A cassação de mandato por quebra de decoro parlamentar

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Brasília a. 43 n. 169 jan./mar. 2006 65 1. Introdução. 2. A perda do mandato parla- mentar: cassação vs. extinção. 3. Entraves episte- mológicos ao controle jurisdicional dos atos de cassação por quebra de decoro parlamentar em nossa jurisprudência. 4. A inexistência da dou- trina da insindicabilidade dos atos políticos ou de governo (political question doctrine) na cassa- ção de mandato de parlamentar. 4.1. A sindica- bilidade jurisdicional dos atos interna corporis do legislativo na Suprema Corte norte-americana (Powell vs. Mc Comarck e Bond vs. Floyd). 5. A sin- dicabilidade jurisdicional dos atos de cassação de mandato parlamentar: existência de direitos subjetivos em jogo. 6. A evolução da concepção sobre o decoro parlamentar nas Constituições brasileiras. 6.1. O decoro parlamentar como um conceito indeterminado (CF/67 e de 1946). 6.2. O decoro parlamentar como um conceito não tão indeterminado (CF/69 e de 1988): tipicidade constitucional. 7. A possibilidade de controle sobre a definição regimental dos atos indecoro- sos: inexistência de atribuição de cheque em bran- co ao legislador regimental. 8. Os limites da sin- dicabilidade jurisdicional do processo de cassa- ção de mandato no direito constitucional brasi- leiro: tipicidade e proporcionalidade. 8.1. O exa- me da tipicidade: existência dos fatos e correta qualificação normativa. 8.2. O controle da pro- porcionalidade do ato de expulsão. 9. O ato in- decoroso e o crime: incisos II e VI do artigo 55 da CF/88. 9.1. A influência da esfera penal na parla- mentar. 10. A ratio essendi da quebra de decoro parlamentar e a inexistência do princípio da con- temporaneidade: atos pré-mandato e os pratica- dos fora da função parlamentar (art. 56 da CF). 10.1. A revogação da Súmula 4 do STF e a possi- bilidade de se cassar o parlamentar afastado para o exercício de cargos executivos (CF, art. 56). 11. A cassação de mandato por quebra de decoro parlamentar Sindicabilidade jurisdicional e tipicidade Eduardo Fortunato Bim Sumário Eduardo Fortunato Bim é Advogado em São Paulo, SP.

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1. Introdução. 2. A perda do mandato parla-mentar: cassação vs. extinção. 3. Entraves episte-mológicos ao controle jurisdicional dos atos decassação por quebra de decoro parlamentar emnossa jurisprudência. 4. A inexistência da dou-trina da insindicabilidade dos atos políticos oude governo (political question doctrine) na cassa-ção de mandato de parlamentar. 4.1. A sindica-bilidade jurisdicional dos atos interna corporis dolegislativo na Suprema Corte norte-americana(Powell vs. Mc Comarck e Bond vs. Floyd). 5. A sin-dicabilidade jurisdicional dos atos de cassaçãode mandato parlamentar: existência de direitossubjetivos em jogo. 6. A evolução da concepçãosobre o decoro parlamentar nas Constituiçõesbrasileiras. 6.1. O decoro parlamentar como umconceito indeterminado (CF/67 e de 1946). 6.2.O decoro parlamentar como um conceito nãotão indeterminado (CF/69 e de 1988): tipicidadeconstitucional. 7. A possibilidade de controlesobre a definição regimental dos atos indecoro-sos: inexistência de atribuição de cheque em bran-co ao legislador regimental. 8. Os limites da sin-dicabilidade jurisdicional do processo de cassa-ção de mandato no direito constitucional brasi-leiro: tipicidade e proporcionalidade. 8.1. O exa-me da tipicidade: existência dos fatos e corretaqualificação normativa. 8.2. O controle da pro-porcionalidade do ato de expulsão. 9. O ato in-decoroso e o crime: incisos II e VI do artigo 55 daCF/88. 9.1. A influência da esfera penal na parla-mentar. 10. A ratio essendi da quebra de decoroparlamentar e a inexistência do princípio da con-temporaneidade: atos pré-mandato e os pratica-dos fora da função parlamentar (art. 56 da CF).10.1. A revogação da Súmula 4 do STF e a possi-bilidade de se cassar o parlamentar afastado parao exercício de cargos executivos (CF, art. 56). 11.

A cassação de mandato por quebra dedecoro parlamentarSindicabilidade jurisdicional e tipicidade

Eduardo Fortunato Bim

Sumário

Eduardo Fortunato Bim é Advogado em SãoPaulo, SP.

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1. Introdução

Em várias legislaturas, membros doLegislativo têm o seu mandato cassado porquebra de decoro parlamentar, fazendo sur-gir diversas questões jurídicas em torno dotema. Essas questões são relevantes porqueo parlamentar vencido na esfera políticageralmente tenta a perpetuação de seu man-dato no Judiciário, invocando razões jurídi-cas para obstar o julgamento político de seuspares.

O conceito de decoro parlamentar foidefinido em nosso direito constitucionalsomente na CF/1969, que imprimiu um ca-ráter menos indeterminado a esse conceito.Paralelamente, alguns atos tidos como in-decorosos são anteriores à vida de parla-mentar ou são da legislatura antecedente;alguns são praticados quando o parlamen-tar se afasta do parlamento para assumirfunções executivas (ministérios, secretariasetc.) ou quando tira simples licenças (CF,art. 56). Discute-se se em tais casos há a pos-sibilidade de cassação do mandato por que-bra do decoro parlamentar, uma vez que taisatos não foram praticados pelo parlamen-tar enquanto tal.

Como questão prejudicial, tem-se o fatode o Judiciário considerar o ato de cassaçãoum ato exclusivamente político, logo, insin-dicável jurisdicionalmente pela aplicaçãoda political question doctrine.

O propósito deste estudo é responder atais questões e algumas que gravitam emtorno dela, tais como a renúncia para evitara cassação.

2. A perda do mandato parlamentar:cassação vs. extinção

A perda do mandato dos parlamentaresestá prevista no artigo 55 da Constituição e

A vedação da renúncia como instrumento de sal-vação da cassação do mandato e da inelegibili-dade. 12. Conclusão.

pode ocorrer por extinção ou cassação(MELLO FILHO, 1984, p. 124). Uadi LammêgoBulos (2003, p. 770) define a cassação como“o ato que decreta a perda do mandato pelocometimento de uma falta funcional, tipifi-cada em lei e sancionada por ela.” José Afon-so da Silva (2005, p. 539-540, grifo do au-tor), por sua vez, explica que extinção do man-dato “é o perecimento do mandato pela ocor-rência de fato ou ato que torna automatica-mente inexistente a investidura eletiva, taiscomo a morte, a renúncia, o não compareci-mento a certo número de sessões expressa-mente fixado (desinteresse, que a Constitui-ção eleva à condição de renúncia), perda oususpensão dos direitos políticos”.

A utilidade e razão da distinção residena necessidade ou não de votação da Câ-mara ou do Senado para a perda do manda-to do parlamentar e, ipso facto, na existência(cassação) ou inexistência (extinção) de juí-zo político do parlamento.

Para os casos de cassação (incisos I, II e VIdo art. 55 da CF), há necessidade de votaçãosecreta1 pela maioria absoluta dos membrosda casa, mediante a provocação da respec-tiva Mesa ou de partido político representa-do no Congresso Nacional, assegurada aampla defesa. Nos de extinção do mandato(CF, art. 55, incs. III, IV e V), haverá apenas adeclaração da Mesa, não votação secreta pormaioria absoluta.2

Na cassação, a decisão tem naturezaconstitutiva; na extinção, meramente decla-ratória. Em ambos os casos, a Constituiçãoassegura a ampla defesa ao parlamentar, oque não significa a admissão de advogadona tribuna, ficando tal matéria à disposiçãoregimental.3

Na cassação de mandato, o parlamentomove-se em duplo e cumulativo juízo: umobjetivo (existência e enquadramento nassituações previstas nos incisos I, II e VI) eoutro subjetivo (aprovação por maioria ab-soluta – típica questão política). Sem aexistência de qualquer um deles, não háque se falar em cassação de mandato par-lamentar.

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Por último, ressalte-se o fato de que aConstituição vê ambas as formas de perdado mandato (cassação e extinção) em umavisão procedimentalista, uma vez que cita“processo que vise ou possa levar à perda”(CF, art. 55, § 4o). Essa visão procedimenta-lista também é usada na Constituição Fin-landesa (seção 28, 3 e 4), uma vez que essareconhece que a cassação do mandato pornegligência essencial e reiterada dos deve-res de parlamentar e por fato grave que de-monstre a ausência de confiança e respeitonecessários às funções inerentes ao cargotem que ser previamente aprovada pelo Co-mitê de Direito Constitucional antes de servotada por dois terços. No Brasil, a matériaé reservada ao regimento interno da casalegislativa, assim como nos EUA, no qual aCasa dos Representantes submete a resolu-ção de expulsão à House Committe on Stan-dards of Official Conduct.

3. Entraves epistemológicos aocontrole jurisdicional dos atos de

cassação por quebra de decoroparlamentar em nossa jurisprudência

Questão prejudicial ao tema deste artigoreside na possibilidade do controle jurisdi-cional dos atos de cassação; caso contrário,pouco adiantará qualquer especulação ju-rídica sobre a quebra de decoro parlamen-tar, porque não haverá nenhuma instânciapara controlar esse ato da casa legislativa,tornando-o incontrastável.

Para avaliar a sindicabilidade do pro-cesso e do ato de cassação de mandato, faz-se necessário auscultar a doutrina da insin-dicabilidade das questões políticas. Os pre-cedentes do Supremo que inadmitem a sin-dicabilidade do ato de cassação sob o pris-ma da ocorrência ou não da quebra de deco-ro parlamentar baseiam-se na impossibi-lidade de se controlar os atos internacorporis do Legislativo, por pertenceremunicamente à esfera de decisão doparlamento, sendo questões exclusiva-mente políticas.

Nos antigos Recursos em Mandado deSegurança nos 8.893/SC (BRASIL, 1961, p.72) e 10.141/CE (BRASIL, 1964, p. 4432) enos recentes Mandados de Segurança nos

21.8614, 23.5295 e 23.3886, o Supremo enten-deu que a cassação do mandato é uma ques-tão política (political question doctrine) porcaber exclusivamente ao parlamento, im-possibilitando ao Judiciário conhecer sobreo mérito da cassação, ou seja, se houve ounão quebra de decoro parlamentar.

No pronunciamento mais recente de quese tem notícia (17 de agosto de 2005), o STF– pela decisão monocrática do MinistroCezar Peluso no RE 382.344/SP (agravo re-gimental pendente) – manteve sua posiçãode somente analisar os aspectos formais doprocesso de cassação, confirmando a eluci-dativa decisão do STJ (BRASIL, 2002c, p.112):

“RECURSO EM MANDADO DESEGURANÇA. DEPUTADO ESTA-DUAL. PERDA DO MANDATO. MÉ-RITO. ATO INTERNA CORPORIS.REPRESENTAÇÃO. VALIDADE.

– No tocante ao aspecto meritórioda penalidade aplicada, à valoraçãoe ao acerto da decisão daquela CasaLegislativa, se efetivamente o recorren-te é autor de procedimentos contrári-os à Ética e ao Decoro Parlamentar,na gradação suficiente para a medidadisciplinar adotada, tenho que estaquestão é de natureza unicamentepolítica, interna corporis, sendo veda-do ao Judiciário apreciar o recurso emtal direção. Resta, tão-somente, a estaCorte considerar o aspecto formal doprocesso de cassação, com a aplica-ção dos princípios constitucionais daampla defesa, contraditório e devidoprocesso legal.

– A representação instaurada pelaAssembléia Legislativa do Estado coma indicação de perda de mandato nãoprecisa, obrigatoriamente, obedeceraos parâmetros do art. 41, do CPP, oumesmo o art. 161, da Lei 8.112/90,

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devendo ater-se aos preceitos e regra-mentos insculpidos no diploma legalespecífico da Assembléia Legislativa,in casu, a Resolução no 766, de 16 dedezembro de 1994.”

Alexandre de Moraes ( 2005, p. 416) en-tende da mesma maneira, aduzindo que, portratar-se de ato disciplinar do parlamento,não compete ao Judiciário analisar a tipici-dade da conduta nas previsões regimentaisou sob o acerto da decisão, “pois tal atitudeconsistiria em indevida ingerência em com-petência exclusiva de órgão do Poder Legis-lativo, atribuída diretamente pela Constitui-ção Federal (CF, art. 55, §§ 1o e 2o), sem preju-ízo de qualquer recurso de mérito”.

Registre-se, em um primeiro momento,não se tratar de jurisprudência restritiva porestar em causa a interpretação do regimen-to interno das casas legislativas, uma vezque a quebra de decoro está expressamenteprevista na Constituição, sendo função doregimento simplesmente esclarecer o senti-do constitucional.

Torna-se, portanto, imprescindível ana-lisar a political question doctrine para enten-der a fundamentação das decisões do Su-premo em relação à insindicabilidade dosatos de cassação de mandato.

4. A inexistência da doutrina dainsindicabilidade dos atos políticos ou degoverno (political question doctrine) na

cassação de mandato de parlamentarDecorrente da teoria da separação de

poderes, a political question doctrine, que po-deria ser traduzida como da insindicabili-dade jurisdicional das questões políticas, foifruto da evolução da jurisprudência da Su-prema Corte norte-americana e constava nasConstituições de 1934 (art. 68) e de 1937 (art.94) com idêntica redação: “É vedado ao Po-der Judiciário conhecer de questões exclusi-vamente políticas.”

Entende-se por questões políticas aque-las decorrentes dos atos políticos ou de governo.Na classificação, que pressupõe a distinção

entre função política ou de governo da exe-cutiva, existem os atos políticos ou de go-verno ao lado dos atos administrativos. Res-salte-se que os atos políticos não são privi-légios do Executivo, podendo ser editadospelos outros Poderes da República, emboranesses sejam menos freqüentes.

Os atos políticos são aqueles mais dire-tamente ligados à condução política do Es-tado. Nos primórdios do desenvolvimentoda doutrina dos atos de governos, dizia-seque estes eram insindicáveis pelo Judiciá-rio lato sensu (o que inclui o contencioso ad-ministrativo para os países que o adotam).Aliás, essa foi a razão de sua criação. Se-gundo Oswaldo Aranha Bandeira de Mello(1969, p. 416), “a criação dessa categoria deatos objetivou justamente excluir uma sériede atos, de caráter político, do controle daJustiça”. Régis Fernandes de Oliveira (1992,p. 35) também aduz que a criação dos atospolíticos “objetivou excluir determinadasatitudes estatais, de caráter político, da apre-ciação pelo Poder Judiciário”. A tese separaos atos de administração dos políticos; es-tes extraem seu fundamento direto da Cons-tituição, aqueles das leis infraconstitucio-nais; a discricionariedade destes é maior doque daqueles, uma vez que a Constituição émais aberta.

Eduardo García de Enterría (1995, p. 56),em sua clássica obra A Luta Contra as Imuni-dades do Poder no Direito Administrativo, re-chaça a tese da insindicabilidade dos atosde governo, in verbis: “Ao se insistir sobre adiferença qualitativa entre Política e Admi-nistração se está dizendo algo óbvio, mas éuma petição de princípio pretender arran-car desta diferença material uma diferençade regime jurídico.” Por isso, também JohnP. Roche, citado por Herman Pritchett (1968,p. 177), “atacou a doutrina das questões po-líticas taxando-a de ilógica, baseada em umraciocínio circular: ‘Questões políticas sãoproblemas não solucionáveis pelo proces-so judicial; problemas não solucionáveispelo processo judicial são questõespolíticas’”.

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No Estado de direito, não podem existircírculos de poder imunes ao controle juris-dicional, uma vez que uma de suas caracte-rísticas é a responsabilidade pelos atosestatais, corolário da República (ATALI-BA, 1998); responsabilidade impossívelsem o controle jurisdicional (CF, art. 5o,XXXV).

Prossegue Enterría (1995, p. 62) aduzin-do que, excepcionalmente, os atos de rela-ções internacionais estão isentos da apreci-ação judicial por serem autênticos atos po-líticos, como ocorre no direito inglês com osacts of State. Ele acredita, porém, que todosos demais pretendidos atos de governo,“sem exceção, são atos administrativos pu-ros e simples, somente dotados de uma es-pecial importância política (ordinaria-mente em sentido da luta política)”, alegan-do ser exatamente essa importância que jus-tificaria a sua classificação, razão pela qualse exigiria a sua análise mais cuidadosa pelajurisdição, não havendo que se proclamar asua isenção radical ante esta.

A configuração política de um ato nãoexclui seu caráter político, fazendo de seusdefensores – coincidentemente os governan-tes cujos atos não querem que sejam exami-nados sob o acidental prisma da legalidadee constitucionalidade, principalmente quan-do causem dano ao direito individual doscidadãos ou dos próprios entes da federa-ção – autênticos sectários da doutrina darazão de Estado.

O que a doutrina da insindicabilidadedos atos políticos propugna é exatamenteuma das formas de apologia das razões deEstado. Sob o pretexto de que o problema épolítico (argumento nunca bem compreen-dido), quer-se violar o direito ou a moral (ar-gumentos sempre bem compreendidos nes-ses casos); e a melhor maneira de fazê-lo éexcluindo o controle jurisdicional, deixan-do o poder sem controle.

Não por outro motivo – antes de relataro desaparecimento da doutrina dos atos degoverno do direito francês –, Eduardo Garcíade Enterría (1995, p. 70) concluiu: “Se há

dito com justiça da doutrina dos atos políti-cos que ela constitui pura e simplesmenteuma reminiscência da velha idéia da razãode Estado e do poder desta para subjugarem algum momento a justiça; este é justa-mente o título, La survivance de la raisond´Etat, do famoso livro de André Gros (Pa-rís, 1932), e basta seu enunciado para con-denar sua presença em um Estado de Direi-to que mereça esse nome”7.

No Brasil, fica clara a relação entre auto-ritarismo e razões de Estado vestidas sob ocaráter da insindicabilidade das questõespolíticas quando no governo de Vargas –social, mas não tutelador das liberdadesindividuais – ambas as Constituições (CF/1934, art. 68, e CF/37, art. 94) vedavam aoPoder Judiciário conhecer de questões ex-clusivamente políticas.

Não se nega a existência, nos atos políticos (etambém nos administrativos em sentido es-trito), de uma zona de liberdade em que o Judici-ário não pode substituir o órgão decisor (politi-cal question)8; mas daí defender a insindica-bilidade de maneira ampla e genérica é fa-zer apologia à doutrina da razão de Estado,inadmissível em um Estado de direito quefaça jus a esse nome (Enterría), motivo peloqual a doutrina nacional em peso rechaça acategoria dos atos políticos como atos in-sindicáveis.9

A seara da political question doctrine nãoé demarcada pela pura e simples insindica-bilidade jurisdicional, sendo o círculo vici-oso descrito por John P. Roche, mas pelasquestões que dizem respeito aos outros poderes(Legislativo e Executivo) ou ao eleitoradocomo um todo e que não tenham norma visi-velmente aplicável ao caso (CASTRO, 1999,p. 60; COELHO, 2004, p. 369; TRIBE, 2000,p. 367).

Não se pode entrar na discricionarieda-de do ato político, assim como também nãose pode fazê-lo nos administrativos (embo-ra essa discricionariedade possa ser contro-lada sob alguns aspectos). O que identifica-mos como razões de Estado não é a resistên-cia contra a ingerência do Judiciário nessa

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discricionariedade – que nas questões polí-ticas deu azo à genuína political questiondoctrine –, mas a tentativa de absolutizaressa zona de discricionariedade do ato po-lítico, impossibilitando qualquer tentativade controle jurisdicional. Afinal, ato políti-co não pode ser confundido com ato arbi-trário. Aceitar isso seria negar o Estado dedireito porque este – nos dizeres de JacquesChevallier (2003, p. 132) – implica que aliberdade dos órgãos estatais, em todos osníveis, enquadra-se na existência de normasjurídicas, cujo respeito é garantido pela in-tervenção judicial.

Rejeitando essa tentativa de alargamen-to das questões políticas, diversos autoresnorte-americanos criticaram-na, chegandouns, como os brasileiros, a propugnar a suaextinção pelo perigo que a sua existênciaencerra à liberdade. Bernard Schwartz(1966, p. 167) doutrinava: “‘Se admitirmosapenas uma exceção ao princípio da legali-dade’, como um jurista francês [Duguit] acer-tadamente declarou, ‘não podemos saberaonde isto nos levará’... Admitir apenas umaexceção ao princípio da legalidade é dar oprimeiro passo fatal na direção da doutrinaalemã e dizer... com Jellinek: ‘O Estado estáacima de toda e qualquer regra de lei’.” LouisHenkin (apud TRIBE, 2000) (Is there a “poli-tical question” doctrine), depõe Tribe (2000, p.367), “como outros, tem criticado duramen-te a idéia de que existem partes da Consti-tuição para as quais o judiciário deve sercego”.

A political question doctrine, na sua feiçãoabsoluta, é muito bem explicada e refutadapor Canotilho (2002, p. 1291, grifo do au-tor), em longo trecho que vale ser citado naíntegra:

“O princípio foi definido pelo juizMarshall como significando havercertas ‘questões políticas’, da compe-tência do Presidente, em relação àsquais não pode haver controlo juris-dicional. No entanto, como acentua aprópria doutrina americana, a doutri-na das questões políticas não pode

significar a existência de questões cons-titucionais isentas de controlo. Em pri-meiro lugar, não deve admitir-se umarecusa de justiça ou declinação de compe-tência do Tribunal Constitucional sóporque a questão é política e deve serdecidida por instâncias políticas. Emsegundo lugar, como já se disse, o pro-blema não reside em, através do controloconstitucional, se fazer política, mas simem apreciar, de acordo com os parâmetrosjurídico-materiais da constituição, a cons-titucionalidade da política. A jurisdiçãoconstitucional tem, em larga medida,como objecto, apreciar a constitucio-nalidade do ‘político’. Não significaisto, como é óbvio, que ela se transfor-me em simples ‘jurisdição política’,pois tem sempre de decidir de acor-do com os parâmetros materiais fi-xados nas normas e princípios daconstituição.”

Dizer que a cassação dos mandatos dosparlamentares é questão política, desauto-rizando o judicial review, ignora de formacristalina o requisito negativo dessa doutri-na: a ausência de norma diretamente aplicá-vel ao processo de cassação (CF, art. 58, § 1o).

Reconhecer questão política no proces-so de cassação de mandatos ignora outrosinteresses vitais à democracia, como a liber-dade de voto, pressuposto da soberania po-pular, e as eleições livres, que vão além damera diplomação e posse. O poder de cas-sar o mandato deve ser controlado pelo Ju-diciário, porque não são apenas interessesdo parlamento que estão em jogo, mas detoda a democracia, uma vez que expulsarparlamentares sem justa causa ameaçaautorizar um poder sem controle sobre avontade do eleitor e sobre a liberdade deeleição.

Inexiste motivo para que o Judiciário nãojulgue o ato de cassação do mandato, con-clusão reforçada pela análise dos julga-dos da Suprema Corte norte-americanaPowell vs. Mc Comarck e Bond vs. Floyd,como se verá.

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4.1. A sindicabilidade jurisdicional dosatos interna corporis do legislativo naSuprema Corte norte-americana (Powell

vs. Mc Comarck e Bond vs. Floyd)

A resolução de expulsão do parla-mentar tem tratamento diverso de acordocom o sistema e a cultura constitucional vi-gente. Na Inglaterra, por exemplo, as cortesnão analisam a legalidade da cassação doparlamentar, sustentando a doutrina daque-le país que isso não é exatamente um pro-blema, porque contra eventuais abusos doParlamento existe a possibilidade de umareeleição do parlamentar expulso, ou seja,não haveria inelegibilidade como resultadoda expulsão( BRADLEY; EWING, 2003, p.221).

Por outro lado, nos EUA, a possibilida-de de análise judicial do processo de quali-ficação de seus membros foi expressamenteadmitida pela Suprema Corte. Exatamentea mesma corte que inaugurou a doutrina dainsindicabilidade das questões políticas. AConstituição dos EUA admite que os parla-mentares sejam julgados, em suas qualifi-cações, pelos seus próprios membros. É osistema de controle do processo eleitoraldenominado verificação de poderes, pratica-do na França em 1588 como uma concessãodo poder real e posteriormente consolidadona Inglaterra (GOMES, 1998, p. 24-25).

Nos Estados Unidos, distingue-se a ex-pulsão da exclusão. A expulsão (expulsion)equivale ao ato incompatível por quebra dedecoro parlamentar, ocorrendo por escrutí-nio de dois terços e por disorderly behaviour.Na exclusão (exclusion), corolário da verifi-cação de poderes, nega-se ao eleito sua vagano parlamento por votação majoritária(MASKELL, 2002, p. 3). Por causa da au-sência de requisitos constitucionais do par-lamentar-eleito para ocupar sua vaga noparlamento, a exclusão é hoje entendidacomo não sendo uma punição disciplinar(MASKELL, 2002, p. 4).

No caso Powell vs. Mc Comarck (1969), aSuprema Corte estadunidense decidiu que

o poder do Congresso de julgar os seus pa-res será limitado às qualificações previstasna Constituição, não havendo como ampli-ar o taxativo rol constitucional e nem que sefalar em questão política. Muito embora,corretamente, o Justice Douglas tenha afirma-do que o caso não se confunde com o daexpulsão do membro por comportamentodesregrado – disorderly behaviour (caso si-milar ao nosso decoro parlamentar) –, a con-clusão que se extrai do caso é que esse atointerna corporis não é ilimitado e muito me-nos imune ao judicial review quando há pre-visão constitucional, ainda que vaga.

No caso Bond vs. Floyd (1966), a Supre-ma Corte norte-americana reconheceu-seapta a julgar caso de expulsão de parlamen-tar (Bond) da Casa de Representantes daGeorgia por criticar a política do governofederal na Guerra do Vietnã. Ela declarou aexpulsão inconstitucional por ofender a li-berdade de expressão prevista na PrimeiraEmenda à Constituição, que consistia em ex-pressar-se contra a Guerra do Vietnã, nãohavendo que falar em incitação a condu-tas subversivas (lembrar que era o augeda Guerra Fria).

A diferença de regime do judicial re-view em relação aos atos políticos entre osEUA e a Inglaterra reside em uma série defatores concatenados. Enquanto na Ingla-terra tem-se a supremacia do Legislativo, nosEUA tem-se a supremacia da Constituição.Por tradição, a Inglaterra tem uma visão exa-cerbada da separação de poderes, fato ino-corrente nos EUA, no qual o Legislativo,como todos os poderes do Estado, submete-se ao império da Constituição. As seme-lhanças entre o sistema brasileiro e o nor-te-americano, mas não com o inglês, sal-tam aos olhos. Temos uma Constituiçãoescrita e temos a supremacia da Consti-tuição, que vincula todos os poderes doEstado10.

Não há que se falar em questão políticaou em ato interna corporis para justificar ainsindicabilidade jurisdicional do ato quan-do a Constituição dá as balizas para o jul-

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gamento; como a brasileira fornece tal parâ-metro no artigo 58, § 1o, a sindicabilidade épossível. No entanto, isso não significadizer que o Judiciário pode substituir oparlamento, mas somente que, em princí-pio, a cassação é suscetível de controlejurisdicional.

5. A sindicabilidade jurisdicionaldos atos de cassação de mandato

parlamentar: existência de direitossubjetivos em jogo

Como se viu, o problema da sindicabili-dade do ato ou processo de cassação residena existência da doutrina das questões po-líticas (political question doctrine), que nãoexiste no caso não só por ter norma consti-tucional expressa, mas ainda por existiremdireitos subjetivos lesados.

O Ministro Sepúlveda Pertence (BRASIL,1998a, p. 209) realçou a possibilidade de osdireitos dos parlamentares serem lesadosenquanto tais:

“Há casos, entretanto, em que aviolação de norma regimental pode,sim, a meu ver, violar direito subjeti-vo; não só de terceiros, de estranhosao Congresso, mas, também, de mem-bros do Congresso, que têm, como ins-trumentos do exercício do seu man-dato, numerosos direitos-função quenão lhes podem ser subtraídos, sejapor violação de norma constitucional,legal ou regimental.”

No processo de cassação do mandato doparlamentar, estão em jogo seus direitossubjetivos; e quando existem direitos subje-tivos em jogo, não há que se falar em politi-cal question doctrine. Por isso, a doutrina dainsindicabilidade das questões políticas so-fre críticas da doutrina e da jurisprudênciade nossa Suprema Corte. Como entende oSupremo desde a década de 50:

“A tese de que as questões políti-cas escapam à apreciação judiciáriatem de ser aceita em termos. Já na vi-gência das Constituições anteriores se

fixara o entendimento de que o que seexclui do conhecimento do Judiciáriosão os aspectos de conveniência eoportunidade do ato, não os seus pres-supostos constitucionais ou legais. AConstituição vigente reforçou essadoutrina, ao dispor que a lei não po-derá excluir da apreciação do PoderJudiciário qualquer lesão de direitoindividual (art. 141, § 4o).” (BRASIL,1956, p. 3564, grifo nosso)

Recentemente, o STF voltou a se pronun-ciar sobre a questão, admitindo a sindicabi-lidade jurisdicional de questões aparente-mente políticas quando em jogo direitos sub-jetivos (BRASIL, 1992b, p. 88; 1999a, p. 792;1999b, p. 88). Carlos Velloso (BRASIL,1999b, p. 51), no voto no MS 21.564/DF, éenfático quanto à inexistência de questãopuramente política quando em jogo direitossubjetivos:

“Onde houver a alegação no sen-tido de que um direito subjetivo, pú-blico ou privado, está sendo violado,lá estará o juiz para curar a lesão. Écerto que há atos de natureza pura-mente política, tanto do Congressoquanto do Executivo, que estão imu-nes ao controle jurisdicional. Todavia– a lição é velha, mas é atual, é a domaior constitucionalista brasileiro, éde Ruy –, ‘a violação de garantias in-dividuais, perpetradas à sombra defunções políticas, não é imune à açãodos tribunais.’”

Não discrepando desse entendimento, oMinistro Celso de Mello (BRASIL, 1998a,p. 2001), ao votar no MS 22.494/DF,consignou:

“É da essência de nosso sistemaconstitucional, portanto, que, ondequer que haja uma lesão a direitossubjetivos, não importando a origemda violação, aí sempre incidirá, emplenitude, a possibilidade de contro-le jurisdicional. A invocação do cará-ter interna corporis de determinadosatos, cuja prática possa ofender direi-

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tos assegurados pela ordem jurídica,não tem o condão de impedir a revi-são judicial de tais deliberações. Oscírculos de imunidades de poder –inclusive aqueles que concernem aoPoder Legislativo – não o protegem daintervenção corretiva e reparadora doJudiciário, que tem a missão de fa-zer cessar os comportamentos ilíci-tos que vulnerem direitos públicossubjetivos.”11

Em nossa doutrina, não se passa dife-rente. Entende-se, desde Ruy Barbosa(1933), que não existe questão exclusivamen-te política quando se ferem direitos subjeti-vos de alguém. Depois de dizer que nãoexiste nada mais artificial do que a distin-ção entre questões políticas e jurídicas, RuyBarbosa (1933, p. 42) afirmou: “Quando apendência toca a direitos individuais, a jus-tiça não se pode abster de julgar, ainda quea hipótese entenda com os interesses políti-cos de mais elevada monta.”12 Mais recen-temente, Pontes de Miranda (1960, p. 204),após listar algumas matérias que são consi-deradas como questões políticas, doutrinoucom precisão:

“As espécies de que tratamos sãoas que comumente se apontam comoexcludentes do judicial review. Ora,não se podem enumerar casos, por-que tais casos ratione materiae não exis-tem. O que existe é a regra de compe-tência. O que um Poder, Legislativo,Executivo ou Judiciário, faz – dentrode suas atribuições – vale, nos casosconcretos; o que qualquer deles prati-ca fora das suas atribuições, ferindodireitos públicos e privados, a quecorrespondam ações ou exceções, ésuscetível de ser considerado incons-titucional. Quando John Marshall di-zia que as questões por sua naturezapolítica nunca poderiam ser ventila-das na Corte Suprema, pronunciavafrase vaga, que não se pode repetir semperigo. Onde a ‘questão política’ seliga a atos que violaram direitos, a

ação leva-a à Justiça e a Justiça podedela conhecer. Já não é exclusividadepolítica.”

Eduardo García de Enterría (1995, p. 62)afirma: “Proclamar a imunidade jurisdicio-nal da Administração nessas matérias, as-sim genérica e imprecisamente chamadaspolíticas, implica nada mais nada menosdo que consagrar que a Administração podeoperá-las sem limite legal algum, inclusiveatropelando os direitos mais elementares emais óbvios dos cidadãos”. Por isso,Oswaldo Aranha Bandeira de Mello (1969,p. 417), ao negar a sua existência sob a au-sência de critérios científicos para a suaconstatação, aduziu que, “no Estado de Di-reito, torna-se inadmissível atividade insus-cetível de controle do Judiciário, quando vi-ola direitos e causa danos.”

Powell vs. Mc Comarck (1969) é um típicoexemplo de a negação da diplomação ouposse ao parlamentar ser questão sindicá-vel pelo Judiciário porque há direitos subje-tivos envolvidos, como nos casos de expul-são do parlamentar por quebra de decoro.Constata-se o mesmo em Bond vs. Floyd(1966), quando a Suprema Corte reconhe-ceu sua jurisdição para declarar inconstitu-cionalidade da exclusão de Bond da Casade Representantes da Georgia por criticar apolítica do governo federal na Guerra doVietnã.

Embora se referisse ao impeachment, a li-ção do Ministro Sepúlveda Pertence é apli-cável ao processo de cassação de mandatopor quebra de decoro parlamentar, uma vezque esse também se submete a uma tipologiaconstitucional mínima13, ou seja, a uma defi-nição mínima dos atos indecorosos por parteda Constituição, conforme veremos no pró-ximo item. Disse o Ministro do STF:

“(...) não excluo, por exemplo, que cai-ba ao Poder Judiciário a verificaçãoda existência, em tese, da imputaçãode um crime de responsabilidade,dada a exigência constitucional, queé peculiar ao nosso sistema, de suatipificação em lei, ainda que não ex-

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clua a ampla discricionariedade e aexclusividade do juízo do Senado naconcretização dos conceitos inde-terminados da definição legal típicados crimes de responsabilidade.”(BRASIL, 1999b, p. 58)

Posta a possibilidade do judicial reviewdo processo de cassação de mandato porquebra de decoro, uma vez que há (i) diretadisposição constitucional e também (ii) di-reitos subjetivos em jogo (os do parlamentarcassado ou em vias de sê-lo), atraindo acláusula do artigo 5o, XXXV, da CF com todaa sua força normativa (princípio da máxi-ma efetividade dos direitos fundamentais),vejamos a concepção de decoro parlamen-tar nas Constituições brasileiras.

6. A evolução da concepção sobre odecoro parlamentar nasConstituições brasileiras

O parlamento tem o direito de punir eaté expulsar os seus membros por condutaincompatível com o decoro parlamentar.Esse poder deriva da “compreensão de que,no universo da honra, a conduta desonra-da não se esgota no indivíduo que a come-teu, mas compromete todo o coletivo a queele pertence. Pois se um membro partilhada honra de seu grupo, e com este seidentifica predominantemente, a sua deson-ra se reflete sobre a honra de todos. Havia,assim, uma honra coletiva a ser preservada,que encontrou expressão na noção dedecoro parlamentar.” (TEIXEIRA, 1996, p.112).

O decoro parlamentar serve para extir-par a maçã podre do parlamento, que com-promete a imagem e abala a segurança e es-tabilidade das instituições, uma vez que asimples existência do Estado não é sufici-ente para acabar com a guerra de todos con-tra todos; somente a crença e o respeito nasinstituições são capazes de fazê-lo. Nele re-side uma defesa da instituição parlamen-tar. Miguel Reale (1969, p. 89), de maneiraacertada, expõe a função de defesa do deco-

ro parlamentar, advertindo: “No fundo, fal-ta de decoro parlamentar é a falta de decên-cia no comportamento pessoal, capaz dedesmerecer a Casa dos Representantes (in-continência de conduta, embriaguez, etc.) efalta de respeito à dignidade do PoderLegislativo, de modo a expô-lo a críticas in-fundadas, injustas e irremediáveis, de for-ma inconveniente.”

O poder de legislar seria de pouca valiase não houvesse o poder de punir os mem-bros por quebra de decoro ou desobediên-cia às regras da casa (que precisam estarprevistas no regimento para dar azo à cas-sação do mandato – CF, art. 58, § 1o). Quan-do um membro perde de tal maneira o sensode dignidade e dever do cargo de parlamen-tar, o parlamento cai na desgraça pela inde-corosa conduta, sendo indispensável o po-der de expulsão pela grave conduta ofensi-va ao decoro; poder esse que é excepcional,constituindo o último dique de contençãoda dignidade da instituição parlamentar.Na Inglaterra, Bradley e Ewing (2003, p. 220,tradução nossa) aduzem que “a expulsão éa última sanção disciplinar que a Casa podeexercer sobre seus membros”. Logo, esse po-der punitivo tem natureza político-discipli-nar (CAVALCANTI, 1952, p. 59; MORAES,2005, p. 416).

Essa natureza disciplinar do processode cassação tem uma importante conse-qüência prática: o seu impulsionamento deofício, salvo regra legal ou regimental emsentido contrário. Não pode o denuncianteencerrar o processo sob o fundamento dequerer retirar a sua denúncia. O processodisciplinar é indisponível, sendo apenas oimpulso inicial exclusivo das pessoas arro-ladas no regimento do parlamento. A me-lhor analogia é com a ação penal pública ecom a ação direta de inconstitucionalidade.

O poder de expulsar um membro não estáreduzido a ofensas cometidas durante a ses-são parlamentar (ou durante a legislatura)14,mas se estende a todos os casos nos quais aofensa é tamanha que, a juízo da casa legis-lativa, desapropria-o de seus deveres parla-

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mentares15. A imposição de decoro parla-mentar é uma defesa do parlamento, razãopela qual a condição de parlamentar é a queimporta, não a temporariedade ou qualida-de do ato tido como indecoroso.

Tal poder não é uma exclusividade bra-sileira. Com maior ou menor diferença, ou-tras Constituições também o prevêem. Porexemplo, na Constituição norte-americana(art. I, seção 5, cláusula 2), o comportamen-to incompatível com o decoro parlamentar échamado de comportamento desregrado –disorderly behaviour; na Constituição argen-tina (1994), o artigo 66 fala em desorden deconducta; a Constituição Finlandesa (seção28) preceitua negligência essencial e reite-rada (essentially and repeatedly neglects) deseus deveres como parlamentar ou por acu-sação que demonstre a ausência de confi-ança e respeito necessários às funções ine-rentes ao cargo (“If the offence is such thatthe accused does not command the trust andrespect necessary for the office of a Repre-sentative”).

O decoro parlamentar, em uma acepçãonão normativa, pode ser entendido comoprática de atos que ferem a imagem do Parla-mento, como violação de regras e menti-ra. Segundo os léxicos, decoro significacorreção moral, compostura, decência,dignidade, nobreza, honradez, brio (DE-CORO, 1999, p. 611; DECORO, 2001, p.922).

No entanto, essa concepção léxica doconceito de decoro não serve bem à Consti-tuição, porque houve uma alteração normativana fisionomia do decoro parlamentar. Confor-me se verá, era um conceito indeterminadonas Constituições brasileiras até a Consti-tuição de 1967. A partir da CF/69, foi alte-rada a sua natureza para imprimir-lhe o ca-ráter de puro conceito legal, deixando-o me-nos indeterminado, muito embora tenha quese balizar ao limite semântico da expressão,ou seja, não se admite que qualquer ato sejatido por indecoroso, mas tão-somente aque-les que demonstrem um conteúdo mínimode desonra ou descompostura.

6.1. O decoro parlamentar como umconceito indeterminado (CF/67 e de 1946)

As Constituições de 1946 e de 1967 dis-punham sobre a perda do mandato por con-duta incompatível com o decoro parlamen-tar de maneira genérica. Dizia o artigo 48, §2o, da CF/46: “Perderá, igualmente, o man-dato o Deputado ou Senador cujo procedi-mento seja reputado, pelo voto de dois ter-ços dos membros de sua Câmara, incompa-tível com o decoro parlamentar.” Por suavez, o artigo 37, II, da CF/67: “Perde o man-dato o Deputado ou Senador: (...) II – cujoprocedimento for declarado incompatívelcom o decoro parlamentar;”.

Ambas não definiram o que se entende-ria por decoro parlamentar, deixando umaampla margem de discrição ao Legislativosobre a extensão da expressão. Como osvocábulos da Constituição têm conteúdosemântico mínimo, o que se tinha – e aindase tem, embora com o plus da tipicidade –era uma definição de decoro parlamentarcomo exposta por Manoel GonçalvesFerreira Filho (1997, p. 330): “Entende-se poratentatório ao decoro parlamentar a condu-ta que fira os padrões elevados da morali-dade, necessários ao prestígio do mandato,à dignidade do Parlamento.” Celso Bastos(1999, p. 243), por sua vez, doutrina: “O par-lamentar deve ter conduta impecável, con-dizente com o prestígio da função que de-sempenha. O comportamento incompatíveldo congressista com os padrões éticos exi-gidos pela dignidade do Parlamento é cau-sa bastante para a perda do mandato.”

Nesse quadro normativo, pode até pare-cer razoável que o STF se esquive de anali-sar a ocorrência ou não do decoro parla-mentar por dizer que isso é uma questãopolítica. Quem teria que dizer o que se en-tende por decoro seria a própria casa legis-lativa ofendida, não outro poder. Emboratal concepção infirmasse a força normativada Constituição e ignorasse a doutrina dasindicabilidade dos atos políticos quandoem jogo direitos subjetivos, ela não agredia

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tão diretamente a Constituição quanto a suaaplicação agride hoje.

De qualquer maneira, frise-se que, se porum lado os conceitos indeterminados têmum núcleo mínimo de significado que nãopode ser desprezado, por outro não se estáperante uma political question quando se temtexto constitucional expresso que a resolvae a decisão não pertença ao eleitorado comoum todo ou exclusivamente aos poderesexecutivo ou legislativo (CASTRO, 1999,p. 60; COELHO, 2004, p. 369; TRIBE, 2000,p. 367).

6.2. O decoro parlamentar como umconceito não tão indeterminado (CF/69e de 1988): tipicidade constitucional

Com o advento da EC 1/69, a situaçãonormativa do decoro parlamentar foi modi-ficada. Dispunha o artigo 35 da CF/69:

“Perderá o mandato o deputado ousenador:(...) II – cujo procedimento for declara-do incompatível com o decoro parla-mentar ou atentatório das instituiçõesvigentes; (...)§ 1o Além de outros casos definidosno Regimento Interno, considerar-se-á incompatível com o decoro parla-mentar o abuso das prerrogativas as-seguradas aos congressistas ou a re-cepção, no exercício do mandato, devantagens ilícitas ou imorais.”

Cristalino é o fato de que a previsão cons-titucional (de 1969) dos atos incompatíveiscom o decoro parlamentar era tipificada.Havia previsões de três tipos – expressãoemprestada do direito penal – para os atosatentatórios ao decoro parlamentar.

Manoel Gonçalves Ferreira Filho (1972,p. 230) afirmava que a CF/69 “restringiu oâmbito do decoro parlamentar. De fato, àluz deste parágrafo [§ 1o do art. 35], cumpreafirmar que não há infração ao decoro par-lamentar apta a ensejar a perda do manda-to, senão quando configurar ação ou omis-são descrita como tal, na Constituição ouno regimento interno. Adotou-se, pois,

aqui, o rígido princípio da legalidadecriminal”.

Na Constituição de 1988, manteve-se atipificação constitucional do decoro parla-mentar. Em seu artigo 55, § 1o, preceituaser incompatível com o decoro parlamen-tar, além dos casos definidos no regimen-to interno, o abuso das prerrogativasasseguradas a membro do CongressoNacional ou a percepção de vantagensindevidas16.

Percebe-se que existem três hipóteses cons-titucionais de quebra de decoro parlamentar:

(i) os casos previstos no regimento (amais ampla de todas);

(ii) o abuso das prerrogativas assegura-das a membro do Congresso Nacional, As-sembléias Legislativas e Câmaras de Verea-dores; e

(iii) percepção de vantagens indevidas.Quando a acusação do comportamento

incompatível com o decoro parlamentar,seja no Senado, seja na Câmara dos Depu-tados, for formalizada, é preciso que ela, sobpena de ofensa à Constituição, descreva con-duta prescrita em uma daquelas três hipó-teses constitucionais. A maior amplitudeacusatória certamente residirá nos regimen-tos internos e nos seus respectivos códi-gos de ética e decoro parlamentar (comono caso da Câmara dos Deputados, queinstituiu o Código de Ética e Decoro Par-lamentar como uma extensão do seu regi-mento interno)17.

Embora a Constituição exija uma tipifi-cação dos atos indecorosos nos regimentosinternos, o decoro parlamentar continua re-lativamente indeterminado em face da car-ga axiológica que ainda se pode nele inserire da descrição aberta do tipo previsto no re-gimento. Carla Costa Teixeira (1996, p. 124)explica a razão da maior indeterminação dodecoro: “O decoro parlamentar, como umcódigo de honra, precisa se referir aos valo-res de uma época e de um grupo. Vem daísua necessária imprecisão, sua naturezaavessa à plena tradução em atos especifica-dos juridicamente.”

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O abuso das prerrogativas asseguradasa membro do Congresso Nacional seria oequivalente a abusar das imunidades ou-torgadas ao parlamentar para o bom eindependente desempenho de seu cargo(BASTOS, 1999, p. 243). Ressalve-se queo exercício das imunidades não pertencetão subjetivamente ao próprio parlamen-to, podendo ser controlado se o parlamen-to não extrapolou na qualificação de in-decoroso do regular exercício das imuni-dades.

Precisa a advertência de Miguel Reale(1969, p. 88): “Grave risco cercearia o regi-me democrático se ‘faltar ao decoro parla-mentar’ viesse a significar, também, preten-sos excessos praticados pelo parlamentarno exercício de seu dever de crítica e de fis-calização dos negócios públicos, a começarpelos da própria Casa a que pertence.” Nãohá que se falar em ato interna corporis, sendoperfeitamente admitido o controle judicialsobre o eventual abuso, como admitiram oTribunal de Justiça do Rio Grande do Sul18 ea Suprema Corte norte-americana, que, nojulgamento Bond vs. Floyd (1966), decidiu quea cassação do parlamentar por criticar a po-lítica do governo federal em relação à Guer-ra do Vietnã era inconstitucional por violara liberdade de expressão, prevista na pri-meira emenda à Constituição norte-ameri-cana19.

A percepção de vantagens indevidaspode ser definida como qualquer benefícioque o parlamentar receba, seja de particula-res, seja do próprio Estado por meio de seusórgãos, sem título legítimo. A legitimidadeda vantagem deverá ser aferida formal esubstancialmente, sendo possível provar talilegitimidade pela via indiciária (desde queseja um feixe de indícios convergentes). Nãose exige mais a contemporaneidade da per-cepção da vantagem indevida com o man-dato, como ocorria com o regime constituci-onal de 1969. Vantagens indevidas auferi-das antes do mandato ou fora dele são ca-pazes de violar o decoro parlamentar, au-torizando a cassação do mandato.

6.2.1. A questão do quórum de cassaçãocomo corolário da menor indeterminação

do conceito de decoro parlamentar

Reforça a tese de que houve uma consci-ente tipificação constitucional dos atos ti-dos como incompatíveis com o decoro par-lamentar a questão do quórum de cassaçãodo mandato.

Na Constituição dos EUA, a inserção doquórum de 2/3 dos votos dos parlamenta-res ocorreu porque havia um receio de queas paixões políticas levassem grupos majo-ritários a cassarem colegas também eleitospelo povo por motivos outros que não fosseo comportamento desregrado. Por isso,inspirados no sistema estadunidense(MAXIMILIANO, 1954, p. 75; REALE, 1969,p. 90-91), copiamos o seu quórum e o ca-ráter aberto do conceito de decoro (“deco-ro parlamentar” aqui e “comportamentodesregrado” lá) nas Cartas de 1946 e de1967.

Quanto maior a indeterminação do con-ceito que autoriza a perda do mandato, maiselevado é o quórum para proteger a repre-sentação cristalizada no mandato dos ca-prichos da maioria. Isso não ocorre apenasna Constituição dos EUA, está presente naMagna Carta Finlandesa também. NestaConstituição, na seção 28, há duas previ-sões abertas: a primeira consistente na ne-gligência essencial e reiterada dos deveresde parlamentar (3), a segunda na acusaçãopor fato que demonstre a ausência de confi-ança e respeito necessários às funções ine-rentes ao cargo (4). Em ambos os casos, oquórum de cassação é de maioria qualifica-da (2/3).

Com a tipificação constitucional dos atosindecorosos promovida pela Constituição de1969 e seguida pela de 1988, a possibilida-de de que paixões políticas no processo decassação influenciassem em sua conduçãodiminuiu sensivelmente, uma vez que aschances de arbítrio são remotas com um con-ceito de decoro parlamentar tipificado. Con-seqüentemente houve uma redução do quó-

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rum de cassação, que passou de 2/3 (CF/46 e 1967) para maioria absoluta (CF/69 e1988).

Em suma, defender que há incontrolávelâmbito de atuação e qualificação dos atosindecorosos aos parlamentares é interpreta-ção retrospectiva, uma vez que “procura in-terpretar o texto novo de maneira a queele não inove em nada, mas, ao revés, fiquetão parecido quanto possível com o antigo(BARROSO, 2003, p. 71)20”. No atual siste-ma normativo (desde a Carta de 1969), osatos indecorosos são constitucionalmente tipifi-cados, diminuindo o poder do parlamentopara cassar o mandato baseado no inciso IIdo artigo 55 da CF.

7. A possibilidade de controle sobre adefinição regimental dos atos indecorosos:

inexistência de atribuição de cheque embranco ao legislador regimental

Definidos os atos tidos como atentado-res ao decoro parlamentar pelo regimentointerno da casa legislativa, poderiam essesser controlados pelo Judiciário? A questãoé relevante porque esse é o único caso emque a Magna Carta delega a tarefa de defi-nir os procedimentos incompatíveis com odecoro parlamentar ao regimento, de modoque, pela amplitude de tal delegação, a casalegislativa facilmente pode extrapolar seupoder delegado e prever atos manifestamen-te não-indecorosos como ofensivos ao deco-ro parlamentar.

As palavras da Constituição têm que terum significado mínimo, sob pena de menos-prezo a sua força normativa. Quando a CF/88 fala em decoro parlamentar, ainda queremeta a sua definição ao regimento, não ofaz de forma ilimitada, não passa um chequeem branco ao legislador regimental. Ainda quehaja amplitude na definição dos atos incom-patíveis com o decoro parlamentar, não hácomo ignorar o conteúdo mínimo da expres-são como algo que minimamente fira a dig-nidade, a imagem, a respeitabilidade do par-lamento, sob pena de transformar-se a cas-

sação pela quebra de decoro em uma des-culpa para revogar mandatos legitimamen-te conferidos pelo povo.

A teoria do cheque em branco ignora aforça normativa dos vocábulos constitucio-nais, uma vez que o decoro parlamentar nãopode ser encarado como uma desculpa qual-quer para cassar o mandato parlamentarpela maioria; tal proceder compactua com aonipotência da maioria e com o arbítrio, vi-olando diversos corolários do princípio de-mocrático: proteção das minorias contra amaioria (TOCQUEVILLE, 1998, p. 289-305),contenção do arbítrio estatal21 e preserva-ção da representação, cristalizada no man-dato outorgado pelo povo.

O mandato dado pelo povo não pode serusurpado pela maioria parlamentar sem queestejam presentes as hipóteses constitucio-nais, o que não significa que o parlamentodeva se intimidar com a gravidade dapena a ser aplicada. Por isso, faz-se ne-cessário delimitar o conceito de decoropara que o regimento interno não prevejaatos indecorosos que manifestamente nãoo são.

Celso Bastos (1999, p. 236) aduz que oconceito de decoro parlamentar não é tãoamplo que abarque qualquer forma de imo-ralidade, mas tão-somente aquela que aten-te contra o prestígio do parlamento. São suasas palavras:

“O que parece certo é que o consti-tuinte não quis encampar toda e qual-quer forma de moralidade, mas ape-nas aquela cuja lesão possa deporcontra o decoro parlamentar, ou seja,contra a nobreza, a dignidade, cujadegradação possa influir no próprioconceito do Parlamento. Por isso, Nel-son de Souza Sampaio refere-se aodecoro como uma moralidade exteri-or ou expressão externa da honradezou auto-respeito. Não se trata de coi-sas que se passam no foro íntimo decada um, mas de comportamentos, deatitudes que, pelo seu caráter incom-patível com o bom proceder de um

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parlamentar, acabam por deporcontra a própria reputação da insti-tuição.”22

Rubem Nogueira (1993, p. 354) tem en-tendimento semelhante ao dizer que não équalquer ato contrário à moral (ou ética) queautoriza a cassação do mandato parlamen-tar, mas o declarado incompatível com odecoro parlamentar.

Esse entendimento fica bem evidente emantigo pronunciamento do STF (RMS 2.319),da lavra do Min. Nelson Hungria (BRA-SIL, 1954, grifo nosso), que, após realçara sindicabilidade judicial da cassação porquebra de decoro parlamentar, negandoseu caráter puramente discricionário23,expôs:

“Não é exato que o reconhecimen-to dessa incompatibilidade atende acritério meramente subjetivo. Admiti-lo valeria por admitir, obliquamente,o arbítrio que a Constituição e a leiordinária repelem.

Não fica ao puro capricho da CâmaraLegislativa esse reconhecimento, pois, deoutro modo, qualquer atitude de um deseus membros, por mais alheia ao decoroparlamentar, poderia ser consideradaofensiva deste, com a mais intoleráveldesgarantia à função de representantedo povo.

O critério de apreciação há de ser,necessariamente, objetivo, isto é, ten-do por base ‘id quod plerumqueaccidit’.

A ofensa ao decoro parlamentar háde ser reconhecível segundo a opiniãogeral.” (BRASIL, 1954, p. 891, grifonosso).

Se essas afirmações deram-se em face daCF/46, quando o conceito de decoro era in-determinado, com tanto mais razão e demaneira mais rigorosa deve ser aplicável aoconceito de decoro parlamentar da CF/88,que agora é determinado, tipificado pelaMagna Carta.

Deduz-se, dessa forma, que o ato inde-coroso tem que ser imoral e ofender a digni-

dade do parlamento. Em regra, ninguémmelhor do que o próprio Parlamento parasaber quais os atos imorais que ofendem oseu decoro; por isso a delegação ao regimen-to interno. No entanto, tal poder tem limitesno conteúdo semântico mínimo da expres-são decoro parlamentar. Se a previsão regi-mental estiver em desacordo com o signifi-cado mínimo do decoro, ou seja, o ato mani-festamente não for indecoroso, o Judiciáriopode anular o processo de cassação, con-trolando a constitucionalidade do regimen-to interno de forma incidental (que não im-possibilita, antes recomenda, o controle con-centrado).

8. Os limites da sindicabilidadejurisdicional do processo de cassação de

mandato no direito constitucionalbrasileiro: tipicidade e proporcionalidade

8.1. O exame da tipicidade: existênciados fatos e correta qualificação normativa

Em regra, o Judiciário não pode dizer setal ato é ou não ofensivo ao decoro parla-mentar, exceto e excepcionalmente se o atonão estiver enquadrado em uma das trêshipóteses constitucionais ou ele estiver forado conteúdo semântico mínimo da expres-são constitucional decoro parlamentar. Estarfora do conteúdo semântico mínimo da ex-pressão também é uma afronta à tipicidadeporque pune ato que a Constituição nãoautoriza, já que ela não passou um chequeem branco ao parlamento na interpretaçãodas duas condutas constitucionais que ca-racterizam os atos incompatíveis com o de-coro parlamentar ou na previsão de outrasno regimento.

A tipicidade dos atos indecorosos exigeque, mais do que o enquadramento em al-guma das hipóteses constitucionais, ela efe-tivamente deva ocorrer no mundo dos fatos.Não estão imunes ao controle os atos de cas-sação fundados em motivos inexistentes ouos que, embora fundados em motivos exis-tentes, foram erroneamente qualificados.

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Pensar diferente poderia levar à cassa-ção de mandato não somente por atos ine-xistentes como por atos que não se enqua-drariam em nenhuma das hipóteses consti-tucionais (acusação de um fato e qualifica-ção por outro), o que se revela arbitrário,negando a essência do Estado de direito eabalando exatamente o fundamento das ins-tituições que o parlamento alega defenderao proceder a cassação de mandato por que-bra de decoro.

O parlamento não é tão senhor de si as-sim; não pode escolher quem permanece equem vai ser cassado. Admitir isso serianegar o poder investido ao parlamentar pe-los votos populares e ser conivente com per-seguições políticas às minorias ou a desafe-tos da maioria parlamentar.

Não há como negar que o primeiro re-quisito para a instauração de um processode cassação de mandato por quebra de de-coro “é a existência de um ato que, por suanatureza, possa configurar, objetivamente,uma infração a um dever político determi-nado: quando não há qualquer correspon-dência lógica entre o supedâneo fático (paraempregarmos expressões de Pontes de Mi-randa) e a norma constitucional invocada,o que surge, sob a aparência de um proces-so, é o abuso ou desvio de poder, como de-corrência do puro querer da maioria.”(REALE, 1969, p. 91)

8.2. O controle da proporcionalidadedo ato de expulsão

Quanto à proporcionalidade da puni-ção, o tema é mais delicado. Poderia o Judi-ciário medir a graduação da pena discipli-nar imposta ao parlamentar? Em outraspalavras, poderia entender o Judiciário quea pena de expulsão já imposta ou a ser im-posta é desproporcional à conduta do par-lamentar e anulá-la, ou o processo, ou mes-mo substituí-la?

O controle da proporcionalidade é, emregra, vedado ao Judiciário. Embora a nos-sa Suprema Corte admita o controle da pro-porcionalidade das punições disciplinares

dos servidores públicos (BRASIL, 2005b, p.13), a punição na esfera parlamentar é umpouco mais delicada. Os padrões puniti-vos de reprovabilidade são carregados deintensa paixão e sensibilidade política, con-tendo grande carga axiológica, constituin-do área em que o Judiciário normalmentenão tem a sensibilidade necessária paradosar a pena. Somente em casos excepci-onais deve o Judiciário se ingerir na cor-reção da intensidade da punição parla-mentar.

Nessas hipóteses excepcionalíssimas, oJudiciário não deve substituir a pena apli-cada pelo parlamento, mas declará-la des-proporcional, determinando que a autori-dade competente aplique outra que sejamenos grave (BRASIL, 2000c, p. 293).

9. O ato indecoroso e o crime: incisosII e VI do artigo 55 da CF/88

O fato indecoroso não precisa constituircrime, mas o sendo, não há óbice ao proces-so de cassação, ainda que tal fato seja objetode investigação ou processo judicial, re-vestindo, por assim dizer, uma dupla ti-picidade24.

Ives Gandra da Silva Martins (1994, p.267) – em opinião legal, frise-se – deixou-seseduzir pelo argumento de que o fato de oato tido como indecoroso ser capituladocomo crime inibiria a cassação de mandatopelo inciso II do artigo 55 da CF/88, restan-do somente a possibilidade de cassação peloinciso VI do mesmo artigo. Entendeu o ju-rista: “Se todo o ato considerado criminosofosse também tido como atentatório ao de-coro parlamentar, à evidência, o n. VI nun-ca poderia ser utilizado, na medida em quea sanção pretendida viria com a singela apli-cação do n. II.”

Não faria sentido suprimir o poder dis-ciplinar da casa legislativa exatamente noscasos mais graves, como são os crimes. Ovoto do Ministro Octavio Gallottti (BRASIL,1992b, p. 794), no MS 21.443 foi categórico aesse respeito:

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“Nem seria compreensível que, nashipóteses presumivelmente mais gra-ves de quebra de decoro (as coinci-dentes com tipos delituosos), a açãode disciplina da Câmara ficasse tolhi-da pela dependência e a espera nãosó da deliberação do Poder Judiciá-rio, como da própria iniciativa do ór-gão do Ministério Público, em se tra-tando de crime de ação pública.”

Aceitar que a existência do crime – porser causa autônoma de perda do mandato –impede a cassação por quebra de decoro alijao poder disciplinar do parlamento, confun-dindo a esfera político-disciplinar do par-lamento com a judicial. Atos indecorosospodem ter descrição parecida com a de umcrime, mas não preencher todos os seus pres-supostos porque, não raro, as acusações sãode crimes (nominalmente falando), mas osfatos se enquadram em descrições regimen-tais ou constitucionais que comumente nãotêm todos os elementos do crime. Agregue-se que, não raras vezes, pelo princípio datipicidade em matéria penal, por questõesprocessuais, por prazos prescricionais etc.,o criminoso não é condenado ou o é muitotempo após o término da legislatura. Sus-tentar que atos indecorosos não podem sercriminosos é garantir a desonra do parla-mento, deixando-o aleijado enquanto nãotransitar em julgado a condenação do pro-cesso judicial nos casos presumivelmentemais graves.

Ademais, a existência de crime não jus-tificaria a impossibilidade da perda de man-dato por quebra de decoro somente porquehá disposição específica sobre o crime comocausa autônoma.

Primeiro, porque não se sabe se o fato érealmente um crime, só quem poderá dizê-lo é o Judiciário, após processo em que fo-rem observadas as garantias inerentes aodevido processo legal, não o Legislativo. Seo fato for crime, a causa da perda é outraque não a simples quebra de decoro, embo-ra a descrição do fato seja a mesma. A qua-lificação que o Legislativo faz é diferente da

do Judiciário, embora em ambos os casoshaja observância à tipicidade (da lei penalou a da Constituição, seja direta ou indireta– regimento interno), mais intensa na searacriminal.

Em segundo lugar, o fato de o ato inde-coroso constituir crime não poderia trans-formá-lo em salvo-conduto para o parlamen-tar faltoso, deixando o parlamento indefe-so. Na interpretação das normas constitu-cionais, deve-se atentar para as exegeses queevitem o absurdo, bem como as que restrin-gem a eficácia dos preceitos constitucionais.A previsão da perda do mandato por con-denação criminal transitada em julgado tema função de proteger o parlamento – não ne-cessariamente o parlamentar – e não de pre-judicá-lo. É que, além da perda do cargopúblico ser efeito secundário, embora nãoautomático, da sentença criminal condena-tória transitada em julgado (art. 92, I, do CP),ela também suspende os direitos políticos(CF, art. 15, III), levando, se não fosse o arti-go 55, VI, à extinção do mandato do parla-mentar. Em suma, com a previsão constitu-cional, a perda não é automática, dependen-do da avaliação da casa parlamentar em umjuízo político (processo de cassação) paraaveriguar eventuais danos à imagem da ins-tituição.

9.1. A influência da esfera penal na parlamentar

Ao Legislativo interessa a prova do fatofeita perante ele, que não se confunde com asua prova ou qualificação judiciária. Inilu-divelmente há uma independência das es-feras cíveis, criminais e político-disciplina-res.

Sabe-se que o julgamento da esfera pe-nal, quando absolve por inexistência do fatoou da autoria (o que não se confunde com aausência de provas sobre eles), impossibili-ta a ação cível ex delicto, bem como eventualpunição disciplinar dos servidores públi-cos. Essa relação da jurisdição penal com acível influenciaria a esfera parlamentarquando a sentença criminal reconhecesse ainexistência do fato ou da autoria?

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Acredita-se que sim. Se na esfera dis-ciplinar do Poder Executivo essa influên-cia existe25, não haveria motivos para queela não existisse na punição disciplinarparlamentar, que tem natureza político-disciplinar (BRADLEY; EWING, 2003, p.220; CAVALCANTI, 1952, p. 59; MORA-ES, 2005, p. 416). Essa natureza política,agregada à disciplinar, não é uma pala-vra mágica para imunizar o juízo políti-co. Alegar a separação de poderes seriaargumento frágil porque no Executivo, queé tão Poder quanto o Legislativo, o STFreconhece a influência da jurisdiçãocriminal.

Obviamente, essa influência somenteadvirá com o trânsito em julgado da deci-são ou quando ela sair da esfera ordinária,indo para a especial. Assim não fosse, umaabsolvição de um juiz de primeiro grau bas-taria. De qualquer modo, o magistrado de-verá ser cauteloso para ordenar – em pro-cesso próprio, não no criminal – a reinte-gração do parlamentar cassado pelo reco-nhecimento na sentença penal da inexistên-cia do fato ou da autoria antes do trânsitoem julgado. Embora haja perigo na demorapara o parlamentar cassado, que não pode-rá assumir o cargo em virtude da cassação,também o há para o parlamento, cuja ima-gem continuará conspurcada e que não po-derá processá-lo novamente, ficando inertee esperando o resultado dos longos e prote-latórios recursos da esfera criminal (quepodem até caminhar para a prescrição). Aanálise, no processo administrativo ou ju-dicial em que o parlamentar tentará a rein-tegração, dos motivos da absolvição no pro-cesso penal deve ser substancialmente críti-ca, evitando a sacralização do título abso-lutório penal que pode acabar absolvendopor uma causa do artigo 366 do CPP e escre-vendo outra.

Efeito importante reside no cancelamen-to da inelegibilidade de oito anos estabele-cida pela LC 64/90 (art. 1o, I, b), podendo talcancelamento ocorrer por declaração da Jus-tiça Eleitoral.

10. A ratio essendi da quebra dedecoro parlamentar e a inexistência doprincípio da contemporaneidade: atospré-mandato e os praticados fora dafunção parlamentar (art. 56 da CF)Estabelecida a premissa de que o ato de

cassação é sindicável – com limites – peloJudiciário e que os atos indecorosos preci-sam se amoldar a uma das três hipótesesconstitucionais de quebra de decoro parla-mentar, investigue-se a possibilidade dacassação do mandato por quebra de decoroparlamentar quando o ato praticado prece-de ao mandato ou foi praticado pelo parla-mentar afastado em uma das hipóteses doartigo 56 da CF/88.

Embora o TJSC tenha decidido (em casode cassação de mandato de vereador) que acontemporaneidade entre os atos indecoro-sos com a legislatura em curso do mandatoque se quer cassar deve existir, impossibili-tando a cassação por ato anterior26, ela nãoexiste. Não se exige a contemporaneidade do atoindecoroso com o mandato a ser cassado. A elei-ção não é uma borracha que expia os peca-dos do passado ou a sua potencialidade le-siva à imagem do parlamento.

Nos autos do MS 23.388, as informaçõesdo Presidente da Câmara dos Deputadossão esclarecedoras a esse respeito:

“28. Dúvida inexiste, pois, que aquebra de decoro parlamentar afetadireta e imediatamente às Casas Le-gislativas, transferindo a má imagemdo congressista indecoroso à própriainstituição que integra.

(...) e o bem jurídico tutelado é aboa imagem ou, mesmo, a credibilida-de que o Parlamento deve ter perantea Nação, como condição primeirapara o eficaz exercício de suas fun-ções institucionais.

30. Em assim sendo, consideran-do que a manutenção da imagem doPoder Legislativo não pode se ater acritérios exclusivamente cronológicos,ligados à duração das legislaturas,

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pois a instituição parlamentar é per-manente, tem-se também que o expur-go dos maus congressistas que cons-purcam sua imagem não deve se limitarà coexistência entre a prática dos atos inde-corosos e o momento em que o poder censó-rio da instituição faz operar seus efeitos.

31. Destarte, nada obsta que De-putado, autor de atos atentatórios aodecoro parlamentar em determinadalegislatura, possa responder a proce-dimento disciplinar destinado à per-da de seu mandato em legislatura sub-seqüente, para a qual se restringiu; istoporque o dano à imagem do corpo legisla-tivo, de ter no seu seio autor de fato inde-coroso, persiste íntegro, independente dalegislatura em que foi praticado aqueleato.” (BRASIL, 2001b, p. 105)

Esse entendimento também foi acatadopor unanimidade pelo Supremo TribunalFederal (BRASIL, 2001b, p. 209):

“(...) Sustenta-se que a cassação domandato, para nova legislatura, ficarestrita à hipótese de, no curso dessalegislatura, se verificarem condutas,dela contemporâneas, capituláveiscomo atentatórias do decoro parla-mentar. (...) 6. Tese invocada, acercada inexistência de contemporaneida-de entre o fato típico e a competênciada atual legislatura, que se rejeita.”27

O rechaço da tese da contemporaneida-de torna admissível, em nosso sistema jurí-dico, a cassação de mandato por ato inde-coroso praticado antes da legislatura emquestão, ainda que o parlamentar não o te-nha praticado nessa qualidade, ou seja, ain-da que ele estivesse licenciado do parlamen-to ou não fosse um parlamentar.

10.1. A revogação da Súmula 4 doSTF e a possibilidade de se cassar o

parlamentar afastado para o exercíciode cargos executivos (CF, art. 56)

Argumento de certa forma superado peloitem anterior, mas que parece ter certa auto-nomia (lá, atos pré-mandato, aqui, atos fora

do mandato, da função parlamentar) e, ipsofacto, merece ser refutado separadamente, éo de que não há possibilidade de cassar omandato do parlamentar por atos que pra-ticou quando assumiu cargos do Executivo,nos termos do artigo 56 da CF. Aduz-se que,por serem atos praticados na condição desecretário ou ministro de Estado, eles nãopoderiam ser tidos em conta para a quebrade decoro parlamentar, uma vez que o par-lamentar não exercia as funções de parla-mentar.

Ademais, a revogação da Súmula 4 doSTF vem reforçar tal entendimento, na me-dida em que prevê: “Não perde a imunida-de parlamentar o congressista nomeadoministro de Estado.” No Inquérito 104, elafoi revogada sob o argumento de que o par-lamentar investido da função de Ministrode Estado não perde o mandato, porém nãopode invocar a prerrogativa da imunidade– material ou processual – pelo cometimen-to de crime no exercício da nova função(BRASIL, 1982, p. 477).

O argumento da revogação da Súmula 4do STF pode ser assim resumido: se o parla-mentar não pode invocar a imunidade, éporque não estaria ao abrigo do regime par-lamentar constitucional, não podendo, con-seqüentemente, faltar com o decoro parla-mentar, parte integrante desse regime. Comose não fosse suficiente, punir por quebra dedecoro o parlamentar investido em funçõesexecutivas quebraria o equilíbrio entre ospoderes, ferindo a cláusula da separação depoderes (CF, art. 2o).

O argumento peca pela ausência de con-sistência, porque é somente o regime dasimunidades o que não se aplica ao que estáafastado do cargo de parlamentar para as-sumir funções executivas por ausência doexercício do mandato. A revogação da Sú-mula 4 do STF reconhece somente isso: semexercício do mandato, sem imunidade. Aausência de proteção penal não significa queo parlamento perdeu o poder disciplinarsobre o membro licenciado em termos de de-coro ou, em última instância, que o parlamen-

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to não poderia ter a sua respeitabilidade ma-culada pelo membro licenciado ou afastado.

O fundamento do poder punitivo poratos incompatíveis com o decoro parlamen-tar está na maculação que o comportamen-to do parlamentar causa ou pode causar àdignidade da instituição parlamentar. Pou-co importa se o parlamentar está ou não exer-cendo o mandato, estando afastado paraassumir algum cargo executivo, em licença-saúde ou para tratar de interesse particular.A dignidade do parlamento pode ser macu-lada de qualquer maneira enquanto o par-lamentar for um de seus membros, ainda queesteja afastado ou licenciado (CF, art. 56).Lapidares as palavras de Carla Teixeira(1996, p. 113):

“Na identidade parlamentar, oanonimato inexiste, seja enquanto ide-al ou prática, pois a valorização dosujeito se dá a partir do seu pertenci-mento ao corpo de parlamentares; apretensão/reconhecimento de umaimagem (prestígio e dignidade) é fun-damental no desempenho de sua fun-ção; a condição de deputado federalintegra todas as demais inserções so-ciais do sujeito (...) Pois é imprescin-dível à honra/decoro parlamentarque o sujeito tenha uma conduta dig-na em todas as circunstâncias da vidacotidiana: nas obrigações como pai,marido, filho, empresário/trabalha-dor, contribuinte e, por fim, represen-tante político. Não é possível postu-lar meia honra – em apenas uma esfe-ra social –, pois a honra rejeita a frag-mentação do sujeito; a honra é sem-pre pessoal.”

Admitir que o afastamento para assumirfunções executivas exime o parlamentar dese comportar com decoro seria negar a pró-pria condição de parlamentar, fato inocor-rente, uma vez que a Constituição fala emafastamento e não em renúncia do mandatoou aposentadoria compulsória.

O argumento do STF é claro: se os atosnão foram praticados no exercício do man-

dato (que ainda existe), então não autori-zam a imunidade parlamentar constitucio-nal, que só serve para quem está exercendoas funções de parlamentar. Quem está noExecutivo não exerce as funções de parla-mentar, mas não perde o mandato, poden-do ferir o decoro do parlamento, uma vezque ainda está vinculado ao parlamento.Não há que se confundir a imunidade como poder disciplinar do parlamento.

Argumento que deve ser visto com cui-dado é o risco de haver uma ingerência doPoder Legislativo, por meio do processo decassação do mandato, na política do Execu-tivo, ferindo a separação de poderes. Nãoexiste a alegada interferência, uma vez quea política do Executivo estará a salvo, nãohavendo como o parlamento influenciar nis-so. Se o parlamentar for cassado, a pena nãoatingirá o cargo executivo, uma vez que acominação de inelegibilidade não alcançacargos de confiança – cargos não elegíveispor natureza. O Executivo continuará como seu ministro ou secretário, se quiser, nãohavendo nenhuma interferência entre ospoderes da República.

A Administração Federal é exercida peloPresidente, sendo somente auxiliada pelosministros, não havendo que se falar em in-gerência em outro poder (CF, art. 84, II), prin-cipalmente atentando que, embora a nome-ação seja prerrogativa do Presidente da Re-pública, na prática, ela é dividida com mem-bros do Poder Executivo, legisladores, juí-zes e com representantes do setor privado,como bem observa Louis Fisher no presiden-cialismo norte-americano (FISHER, 1997, p.22)28. Não menos verdadeiro é que, aindaque houvesse alguma ingerência, essa seriamínima e perfeitamente afinada com a se-paração de poderes na medida em que certainterferência entre os poderes faz parte dosistema de check and balances29.

Essa situação não se alteraria se os atosindecorosos praticados pelo Ministro deEstado fossem aqueles previstos na sua com-petência constitucional (CF, art. 87) ou in-fraconstitucional. O ato praticado nas fun-

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ções institucionais dos Ministros ou Secre-tários pode ser enquadrado como ato incom-patível com o decoro parlamentar desde queeles estejam naquele mínimo constitucionalsemântico do conceito de ato indecoroso esejam tipificados pelo regimento ou se enqua-drem em uma das hipóteses constitucionais.

As esferas cíveis, criminal e administra-tiva não se confundem porque os bens queelas protegem são distintos, exigindo formasjurídicas diferenciadas para essa tutela.Como as esferas de responsabilidade doLegislativo (quebra de decoro) e do Executi-vo (crimes de responsabilidade) são distin-tas, elas necessitam de formas diversifica-das para a sua proteção, ensejando a possi-bilidade de punição por atos que estejamelencados no artigo 87 da CF, desde que res-peitada a tipicidade constitucional dos atosindecorosos e de seu mínimo semântico. Oargumento parece levar à impossibilidadeda punição dos atos indecorosos pratica-dos no exercício dos poderes conferidos aosMinistros ou Secretários de Estado por ofen-sa à separação de poderes, mas esquece oimportante: não importa com base em que oato indecoroso foi praticado, na maioria doscasos sempre haverá alguma desculpa le-gal e/ou constitucional para a sua prática,o que importa é a tipicidade e sua real lesi-vidade (ainda que potencial) ao decoro doparlamento. Certamente o Judiciário devecontrolar a tipicidade do ato (existência equalificação do fato) e a sua compatibilida-de com o mínimo semântico do conceitoconstitucional de decoro parlamentar parasaber se não há um desvio de poder na utili-zação dessa sanção disciplinar.

Por último, deixe consignado que o par-lamentar licenciado não precisa retornar àcasa legislativa para que possa ser cassadopor quebra de decoro. Ainda que licencia-do, submete-se ao processo de cassação demandato por quebra de decoro porque aimagem do parlamento continua passívelde conspurcação. Esperar o parlamentar li-cenciado retornar pode causar ainda maisdanos à imagem da instituição parlamentar.

11. A vedação da renúncia comoinstrumento de salvação da cassação

do mandato e da inelegibilidade

Por último, não se poderia deixar deabordar o § 4o do artigo 55 da ConstituiçãoFederal e o Decreto Legislativo 16/94.

Com o caso dos anões do orçamento, emque os parlamentares acusados de mano-brar o orçamento tinham o pedido de cassa-ção pronto, mas não foram cassados por-que renunciaram aos seus cargos antes davotação, o Congresso aprovou o DecretoLegislativo 16, de 24/3/1994, estabelecen-do que a renúncia do parlamentar ficariasujeita a uma condição suspensiva, só pro-duzindo efeitos se a decisão final não con-cluísse pela perda do mandato. Dispõe o seuartigo 1o:

“A renúncia de parlamentar sujei-to a investigação por qualquer órgão doPoder Legislativo ou que tenha contrasi procedimento já instaurado ou proto-colado junto à Mesa da respectiva Casa,para apuração das faltas a que se re-ferem os incisos I e II do art. 55 daConstituição Federal, fica sujeita acondição suspensiva, só produzindoefeitos se a decisão final não concluirpela perda do mandato.

Parágrafo único. Sendo a decisãofinal pela perda do mandato parla-mentar, a declaração da renúncia seráarquivada.”

Ficou evidente a intenção do legisladorde evitar que se repetisse a impunidade docaso dos anões do orçamento, protegen-do a imagem do Congresso e mantendoativo o seu poder disciplinar. Ademais,aprovou-se também uma emenda à Cons-tituição, inserindo o § 4o ao artigo 55, inverbis:

A renúncia de parlamentar subme-tido a processo que vise ou possa le-var à perda do mandato, nos termosdeste artigo, terá seus efeitos suspen-sos até as deliberações finais de quetratam os §§ 2o e 3o.

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Embora Alexandre de Moraes (2005, p.417) entenda que houve uma constitucio-nalização do Decreto Legislativo 16/94, aquestão merece maiores desenvolvimentos,porque tal decreto é mais rigoroso que a LeiMaior.

Enquanto o decreto legislativo fala em“parlamentar sujeito a investigação” ou“que tenha contra si procedimento já instau-rado ou protocolado junto à Mesa”, a Consti-tuição fala em “parlamentar submetido aprocesso que vise ou possa levar à perda domandato”. Pela Constituição, haveria a ne-cessidade de processo instaurado; pela re-dação do Decreto Legislativo, o simples pro-tocolo junto à Mesa seria suficiente. Mas oDecreto não pára por aqui: preceitua que asimples investigação por qualquer órgão do Po-der Legislativo é suficiente para suspender osefeitos da renúncia (“sujeito a investigação porqualquer órgão do Poder Legislativo”).

O que precisa ficar claro é o momento emque se inicia a suspensão do pedido de re-núncia ao mandato. Para precisar tal mo-mento, urge analisar as relações entre o De-creto Legislativo 16/94 e a Constituição. Ainserção do § 4o ao artigo 55 revogaria a nor-ma constante do Decreto Legislativo 16/94?Existe a possibilidade de ambas as normasconviverem?

A questão afigura-se fundamental por-que, se houver uma renúncia inválida e acassação se confirmar, haverá inelegibilida-de por oito anos (LC 64/90, art. 1o, I, b), pos-sibilitando ao parlamentar que renunciarpara evitar a inelegibilidade sofrer ação deimpugnação de registro de candidatura.

Preliminarmente, é preciso ressaltar quea função do Decreto Legislativo é regular asrelações internas do Congresso, motivo peloqual não precisa de sanção do Executivo.Logo, ele teria condições de determinar asuspensão da renúncia para evitar impuni-dades, acarretando a inelegibilidade nostermos da LC 64/90 (art. 1o, I, b).

Outra questão que se afigura é a relaçãoentre a Constituição e o Decreto Legislativo.Poderia o Decreto Legislativo estabelecer

norma mais restritiva que a Lei Maior, con-vivendo ambos os preceitos normativos?Acredita-se que sim. Somente seria inadmis-sível a regulamentação diferente da formaprevista na Constituição se ela quisesse es-gotar a matéria, o que não é o caso. Emboraa Emenda Constitucional seja posterior aoDecreto, não se vê elementos para dizer queela é exaustiva, fechada (numerus clausus),impossibilitando prescrições mais restriti-vas por instrumentos infraconstitucionais.A inserção do § 4o ao artigo 55 da CF tem omérito de tirar das maiorias eventuais umnúcleo duro da sistematização da matéria –a suspensão da renúncia enquanto o parla-mentar estiver submetido a processo que viseou possa levar à perda do mandato –, masnão impede a sua normatização mais restri-tiva nas esferas parlamentares federal, esta-dual e municipal.

No caso do Congresso Nacional, vale oDecreto Legislativo 16/94. Nas Assembléi-as Legislativas e nas Câmaras de Vereado-res, aplica-se o § 4o, artigo 55, da CF/88 casonão haja regulamentação diversa e mais res-tritiva, uma vez que a Constituição Federalé o limite mínimo e não máximo, podendoas casas parlamentares, fruto de sua auto-nomia, dispor de maneira mais restritiva.

Deixa-se um último questionamentoquanto à possibilidade de o parlamentar re-querer aposentadoria para escapar do pro-cesso de cassação, uma vez que a cassaçãoda aposentadoria de servidores públicos éconstitucional, ainda que os benefícios pre-videnciários assumam caráter contributivo(BRASIL, 2005a, p. 4), não havendo que sefalar em violação ao ato jurídico perfeito(BRASIL, 2002a, p. 629; 2002b, p. 161) ou auma proibição de bis in idem (BRASIL,2002a, p. 629). Se a pena disciplinar de cas-sação da aposentadoria para o servidor pú-blico será aplicada quando o inativo hou-ver praticado, na atividade, falta punívelcom a demissão (Lei 8.112/90, art. 134), é dese perguntar se não se aplicaria o mesmoregime (ainda que com fundamento unica-mente constitucional, como ocorre com o

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prosseguimento do impeachment nos EUA,mesmo depois da renúncia do Presidente)(TRIBE, 2000, p. 157-158) ao parlamentarcassado, uma vez que ele, de certa forma,também é um servidor federal, embora nacategoria agente político.

12. Conclusão

A análise judicial do processo de cassa-ção de mandatos não esbarra na insindica-bilidade da questão puramente política. Adoutrina da questão política (political ques-tion doctrine) propugna, de forma geral, queo Judiciário não pode se imiscuir em assun-tos decididos pelos outros poderes quandoa decisão é atribuída a outro poder ou aoeleitorado como um todo e não há parâme-tro constitucional. Não é, entretanto, o queocorre na cassação dos mandatos dos par-lamentares. Embora a questão seja de com-petência de outro poder (Legislativo), temclaro parâmetro constitucional: o § 1o doartigo 55 da Magna Carta. Derrubando omito de que o julgamento pelo parlamentoda qualificação de seus pares seria umaquestão política ou interna corporis, a Supre-ma Corte norte-americana (Powell vs. McComarck) entendeu inválida a desqualifica-ção de um parlamentar (Powell) pelo Con-gresso porque os motivos alegados excede-ram as possibilidades constitucionais. Em-bora o julgamento refira-se ao sistema de con-trole eleitoral chamado verificação de pode-res, no qual o próprio Legislativo cuida daregularidade das eleições, o tema refuta aaplicação da political question doctrine nosjulgamentos feitos pelo Legislativo, refutan-do a pretensa imunidade da decisão somen-te por se caracterizar um ato interna corporis.

Ademais, a doutrina – desde RuyBarbosa – e a jurisprudência do Supremosão unânimes em não reconhecer a aplica-bilidade da political question doctrine quan-do em jogo lesão ou ameaça de lesão a direi-tos individuais e – acrescenta-se – coletivos.Indubitavelmente os direitos do parlamen-tar sujeito à cassação de seu mandato têm

um direito subjetivo em jogo, afastando ainsindicabilidade jurisdicional.

Por um motivo e/ou pelo outro, é perfei-tamente sindicável o processo de cassaçãode mandato por quebra de decoro parlamen-tar pelo Judiciário. O Poder Judiciário nãopode lavar as mãos quanto à análise do pro-cesso de cassação do mandato do parlamen-tar.

O decoro parlamentar não é mais umconceito tão indeterminado quanto nasConstituições de 1967 e de 1946, quando eraum puro conceito indeterminado, uma vezque elas somente falavam em decoro par-lamentar, não dando mais nenhuma balizapara a descoberta do conceito, deixandoamplíssima margem de liberdade aoLegislativo. No entanto, nas Constituiçõesde 1969 e na de 1988, o conceito de decorosofreu uma mutação normativa; ficou maispreciso, sendo constitucionalmente tipifica-do. Essas Constituições definiram o que seentenderia por quebra de decoro. O atual §1o do artigo 55 da Lei Maior preceitua queos atos incompatíveis com o decoro parla-mentar são aqueles que: (i) são definidos noregimento, (ii) abusam das prerrogativas as-seguradas a membro do Congresso Nacio-nal ou (iii) consistem em percepção de van-tagens indevidas.

O atual sistema normativo preceitua queo decoro parlamentar tem que estar definidono regimento ou consistir em atos caracteri-zadores de abuso das prerrogativas asse-guradas aos parlamentares ou em percep-ção de vantagens indevidas, aquelas quecontrariam o direito. Sem a subsunção doato tido como incompatível com o decoroparlamentar às definições constitucionais,ainda que indireta, no caso da previsão re-gimental, impossível a cassação de qualquerparlamentar sob a luz do inciso II do artigo55 da CF/88. Existe, dessa forma, uma tipi-cidade constitucional dos atos indecorososperfeitamente controlável pelo Judiciário.

Por sua abrangência praticamente ilimi-tada, faz-se necessário especificar a previ-são dos atos indecorosos no regimento in-

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terno da casa parlamentar. Quando a CF/88 fala em decoro parlamentar, ainda queremeta a sua definição ao regimento, não ofaz de forma ilimitada, não passa um chequeem branco ao legislador regimental. Emborahaja amplitude na definição dos atos incom-patíveis com o decoro parlamentar, não hácomo ignorar o conteúdo mínimo da expres-são como algo que minimamente fira a dig-nidade, a imagem ou a respeitabilidade doparlamento, sob pena de transformar a cas-sação pela quebra de decoro em uma des-culpa para revogar mandatos legitimamen-te conferidos pelo povo. A teoria do chequeem branco ignora a força normativa dos vo-cábulos constitucionais, uma vez que o de-coro parlamentar não pode ser encaradocomo uma desculpa qualquer para cassar omandato parlamentar pela maioria; tal pro-ceder compactua com a onipotência da mai-oria e com o arbítrio, violando diversos co-rolários do princípio democrático: proteçãodas minorias contra a maioria, contençãoao arbítrio estatal e preservação da repre-sentação do parlamentar eleito.

A tipicidade constitucional dos atos in-decorosos exige mais do que o enquadra-mento em alguma das hipóteses constituci-onais; ela efetivamente deve ocorrer no mun-do dos fatos. Não estão imunes ao controleos atos de cassação de mandato fundadosem motivos inexistentes ou os que, emborafundados em motivos existentes, foram er-roneamente qualificados. Outro controle,excepcionalíssimo, que o Judiciário podefazer é sobre a proporcionalidade do ato decassação. Tal faculdade deve ser usada commais cautela que o exame da tipicidade,porque será a sensibilidade do parlamento,certamente influenciada pelas repercussõesdo ato, que dirá se o ato típico (e existente nomundo dos fatos) deve levar ou não a cassa-ção. Nessas hipóteses excepcionalíssimas,o Judiciário não deve substituir a pena apli-cada pelo parlamento, mas declará-la des-proporcional, determinando que a autori-dade competente aplique outra que sejamenos grave.

Não existe a impossibilidade de se cas-sar um mandato por ato incompatível porquebra de decoro quando esse for um crime.Não faria sentido deixar os casos mais gra-ves de ausência de decoro condicionadosao trânsito em julgado de uma sentença cri-minal. Além da demora, há outras questõesque podem levar à absolvição do parlamen-tar, como a prescrição. Sustentar a inexis-tência da cassação por quebra de decoronesses casos é alijar o parlamento do direitode defesa de sua respeitabilidade, honra,decoro. Tal posição é inadmissível tambémporque não se sabe se o fato é realmente umcrime, embora seja enquadrado como ato in-compatível com o decoro; só quem poderádizê-lo é o Judiciário. A qualificação que oLegislativo faz é diferente da do Judiciário,ainda que em ambos os casos haja obser-vância à tipicidade: da lei penal ou a daConstituição, seja direta ou indireta – regi-mento interno. Depois, o fato de o ato inde-coroso constituir crime não poderia trans-formá-lo em salvo-conduto para o parlamen-tar faltoso, deixando o parlamento indefe-so. A previsão da perda do mandato porcondenação criminal transitada em julga-do tem a função de proteger o parlamento –não necessariamente o parlamentar – e nãode prejudicá-lo. É que, além da perda do car-go público ser efeito secundário, embora nãoautomático, da sentença criminal condena-tória transitada em julgado (art. 92, I, do CP),ela também suspende os direitos políticos(CF, art. 15, III), levando, se não fosse o arti-go 55, VI, automaticamente à extinção domandato do parlamentar. Essa cláusula evi-ta a perda automática, mantendo na esferaparlamentar a avaliação dos danos à ima-gem da instituição no juízo político que é oprocesso de cassação.

Questão relacionada ao processo crimi-nal pelo mesmo fato, ainda que a qualifica-ção dada pelo parlamento seja nominalmen-te diferente da criminal, é a da influência dojulgamento penal na esfera parlamentar.Sabe-se que a inexistência de fato ou de au-toria na esfera penal tem efeitos na esfera

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disciplinar e até mesmo na cível. A pergun-ta residiria nisso: haveria essa influência daesfera penal no disciplinar-parlamentar?Acredita-se que sim. Se a sentença penaltransitada em julgado der o fato por inexis-tente, o parlamentar cassado pode requerer,judicial ou administrativamente, a sua rein-tegração ao cargo, se isso ainda for possível,ou seja, se estiver na mesma legislatura. Ou-tro efeito seria o de cancelar a inelegibilidadede oito anos estabelecida pela LC 64/90.

Não existe o princípio da contemporanei-dade dos atos indecorosos com a legislaturaem que o parlamentar exerce seu mandato.Por esse princípio, somente os atos pratica-dos na legislatura autorizariam a cassaçãodo parlamentar; atos pré-mandato não po-deriam ser atos indecorosos para fins decassação de mandato. Felizmente, o STF (MS23.388) reconheceu a inexistência desseprincípio, que poderia prejudicar a funçãode defesa da respeitabilidade que exerce avedação de atos incompatíveis com o deco-ro parlamentar.

Desdobramento do princípio da contem-poraneidade é a possibilidade de cassaçãodos parlamentares afastados por estarem delicença prevista no artigo 56 da CF/88. Osdefensores do princípio da contemporanei-dade aduzem que os atos praticados na con-dição de secretário ou ministro de Estado,os praticados quando em licença-saúde oupara tratar de motivo particular não poderi-am ser tidos em conta para a quebra dedecoro, uma vez que o parlamentar não exer-cia as funções de membro do Legislativo.Sempre que o parlamentar estivesse licenci-ado pelos motivos elencados no artigo 56da CF/88, haveria a impossibilidade de cas-sá-lo. Usam em reforço de sua tese a revoga-ção da Súmula 4 do STF, cujo argumentopode ser assim resumido: se o parlamentarnão pode invocar a imunidade, é porquenão estaria ao abrigo do regime parlamen-tar constitucional, não podendo, conse-qüentemente, faltar com o decoro parlamen-tar, parte integrante desse regime. Haveria,ainda, violação à cláusula da separação de

poderes (CF, art. 2o) quando a punição reca-ísse sobre o parlamentar licenciado paraassumir cargos executivos.

Os argumentos pecam pela ausência deconsistência, porque é somente o regime dasimunidades que não se aplica ao que estáafastado do cargo de parlamentar para as-sumir funções executivas. A revogação daSúmula 4 do STF reconhece somente isso. Aausência de proteção penal não significa queo parlamento perdeu o poder disciplinarsobre o membro licenciado em termos dedecoro ou, em última instância, que o parla-mento não poderia ter a sua respeitabilida-de maculada pelo membro licenciado.

O fundamento do poder punitivo poratos incompatíveis com o decoro parlamen-tar está na maculação que o comportamen-to do membro causa ou pode causar à dig-nidade da instituição parlamentar. Poucoimporta se ele está ou não exercendo o man-dato, estando afastado em cumprimento aoartigo 56 da CF. A dignidade do parlamen-to pode ser maculada de qualquer maneiraenquanto o parlamentar for um de seusmembros, ainda que esteja afastado ou li-cenciado (CF, art. 56). Admitir que o afasta-mento para assumir funções executivas exi-me o parlamentar de se comportar com de-coro seria negar a própria condição de par-lamentar, fato inocorrente, uma vez que aConstituição fala em afastamento e não emrenúncia do mandato ou aposentadoriacompulsória.

O argumento do STF é claro: os atos nãoforam praticados no exercício do mandato(que ainda existe), então não autorizam aimunidade constitucional, que só serve paraquem está exercendo as funções de parla-mentar. Quem está no Executivo não exerceas funções de parlamentar, mas não perde omandato, podendo ferir o decoro do parla-mento, uma vez que ainda está a ele vincu-lado.

Argumento que deve ser visto com cui-dado é o risco de haver uma ingerência doPoder Legislativo, por meio do processo decassação do mandato, na política do

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Executivo, ferindo a separação de poderes.Não existe a alegada interferência. Se o par-lamentar for cassado, a pena não atingirá ocargo executivo, uma vez que a cominaçãode inelegibilidade não alcança cargos deconfiança.

Instigante é a relação entre o preceitoconstitucional constante no § 4o do artigo55 e o Decreto Legislativo 16/94, ambos sus-pendendo a renúncia do parlamentar atéque seja finalizado o processo de cassação.A diferença entre ambos reside no termo adquem para a suspensão da renúncia. PelaConstituição, haveria a necessidade de pro-cesso instaurado; pela redação do DecretoLegislativo, o simples protocolo junto à Mesaou a simples investigação por qualquer ór-gão do Poder Legislativo seria suficientepara suspender os efeitos da renúncia. Oconteúdo constitucional é mínimo, poden-do a casa parlamentar, no uso de sua auto-nomia, instituir maior rigor para evitar arepetição de casos como o dos anões do or-çamento, no tratamento da matéria, comofez o Decreto Legislativo 16/94 em relaçãoao Congresso Nacional. Mesmo sendo nor-ma anterior, não foi revogada pela inserçãodo § 4o do artigo 55 da CF, que teve a funçãode estabelecer um limite mínimo para toda afederação, não suprimindo a autonomia dascasas para imprimir regime que entendammais adequado às suas peculiaridades.

Notas

1 Votação obrigatoriamente secreta, desautori-zando a Constituição Estadual ou Lei Orgânica aprever a votação aberta sob pena de inconstitucio-nalidade (BRASIL, 2005b) do procedimento de vo-tação e, conseqüentemente, do de cassação do man-dato.

2 Não há definição sobre qual modalidade deperda de mandato ocorre no caso de perda dosdireitos políticos (inc. IV), mas a doutrina, correta-mente, entende que ela ocorre na modalidade extin-ção do mandato (SILVA, 2005, p. 540; BULOS,2003, p. 770). Teori Albino Zavascki (1985) defen-de que a perda também ocorre por meio da extin-ção, mas distingue esse caso da condenação crimi-

nal com trânsito em julgado, que, embora acarretea perda dos direitos políticos, é caso de cassaçãode mandato.

3 “AMPLA DEFESA – PARLAMENTAR – PER-DA DE MANDATO – REPRESENTAÇÃO PORADVOGADO NO ÂMBITO DA CÂMARA DOSDEPUTADOS OU DO SENADO FEDERAL – SUS-TENTAÇÃO DA TRIBUNA. A expressão ‘ampla de-fesa’ contida no § 2o do artigo 55 da Constituição Federalnão encerra, necessariamente, a representação do parla-mentar por profissional da advocacia, a ponto de impor,a qualquer das casas do legislativo, a admissão deste natribuna. O processo de perda de mandato não éadministrativo, nem judicial, mas político, sendoregido por normas interna corporis. Mesmo no cam-po jurisdicional, em que se tem o advogado comoindispensável à administração da justiça – artigo133, Capítulo IV, ‘Do Poder Judiciário’, da Consti-tuição Federal –, é possível encontrar recursos quenão ensejam a sustentação da tribuna, sem que,com isto, a norma restritiva possa ser tida comomerecedora da pecha de inconstitucional. Tantoquanto possível, deve ser preservada a disciplinado funcionamento dos órgãos dos Poderes daUnião, buscando-se, dessa forma, a eficácia da clá-usula constitucional que lhe é inerente – da harmo-nia e independência. A solução emprestada ao pro-cesso político de perda de mandato não obstaculi-za o acesso ao Judiciário, cuja atuação se faz, sob oângulo da legalidade, com a inestimável colabora-ção do profissional da advocacia” (BRASIL, 1993,p. 153, grifo nosso).

4 “Inviável qualquer controle sobre o julgamen-to do mérito da acusação feita ao impetrante, porprocedimento incompatível com o decoro parlamen-tar.” (BRASIL, 2001a).

5 “Mandado de segurança de que não conhece,na parte referente à qualificação do fato tido comoindecoroso.” (BRASIL, 2001c, p. 215).

6 “Não cabe, no âmbito do mandado de segu-rança, também discutir deliberação, interna corpo-ris, da Casa Legislativa. Escapa ao controle do Ju-diciário, no que concerne a seu mérito, juízo sobrefatos que se reserva, privativamente, à Casa doCongresso Nacional formulá-lo” (BRASIL, 2001b,p. 209).

7 Antes de André Gros, Jèze (apud ENTERRÍA,1995, p. 70) tinha dito que a teoria dos atos degoverno não era mais do que uma “‘sistematizaçãoda razão de Estado’: Das Verwaltungsrecht derfranzösischen Republik, 1913, pág. 448”.

8 Para uma visão geral da political question doc-trine, cf. o excelente e crítico livro de Antonio Um-berto de Souza Júnior (2004, p. 61-98).

9 Ver: Castro (1999, p. 61-63), Coelho (2004, p.373), Comparato (1997, p. 355-366), Figueiredo(2004, p. 200), Freitas (2004, p. 71), Celso Mello(2004, p. 352), Oswaldo Mello (1969, p. 417),

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Moreira Neto (1999, p. 98, 170), Oliveira (1992, p.35-37), Silva Filho (1994, p. 123-134).

10 “Nenhum dos Poderes da República está aci-ma da Constituição.” (BRASIL, 2002a, p. 20)

11 No mesmo sentido, votou o Ministro Celso deMello (BRASIL, 1999a, p. 833) no MS 21.689: “Aten-ta a esse princípio básico, a jurisprudência consti-tucional do Supremo Tribunal Federal jamais tole-rou que a invocação do caráter político das resolu-ções tomadas pelas Casas Legislativas pudesse con-figurar – naquelas estritas hipóteses de lesão aodireito de terceiros – um inaceitável manto protetorde comportamentos abusivos ou arbitrários, prati-cados à margem da Constituição”.

12 Embora as lições de Ruy (1933) sejam basea-das em doutrina norte-americana, caracterizando-se, entre outras coisas, como uma defesa do con-trole difuso de constitucionalidade, entende-se queo controle das questões políticas também é possí-vel em controle concentrado.

13 Some-se a isso a doutrina que defende que oprocesso de cassação de mandato por quebra dedecoro parlamentar é, mutatis mutandis, uma for-ma de impeachment (REALE, 1969, p. 10).

14 Thomas Cooley (2002, p. 55), em lição per-feitamente aplicável à Constituição brasileira,doutrinou: “Qualquer membro pode ser expul-so pelo seu mau comportamento, bastando re-velar-se a má conduta, quer durante as sessões,quer fora delas.”

15 Como dizia o STF, na pena do Min. NelsonHungria (BRASIL, 1954), em 1954: “... o procedi-mento que pode ser reputado incompatível com odecoro parlamentar não é só aquele que o acusadotenha tido no seio da corporação legislativa a quepertence, senão também fora dele, mas com evi-dente ricochete sobre a dignidade da corporação”.

16 “O constituinte deixou ao regimento interno aincumbência de definir os casos de conduta incom-patível com o decoro parlamentar, considerando,entretanto, o abuso das prerrogativas e a percep-ção de vantagens indevidas como incompatíveiscom o decoro parlamentar.” (FERREIRA FILHO,1999, p. 176).

17 Em nível federal, o Código de Ética e DecoroParlamentar da Câmara dos Deputados prevê al-gumas condutas em seus artigos 4o e 5o; no Senado,há uma mera repetição da Constituição em seuartigo 32, § 1o, eximindo o seu regimento interno dedefinir alguma conduta que caracterize o decoro, oque pode impossibilitar a cassação de algum man-dato por quebra de decoro por faltar a necessáriatipicidade constitucional (indireta nesse caso).

18 “Não configura também ofensa ao decoroparlamentar a crítica forte, revestida de linguagematé desmesurada contra o auto-aumento dos sub-sídios dos edis, veiculada por jornal local, mor-mente quando desvestida de dolo” (TJRS, 1a Câm.

Cível, AC 592029367, rel. Des. Celeste Vicente Ro-vani, j. em 8/9/1992).

19 Os julgadores devem ter em mente que a li-berdade de expressão do parlamentar é um deverde expressão deste, é um dever de fiscalização edenúncia no trato das questões que envolvem a respublica. Deve, por isso, ser interpretado de formagenerosa em relação à liberdade de expressão docidadão.

20 Cunhador dessa expressão, José Carlos Bar-bosa Moreira (1998, p. 152), estigmatizando a equi-vocidade dessa postura hermenêutica, aduziu:“Põe-se ênfase nas semelhanças, corre-se um véusobre as diferenças e conclui-se que, à luz daque-las, e a despeito dessas, a disciplina da matéria,afinal das contas, mudou pouco, se é que na verda-de mudou. É um tipo de interpretação a quenão ficaria mal chamar ‘retrospectiva’: o olhardo intérprete dirige-se antes ao passado que aopresente, e a imagem que ele capta é menos arepresentação da realidade que uma sombra fan-tasmagórica.”

21 “... é inquestionável que não existem poderesilimitados em qualquer estrutura institucional fun-dada em bases democráticas” (BRASIL, 2000b, p.3).

22 Propugnando pela inquirição judicial da realexistência dos motivos autorizadores da cassação,bem como se estes se enquadram na falta de éticaparlamentar, cf. Geraldo Ferreira Lanfredi (1989, p.164).

23 “Em matéria de questões de natureza políti-ca, a apreciação destas pelo poder Judiciário seimpõe independentemente de tal natureza, toda vezque envolvam a lesão de um direito subjetivo indi-vidual. Nem mais se controverte a respeito, nota-damente em face do nosso vigente Direito Consti-tucional, que já não repete, por ocioso ou propicia-dor de confusões, o princípio da inacessibilidadedas ‘questões exclusivamente políticas’ à órbita decompetência do Poder Judiciário. Na espécie, a pró-pria exigência legal do ‘motivo’ de incompatibili-dade do procedimento do senador, deputado ouvereador com o decoro parlamentar está a eviden-ciar que não se trata de ato puramente arbitrário,nem mesmo apenas discricionário” (BRASIL, 1954,p. 891).

24 “Cassação de mandato de parlamentar (art.55, II, da Constituição Federal). Ato disciplinar dacompetência privativa da Câmara respectiva, situ-ado em instância distinta da judiciária e dotado denatureza diversa da sanção penal, mesmo quandoa conduta imputada ao deputado coincida comtipo estabelecido no Código Penal. Pedido indeferi-do” (BRASIL, 1992b, p. 791).

25 “RESPONSABILIDADES ADMINISTRATI-VA E PENAL – INDEPENDÊNCIA. A jurispru-dência sedimentada do Supremo Tribunal Federal

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é no sentido da independência das responsabilida-des administrativa e penal. A exceção corre à contade situação concreta em que, no campo penal, ha-jam ficado patenteadas a inexistência da materiali-dade ou a negativa de autoria” (BRASIL, 1997, p.49230).

26 “MANDADO DE SEGURANÇA. VEREA-DOR CASSADO POR INFRAÇÃO POLÍTICO-ADMINISTRATIVA (ART. 7o, I, DO DECRETO No

201/67). ACUSAÇÃO DE PRÁTICA DE IRRE-GULARIDADES NA LEGISLATURA AN-TERIOR. INCOMUNICABILIDADE. MANDA-TOS ELETIVOS ESTANQUES. DECRETO LEGIS-LATIVO DECLARADO NULO. RESTABELECI-MENTO DO MANDATO CASSADO. ORDEMCONCEDIDA SEM PREJUÍZO DA APURAÇÃODO TIPO PENAL – RECURSO IMPROVIDO. En-cerrado o mandato legislativo em que ocorreram osfatos ensejadores do processo político-administra-tivo, a punição pela cassação da investidura políti-ca tornou-se inaplicável. Ao fazê-lo, a CâmaraMunicipal julgou politicamente quem não podiajulgar e aplicou punição que já não comportavacabimento” (BRASIL, 1998b).

27 No mesmo sentido: Brasil (2003, p. 58).28 Embora nos EUA a nomeação do Presidente

precise de aprovação do Senado, não é essa apro-vação que faz com que o processo seja influenciadopelos diversos setores da sociedade norte-america-na, mas a constatação de que não se governa sozi-nho em um sistema democrático.

29 Imagine o caso em que o Congresso se recu-sasse a aprovar alguma medida provisória. Nãohaveria interferência nos planos do Executivo? Cer-tamente que sim, mas interferência afinada com aseparação de poderes.

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