A caneca mágica
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Transcript of A caneca mágica
Há muitos e muitos anos, numa antiga região da Grécia, vivia um povo cruel e sem coração. Eles desconheciam completamente os deveres de hospitalidade para com os estrangeiros que chegavam cansados de viagem.
Estou exausto e faminto; o senhor
poderia arranjar‐me um pedaço de pão para
matar a fome e um pouco de água para beber?
Nada temos para mendigos como tu. Vai‐te embora, antes que eu me aborreça.
Atrás dele, Hector, vamos!
Assim dizendo, ainda teve a crueldade de instigar os cães contra o pobre forasteiro.
As crianças, seguindo o mau exemplo dos pais, saíram em perseguição do pobre homem que, apavorado, fugiu da cidade para nunca mais voltar.
Muito bem, meu filho!
No alto do monte Olimpo, vivia um velho chamado Filémon e a sua mulher de nome Báucis. Ambos possuíam excelente coração e tinham grande prazer em ajudar aqueles que deles necessitavam. Desse modo…
Vê como ladram os cães!Os nossos maus vizinhos devem estar a expulsar algum infeliz forasteiro.
Não sei por que são assim tão cruéis!…
Que lhes custaria receber com bondade os pobres estranhos que chegam cansados e famintos?…
Vê, Filémon!… Eles vêm para
cá… Sim, também tenho a impressão de que tomam o rumo da
montanha; aguardemos.
De facto os dois forasteiros eram personagens bem diferentes das demais criaturas. Um deles, o mais velho, possuía uma fisionomia serena, altaneira, que lhe dava um ar de dignidade ao mesmo tempo. O outro, jovem ainda, era belo, jovial e, coisa extraordinária, quando andava, os seus pés não tocavam no chão…
Olha; até metade do caminho são perseguidos por
homens, crianças e cães.
Quanta maldade!…
Sim, mas…Observa: ninguém conseguiu até agora alcançá‐los!… É estranho…
Ah! Ah! Ah! Desistam! Jamais conseguirão
tocar‐nos!
Desse modo Filémon desceu sozinho a montanha a fim de receber os estranhos personagens que se aproximavam.
Bem‐vindos sejam! Venham até à
minha pobre casa! Lá encontrarão
alimento e uma boa cama para repousar da
viagem.
Pois a minha modesta cabana está inteiramente à vossa disposição!
Vamos recebê‐los!Eles estão a aproximar‐se!
Não. Vai tu. Eu fico para lhes aquecer um pouco de leite e lhes preparar um leito. Eles devem estar a necessitar de repouso.
Obrigado, amigo! Foi bom tê‐lo encontrado. Nós estamos realmente
cansados!
Assim, Filémon conduziu os dois estrangeiros à sua cabana no alto da montanha.
Gostaria de saber de que modo este jovem consegue andar sem tocar com os
pés no chão!
Que estranhas criaturas! Jamais vi iguais na minha vida!
Como caminha ligeiro, amigo! Quase não consigo acompanhar‐
lhe os passos!
Sim … sim …Nada melhor do que um bom bastão para nos ajudar nas
grandes jornadas.
É curioso este bastão. Será mágico?
Oh! Mas é incrível! Estas cobras parecem ter
vida!…
É… São realmente estranhos estes forasteiros.
Entretanto, minutos depois, chegaram à cabana onde residia Filémon.
Os senhores devem estar cansados e famintos… vou dizer à minha esposa que
se apresse a servir‐lhes o jantar. Sentem‐se e não reparem na simplicidade da minha humilde
cabana. Obrigado, bom homem.
Quão diferente és de todos os teus vizinhos!….
Mais tarde, enquanto os hóspedes descansavam da viagem, Filémon foi até ao quintal, onde ficara o bastão, a fim de vê‐lo mais de perto.
De facto, diante dos olhos espantados de Filémon, o bastão mudava de posição, colocando‐se verticalmente de encontro à parede.
Céus! Ele está a erguer‐se sozinho!
Mais tarde, o estranho hóspede convidou o velhinho a dar umas voltas ao redor da cabana.
Sim … sim … porém isso é coisa muito antiga…
Não é do meu tempo. Diz‐me, bom amigo:
tu já ouviste falar de um lago que existiu outrora nesta região onde residem agora os teus vizinhos?
Nesse momento, o céu escureceu e uma pesada nuvem anunciava um próximo temporal.
Os meus pais falavam desse lago que deve ter existido
há muitos e muitos anos…
É verdade.Ele existiu
exactamente neste local
Vê!Como o céu se tornou
escuro repentinamente! Há pouco o tempo apresentava‐se tão claro e
bonito…
Assim dizendo, o velhote e Filémon afastaram‐se lentamente em direcção à cabana.
Há coisas misteriosas que tu jamais poderás entender, amigo.
São, de facto, extraordinárias estas
personagens.
No entanto, a curiosidade de Filémon não tinha limites. Assim….
Diz, jovem amigo; como te chamas?
Ora! Eu sou livre e ligeirinho como vê; portanto, que tal chamar‐me
Pirilampo?
Pirilampo? Bem…isso não é propriamente um nome…
Entretanto, o céu tornava‐se cada vez mais escuro e ventos fortes anunciavam um grande temporal.
O nome do meu companheiro?!
Não sei como fazê‐lo compreender…
É um nome tão belo e grandioso que dificilmente
compreenderia.
Quem serão realmente estes estranhos personagens?
E o teu companheiro? Que nome tem?
Além disso, com o apetite que temos, o que nos servir será uma festa para nós!
Nesse momento, ouvem a voz de Báucis chaman‐do‐os para o jantar.
Entrem por favor!O jantar está na mesa. Só peço que não reparem… Pouca coisa temos para lhes oferecer…
Não se preocupe, boa senhora!
Estamos encantados com a sua hospitalidade!
Assim dizendo, Pirilampo e o velho companheiro entraram na cabana, mas o bastão ficou cá fora. Porém….
Céus!O bastão está a mover‐se sozinho!
Sim!E vai ter com o rapaz!
Vê!
Já lhe disse, boa senhora: isto para nós é um verdadeiro banquete.
Não se preocupe.
Não há dúvida; eles têm poderes extraordinários! Vês que o jovem parece ter asas nos pés e no
chapéu, consegue andar sem tocar no chão e possui um bastão que
caminha sozinho? E o velho? Esse, então, nem se fala! Com aquele ar solene parece dominar com os olhos a própria Natureza!… Quem serão estas
pessoas estranhas e misteriosas?…
Cheios de espanto, os velhos entraram na cabana e encontraram o jovem Pirilampo sentado, tendo a seu lado o bastão mágico.
Eu não te disse? Ele ali está, apoiado à mesa,
ao lado do dono!
Embora bastante surpresos com as coisas que acabavam de presenciar, Báucis e o seu marido resolveram sentar‐se à mesa.
Perdoem não podermos oferecer‐lhes coisa melhor. Sirvam‐se, por favor.
Quer servir‐me um pouquinho de leite?
Todavia, quando Báucis despejou o leite nas tigelas…
Oh! Que vergonha vou passar! Este leite é muito pouco para os
dois… Que farei agora?
Perdoe‐me… este só deu para encher uma tigela…
Não sobrou um gota sequer…
Ouvindo isso, Pirirlampo agarrou na caneca e …
Ora! Então acabou‐se o leite?
A senhora está enganada! A caneca ainda está cheia!
Estarei a sonhar?… Como conseguiram eles fazer isto?
Excelente, minha boa senhora!
Jamais provei outro igual! Pode fazer o favor de me
encher a tigela novamente?
Oh! Perdoe‐me!O senhor já o bebeu todo. Não há uma gota sequer na caneca.
De facto. Como por milagre, a caneca estava novamente cheia de leite…
Oh! A caneca tornou‐se mágica! Eu tenho a certeza de que não havia
mais leite nenhum!…
E, para provar o que acabava de dizer, Báucis virou de uma vez a caneca sobre a tigela, e… cheia de leite Oh!!!
O leite caiu com tal violência que transbordou e, nesse momento, as cobrinhas do bastão de Pirilampo não perderam tempo …
Vi, sim!… De facto, estão a acontecer coisas incríveis na nossa casa! Até penso que
estou a sonhar!
Por favor, senhora, quer servir‐nos um
delicioso pedaço de pão?
Com todo o prazer!
Céus! Viste?
Todavia…
Oh! Este pão não era tão grande… como cresceu assim
de repente?…
Nem era assim tão gostoso…
Não!… Não!… Eu não tinha tanto creme! A lata estava quase vazia!…
Oh! Que delícia!Jamais provei um creme tão gostoso na minha vida!
Marido…Que dia maravilhoso estamos
hoje a viver!
E, para finalizar a refeição, Báucis ofereceu aos hóspedes um pequeno cacho de uvas.
Aqui têm estas uvas. São pequenas e pouco doces; porém, são as únicas que tenho
para oferecer‐lhes.
E para maior espanto de Báucis, as uvas apresentavam‐se agora maiores e apetitosas.
Entretanto…
Como? A senhora disse pequenas e pouco doces? Está completamente enganada! Estas uvas são as melhores que já provei
na minha vida!
Puxa!!! Há bem poucos instantes elas eram feias e
pequenas! Como pode ser?
Oh! São realmente deliciosas!
Não estranhe, senhora, mas as cobrinhas do meu bastão
costumam tomar leite. Quer servir‐lhes um pouco,
por favor?
Impossível! O leite, desta vez, acabou mesmo! Veja!
Oh! Apareceu, de repente! A caneca está cheia de novo!!!
De facto, a caneca transbordava de leite fresco e apetitoso!
Como conseguem os senhores tamanha maravilha?
Não te preocupes com isso; nós somos apenas teus amigos.
Portanto, o nosso desejo é que estacaneca jamais te negue leite fresco e
abundante. A ti e à tua bondosa mulher.Não se assuste,
caro Filémon. Isto que está a ver são as travessuras do meu bastão. Ele gosta muito de brincar !
Oh! A canecaestá a transbordar!
Mais tarde, o velhote e a sua mulher foram dormir. Todavia, como eram muito pobres e não tinham cama, deitavam‐se no chão junto à lareira. De madrugada…
Oh! … Que há?
Filémon! Filémon! Acorda!…
Não estás a ouvir um forte barulho como se uma grande quantidade de água estivesse
a jorrar?
Sim. Tens razão… Que estará a acontecer?
Deve ser a tempestade que se anunciava desde ontem à tarde.
Oh! A vila desapareceu!
Nesse caso, vou acompanhá‐los até à vila. Não desejo que os nossos vizinhos os molestem novamente. Não, meu bom velho!
Já é muito tarde. Nós temos que continuar
a viagem.
Já de saída, amigos?Não esperam pelo café?
Sim! E no seu lugar surgiu um lago. O mesmo de que
outrora falavam os nossos avós…
De manhã…
Entretanto…
Nesse momento, Filémon e Báucis ao contemplarem a fisionomia do forasteiro, notaram que ela apresentava uma expressão celes‐tial.
Isso mesmo! Esta noite, enquanto dormias, as águas caíram com tal força, que o antigo lago apareceu de novo.
Mas…diga‐nos, por favor, que foi feito dos nossos pobres vizinhos?
A nossa cabana?!!
Sim! Nós ouvimos o barulho durante a noite!
Dizes bem.Pobres vizinhos…
Eles eram maus e sem coração! Eram frios e
indiferentes como peixes, portanto, estão transformados em peixes, e assim ficarão para
o resto das suas vidas.
Todo o homem deve amar e ajudar o seu próximo, principalmente os fracos e humildes. A Caridade, a Bondade e a
Justiça são e serão, eternamente, o caminho certo que leva à paz e à ventura!
Entretanto, não foi somente esta cidade que sofreu uma grande transformação… Voltem à cabana e vejam.
Este será agora o novo lar em que viverás com a tua esposa, amigo Filémon. É belo,
confortável e bastante grande para que possam juntos continuar a dar abrigo aos pobres
forasteiros que chegarem, cansados e famintos…
E agora, amigos, permitam que nos apresentemos; eu sou Hermes, o mensageiro da bondade e este é Zeus, o pai de todos nós…
Ambos receberam a graça dos deuses porque são bons e
caridosos.
Sim. Ei‐la…
Emocionados, Báucis e Filémon ajoelharam‐se e, quando ergueram a cabeça…
E, ainda, pelo efeito da tua bondade e da tuamulher, jamais o leite deixará de jorrar da caneca mágica! Jamais te faltará pão
delicioso, creme e uvas doces como o mel! As tuas refeições serão sempre uma festa e a tua
mesa será eternamente farta. Assim viverás sempre em companhia da tua dedicada esposa pelo resto dos teus dias,
meu bom amigo Filémon!
Oh! Eles desapareceram!…
E assim, pelo resto da vida, Filémon e Bácius viveram felizes, ajudando sempre o próximo e acolhendo com carinho e bondade os viajantes que passavam…
Vamos, entre, senhor!
Oh! Excelente leite e delicioso creme!
Estou a sonhar ou acordado? Já me servi mais de vinte vezes e este
leite nunca acaba!…
Filémon e Báucis viveram felizes, muito felizes, o resto dos seus dias, não esquecendo jamais os deveres de hospitalidade e bondade para com o próximo.
Revista Princesinha, 1960