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A CASA DE GARRETTPATRIMÓNIO E ARQUITECTURA DO TEATRO NACIONAL D. MARIA II
Carlos Vargas | João Mascarenhas-Mateus (eds.)
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Carlos Vargas (ed.)
Assistente Convidado do Departamento de História da Faculdade
de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa,
no âmbito do programa de mestrado em Património e investigador
do IHC – Instituto de História Contemporânea FCSH – NOVA.
Licenciado em Línguas e Literaturas Clássicas pela Faculdade de
Letras da Universidade de Lisboa e Engenheiro de Máquinas pelo
Instituto Militar dos Pupilos do Exército.
Desempenhou, entre outras, as funções de Presidente do Conselho
de Administração do OPART – Organismo de Produção Artística,
E. P. E., entidade gestora do Teatro Nacional de São Carlos, da
Orquestra Sinfónica Portuguesa, da Companhia Nacional de Bailado,
do Teatro Camões, dos Estúdios Victor Córdon e do Festival ao
Largo (2016 - 2019), Presidente do Conselho de Administração do
Teatro Nacional D. Maria II, E.P.E. (2012 - 2014), Vogal do Conselho
de Administração do OPART, E.P.E. (2007 - 2010), Vogal do Conselho
Directivo do Teatro Nacional de São Carlos, I. P. (2004 - 2007),
Subdirector da Companhia Nacional de Bailado, I. P. (1997 - 2004).
Em 2014, juntamente com João Mascarenhas-Mateus, publicou
São Carlos: um teatro de ópera para Lisboa. Património e arquitectura
do Teatro Nacional de São Carlos. Lisboa: INCM.
João Mascarenhas-Mateus (ed.)
Investigador Principal FCT do CIAUD – Centro de Investigação
em Arquitetura, Urbanismo e Design da Faculdade de Arquitetura
da Universidade de Lisboa. Doutor em Engenharia Civil (Instituto
Superior Técnico de Lisboa, 2001). Mestre em Ciências da
Arquitetura (Katholieke Universiteit Leuven, 1992). Foi coordenador
técnico da candidatura da Baixa Pombalina à Lista do Património
Mundial (2003-2006). Em Roma, projetou e dirigiu os trabalhos
de conservação do Instituto Português e do Pontifício Colégio
Português (1996-2002).
Organizou em 2010 e 2015 a Primeira e Segunda Conferências
sobre História da Construção em Portugal e foi um dos
coordenadores dos I e II Congressos Innternacionais de História
da Construção Luso-Brasileira (2013 e 2016). Fundador e actual
presidente da direção da SPEHC- Sociedade Portuguesa de
Estudos de História da Construção. Em 2014, juntamente com
Carlos Vargas, publicou São Carlos: um teatro de ópera para
Lisboa. Património e arquitectura do Teatro Nacional de São Carlos.
Lisboa: INCM.
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Carlos Vargas | João Mascarenhas-Mateus (eds.)
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Índice
15 prefácio dos editoresCarlos Vargas e João Mascarenhas-Mateus
I
19 origens e memória
21 Dois mil anos de RossioJosé-Augusto França
47 Paço a Paço: dos Estaus da Coroa à Inquisição de LisboaMílton Pedro Dias Pacheco
II
69 os projetos
71 Maschie Bellezze. Percurso e obras do arquiteto Fortunato LodiLuís Soares Carneiro
131 Crónica de um teatro em obras (1843-1964)Carlos Vargas
159 O incêndio de 1964
171 O projeto Rebello de Andrade e as obras de reconstrução (1965-1978)João Mascarenhas-Mateus
217 Transformações e intervenções recentes (1978-2015)Pedro Fidalgo
III
279 teatro e engenho
281 As condições acústicasRui Dâmaso, Pedro Costa e Sérgio Henriques
297 As instalações elétricasManuel Alexandre
313 A segurança das instalaçõesPaulo Prata Ramos
IV
323 peças desenhadas
344 Referências bibliográficas
350 Notas biográficas dos autores
352 Índice de abreviaturas
353 Índice de imagens
360 Índice remissivo
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prefáCio dos editores
Carlos Vargas e João Mascarenhas-Mateus
Um estudo contemporâneo que procure relacionar a arquitetura de um monumento com os valores culturais
e patrimoniais de que ele é testemunho deve estar orientado na direção de campos diversos do conhecimento
científico. De facto, a realização de uma análise com estas características implica também colocar em diálogo a
história material do monumento com a história da evolução do seu significado no imaginário coletivo. Dessa forma
as questões dirigidas à materialidade e à imaterialidade do objeto arquitetónico permitem não só avaliar o estado
de conservação física do edificado mas também identificar dimensões simbólicas do monumento no contexto das
comunidades em que este se inscreve.
Acontece que as virtudes de tal análise não se esgotam apenas na descrição do monumento, dos seus
contextos, valores e problemas. Na verdade, tais inquirições permitem ainda justificar propostas de intervenção
futuras, integrando ativamente a reflexão crítica dos valores patrimoniais e culturais identificados. É esta a
abordagem metodológica que orienta a edição do presente livro, dedicado ao património e à arquitetura do Teatro
Nacional D. Maria II.
O livro que o leitor tem agora entre mãos procura analisar aspetos essenciais do património e da arquitetura
da Casa de Garrett. Quatro anos após a publicação, também na Imprensa Nacional, de obra idêntica dedicada
ao Teatro Nacional de São Carlos, é agora a vez de apresentarmos ao público um conjunto de novos estudos,
ao mesmo tempo que se expõem as diversas realidades patrimoniais e arquitetónicas que o Teatro Nacional
D. Maria II, edificado no topo norte da Praça de D. Pedro IV, foi assumindo ao longo dos seus 173 anos
de existência.
Esta obra tem como objetivo dar a conhecer, simultaneamente a um público especializado e ao público em
geral, a complexidade dos valores incorporados por um edifício tão emblemático para Lisboa e para Portugal,
interpretando-os no contexto de uma instituição incontornável para a cultura portuguesa. E é a primeira vez que
se dedica uma monografia exclusivamente ao estudo do património e da arquitetura do Teatro Nacional D. Maria II.
A obra está estruturada em quatro partes principais, que conduzem o leitor através desta extensa investigação.
Na primeira parte, denominada «Origens e memória» começa-se por contextualizar o sítio do Rossio e a
sua história na malha urbana da cidade de Lisboa, com o texto primordial do professor José-Augusto França.
Segue-se um estudo de Mílton Pacheco sobre a evolução temporal dos edifícios que ocuparam o local onde
hoje se encontra o Teatro Nacional, emblemáticos para o Reino de Portugal e para a cidade de Lisboa, durante
aproximadamente quatro séculos. Este lugar proeminente na praça do Rossio, inicialmente ocupado pelo Palácio
dos Estaus, destinado a receber as comitivas de dignitários estrangeiros, foi depois usado pelo Palácio da Inquisição.
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Ao curto período entre as invasões napoleónicas e a construção do Teatro Nacional, seguiu-se uma sucessão de funções
da governação central do Reino. As consecutivas transformações e adaptações destes edifícios, em particular a sua
conformação espacial e funcional, são apresentadas de maneira a ajudar o leitor a compreender as formas de
ocupação do local em que hoje o TNDM II está implantado. As funções de poder atribuídas a esses edifícios
conduziram a uma consolidação das imagens simbólicas e de referência do sítio para o imaginário coletivo. São
essas relações entre os objetos arquitetónicos e a criação de memória histórica que o texto explora. De facto,
o TNDM II encontra-se implantado num sítio histórico que é uma peça insubstituível do tecido urbano de Lisboa
e por isso o seu valor histórico-arquitetónico não é unicamente devido ao edifício atual mas à memória de uma
cultura urbana e de acontecimentos que foram indispensáveis às narrações da História de Portugal.
Na segunda parte, «Os projetos», são analisadas cronologicamente as conceções das duas materializações
da Casa de Garrett, a saber, o projeto assinado por Fortunato Lodi (1805-1882) e, após o incêndio de 1964, o projeto
Rebello de Andrade. Apresentam-se, ainda, todas as intervenções posteriores relevantes até aos nossos dias.
O texto de Luís Soares Carneiro contextualiza o projeto de Lodi, no âmbito da sua vasta obra em Portugal e
em Itália, incluindo o Teatro de D. Maria, no percurso do arquiteto e nas contingências de cada época, de natureza
não apenas estética e de composição mas também mais pragmática, relacionadas com as condições políticas e
os programas funcionais de concursos e encomendas. Cruzando informação proveniente de fontes primárias e
secundárias, o capítulo de Carlos Vargas analisa de forma integrada as obras efetivamente realizadas do projeto
de Lodi, assim como as adaptações e transformações introduzidas com os diversos ciclos de gerência, no período
entre a sua inauguração em 1846 e a sua destruição em 1964, ao nível do programa funcional e de circulações.
Esta análise permite explicar, por um lado, o património construído e imaterial desaparecido em 1964 e, por outro,
sintetizar os valores históricos e arquitetónicos que conseguiram sobreviver, em particular a fachada e a grande
tradição de utilização do espaço como templo do teatro português.
O texto de João Mascarenhas-Mateus estuda o projeto de reconstrução do edifício, da autoria do
arquiteto Guilherme Rebello de Andrade (1891-1969) e do seu filho Ruy Loureiro Rebello de Andrade (1923-).
Resultante de uma encomenda estatal prioritária, de um estudo comparativo com o que de melhor se fazia na
Europa à época e da formação e experiência dos seus projetistas, a conceção foi realizada no curto espaço
de pouco mais de um ano, tratando de projetar um teatro tecnologicamente o mais avançado possível dentro
das quatro paredes de fachada que tinham sobrevivido à catástrofe. Questões como a democratização da
visibilidade a partir do maior número de assentos, a criação de uma sala-estúdio, a renovação e a reconstituição de
revestimentos, decorações e mobiliário foram determinantes para o projeto final. O conhecimento dos melhores
modelos estrangeiros e a solução de um palco elevatório capaz de obviar a limitação do espaço disponível para
o palco, juntamente com as dificuldades construtivas de realização das fundações, drenagem e contenção de
paredes, constituíram dificuldades construtivas que implicaram soluções técnicas particularmente inovadoras para
a arquitetura teatral em Portugal. Os vários anteprojetos e as suas especialidades são analisados neste capítulo,
acompanhando a complexa rede decisional e as dificuldades associadas às mudanças de governos e de gestão
que caracterizaram o período de transição do 25 de Abril de 1974.
Esta segunda parte termina com o capítulo de Pedro Fidalgo, que aprofunda as transformações e as
intervenções ocorridas no teatro desde a sua reabertura em 1978. Alterações ao nível da utilização dos espaços,
das circulações e dos equipamentos são apresentadas e contextualizadas. As relações com a DGEMN e outras
instituições de tutela são discutidas sempre que indispensáveis para compreender as intenções de preservação e
de inovação que acompanharam a materialidade do edifício. Obras de manutenção das fachadas, renovações na
cobertura, adaptações a programas funcionais e institucionais, a intervenção do arquiteto Gonçalo Byrne (1941-),
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os efeitos das obras de regeneração da praça do Rossio e intervenções mais recentes, como a reconstituição
do acesso da presidência e individualidades convidadas, são exemplos dos temas tratados.
Na terceira parte, «Teatro e engenho», são analisadas três dimensões menos conhecidas mas fundamentais
para o funcionamento desta máquina teatral: as condições acústicas, as instalações elétricas e a problemática
da segurança.
O capítulo que inicia a terceira parte é dedicado às condições acústicas do teatro, e é da autoria de Rui
Dâmaso, Pedro Costa e Sérgio Henriques. Mais uma vez se parte das condições do projeto de reconstrução para
entender não apenas o que ficou disponível em 1978 como também as transformações efetuadas desde então na
Sala Garrett, na Sala-Estúdio e no Salão Nobre.
Os sistemas elétricos do Teatro Nacional D. Maria II são abordados no texto de Manuel Alexandre procurando
salientar os aspetos inovadores introduzidos pelo projeto de Guilherme e Ruy Rebello de Andrade (1923-1983) e as
condições efetivamente disponíveis na reabertura do teatro, em 1978. O texto discute igualmente as transformações
efetuadas nestes sistemas entre 1978 e a atualidade, de que se destacam as mais recentes, que consistiram
na colocação de um novo posto de transformação próprio. São também problematizados aspetos e propostas
de condicionamento e inovação a ter em consideração em futuras intervenções e na manutenção corrente do
edifício. Propostas que deverão ser orientadas pelos critérios de mínima intrusividade, compatibilidade material,
reversibilidade e legibilidade.
O tema da segurança das instalações do Teatro Nacional D. Maria II, desenvolvido no texto de Paulo Prata
Ramos, analisa os aspetos inovadores em termos de segurança das instalações do projeto de Guilherme e Ruy
Rebello de Andrade e as condições efetivamente disponíveis na reabertura do teatro, em 1978. São também
problematizadas as transformações efetuadas nestes sistemas entre 1978 e a atualidade, tais como a restrição
e categorização de acesso aos diferentes locais, sistemas de segurança à intrusão e a incêndios, acesso e
manutenção do telhado, etc. Riscos relacionados com as alterações climáticas que se fizeram sentir nas últimas
inundações na zona do Rossio constituem ameaças latentes para as quais o teatro se tem vindo a preparar.
Como complemento, a obra apresenta um conjunto importante de peças desenhadas que pela primeira vez
são dadas a conhecer ao grande público.
Trata-se de uma obra coletiva, resultado do saber e esforço de uma vasta equipa multidisciplinar de
investigadores e de técnicos. A todos e a cada um, deixamos um sincero reconhecimento pelo entusiasmo,
perseverança e extraordinário saber que revelaram ao longo deste projeto.
Por fim, um evidente agradecimento é devido ao Teatro Nacional D. Maria II e à Imprensa Nacional. Sem o apoio
incondicional destas duas instituições esta obra não seria possível.
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Um terreiro já enxuto se estabeleceu entre duas colinas, a meio do vale
que corre para o rio e ao topo da sua parte que, entre cais, termas, armazéns e
salgadeiras, e cemitérios também, foi formulando a Olisipo romana, descida das
Portas do Sol, em seu fórum e templos – e foi o Rossio. Terreno votado a reuniões
e cruzamentos, feiras e folguedos, no limite do vale agrário que levaria quase
dois milénios a ser absorvido, entre romanos, mouros e cristãos já portugueses.
Foram estes que, em meados de 1200, lá levantaram e desenvolveram a primeira
instituição urbana que lhes deu Lisboa: o convento dos Dominicanos, com uma
igreja que seria vasta e rica, aberta à cidade medieval na sua Baixa assim
balizando o terreiro a nascente e pela metade. Perto, a ermida de N.ª Sr.ª da
Escada (ou da Corredoura, pelas cavalgadas que lhe passavam defronte, para fora da
urbe) foi-lhe então uma vizinhança nobre mas significativa nos ritos medievais,
que nela se deteve D. João I (1357-1433) moribundo a caminho da Alcáçova.
Já então, por detrás, se abriam as portas de Sant’ Antão, na nova cerca da cidade
que seu irmão D. Fernando (1402-1443) mandara levantar a norte do Rossio, além
da cerca moura, para defender a cidade com as suas colinas povoadas a poente
da Baixa, nos anos 1370. Mas já, cem anos atrás, D. Afonso III (1210-1279) e seu
filho D. Dinis (1261-1325) tiveram de discutir posses do terreiro com a Câmara, com
interesses de rendas, e, depois, D. Pedro I (1320-1367), entre folias desbragadas
de seu gosto e feitio popular, em 1357 lá mandará velada de armas para armar
cavaleiro o seu favorito João Afonso Telmo, como Fernão Lopes contou. Ao neto,
o infante D. Pedro, coube edificar, no topo norte do terreiro, cerca de 1450, um
grande palácio para albergar visitantes ilustres da cidade, os Estaus, já ideia do
rei D. Duarte (1391-1438); e defronte deles (onde não consentiu que a cidade lhe
erguesse uma estátua) foi ele, em 1439, no meio de dramáticas intrigas dinásticas,
eleito governador do Reino, na menoridade do sobrinho D. Afonso V (1432-1481),
que havia de deixar matá-lo. Foi, porém, em 1504 que o Rossio beneficiou da sua
terceira grande instalação, lentamente edificada, na intenção de reunir no Hospital
de Todos-os-Santos, a par de São Domingos, as muitas instituições dispersas pela
cidade medieval. Pouco antes fora calcetado o terreiro, sublinhando assim a sua
importância urbana, confirmada pela magna obra que, com os seus atributos
de assistência moderna e a majestade da sua fachada «manuelina» (de Boytac),
entrou na história da cidade. E mereceu o sítio «grande, hermos(o) y bien dispuest(o)»
os elogios de todos nesta Lisboa que era, para Tirso de Molina (1579-1668), cerca
de 1620, «una octava maravilla de las entrañas de España». O Rossio, desde os
começos de Quinhentos, define-se nas representações gráficas da cidade, em
vistas-cavaleiras, ou, finalmente, na planta de Tinoco (c. 1610-c. 1689), já em 1650,
quando Lisboa atravessara situações dramáticas da sua história nacional. Entretanto,
D. João III (1502-1557) fora aclamado rei no alpendre de São Domingos, em 1521,
por gesto político, e a Inquisição, que ele havia de trazer para o país, tomou
assento final nos Estaus adaptados para o efeito, com os seus calabouços, em
1570. Autos-da-fé tiveram então lugar no terreiro, em cerimoniais começados na
Igreja de São Domingos dos Inquisidores. Pela praça passava também a Procissão
dos Penitentes, da Misericórdia, e lá terminou, sem glória, em 1513, o combate
que D. Manuel pretendeu organizar entre o rinoceronte que oferecia ao papa e um
elefante que fugiu espavorido à luta, correndo dos paços da Ribeira, Baixa acima, até
aos Estaus, onde se refugiou…
Procissão de auto-de-fé saindo do Palácio da inquisição e serpenteando ao longo da praça do rossio, 1715
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Vista geral do rossio na primeira metade do século xviii com os seus principais monumentos:
[a] - Palácio do Santo ofício da inquisição
[B] - convento de São domingos
[c] - real Hospital de todos-os-Santos
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Paço a Paço: Dos Estaus Da Coroa à InquIsIção DE LIsboa 57
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O IncêndIO de 1964 165
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O terrível incêndio da madrugada de 2 de dezembro de 1964 provocou uma rutura profunda no ciclo da
então já longa vida do teatro. A sala de espetáculos e a cobertura foram completamente destruídas, sobrevivendo
unicamente as fachadas principais, o átrio e o Salão Nobre. Um espetáculo de fogo e cinzas a que o grande público
assistiu na imprensa e em reportagens televisivas da RTP. Depois das operações do rescaldo, o centro do tecido
urbano da capital do País acordava com uma profunda ferida aberta que atraía a curiosidade de todos e originava
debates entre arquitetos, urbanistas, encenadores e atores sobre os critérios a adotar na sua reconstrução.
Durante o interregno de encerramento ao público que se arrastará por mais de uma década, o projeto e as
obras procurarão dar continuidade à vida do teatro, servindo ao mesmo tempo para o estudo e experimentação de
novas soluções técnicas e constituindo um marco importante na história das infraestruturas teatrais em Portugal.
Entre 2 de dezembro de 1964 e 11 de maio de 1978, data oficial da reabertura pública, a vontade de reconstrução
e de eliminação do trauma do panorama artístico de Lisboa e do País vai conseguir superar não só fortes
antagonismos entre filosofias de restauro e conservação mas também as mudanças ocorridas com a Revolução
de Abril. No interior das quatro paredes das fachadas principais, nascerá um teatro de conceção atualizada, com
os melhores equipamentos disponíveis para a época.
Este processo pouco conhecido do grande público – ocorrido por detrás dos painéis de rede de vedação
e dos vãos ocluídos das fachadas – traduzir-se-á num teatro superficialmente «idêntico» ao teatro de Lodi que
os portugueses conheciam desde sempre (as mesmas fachadas e a decoração interna neoclássica). Mas agora
profundamente renovado com soluções técnicas pioneiras 1.
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transformações e intervenções recentes (1978-2015) 217
trAnsfOrmAções e Intervenções recentes
(1978-2015)
Pedro Fidalgo
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AS PRIMEIRAS INTERVENçõES (1978-1997)
As primeiras intervenções realizaram-se logo após a reabertura do Teatro
em 1978, sob a direção de Lima de Freitas (1978-1982), de modo a colmatar
necessidades de funcionamento. Tal foi o caso da área envolvente à cenografia,
situada ao nível da cobertura, onde foram construídos anexos de apoio, como
armazéns de adereços e tintas, lavandaria e secagem de roupa, ocupando
espaços que no projeto de reconstrução se apresentavam sem compartimentação
ou função atribuída.
Também pouco tempo após a reinauguração, deu-se início à demolição
de paredes que encerravam as lucarnas semicirculares, em particular no que se
refere aos vãos que confrontavam áreas de trabalho localizadas no lado direito do
alçado principal do Teatro, num processo que se foi prolongando ao longo do
tempo, permitindo assim a entrada de luz natural e melhorando as condições de
salubridade dos espaços confinantes.
Por outro lado, a inexistência de espaços para acolher os serviços
administrativos (contabilidade e recursos humanos) levou a que fosse alugado para
esse fim um andar localizado num edifício contíguo – o 4.º andar do n.º 74 da Praça
de D. Pedro IV. Do mesmo modo, a falta de espaços de dimensão apropriada para
armazenamento de cenários, adereços, guarda-roupa e oficinas de carpintaria,
serralharia e pintura, obrigou ao aluguer de um armazém nos arredores de Lisboa,
localizado no Cacém, situação que ainda hoje se mantém.
Em 1990, e dentro das primeiras grandes intervenções, há a referenciar
a operação de remoção do amianto aplicado na caixa do palco, numa operação
minuciosamente programada, e assessorada pelo Instituto Ricardo Jorge, de forma
a acautelar o manuseamento e uma eventual e indesejável dispersão aérea desse
material 1. Essa intervenção levou ao encerramento do Teatro durante cerca de
ano e meio, sendo necessário isolar o palco, montar um andaime que permitisse
a remoção de cerca de 400 m2 de material por dois operários isolados dentro de
escafandros, com recurso a jato de água, tendo todos os resíduos recolhidos sido
removidos após empacotamento e selagem 2.
Face ao encerramento do Teatro para a execução daquela operação, foi
decidido aproveitar esse período para realizar algumas obras que permitissem
colmatar um conjunto de carências que se faziam sentir, e que tinham sido
identificadas pelo diretor Ricardo Pais 3.
Para pôr em prática este verdadeiro programa de requalificação do Teatro,
foi escolhido o arquiteto Gonçalo Byrne, que contou com a colaboração do arquiteto
Manuel Mateus.
Exterior do pórtico do alçado nascente (Largo de São Domingos)após a intervenção dos arquitetos Gonçalo Byrne e Manuel Mateus
Interior do pórtico do alçado poente (Largo de D. João da Câmara)após a intervenção dos arquitetos Gonçalo Byrne e Manuel Mateus
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Lustre da Sala Garrett, 2013
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transformações e intervenções recentes (1978-2015) 257
Teto da Sala Garrett (pormenores)
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A culminar esta intervenção, e no âmbito do projeto Memória (1964), que
procurava assinalar os 50 anos do incêndio de 1964, decidiu a administração
preencher os quatro grandes painéis existentes nas paredes norte e sul. No projeto
de Rebello de Andrade, estes painéis estariam reservados para grandes tapeçarias
de Portalegre com motivos associados ao teatro de Gil Vicente. Carlos Vargas e
João Mota convidaram o artista plástico Alexandre Farto Aka Vhils para realizar
os retratos de quatro atrizes portuguesas: Amélia Rey Colaço, Palmira Bastos
(1875-1967), Laura Alves (1921-1986) e Beatriz Costa (1907-1996) 58.
Retratos de Beatriz Costa e de Laura AlvesAutoria de Alexandre Farto Aka Vhils, 2014Salão Nobre, lado sul
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A CAsA de GArrettPATRIMÓNIO E ARQUITETURA DO TEATRO NACIONAL D. MARIA II
FICHA TÉCNICA
Editores
Carlos Vargas
João Mascarenhas-Mateus
Autores
Carlos Vargas
João Mascarenhas-Mateus
José-Augusto França
Mílton Pacheco
Luís Soares Carneiro
Pedro Fidalgo
Rui Dâmaso
Pedro Costa
Sérgio Henriques
Manuel Alexandre
Paulo Prata Ramos
Fotografia
Alfredo Rocha
Ana Paula Carvalho
Aurélio Vasques
Carlos Vargas
Filipe Ferreira
João Freire
José Marques
Luís Carlos Peixoto
Marta Iola
Pedro Fidalgo
Pedro Pinho
Rui Moraes de Sousa
Design
José Dias
Edição
TNDM II
INCM
Revisão
INCM
Impressão
INCM
ISBN
978-972-27-2752-5
Depósito legal
451 410/19
Edição n.º
1023181
DOI
10.30618/978-989-658-532-7
Os editores agradecem a colaboração e o apoio da equipa do TNDM II: Albertina Patrício, António Monteiro, Carlos Henriques, Carlos Luís, Carlos Martins, Deolinda
Mendes, Fernanda Lima, José Carlos Nascimento, Luís Sota, Paula Leal, Raquel Guimarães, Raúl Rebelo, Susana Dias, Vera Azevedo, e um especial agradecimento
à equipa da sua Biblioteca|Arquivo, nomeadamente Catarina Pereira, Cristina Faria, Ricardo Cabaça e Rita Carpinha.
Os editores agradecem a colaboração e o apoio do Museu da Cidade de Lisboa para a presente publicação.
Embora o Teatro Nacional D. Maria II, através da sua Biblioteca|Arquivo, tenha envidado todos os esforços nesse sentido, não foi possível estabelecer a autoria
da totalidade das imagens contidas na presente publicação.
Agradece-se a quem tiver conhecimento desses elementos o favor de os comunicar, através do endereço [email protected], aos serviços da
Biblioteca|Arquivo do Teatro Nacional D. Maria II, para que essa informação possa ser atualizada e os créditos atribuídos a quem, de direito, seja o titular.
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A CASA DE GARRETTPATRIMÓNIO E ARQUITECTURA DO TEATRO NACIONAL D. MARIA II
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Carlos Vargas (ed.)
Assistente Convidado do Departamento de História da Faculdade
de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa,
no âmbito do programa de mestrado em Património e investigador
do IHC – Instituto de História Contemporânea FCSH – NOVA.
Licenciado em Línguas e Literaturas Clássicas pela Faculdade de
Letras da Universidade de Lisboa e Engenheiro de Máquinas pelo
Instituto Militar dos Pupilos do Exército.
Desempenhou, entre outras, as funções de Presidente do Conselho
de Administração do OPART – Organismo de Produção Artística,
E. P. E., entidade gestora do Teatro Nacional de São Carlos, da
Orquestra Sinfónica Portuguesa, da Companhia Nacional de Bailado,
do Teatro Camões, dos Estúdios Victor Córdon e do Festival ao
Largo (2016 - 2019), Presidente do Conselho de Administração do
Teatro Nacional D. Maria II, E.P.E. (2012 - 2014), Vogal do Conselho
de Administração do OPART, E.P.E. (2007 - 2010), Vogal do Conselho
Directivo do Teatro Nacional de São Carlos, I. P. (2004 - 2007),
Subdirector da Companhia Nacional de Bailado, I. P. (1997 - 2004).
Em 2014, juntamente com João Mascarenhas-Mateus, publicou
São Carlos: um teatro de ópera para Lisboa. Património e arquitectura
do Teatro Nacional de São Carlos. Lisboa: INCM.
João Mascarenhas-Mateus (ed.)
Investigador Principal FCT do CIAUD – Centro de Investigação
em Arquitetura, Urbanismo e Design da Faculdade de Arquitetura
da Universidade de Lisboa. Doutor em Engenharia Civil (Instituto
Superior Técnico de Lisboa, 2001). Mestre em Ciências da
Arquitetura (Katholieke Universiteit Leuven, 1992). Foi coordenador
técnico da candidatura da Baixa Pombalina à Lista do Património
Mundial (2003-2006). Em Roma, projetou e dirigiu os trabalhos
de conservação do Instituto Português e do Pontifício Colégio
Português (1996-2002).
Organizou em 2010 e 2015 a Primeira e Segunda Conferências
sobre História da Construção em Portugal e foi um dos
coordenadores dos I e II Congressos Innternacionais de História
da Construção Luso-Brasileira (2013 e 2016). Fundador e actual
presidente da direção da SPEHC- Sociedade Portuguesa de
Estudos de História da Construção. Em 2014, juntamente com
Carlos Vargas, publicou São Carlos: um teatro de ópera para
Lisboa. Património e arquitectura do Teatro Nacional de São Carlos.
Lisboa: INCM.