cárcere.

—Me diga, sua graça, quem dá as ordens? — quis saber Henry, que começava a temer que o

duque estivesse a beira de um colapso. — Quem é o cabeça da operação? Certamente não é você,

e se nos dá seu nome talvez possamos fazer algo.

—Não posso, ele me mataria — respondeu, com os olhos um pouco desfocados.

—Não se o mandamos às colônias — explicou James, mencionando a opção que sabia que

podiam lhe oferecer em troca de obter o nome de Louva-Deus.

—Não posso ir. Minha família, minha reputação. — Rothesay estava cada vez mais histérico.

— Não posso.

Alex estava de pé junto à janela, o mais afastado possível do homem, para ver se assim

conseguia controlar a vontade que tinha de sacudi-lo e exigir que o levasse até Irene. A parte

racional de seu cérebro que ainda funcionava sabia que não podia fazê-lo, que tinham que

conseguir que se acalmasse, lhes desse o nome de Louva-Deus e logo lhes dissesse onde estavam

sua esposa e o coronel. Entretanto, a parte que sabia que não poderia viver consigo mesmo se

acontecia algo a sua amada ameaçava tomar o controle. Assim fez o único podia fazer e pôs algo

de distancia entre os dois, cometendo, sem saber, um muito grave engano.

—James, podemos falar um segundo? — perguntou Henry a seu amigo, que seguia sentado

em frente ao duque, desejoso de lhe comentar uma ideia que tinha lhe ocorrido para fazer o

prisioneiro falar.

—É obvio. Enquanto, pense no que eu disse, sua graça. Nos diga quem se esconde atrás de

tudo isto e o meteremos em um navio para a América em menos de duas horas.

James se levantou e se aproximou de Henry.

O duque sabia que não podia lhes dizer o que queriam, que se dizia, morreria. Que o próprio

Louva-Deus se encarregaria de matá-lo.

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Possivelmente demorasse um mês, ou dois anos, mas terminaria por dar com ele e o

mataria. E de um modo muito doloroso além disso. Não, não podia traí-lo. Além disso, tampouco

se via capaz de partir para o Novo Mundo com o posto. Seguro que morreria no próprio navio, em

alguma briga entre marinheiros, ou por culpa de alguma enfermidade contagiosa e sua família, o

sobrenome Rothesay ficaria manchado para sempre. Seu filho Sheridan seria incapaz de defendê-

lo, e o resto de seus parentes se encarregariam de difundir os rumores. Não, não podia ir, e

tampouco podia permitir que o julgassem por traição. Só ficava uma alternativa. Colocou a mão no

bolso e procurou a diminuta pistola que costumava levar oculta ali. Era uma arma de mulher,

como as que as cortesãs de madame Antonia costumavam utilizar, e sabia que não lhe serviria de

nada em uma briga, mas sim seria útil para o que pretendia. Tirou a pistola e, com mão firme, a

meteu na boca e disparou.

Enquanto o corpo do duque caía inerte em cima do tapete, com o sangue saindo a fervuras

do orifício que a bala tinha feito ao sair pela parte posterior de sua cabeça, Alex correu para ele

em uma tentativa inútil por evitar o impossível. Estava olhando pela janela quando teve um

estranho pressentimento, e ao vislumbrar um brilho no vidro se voltou segundos antes que

Rothesay metesse o canhão da arma entre os lábios.

—Não! — gritou ao tempo que se punha a correr. Mas não serviu de nada.

Alex se ajoelhou junto ao cadáver, e James e Henry fizeram o mesmo. Olharam-se aos olhos

e os três coincidiram em que estava morto. Alex foi o primeiro a levantar.

—Temos que encontrar Irene — disse, procurando com o olhar algo com que limpar o

sangue das mãos. — James, você deveria retornar com Tilda. Será melhor que não cometamos

mais enganos. O duque — pronunciou essa palavra como um insulto — disse que tinham Irene,

mas eu não gostaria de correr mais riscos desnecessários.

—Nem eu — respondeu James e limpou também as mãos. — Saiamos daqui.

Os três montaram em seus cavalos com a agilidade própria de uns homens treinados para

missões muito mais perigosas que aquela, e cavalgaram para a cidade como uns possessos. Henry

acompanhou Alex, e James se foi em busca de sua esposa. Seu coração não voltaria a pulsar

tranquilo até que tivesse Tilda de novo entre seus braços.

Quando Hawkslife e Robert viram que o duque se dirigia sozinho para a casa em que estava

chamado com Alex, souberam que algo ia mau. O professor tratou de se meter na pele dos

traidores e não demorou para adivinhar o que tinha acontecido.

—Se Rothesay veio sozinho — disse a Robert em voz baixa, — o coronel está se fazendo com

um seguro.

—Um seguro? — perguntou o jovem.

—Sim, algo com o que poder negociar com seu irmão.

—Irene — murmurou Robert.

—Exato.

Hawkslife segurou as rédeas de seu cavalo.

—Eu irei a casa de Fordyce para me assegurar que sua esposa está bem. Você vá a minha

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casa, pegue a senhorita Grei e a leve a sua mansão. Não quero que ninguém mais saia ferido, e

assim você pode vigiar tanto à professora como a sua irmã. — Por desgraça, Hawkslife sabia o que

se sentia ao perder a um ser querido, e estava disposto a fazer tudo o que estivesse em sua mão

para que nenhum de seus falcões passasse pelo mesmo que ele.

—De acordo.

—Não me falte, Robert. Confio em você. — Com essa última frase, Hawkslife esporeou a seu

cavalo e saiu como alma que leva o diabo para a casa de Alex Fordyce.

—Não lhe falharei — respondeu Robert, embora por cima do som dos cascos fosse

impossível que o outro tivesse ouvido. E partiu igual de rápido para cumprir com sua missão.

CAPÍTULO 33

Irene estava no salão quando o mordomo anunciou que tinha uma visita, um homem com

um emplastro no olho que dizia ser amigo de seu marido e que queria felicitá-la pelo casamento.

Primeiro pensou em se negar, e dizer que não queria receber ninguém, mas por fim disse que o

fizesse entrar.

—Lady Wessex, permita que me presente, sou o coronel Casterlagh. — Fez-lhe uma leve

reverencia e deu um beijo na mão que ela estendia.

Irene dispensou o mordomo agradecendo e indicou ao coronel que se sentasse.

—Tenho que confessar que não só vim visitá-la — disse este, e a pele dela se arrepiou.

—Não? — O homem se aproximou e Irene se agarrou ao suporte da chaminé. — A que mais

veio então?

—Explicarei no caminho — concluiu o militar, e para evitar que ela avisasse a seus serventes,

apontou para ela com a pistola que levava no bolso. — Se fizer tudo o que eu disser, ninguém sairá

ferido. Vamos.

Rodeando sua cintura com uma mão e com a pistola a suas costas, a dirigiu para a saída.

—Vai a alguma parte, senhora? — perguntou o mordomo, que ao que parece tinha decidido

não se afastar muito.

—Lady Wessex me acompanhará a um passeio — respondeu Casterlagh apertando o canhão

contra Irene, — não é assim, querida?

—Sim, não se preocupe — disse ao mordomo, — diga ao senhor que fui com seu amigo o

coronel — acrescentou, suplicando que essa pista bastasse a Alex para dar com ela.

O mordomo abriu a porta para eles, e ante eles apareceu Hawkslife.

—Solte-a, coronel — ordenou ao homem, levantando sua própria pistola.

—Ah, vejo que você não é um simples professor — respondeu Casterlagh. — Temo que vai

ter que se afastar se não quiser que esta preciosa dama acabe morta em meio de um atoleiro de

sangue nos degraus de sua casa.

—Eu disse que a solte — repetiu de novo Hawkslife.

O coronel martelou a pistola.

—Se afaste ou a mato.

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O outro viu que não fanfarroneava e se afastou. O coronel então obrigou Irene a entrar em

uma carruagem. Antes de se meter no mesmo, voltou a falar:

—Se me seguir, ela morrerá.

Depois de uma portada, o veículo começou a se mover sem que Hawkslife afastasse o olhar

dele nem um segundo. Quando acreditou que já não poderiam vê-lo, montou em seu cavalo e

galopou atrás do carro, mas o coronel resultou ser mais hábil do que tinha previsto e o estava

esperando. O primeiro disparo roçou seu ombro, o segundo acertou totalmente em um braço e o

derrubou do cavalo. O condenado militar tinha duas armas prontas para disparar.

Hawkslife ficou convexo no chão durante uns minutos, tratando de recuperar o fôlego. Com

a mão ilesa apertou a ferida do outro braço, que não deixava de sangrar. Incorporou-se um pouco

e arrancou um pedaço de tecido de sua camisa para poder improvisar uma vendagem. Assobiou e,

por sorte, seu cavalo identificou o sinal e trotou para ele. Montou como pôde e retornou a casa de

Fordyce. Tinha que chegar ali antes de perder a consciência.

—Irene! — gritou Alex ao abrir a porta de sua casa, mas lhe bastou ver o rosto de seu pobre

mordomo para saber que ela não estava ali. — O que passou? Onde está minha esposa?

—O coronel, um homem com um emplastro no olho a levou, senhor — explicou o servente

com a voz ainda alterada, — e o outro cavalheiro...

—Que outro cavalheiro? — perguntou Henry, que entrou atrás de Alex.

—Eu — respondeu segundos depois Hawkslife antes de meio se desabar na porta. —

Quando vi que o duque chegava sozinho ao encontro, decidi vir aqui para me assegurar que lady

Wessex estava a salvo — explicou, tratando de respirar. — Sinto ter chegado tarde. — Apertou os

dentes para controlar a dor. — Devia ter imaginado.

—Aonde a levou? — quis saber Alex, consciente de que nunca havia sentido tanto medo

como então.

No passado o tinham ferido, tinham torturado e sim, tinha sentido medo, mas nada podia se

comparar com o pânico que agora se instalou em seu interior e ameaçava afoga-lo.

—Não disse. — Hawkslife respirou entre dentes. — Mas sabemos que o duque e ele sempre

se reuniam no botequim O Mocho Azul. Com certeza se dirige para ali. — Ou ao menos espero que

assim seja. Não queria que Alex Fordyce tivesse que passar o que ele tinha passado.

—O Mocho Azul — repetiu Alex já montando em Casio. — Obrigado, Griffin — disse com

sinceridade. — Assegure-se de que curem essa ferida.

—Não se preocupe comigo, Fordyce, e vá em busca de sua esposa. — Nenhum de seus

falcões nunca o chamava por seu nome. Na realidade, eram muito poucos os que sabiam, mas

nesse instante, sem dúvida Alex Fordyce ganhou o direito a fazê-lo.

Henry se aproximou de seu professor para que este pudesse se apoiar nele.

—Onde estão os outros? — perguntou Hawkslife. — E Rothesay?

—Vamos, curarei essa ferida e o porei à par de tudo, embora temo que não gostará nada o

que vá lhe contar — respondeu o jovem.

—Por que será, senhor Tinley, que sempre lhe tocam as tarefas mais desagradáveis?

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—Se isso foi uma brincadeira, Hawkslife, sinal de que perdeu muito sangue.

—Já não tenho idade para estas coisas. — Se sentou em um sofá e olhou a ferida do braço.

—O duque lhes disse quem é Louva-Deus e onde podemos encontrá-lo?

—Não, temo que sua graça preferiu voar a tampa dos miolos.

—Maldição.

—Sim, em efeito, perdeu muito sangue. Nunca antes o tinha ouvido renegar.

—Temos que averiguar quem é Louva-Deus, senhor Tinley, muitas vidas correm perigo se

não o fizermos.

—Sei, mas não se preocupe, Alex conseguirá fazer o coronel falar — respondeu Henry,

rezando para que assim fosse e seu amigo e sua esposa logo estivessem ali de volta.

Alex galopou amaldiçoando cada vez que topava com um obstáculo; esquivar a outra

carruagem podia significar a perda de uns segundos preciosos para salvar a vida de Irene. Tão

somente ouvia o som dos cascos de seu cavalo contra o chão da cidade, mas em seu coração

ressoavam as últimas palavras que Irene tinha dito essa mesma tarde. Deus, o que daria para

poder retroceder no tempo e lhe dizer que sim, que o único que queria era ter uma oportunidade

de ser feliz a seu lado. Naquele preciso instante, presa do desespero e ao bordo da loucura, Alex

se deu conta que nunca tinha dito que a amava, ao menos não sendo ela consciente, e se jurou

que não permitiria que passasse um dia mais sem se confessar. Tinha que salvá-la, sem ela nada

tinha sentido.

Chegou ao botequim e saltou do cavalo, confiando em que Casio saberia que não devia sair

dali até que ele retornasse. Entrou e esquadrinhou o local com o olhar, mas não viu nem Irene

nem Casterlagh por nenhuma parte. Ia sair dali para partir quanto antes para a residência do

coronel quando se deu conta que o homem que estava atrás do balcão o estava observando. Sem

hesitar, se dirigiu a ele:

—Sou Alex Fordyce, tem algum recado para mim?

—Sim — respondeu o taberneiro. — O coronel diz que olhe estarão esperando em sua casa

de Seven Dials.

Alex deu uma moeda ao homem e saiu dali como alma que leva o diabo para o bairro em

questão. Conhecia perfeitamente aquelas ruas e sabia que o coronel tinha ali uma casa que só

utilizava para receber companhia feminina.

A entrada da mesma estava às escuras e ele não perdeu tempo em ser sigiloso, mas sim

bateu na porta e anunciou sua chegada.

—Passe, Fordyce, estava esperando você — disse o coronel ao abrir. — E o duque?

—Morto — respondeu ele sem rodeios. — Igual a você estará se não me disser agora mesmo

onde está minha esposa.

—Tranquilo, Fordyce. Não se altere.

Alex deu um passo mais e o coronel puxou Irene, a quem tinha mantido afastada da porta

com um braço, para a colocar de novo frente a ele e seguir mirando-a com a arma.

—Solte-a ordenou Alex, apontando-o com sua pistola. — Solte-a.

—Vamos, Fordyce — zombou o militar, — ambos sabemos que não se atreverá a disparar.

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Não correrá o risco de ferir sua preciosa mulherzinha. Onde está a lista? Me dê isso e poderemos

começar a negociar.

—Esqueça da lista. Sabemos tudo o que o duque e você estiveram fazendo. — Viu que

Casterlagh levava a pistola à têmpora de Irene e sentiu que lhe faltava o ar. — Posso lhe oferecer

um trato. — Deixou sua arma no chão e levantou as palmas das mãos. — Solte a minha esposa, ela

não tem nada com isto.

—E pretende que acredite em você, depois de me dizer que matou Rothesay?

—Eu não o matei — particularizou, se atrevendo a dar um passo para ele. — Rothesay se

suicidou.

—Vá. — O coronel esboçou um pérfido sorriso que gelou o sangue de Alex. — Sempre disse

que os nobres não sabem aguentar a pressão. Eu não o porei tão fácil, Fordyce. Quero a lista e que

me exonere de todos esses delitos de traição que diz que cometi e possivelmente então soltarei

sua esposa.

—Não — respondeu ele com firmeza. Mas ao ver que o homem apertava a jovem com tanta

força que a esta começava a custar respirar, se assustou. —Está bem, Irene? — perguntou,

mantendo o olhar fixo em seus olhos até que a viu assentir. — Não vou lhe entregar nenhuma

lista, mas se me diz o nome de quem dirigiu todas estas operações da França, talvez possa

conseguir que saia do país com vida.

O coronel ficou olhando-o durante longo momento antes de responder:

—Você é um deles — disse como se de repente visse tudo claro. — Você é um desses

condenados espiões. — Alex viu que Irene abria os olhos com medo e assombro ao mesmo tempo,

mas não se permitiu o luxo de se alterar, nem quando o coronel pressionou de novo o canhão

contra a têmpora dela. —Me diga uma coisa, Fordyce você, que viveu as misérias da guerra, que

sabe quão abandonado pode chegar a se sentir um soldado no meio do campo de batalha, não lhe

parece que eu merecia mais que uma mísera pensão e um emplastro no olho?

—É obvio. — Alex lhe deu a razão e deu outro passo mais.

—Ninguém parecia acreditar assim, mas uns meses depois de minha volta, Rothesay veio me

ver e me disse que queria me apresentar a alguém. Alguém que me contou seus planos e me disse

que a seu lado me converteria em um homem muito rico.

—Me diga quem é, coronel.

—Um não se converte no que é esse homem por nada, Fordyce. — Tinha a testa coberta de

suor. —Vi os olhos de muitos antes de morrer, e nenhuma só vez vi um olhar tão cheio de ódio

como o dele.

—Me diga seu nome, coronel — insistiu Alex.

—Tenho muito dinheiro guardado em minha casa — prosseguiu o outro, falando para si

mesmo; — a mala pronta para partir. O único que tenho a fazer é sair daqui, então temo que sua

esposa vem comigo.

Alex tratou de calcular o momento que Henry e outros poderiam demorar para aparecer, e

por desgraça teve que aceitar a possibilidade de que não chegassem a tempo.

—Leve a mim em seu lugar — se ofereceu então, e os olhos de Irene se encheram de

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lágrimas. — Solte a minha esposa e tome a mim de refém.

—Nem sonhe; sou caolho, mas não estúpido. Ela vem comigo, e se quer voltar a vê-la com

vida será melhor que se afaste.

Alex se manteve imóvel onde estava. Sua pistola descansava a um metro de seus pés, se se

agachava poderia pegá-la e disparar em questão de segundos, mas esse movimento daria tempo

de sobra a Casterlagh para apertar o gatilho e fugir dali. Não podia se arriscar.

—Pense no que eu disse, coronel — repetiu Alex. — Dentro de pouco, este lugar estará

repleto de soldados — mentiu. —Ainda está a tempo de sair desta livre. Solte minha esposa e me

diga como se chama esse monstro.

—Você mesmo o disse, é um monstro, e não cometerei o engano de o trair. — Apertou o

canhão com força contra a cabeça de Irene e esta gemeu de dor. —Saia da frente.

—Antes terá que me matar.

—Como preferir.

O militar apontou com destreza para o peito de Alex, que estava de pé frente à única saída

da casa. Este tratou de calcular para aonde poderia se dirigir exatamente a bala para esquivá-la

ou, no mínimo, se assegurar que resultasse ferido em uma parte pouco vital. Se o feria em um

braço, ainda poderia pegar sua pistola com o outro e disparar. E o mesmo com uma perna. Com o

olhar fixo no canhão negro da arma não viu que Irene tinha começado a forcejar com mais ímpeto

nem que conseguia se soltar. Ouviu o estalo da pólvora, a fumaça lhe ardeu nos olhos, e sem

sentir sequer uma pontada de dor, se agachou pegou sua pistola e disparou no coronel.

Instantes depois do segundo disparo, o corpo deste caiu desabado ao chão, mas antes que

caísse de tudo, Alex ouviu como outro objeto golpeava o chão. Com o olhar ainda fixo no militar, o

viu sorrir, e um horrível calafrio percorreu suas costas.

—Nunca saberá quem é — disse o coronel cuspindo sangue, — nunca. — Desviou a vista

para um lado, onde Irene jazia no chão. — Agora já sabe o que é perder tudo.

Alex girou a cabeça e um grito dilacerador saiu de sua alma.

—Não!!

Sua esposa estava caída ao lado do militar e um pequeno atoleiro de sangue estava se

formando em um de seus flancos. A mente de Alex reconstruiu o acontecido e por fim viu o que

seus olhos não tinham percebido segundos antes. Irene tinha conseguido se soltar do coronel e,

em vez de fugir ou ficar a salvo, tinha se interposto entre ele e o militar para tratar de protegê-lo.

Alex tinha estado tão concentrado em recuperar sua pistola e disparar que não se deu conta. A

arma caiu agora de seus dedos inertes e correu a se ajoelhar junto a sua esposa.

—Irene, minha vida — balbuciou colocando-a bem e pressionando a ferida com a jaqueta,

que se tirou imediatamente. — O que tem feito? — disse para si mesmo, mas ela o surpreendeu

abrindo os olhos.

—Me... me ... ensinou... —Tossiu e fechou os olhos para controlar a dor. — Me ensinou

quando éramos pequenos e brincávamos de guerreiros.

—Minha vida — repetiu Alex, que não podia conter as lágrimas. — Tenho que te tirar daqui.

Ela assentiu e levantou uma mão para acariciar sua cara.

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—Alex — balbuciou; começava a ser incapaz de manter os olhos abertos.

—Não diga nada. — Levantou-a nos braços, tratando de não pensar no sangue que lhe

empapava as mãos.

—Alex — insistiu ela, até que ele a olhou, — me prometa...me prometa que....

—O que queira — disse Alex com voz entrecortada e as lágrimas escorregando pelas

bochechas.

—Que será feliz. — Depois dessas últimas palavras, que lhe custaram as poucas forças que

ficavam, Irene se entregou à escuridão e rezou para que Deus fosse o bastante generoso para lhe

permitir que morresse sem passar pelo sofrimento pelo que passou sua mãe. E rezou para que

Alex não se sentisse culpado e pudesse por fim ser feliz.

Irene não ouviu o doloroso grito de seu marido. Nem tampouco viu chegar a seu irmão

James junto com Robert, nem os olhares de ambos quando a viram desmaiada nos braços de um

Alex que parecia incapaz de seguir vivendo.

Duas horas mais tarde, o médico que Hawkslife se apressou em mandar chamar, tinha

limpado e suturado a ferida de Irene e esta jazia ainda inconsciente na cama do dormitório de

Alex. A jovem tinha tido muita sorte, disse-lhes o médico que tinha atendido ao professor em

várias ocasiões; a bala tinha entrado por um lado, justo por debaixo das costelas, e tinha saído

sem danificar nenhum órgão vital. A inconsciência se devia à perda de sangue, mas se descansava

e se asseguravam de limpar bem a ferida para que não se infectasse, não havia nenhum motivo

pelo que não devesse despertar.

Quando isso acontecesse, explicou-lhes também o médico, demoraria um pouco a se

recuperar de tudo, e necessitaria algo de ajuda durante um tempo até poder voltar para a vida

normal. Alex escutou todas as explicações como se sua própria vida dependesse disso, e a verdade

era que assim era. Se Irene morria, ele não poderia seguir vivendo.

CAPÍTULO 34

—Três dias, Irene — disse Alex. — Levo três dias sem ver seus preciosos olhos. Abre-os, por

favor.

Apesar da mensagem tranquilizadora que o doutor tinha dado após curar Irene, esta seguia

sem despertar. O médico tinha dito que às vezes a mente de uma pessoa precisava descansar um

tempo depois de ter vivido uma experiência muito traumática e que certamente isso era o que ela

estava fazendo. Alex, que esteve tentado a agarrar ao ditoso médico pelo pescoço e exigir que

fizesse algo, perguntou, em troca, como podia ajudá-la a despertar e quando o homem lhe disse

que nada, acreditou morrer.

—A ferida não se infectou — prosseguiu o médico. — Então agora tudo está nas mãos de

Deus. — Fechou a maleta. — E de lady Wessex. Se ela não encontrar o modo de sair do lugar onde

se encontra agora, temo que não poderemos fazer nada para ajudá-la.

—Nada? — Alex se negava a aceitar tal possibilidade.

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—Não se preocupe, milord, ainda é cedo para nos preocuparmos com isso. Chegado o caso,

já o enfrentaremos. — Se dirigiu à porta. — Se me permitir um conselho, descanse um pouco. À

sua esposa não ajudará que você também fique doente. —Deveria dormir um momento e comer

algo.

O médico se foi e Alex decidiu ignorar seu bem-intencionado conselho e voltou a sentar na

cadeira que havia junto à cama de Irene, em que já tinha passado os três últimos dias. Agarrou-lhe

a mão e entrelaçou os dedos com os seus para recordá-la que seguia ali e que necessitava que

voltasse. Alguém bateu na porta.

—Alex? — perguntou seu pai. — Posso entrar?

—Claro — respondeu ele sem apartar a vista de sua esposa.

—Leva assim três dias, não acha...?

—Não me peça que me afaste dela — o interrompeu ele. — Não posso.

—Não ia te pedir isso. — Pegou outra cadeira e a colocou ao lado da de seu filho. — Sei que

não pode, eu tampouco pude me afastar do leito de sua mãe — confessou com sinceridade.

—Lembro-me. — Alex fechou os olhos. — No dia em que mamãe morreu fui ver Hawkslife

para lhe dizer que aceitava me converter em falcão.

Respirou fundo. Sabia que o barão, James e o próprio Hawkslife tinham posto seu pai à par

do acontecido, mas ele ainda não tinha reunido a coragem de falar com ele. Tinha a sensação de

que seria uma conversação muito emotiva e agora Irene necessitava de todas as suas forças. Mas

ao que parece foi o momento que escolheu por ele e não ao reverso.

—Conheci Hawkslife em Oxford — explicou, — e me disse que reunia as qualidades

necessárias para ser útil a meu país. — Zombou de si mesmo: — A essa idade pareceu uma grande

honra, mas à medida que ia me fazendo mais velho, pensei que não valia a pena. Lembra do muito

que eu gostava dos navios?

—Pois claro — respondeu Charles apoiando uma mão nas costas de seu filho. — Claro que

me lembro.

—Costumava contar ao William que já que ele tinha que carregar o título, eu me dedicaria a

navegar. Ele ria, mas me dizia que estava convencido de que conseguiria ter a maior companhia

naval de toda a Inglaterra. — Olhou para Irene e, com a mão que tinha livre, acariciou-lhe o cabelo

e a bochecha. — Sempre quis me casar com ela. Deus, acredito que jamais pensei que nenhuma

outra mulher pudesse conquistar meu coração como Irene o fez com apenas quatro anos.

—Sua mãe e eu costumávamos falar disso. — Viu que Alex inclinava a cabeça para olhá-lo e

continuou: — Dizia que faziam muito bom casal.

—Quando mamãe morreu senti tanta raiva, tanta impotência, que montei no lombo de meu

cavalo e fui ver Hawkslife para lhe dizer que podia contar comigo. Não queria que ninguém mais

voltasse a sofrer nenhum dano. Tinha a estúpida ideia de que se me convertia em espião poderia

proteger a todos, e que jamais nenhum de vocês voltaria a sofrer. E pensei — se secou uma

lágrima — que assim possivelmente algum dia chegaria a ser digno de Irene.

—Alex. — Seu pai tratou de o abraçar mas ele resistiu.

—A princípio, Hawkslife me disse que não podia lhes contar nada, porque assim meu papel

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Irmandade do Falcão 01

212

seria muito mais verossímil. Não pode acreditar a quantidade de coisas que as pessoas contam a

gente quando acreditam que não é de confiança. Tive que me converter em um inapresentável

para ter livre acesso aos piores tugúrios de Londres ou do continente. E me doeu muitíssimo que

nenhuma só vez o pusesse em dúvida. Sei que é muito egoísta isto que estou dizendo, mas não

pode nem imaginar a quantidade de vezes que imaginei que viria me ver para exigir que te

contasse o que estava passando na realidade.

—Sinto muito, Alex. Talvez não acredite nisso, mas sempre me custou muito conciliar a

imagem que tinha de você quando pequeno com a vida que escolheu levar durante estes últimos

anos. Mas... pensei que depois da morte de sua mãe tinha decidido “viver a vida”. Acreditava que

terminaria por entrar em razão e suponho que depois me acostumei a que me decepcionasse. E

não sabe quanto o lamento.

—E quando William morreu — agora que Alex tinha começado a falar lhe resultava

impossível calar seus sentimentos, — quando morreu William tive vontade de gritar a Deus que

esse não era o trato. Que eu tinha entregue minha vida à Irmandade em troca de que vocês

estivessem a salvo. Se supunha que ele não tinha que morrer, se supunha que Irene tinha que ser

feliz. Falhei com todos.

—Alexander, nunca me senti tão orgulhoso de ninguém como me sinto de você agora. O que

decidiu quando mal era um menino demonstra que possui o coração mais generoso que jamais vi.

Não volte a repetir que nos falhou. Nunca. — Apertou a mão que ainda tinha sobre as costas de

seu filho. —Pelo que Hawkslife me contou, graças a você muitos soldados ingleses puderam

retornar junto a suas famílias, e também me disse que seu trabalho no continente serviu para

salvar muitas vidas, isso, Alex, não é falhar. Isso é ser um herói.

—Isso não me importa.

—Sei, e por isso o quero tanto. Lamento muitíssimo não ter duvidado do papel que estava

representando. Acredito que nunca poderei me perdoar não ter entrado a gritos em seu quarto e

te exigir uma explicação.

—Não, papai...

—Me deixe terminar, filho. Lamento muito não ter estado a seu lado quando é evidente que

me necessitava, mas prometo que a partir de agora estarei sempre disposto. Quando Irene fique

bem, porque tenha por seguro que ficará bem, irão de lua de mel, e George e eu nos

asseguraremos de que toda Londres saiba que graças a você se desentupiu uma traição. Não

penso permitir que ninguém mais siga acreditando que não vale nada, Alex, e menos quando é o

homem mais digno de confiança que conheço. Sei que não podemos contar toda a verdade, que a

Irmandade, ou como se chame, tem que seguir sendo um segredo, e que você tem que prosseguir

com sua missão, mas quero que toda a Inglaterra, o mundo inteiro, saiba que me sinto muito

orgulhoso de ser seu pai. — Charles, que era quase tão alto como Alex, não permitiu que seu filho

o rechaçasse de novo e dessa vez o abraçou como fazia anos desejava fazer. — Te quero, Alex. E

senti muito sua falta.

—E eu de você, papai. — Lhe devolveu o abraço e, durante uns segundos, se permitiu

acreditar que tudo ia sair bem. — Obrigado.

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Irmandade do Falcão 01

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—Não me agradeça. — O conde se afastou emocionado. — E lhe diga a seu professor que se

mantenha afastado de Robert — acrescentou, em uma tentativa por aliviar o ambiente.

—Farei. — Alex se acomodou de novo na cadeira e voltou a entrelaçar seus dedos com os de

Irene. — Papai — disse antes que este saísse do quarto, — eu também me sinto muito orgulhoso

de ser seu filho.

Charles Fordyce, conde de Wessex, saiu do quarto de Alex e suplicou a Deus que não

permitisse que este tivesse que sofrer a perda da mulher a quem tinha entregado o coração e a

vida inteira.

Depois do emotivo encontro com seu pai, Alex dormiu durante uns minutos e despertou

com ânimo renovado. Não ia permitir que o destino lhe arrebatasse o único tinha querido neste

mundo.

—Irene, abre os olhos — disse com voz firme. — Abre esses preciosos olhos para que possa

te dizer que não tenho a mínima intenção de ser feliz se você não estiver a meu lado. — Só de

pensar nisso ficou furioso. — Como pôde me pedir que te prometesse algo assim? — Ela seguia

sem se mover. — Como pôde? Eu jamais serei feliz sem você, jamais. E se não te parece bem, já

sabe o que tem a fazer, abre os olhos e me mande ao diabo. — Ficou uns segundos mais em

silencio antes de continuar: — Não sabe a quantidade de vezes que repeti em minha mente nossa

última conversação. Lembra de que me perguntou se queria ficar e nos dar uma oportunidade?

Não sabe quanto me arrependo de não ter dito a verdade. Em meu coração, Irene, eu nunca quis

ir. Sempre desejei estar com você. Por favor, abre os olhos para que possa te dizer que te amo.

Levo anos dizendo isso sabe? Cada vez que me deitava com a trança de fitas entre os dedos o dizia

em voz baixa. E na noite em que fizemos amor pela primeira vez, quando adormeceu, também lhe

disse isso. Não sei por que, nunca me atrevi a dizer isso diretamente, suponho que acreditava que

assim seria mais fácil para você me esquecer se algo saía mau.

Teve a sensação de que ela apertava ligeiramente os dedos e seguiu falando:

—Abre os olhos, Irene, para que possa te dizer que a amo e que quero ficar para sempre a

seu lado, para que possa te dizer que tudo o que fiz foi por você, por ser digno de seu amor. —

Notou que sua voz tremia, mas se obrigou a seguir: — Abre os olhos para que possa te dizer que

quero ter um montão de filhos com você; cavalheiros medievais que protegerão às princesas de

todos seus dragões. Mas me recorde que nem louco ensine a eles os mesmos movimentos que

ensinei a você — acrescentou, ao recordar o que ela tinha feito para protegê-lo. — Em que diabos

estava pensando para se colocar diante desse maníaco?

—Em você — sussurrou ela.

—Irene? — A voz dela tinha saído tão fraca que Alex temeu ter imaginado. — Irene? —

voltou a perguntar olhando aqueles preciosos olhos abertos.

—Em você — repetiu sua esposa com um pouquinho mais de força.

—Minha vida. — Alex se pôs a chorar, afligido pelo sacrifício que Irene tinha estado disposta

a fazer inclusive quando nunca tinha lhe falado de seus sentimentos. A abraçou com suavidade

para não tocar a ferida e depois se afastou com cuidado. — Vou avisar a seu pai e a seus irmãos.

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Irmandade do Falcão 01

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Ela assentiu e olhou atônita como Alex saia dali sem beijá-la. Não sabia quanto tempo tinha

passado inconsciente, mas sim sabia que o único que a tinha impulsionado a sair daquele estupor

era a voz dele. Uma voz cheia de amor e desespero que ao que parece devia ter imaginado, pois

seu marido se afastou do leito como se não pudesse suportar a ideia de voltar a olhá-la. Talvez

ainda estivesse aturdida, disse a si mesma, era impossível que o mesmo homem que lhe tinha

suplicado que voltasse para seu lado fosse agora incapaz de lhe dar um beijo. Voltou a fechar os

olhos, confiando em que quando os abrisse de novo tudo teria se solucionado.

Cinco dias depois, Irene já estava muito mais recuperada. Seu pai e seus irmãos a visitavam

diariamente, e Tilda, sua cunhada, fazia companhia a ela sempre que sua gravidez, e James,

permitiam. Robert e Eleanor, os irmãos de Alex, também foram vê-la e lhe levavam flores, livros, e

lhe contavam as últimas intrigas da cidade. Graças a todos eles, Irene descobriu que seu marido

tinha passado de ser um crápula desprezível a todo um herói, e que os periódicos enchiam páginas

e páginas contando como tinha evitado que uns traidores se apropriassem de certa informação

vital para a segurança do país. Ele mal a visitava, passava o dia trancado em seu escritório. De

noite, quando acreditava que ela já estava adormecida, se deitava a seu lado e a abraçava como se

fosse feita de cristal. A princípio, Irene pensou que Alex não queria falar com ela porque tinha

medo de envenená-la, mas na manhã do sexto dia chegou à conclusão de que simplesmente ele

tinha medo.

Se seus olhares se cruzavam em algum momento, no meio de um corredor, ou na mesa na

hora de comer, ele a esquivava imediatamente. E se ela tratava de iniciar uma conversação, dizia

que não queria cansá-la e que já falariam mais tarde. Irene já estava farta e tinha decidido que,

para variar, não ia permitir que Alex seguisse lhe ocultando a verdade. Passou o dia pensando na

estratégia que ia seguir e, de repente, recordou sua noite de núpcias. Ele tinha dito que em seu

quarto nunca diriam mentiras, então optou por esperar até que se fizesse de noite e que seu

marido repetisse o ritual dos dias anteriores.

Alex sabia que estava se comportando como um covarde e que tinha que falar com Irene,

mas não podia tirar da cabeça a imagem dela inconsciente, no meio daquele atoleiro de sangue.

Cada vez que fechava os olhos tinha pesadelos sobre a morte de sua esposa e em todas elas, antes

de morrer, dizia-lhe que o tinha feito por ele.

Alex não merecia tal sacrifício, em toda sua vida, só tinha sabido fazê-la infeliz e em troca ela

tinha se interposto decidida a receber uma bala que ia destinada a ele. O melhor que podia fazer

por Irene seria ir para muito longe e permitir que refizesse sua vida com alguém digno dela,

alguém como lorde Crompton. Qualquer menos ele, que só tinha lhe causada dor e por sua culpa

quase a morte. Por não falar da cicatriz que ficaria para sempre no corpo dela e que seria uma

lembrança perene daquela experiência tão traumática. Cada dia jurava a si mesmo que falaria com

sua esposa e lhe ofereceria a possibilidade de pedir a anulação de seu casamento. Mas quando a

via, as palavras se negavam a sair de seus lábios. E cada noite jurava a si mesmo que não se

deitaria com ela.

Depois de sua recuperação, Irene não tinha retornado a seu antigo dormitório e tinha

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Irmandade do Falcão 01

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preferido ficar no de Alex. Este não se atrevia a pensar que esse gesto significasse algo mais que o

fato de que estava mais cômoda nessa cama que na que tinha ocupado antes. Afinal de contas,

sempre tinham feito amor no quarto dela, e na cama de Alex só tinham dormido juntos na noite

antes do maldito disparo.

Ele ficava em seu escritório até altas horas, incapaz de pensar em nada que não fosse sua

esposa e como conseguiria sobreviver sem ela. Sabia que sem Irene sua vida seria só mera

existência, mas depois de todo o acontecido, se decidia abandona-lo não se oporia.

Subiu a escada e entrou no dormitório no que se imaginou fazendo amor com sua mulher.

Sempre tinha sonhado despertar na manhã de ano novo com Irene entre seus braços e sua filha,

uma pequena réplica dela, deitada entre os dois.

Suspirou e se despiu, ficando só de cueca e se deitou junto a sua esposa. Talvez no dia

seguinte se atrevesse a falar com ela.

Irene, que não estava dormindo, fingiu estar até que Alex se meteu entre os lençóis, a seu

lado.

—Alex, não podemos seguir assim — disse com convicção.

—Continua dormindo — respondeu ele em voz baixa, mas esticou o braço com o que lhe

rodeava a cintura.

—Não. — Ela se afastou e se sentou na cama. — O que te passa? Por que não quer falar

comigo?

Ele, vendo que já não podia seguir fugindo, levantou e se encaminhou para a mesinha para

acender a lamparina que havia em cima. Por muito que temesse a resposta de Irene, queria vê-la

aos olhos.

—Quando a vi caída no chão, empapada de sangue, acreditei morrer — explicou furioso. —

Se supunha que era eu quem tinha que proteger a você, e não ao contrário.

—Alex... — Ela tratou de interrompê-lo, mas ele não o permitiu.

—Lembro do dia que a conheci. Parecia tão assustada, tinha os olhos mais preciosos que já

tinha visto. Estava junto à Isabella, que mal era um bebê. Lembro que pensei que nunca tinha visto

algo tão formoso como você e essa mesma noite perguntei a minha mãe se tinha poderes

mágicos. Ela me sorriu e perguntou a que vinha essa pergunta e eu respondi que devia ser uma

criatura tirada de um conto de fadas, pois bastava te olhar para que me acelerasse o coração e me

tremessem as pernas. — Nervoso, passou uma mão pelo cabelo e seguiu com o olhar fixo na

parede, pois ainda se sentia incapaz de olhar a sua esposa. —Minha mãe me deu um beijo na testa

e me disse que não me preocupasse. Passaram os anos e nunca me acostumei a essa sensação que

me embargava cada vez que a via, mas logo deixei de me questionar. Quando estava em Oxford

alguns de meus companheiros começaram a visitar os quartos das garotas, eu nunca senti o

menor interesse. Um dia uns moços zombaram de mim dizendo que eu não gostava das mulheres

e William os mandou ao diabo. Logo me disse que era normal que não queria ir com eles, estando

como estava apaixonado por você.

—Alex... — disse ela emocionada.

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Irmandade do Falcão 01

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—Então soube. — Riu de si mesmo e deu meia volta para olhá-la. — Estava apaixonado por

você, sempre estive e sempre estarei — confessou a olhando aos olhos. — Comecei a fazer planos,

inclusive contei a William que queria construir um navio e ao longo do tempo ter minha própria

naval. Pediria a você que casasse comigo e seríamos felizes para sempre. — Tomou ar e

continuou: —Mas então conheci Hawkslife.

—James e meu pai me contaram algo, mas preferiria ouvir toda a história diretamente de

você.

—Conheci Hawkslife — prosseguiu ele como se não a tivesse ouvido, — e me disse que eu

reunia os requisitos ideais para fazer parte da Irmandade do Falcão.

—O falcão que tem tatuado no braço.

—Sim. É uma espécie de marca para que possamos nos identificar entre nós. A Irmandade é

um corpo de espiões tão secreto que nem os próprios membros conhecem a identidade de outros.

— Passeou nervoso pelo quarto. — Deus, se nem sequer sabia que James pertencia a ela. Rechacei

a oferta de Hawkslife. — Viu que Irene o olhava intrigada e respondeu à pergunta não formulada.

—Por você. O único que queria era me lavrar um futuro e te pedir que casasse comigo, mas

então... — sua voz quebrou.

—Então morreu sua mãe — ela terminou a frase.

—Sim, e pensei que se me convertia em um falcão poderia cuidar das pessoas que amava, e

que ninguém mais sairia ferido. — Sentou na cama, esgotado física e emocionalmente. — E já vê.

William está morto e você, você quase morre em meus braços.

—Mas estou viva, Alex. — Se aproximou e lhe acariciou as costas nua, mas ele se levantou e

pôs distância entre os dois. — E por muito que lamente a morte de William, foi ele quem tomou a

decisão de se alistar, não você. Você não tem a culpa.

—Se eu tivesse estado aqui, se ele não tivesse acreditado que tinha que ir à guerra para

demonstrar que em nossa família nem todos eram uns covardes ainda estaria vivo. —Pelo modo

em que pronunciou essas palavras Irene soube que Alex de verdade se odiava por isso.

Procurou algo que dizer, algo que pudesse consolá-lo, mas não o obteve. E ele seguiu

falando:

—Quando retornei a Inglaterra, Hawkslife me disse que a emboscada em que faleceram

William e todo seu batalhão tinha sido possível graças a que certo traidor facilitou informação

secreta aos franceses. A Irmandade suspeitava que o traidor pertencia à nobreza e se supunha que

eu tinha que averiguar quem era. — Voltou a recordar os feitos que tinham marcado o início de

sua volta a casa. — Aceitei a missão com a condição de poder matar a esse homem com minhas

próprias mãos. A Hawkslife não pareceu bem, mas pensei que terminaria por convencê-lo. Queria

vingar a morte de meu irmão.., e nem sequer fui capaz de fazer isso. — Pronunciar essas palavras

lhe doeu na alma. — O coronel Casterlagh e o duque de Rothesay eram uns traidores e uns

assassinos, e sim, foram eles os que se apoderaram da documentação de David Faraday, e quem

estava por trás de sua morte. Eram uns canalhas desprezíveis, mas nenhum dos dois é o homem

que estamos procurando. Preciso encontrá-lo, Irene.

—Alex, William está morto. — Ficou de pé e se aproximou dele.

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Irmandade do Falcão 01

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—Sei. E é minha culpa.

—Não é. — Colocou a palma da mão na bochecha dele e o obrigou a olhá-la. — O que pensa

fazer? Passar o resto de sua vida procurando vingança?

—Não mereço ter uma vida, Irene. — Tinha os olhos injetados em sangue pelo esforço que

estava fazendo para não chorar. —Não me peça que tente, por favor.

—Alex... — A ela sim escaparam duas lágrimas. — Não diga isso, é obvio que merece ter uma

vida, e não só isso, merece sentir todo o amor que eu preciso te dar.

—Não posso seguir assim, Irene. Cada vez que fecho os olhos a vejo no meio desse atoleiro

de sangue. Tem que te afastar de mim disse de repente. — Podemos pedir a anulação do

casamento. Assinarei o que queira. O único que te peço é que refaça sua vida.

—Alex — levantou uma mão para lhe acariciar o rosto, — não acha que já sofremos o

bastante? Não acha que ambos merecemos a oportunidade de ser felizes? De estar juntos como

sempre sonhamos?

Ele ficou olhando-a e lhe contou sua própria história:

—Eu também recordo o dia em que o conheci. Estava falando com William e pensei que,

pela primeira vez, via um menino cujos olhos sorriam. Meu coração também dava um tombo cada

vez que o via, e minhas pernas tremiam quando nossas mãos se roçavam por acaso. Naquele dia

antes que fosse a França, me atrevi a te beijar porque não podia seguir só imaginando. Não quero

seguir sonhando estar com você. Não quero ter que imaginar como serão nossos filhos. E

tampouco quero ter que imaginar o que se sente ao passar toda a vida ao lado da pessoa amada.

—Irene...

—Alex, te amo, e se tivesse me contado a verdade teria te esperado. Teria estado a seu lado

e teria feito tudo o que fosse necessário por seu amor.

—Irene; eu também te amo confessou ele abraçando-a por fim. — Te amo. —Uma lágrima

escorregou pela bochecha dele e não fez o gesto de secá-la.

Ela ficou nas pontas dos pés e, com um beijo, enxugou essa pequena amostra de tristeza.

—Não chore, Alex. — Acariciou o cabelo dele. —Amo você.

—Tenho medo, Irene — sussurrou ele. — Temo não ser capaz de te dar a vida que merece.

Levo tantos anos mentindo que às vezes me assusta não saber distinguir a verdade. Vivo com o

temor de que alguém de meu passado reapareça e te faça mal. Tenho medo.

—Eu também tenho medo, Alex. De voltar a te perder. Tenho medo que escolha seguir com

sua vingança em vez de dar uma oportunidade a nosso amor. — Segurou o rosto dele entre as

mãos para se assegurar que tinha toda sua atenção. —Sei que jamais poderá se perdoar pelo de

William, apesar de que eu tratarei por todos os meios de conseguir que o faça, e sei que não

deixará de ser o homem nobre e valente que é e que, portanto, seguirá vinculado à Irmandade,

mas te peço, não, suplico que deixe seu irmão descansar em paz.

—Não sei se posso, Irene — respondeu ele sincero.

—Sim, pode — disse ela com convicção. — O farei tão feliz que só pensará em estar comigo.

—Nunca pensei em nada mais — respondeu imediatamente. — Mas nunca acreditei que

chegasse a ser verdade. — A olhou aos olhos. — Ontem falei com Hawkslife. —Se iam ter um

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futuro, tinha que começar a confiar nela e a lhe contar o que o preocupava. — Graças aos

cadernos que seu irmão e Robert encontraram na casa do coronel e nos aposentos do duque

sabemos que Louva-Deus, assim batizamos ao homem que supomos está no comando, tem

estabelecida sua sede na França. Se mencionaram certos lugares e Henry, um amigo meu que

também é falcão, retornará ali para seguir essas pistas. Além disso, ao que parece já há outro

falcão no continente seguindo outro rastro.

—E você o que fará? — perguntou Irene com o coração em um punho.

—Eu ficarei aqui confessou emocionado olhando-a aos olhos. — Te amo, e se de verdade

está disposta a se arriscar comigo, apesar de saber toda a verdade, nada me faria mais feliz que

passar o resto de minha vida a seu lado.

Lhe deu um beijo que continha todo o amor e todas as promessas que foi guardando dentro

de si mesmo durante os anos que tinham estado separados.

—E já que meu maior sonho parece ter se tornado realidade — acrescentou ele quando

Irene se afastou, — possivelmente também me atreva com o da naval.

—OH, Alex! — exclamou. — Seria fantástico.

—Nunca poderei deixar de ser um falcão, Irene — ele disse olhando-a aos olhos. — Mas te

amo. Você é sem dúvida o amor de minha vida. Te dei meu coração quando não sabia o que isso

significava, e sua lembrança me manteve cordato em mais ocasiões das que eu gostaria de

recordar. Te amo, te necessito. Quando fui daqui, faz cinco anos, me esqueci do que se sente ao

ser feliz e não conseguirei recordar sem você a meu lado.

Inclinou a cabeça devagar, consciente de que aquele era um momento que queria recordar

durante toda sua vida, e a beijou. Irene se entregou a ele de corpo e alma.

—Eu também te amo, Alex. E o único que sempre desejei é estar a seu lado, então suponho

que o da felicidade teremos que recordar juntos.

Ambos procuraram ansiosos os lábios do outro e, depois de uns longos e apaixonados beijos

nos que se disseram mil vezes que se amavam e que se necessitavam, ele voltou a se afastar.

—Se souber que tenho a você — disse, lhe acariciando o cabelo com mãos tremulas, — não

necessito nada mais. —Começou a inclinar a cabeça, mas de repente se deteve. —Não, isso não é

certo. Há algo que eu gostaria de te pedir.

—O que queira — assegurou ela um pouco surpreendida.

—Não volte a ficar diante de uma pistola, lady Wessex. — Deu-lhe um beijo no nariz. — Digo

a sério.

—Está bem, senhor Falcão. Não o farei. — Ficou nas pontas dos pés para o olhar

diretamente aos olhos. — Com uma condição.

—Qual?

—Que você faça o mesmo — e antes que ele pudesse dizer nada mais, voltou a beijá-lo, e

entre beijos conseguiram chegar à cama, onde fizeram amor e, ao terminar, justo antes de

adormecerem e dizerem de novo que se amavam, ambos coincidiram em que nunca mais

voltariam a ter quartos separados. Em sua noite de núpcias se prometeram que ali sempre se

diriam a verdade, e era uma promessa que nenhum dos dois ia quebrar jamais.

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Irmandade do Falcão 01

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FIM

Próximo livro:

VOCÊ DE MINHA ALMA

França. Prisão de Chablis, 1806.

William rezou para que o próximo guarda que entrasse na cela o matasse. Já era incapaz de

recordar o tempo que fazia que estava prisioneiro. Seis meses? Um ano? Nas mãos de seus

carcereiros tinha sofrido torturas e humilhações que antes nem sabia que existissem. Cada vez

esquecia mais coisas de seu mundo, um mundo ao que sabia que não ia retornar jamais. Os

grilhões que tinha nos pulsos tinham cortado a pele de tal modo que as feridas já não chegavam a

cicatrizar e supuravam constantemente. Os que tinha nos tornozelos eram igual de dolorosos, mas

depois que lhe quebraram um pé com aquele maldito martelo tinha deixado de senti-los. A

princípio, tinha ido curando os cortes e os ossos quebrados, mas com o passar do tempo assumiu

que não servia de nada e deixou de fazê-lo. Maldito fosse seu corpo e sua própria mente por ser

tão teimosos e se negarem a morrer.

Pela diminuta janela que havia em sua cela entrava a delicada luz da lua, e cada noite,

William fechava os olhos e tratava de imaginar que fugia dali, mas nunca conseguia. Soltou uma

gargalhada amarga; nem sequer em sonhos era capaz de escapar daquele suplício.

Levantou uma mão e a levou a cara; o corte da bochecha tinha deixado de sangrar. Seguiu

com sua recontagem de feridas e finalmente deu com a que tinha na têmpora. A culpada de que

estivesse metido naquele inferno.

Fritzwilliam Fordyce, o capitão Fritzwilliam Fordyce, tinha sido o oficial no comando de todo

um esquadrão que se supunha que estava em missão de reconhecimento. Tudo parecia ir bem,

recordou William com dor, até que chegaram ao vale e soldados franceses começaram a rodeá-los

por toda parte. Tinham estado esperando por eles, e em questão de segundos a erva se encheu de

sangue e os gritos de homens e cavalos resultaram ensurdecedores.

Logo que William viu que estavam condenados, decidiu que antes de morrer levaria com ele

a tantos franceses como fosse possível. Com sua baioneta eliminou a muitos, com suas mãos a uns

quantos mais, mas não o suficiente. Seus homens caíam mortos a seu redor, a desigualdade

numérica ia esmagadoramente aumentando com cada perda.

Apertou os dentes e sentiu o sabor de seu próprio sangue deslizando por sua garganta. O

corte do lábio devia seguir sangrando.

Deixou de pensar na batalha e olhou com asco o pedaço de pão que tinha junto aos pés.

Cada noite dizia a si mesmo que não ia comer e cada noite terminava por fazê-lo, porque, ao que

parece, William Fordyce era muito teimoso para morrer. Ou muito covarde, pensou ao agarrar o

escasso jantar. Apoiou a cabeça na parede e uma imagem de Tobías apareceu em sua mente.

Este era um moço de seu batalhão de apenas vinte anos.

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Irmandade do Falcão 01

220

Procedia de um povoado próximo a Londres e tinha decidido se alistar imbuído por uma

visão muito romântica da guerra. Tinha terminado morto, no meio do lodo, com as vísceras fora

do corpo. Um cavaleiro francês atravessou o ventre dele com sua baioneta e o moço agonizou até

que... “até que eu disparei nele”, recordou William com dor.

Tinha estado lutando corpo a corpo com um soldado ao que terminou estrangulando com

suas próprias mãos quando viu Tobías cair de joelhos ao chão. Correu para ele, já farto de tanta

morte sem sentido e furioso consigo mesmo por se ver reduzido a um comportamento tão animal.

O menino tinha os olhos frágeis e observava como a vida ia escapando por segundos. A dor que

sentia era mais que evidente e William se odiou mil vezes mais por isso. Um moço como aquele

não merecia morrer desse modo e se aproximou para lhe oferecer o único tinha: consolo. William

recordaria até o dia de sua morte o dilacerador sussurro do moço.

—Por favor..., capitão — balbuciou entre fervuras de sangue.

— William — disse este, se negando a que, em seus últimos momentos, aquele menino o

considerasse seu superior e não seu amigo.

—William — repetiu, com algo que dias atrás teria sido um sorriso, — por favor... —

suplicou, olhando a pistola.

Ele entendeu sua súplica e soube que o ia decepcionar. O jovem deve ter visto em seus

olhos, porque com uma força inusitada levantou uma mão e colheu com ela a de seu capitão para

levá-la devagar, mas com firmeza, para a arma em questão.

—Por...

—Farei — disse William chorando, se negando a que um moço tão valente tivesse que

morrer suplicando algo. Comprovou a arma e viu que só ficava pólvora para um disparo.

Fechou os olhos e tomou ar.

—Foi uma honra, Tobías e disparou.

O jovem morreu imediatamente e William ficou sentado a seu lado, o embalando em seus

braços igual a teria feito com um de seus irmãos. Ia morrer, disso estava seguro, já não ficava

pólvora, a ferida que tinha na coxa lhe doía horrores e, como muito, deviam ficar dez de seus

homens contra quarenta ou cinquenta franceses. Apesar de tudo, levantou e desembainhou a

espada. E nesse mesmo instante recebeu um coice.

O cavalo de um dos franceses se assustou por algo e se elevou sobre duas patas, sem

controle. Com uma das dianteiras, deu-lhe um golpe na têmpora e William perdeu o sentido.

Quando o recuperou horas mais tarde, levava postos os grilhões nas mãos e nos tornozelos, e

estava em um carro rodeado de cadáveres.

Um ruído procedente da escada o fez voltar para o presente. Possivelmente aquela noite seu

corpo por fim se renderia, pensou. Não tinha nem ideia do que aqueles homens pretendiam. A

maioria das perguntas que lhe formulavam careciam de sentido para ele, embora, para falar a

verdade, de todos os modos não as teria respondido. Desde que tinha chegado ali, e apesar de

tudo o que lhe tinham feito, de todas as humilhações, de todas as torturas, William não tinha lhes

dito nada. Pensou na única vez em que esteve a ponto de falar e recordou o que tinha feito sua

mente para evitar... Marianne.

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Os passos soavam cada vez mais perto. Curioso, pensou que aquelas pegadas eram

diferentes das anteriores. Em todo o tempo que tinha passado detento naquela escura e úmida

cela, os sentidos de William se adaptaram e enquanto parecia ter perdido olfato, para não ter que

conviver com aquele fedor, seu ouvido era em troca muito mais agudo. Não, definitivamente

aqueles passos pertenciam a um desconhecido.

A silhueta se deteve frente à porta e os barrotes chiaram ao se abrir. William não fez nem o

gesto de levantar; aquilo não era uma visita social. A silhueta se aproximou devagar, ele teve

inclusive a sensação de que ao novo carcereiro tremiam as pernas e supôs que seria pela emoção

de ter a um inglês para ele sozinho, mas então o desconhecido fez algo completamente

inesperado e fora de lugar. Se agachou a seu lado.

William se pegou à parede ao ver umas delicadas mãos em cima dos grilhões. Devia estar

delirando; afinal de contas, ultimamente seus olhos não eram muito de confiar.

—William — sussurrou uma voz que só ouvia em sonhos.

—Fiquei louco — disse ele, rindo com amargura.

—Não. — Os grilhões de seus pulsos se abriram e logo seu visitante se centrou nos dos

tornozelos, que não demoraram para fazer o mesmo. — Temos que sair daqui.

Ele levantou as mãos e flexionou os dedos devagar, convencido de que tinha perdido a

pouca prudência que ficava. Ao menos, sua mente tinha encontrado o modo de fugir dali.

—Pode levantar? Esse pé tem muito mau aspecto — seguiu dizendo sua alucinação.

Levantou devagar, sentindo todos e cada um dos últimos golpes que tinha recebido e, em

um ato reflexo, levantou a mão para tocar a seu anjo, consciente de que este se esfumaria

imediatamente. Sentiu a cálida pele da bochecha sob as pontas dos dedos. A seda de uma das

mechas que tantas vezes tinha acariciado.

—Marianne. — Pronunciou o nome que só repetia em seus sonhos. Ou em seus pesadelos.

—William — disse ela. —Temos que sair daqui.

A jovem tirou uma capa negra de debaixo da sua e a colocou ao redor dos ombros de

William para abriga-lo. Tampou-lhe a cabeça com o capuz e o agarrou pela mão com firmeza.

—Vamos, não temos muito tempo.

O puxou para a porta do calabouço e o guiou por corredores secretos para o exterior. Havia

lua cheia, e essa luz bastou para cegar William durante uns instantes. Tinha passado tanto tempo

trancado entre aquelas frias e úmidas paredes que lhe custava inclusive respirar. Marianne o levou

até um par de cavalos que estavam atados aos ramos de uma árvore e o ajudou a montar.

Tinha que tirá-lo dali quanto antes, pensou ao ver quão fraco estava. Se Hawkslife não

tivesse mandado aquela carta lhe contando que um dos traidores que tinham eliminado em

Londres mencionava essa prisão em suas notas, possivelmente não o teria encontrado a tempo. O

observou de reolho e viu que, apesar de estar tão ferido gravemente e derrotado, seguia sendo

capaz de montar qualquer cavalo.

Voltou a centrar sua atenção no caminho, mas não pôde evitar dar graças a Deus por não ter

permitido que o homem ao que amava mais que nada no mundo tivesse morrido. Ainda recordava

a desolação que havia sentido quando lhe disseram que William tinha caído no campo de batalha

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e como, depois de passar horas chorando, chegou à conclusão de que isso era impossível. Se ele

estivesse morto ela saberia, seu coração deixaria de pulsar ou lhe mandaria alguma sinal igual de

inequívoco. Não, William seguia vivo, e ela ia encontrá-lo. Não em vão se converteu em falcão aos

dezesseis anos.

William estava tão cansado e tão convencido de que aquilo era um sonho fruto de sua

mente perturbada, que não se deu conta que Marianne, para conseguir fugir daquela maldita

prisão, tinha deixado inconscientes a dois soldados, tinha disparado em outros três e cavalgava

como uma amazona. Possivelmente tinha ficado louco, mas se aquela loucura lhe permitia passar

os segundos últimos que ficavam neste mundo com a mulher que amava, a receberia com os

braços abertos. Afinal de contas, depois de tudo o que tinha passado naquela cela, sabia que no

mundo real jamais poderia voltar a amar Marianne.

Continuará…

SOBRE A AUTORA

Anna Casanovas nos conta sobre si mesmo:

"Nasci em 1975 na Calella, uma cidade da costa de Barcelona, e sou a mais velha de seis

irmãos; quatro garotas e dois meninos. Ainda agora não sei se meus pais são muito valentes ou

uns inconscientes.

Já faz alguns anos me graduei em direito e depois de desfrutar do “maravilhoso” mundo do

estágio decidi procurar outro trabalho; um no que me pagassem. Assim foi como comecei a

trabalhar em uma entidade financeira e tenho que confessar que ali tenho feito grandes amigas e

aprendi muito sobre “o significado da vida”. Só posso dizer que a realidade supera sempre à

ficção. No que se refere ao amor, temo que não fui muito original, me casei com primeiro noivo, o

amor de minha vida. Um homem que está convencido que não é romântico mas que com seus

beijos me derrete os joelhos e que é a prova viva que os heróis de nossas novelas existem. Talvez

tenha exagerado um pouco, mas como ele sempre me animou a escrever, acredito que merece.

Com a publicação de minha primeira novela, “Ninguém como você”, começo uma nova etapa.

Uma que espero dure muitos anos”.