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A cidade e as redes de sociabilidade: Casa e Rua; Circuito, Mancha e Pedaço. Um ensaio sobre o fazer antropológico na metrópole

Elias do Carmo Santos1

Jessica Simone Costa da Silva2

Leandro Oliveira Ferreira3

Resumo

Este texto surgiu da necessidade de obtermos um arcabouço literário científico para produção de pesquisas antropológicas realizadas nos centros urbanos, e que são construídas através da interdisciplinaridade. É uma reflexão sobre a obra de grandes pesquisadores que pensam a cidade a partir de uma análise das relações identitárias e das práticas de sociabilidade que ocorrem nas metrópoles brasileiras. Tais obras surgem como referência na formulação da análise do comportamento social do indivíduo por meio da observação participante. Discorrer sobre indivíduos desviantes, dualidade comportamental dos sujeitos sociais dentro de casa e na rua, proporcionam um melhor entendimento das formas de apropriação e uso do espaço público por diferentes agentes.

Palavras-chave

Circuito; Mancha; Pedaço; Casa; Rua; Etnografia; Antropologia; Jovens

IntroduçãoFaz-se necessário, para construção metodológica de todo e qualquer trabalho

científico a inserção de diversos conceitos que possam dar suporte para análise. Neste

trabalho é apresentado alguns conceitos essenciais para a observação, experiência e

empirismo dentro do campo da antropologia urbana. Portanto, este ensaio pretende bem

mais que apresentar uma breve revisão de literatura de obras que discutem o tema

proposto, mas sim levantar a discussão acerca das contribuições de diferentes áreas para

o exercício reflexivo sobre a cidade e suas redes de sociabilidade. As pesquisas

realizadas por José Guilherme Magnani em suas duas obras sobre a dinâmica cultural da

cidade de São Paulo, Jovens na metrópole e Na metrópole, são as principais fontes de

conceitos e teorias que podem contribuir com o andamento das pesquisas antropológicas

nas grandes cidades. Contudo, ao iniciarmos a discussão sobre o fazer etnográfico

1 Bacharel em Comunicação Social - Jornalismo pela Universidade da Amazônia – Unama.2 Bacharel em Comunicação Social - Jornalismo pela Universidade da Amazônia – Unama.3 Bacharel em Comunicação Social - Jornalismo pela Universidade da Amazônia – Unama.

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dentro da antropologia, vamos levar em consideração as ricas contribuições de autores

como Gilberto Velho, Roberto DaMatta, James Clifford e François Laplantine.

François Laplantine (2007) em Aprender Antropologia, apresenta-nos alguns

conceitos para entendermos a Antropologia e o processo etnográfico. Para ele, a

etnografia torna a antropologia uma atividade ao ar livre, levado, como diz Malinowsk

(apud LAPLANTINE, 2007. p.84), “ao vivo”, em uma “natureza imensa, virgem e

aberta”. Assim, o próprio pesquisador deve efetuar no campo a sua pesquisa e que este

trabalho de observação direta é parte integrante da mesma. Laplantine (2007) nos traz

dois importantes pesquisadores na elaboração da etnografia e da etnologia

contemporânea: Bronislaw Malinowsk e Franz Boas. Entre os principais

questionamentos levantados pelos antropólogos citados, compreendemos que dois em

especial podem nos auxiliar durante a pesquisa. Para Malinowsk (apud LAPLANTINE,

2007), determinada sociedade pode ser dada em si mesma, é justamente isto que permite

a viabilidade desta para os que a ela pertencem, observando-a no presente por meio da

interação dos aspectos que a constituem. Boas (apud LAPLANTINE, 2007) crítica os

métodos evolucionistas e difusionistas. Ele propõe, em troca, um método que estude as

mudanças dinâmicas em uma única sociedade, o que pode ser observado no presente.

Os grupos culturais possuem sua própria e única história, desta forma é mais relevante

esclarecer processos “diante de nossos olhos” ao invés de tentar estabelecer leis que

possam reger a civilização (como faziam as correntes supracitadas).

Para que possamos realizar o processo de compreensão da dinâmica cultural

urbana, dentro do contexto que deve ser aplicado em nosso trabalho, precisamos tomar

como base a realização de uma etnografia do grupo que se pretende estudar. A noção de

grupos é essencial ao entendimento da dinâmica cultural urbana. Uma vez tendo tido

acesso a toda a teorização sobre a cidade feita por sociólogos que influenciaram

fortemente não só as ciências sociais, mas também o senso comum, compreende-se que

a cidade só existe enquanto relação entre os diferentes grupos que interagem em um

dado sistema produtivo (MAGNANI, 1997).

Para Magnani (1997) cada grupo pode participar da construção e reconstrução da

imagem de uma cidade utilizando elementos disponíveis na cultura de uma determinada

sociedade. Assim, para o autor, a cidade pode ser “construída” (interpretada, analisada)

a partir do trabalho, do lazer, da religião, do funk, da capoeira, dos shoppings, das

esquinas, das festas e do trânsito, sempre haverá uma cidade a ser construída conforme

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se privilegiem aspectos específicos. Para antropologia a noção de grupo, levando em

consideração as etnias, deve compartilhar valores culturais fundamentais, estão situados

em um espaço de comunicação e de sociabilidade, possuem membros que se identificam

e são identificados por outros como se constituísse uma categoria de certo diferente de

outras do mesmo tipo. (POUTGNAT; STREIFF-FERNART, 1998)

O campo das pesquisas etnográficas é muito abrangente, por isso podendo ser

confundido algumas vezes com outras pesquisas, por serem correlacionadas. É o caso da

etnologia. Carmem Mattos (2001) afirma que a etnologia é uma ciência que surgiu com

o intuito de designar estudos comparativos do modo de vida dos seres humanos, em um

período em que foi necessária sua utilização, já que estavam sendo descobertas uma

grande variedade de sociedades diferentes na forma ocidental de organização de

agrupamentos humanos em seus atos e cotidianos. Mattos (2001) identifica a etnografia

como um campo da antropologia que surge com o intuito de realizar a observação

holística dos modos de vida dos indivíduos que estão sendo estudado. Podemos

perceber que por mais pertinente que seja a pesquisa etnográfica, sempre terá seu início

no processo da etnologia, já que este é um estudo centralizado e descritivo dos aspectos

culturais de uma determinada sociedade. Apesar de ser um campo recente, surgido em

meados do século XX, a etnografia contribui muito para campo das pesquisas

qualitativas

A pesquisa etnográfica é baseada na observação do ciclo de vida de atores sociais

e seus meios, sendo que esta se dá num período de tempo de pelo menos um ano, o

pesquisador deverá observar as práticas diárias do objeto de estudo, atendo-se ao

entendimento e validação de suas práticas, analisando o indivíduo através de seu próprio

olhar (o olhar do objeto). Segundo Clifford (2002), esse processo de observação faz

com que o etnógrafo passe a vivenciar a realidade do grupo analisado, tanto os aspectos

físicos quanto os intelectuais, isso significa que a aproximação do pesquisador com o

grupo estudado é de suma importância e ainda inevitável, à medida que está

inteiramente interligado na rotina deste através da observação necessária para tornar a

pesquisa etnográfica possível.

Segundo Clifford (2002), o processo de análise etnográfica está inteiramente

ligado a escrita, já que após o período de vivencia e aproximação entre objeto e

pesquisador inicia-se outra etapa. Nesta, acreditamos ser fundamental a articulação entre

o olhar do antropólogo e suas anotações, os registros feitos em campo, a partir destes

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escritos serão traduzidas as experiências de observação. Clifford (2002, p. 20) nos

afirma isto quando diz que “o desenvolvimento da ciência etnográfica não pode, em

última análise, ser compreendido em separado de um debate político e epistemológico

mais geral sobre a escrita e a representação da alteridade”, conceito que, segundo Hall

(2003), trata da interação social e interdependência entre os indivíduos. Dentro da

análise trabalhada por Hall (2003) o eu individual só existe a partir do contato com o

outro, de tal maneira que só existo a partir da visão do outro, o que permite

compreender o mundo por meio de uma observação diferenciada, trata-se da experiência

do contato.

A etnografia proporciona muitas contribuições no campo das pesquisas

qualitativas, em especial no campo das desigualdades e exclusões sociais, a proporção

da análise etnográfica possui uma totalidade superior a de outros estudos realizados no

campo antropológico, sendo assim a melhor forma de analisar as questões

comportamentais dos indivíduos com outros e atrelados a diferentes valores.

Sob a luz da Etnografia

Dentro do contexto dos estudos etnográficos, Guilherme Magnani contempla os

estudiosos em etnografia com a obra Jovens na Metrópole do qual é o organizador e

autor de alguns capítulos. Magnani (2007) apresenta conceitos que são muito

importantes dentro do campo das pesquisas etnográficas, pois são a base para os estudos

da relação entre os jovens e o uso do espaço. O autor tem por objetivo dar novos

caminhos para a compreensão das formas de sociabilidade que encontramos no dia-a-

dia das mega-cidades, onde diferentes grupos de jovens se encontram, possibilitando

trocas de diferentes formas.

Magnani (2007) nos trás a análise de dez diferentes circuitos, porém nos mostra

antes porque não estudá-los como tribos urbanas. Segundo Maffesoli (1998) tribo

urbana é uma expressão que surge para designar a formação de uma determinada rede

formada por microgrupos, com o objetivo principal de estabelecer rede de amigos que

possuam características semelhantes. Este fenômeno compõe-se por diversas redes,

grupos de afinidades, interesse ou até mesmo laços de vizinhança que estruturam nossos

espaços urbanos. Contudo, para Maffesoli (1998) a característica principal dessas tribos

seria o intenso jogo contra o poder e isto fica claro em suas atitudes e comportamentos.

Contrapondo esta visão, Magnani (2007), trata tribos urbanas como uma forma mais

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popular de tratar os jovens dentro dos estudos etnográficos e diante da mídia, porém

esta não tem uma abrangência capaz de compreender o estudo, o que torna a análise

menos generalizada do que aquela utilizada por Maffesoli. Magnani (2007, p.17) crítica

a utilização da expressão tribos urbanas, apontando algumas dificuldades nos estudos

baseados neste conceito.

Uma dessas limitações deve-se ao mal-entendido entre o sentido que se atribuiu ao termo “tribo” nos estudos tradicionais de etnologia – que aponta para alianças mais amplas entre clãs, segmentos, grupos locais, etc. – e o seu uso para designar grupos de jovens, no cenário das metrópoles, que evoca exatamente o contrário: pensa-se logo em pequenos grupos bem delimitados, com regras e costumes particulares, em contraste com o caráter massificado que comumente se atribui ao estilo de vida das grandes cidades.

Assim, Magnani (2007) nos transmite a dificuldade de trabalhar com o conceito

de tribos urbanas pelo fato deste ter uma ambiguidade perceptível dentro do campo das

pesquisas etnográficas, baseadas na relação dos indivíduos e seus espaços de interação,

já que estas são encaradas como uma forma de sociabilidade baseada no atrito seria

como uma resistência de um grupo a determinados padrões sociais. Porém, contrapõem

a ideia de utilização do termo com a expressão culturas juvenis, que tem sido muito

mais utilizada em trabalhos acadêmicos, além é claro de ser uma nova visão sobre o

objeto de estudo.

Ainda com o objetivo de oferecer alternativas para enfoques mais abrangentes,

Magnani (2007) propõe outra temática: circuitos de jovens. Este conceito esta voltado

para o comportamento dos jovens dentro dos cenários das grandes metrópoles, através

de diferentes elementos. Segundo ele, a ideia é inserir estes jovens na paisagem urbana,

através da realização da etnografia dos espaços, localizando seus pontos de encontro,

seus conflitos e as relações de trocas com os diferentes grupos.

No fazer antropológico na cidade, Magnani (2002) esclarece que pode ser extraída

uma reflexão mais fundamentada quando se está próximo ou até mesmo dentro, do

campo estudado. Alguns conceitos são fundamentais na elaboração de uma etnografia

urbana. O autor propõe novas noções para a antropologia urbana, a fim de elaborar

experiências e dinâmicas culturais não esclarecidas a partir de dispositivos analíticos.

Segundo Magnani (1996) surgem ao lado de pedaço, as manchas, os trajetos e os

circuitos estes são ferramentas que instigam a pesquisa e a reflexão dando conta das

múltiplas apropriações diferenciais do espaço urbano, em que os lugares e caminhos da

cidade só fazem sentido se referidos à práticas culturais específicas dos grupos. Como o

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lazer e a religião, dominantes ao longo da coletânea.

A noção de pedaço é exposta no momento em que Magnani (2007) identifica este

espaço como um ambiente intermediário entre o público e o privado, que possui uma

amplitude maior do que a dos laços familiares. Magnani (2007, p. 90) afirma que:

Cada espaço apropriado, mesmo que temporariamente, ganha papel central e fundamental para a manutenção do pedaço – a pessoa é do pedaço não somente por portar tais sinais e por agir de tal maneira, mas também por estar naquele lugar naquele momento. Por saber que é exatamente ali que deve estar.

O termo apropriado por Magnani (2007) pertencente ao próprio meio estudado,

pode inclusive, designar uma concretude da vida urbana, um espaço geograficamente

demarcado e determinado por uma rede de relações sociais íntimas, como parentesco e/

ou amizade, reforçam as práticas de sociabilidade dão a conotação de identidade local

àquele determinado espaço. O pedaço se caracteriza por sua efemeridade, não se trata

de um ponto fixo, mas um espaço que pode ser eleito segundo suas características para

que determinado indivíduo ou grupo o ocupe (MAGNANI, 2002).

Partindo da análise de Magnani (2007) é dentro do pedaço, mas especificamente

com relação a este enquanto ponto de encontro que se percebe que os frequentadores

não precisam necessariamente se conhecer, mas se reconhecer como indivíduos que

possuem os mesmos símbolos de representação de seus gostos, orientações, valores,

hábitos de consumo e modos de vida semelhantes. Tais sinais de semelhança podem ser

identificados a partir da linguagem, estilo de roupa, comportamento e preferências

musicais no pedaço a que pertencem. Isto já se trata de partir, de um “venham de onde

vierem, o que buscam é um ponto de aglutinação para a construção e o fortalecimento

de laços”, (MAGNANI, 2002, p. 22).

Segundo Magnani (2007) é no pedaço que se dá o encontro de iguais, neste espaço

eles desenvolvem as atividades comuns ao seu grupo. Isto se dá, espacialmente, dentro

do centro da cidade, através do sistema de apropriação, onde lugares que funcionam

enquanto pontos de referência para um número mais diversificado de frequentadores

ganha novos significados. Por meio da utilização do espaço urbano reconfigurando

aquela paisagem enquanto cenário da metrópole. O grupo nem sempre pode estar

presente naquele pedaço, contudo sempre que estiver será reconhecido não apenas

enquanto grupo, mas como parte integrante daquele espaço (MAGNANI, 2002).

A mancha é identificada por Magnani (2007) como um espaço de visível

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contiguidade perceptível através de equipamentos que caracterizam as práticas dos

indivíduos que ali se encontram. Visualizamos este termo na análise de Daniela Alfonsi

(apud MAGNANI, 2007) sobre, O forró universitário em São Paulo, na qual se

identifica as casas e os bares ligados à prática do forró como uma mancha, já que o

espaço, com diferentes frequentadores, possui a característica de atender um público

voltado a uma mesma prática, o forró.

Quando existe uma estrutura fixa, com um espaço que permite a circulação de

gente oriunda de várias procedências, ou seja, pessoas que chegam de diversos outros

pontos, e não existe o estabelecimento de laços mais estreitos entre eles, dá-se então

uma mancha. Para Magnani (2002, p. 22), as manchas são “áreas contíguas do espaço

urbano dotadas de equipamentos que marcam seus limites e viabilizam – cada qual com

especificidade, competindo ou complementando – uma atividade ou prática

predominante”.

Magnani (2007) afirma que dentro da paisagem mais ampla da cidade, pedaço e

mancha são diferentes. No primeiro caso, o fator predominante é a relação estabelecida

entre os membros, como resultado do manejo de símbolos e códigos. Já a mancha, ao

contrário, aglutinada em torno de um ou mais estabelecimentos, apresenta condições

para um leque mais amplo de relações entre seus equipamentos, edificações e vias de

acesso, que garante uma continuidade maior, transformando-a, assim, em ponto de

referência físico, visível e público para um número mais amplo de usuários. Para uma

diferenciação maior, Magnani (2002, p. 23) acrescenta que:

Diferentemente do que ocorre no pedaço, para onde o indivíduo se dirige em busca dos iguais, que compartilham os mesmos códigos, a mancha cede lugar para cruzamentos não previstos, para encontros até certo ponto inesperados, para combinatórias mais variadas. Numa determinada mancha sabe-se que tipo de pessoas vai se encontrar, mas não quais, e é esta a expectativa que funciona como motivação para seus freqüentadores.

A cidade, porém, não é um conglomerado de pontos, pedaços, manchas como diz

Magnani (2002) as pessoas circulam entre elas e fazem suas escolhas entre várias

alternativas. Mesmo quando se dirigem a seu pedaço habitual, dentro de uma mancha,

seguem caminhos que não são aleatórios, isto Magnani (2007) classifica como trajeto.

Este termo surgiu da necessidade de se categorizar uma forma de uso do espaço que se

diferencia principalmente do pedaço. O trajeto, em tese, aplica-se a fluxos recorrentes

no espaço mais abrangente da cidade e no interior das manchas urbanas. Trajetos ligam

equipamentos, pontos, manchas, complementares ou alternativos (MAGNANI, 2002). 7

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Segundo Magnani (2007) os trajetos levam de um ponto a outro por meios dos

pórticos, que são espaços, marcos e vazios na paisagem urbana que configuram

passagens. Magnani (2002, p. 23) complementa afirmando que os trajetos são:

lugares que já não pertencem à mancha de cá, mas ainda não se situam na de lá; escapam aos sistemas de classificação de uma e outra e, como tal, apresentam a “maldição dos vazios fronteiriços”. Terra de ninguém, lugar do perigo, preferido por figuras liminares e para a realização de rituais mágicos – muitas vezes lugares sombrios que é preciso cruzar rapidamente, sem olhar para os lados.

Ao partimos para o processo de identificação dos circuitos, observamos que estes,

segundo Magnani (2007), são caracterizados como espaços não contíguos interligados,

caracterizado pela sua utilização de interdependência à medida que a relação entre

indivíduo e espaço não apresenta uma continuidade. Ariana Rumstain (apud Magnani,

2007) identifica bem isto em sua análise “A balada do Senhor”, além de nos apresentar

os vários circuitos presentes entre a realidade gospel (gênero musical de determinada

religião) distingui três diferentes fluxos. O primeiro marcado por uma grande

concentração de pessoas e sua regularidade. O segundo possui um fluxo menor de

pessoas. O terceiro não possui regularidade. O que caracteriza o sentido de circuitos

dentro da realidade gospel é justamente o fato de não haver uma relação entre os

espaços, porém permitir o processo de sociabilidade entre os indivíduos.

Assim como a mancha e o pedaço, o circuito também mantém o exercício da

sociabilidade por meio de encontros, comunicação e manejo de códigos, porém não

depende da contiguidade e é mais independente com relação aos espaços, porém,

podendo ser levantado, descrito e localizado. O circuito é diretamente ligado a oferta de

bens e serviços, e comporta vários níveis de abrangência e delimitação de seu contorno,

é o que nos afirma (Magnani 2007).

Magnani (2002) por meio das noções já apresentadas analisa, em seu artigo “De

perto e de dentro”, as dinâmicas culturais e formas de sociabilidade nas grandes cidades

contemporâneas partindo de um olhar “de perto e de dentro”, sem muitos malabarismos

pós-modernos, dentro da chamada “antropologia das cidades complexas”.

Utilizando termos como “cidades globais” de Sassen (apud MAGNANI, 2002, p.

12) e de “cidades mundiais” de Borja (apud MAGNANI, 2002, p. 12), o autor analisa os

estudos acerca de um olhar de perto e de dentro especialmente nestas metrópoles, tanto

no que tange as de países de primeiro mundo, segundo, ou no que tange todas estas. É

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exposto que uma cidade global necessita, minimamente, de uma rede de hotelaria de

padrão internacional, sistema de transporte seletivo, sofisticadas agências de serviços

especializados, sistemas e empresas de informação de ponta; infra-estruturas mínimas

para a conectividade global. É necessário também que cada uma apresente um elemento

diferencial, de forma a torná-la competitiva na atração de capitais, mão de obra

especializada, realização de eventos internacionais, etc.

Magnani (2002) postula também que o planejamento estratégico destas cidades

prevê parcerias entre poder público e setor privado, e uma das principais propostas

dessa visão é focar áreas centrais, buscando a revitalização de espaços degradados e a

recuperação com novos usos de edificações e equipamentos “históricos” de forma a

atrair novos moradores, usuários e frequentadores. De acordo com Otília Arantes (apud

MAGNANI, 2002, p. 13), “a paisagem urbana é a fachada mais visível das cidades às

reviravoltas do capitalismo para continuar o que sempre foi”. Ela também afirma que a

mundialização do capital, que se dá econômica, tecnológica e midiaticamente acabada

por criar disparidades sociais, guetos multiculturais e multirraciais, bem como leva a

segregação de muitos grupos e ao mesmo tempo em que as desterritorializações

anárquicas, crescimentos anômalos e transgressivos. Ou seja, modificações dos espaços

sociais e da sociedade como um todo.

Magnani (2002) afirma a existência de estudos antropológicos que acabam por

excluir os moradores das grandes metrópoles, que dão vida à cidade. Estudos que visam

um interesse puramente capitalista e não engloba estes elementos por, em tese, não

serem importantes economicamente. Estes seriam um dos pontos principais que podem

ser supridos pela etnografia, ou seja, resgatar por meio de estudos das vivências destes

atores sociais, pois a incorporação destes e suas praticas permitem introduzir outros

pontos de vista acerca das dinâmicas das cidades, para além do olhar capitalista, do

interesse do poder.

Dentro dos estudos descritos por Magnani (1996) a escala de uma megacidade

mostra (e impõe) a transformação na distribuição e na forma dos seus espaços públicos,

e ainda nas relações destes com o espaço privado, no papel dos espaços coletivos e nas

maneiras que os agentes (moradores, visitantes, transeuntes etc.) usam e se apropriam

de cada uma dessas modalidades de relações espaciais. Daí a antropologia, por meio do

método etnográfico, se propõe a se perguntar se o exercício da cidade (suas práticas

urbanas e rituais de vida pública) não teria, no contexto das grandes cidades

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contemporâneas, outros cenários, e para isto é necessário utilizar-se de estratégias, já

que as grandes cidades integram o chamado “Sistema Mundial”, que produz e determina

estilos de vida, já que oferece serviços e oportunidades. Neste contexto, tem-se a

presença de minorias e segmentos diferenciados permitem trocas, arranjos, iniciativas e

experiências de diferentes matrizes.

Para Magnani (2002), as pesquisas não etnográficas parecem desconhecer os

grupos, as redes, os sistemas de troca, os pontos de encontro, as instituições, os arranjos,

os trajetos e muitas outras formas que o indivíduo participa efetivamente em seu

cotidiano de cidade. Daí que parte a pesquisa “de perto e de dentro”, que apreende os

padrões de comportamento não de indivíduos, mas do conjunto de atores sociais cuja

vida cotidiana transcorre na paisagem da cidade e depende de seus equipamentos. Para

Magnani (2002, p. 18) a pesquisa de perto e de dentro se dá por meio do:

olhar de perto e de dentro é partir dos próprios arranjos dos atores sociais em questão, ou seja, das formas que eles se avêm para transitar pela cidade, usufruir de seus serviços, utilizar equipamentos, estabelecer encontros e trocas nas mais diferentes esferas – religiosidade, trabalho, lazer, cultura, participação política ou associativa etc., em dois pólos: sobre os atores sociais (grupo e prática) e de outro lado a paisagem com que essa prática se desenvolve, entendida não como cenário, mas parte constitutiva em que essa prática se desenvolve.

Ele postula também que a pesquisa deve analisar o comportamento dos indivíduos

dentro da paisagem da cidade não através de suas particularidades, mas pelo que é

comum a todos os indivíduos pertencentes ao espaço em estudo. Isto significa não

mergulhar na fragmentação, mas ter a ideia de totalidade como pressuposto. A totalidade

enquanto ferramenta de pesquisa é perceber o comportamento comum dos envolvidos,

sem entrar nas particularidades de cada um. Um recorte bem estabelecido é condição

primordial, pois quanto mais específico, melhor para a análise da totalidade, porém, a

necessidade da totalidade vai além destes limites demarcados (MAGNANI, 2002). O

pressuposto da totalidade para a etnografia diz respeito a essa via de mão dupla: a forma

como é vivida pelos atores sociais e como é percebida e descrita pelo pesquisador.

Para chegar à idéia de totalidade, partindo das idéias de Magnani (2002),

compreendemos que isto se dá partindo da análise de um fato social aliado a uma

significação global. No campo da antropologia urbana, sobretudo nos estudos dos

grupos de jovens, há uma totalidade vivamente experimentada tanto no recorte de

fronteira quanto no código de pertencimento pelos integrantes do grupo. Ou seja,

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características, normas e comportamentos comuns a determinados indivíduos situados

em grupos e dentro disto, há de se reconhecer os planos intermediários, nos quais se

pode distinguir a presença de padrões e regularidades, e para distinguir isto, é preciso

atentar para a família das categorias, e poder identificar de forma clara sobre qual

estamos analisando.

A família das categorias se constitui terminologicamente enquanto pedaço,

trajeto, mancha ou circuito; e são resultados do próprio trabalho etnográfico, que

reconhece os arranjos nativos, mas que os descreve e os trabalha num plano mais geral,

identificando seus termos e articulando-os em sistemas de relações. (MAGNANI, 2002)

Magnani postula que, tomando como ponto de partida o espaço onde eram

praticadas, foi possível distinguir algumas oposições, nas quais os primeiros termos

davam conta da relação “em casa versus fora de casa” (DAMATTA 1997). Este termo

passou a ser usado para designar um tipo particular de sociabilidade e apropriação do

espaço urbano, no qual em casa, com parentes, há certo tipo de comportamento, na rua

há um comportamento tenso em vista a relação com estranhos e desconhecidos, e há um

domínio intermediário disto, que são os pontos onde se encontram os “colegas”,

“chegados”, “xarás” e etc. Este domínio intermediário geralmente é descrito nas

categorias supracitadas, especialmente no pedaço. (MAGNANI, 2002).

A dualidade comportamental. Dentro de Casa e na Rua

DaMatta (1997) nos apresenta uma dicotomia do comportamento social do

indivíduo brasileiro: a casa e a rua. Duas categorias sociológicas que podem contribuir

com a compreensão da sociedade brasileira de uma forma relacional – globalizada. O

conceito de categoria sociológica, no sentido preciso, foi definido por Durkheim e

Mauss. Ao transcrever esta definição em seu livro, DaMatta (1997, p.14) destaca que

para estes sociólogos franceses:

um conceito que pretende dar conta daquilo que uma sociedade pensa e assim institui como seu código de valores e idéias: sua cosmologia e seu sistema classificatório; e também para traduzir aquilo que a sociedade vive e faz concretamente – o seu sistema de ação que é referido e embebido nos seus valores. Pois um dos pontos mais importantes da mensagem desses autores foi chamar a atenção para o perigo que existe em separar, pior ainda, universalizar uma “razão teórica” ou moral/ideal por natureza e definição – uma outra razão pratica e contraditória por essência, razão que seria sempre mais verdadeira ou mais palpável que a outra, simplesmente por ter um “visibilidade” que nós lhe atribuímos.

Casa, rua e outro mundo são conceitos usados por DaMatta (1997) para explicar 11

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as ações, atitudes e as relações externalizadas pelos diferentes agentes sociais nesses

ambientes e com as sociedades. Daí a importância demonstrada pelo autor em tratar o

Brasil como uma sociedade relacional, em que casa, rua e outro mundo são categorias

sociológicas que exprimem divergências e em alguns casos convergências. Resolvemos

não trabalhar com o conceito de outro mundo, visto que não cabe a essa pesquisa lidar

com relações de críticas do mundo e idealização das sociedades.

Quando DaMatta (1997) define casa e rua como categorias sociológicas da

sociedade brasileira, ele afirma que as palavras não apontam simplesmente para espaços

fiscos (geográficos) mensuráveis. Tais definições vão além desta simplicidade,

atingindo as entidades morais, esferas de ação social, províncias éticas dotadas de

possibilidade, garantindo assim o despertar de emoções, inúmeras reações e leis

variantes. (DAMATTA, 1997)

O autor explica a diferença cultural entre o espaço público e o espaço privado. A

rua é o lugar do anonimato, do impessoal, onde não há espaço para ligações mais

especializadas. A casa, ao contrário, é o lugar da cordialidade, das relações íntimas.

DaMatta (1997) propõe uma relativização entre o espaço da casa e da rua. Esta

relação flui em direção ao espaço moral. A casa, segundo ele seria caracterizada por

espaço íntimo e privativo de uma pessoa. Contudo este espaço não pode ser mensurável,

posto que é definido por intermédio de contrastes, complementaridades, oposições.

Assim, este espaço pode aumentar ou diminuir, de acordo com a unidade que surge

com, o foco de oposição ou de contraste. Na casa se poderia ter opinião, chamar a

atenção, ter expressão; atos, que na rua, seriam condenados. Na Praça percebemos um

contraponto a esta visão de DaMatta se observarmos grupos oprimidos dentro da própria

casa.

Na rua existem oposições, representadas pela efemeridade e mobilidade e na rua

que segundo DaMatta (1997) se encontram os indivíduos anônimos ou subcidadãos,

fazendo oposição ao que para ele seriam os supercidadãos, agentes sociais inseridos no

espaço por ele identificado como casa – vigorando também nesse espaço o discurso da

impessoalidade, onde os segmentos dominantes tendem a tomar o código da rua para

produzirem o discurso global, a qual baseia-se em mecanismo impessoal, simbolizado:

pelo modo de produção; luta de classe; subversão da ordem, enfim, a lógica do

capitalismo. Nessa concepção o foco está somente nas leis, e não nos indivíduos.

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Para DaMatta (1997), na rua é possível sermos desrespeitados por aqueles que

representam a “autoridade”, pois somos vistos por eles como “subcidadãos” e por não

termos voz nesta condição apresentamos um comportamento confuso ao jogarmos o

lixo e sujarmos ruas e calçadas, sem cerimônia, e ao desobedecermos às regras de

trânsito.

Em sua maioria, os brasileiros não refletem na rua o mesmo espaço caseiro e

familiar, não observam a rua como espaço público no sentido de pertencer a todos, um

espaço comum. DaMatta (1997) destaca: a nossa sociedade tem uma cidadania em casa

e outra na rua.

Segundo o autor, determinadas expressões marcam a distinção entre casa e rua:

“vá para a rua!”; “vá para o olho da rua!”; “estou na rua da amargura!”, essas

expressões, podem ser interpretadas de forma a conotar rompimento e solidão. Mandar

alguém ir para “o olho da rua” significa rompimento e deixar alguém “na rua da

amargura” significa solidão, uma espécie de desproteção, a partir do momento em que a

pessoa estará sujeita às normas vigentes da rua.

Sabemos que essa concepção da rua e da casa é herança da nossa origem colonial,

pois o que permeia hoje as duas concepções teve inicio com as regras (normas)

estabelecidas e legitimadas pela sociedade colonial, de base escravista, patriarcal e

moralista. Normas estas relacionadas a atitudes, gestos, roupas, enfim, papéis sociais

aceitos pela sociedade da época.

DaMatta (1997), ao abordar a casa e a rua como categorias sociológicas, não as

faz como oposição absoluta, visto que as mesmas se reproduzem mutuamente, pois

também na rua há espaços ocupados no sentido da casa, onde determinados grupos

sociais vivem como “se estivessem em casa”. Contudo, é interessante perceber que de

fato o que motiva o autor a estudar a rua é a possibilidade de esta admitir as diferenças.

Na obra Desvio e divergência, organizada por Gilberto Velho (1989), o autor nos

apresenta, no texto de abertura, de autoria do próprio organizador e intitulado O estudo

do comportamento desviante, as discussões sobre os desvios de comportamentos ditos

“anormais” - diferentes - de indivíduos situados em um determinado contexto

sóciocultural. Sob a perspectiva da antropologia – e até mesmo de alguns autores que

possuem uma percepção não-estática da vida sóciocultural, o que facilita e muito o

diálogo com a antropologia – “desviantes” são aqueles indivíduos que não se adequam

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às normas vigentes e aceitas pela maioria de uma determinada sociedade.

Velho (1989) se preocupa em relativizar as abordagens carregadas de preconceito

e intolerância e produzir um conhecimento menos comprometido do fenômeno. Ele

argumenta no sentido de mostrar que o individuo que não se “adapta” as regras da

sociedade — aceitas pela maioria — não é um individuo “doente”, “incapaz”, ou seja,

seu problema não é patológico. Com a ajuda da Antropologia Social, Velho (1989)

pretende mostrar que o próprio caráter do sistema sociocultural no qual o individuo está

inserido, é o que permite entender os comportamentos desviantes. Porém, antes de se

aprofundar nestas questões, é preciso saber como a Patologia Social trabalha a questão

dos desviantes. Patologia Social pode ser compreendida como um estado relativamente

prolongado de alteração ou ausência da “normalidade” de uma organização, instituição,

sistemas ou da sociedade em termos globais. Tais normalidades sociológicas podem ser

explicadas por diversas características: recusa por parte dos atores ou de certos grupos

de se orientarem segundo o quadro normativo de determinada sociedade, por meio da

ruptura com estas normas ou fraca implementação desta no universo do indivíduo.

Segundo Velho (1989) o problema crucial não é a ênfase na harmonia e o

equilíbrio na vida social, mas a ideia de que essa harmonia e esse equilíbrio surgem

automaticamente, são próprios da visão da sociedade. Merton (apud VELHO, 1989) até

considera a possibilidade de haver conflitos e desequilíbrios, mas a “tendência natural”

é o retorno ao equilíbrio e harmonia. Para esse autor, a mudança tem sempre um caráter

de exceção. A crítica de Velho (1989) é no sentido de observar que para Merton os

comportamentos individuais desviantes são gerados pelas condições patológicas do

sistema social, Velho (1989) vai à contramão dessa argumentação, para ele o desviante

não é produzido por uma sociedade “doente” ou “opressora”, nem é aquele que está fora

de sua cultura, mas o que faz uma leitura divergente. É o próprio caráter desigual,

contraditório e político de todo o sistema sociocultural que permite entender os

comportamentos desviantes.

Segundo Velho (1989), o problema dos desviantes tem sido proposto a partir de

uma perspectiva médica, tentando distinguir o indivíduo “normal” do “anormal”. De

acordo com esta visão, a solução seria, então, questão de diagnóstico e cura. Para Velho

(1989) “normal” é um valor social que está ligado à ideia de eficiência. Segundo ele,

todo grupo em sua natural vocação de continuidade e consecução de objetivos de bem-

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estar busca – despercebidamente, ou não – resultados com maior ou menor habilidade.

A eficiência condiciona os padrões de normalidade. Dentro dessa linha de raciocínio, o

“anormal” seria a perturbação dessa eficiência, algo que incomoda o grupo, que o

ameaça em sua organização.

Na perspectiva de Velho (1989), o “anormal” é o desviante, o que destoa do

grupo, desvia-se da orientação seguida pela maioria (não no sentido quantitativo). Velho

(1989, p. 17) dá ênfase a essa conotação problemática que se dá à noção de desviante:

a ideia de desvio, de um modo ou de outro, implica a existência de um comportamento ‘médio’ ou ‘ideal’, que expressaria uma harmonia com as exigências do funcionamento do sistema social. Dentro dessa oposição ‘normal-anormal’, aquilo que é esperado, que está de acordo com uma ordenação, é o normal. Percebe-se então que a questão de manutenção de uma ‘ordem’ é central na classificação dos comportamentos socialmente desviantes.

Para Velho (1989, p. 27-28):

O “desviante” dentro da minha perspectiva, é um indivíduo que não está fora de sua cultura mas que faz uma “leitura” divergente. Ele poderá estar sozinho (um desviante secreto?) ou fazer parte de uma minoria organizada. Ele não será sempre desviante. Existem áreas de comportamento em que agirá como qualquer cidadão “normal”. Mas, em outras áreas divergirá, com seu comportamento, dos valores dominantes.

Para finalizar o capítulo em que trata essa questão, Velho (1989) afirma não

querer levantar nenhuma polêmica psiquiátrica, mas reconhecer nos atos aparentemente

“sem significado”, “doentes”, “marginais”, “inadaptados” etc., a marca do sociocultural.

Considerações finais

Para DaMatta (1997) as sociedades são entidades vivas, que possibilitam uma

determinada categorização e uma variação, combinações e segmentações, contendo

ainda graus variáveis de intensidade e exigindo lealdade de ordens diversas

(DAMATTA, 1997). Para isso DaMatta (1997) nos apresenta o Brasil como uma

sociedade relacional, visto que mais importante que os elementos em posição, fixados

em pontos específicos, é a conexão entre eles a exemplo: família e economia; costumes

e classes sociais, e aqui utilizamos o “e” e não o “ou”, por que, segundo DaMatta

(1997), as interpretações dualísticas do Brasil não estão englobando o objeto de estudo,

ou seja, as sociedades brasileiras e suas ações na casa e na rua. Para ele, se quisermos

descobrir essas conexões devemos estudar a sociedade brasileira de modo aberto, se

utilizando de processos que possam ser capaz de captá-la em seu movimento, que

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sempre é no sentido da relação e da conexão.

Pensar a cidade como construção simbólica de determinados grupos, afirma

Magnani (1997), possibilita ver que ela não rejeita seu papel de mercado, encontrando

sua melhor definição, provavelmente, neste termo, pois além de mercado de trabalho, de

trocas materiais, é o lugar onde os grupos efetuam também – e especialmente – suas

trocas simbólicas.

No livro Na Metrópole, organizado por José Guilherme Magnani e Lillian de

Lucca Torres, foi possível encontrarmos um outro olhar sobre a cidade de São Paulo,

um verdadeiro diálogo com a antropologia urbana brasileira sobre as características do

estilo de vida de grupos distintos que trafegam nos espaços dessa megalópole brasileira.

Mostra, ainda, que a antropologia urbana brasileira está bem atuante, proporcionando

reflexões, levando sempre em consideração as características de um campo que segundo

os próprios autores está ainda na fase do amadurecimento. Nesta obra, percebemos a

forma como os capítulos publicados discorrem sobre as atitudes que integram as

relações urbanas que impõem regras e preferências aos deslocamentos e cotidianos na

metrópole. Contudo, é explícito o esforço para não sobrepor os valores e percepções dos

pesquisadores aos dos grupos pesquisados.

Magnani descreve sucintamente como foi organizada a obra e fazendo um breve

histórico sobre a antropologia e suas teorias, conceitos e métodos vão ao encontro de

problemas como o de abordar agrupamentos humanos situados em sociedades

complexas.

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