A Ciência do Costume. In. Padrões de Cultura. Lisboa, 2000. - BENEDICT, R

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    C A P A D E A . P E D R O

    Reservados todos os direitos pela legislao em vigorLisboa Janeiro de 2000

    Edio fei ta por acordo com aROWOHLTS DEUTSCHE ENZYKLOPADI E

    COLECO VIDA E CULTURA\-RUTH BENEDICT

    P A D R E S D EC U L T U R AT R A D U O D E

    ALBERTO CANDEIAS

    EDIO LIVROS DO BRASIL LISBOARu a dos Caetanot, it

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    lA CINCIA DO COSTUME

    j Costumes e ComportamentoA antropologia ocupa-se dos seres hum anos como pro-dutos da vida em sociedade. Fixa a sua ateno nascaractersticas fsicas e nas tcnicas iadustrjlsT~iasconvenes e valores que distinguem uma comunidade de todasas outras que pertencem a^ttma tradio diferente. que distingue antropologia"das autuas cincias sociais o eia.fijcluir ro~ser campo, .para/ as escudar eiudadosairseiite,jociedades que no so a nossa sociedade. Pax os seus finsqualquer norma socM de caaamienita e de reproduo temtanto significado como aquelas que nos so prprias, mesmoque "seja a dos Dyalcs do Mar, e^no. em. jualqiiiear,possvelrelao histrica com da nossa cjyjjlfzao., Paia o antropolo-gisba," s'injossos costumes e os de -uma tribo da Nova Guinso dois esquemas sociais possveis. qa .tratam do amesino pro-blema, e cumpre ao aoiCropoIogisCa, enquanto antropologigta,evitar ttxta e qualquer apreciao de voo , em favor do outro.foter^sa-o a cocdtsta humatt, tSo comiT moddaida por um acerta tradio, a nossa tradio, mas como o foi por qualquertradio, seja ela qral for. Jntereasa-o a vasta gama de costu^em culturas diferentes, e o seu objectivo

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    compreender o modo como essas culturas se transformam e sediferenciam, os faunas diferentes por que se exprimem, e amaneira como os costumes de quaisquer povos funcionam nasvidas dos indivduos que os compem.

    Ora o costume no tem sido considerado assunto degrande importncia. O funcionamento ntimo do nosso crebro,eis o que nos parece constituir a nica coisa digna de estudo;o costume, temos tendnrfo {"ara pfnrcairi f "orriMlt? " * i"fo rm a mais vulgar. De facto, o oonitrmo que verdade.O costn imeftra ri ioinal, considerado peto mundo em geral, uma- massa de conduta pormenorizada ms espantosa do queo que qualquer pessoa pode jamais revelar nas aces indivi-duais, por mais aberrantes. E no entanto isto tzm aspecto um

    i tanto trivial da questo. Q._que ygxia o papel predomiiisainfie q u _ e . j O ~ oostumfe desempenha a

    ] experimentai na vida diria, e inO;,,qne_se-or, e as ._ mente grandes variedades sob qute _Bod^jmamfestiHse.^^

    A herana da criana

    pensar. Nem mesmo as suas concepes filosficas ele con-segue su,btrair-se a esses esteretpos; at: rajseiBjJMiceitos do\ieidadeiH)..e^dp_.feto_s^ainda referidos aiosiseus..pp:tiu]larescQstuoxes .istadidonais. John Dewey disse perifeitaimenile a srioque o papel desempenhado pelo costume momoldar do com-portamento do indivduo, comparado com qualquer maneirapor que este possa afectar o costume tradicional, est namesma proporo que a totalidade do vocabulrio da sualngua materna compararia com os termos da sua linguageminantil adoptados no vernculo da famlia. Quando se estradama srio ordens sociais que se puderam desenvolver aiutonoma-

    [H

    mente, aquela comparaio no mau que uma exacta obser- , ,(vaao de faoto. A-histriada..;vJdaiadividue} encima, de. tudo, uma ,acom!pdap_ajps..padres..de

    Y medida fa^jc ipnla j lme gerao^para geracp,.... Desde que o indivduo vem ao mundo

    os__costumj65L;dQ_ambienite em que masceu moldaim a sua expe-Mncia dos factos e a sua condim. Quando comea a falar,ele o frutozMi da sua cultura, e quando crescido e capazde 'tomar parte nas actividades desta, os hbitos dela so osseus hbitos, as crenas dela, as suas crenas, as incapacidadesdela as suas inoaipacidades. Todo aquele que nasa no seugrupo delas partilhar com ele, e todo aquele que nasa numgrupo do lado oposto do globo adquirir a milsima parte dessaherana. Nenhum outoo pnoblenVa scia] roas cabe anais foro-samente conhecer do que este do papel quje o costumedesem-penha na formao do imdviidup. Enquanto no pudermoscomipreendeir es suias les e as suas variedades, os principaisfactos que complicam a vida humana contBiUiairo a ser parans ininteligveis.

    A nossa falsa perspectivaj O estudo do oosaume-so-iips .pode 'apro^tor depois de

    deases postulados tmencxwitrad erguda contra st "uima oposio vialenita. Bm pri-meiro"luigaf "fiado bTegCudo cientfico exige a aiffinciia de trata- ],manto preferencial de um. ou ouitiro dos temmoB da sfee ||

    para ser eatudaite'. Bm todos os campos meras sujei-tos a controvrsia, como o estudo dos cactos, ou das trmites;ou da natureza das nebulosas, o mtodo de estudo a seguir o de A g ru p a r o materiai signfficaitvo e registar todas asjiossfvek formas e condies variantes. Foi deste modo queaprendemos tudo o que sabemos das leis da astronomia, oudos hbitos dos Insectos sociais, por exemplo. S no estudo

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    do prprio homem que as mais importantes cincias sociaissubstituram aquele' mtodo peto estudo de uma- vadaip\ antropologia) foi, por definio, impossvel enquantoestas distines, entre m s prprios e o primitivo, ns prpriose o Brbaro, nos prprios e o pago, ps .dominaram o esgoto.

    Fo i necessrio comear por atingir aquele grau de afinamentointelectual em que j no pomos a nossa crena em contrastecom a superstio do nosso vizinho; foi. _aieoessfcio_sabef re-gremiKas, isto : o sobrenatural, devem ser consideradas sobo. mesmo ngulo, aquelas como a aossa prpria, para que talimpossibilidade desaparecesse.

    i Na primeira metade do sculo xix este postulado demen-tar no podia: ocorrer nem sequer ao esprito rnafc esctoejgdo^dentre as pessoais da civilizao Ocdentail. O homem, aitravsdf toda, a uahistoria. defendeu como um ponto de honraa odeia da sua incompanabSldade, do seu carcter de ser excep-cional. No .tempo deVgopjrnjco/esa ydvindioaSo de supre-caT era de 'tal modo ambiciosa que 'inclua trsm Terraem que ele vive, e oseulq wv (recusousse.cpm paxlo B admitira subordinao deste planeia a ocupar apenasA S T I lugar n -C r eooutras no sistema isolar. No tempo de^amvinj; eodo cedidoao inimigo o sistema solar, o homem lutou com todas asamuas de que dispunha pela exclusividade da aima, atributoinconcebvel dado por Deus ao homem, de maneira (tal quenegou -a descendncia do homem de quaisquer membros doreino amimai. Nem a falta de comtruidaide lgica da argumen-tao, nem quaisquer duvidais sobre a natuireza dessa alma,nem sequer & circunstncia de o sculo xix no ter procuradoafirmar a sua fraternidade com quaisquer estranhos ao gruponenhum destes factos contaram contra a magnfica exal-tao que se manifestou rapidamente perante a indigndiadeque a evoluo propunha confira o conceito da excepcionaE-dade do homem, ser lrnco entre os seres.

    Ambas essas batalhas se podem considerar ganhas sengo j v pelo menos eon breve; mas a luta s mudou de frente.Hoje estamos perfeitamen/6e dispostos a admitir q o u e a revo-luo da terra em torno do Sol, ou a descendncia animal dohomem, quase wada > t m que ver com a excepcionalidade dasnossas realizaes humanas. Se habitamos um qualquer pla-neta dentre mirades de sistemas solares, tento maior glriapara ns, e se todas as heterclitas .raas humanas esto liga/das,por evoluo, com o animal, tanto miais radicais so asdiferenas demo nstrveis entre ns e qualquer BinmaJ, e tantomos notvel a unicidade das nossas instkuSes. Mas a s ^nossas reali2a5es,as nossa_mstitules so nacais, incampa-_de i imordem ^feerenit)e^ag_das^ raas inferiores

    ff r ?**$$?* rijado o custo. De sorte que, ou sejaUm a questo de imperialisiao, ou de preconceito de raa, oude comparao entre Cristianismo e paganismo, continuamosenvaidecidos com a unicidade, ngo das imstuiees humanasdo mundo em gerai, com que, iadis, nunca ning-um se preo-cupou, mas das nossas prprias instituies e realizaceis,_da-nossa civilizaio.

    COIlfllSO d e C O S t u me local C.am Natnr/>7n knmnnnA civilizao Ooidenitel. devido a circunstncias histricasfortuitas, teve < u m a expanso mais vasta do qte a de qualqueroutro grupo locai at hoje conhecido, EstarDdawEzou-se porsobre a (major parte da glmhn. e fom.ce, pois, levados a aceitaria cjienjcaijajurJfoiimdaide da orgjujaJiMmana'-que noutrascircunstncias no teriai sorgido. At povos muito primitivos

    t m , por vezes, muito im a is forte conscincia do ue ns, osocidentais, do papel das feies cultunais, e por onuito boasrazes. Sofreram a experinciai ntma de culturas diferentes.Viram a sua religio, o seu sistema econmico, as suas restri-es matrimoniais tombarem perante o branco. Renunciaram[16] CULTURA

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    a mas e aceitaram outras, muitas vezes com bem grandeincompreenso delas; mas vem com clareza que existemvrios arranjos da vida humana. Atribuiro, por vezes, centoscaracteres.dommaiufies do branco sua concora-neia comercial,ou s suas instituies militares, muito da forma por que ofazem os antropologistas._OJ>rancot esse, -tem tido uma experincia diferente. Nunca,porventura, ter visto ura homem de outra civilizao, a noser que o homem de outra civilizao j esteja europeizado.Se viajou, muito provavelmente f-lo sem uraca r .ficadofora de um hotel cosmopolita. Pouco gabe de quasquerjna-netras de viver quengo sejam as suas. A uniformidade decostumes, de pontos de vista.., que v em volta, de si parecem--Ihe suficientemente convincentes, e esconde das suas vistas ofacto de que se 'trata, afinal, de rum acidente histrico; Aceitasem anais complicaes a> equivalncia' da natureza humana edos seus prprios padres de cultura.E no encanto, ia grande \expamisao da civilizao branca,

    no uma circunstncia histrica isolada. O grupo Polinsio,em pocas relativamente recentes, espraiou-se desde Ontong,Java, at Ilha da Pscoa, de H a v a at Nova Zelndia; e astribos de Lngua Bantu espalharam-se desde o Sara fricado Sul.Mais ns em nenhum caso consideramos esses povoscomo mais do que uma variao local hipertrofiada da espciehuma na . A civilizao Ocidental teve todas as suas invenesem meios de transporte e todas ais suas organizaes comer-ciais te largo mbito, a apoiar a sua. vasta disperso, e fcilcompreender historicamente como isto sedeu. j > A nossa cegueira perante outras culturas

    As consequncias psicolgicas deste, expanso da ouJftunabranca tm sidodesproporcionadais quaindo comparadas com. Esta difuso cultural iam giau[18]

    mundial tm-nos- impedido, como- noraca o homem o foi ataqui, de rtomar a srio as civilizaes dos outros povos; temfeito que a nossa cultura e e nossa unSvensalidade maciatenham, desde h (muito tempo, deixado de tomar em consi-derao o que de essncia histrica, e que asBeninosser,pelo contrrio, necessrio e inevitivel. foterpretaimos a depen-.econmica,jxinio prova de qjteue$a a priimante cm^ qu"lnat$teai 'pode conf i a < r ,mais,_que o aSp^rtt^enito das crianas tal comove imoldadoE^nossa..civilzaBO . e_ regia^o nas clnicas;vpsicologia infaitl ou o modo por que o ainimal humanojovem tem de se comportar. O mesmo se d quer se trateda nossa tica quer da < a a s s a > organfizao familiair. O que defen*demos a inevita/bHidade de cada motivao fennliax, tisempre idendficair os nossos modos locafe de comportamento.com Comportamento, ou os otossos prprios hbitos em sooie-dade. com Natureza Humana, "no -\, o homem modera > f e z desta tese tim

    tncias vitais do seu pensar e da ema conduta prtica, mas asfontes de qoie ela provm 'recuam at ao qw, a avaliar pelasua existncia O&.J ^ G; ^so fora das disposies do cdigo moral que observado dentro dq/uem Kumriamenite ee nega .?mnomes deowra^^povos primitivos se irecoiAe

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    estar ixxteada por povos que partilham dassuas artes e inven-es materiais, de prticas complicadas que se desenvolveramatravs de trocas mtuas de comportamento entre m povoe ouitro.OJromem primitivo n;u! iw3a cpnisiderou o muidgjnem viua Humanidade como se fosse um grtcpo, .nem fez_aufia. xmumcom a sua espte. Desde indo foi um habitante de ma pr-vniciai que se isolou, por meio de altas barreiras. Quer se tra-tasse de escolher mulher ou de cortar umacabea', a primeiradistino que fazia, e a mais importante, era entne o seu pr-prio giMpo humano e os fora do grmio. O seu grupo e todosos seus modos de comportamento, eram nicos.De modo que o homem moderno, quando distingue PovoEleito e estrangeiros perigosos, grupos dentro da sua prpriacivilizao gentica e culturahnerate aparentados v e m . com ooutro, como quaisquer 'tribos na < selva australiana o so, tempor trs da sua atitude a justificao deuma longa conitinldadehistrica. Os pigmeus tm as inesmias pretenses. E no nos fcil libertatmwNnos de .uma feio humana 'to fundamental,ma s podemos, pelo menos aprender ai confessar a sua historiae as suais polmorfas manifestaes.Um a dessas manifiestaes, e aquela que muitas vezescitada como primria e ctmdicioniada mais por emoes reli-giosas do que por este mais generalizado provineialismo, aatituide rniiversatoieate sustentada nas dvilizaes Ocidentais/na medida em que a neligio se conservou entre elas umacircunstntiai viva. A distino entre quajigjjer grupo fechadoe pQ3a-esaaahQS_toipBr^e. em eiroftWle-.TeliftiS.. a de verda-

    g l Durante milhares de anos nohaviaponos de contacto entre estas duas categorias. No havianuma delas, ideias ou instituies que fossem vlidas na outra.Pelo contrrio, todas as omsttuices eram consideradas anta-gnicas, s por pertencerem a uma ou a oufirai das, muitasvezes, levemente diferenciadas religies: de um lado era umaquesto de Verdade Divina e de verdadeiro crente, de 'revelao[20]

    e de Deus; do outro era uma questo de erro mortal, def buias, do maldito e de demnios. No se tratava de equacio-nar as atitudes dos grupos em oposio, e por consequncia,de compreender atravs de dados estudados objectivamente anatureza desta importante feio humanareligio.

    reconceitos de raaN s sentimos uma certa superioridade justificada quandose aceita uma caracterizao, como esta, da atitude religiosapadro. Pelo menos desembaramo-nos daquela absurdidadeespecial, e aceitmos estudar comparadamente as religies.M as considerando o alcance que uma atitude semelhante temtido na nossa civilizao sob a forma de, por exemplo, pre-conceitos de .raa, justifica-se certo cepticismo quanto a sera nossa largueza de vistas, em questes de religio, devida ao

    facto de termos superado a cndida infantilidade de viso,ou simplesmente ao facto de a religio ter deixado de ser otablado em qu e se pem em cena as grandes batalhas da vidamoderna. I > J a s quest ...reahnmte.yitete... ...9{!LYlJe9S9oparece estarmos ainda longe de ter adquirido a atitude desin-teressada que to largamente alcanmos no .campo da^reUgio.Outra circunstncia fez do estudo srio do costume umadisciplina ainda em atraso e muitas vezes cultivada com hesi-tao, e esta uma circunstncia mais difcil de vencer do queaquelas a que vimos de nos referir. O costume no provocoua ateno._dos, -teorizadores- sociais porque ele .constitua aprpria.,substnda.da.seu.pj3nsar:_era,^ppr assimJizcr, a lentesemj^qyaLnada_pMiajr^^mental,_eidjtia_ fora_da . sua_atenco . canscjent Tal. cegueiranada tem de enigmtico. Depois de um investigador reunirs~vstos~aa~do necessrios para o estudo de crditos inter-nacionais, ou do processo de aprender, ou do narcisismo comofactor de psiconeuroses, por intermdio e dentro deste corpo

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    de dados que Q OU O PSJCOlOf-ista. ou o psiquiatraoperam. No toma em considerao o facto de outros com-plexos sociais em que, porventura, todos os factores se dispemde uma maneira diferente. Isto , no conta com o condicio-namento cultural. V o aspecto que est a estudar como mani-festando-se de modos conhecidos e inevitveis, e apresentaestes como se fossem absolutos, porque a eles se reduzem todos

    ae-fee servem para trabalhar racionalmente. Iden-Jifjcanvse_atitudes locais da dcada de trinta,_conL-natUfezahumana^ e a sua caracterizao, com Economia e Psicologia.Na prtica, isto. muitas vezes, no importa. O s nossosfilhos devem ser educados na nossa tradio pedaggica, e oestudo do processo de aprendizagem nas nossas escolas oque realmente importa. Da mesma forma se justifica o en-colher de ombros com que muitas vezes se acolhe uma dis-cusso de outros sistemas econmicos que no o nosso. Afinal,temos de viver dentro do quadro do meu e do teu que a nossaparticular cultura estabelece.Isto , realmente, assim, e o facto de as variedades deculturas se poderem discutir melhor tais como existem emespao, pretexto para a nossa aonchalance. Mas apenasa limitao de material histrico o que impede que se tiremexemplos da sucesso das culturas em tempo. Essa sucesso

    coisa a que no podemos furtar-nos, mesmo que o queiramos,e quando olhamos mesmo s uma gerao para trs que seja,ento compreendemos at que ponto foi longe a reviso, porvezes no nosso mais ntimo comportamento. A t aqui taisrevises tm sido no deliberadas, mas o resultado das cir-cunstncias que s retrospectivamente podemos figurar. .E seno fosse a nossa relutncia em enfrentar mudanas culturaisem questes essenciais, enquanto elas se nos no impem, noseria impossvel assumir uma atitude mais inteligente e autori-zada. Aquela relutncia em grande partg n - n \ anossa incompreensojtas convenfipjculturais. e especiajmejxte.umjjuMimacjp daguelas^que pertencem nossa nacj?"^^

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    nossa dcada. U m conhecimento mesmo escasso de outrasconvenes e de como elas podem ser diferentes das nossas,contribuiria muito para promover uma ordem social racional.O estudo de culturas diferentes tem ainda outro alcancemuito importante sobre o pensamento e o comportamento dehoje em dia. A vida moderna ps muitas civilizaes em con-tacto ntimo, e no momento presente a reaco dominante aesta situao o nacionalismo e o snobismo racial. Nunca,mais do que hoje, a civilizao teve necessidade de indivduosbem conscientes do sentido de cultura, capazes de verem objec-tivamente o comportamento socialmente condicionado deoutros povos sem temor e sem recriminao.Desdm pelo estrangeiro no a nica soluo possvel donosso actual contacto de raas e nacionalidades; esta nemsequer uma soluo cientificamente alicerada, A tradicio-nal intolerncia anglo-saxnica uma feio cultural, local etemporal como qualquer outra. Mesmoum povo to aproxima-damente do mesmo sangue e da mesma cultura como o espa-nhol dela no sofreu, e o preconceito de raa nos pases decolonizao espanhola uma coisa completamente diferentedo dos pases dominados pela Inglaterra e pelos EstadosUnidos. Nestes no se trata evidentemente de uma intolern-cia dirigida contra a mistura de sangue de raas biologica-mente muito distantes, porque ocasionalmente a exaltao to grande contra o catlico irlands em Boston, ou o italianona Nova Inglaterra, como contra o Oriental na Califrnia. a velha distino entre o grupo de dentro e o grupo de fora,e se neste aspecto continuamos a tradio primitiva, temosmuito menos desculpa do que as tribos selvagens. Ns viaj-mos, orgulhamo-nos das nossas vistas desempoekadas. Ma sno conseguimos compreender a relatividadejfos hbito? cul-trais, jcontjjaufnos_privads~a^muito proveito e dejgtoprazer nas nossas relaes humanas com povos de diferentestipos de cultura, e a no ser dignos de confiana nas nossasrelaes com eles.

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    O reconhecimento da base cultural do preconceito deraa hoje uma necessidade desesperada na civilizao Oci-dental. Chegmos a ura ponto em que alimentamos precon-ceitos de raa contra os nossos irmos-de sangue, os Irlande-ses, e em que a Noruega e a Sucia falam da sua inimizadecomo se tambm eles representassem sangues diferentes. A cha-mada linha racial, durante um a guerra em que a Frana e aAlemanha se batem em campos opostos, mantm-se para di-vidir o povo de Baden do da Alscia, ainda que somaticamenteambos pertenam sub-raa alpina. Numa poca de movi-mentos sem embaraos e de casamentos mistos, na ascendnciados elementos mais desejveis da comunidade, pregamos, semcorar de vergonha, o evangelho da raa pura.O homem moldado pelo costume n o pelo instinto

    A isto a antropologia d duas respostas. A_pjneir;a res-peita natureza da cultura,.e a segunda natureza da herana.A resposta respeitante natureza da cultura eva-nos ati ssociedades pr-humanas. fl sociedadesem que. a .Naturezaperpetua o mais tnue modo de_cQmpprtamento por meio demecanismos biolgicos, ma s tais,sflcjedades no s3o.de homens,so de insectos. A formiga rainha, transportada para um ninhosolitrio, reproduzir todas as feiSes do comportamentosexual, todos os pormenores do ninho. Os insectos sociais re-presentam a Natureza n o disposta a correr quaisquer riscos.O padrlo de toda a estrutura social, confia-o ao comporta-mento instintivo da formiga. No h maior nmero de proba-bilidades de as classes sociais de uma sociedade de formigasou de os seus padres de agricultura se perderem pela sepa-rao de uma formiga do seu grupo, do que de a formiga n ovir a reproduzir a forma das suas antenas ou a estrutura doseu abdmen.Fejjz_ou infelizmente, a soluo do homem ocupa o plo

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    oposto. Nada da sua organizao social tribal, da sua lingua-gem, da sua religio local trnsportdcVri ^nal. Na Europa. m sculos passados, quando se encontravamcrianas que tinham sido abandonadas e se tinham conservadoem florestas, separadas de outros seres humanos, eram de talmoda parecidas entre si que Lineu as classificou como umaespcie partej Homo ferus, e sups qu e eram um a espciede anes raros. No podia conceber que tivessem nascido dehomens, esses brutos idiotas, esses seres sem interesse no quese passava sua volta, oscilando ritmicamente para trs e paradiante como qualquer animal de jardim zoolgico, com rgosda fala e da audio qu e ma l podiam educar-se, que resistiamao frio apenas com uns farrapos e tiravam batatas de gua aferver sem o menor incmodo. claro que n3o havia qualquerdvida que se tratava de crianas abandonadas na infncia,.e o que a todas faltara fora a associao com os seus seme-lhantes, s atravs da qual as faculdades do homem se afiname ganham forma.

    Hoje, na nossa civilizao, mais humanitria, j no seencontram crianas selvagens. Mas o facto ressalta com igualclareza de qualquer caso de adopo de uma criana em outraraa ou cultura.famflia ..a ^^adoptivos as atitudes, correntes, entre^as^ crianas _com qnembrinca, e encarreira-se para as mesnias. profisses_ qu e _elasescolhem. Aprende todo o conjunto de feies culturais._ . sociedade que adoptou, e o grupo dos seus verdadeiros proge-nitores no desempenha em. ud o isto qualquer papel,.O mesmose passa em grande escala quando populaes inteiras sedesembaraam da sua cultura tradicional em duas ou trsgeraes e adoptara os costumes de um grupo estrangeiro.A cultura do Negro americano nas cidades do norte veio aaproximar-se em todos os pormenores da dos brancos nasmesmas cidades. H alguns anos, quando se fez um recensea-mento cultural era Harlm, um dos traos peculiares aos

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    Negros era a moda que seguiam de apostar nos trs ltimosalgarismos dos investimentos da bolsa no dia seguinte. Pelomenos saa mais barato do que a correspondente predilecodos brancos por jogarem na prpria bolsa, e tinha a mesmaincerteza e era igualmente excitante. Era uma variante dopadro branco, mas nem por isso se afastava muito dele.E a maioria das feies de Harlm conservam-se ainda maisprximas das formas correntes em grupos brancos.Po r toda a parte, e desde o princpio da histria dohomem, se demonstra que certos povos puderam adoptar acultura de povos de outro sangue. No h na estrutura biol-gica do homem nada que torne isto sequer difcil, muito menosimpossvel. O homem n n nhngado. pela sua constituio

    a "tHanr Jormenor a qualquer variedade par-MJeater-4e_cornj)ortamento. A grande diversidade de solues\spor ele em diferentes culturas relativamente unio

    i dos sexos, por exemplo, ou ao comrcio, so todas igualmente\sna base dosseus dotes originais. A cultura no ujjt

    que seja transmitido bllogicamente.em _rez3j.cQropejisaclo pelas vantagens dejuma major pjastddade.No animal h\umno~i^'sr^i^\c,_

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    r * '

    ticamente equivalentes, e nessas condies a expresso heredi-tariedade racial faz sentido. Mascojno_cgnceite-aplicado a.^jjtuBps espalhados por^uma^rea vasta,, djgamo&_no^ caso dosNrdicos, no tem qualquer base real. Em primeiro, lugar, emtodas as naes nrdicas h linhagens de famlia qu e tambmso representadas em comunidades alpinas ou mediterrneas.Qualquer anlise da constituio fsica de uma populao euro-peia apresenta zonas desobreposio: o Sueco deolhos e cabelosescuros representa linhagens de famlia que so mais concen-tradas para o Sul, mas ele deve ser considerado em relao aoque sabemos destes ltimos grupos. A sua hereditariedade, namedida em que tem qualquer realidade fsica, uma questoda su a linhagem de famlia, que no se confina Sucia. N osabemos at qu er ponto tipos fsicos podem variar sem entre-mistura. Sabemos que o intracruzamento provoca o apareci-mento de um tipo local. Mas este caso quase no se d hanossa cosmopolita civilizao branca, e quando se invoca a^^hereditariedade racial, como habitual, para reunir umgrupodejejsoas com, .aproximadamente, a mesma posio econ\, com cursos de.jproxiinadamente, as mesmas escolas; e

    ~queTetn~os mesmossemnarios, tal jgtejgaa_4Jia(|ajmgs_dQ.qe outra verso do grupTTdenfrologrmio e do grupo forado grmio, e no se refere verdadeira homogeneidadegiea do grupT^^^3JfilJd^eJigaj3S_homens a sua c u l t u r a asideas-e-osrp_adrjoj5~qTie tm JBU,comum,. fegnrVBZjle escolherura . smboJb..xomohere_ditAneda(3e jde"sangue xomumr e deparvorar em mntn { n a c n %'jrisse qntcs a sua ateno para acultura que une Q seujgpj r>oixda.-cm-jflleyp _ps seus mritose reconhecendo os diferentesvlres' quTse podem desenvolvernuma cultura olfercnitrs"ub^HtuIiia uma esp^cie.de simbolismpperigoso, por ser.enganador, por um pensar realista.

    [28]

    -* ^*- *\Qazao para se fazer o estudode_j>ovosprimitivosjNo pensar social necessrio um conhecimento de diferen-tes formas de cultura, e este livro ocupa-se deste problema dacultura. Como acabmos de ver, forma do corpo, ou raa, separvel de cultura, e, para o fim que temos em vista, talconceito pode se r posto de parte, excepto em certos pontos emqu e po r qualquer razo especial passe a ser relevante. Umadiscusso de cultura exige em jprimeiro lugar que se baseie njirnalarga seleco eformas culturais gossveis. S assim poderemosdistinguir, entre aqueles^ajustamentos humlmos^uIXiSMntecondjaonados_eos_que_.so comuns e, tanto quanto "podemossaber, inevitY^.jia.,h_umanidade. No poHrSs, "pTlntrbs-peco ou por observao de qualquer sociedade, descobrir quecomportamento instintivo, isto , organicamente determi-nado. Para classificarmos de instintivo qualquer comporta-mento, no basta provar que ele automtico. O reflexocon-dicionado to automtico como o determinado organica-

    mente, e reaces culturalmente condicionadas constituem amaioria do nosso vasto equipamento de comportamento auto-mtico. EQj^pnsequncia_ojnaterial mais significativg_gara o casod_uma (jiicusso de^ormaTprocssTcilltrFio das socie-_____ .r ___ n - i ^ -dades tanto_quint~gosavel historicamite^poiicp relacionadascom a nossa e entre si. Com a vasta rede decontactos liistricosqu e asgrndes civilizaes espalharam sobre enormes reas,as culturas primitivas so hoje a nica fonte a que devemosrecorrer. Elas so um laboratrio em que podemos estudar ajiversidkde^^stitulcjesjumanas. Com o seu relativo isola-mento, muitas regies primitivas tiveram ao seu dispor vriossculos em que puderam elaborar os temas culturais de que seapropriaram. Fornecem-nos, prontas para serem estudadas,informaes relativas a possveis grandes variaes em ajusta-mentos humanos, e para qualquer compreenso dos processosculturais essencial um exame crtico desses ajustamentos.

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    este o nico laboratrio de formas sociais de que dispomosou disporemos.Este laboratrio tem outra vantagem. Os problemas pem-seaqui em termos mais simples do que nas grandes civilizaesOcidentais. Com as invenes que tomam fceis os transportes,com cabos internacionais, telefones, rdiotransmisso, aquelasinvenes que asseguram permanncia e vasta distribuio daimprensa, o desenvolvimento de grupos profissionais, cultos eclasses em concorrncia e a sua uniformizao por todo omundo, axUzaajnodOTiia^t^mou-^^demasiadamente com-para -isso,.&e._frAcane.jeiR,pjquenasseces arjtffciais.J^estasanlises.paisiis^^oJnadequadas^orque-muitQs.iacojes exter-nos que_se.apresentam noApodem ser controlados. Uma revistade qualquer grupo envolve indivduos provenientes de gruposheterogneos opostos, com padres diferentes, diferentes objec-tivos sociais, relaes familiares e moralidade. A inter-relaodestes grupos demasiadamente complicada para a avaliarmoscom o necessrio pormenor. Na sociedade primitiva, a tradiocultural suficientemente simples para que_o_saberjde cadaadulto a abranja, e os modos" ofjbrocejder-e a-moralJLgrupoajustam-se a . u^mpjdro^ge^KUan definido. B possvel nesteambiente simples, avaliar a inter-relao de aspectos de umaforma impossvel nas correntes que se chocam na nossa com-plexa civilizao.Nenhuma destas razes para insistir nos factos de culturaprimitiva tem nada que ver com o uso que classicamentese tem feito deste material. -EsxLUSQjeisaya origens..Os, antrqpjDlogista^,anteriores tentavam jdisporjtodos osaspectos ie_culturas^^ dtffirenles^numa, s!qH.ncia..eyj!>lutiyaljesdeasjprimeiras formas at ao seu desenvolvimento ltinia.riaj;ivi-Nlizacp Ocidental. Masnlo se deve supor que ao discutir a reli-gio Australiana, e no a nossa, ns, estamos a revelar a religioprimitiva, ou que ao discutir a organizao social Iraquiana

    -v-5-V-.

    revertemos aos hbitos de acasalamento dos primeiros ante-passados do homem.Um a vez que somos forados a aceitar que o homem cons-titui um a espcie, conclui-se da que por toda a parte o homemtem atrs de si um a histria igualmente longa. Jijpossyeljiueceltas tribos primitivas; sejtenham conservado mais; prximas jde formas primitivas de comportamento do que o homem civi-lizado, mas pode suceder que isto seja apenas relativo, e asnossas^ suposies tanto poder ser verdadeiras como errneas.N o se justifica que identifiquemos qualquer primitivo costumeactual com o tipo original de comportamento humano. Noponto de vista de mtodo_s,hL um a maneira de atingirjSnSconhecimento aproximado desses estdios primitivos da huma-nidade; pelo estuoT Hi C. *! 11611'1n!*n?e?t) SfeToes"unversais ou quase universais da sociedade humana.Muitas so Ibera^conTbecidas. Dentre'""elas todos concordam emcontero animismo j1) e as restries exgamas sobre o_casa-%.mento. Mais questionveis so as concepes, que afinal mos- 'tram ser muito diferentes, sobre a alma humana e sobre um a jvida futura. Crenas quase universais como estas ltimas, podem fjustjficadamente considerar-se como invenes humanas extraor-dinariamente antigas. O que no quer dizer que as consideremosdeterminadas biologicamente,pois quepodem ter sido invenesmuito primitivas do homem, feies de bero que se tor-naram fundamentais em todo o pensar humano. Em lltimaanlise podemser to socialmente condicionadas como qualquercostume local. Ma s tornaram-se desde h muito automticasno comportamento humano. So antigas e universais. Mas nopodemos concluir da que as formas qu e hoje se podem obser-va r sejam as formas originais surgidas nos tempos primitivos,Nem h qualquerprocesso de reconstituir essas origens a partirdo estudo das suas variedades. Podemos isolar o ncleo uni-

    P) Crena na existncia do esprito -em 'toda a Natureza.(N. o T. alemo)

    [303 [31]

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    versai da crena e derivar dele as suas formas locais, mas apesardisso ainda possvel que a feio particular tenha surgido deuma forma local pronunciada e no de qualquer mnimo deno-minador comum de todas as formas observadas.Po r isto, a utilizao de costumes primitivos no estabele-cimento de origens 6 de natureza especulativa. possvel for-mular um argumento em apoio de quaisquer origens que sedesejem, origens que se excluam mutuamente ou que sejamcomplementares. De todas as utilizaes de material antropo-lgico, este aquele em que especulao seguiu especulaomais rapidamente, e em que, pela prpria natureza da questo,no possvel fazer prova.To-pquo a razo de utilizar sociedades primitivas na dis-cusso de formas sociais est necessariamente^reicionada comum romntico regresso ao primitivo... Ele no se filia em qual-quer esprito de poetizao dos povos menos evoludos. Sobmuitos aspectos a cultura de um ou outro povo seduz-nos forte-mente nesta era de padres heterogneos e de confusa agitaomecnica. Mas n3o num regresso a ideais conservados porpovos primitivos para nosso proveito, que a nossa sociedadecurar os seus males.- O romntico Utopianismojgue anseia peloprimitivo mais simples,, por atraente .que por,vezes, possa ser,constitui nos estudos de antropologia tanto um .empecilho, comoum auxlio.S Oestudo cuidadQsgjas sociedades primitivas hoje. comoL

    x dissemos, importante, maspor fornecer matgnafpira o estudoV 3TfEs^pVessosculturaisJ. Aiuda-nos a distinguiFsTs-j _pos!tas espedfieas id^"tpos_culuira& Iois7 idslue slj^gerais naHumanidade. Alm disto ajudln3ros~aravalaFVc~mpreender-! o papel imensamente importante de comportamento cultural-

    i smente condicionado.A cultura, com os seus processos e funes,^--tim assunto sobre que necessitamos todo o esclarecimentopossvel, e em nada como nos factos das sociedades pr-letradasns podemos buscar colheita mais compensadora.

    [ 3 * ]

    A DIVERSIDADE. DE ULTHBASO vaso da vida

    U M chefe dos ndios Digger ('), como os habitantes daCalifrnia lhes chamam, falou muito -comigo a rs- peito dos hbitos do seu povo em tempos idos. Eracristo e pioneiro entre os seus na cultura de pssegos e alpercesde regadio, inas ao falar dos xatas que. vira ele com os seusolhos, se tinham transformado em ursos durante a danswfos--ursos, as mos tremiam-lhee a voz vibrava de emoo. Era umacoisa extraordinria a energia do seu povo nos tempos antigos.Mais do que tudo gostava de falar do que o deserto lhes davacomo alimentos. Tratava cada planta que arrancava, comamore com uma segurana absoluta da sua importncia. Nessestempos o seu povo tinha comido da sade do deserto, diziaele, e ignorava tudo a respeito de latas de conserva e do quese vendia nos talhos. Tinham sido estas inovaes que tinhamacabado por faz-Ios degenerar.Um dia, sem transio, Ramon comeou a descrever como

    < > ) ndios Dgger, os autctones da Grande Eccia. (N, do T.alemo)

    3 - P. BE CULTURA. [331

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    se esmagava o mendobi e se preparava sopa de bolota. No prin-cpio, diria, Deus deu um vaso a cada povo, um vaso debarro, e por este vaso bebiam a sua vida. No sei se o smboloaparecia em qualquer rito tradicional do seu povo que nuncadescobri qual fosse, ou se era inventado por ele. difcil admitirque o tivesse recebido dos brancos que conhecera em Banning;estes no eram gente que discutisse o etos de diferentes povos.Seja como for, no esprito deste ndio humilde a figura de ret-rica era clara e rica de significado. Todos enchiam o seu vasomergulhando-o na gua, conthuava, mas os vasos eram dife-rentes. O nosso quebrou-se; desapareceu.O nosso vaso quebrou-se. Aquilo que tinha atribudo sgni-! ficado vida do seu povo, os rituais domsticos de tomarem-os alimentos, as obrigaes do sistema econmico, a sucessoidos cerimoniais nas aldeias, o estado de possessos na dana dojurso, os padres do bem e do mal' tudo desaparecera, e comjisso a forma e o significado da sua vida. O velho conservava-se! ainda vigoroso e continuava a ser quem orientava as relaes(dos seus com os brancos. No queria ele dizer, com aquele

    j modo de se exprimir, que se tratava de qualquer coisa como aextino do seu povo. Mas no seu esprito havia como que aconscincia da perda de qualquer coisa que tinha um valorigual ao da prpria vida,

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    sejam afins da nossa resulta de tentarmos relacionar sistemasfonticos estranhos, com o nosso prprio romn popt^ do r * f A ,rncia. .. Ns s reconhecemos um K. .Se outras tm cincosons diferentes de K localizados em diferentes pontos na gar-ganta e na boca, -nos" impossvel compreender diferenas devocabulrio e de construo que dependem daquelas locali-zaes enquanto n o dominarmos estas. Ns temos um de um n. Entre eles pode haver um som intermedirio que, seno conseguimos identific-lo,. representaremos ora por um < fora por um, n, introduz indo distines que no existem. "A-con-dio prvia elementar da anlise lingustica possuir a.cons-.cincia desse incrvel nmero de sons ao nosso dispor, d quecada linguagem escolhe uns tantos.Tambm em cultura temos de imaginar um grande arcoem que alinham os interesses possveis que^o ciclo da vidahumana , ou o ambiente, ou as vrias actividades do ho m emTbfflecem. Um a cultura que acumulass"mesmo um a proporoconsidervel desses interesses seria to inteligvel como um a' todos Qpenses glticas, todas as labiais, dentais, sibilantes, e guturaisda s mudas s tnicas, das orais s nasais. O seu carcter distin-tivo, como um a cultura, depende da escolha de certos seg-mentos desse arco. Toda_a-SQCedgde humana, onde quer que^eja^jeajizQULessa egcojha nas suas insrttujrj^rnilfTira^ Cadaum a delas, do ponto de vista de qualquer "outra," ignora o que

    l essencial e explora o que irrelevante. Uma cultura quaseno reconhece valores monetrios; outra tornou-ds fundamen-tais em todos os campos do comportamento. Numa sociedadea tcnica inacreditavelmente desdenhada, mesmo naquelesaspectos da vida que parecem necessrios para garantir a sobre-vivncia; em outra to simples como ela, os aperfeioamentostcnicos so extraordinariam ente complexos e admiravelmenteadequados a cada situao. Um a erige um a enorme superstra-tura cultural sobre a adolescncia, outra, sobre a morte, outraainda, sobre a vida futura.

    [36]

    O caso da adolescncia particularmente interessante, jporque est em foco na nossa civilizao, j porque sobre eledispomos de informa es suficientes relativas a outras culturas.Entre ns toda um a vasta bibliografia de estudos psicolgicosps em relevo a inevitvel inquietao do perodo da puber-dade. Na nossa tradio ele um estado fisiolgico to precisa-mente caracterizado por exploses domsticas e por rebelio,como a tifide o pela febre. No so os factos que faltam.Na Amrica so comuns. O problema est antes na sua inevi-tabilidade.

    i. Maneiras diferentes em diferentes sociedades4^" de considerar a adolescncia e a puberdadeO exame mais perfunctrio dos modos como diferentessociedades tm considerado a adolescncia, pe em evidncia oseguinte facto: mesmo naquelas culturas que do mais impor-tncia a esje-aspecto^ aCidade emjque. fa^em incdirji sua^aten-o varia nu m largo, interv.alcude,anos, , pois, imediatamenteclaro que se continuamos a pensar em termos de_j>uberdadebiolgica as chamadas; insttuiSes-de_pubecdade .j o,jama.j3idesignao. vj>uberdaje_jjue elas consideram de naturezjciai, e as cej^6ius~rTespndenfe_so uni* reconhecimento,varivel na forma, da .nova condio do estado de adulto dacriana. Esta investidura em novas ocupaes e obrigaes consequentemente to variada e culturalmente to condicionadacomo so aquelas m esma s ocupaes e obrigaes. Se o nicodever considerado honroso do homem adulto so os feitosguerreiros, a investidura do guerreiro faz-se mais tarde e de

    natureza diferente da de uma sociedade em que o estado deadulto confere o privilgio de danar numa representao dedeuses mascarados. Para compreendermos as instituies depuberdade no da anlise da necessria na tureza dos rituaisde^transio que ns precisamos; do que precismos , antes,[ 37 ]

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    de^saber o quedem jifergnjes culturas..seJdentifia .conxQJnfcio i.?a?e de a

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    Um dos mais ingnuos deste gnero a instituio da casa-de-engorda para raparigas, na frica Central. Na regio em que abeleza quase se identifica com a obesidade, a rapariga na puber-dade segregada, s vezes durante anos, alimentada com gor-duras e substncias doces, e no desenvolve qualquer actividade,e fricciona-se-lhe o corpo repetidamente com leos. Duranteesse perodo ensinam-se-lhe os seus futuros deveres, e a reclusotermina com uma exibio da sua corpulncia a que se segue ocasamento com o noivo, orgulhoso. Quanto ao homem no seconsidera necessrio que ele atinja semelhante forma de apa-

    . rente beleza.As ideias usuais em torno das quais as instituies de pu-berdade gravitam, e que no se alargam naturalmente aos|rapazes, so as relacionadas com amenstruao. A impureza

    5 da mulher menstruada uma ideia muito espalhada, e e m certas\sa primeira menstruao tomou-se o foco em que con-

    vergem todas as atitudes com ela relacionadas. Os ritos de pu-berdade nestes casos tm um carcter completamente diferentedos daqueles de que j: falmos. Entre os ndios Carrer da' Colmbia Britnica, o temor e o horror da puberdade de umarapariga atingiu o grau mximo. Os seus trs ou quatro anosde isolamento designavam-se pela expresso .enterramento emvida, e durante todo esse tempo ela vivia sozinha na selva,numa cabana de ramos afastada de todas as veredas frequen-tadas. Constitua uma ameaa para todo aquele que sequera visse, mesmo s de fugida, e as suas meras pegadas poluamum carreiro ou um rio. Andava coberta com uma grande capade pele curtida que lhe escondia a cara e os peitos e por trslhe caa at aos ps. Os braos e pernas estavam carregadosco m tiras de tecido tendinosb, para a proteger do esprito maude que estava possessa. Em perigo, ela mesma, constitua paraos outros uma fonte de ameaas.As cerimnias de puberdade das raparigas, fundamentadasnas ideias que se associam ao menstruo, so facilmente conver-teis no que, do ponto de vista do indivduo em questo, o

    [40]

    comportamento exactamente oposto. H sempre dois aspectospossveis do sagrado; ele pode ser uma fonte de perigos ou umajonte de bnos. Em certas tribos a primeira menstruaoda rapariga umT grande bno sobrenatural. Assim, entreos apaches, vi os prprios padres passarem, de joelhos, diante dafileira de solenes rapariguihas, para delas receberem a bnode os tocarem. Todas as criancinhas e os velhos acorrem tam-bm at elas, para que os aliviem dos seus" males. As adoles-centes no so segregadas como fontesde perigos, mas rende-se--Ihes preito como a fontes de bnos sobrenaturais. Pois que asideias em que assentam os ritos de puberdade das raparigas,se fundamentam em crenas relativas menstruao, tantoentre os Carrier como entre os Apaches, aqueles no so exten-sveis aos rapazes e a puberdade destes celebrada em vezdisso, e superficialmente, com simples testes e provas de vi-rilidade. 'De modo que o comportamento de adolescncia, mesmonas raparigas no era ditado por qualquer carcter fisiolgicodo prprio .perodo, rnas sim por requisitos maritais ou mgicoscom ele socialmente relacionados. Estas crenas faziam que aadolescncia fosse numa tribo serenamente religiosa e ben-fica, e noutra, to perigosamente impura -que a adolescentetinha de advertir os outros em altos gritos, para que evitassemna selva a sua proximidade. A adolescncia das raparigas podetambm, como vimos, ser um tema qu a cultura no institu-cionaliza. Mesmo onde, como na maior parte da Austrlia, aadolescncia dos rapazes recebe um tratamento complicado,pode suceder que os ritos sejam uma entrada na situao doestado de adulto e na participao do macho em questSes detribo, e que a adolescncia da fmea passe sem qualquer esp-cie de reconhecimento formal.Estes factos, porm, deixam ainda sem resposta a questofundamental. N&)rjtojrj]is_as^ult^^_ ^\urbacoesjiarurais deste perodo, mesino que se. lhes .no-dexpre^io_Mtitcibn? Dr> Mad estudou esta.questo em

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    Samoa. A a vida da rapariga passa por perodos bem caracte-rizados. Os seus primeiros anos depois da infncia, passa-os empequenos grupos vizinhos de companheiras da mesma idade,de que os rapazes so estritamente excludos. O cantinho daaldeia a que ela pertence o que realmente importa, e os rapa-zitos so seus inimigos tradicionais. O seu dever tratar dacriana de idade infantil, mas em vez de ficar em casa a cuidardela, leva-a consigo, e assim os seus divertimentos no soseriamente prejudicados. Alguns anos antes da puberdade,quando j ganhou forcas suficientes para se lhe poderem exigirtarefas mais pesadas e se tomou suficientemente sensata paraaprender tcnicas que exigem mais habilidade, o seu grupo,em que cresceu e brincou, dispersa-se. Passa a usar trajes demulher e cabe-lhe cooperar na lida da casa; Para ela este pe-rodo bem pouco interessante, e no passa de calma rotina.A puberdade no altera nada.

    Passados anos, depois de ser mulher feita, comeam ostempos agradveis denamoricos casuais e irresponsveis qtie elaprolongar tanto quanto possa at ao momento em que con-siderada j capaz de casar. Nenhuma manifestao social re-conhece expressamente a sua puberdade, nem mudana deatitude nem expectativa. Tudo se passa como se a sua timidezde pr-adolescente continuasse durante alguns anos. A vida derapariga, em Samoa, absorvida por outras consideraes queno a de maturao fisiolgica do sexo, e a puberdade passacomo um perodo particularmente apagado e calmo duranteo qual no se manifestam quaisquer conflitos de adolescente.A adolescncia, por consequncia, no s no celebrada prarqualquer cerimoniai, com~njEi-

    . i -

    i tncia na vida_ernoeional da raparigapara com ela. na atitudf tla_ aldeia

    [42]

    Povos que nunca ouviram falar de guerraA guerra outro tema social que pode ser ou no consi-derado em cada cultura. Onde se lhe liga grande importncia,pode ter objectivos diferentes, diferente organizao relativa-

    mente ao Esto, e arrastar consigo sanes diferentes. Pode serum meio de obter cativos para sacrifcios religiosos, comosucede entre os Astecas. Comoos espanhis combatiam, segundoo modo de ver Asteca, para matar, faltavam s regras do jogo.Os astecas perderam a coragem, e Corts entrou vitorioso nacapital.H, at, em diferentes partes do mundo, noes a respeitoda guerra que so, do nosso ponto de vista, ainda mais singu-lares. Para o fim que nos propomos basta notar o que se passanaquelas regies em ,que no se encontram meios organizados dematana mtua entre grupos sociais. S a nossa familiaridadecom a guerra torna inteligvel que um estado de guerra alternecom um estado de paz nas relaes de uma tribo com outra.Esta ideia, , naturalmente, perfeitamente vulgar em vriaspartes do mundo. Mas, por um lado, para certos povnp- & inrnn-cebvel um estado de paz, o que para a sua maneira de ver,sena equivalente a admitir- tribos.mirrgasjDaJSilgoria_de sereshumanos que, por definio,-eles no sorrnesmo-que_a_ttibpexcluda possa ser da mesma raa e ter a.men^jcjriturajqueas outras.Por outro lado, pode ser igualmente impossvel a um povo,conceber um estado de guerra. Rasmussen fala-nos da perplexi-dade com que o Esquim reagiu sua exposio do nossocostume. Osesquims compreendem perfeitamente que se mateura homem. Se ele se lhe atravessa no caminho, deita contas sua prpria fora e, se se sente capaz de o fazer, mata-o.Se o que matou forte, no h interveno social. Mas a ideiade um a aldeia esquim atacar outra aldeia esquim em ar deguerra, ou de um a tribo atacar outra tribo, ou, at, de outraaldeia poder ser legitimamente atacada de emboscada, para

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    eles completamente estranha. Matar sempre matar, e no sedistinguem,no acto, categorias, como ns fazemos: ser o matar,num caso coisa meritria e noutro ofensa capital.Eu prprio tentei falar de guerra aos ndios da Misso, daCalifrnia, mas era coisa impossvel. A sua incompreenso deum estado de guerra era irredutvel. N o havia na sua culturabase em que assentasse tal ideia, e as suas tentativas de pro-curar interpret-la racionalmente reduziam as grandes guerras,a que ns estamos prontos a entregar-nos com fervor moral,a meras desordens de vielas. N o tinham na sua cultura padronada que lhes permitisse distinguir uma coisa da outra.A guerra ,vemo-nos forados a admitir, mesmo perante olugar enorme que ocupa na nossa civilizao, um aspectoassociai. No caos que se seguiu Segunda Grande Guerra Mun-dial, todos os argumentos que lio decorrer dela se apresentavampara explicar o alto preo da coragem, do altrusmo, dos va-lores espirituais, soavam desagradavelmente a falso. Guerra, nanossa civilizao, o melhor exemplo dos excessos de destrui-o at que pode conduzir o desenvolvimento de uma feioculturalmente escolhida. Se justificamos a giirra porquetodos os povos justificam os aspectos de que se sentem possui-dores, no porque a guerra resista a um exame objectivo dosprprios mritos.

    Costumes relacionados com o casamentoA guerra no um caso isolado. Em todas as partes domundo e em todos os nveis de complexidade cultural possvelencontrar exemplos da elaborao presunosa e, afinal de

    contas, associai de uma feio da cultura. Esses casos slo damxima clareza onde, como por exemplo, emnormas de regimealimentar ou de acasalamento, a tradio vai contra osjmjmsosbiol|icos^ organizao social, em antropologia, tem um sig-nificado inteiramente especializado, devido unaniit44l

    tente em todas as sociedades, em acentuar os grupos-de.-paren>.je oCasamento proibido.. No. h.nenhum povoem que toda a mulher seja considerada,.como uma,,esposapossvel. Isto no um meio de, como muitas vezes se supe,evitar unies consanguneas, no sentido. em que isto nos familiar, porque em muitas partes do mundo a esposa prevista uma prima muitas vezes a filha de um tio materno. Osj?a-rentes a qu e aprojbico se.refere,cariam, radkalmente^-povo^_gara povo,, mas todas as sociedades humanas se^assemelharn.no respeitante a fazer restries dese-tiper-O incesto, mais doque qualquer ideia humana, tem tido, em cultura, constantes ecomplicadas elaboraes. Osgrupos de.incesto so muitas vezesas unidades funcionais mais importantes da tribo, e os deveresde cada indivduo em relao a qualquer outro definem-se pelassuas relativas posies nesses grupos. Tais grupos funcionamcomo unidades em cerimoniais religiosos e em ciclos de trocaseconmicas, e enorme o papel que tm. desempenhado nahistria social. "~Algumas religies consideram moderadamente tabu oincesto. A despeito das restries feitas, pode haver um nmeroconsidervel de mulheres com que um homem pode casar.Noutras o grupo que tabu, alarga-se, em virtude de umafico social, de modo a incluir grande nmero de indivduosque no tenham quaisquer antepassados comuns discernveis,e a escolha de um a consorte consequentemente excessiva-mente limitada. Esta fico social tem expresso inequvocanos termos de relao de parentesco usados. Em vez de dis-tinguir parentesco linear de parentesco colateral, como nsfazemos na distino entre pai e tio, irmo e primo, um dostermos usados significa, literalmente, homemdo grupo de meupai (parentesco, localidade, etc.) da sua gerao sem distinguirentre linhas directa e colateral, mas fazendo outras distinesqu e ns nlo fazemos. Certas tribos da Austrlia oriental usamum a forma extrema deste chamado sistema de classificaode parentesco. Aqueles a quem chamam irmos e irms so os

    v .-

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    da sua gerao com quem reconhecem ter qualquer parentesco.A categoria primo ou qualquer coisa que lhe corresponda n5oexiste; todos os parentes da gerao de um indivduo so seusirmos e irms.Este modo de avaliar o parentesco mais comum do quepode julgar-se, mas na Austrlia h, alm disso, um horror semigual pelo casamento com uma irm, e um desenvolvimentosem paralelo de restries exgamas. Assim os Kurnai, com oseu sistema de classificao de parentesco levado ao extremo,sentem o horror caracterstico do australiano peias relaessexuais com todas as suas irms, isto , com as mulheres dasua gerao que de qualquer modo com eles so aparentados.Alm disto, os Kurnai tm regras locais estritas que presidem escolha de uma companheira. Por vezes duas localidades da squinze ou dezasseis que pertencem mesma tribo, so obrigadasa trocar as mulheres, e no escolher esposas em qualquer outrogrupo. Mais ainda, como sucede em toda a Austrlia, os velhosso um grupo privilegiado, e o s seus privilgios vo at poderemcasar com as raparigas jovens e atraentes. Resulta destas regras

    que, claro, em todo o grupo local que deve por prescrioabsoluta fornecer a um mancebo um a esposa, no h raparigaqu e no caia dentro do campo destes tabus. Ou uma das quepo r parentesco com a me daquele sua irm, ou foi j nego-ciada por um velho, ou por qualquer razo menos importante vedada ao pretendente.Isto no leva os Kumai a reformular as suas regras deexogamia. Insistem em que elas sejam respeitadas, por todasas formas de violncia. Por consequncia, o nico meio por queconseguem casar-se " levantando-se francamente contra as re-gulaes, recorrendo ao rapto. Logo que a aldeia tem conheci-,mento do que se passou, lana-se em perseguio dos fugitivos,e se o par apanhado, matam os dois. No importa que, comopode suceder, os perseguidores se tenham casado tambm porrapto. A indignao moral enorme. H , porm, um a ilha que consideradarefgio seguro, e se os fugitivos conseguem chegar

    l e a se conservarem at que lhes nasa um filho, quando devolta so ainda recebidos com pancadas, certo, ma s podemdefender-se. Depois de aceitarem o repto e de passarem entrefilas de . homens, e de serem por eles aoitados e espancados,assumem ento o estado de pessoas casadas na tribo.Esta maneira de os Kurnai resolverem o seu dilema cultural bem tpica. Alargaram e complicaram um aspecto particularde conduta at ao ponto de o tomar um impedimento. Ou tmde o modificar, ou o rodeiam por subterfgio..Ao recorreQosubterfgio_evitam a extino, e mantm ajma^ tica sem alte-rao jpatente. Este modo de tratar o mores nada perdeu como progresso da civilizao. A gerao antecedente da nossacivilizao defendeu a prostituio, e nunca os louvores damonogamia foram to fervorosos como nos grandes tempos do sbairros da lanterna vermelha s portas. Associedades justificamsempre as frmulas tradicionais favoritas. Quando estas soexcedidas e se recorre a alguma nova forma de comportamentosuplementar, presta-se preito frmula tradicional como seesteno existisse.Entzetecimento de feies culturais

    -Esta rpida H f, n u U u r a i f f pe aclaro vrios falsos conceitos coirtuns. rm primeiro,!iicar as instfrtuies que as culturas humanas erigem sobre as indicaes ?dadas pelo ambiente ou era virtude das necessidades fsicas do .homem, no-S&jnantmsem sedegvia rem do impulso' original^to mtegrlment comTcilmnte se julga. quelas indicaesso, na realidade, meros esboos grosseiros, uma lista de factoscrus. So potencialidades nfimas, e a elaborao que em voltadelas se borda ditada por muitas consideraes estranhas questo, ^jjuerpi nn _ a "ypiwMn r ln inf l imi H^-ff^^sidad"A belicosidade do homem uma caracterstica to nfima nocarcter humano que pode nem ter qualquer, expresso nls[47]

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    relaes entre as tribos. Quando institucionalizada, a frmulaque assume segue outras linhas de pensamento diferentes dasimplcitas nojmpulsojMJ|inal>Belicosidade no passa de um; leve ponto de contacto na bola do " costume, e un r ponto, almdisso, que pode no ser tocado.Estemodo de ver os processos cukuraisjxjge uma rectifi-cac~~d

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    lei social geral os resultados de uma fuso local de feies, outomamos a sua unio como um fenmeno universal. O gran-dioso perodo da arte plstica da Europa foi motivado religiosa-mente. A arte pintou e tornou propriedade comum as cenasreligiosas e os dogmas, fundamentais no ponto de vista desseperodo. A esttica europeia moderna teria sido absolutamenteoutra se a arte medieval tivesse sido puramente decorativa eno tivesse feito causa comum com a religio.No ponto de vista puramente histrico tm-se, no campoda arte, dado grandes acontecimentos notavelmente alheios motivao e utilizao religiosa. A arte pode manter-se defi-nitivamente alheia religio, mesmo onde uma e outra atin-giram alto desenvolvimento. Nos povos do Sudoeste dos EstadosUnidos> as formas de arte da olaria e dos tecidos provocamgrande respeito nos artistas de qualquer cultura, mas os seusvasos sagrados usados pelos padres ou prprios dos altares soinferiores, e as decoraes, rudes e no estilizadas. Nalgunsmuseus tm-se posto de parte objectos religiosos do Sudoestepor estarem muito abaixo do nvel tradicional de habilidade.Os ndios Zunis dizem, querendo significar que as exignciasreligiosas eliminam toda a exigncia de perfeio artstica:Temos de, representar aqui um a r. Esta distino entre artee religio no um carcter exclusivo dosPueblos. Certas tribosda Amrica do Sul e da Sibria fazem a mesma distino, aindaque a manifestem de maneiras diferentes. No utilizam a habi-lidade artstica para servir a religio. Em vez, pois, de buscar-mos fontes da expresso artstica em um assunto localmenteimportante, a religio, como os velhos crticos de arte por vezestm feito, devemos antes investigar at que ponto arte e religiomutuamente se interpenetram, e as consequncias de tal inter-penetrao para a arte e a religio.

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    ""SP Espritos guardies e visesA interpenetrao de diferentes campos da experincia,

    e a consequente modificao que para eles da resulta, podeexemplificar-se por factos de todas as fases da existncia:economia, relaes entre os sexos, folclore, cultura materiale religio. O processo pode ser ilustrado por uma das feiesreligiosas largamente espalhadas dos Amerndios do Norte. Portodo o continente, em todas as reas de cultura, excepto a dospovos do Sudoeste, o poder sobrenatural obtinha-se atravs deum sonho ou viso. O xito na vida, segundo as suas crenas,resultava de um contacto pessoal com o sobrenatural. A visode cada um conferia-lhe poder para durante toda a vida, e emcertas tribos renovava-se constantemente o contacto com osespritos buscando novas vises. Fosse o que fosse que ele visse,um animal ou uma estrela, um a planta ou um ser sobrenatural,fazia de quem o visse um protegido pessoal, e aquele que assimficava sob a sua proteco, podia a isso recorrer quando o ne-cessitasse. Ele tinha deveres a cumprir para com o seu patronoem viso, oferendas a dar-lhe e obrigaes de toda a espcie.Em troca, o esprito conferia-lheos poderes especficos que lheprometera no momento da viso.Em cada grande regio da Amrica do Norte este complexoesprito guardio tomava formas diferentes segundo as outrasfeies da cultura com que estava mais intimamente associado.Nos planaltos da Colmbia Britnica associava-se com as ceri-mnias de adolescncia a que nos referimos. Rapazes e rapa-rigas, nessas tribos, iam, na adolescncia, para as montanhas,para realizarem um treino mgico. As cerimnias de puber-dade esto largamente espalhadas ao longo de toda a Costa doPacfico, e na maior parte dessa regio so completamentedistintas das prticas do esprito guardio. Mas na ColmbiaBritnica confundiam-se. O clmax do treino de adolescnciapara os rapazes era a aquisio de um esprito guardio quepelos seus dons ditava a profisso do jovem para toda a vida.

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    Seria guerreiro, sacerdote, caador, jogador, segundo o quelhe ditasse a viso sobrenatural. A s raparigas tambm recebiamos seus espritos guardies, que representavam os seus laboresdomsticos. A _ experincia do espfritn -gmmtim~*titrp estespovos est/to profundamente moldada pela sua associaocom o cerimonial de adolescncia, que antropologistas queconhecem essa regio tm sugerido que todo o complexo daviso dos Amerndios tem a sua origem nos ritos de puberdade.Mas no h correlao gentica entre as duas coisas. Confun-dem-se, localmente, e ao confundir-se ambos os aspectos assu-miram formas especiais e caractersticas.j Noutras partes do continente, a busca do esprito guardio no tem lugar na puberdade, nem levada a cabo por todos\s jovens da tribo. Logo, o complexo no tem nestas culturasl qualquer espcie de parentesco com os ritos de puberdade!mesmo quando estes existem. Nasplancies do Sul o homemadulto que busca as sanes msticas. O complexo da viso con-funde-se com um aspecto muito diferente dos ritos de puber-dade. Os Osage esto organizados em grupos de parentesco em

    que a linhagem vlida a paterna, sendo a materna desprezada.Estes grupos cll tm uma herana comum de bno sobre-natural. A lenda de cada cl diz como o seu antepassado buscouum a viso e foi abenoado pelo animal cujo nome o cl herdou.O antepassado do cl do mexilho buscou sete vezes, com aslgrimas correndo-lhe pelo rosto, uma bno sobrenatural.Por fim encontrou o m exilho e dirigiu-se-lhe dizendo.Oh meu-av.Os pequeninos no tm nada de que faam os seus corposAo que o mexilho respondeu:Dizes qu e os pequeninos no tm nada de que faam os seuscorpos.Que os faam, ento, do meu corpo.Quando o fizerem do meu corpoVivero sempre at velhice.

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    Repara nas rugas da minha pele (concha)Qu e eu fiz para por elas chegar velhice.Quando os pequeninos fizerem de mim os seus corpos.Vivero sempre at verem sinais da velhice na sua pele.As sete curvas do rio (da vida)Passo-as a salvo.E nas minhas viagens nem os prprios deuses podem ver orasto que deixoQuando ospequeninos fizerem de mim os seus corposNingum, nem mesmo os deuses, podero ver o rasto que eles

    deixam.

    Neste povo todos os elementos familiares da viso estopresentes, mas esta foi conquistada por um primeiro antepas-sado do cl, e as bnos que ele conferiu foram herdadas porum grupo de parentesco.Esta situao entre os Osage revela uma das mais com-plexas representaes que existem, do totemismo, esse mistontimo de organizao social de venerao religiosa pelo ante-passado. Em todas as partes do mundo existe totemismo, ecertos antropologistas tm defendido a ideia de que o totemde cl tem a sua origem no totem pessoal, ou esprito guar-dio. Mas a situao perfeitamente anloga dos planaltosda Colmbia Britnica onde a busca da viso se fundiu nos ritosde adolescncia. Somente aqui fundiu-se nos privilgios heredi-trios do cl. Esta nova associao tomo-u-se to forte que jno se pensa que uma viso d automaticamente poder aohomem. S a herana confere as bnos da viso, e entre osOsage surgiram cnticos novos que descrevem os encontros dosantepassados e pormenorizam as bnos que os seus descen-dentes podem, consequentemente, reivindicar.Em ambos estes casos no s o complexo_da .viso que)tqj3jrej:afcter diferente em diferentes regies, conform e seconfunde com os ritos < ie puDerdade ou com a organizao em

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    cl. As cerimnias de adolescncia e a organizao social rece-bem tambm coloridos especiais pela sua interpenetrao coma busca da viso. A interaco mtua. O complexo da viso,os ritos de puberdade, a organizao em cl, e muitas outrasfeies que entram tambm em relao com a viso, so fiosque se entrelaam em muitas combinaes. As consequnciasdas diferentes combinaes que resultam desta interpenetraode feies slo extraordinariamente importantes. Em ambas asregies queacabmosde citar, tanto onde a experincia religiosase associou com os ritos de puberdade como onde se associoucom a organizao em cl, todos os indivduos da tribo, comocorolrio natural das prticas que se se tinham associado, po-diam receber o poder proveniente da viso, de alcanar xitoem qualquer empreendimento. O xito, fosse qual fosse aocupao, era atribudo reivindicao do indivduo de umaexperincia de viso. Tanto um jogador com sorte como umcaador comsorte derivavam daquela o seu poder, exactamentecomo um xam bem sucedido na sua profisso. De acordocom o seu dogma todos os caminhos do xito estavam vedadosa quem no conseguisse um patrono sobrenatural.Na Califrnia, porm, a viso era a garantia profissional doxam. Marcava-o como pessoa parte das outras. Era exac-tamente a, por consequncia, que se tinham desenvolvido osaspectos mais aberrantes desta experincia. A viso j no eraum a ligeira alucinao para a qual se podia montar a cena pormeio do jejum, da tortura e do isolamento. Era uma experin-cia de transe que sobrevinha aos membros excepcionalmenteinstveis da comunidade, e especialmente s mulheres. Entreos Shasta admitia-seque s as mulheres eram assim abenoadas.A experincia requerida era decididamente de natureza catalp-tica e atacava a novia depois de um sonho prelimimar terpreparado o caminho. Esta caa no solo, rgida, sem sentidos.Quando voltava a si espumava sangue pela boca. Todas ascerimnias pelas quais, nos anos seguinte, ela validava a sua

    vocao de xam, eram novas demonstraes da sua aptidopara cair em catalepsia e eram consideradas como a cura pelaqual se lhe salvara a vida. Em tribos como a Shasta no s aexperincia da visitao se modificara no seu carcter, adqui-rindo o aspecto de uma crise violenta que distinguia os ofician-tes religiosos de todos os outros, mas tambm o carcter dosxanrs se itin-h igualmente -modificado pela: natureza daexperincia de transe. Estes eram decididamente os membrosinstveis da comunidade. Nesta regio as cerimnias de emu-lao entre xams assumiam a forma de compitas para verqual deles vencia os outros a danar, isto , suportava a danapor mais tempo antes de cair na crise de catalepsia que aca-bava por domin-los. Tanto a experincia de visitao como oxamanismo tinham sido profundamente afectados pela ntimainterpenetrao que entre eles se estabelecera. A associao dosdois aspectos, semelhana da associao da experincia devisitao e dos ritos de puberdade ou da organizao em cl,tinha modificado radicalmente ambos os campos de com-portamento.

    -* {/" Casamento e IgrejaSemelhantemente, na nossa prpria civilizao a indepen-

    da igreja e do sacramento do matrimnio est histori-camente averiguada, e no entanto o sacramento religioso domatrimnio ditou, durante sculos, transformaes tanto nocomportamento sexual como na igreja^O Carcter particulardo casamento durante esses sculos proveio da associao dedois aspectos culturais essencialmente independentes um dooutro. Por outro lado o casamento foi muitas vezes o meioEm culturas em que isto se d a ntima associao do casamentocom. a transferncia da riqueza pode obliterar completamenteo facto de o casamento ser fundamentalmente um a questo

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    de arranjo sexual e de reproduo. O casamento deve, em cadacaso, ser interpretado como em relao com outros aspeetes..assimilao, e nSo devamos cair no_erro (f o pensar que ajsmiitirs&jiQde nMkcasos inter-pretar pelo mesmo conjunto de ideias. Devemos contar comos diferentes componentes combinados na mesma feio re-sultante.

    Ests associaes so soc ia l ,no b io log icam en t e inev i t ve i sPrecisamos urgentemente de ser capazes de analisar osaspectos da nossa herana cultural destrinando as diferentespartes que os constituem. As nossas discusses da ordem sociatganhariam em clareza s ajirelid&|sem^modo a complexidade mesmo do mais simples aspecto pnosso comportamento. Diferenas raciais e prerrogativas deprestgio de tal modo se fundiram entre os povos Anglo-Sxes,

    que no conseguimos separar questes raciais de naturezabiolgica dos nossos mais socialmente condicionados precon-ceitos. Mesmo em maes to proximammte apareatadas com osanglo-saxes como so os povos Latinos, tais preconceitosassumem formas diferentes, de modo que em regies decolonizao espanhola e nas colnias britnicas, diferenasraciais no tm o mesmo significado social. O cristianismo e amulher na sociedade so, anTogatrante^cutp-ais historiamenteinteT-relaciondos, e, em pocas dife-T ;jt7rinfTwhciaram^s"redprcffl modo muito dife-ren&. A actual elevada posio que a mulher ocupa nos pasescristos no mais um a consequncia do cristianismo doque o era a associao da mulher com tentaes demonacas,de Orgenes. Estas interpenetraes de aspectos culturais surgeme desaparecem, e a histria da cultura em elevado grau umahistria da sua natureza, destinos e associaes.Masgenticaque com tanta facilidadedescobrimos numa fei-

    co complexa e o nosso horror por qualquer perturbao dasidade das possveissuas inter-relacSes sitobero i indiacriminadamente erigir-se

    Cf i 7 l