A Cidade e as Serras

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A Cidade e as Serras

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Capítulo 1

O narrador apresenta seu amigo Jacinto, cuja família tem origem portuguesa e em Portugal mantém propriedades agrícolas que proporcionam uma renda estável. No entanto Jacinto vive desde sempre em Paris.

A transferência dos “Jacintos” para França é narrada como consequência do desfecho da Guerra Civil Portuguesa (primeira metade do séc. XIX): o avô de Jacinto, fidalgo Jacinto Galião, era leal (sem nenhuma séria motivação) a d. Miguel e, quando este foi exilado, aquele o seguiu.

Essa mudança para Paris já acompanhou seu filho Cintinho, garoto doentio que passou pela vida, “como uma sombra”. Ao morrer tuberculoso nasceu o Jacinto amigo do narrador – parece que será importante perceber a ausência da figura do pai para este personagem…

Voltando à descrição do personagem central do capítulo, Jacinto, é ressaltada sua boa-sorte em todos os sentidos: destaque no colégio, cercado de amizades “puras e certas”, praticou o amor de forma livre – “só experimentou o mel”, dedicava-se à filosofia… E sempre o mundo parecia estar ao seu favor! Era alguém invejável. “O Príncipe da Grã-Ventura”.

Neste ponto o narrador rapidamente se identifica como José Fernandes, português erradicado na França para concluir seus estudos, após ter sido expulso de sua Universidade por motivos grotescos.

Em seguida volta a tratar de Jacinto e sua filosofia de vida, seus conceitos: ele acreditava que somente as ideias, as técnicas, a supremacia do homem sobre a natureza e, sobretudo, a cidade – “não há senão a cidade!” – poderiam propiciar a verdadeira felicidade. Observando a vida no campo como uma entrega irracional e infeliz aos instintos primitivos – nutrição e procriação. O narrador confidencia uma visão crítica à esses ideais de Jacinto, no entanto afirma nunca a revelou a ele pois “nunca desalojaria um espírito do conceito onde ele encontra segurança, disciplina e motivo de energia”.

Ainda explorando o modo “Jacíntico” de vida, o narrador relata um breve passeio a uma floresta em que Jacinto se sentiu obviamente desconfortável.

O grande contraponto do capítulo é quando o narrador recebe uma carta de seu tio Afonso Fernandes para que volte à sua terra natal para cuidar de suas propriedades, já que não tinha mais forças para fazê-lo. Por sete anos José Fernandes, atraído inicialmente pela sopa dourada da tia Vicência, se entrega à vida no campo, tão maldita por Jacinto, que viu a partida de seu amigo como um atestado de óbito. Após esse tempo, em que viveu muito atarefado e nem deu atenção aos livros de direito que levou consigo pensando em manter algum estudo, Zé Fernandes vê a morte de seu tio Afonso, o casamento de sua afilhada Joaninha e retorna a Paris.

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Capítulo 2

De volta a Paris o narrador encontra Jacinto mantendo os mesmos padrões de elegância, mas sempre ressalta algo de desgastado na vivacidade do amigo – “levemente curvado”, “riso descorado”, “corcovava”, “cansado”, “olhar desconsolado”.

Chegando à residência de Jacinto, Campos Elísios, 202, encontra tudo em seu lugar de sete anos antes, com exceção a algumas inovações tecnológicas: um elevador, a eletricidade, o ar aquecido, o telégrafo, o conferençofone… Tais inovações o espantam. Quando comenta com Jacinto sobre a volta à “civilização”, não é possível ter certeza de um tom de admiração ou sarcástico, de quem vê pouca utilidade em tantos trecos. É evidente no próprio Jacinto certo sentimento da irrelevância daquilo tudo.

Ainda na descrição dos itens da casa é recorrente o uso de figuras típicas do campo para designar cores, formas ou do destaque à matéria prima utilizada na produção dos aparelhos – “estantes monumentais, todas de ébano”, “um verde profundo de folha de louro”, “cordões túmidos… à maneira de cobras assustadas” – enfocando o fato de que tudo que ali estava era originário da natureza controlada pelo homem – “a natureza convergia disciplinada ao meu amigo”.

Em seguida José Fernandes é convidado para permanecer e jantar com demais convidados – um psicólogo feminista e um pintor mítico. De início recusa-se, mas aceita ao menos conhecer a sala de jantar. Lá tem contato com os diversos pratos, formas de servir e demais aparatos que se contrapõem totalmente ao que viveu em seus últimos sete anos. Destaque especial para as diversas águas – carbonatadas, fosfatadas, esterelizadas… – que, no entanto, não agradam nenhuma a Jacinto, que ainda reclama sofrer de sede.

O narrador vai embora, então, ressaltando as “maravilhas” vividas por Jacinto, o considerando realizado pela “felicidade perfeita”. Esta constatação do autor, no entanto, não converge com a narração por ele mesmo feita do comportamento de seu amigo… Pura ironia.

Capítulo 3

José Fernandes, que aceita o convite para morar junto a Jacinto, continua a descrever a rotina de seu amigo, sempre destacando as tecnologias inovadoras que ele utiliza e a incongruente apatia que este sente em relação a elas – tudo é “uma seca”, “uma maçada”. Jacinto inclusive assume, em alguns momentos, seu claro descontentamento com a própria cidade, que antes tanto admirava – “É feio, muito feio!”.

Um tubo do sofisticado lavatório do 202 se rompe jorrando água fervente por toda casa, que expele vapor e logo é cercada por polícia e curiosos. O incidente se torna a notícia do dia, o que pode ser visto como uma crítica à futilidade da

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imprensa da época. Da imprensa e da “sociedade” também, representada por uma senhora que visita a casa à procura de vestígios da desgraça – “Estou morrendo por admirar as ruínas!”. Nada muito diferente do que hoje se tem: o gosto pela desgraça alheia, pela tragédia.

Ainda neste capítulo o narrador questiona a vida amorosa de Jacinto, que revela manter cortesãs na cidade, mas não se envolver muito com elas. Tal trecho suscita dúvidas quanto ao comportamento sexual de Jacinto. É necessário acompanhar os próximos capítulos: será que ele é? Ah, vale também notar que por diversas vezes o narrador trata Jacinto como “meu Príncipe”… Teoricamente em alusão ao título de “Príncipe da Grã-Ventura”, mas não cola!

Por fim, Jacinto decide o passeio que farão no domingo: vão ao Jardim das Plantas para verem a girafa! Um passeio “simples e natural”.

Capítulo 4

A narração dos acontecimentos em uma festa no 202 se foca em caracterizar a sociedade parisiense, seus assuntos, seus personagens, suas futilidades. Tal festa era realizada a pedido do grão-duque, que pescara um peixe raro o qual desejava cear.

A organização da festa já se inicia com um novo boicote da tecnologia sobre Jacinto: falta energia elétrica a toda residência. No entanto o episódio foi logo resolvido com a garantia de estabilidade por um engenheiro da Companhia Elétrica.

Adentrando à festa, José Fernandes relata a admiração dos convidados sobre as tecnologias mantidas na residência de Jacinto. Ao mesmo tempo demonstrava o desgosto do anfitrião ao desenrolar explicações as quais as pessoas sequer se esforçavam a entender: a admiração era, na verdade, vazia.

Em seguida participa de uma discussão sobre o livro recém-lançado pelo psicólogo presente à festa. Ao se gabar de sua obra, ele afirmava que “nunca penetrara tão fundamente na velha alma humana”. No entanto seu discurso é quebrado por uma observação de outro convidado, Marizac, que estranha a cor preta do colete usado por uma de suas personagem, considerando que é uma cor incomum, inapropriada a uma “uma duquesa, e do gosto mais puro”. O psicólogo “assume” seu erro, mas não consegue evitar o pensamento que percorre a todos: de que ele nunca esteve em intimidade com uma duquesa. Mais uma vez põe-se a ciência versus natureza, a teoria versus prática.

O narrador encontra-se novamente com Jacinto que discute o investimento na exploração de uma mina de esmeraldas na Birmânia com um banqueiro judeu. Questionando a existência real de esmeraldas com estudos científicos, o anfitrião recebe a resposta que resume toda conversa: “Há sempre esmeraldas desde que haja acionistas!”.

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Ainda há a passagem por uma conversa sobre a queda de uma senhora de um velocípede, outra sobre as nádegas de outra senhora, temas muito interessantes! Até que chega o grão-duque, muito esperado por todos. Este logo se encanta pelo teatrofone (um mecanismo que trazia por fones apresentações teatrais) e coloca todos a ouvir um musical. José Fernandes, que ficou sem um fone para si, em tom de ironia demonstra desprezo a mais uma cena que só podia ser propiciada pela tecnologia: várias pessoas em silêncio numa sala com seus ouvidos atentos ao som que saía de diversos fios…

Chegada a hora da ceia, vem outro golpe das modernidades do 202: o elevador que transportava o peixe do grão-duque emperrou. Após muita discussão, dentre as quais foi levantada uma questão bem objetiva – “por que o não trouxeram à mão?” -, decidiu-se que o peixe precisava ser pescado do fosso! E o grão-duque entusiasmou-se com a oportunidade de demonstrar sua habilidade na pesca em plena festa. No entanto o esforço foi inútil e todos comeram cordeiro. Apesar da confusão o grão-duque demonstrou gosto pelo divertido episódio.

Três dias após a festa Jacinto recebe de Portugal a notícia de que uma de suas terras sofreu um deslizamento que cobrira uma igrejinha que guardava os restos mortais de seus avós. Ele decide, então, que deve ser gasto todo dinheiro necessário para recuperar tudo que foi danificado.

Capítulo 5

Mesmo após a sequência de contratempos causados pelas falhas das modernidades do 202, do encanamento estourado, da falta de energia, do elevador emperrado, Jacinto ainda insistiu em adquirir mais equipamentos que teoricamente facilitariam sua vida, mas acabavam por criar mais problemas.

Ao mesmo tempo em que acumulava mecanismos, adquiria muitos novos livros, tais que se infiltravam por toda a residência atrapalhando qualquer caminhada pelos seus corredores. É interessante o episódio em que José Fernandes, o narrador, se desentende com diversos exemplares espalhados por sua cama e acaba adormecendo e sonhando com um mundo feito somente de livros e impressos.

Neste momento o narrador, pela segunda vez, deixa de focar Jacinto para apresentar uma experiência pessoal. Se na primeira vez este esteve atraído pela vida no campo agora ele esteve preso à paixão: conheceu Madame Colombe com quem conviveu por sete semanas – sete anos no campo, sete semanas de paixão… Interessante! A mulher era “estúpida e triste”, mas se encaixava no que ele procurava – “apagava minha alegria na cinza da sua tristeza, e afundava a minha razão na densidade da sua estupidez”. Nesse tempo, em que constantemente visitava a mulher em seu quarto, Zé Fernandes se desfez de seus bens todos em favor dela, até que não a encontrou mais. Caiu em desgraça, se embebedou, delirou, vomitou sua paixão, morreu e renasceu.

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Ao se libertar da paixão volta a dispensar atenção a Jacinto, que permanecia na mesma: desgostoso com o cotidiano, com a sociedade parisiense… Tanto que nem dera muita atenção à aventura vivida por seu amigo. Apesar de tudo isso, ao receber de José Fernandes a sugestão de mudar de ares, para o campo, por um tempo, recusa imediatamente. O narrador questiona Grilo, empregado da casa, sobre o que estaria acontecendo com seu patrão. Este afirma que ele estaria “sofrendo de fartura”.

Capítulo 6

Rapidamente, no início desse capítulo, é citada uma relação entre Jacinto e Madame de Oriol que parece abalada com a notícia de que esta estaria a jantar com outros cavalheiros.

Jacinto aceitou, então, ainda que a contragosto, a sugestão do narrador de irem a uma basílica, no alto de um morro (Montmartre). Lá chegando, ao avistar do alto a cidade, José Fernandes teceu algumas críticas à “maravilhosa civilização” que ali se resumia a uma mancha cinza e Jacinto se rendeu, enfim, considerando que todas aquelas tecnologias não passavam de uma ilusão. Isso foi a gota d’água para que o narrador deixasse de usar ironias sutis e passasse a expor claramente sua posição em relação às modernidades, suas futilezas, sua superficialidade, sua extravagância, suas desigualdades, sua burrice. Todas as teorias de Jacinto são contrapostas. E ele concorda.

Ainda lá encontram Mauricio de Mayolle, colega de Jacinto envolvido em filosofias, metafísicas, energias… Depois de muito blábláblá, após a saída de Mauricio, Jacinto novamente tece sua opinião: tudo não passa de uma maçada!

Ao final Jacinto revela um desejo: construir uma casa naquele lugar para observar a cidade ao longe… “dominar a cidade”.

Capítulo 7

Jacinto continua com suas visitas à Madame de Oriol, as quais faz acompanhado de Zé Fernandes – estranho, não? O narrador aproveita para descrever a rotina da moça, inundada de aparências, revistas, tradicionalismo, falsa caridade. Até que um dia encontra na residência dela seu marido, transtornado por saber que ela o estaria traindo com criados. Apesar de casados, moravam em casas separadas.

José Fernandes foi viajar pela Europa. Conta (em números) quantas cidades, hotéis e igrejas visitou, quantas vezes fez e desfez malas. E acaba por revelar que o melhor dia de viagem foi quando, em Veneza, encontrou um inglês que conhecia Portugal e com ele relembrou sua terra. Mas uma vez o narrador, de forma irônica, despreza o que a “civilização” proporciona – turismo à vontade – e valoriza sua origem, sua casa, sua terra.

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Voltando a Paris encontra Jacinto ainda mais aborrecido e envelhecido. O narrador sugere que isso pudesse ser motivado pela plenitude da vida de Jacinto, que tinha todas as tecnologias facilitadoras da vida à mão. Mas Jacinto crê que o tédio de viver é resultado da própria vida, somente, não se restringindo a ele. Entregou-se ao pessimismo, leu “de Eclesiastes a Schopenhauer”, tentou se empenhar em festas, religiões e no humanitarismo, mas tudo o entediava.

Em seu aniversário de 34 anos desprezava todos os cartões e presentes que recebia. Os que tentou usar o decepcionaram: um precioso chá tinha gosto horrível, uma engenhosa mesa com regulagem de altura não se ajustava à altura correta, o arroz doce encomendado por Zé Fernandes, que pensou em reviver costumes portugueses, veio cheio de ingredientes “especiais” que, no entanto, tiravam qualquer traço de sua modesta tradição.

Ainda lembrando-se de sua terra de origem, José Fernandes questiona que fim levou a reconstrução da igrejinha que fora soterrada, mas Jacinto nem sabe.

O narrador aproveita para novamente discutir a questão social: compara a situação dos pobres da cidade que não contam com nenhum apoio, em comparação aos de sua terra que aos menos podiam contar com a bondade da vizinhança.

O capítulo é fechado com um momento “poético”, cheio de simbolismos, com Jacinto andando pela casa, encarando todos os equipamentos, estante, livros, teorias, conhecimentos… E indo, melancolicamente, dormir.

Capítulo 8

É início de primavera. Jacinto informa a Zé Fernandes que partirão para Tormes, onde ficam suas terras em Portugal. Recebera a notícia que a igrejinha fora reconstruída e decidiu que acompanharia o traslado dos restos mortais de seus antepassados para lá.

A viagem para as serras, no entanto, teria de levar um pouco de Paris segundo os planos de Jacinto. Um pouco não, quase tudo. E iniciou-se um intenso trabalho de contratar transportadoras que levariam diversos mobiliários e equipamentos para o casarão em Tormes, que estava sendo reformado a mando de Jacinto para que quando lá chegasse encontrasse o próprio 202. Nesse período houve um súbito reavivamento de seu gosto pela cidade: encantou-se com toda mobilidade que Paris proporcionava. Mas esse encantamento acabou assim que foi enviada a última caixa para Tormes.

Logo embarcariam na viagem, cercada de confortos e belas paisagens, mas recheada de preocupações que se concretizariam em fatos: num dos transbordos para um trem o criado Grilo, que guardava a bagagem pessoal dos dois amigos, se perdeu e com sorte chegaria em um dia ou uma semana. Tal ausência só foi notada quando chegaram à Tormes. Lá, além de estarem sem qualquer

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bagagem, descobriram que Silvério, procurador de Jacinto, imaginava que eles só chegariam meses depois – houve algum desencontro nas correspondências. Todas as caixas de mobiliários enviadas com antecedência de Paris não haviam chegado.

Foram recebidos, então, por Melchior, um serviçal que não pode ajudar muito, senão com um prato de comida – galinha ensopada que muito agradou o paladar do faminto Jacinto – e humildes enxergas (colchões de palha). A falta de conforto incomodava Jacinto, que decidiu partir para Lisboa assim que possível, mas ao mesmo tempo as belezas do campo e a clara visão do céu noturno o agradavam. José Fernandes, que partiria para Guiães na manhã seguinte encontrar com sua tia Vicência, prometeu enviar algumas roupas e utensílios básicos que salvariam Jacinto até sua ida a Lisboa.

Capítulo 9

Em Guiães Zé Fernandes recebeu suas malas que estavam perdidas. Tentou contatar Jacinto em Lisboa, mas ele nunca respondia. Até que encontrou com um familiar de Melchior que passara por Tormes e lá vira Jacinto.

Surpreso com a permanência de Jacinto nas serras por mais de cinco semanas, o narrador vai ao encontro de seu príncipe. Chegando a Tormes se depara com o casarão bem arrumado, mas de forma simples, sem todos os mecanismos que foram encaixotados no 202. Jacinto também está renovado, se mostra disposto, tão animado com a nova vida que nem se preocupa com tais caixotes, que foram enviados, por engano, para outra Tormes, na Espanha.

Zé Fernandes cada vez mais se surpreende e admira as novas filosofias de Jacinto, que supervaloriza a natureza e suas criações, jogando por terra todo pessimismo que outrora elogiava em Shopenhauer. Agora ele encontrava inspiração nas plantas e nas águas, se comunicava alegremente com a gente humilde do interior. Assumiu, inclusive, que guardava milhares de livros no 202 que nunca tinha lido e agora apreciava mais do que nunca a leitura de livros como Dom Quixote e a Odisséia. Era outro homem.

O enterro dos ossos dos Jacintos antepassados, que era o motivo inicial da visita, se tornou uma cerimônia muito simples, uma vez que nem se sabia quem eram os tais antepassados. Foram sete ossadas e meia – uma era de criança – levadas para a nova igrejinha. E até nesse singelo momento Jacinto encontrou beleza.

O narrador observou que o interesse de Jacinto em contemplar a natureza evoluiu para um desejo de agir sobre a natureza: queria plantar árvores, criar animais… Tomou algumas metas, como construir um curral, uma queijaria, um pombal… Nesse ponto Zé Fernandes faz uma observação de cunho social: todo esse gosto pela natureza e todos planos de trabalhá-la só eram possíveis para alguém como Jacinto, que tem “a vida ganha”, mas não seria para meros

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assalariados. Esta observação é uma prévia do que virá no capítulo seguinte. Enfim, nenhuma dos planos mirabolantes de Jacinto se concretizou, pois Melchior e Silvério tinham certa resistência a tais inovações.

Capítulo 10

Um dia antes de Zé Fernandes voltar a Guiães ele acompanha Jacinto para uma visita a Silvério em que trataria de assuntos de suas terras.

O tempo que até então estava aberto começou a mudar e uma tempestade interrompeu o trajeto. O narrador viu esse momento como um desafio, uma prova, para saber até onde iria o romance de seu príncipe pelas serras, pois poderia se resumir a uma paixão ao calor do sol de verão ou ter se tornado um amor que resistiria às tempestades e ao inverno. O próprio Jacinto parece aceitar o desafio, consciente de que precisa conhecer o campo em bons e maus dias.

Aguardando num alpendre a passagem da chuva, os dois amigos e Silvério são surpreendidos por uma pobre criança, com aparência doentia. Jacinto se espanta com a situação do menino e vai até a casa de sua família, cuja mãe está doente.

Ao ver a triste situação daqueles que também são seus empregados, Jacinto se choca por nunca ter imaginado que em um lugar tão belo como aquele poderia haver tanta miséria. Decide, então, empenhar esforços e dinheiro para mudar aquela realidade: construir novas casas, contratar médicos, aumentar salários… Silvério desacredita tudo que ouve, contesta a falta de bom senso nessas medidas, mas acata, afinal, Jacinto também é seu patrão.

Capítulo 11

O tempo passa entre idas e vindas de Zé Fernandes, de Guiães a Tormes, de Tormes a Guiães.

Há um breve comentário sobre a falta de uma mulher para se relacionar com Jacinto. Este se esquiva, comparando as mulheres da região a legumes, muito nutritivos, mas distantes da beleza poética das flores que só habitavam as cidades.

Nesse período o narrador vê Jacinto recuperar o gosto pelas coisas da “civilização”: além de todas as mudanças sociais propostas agora pretendia construir uma escola, uma farmácia, uma biblioteca e até uma sala de projeções em suas terras, para trazer cultura para aquele lugar. E todas as obras da construção de seu “reinado” mexem com a economia local, tanto que Jacinto começa a ser visto como um benfeitor, quase um santo, pelos moradores da região. Alguns até o imaginam ocupando facilmente um cargo político.

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Capítulo 12No aniversário de 34 anos de José Fernandes, Jacinto participou de um almoço em Guiães, no qual conquistou a simpatia de tia Vicência pelo gosto pela comida, pelos seus planos para Tormes e com uma caldeirinha de água benta como presente. O narrador apresentou-lhe suas terras, sua biblioteca. Este capítulo, muito breve, termina com a chegada de outro convidado, dom Teotônio, para a festa de Zé Fernandes.

Capítulo 13

A festa não saiu como Zé Fernandes planejara. Todos convidados se demonstraram incomodados com a presença de Jacinto, que se trajou muito elegantemente com suas roupas vindas de Paris.

A cada nova tentativa de integrar os presentes contando histórias engraçadas de sua estadia no 202, o aniversariante não era correspondido e o que se via eram sorrisos condescendentes, cochichos e nada mais.

Entre os homens soube-se que havia desconfiança de que Jacinto seria um miguelista (partidário da volta do conservadorismo e de d. Miguel ao poder), o que os deixava insatisfeitos. Imaginavam até que o próprio d. Miguel estava com ele em Tormes!

Após a refeição principal todos jogaram cartas e, ao sinal de uma tempestade, partiram. Tia Vicência riu com Zé Fernandes e Jacinto contando da desconfiança dos senhores da região.

Capítulo 14

Noutro dia Zé Fernandes e Jacinto partiram para Flor de Malva, residência do tio Adrião, que não pode estar na festa de José por conta de um furúnculo, e da prima Joaninha.

No caminho pararam numa taberna para apreciar um vinho e encontraram o tio João Torrado, um velho conhecido na região como profeta e que logo identificou Jacinto como o “pai dos pobres”, chegando ao ponto de suspeitar que nele pudesse estar dom Sebastião reencarnado – crença baseada no Sebastianismo, um movimento que acreditava na volta do rei d. Sebastião como um messias.

Chegando à Flor de Malva Jacinto se encanta pela beleza das terras, das plantações, das construções… E também de Joaninha, com quem se casaria em breve.

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Capítulo 15

Cinco anos depois Jacinto já somava dois filhos – um casal – e se tornara um pai responsável, cuidando com zelo de suas propriedades que um dia serviriam a seus descendentes.

Ainda que tenha cedido novamente a algumas modernidades, como a instalação de telefones em Tormes (sua residência), em Flor de Malva (casa do sogro), em Valverde (residência do médico) e em Guiães (casa de Zé Fernandes), Jacinto encontrou um equilíbrio, sendo prova disso que alguns dos aparatos que, finalmente, chegaram nos caixotes perdidos foram levados direto ao sótão da casa. Talvez isso tenha se dado por pressão de Joaninha, que valorizava a rudez da serra.

Até Grilo, criado de Jacinto, se adaptou à nova rotina e concordou com o narrador, afirmando que seu patrão “brotou” para uma nova vida.

Capítulo 16

Nos anos que se seguiram Jacinto pensou em retornar por alguns dias ao 202, levar seus filhos para conhecer a “civilização”. Mas Joaninha, espertamente, reclamava um cansaço ou outro e convencia seu marido a permanecer nas serras.

José Fernandes pensava o mesmo, mas, sem uma mulher que o segurasse, o realizou: foi à Paris e lá encontrou as mesmas pessoas no mesmo movimento incessante, na mesma superficialidade. Invenções, jornais, crimes, maquiagens, pratos, transportes, propagandas, tumultos… Nada era novidade, tudo desapontava o narrador. Todos os aparatos da cidade se resumiam duas funções únicas: “o lucro e o gozo”.

Em uma visita ao 202 reviu as estantes, os livros, os carpetes e os móveis cobertos por lonas empoeiradas e pensou que tudo aquilo, em algum momento, seria tido como velharia para os que lá fossem habitar. Tudo que era tanta modernidade seria história, passado.

Voltando a Tormes tornou a estar feliz quando encontrou Jacinto, Joaninha e seus filhos, Teresa e Jacintinho. Este último carregava nas mãos uma pequena bandeira que chamava de “bandeira do castelo”, que o narrador logo associou à ideia de um castelo montado por Jacinto, seu “príncipe da Grã-Ventura”, na “natureza campestre e mansa”, “tão longe de amarguradas desilusões e de falsas delícias”.

FIM