A Cascata Da Crítica

4
A cascata da crítica Cometo um paradoxo: jaz aqui um texto crítico que, dentre outros objetivos, pretende desconstruir o comportamento crítico dos jovens. Em outras palavras, critico a crítica massiva e defendo momentos estáticos, pausas para a não crítica. Para ter de falar, afasto-me: a juventude brasileira tem conquistado muitos lugares: o direito de falar o que quiser, de se movimentar e reunir-se, de consumir cultural nacional e transnacional e, sobretudo, ditar comportamentos, tanto para a sua geração, quanto para a geração mais velha (de modo um tanto combativo) e para a geração futura (em constantes deliberações). Há dez anos não existia isso. Ao menos com tanta frequência. Em certa medida, a pouca participação dos jovens na sociedade daquela década pode ser originária da precariedade ou falta de democratização dos meios de comunicação e da educação familiar. Meus pais, por exemplo, nunca sequer compraram jornal impresso, revista e, entre o William Bonner e qualquer entretenimento televisivo não Global, adivinha quem ganhava o jogo? Claro, sempre houve universidade – um ambiente que permite muito debate à flor da pele (com ressalvas); mas contrastando com a juventude dos dias de hoje, é fácil visualizar que o contingente de moças e de rapazes que militam política e ideologicamente seja nas ruas, seja em centros culturais, sedes de partidos políticos, coletivos, páginas da internet, redes sociais etc contém uma parcela de “não universitários”, aqueles que não frequentam o ambiente acadêmico. Tal situação me leva a cogitar duas causas: (1) as famílias têm se reeducado cada vez mais a permitirem seus pequenos saírem aos poucos das bolhas e experimentarem um estilo de vida que eu chamo de “semiadulto”; (2) a formação escolar está a estimular nesses jovens o pensamento crítico com base em metodologias, atividades, apreensão de saberes que se afastam do tradicionalismo educacional e inserem os mesmos jovens na reflexão dos próprios papeis sociais. Minha opinião é de que as duas causas são insustentáveis. Difícil é reconhecer, mas facílimo observa que as famílias

description

A CASCATA

Transcript of A Cascata Da Crítica

A cascata da crticaCometo um paradoxo: jaz aqui um texto crtico que, dentre outros objetivos, pretende desconstruir o comportamento crtico dos jovens. Em outras palavras, critico a crtica massiva e defendo momentos estticos, pausas para a no crtica.Para ter de falar, afasto-me: a juventude brasileira tem conquistado muitos lugares: o direito de falar o que quiser, de se movimentar e reunir-se, de consumir cultural nacional e transnacional e, sobretudo, ditar comportamentos, tanto para a sua gerao, quanto para a gerao mais velha (de modo um tanto combativo) e para a gerao futura (em constantes deliberaes).H dez anos no existia isso. Ao menos com tanta frequncia. Em certa medida, a pouca participao dos jovens na sociedade daquela dcada pode ser originria da precariedade ou falta de democratizao dos meios de comunicao e da educao familiar. Meus pais, por exemplo, nunca sequer compraram jornal impresso, revista e, entre o William Bonner e qualquer entretenimento televisivo no Global, adivinha quem ganhava o jogo?Claro, sempre houve universidade um ambiente que permite muito debate flor da pele (com ressalvas); mas contrastando com a juventude dos dias de hoje, fcil visualizar que o contingente de moas e de rapazes que militam poltica e ideologicamente seja nas ruas, seja em centros culturais, sedes de partidos polticos, coletivos, pginas da internet, redes sociais etc contm uma parcela de no universitrios, aqueles que no frequentam o ambiente acadmico. Tal situao me leva a cogitar duas causas: (1) as famlias tm se reeducado cada vez mais a permitirem seus pequenos sarem aos poucos das bolhas e experimentarem um estilo de vida que eu chamo de semiadulto; (2) a formao escolar est a estimular nesses jovens o pensamento crtico com base em metodologias, atividades, apreenso de saberes que se afastam do tradicionalismo educacional e inserem os mesmos jovens na reflexo dos prprios papeis sociais.Minha opinio de que as duas causas so insustentveis. Difcil reconhecer, mas faclimo observa que as famlias formadas h uma ou duas dcadas estejam dispostas a repensarem seus comportamentos para adaptarem seus descendentes a novas demandas. Os jovens sempre agiram por iniciativa prpria: na maioria dos casos, s para citar exemplos triviais, a iniciao nas problemticas do mundo do sexo, das drogas, de uma rotina com responsabilidades e convenes situacionais desenvolvida quase que de forma espontnea, muitas vezes grosseira. E as experincias das geraes anteriores s servem para serem exibidas em museus. A escola ainda um ambiente que, semelhante ao familiar, resiste inovaes e muito afeita formulas milagrosas que s possuem aplicabilidade durante determinados anos letivos. No se pensa tambm no histrico desse processo, nem nos prognsticos, isto , nos resultados para alm da escola. Ou seja, o ambiente escolar, mesmo que seja transpassado por conhecimentos, estratgias e ferramentas ricas e interessantes para se levarem adiante, continua a fazer mais do mesmo. Felizes so os que saem desse eixo?Evidentemente, muitos eventos na nossa Histria (ou aquilo que entrar nos livros de Histria) contriburam para essa exploso de uma juventude altamente politizada e (j podemos falar nesses termos) especializada em leis, nmeros, cultura, corpo, mente, sexo, gnero. No vejo mal algum nisso: existe uma ansiedade para a discusso como o dilogo fosse a nica engrenagem para abalar as estruturas que cada vez mais nos atormentam, nos ferem Quando falo sobre o descaso com a educao, racismo, corrupo ou homofobia, por que eles ainda existem. E chegar um dia em que no precisaremos mais de falar sobre isso como fenmenos coetneos, pois sero, assim como o fascismo, a ditadura militar, as guerras mundiais, a segregao racial, passados sombrios e vergonhosos. Sero, ainda assim, passados.O ponto onde quero chegar o que chamo de cascata da crtica. Simultnea ao grande e excessivo montante de informaes que chegam at ns, a construo de inmeros discursos crticos chega a ser assustadora. Veja: fazem-se muitos julgamentos e para cada um deles a juventude derrama manifestos, cartas de apoio, de repdio, notas, enfim, todos os gneros retricos que possam exigir e que so compatveis nos meios que se queiram reproduzir. Todos querem criticar. Todos precisam de criticar. Todos devem criticar. So mximas das quais no nos livramos. Muito bem. compreensvel, uma vez que julgamos a todo instante; mas a juventude hoje requer que toda a critica deva ser feita numa ornamentao que demonstre ao leitor que o autor tenha conhecimento de causa que ele tenha vivenciado, como experienciador, de uma opresso, de uma injustia. E se os argumentos vierem sustentados por um Vade Mecum ou pelas falas de Caetano Veloso, Gregrio Duvivier, Olavo de Carvalho ou Arnaldo Jabor, melhor ainda.A cascata de crticas, por um lado, permite que se comprove o esforo autodidata dos jovens a querem colocar as mos para modelar a sociedade, pressupondo que ela est bastante disforme. Brasil: ame-o (do jeito que est) ou deixei-o(do jeito que est) ou mude-o (porque nunca houve Brasil). As charges e piadas sobre melhor devolver o Brasil pros ndios e pedir a eles desculpa nunca foi to exemplificadora da apatia com um que de subverso ousada que essas mentes jovens podem ter. Por outro lado, faz com que haja certa opresso queles que se recusam a fazer crtica ou no esto sincronizados com o mesmo ritmo daqueles que fazem crtica ALL THE TIME. Numa conversa sobre Poltica Internacional, disse aos presentes: cs me desculpem, mas no entendo de nada disso e no tenho como opinar sobre; em outra conversa, no emiti uma palavra sobre Economia; ainda em outra, no falei sobre Policia Militar. E no, eu no sei os fundamentos do PT. No, eu no quero discutir sobre homossexualidade. N situaes. Em todos os casos, os presentes me olhavam como seu eu fosse o ser mais estranho da face da Terra. Um deles, surpreso, indagou: Como assim voc no tem nada a dizer sobre a polcia militar? E um colega depois, muito tempo depois, me disse: cara, mas voc gay, o mais capacitado a ter se pronunciado naquela conversa.No, no me senti capacitado. E no reivindico nada at eu ter certeza de que eu estou preparado para reivindicar. E no me envergonho. Isso, porm, no significa que eu no seja crtico, ou melhor, que no me interessa criticar. Tambm ao digo que tais assuntos no sejam de meu interesse. Mas s vezes (e no meu caso, a maioria das vezes) melhor e mais eficaz ouvir /ler o outro, cuja fundamentao seja o ponto de partida para que eu recolha ou exclua aquilo que configurar o meu discurso. Logicamente, h assuntos que me so de maior afinidade, pois a formao que tive me permitiu mergulhar nas discusses sobre tais temas, o que no me impede, contudo, de que eu nade em outras.Defendo aqui, sendo bastante crtico (risos), os momentos de no crtica: utilizando uma frase comum, ningum obrigado a discursar e a formular crticas a todo momento sobre tudo que feito/acontece em sociedade e isso te faz menos cidado. Ser cidado tambm pressupe ouvir/ler tudo que existe de uma forma vagarosa para que, num tempo particular (e no no tempo da curtida e do compartilhamento) possam-se apurar com mais clareza e sobriedade os fenmenos sociais.P.S.: Penso em escrever esse texto desde as manifestaes de junho de 2013.