A Clinica Precoce Contribuicao Ao Estudo Da Emergencia Do Psiquismo Do Bebe - Graciela Crespin

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@ 2004 Casa do Psicólogo@ ~ proibida a reprodução total ou parcial desta publicação, para qualquer finalidade, sem autorização por escrito dos editores. 1" Edição 2004 Editores /ngo Bernd Güntert e Myriam Chinalli Assitente Editorial Sheila Cardoso da Silva Produção Gráfica & Capa Renata Vieira Nunes Editoração Eletrônica Valquíria Kloss Ilustração/Capa Angustiado, /934. de Paul Klee Preparação de texto e Revisão Christiane Gradvohl Colas Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) (Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil) Crespin, Graciela, A clínica precoce: o nascimento humano / Graciela Crespin. - São Paulo: Casa do Psicólogo@, 2004. - (Coleção I" infância I dirigida por Claudia Mascarenhas Fernandes) Bibliografia. ISBN 85-7396-336-0 I. Bebês - Psicologia 2. Psicanálise 3. Psicologia clínica 4. Psicologia infantil 5. Subjetividade l. Fernandes, Claudia MascarenhaslI. Tírulo m. Série. 04-5638 CDD-155.422 Índices para catálogo sistemático: I. Bebês e crianças pequenas: Psicologia clínical 155.422 Impresso no Brasil Printed in Brazil Reservados todos os direitos de publicação em língua portuguesa à & ~~('I!SI! do PsiCólogo@ ~;.::?" 1(1111 SllIInnÁlvllres, 1.020- Vila Madalena - CEP 05417-020 - São Paulo/SP- Brasil ~ 'J't'1 (11) 1034.3600- E-mail: [email protected] - htlll:llwwW.l.lIslIdopsicologo.com.br GRACIElA CRESPIN A CLíNICAPRECOCE: O NASCIMENTO 00 HUMANO TRADUÇÃO Claudio Mascorenhas F ernandes Mario Auxihadoro Fernandes Mario do Carmo Camarotti Reqina Orlh Aroqão REVISÃO DA TRADUÇÃO lia Batista COLEÇÃO1~INfÂNClfl DIRIGIDAroR: CLAUDIA MASCARlNI~AS fERNAI'IDLS ~~~ ~;.:~ ~ ~ Casa do PsiCólogo@

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@ 2004 Casa do Psicólogo@

~ proibida a reprodução total ou parcial desta publicação, para qualquer finalidade,sem autorização por escrito dos editores.

1" Edição2004

Editores

/ngo Bernd Güntert e Myriam Chinalli

Assitente EditorialSheila Cardoso da Silva

Produção Gráfica & CapaRenata Vieira Nunes

Editoração EletrônicaValquíria Kloss

Ilustração/CapaAngustiado, /934. de Paul Klee

Preparação de texto e RevisãoChristiane Gradvohl Colas

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)(Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil)

Crespin, Graciela,A clínica precoce: o nascimento humano / Graciela Crespin. -São Paulo: Casa do Psicólogo@, 2004. - (Coleção I" infância I

dirigida por Claudia Mascarenhas Fernandes)

Bibliografia.ISBN 85-7396-336-0

I. Bebês - Psicologia 2. Psicanálise 3. Psicologia clínica4. Psicologia infantil 5. Subjetividade l. Fernandes, ClaudiaMascarenhaslI. Tírulo m. Série.

04-5638 CDD-155.422

Índices para catálogo sistemático:I. Bebês e crianças pequenas: Psicologia clínical 155.422

Impresso no BrasilPrinted in Brazil

Reservados todos os direitos de publicação em língua portuguesa à

&~~('I!SI! do PsiCólogo@~;.::?" 1(1111 SllIInnÁlvllres, 1.020- Vila Madalena - CEP 05417-020 - São Paulo/SP- Brasil~ 'J't'1 (11) 1034.3600- E-mail: [email protected]

- htlll:llwwW.l.lIslIdopsicologo.com.br

GRACIElA CRESPIN

ACLíNICAPRECOCE:

O NASCIMENTO00 HUMANO

TRADUÇÃO

Claudio Mascorenhas FernandesMario Auxihadoro Fernandes

Mario do Carmo Camarotti

Reqina Orlh Aroqão

REVISÃO DA TRADUÇÃOlia Batista

COLEÇÃO1~INfÂNClflDIRIGIDAroR: CLAUDIA MASCARlNI~ASfERNAI'IDLS

~~~~;.:~~~Casa do PsiCólogo@

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ft

1.A CUNICAPRECOCE:CONSTRIBUIÇÃOAO ESTUOODA

EMERGÊNCIADO PSIQUISMONO BEBÊI

1,1111'10 de um encontro

A clínica precoce é uma noção que elaborei durante vários anos

111'll'rne de um percurso entre uma abordagem psicanalítica daI' 1\'1lpatologia do bebê e a prática dos médicos que realizam consul-I'I' com a pequena infância2 .

Há vinte anos, quando terminei meus estudos e minha formaçãoIIltllfticapessoal, dediquei-me ao tratamento de adultos, mais particular-111''1111'à psiquiatria de adultos. Mas, ajudada pelo acaso do mercado de

" IlIlIlho,cheguei até os centros de prevenção que cuidavam de crianças.Isso não foi pouca surpresa, pois assim como eu, as equipes

'1'11me acolheram estavam pouco preparadas: na melhor das hipóte-

lIão me esperavam; na pior, não me queriam.De fato, o que um psi poderia fazer em um lugar, com bebês e

11II11',,"em boa saúde, sem precisar de quaisquer cuidados psíquicos?3

( npítulo traduzido por Claudia Mascarenhas Fernandes, psicanalista, SP.

I'mla-se de Centros de Atendimento em Proteção Materno-Infantil (PMI) na França.

li, rato, esses Centros de PMI recebiam uma população que vinha inicialmente para o

1IIII'IInhamento pediátrico habitual.

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14 A CLÍNICA PRECOCE: o NASCIMEN'JU DO HUMASO

Eu não estava longe de compartilhar tal impressão. ColocavlIpara mim mesma a questão de saber como poderia contribuir, comopsi, numa consulta de lactentes, na qual a dimensão médica reinavucomo mestre e a problemática social, mesmo que levada em conta.assim como o aspecto educativo, eram tomados em consideraçãopelo viés das animações na sala de espera e dos conselhos forneci.dos aos familiares.

Foi nesse contexto que encontrei o lactente e seu entorno: nmaior parte do tempo, sua mãe e seus irmãos, dado que as consultaseram durante o dia. Por vezes o pai, que aprendi a solicitar, e isso fezparte de meu percurso.

O início desse diálogo foi trabalhoso. Pouco a pouco aprendi ame interessar pelo que incomodava os médicos. Precisamente umtipo de problemática que eles não apreciavam, porque eram aquelasque os deixavam com poucos recursos aquelas em que seu savoir.faire, seu arsenal terapêutico clássico era colocado à prova mesmoque não implicasse uma urgência: sintomas que alertavam menospor sua gravidade, e mais por sua freqüência e recorrência. O bebênão fixava bem olhar, não engordava, mesmo com todos os esforçosque lhe eram dedicados...

Eis o que me interessou: era sem dúvida nesse tipo de situaçãoque um psi poderia trazer um outro esclarecimento, sem se meternem no domínio dos médicos, nem no dos educadores, nem no dosassistentes sociais; quer dizer, dos representantes dos três outros cam-pos profissionais presentes nesses lugares.

Segui com determinação esse limite e me sustentando portextos de outros analistas que tinham trabalhado com as questõesdos primeiros anos - em particular Winnicott -, atirei-me nosproblemas clínicos que essas equipes terminaram por me deixarcompartilhar.

Foi assim que me apaixonei pela psicopatologia do bebê e maisparticularmente pelo processo de constituição psíquica precoce. Issome levou naturalmente a me interessar pelas problemáticas pesadase precoces, em particular o autismo.

..' ." 11 1I1I1'lsu'() AO NASCIMENI'OpsIQUlco: o SURPREENDENI'EPERCURSODO BFJlt HUMANO 15

h 'I qlll' isso? Porque, quando um bebê se desenvolve normal-ItI.'I,I, !t, 11',de apresenta o que eu chamo a aparente simplicidade

14.,11.'I 1/"" ou ainda a opacidade do normal. Que dizer que um

t...11I'1'11l'lImparece às consultas previstas pela "carteirinha de saú-. '. 111111Iquem nós vamos registrando cada comparecimento tran-

"1111""11'1111',à medida que ele cresce, nos dá uma impressão de má-,li 'I '111qlll' tudo caminha por si só. Nossa impressão consciente é

'I''' IlIdo se desenvolve sem nós. De fato, é muito difícil delimitarli' , ti1I!'1t'iIdade dos processos subjacentes a partir da opacidade pró-

tt.'" '\,1 Iluação dita normal.I .11I\l~ssemomento que cruzei com Maxime, a primeira crian-

_ti oIlIlI,liIque atendi. Era um bebê que se desenvolvia de maneira"'11'1.,I I' que foi tratado por todos os tipos de médicos: oftalmolo-

.' I' 1"11'conta do seu estrabismo fisiológico que havia se fixado;111"'11110"porque pensavam que era surdo, etc. Na sua história, que., '11'olllra na terceira parte desse livro, eu mostro como a surdez

11'1'" ,I.IVIIligada a um deficit sensorial, mas a uma dificuldade de

, 01ti 11 11111 ação, que o trabalho analítico pôde fazer regredir.IuoSl'~ um dos ensinamentos fundamentais que retirei das ex-

111". 11111I" com o autismo: face às suspeitas de deficits sensoriais do

1" 1111' 1111uno, é preciso sempre deixar uma margem para a hipótese,I. 11111tlt:/icitde comunicação.Querdizer,algoque não sejada or-,1,111dll l'quipamento sensorial, nem do funcionamento do órgão,ItI,1 di lima aparelhagem significante.

( ""11efeito, o que chamamos a percepção humana é o resulta-,I" .I. lima montagem entre um funcionamento do órgão e um apare-

11", oIplllficante.Ml'lI interesse por esse tipo de patologias muito raras, mas ex-

li. IIIIIIIWIIICinvalidantes, explica-se pelo fato de que elas desnudam,

'''111,1111visíveis, se posso dizer, como um filme em câmera lenta, os

",'" . ...os subjacentes emergentes do psiquismo. São crianças que

Inll"lrinha de saúde na França comporta um certo nu meros de provas clássicas do

IIIvl1l1l'1110dilo psicomotor, que os médicos verificam a cada exame pediátrico. Por

1"". nl ~Mlnoas grandes aquisições da motricidade fina, da coordenação, da maturação.,nllll Indo. as competencias relacionaissão relativamente pouco exploradas.

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16 A CLINICAPRECOCE: O NASCIMENTO no HUMANO

levam anos para olhar ou falar, coisa que as crianças que se desen-volvem normalmente fazem num espaço de algumas semanas a al-

guns meses. Assim, no segundo artigo consagrado a Maxime5 , eurelato como ocorreu, ao longo de três anos de paciente trabalho ana-lítico, a construção do objet06 a partir do objeto autístico7 .

Minha experiência de terapeuta de crianças com graves patologiaspermitiu-me abordar de outra forma a clínica cotidiana, indistinta, dasconsultas com bebês, nas quais sinais muito discretos permitiam inter-venções leves e rápidas, às vezes por meio de intermediários8 .

Um outro ensinamento que retirei desse percurso foi que o sa-ber específico do terapeuta se extrapola em situações fora do âmbito

do tratamento clássico, e pode ser colocado à disposição dos profis-sionais médicos e educadores que se ocupam das crianças nas diver-sas instituições. Existem formas múltiplas de atendimento indireto

ou institucional, que são possíveis de se fazer ou promover. E essesdiferentes efeitos praticáveis se revelam extremamente fecundos emmatéria de resultados.

Assim, pude diversificar minha prática, e em particular intervir

nas equipes educativas sob forma de grupos de reflexão clínica, de ob.servação e de análise de situações, que permitem aumentar o efeito dasações e obter resultados interessantes, seja sobre a gestão de certas situ-ações pesadas, seja pela obtenção de atendimentos especializados.

O trabalho com intermediários foi aos poucos se desenvolven-

do: desde as puericultoras que iam a domicílio a partir do aviso de

nascimento ou nos quadros de "assinalamentos"9, passando pormonitoras em educação familiar (antigas trabalhadoras familiares)

5. "Maxirne e o balão azul: a propósito da construção do objeto" na terceira parte desse livro.

6. O objeto deve ser entendido no sentido psicanalítico do termo, a saber, objeto de investimento

que detennina dois pólos (o sujeito e o objeto) que se instituem reciprocamente, ao sair da dinâmicainicial de indiferenciação do eu-não eu. Assim definido, o objeto pode ser muito variável (uma

pessoa, mas também parte do próprio corpo, ou o próprio eu [moi] do sujeito).

7. Termo introduzido por F. Tustin para designar objetos do corpo (baba, sons) com osquais a criança autista estabelece uma relação que não revela necessariamente uma dinâmicade instituição de um sujeito e de um objeto.

R. Profissionais ou cuidadores que trabalham diretamente com o bebê. Termo melhordesenvolvido no decorrer do livro. (NT)

,

11, \_mw.NTO FfsICO AO NASCIMENTOPSIQUICO: O SURPREENDENTEPERCURSOno BEBÊ IRJMANO 17

111'qlludro das ações de prevenção de longo prazo com famI1ias emII " 11, até as equipes do centro maternal, que acolhem as jovens mães"11 vrande dificuldade.

As modalidades de acolhimento clássicas, tipo creches com

1111111'10flexível segundo as necessidades dos pais, e as creches cole-ti' li, lambém chamaram muito minha atenção, pois as ações de pre-

II 111110nesses lugares em que não há triagem poderiam se tomar

1'11'1losas para numerosas crianças.Retomarei a esses aspectos na última parte desse livro, dedicada

" 'IIIl''itão da prevenção.

\ 1t,lllção primordial ao outro

Nas últimas décadas, nós aprendemos muito sobre a vida intra-

"I, 1111<1,e mesmo se ainda há muito a descobrir, tomou-se corriqueiro

11'IIlIhecer que o estado emocional da mãe tem importante papel, de1I11"'I'iramanifesta, no que vai se passar com a criança, não somente1111 lIIomento neonatal, mas também durante e no final da gestação.

Sabemos em especial que o feto ouve ainda no útero e que se1I11I'tlrasensível à palavra e ao som da voz. Numerosos estudos che-

1""11111a essasconclusões,tantono planoexperimentallOquantono,,111110clínico. Eu mesma me interessei sobre essa questão complexa11.".Irocas matemo-fetais, em particular na história de Christelle,

I ' Ill' Chloé, que se encontra na terceira parte desse livro. Detenho-1111 l'm três casos clínicos: um bebê anoréxico, um bebê bulímico e

11111hebê que está bem, para mostrar como as trocas que suas mãesIllillllinhamcom eles no fim da gravidez e durante o período pré-",11..1influenciaram seu futuro,u

Ollando existe algum chamado ou pedido especial para uma visita domiciliar, por'1IIplo.a partir de um processo judicial. (N.T.)

111 Mehler 1. e Dupoux, E. Naftre humain O. Jacob, Paris, 1995.II ('omunicação apresentada sob o nome de Cabassu, Graciela Os alimentos terrestres:

1'/"/1 ou alimento? no colóquio Função e campo da palavra no lactente. Paris, marçoI 'I. o essencial desse texto é retomado na terceira parte desse livro.

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18 A CLOOCAPRECOCE:O NASCIMENTODOHUMANO

Dito de outra forma, provavelmente antes do nascimento - nusentido da expulsão biológica -, o bebê humano já é um ser de rela.ção. Um ser para quem a relação que estabelece com esse outro hu-mano que o segura já se revela fundamental para seu futuro.

Isso não ocorre sem que nos questionemos. Poderíamos legitI-mamente nos perguntar por que, nos humanos, o laço com o outrotoma tal importância.

A resposta, me parece, não é estranha àquilo que nos ocupa. Elume parece ligada ao estado de prematuridade da criança humana n.Inascimento. Não à prematuridade clínica, que determina as interven-ções em reanimação neonatal, mas à prematuridade normal, de tOth1bebê em boa saúde, nascido a termo de uma gravidez sem problemas,

Essa prematuridade que caracteriza o estado dito de sofrimentoprimordial está na origem do fato de que a sobrevida nos humanosnão se garante sem ajuda exterior. Mesmo quando um recém-nas<"1'do se encontra em seu estado ótimo ao nascimento, quando possuitodas as competências de que nos fala Brazelton, ele não tem nenhuMma possibilidade de sobreviver sem ajuda de um semelhante. SUlIesperança de vida na ausência de um semelhante é de quatro a cin<.'ohoras, se não estiver muito frio. Nesta hora entra em cena o quechamamos de mãe, a mamãe. O personagem maternal tomou-se inl'.vitável por culpa dessa prematuridade da espécie, dado que nossllvida dependeu dele, no sentido absolutamente literal.

Esse sentido se tomará figurado no decorrer do tempo, mas ésem dúvida desse alicerce do real, sobre o qual se apóia a relaçi111dita primordial, que nós guardamos essa espécie de cicatriz, absolutamente indelével, sob a forma que chamamos de amor. Pois mes11I<,quando não dependemos de mais ninguém, no sentido literal, pOl'termos nos tomado adultos capazes de sobreviver por nós mesmos.dependeremos sempre dos outros pelo viés do amor. Essa força incrível que tem, nos humanos, a ligação ao outro, é baseada, penso,na experiência da dependência absoluta que todos nós passamos nllrelação primordial com esse outro a quem devemos a sobrevivêm:wE ficamosmarcadospelo resto de nossasvidas,qualquerque sejali

li" ,~~t 'IMENTOFlsICO AO NASCIMENTOpsIQUlco: O SURPREEII'DENTEPERCURSODO BEBi HL'MA.'\O 19

",1\1Je maturidade psicoafetiva que sejamos capazes de atingir na1,111li' adulta.

No entanto, pode-se objetar com razão que os bebês humanos11,111 'ido os únicos seres que nascem prematuros. De fato, em grande

,,,"lIero de outras espécies, os bebês nascem também prematuros e

" IIllultos genitores são obrigados a cuidar dos jovens durante um

" 111(10variável para assegurar sua sobrevivência. É os que os etólogos, hllnam de comportamento de couvade.12

De acordo. A diferença é que as outras espécies possuem "instin-

"" '.o que os etólogos definem como "comportamentos geneticamente

l'II')tramados próprios de uma espécie". Os instintos permitem aosIllIhvíduos de diferentes espécies ajustarem sua relação com o real.

I lili'"dizer, organizar seu período de cio, seus acasalamentos, a couvade,

III'1lI1dutano seio do próprio grupo, o comportamento face ao preda-.lill. etc. Por isso eles são dispensados de pensar.

Esses comportamentos podem atingir uma imensa complexidade, e

.1,11lugar ao que foi chamado, por exemplo, de linguagem das abelhas ou,II'~cupins, dado que eles cumprem verdadeiros atos de comunicação. O

1\111'não muda em nada a questão, pois são sistemas de signos e não deI~"ificantes, e por isso não chegam à formulação de um pensamento.

Em Souvenirs entomologiques.13 lH. Favre, evocando o com-

1"ll'lamento de um inseto, o bembex,14 ilustra-nos magistralmente a

,hkrença entre instinto e pensamento: "Tal é a ligação entre os atos,\IIS instintos, chamando-se um a outro dentro de uma ordem que asIIlIlisgraves circunstâncias são impotentes para perturbar. O que pro-1'lIrao bembex, em última análise? A larva, evidentemente. Mas para

I hl~gara essa larva, é preciso penetrar no buraco da terra, e para pene-1111I'no buraco da terra é preciso achar a porta. E é à procura da porta

qUI'a mãe se obstina, diante da galeria livremente aberta, diante das

provisões, diante da própria larva - a casa em ruínas, a fanulia emI,,'l'igo, no momento não lhe dizem nada: ela precisa, antes de tudo, de

I' Cobrir. (NT)

I' Lembranças entomológicas, (NT)1,1 Variedadede vespa que cava buracos no solo arenoso para construir ninhos onde deposita'lI' ovos

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20 A CÚNlCA PRECOCE: o NASCIMENTODO IRJMA1\iO

uma passagem conhecida...Seus atos são como uma série de ecos quese despertam um ao outro numa ordem fixa, em que o seguinte nãofala antes que o precedente tenha falado. Não por causa de um obstá-culo, pois a morada está totalmente aberta, mas na falta da entradahabitual, o primeiro ato não pode se cumprir - isso basta: os atos se-guintes não se cumprirão... Que abismo de separação entre a inteli-gência e o instinto! Através das ruínas de uma habitação destruída,amãe, guiada pela inteligência, corre em direção ao filho; guiada peloinstinto, ela pára obstinadamente onde estivera a porta"15.

Os humanos, então, são desprovidos dessas cadeias comporta-mentais pré-registradas.Por isso, para regular sua relação ao real elesseriam obrigados a pensá-Ia a cada vez. É provavelmente nessa arti-culação que se situa a diferença mais fundamental do que se passaentre uma mãe mamífera e uma mãe humana: a relação ocorrida du-rante a couvade se desfaz no momento da maturidade do jovem, semse soldar pela construção de nenhum laço. Por outro lado, entre aoadulto humano e o bebê de quem ele cuidou, produziu-se uma cons.trução, uma relação complexa, que preside o advento psíquico dacriança, e que costumamos de chamar de "o laço mãe/criança".

Sem dúvida, o fato de podermos recorrer a um sistemasignificante para nos orientar no real, e que ao mesmo tempo regulanossas relações com o outro, é que faz os psicanalistas dizerem queos humanos são seres de linguagem, presos na linguagem.

Uma hipótese antropológica pretende que a espécie humanateria perdido, no curso da evolução, suas programações instintuais,conservadas até os primatas superiores, nossos primos mais próxi-mos.A perdadessesregistrosteriasidoproduzidaapós Q prolonga-mento do tempo necessário à gestação, sem que, no entanto, o tem-po de estadia intra-uterino tenha se modificado. A conseqüência te-ria sido um estado crescente de imaturidade no nascimento, ao quala espécie teve de se adaptar para chegar ao que conhecemos atual-mente como o bebê humano, O interessante é que essa teoria postula

15. Favre, I.H. « Souvenirs entomologiques », édition définitive ilIustrée, Paris, Delagravc1914-lere série, Chap. 19, p. 316-17.

ft. ' 1',11 11I 1'lSItU AONASCIMENTOPSIQUICO:O SURPREENDENTEPERCURSODOBEBtHUMANO 21

11.11111111111"expansão da caixa craniana" (que os médicos sabem..', I" 111"'I-Luir durante o primeiro ano de vida na curva da carteirinha

'"111.I. ), lJue só se produz porque o bebê é expulso no curso de

111"11111111111;:10,a qual pode prosseguir no espaço livre do mundo

..,ti 11111"..sim teria se desenvolvido o neocórtex, que responde pe-ht~ 11111I,111" ditas superiores, em particular a linguagem. A lingua-

11"111. 1II\I'I'hidacomoum sistemasignificanteque codificao realdo'fllllll dlll'J'l~nteslínguas faladas seriam a expressão.

jll IlIpotese, mesmo se inverificável é sedutora, pois nos per-11I11,,IIIIl'I'hl'J'a linguagem como ferramenta específica da adapta-

".. '1"1 I1I''ipécie humana teria produzido para assegurar sua sobre-~I\I'II' II1 'iubstituindo as programações instintuais perdidas.

I' 1111, ( )lIlro e o pequenooutro

I' 1111dl~signar esse outro inevitável da relação primordial, Preud

1'1111'"""11o termo alemão: nebensmench, que também se traduz emli '111" 1'11I'próximo prestativo. Esses dois termos constituem cada11111 '111111 dl'linição própria. Inicialmente, pr6ximo: trata-se do pró xi-111111111 ,l'l1tidobíblico de semelhante.Por que um semelhante?O111-".t,I I fianças-lobo tem muitos ensinamentos. Sabemos,com efei-ti. '1'11loram poucos, no máximo uma dezena de casos listados,

t""I" til tlll1ulmenteaos seis bilhões de habitantes do planeta. Sabe-11111 1lllIIhl'lI1lJuesão histórias problemáticas: alguns acreditam que'-I I lIillu;asforam abandonadas por causa de patologias que por-I" ,1111l\tll1uscer.Não importam os motivos: existiu sobrevida fisio-1111'" ,I .1'111dúvida por intermédio de animais, Mas o que nos inte-'1 I I 'I' 11'l1essescasos, como ilustrado na história de Victor, a crian-

1,1, \\ I ymn, e do Dr. Itard - em que Truffaut se inspirou para oI I 11Ia111() menino selvagem-, vê-sebemque faltamjustamente

,li I\'I I!IIhll de slIúde francesa, existe uma curva correspondente ao crescimento da

"I""" 1111primeiro ano de vida, o que permite facilmente aos médicos observar,I. I.. dll normll.

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22 A CLOOCAPRECOCE:o NASCIMENro 00 HUMANO

os processos de humanização, e em particular a linguagem. Meslllua verticalização não parece completamente inscrita no patrimôlIl()genético humano: ela também resultaria de uma "intrincação" entl'lregistro genético e identificação.

Essas histórias provam que a sobrevivênciapode eventualmentllser assegurada - aindaqueem casosextremamenteraros-, mas'lU'essa forma excepcional de sobrevivênciadeixa inteiramente suspenslLa questão da humanização. Esta só poderia ser transmitida, portanto,por um semelhante, quer dizer, por um outro ser falante, sobre o quulas operações de identificação poderão ocorrer.

Porém o fato de que seja um semelhante também não parc.'~'oser suficiente: ele deve também ser prestativo, isto é, portador dodesejo de sobrevivência pelo recém-nascido. Seguramente, as foI"mas graves de disparentalidade nos confrontam ao fato que o dcsl"jo de sobrevivência não está garantido pela gestação biológica.

Lacan fala do outro da relação primordial. Mas ele distingut'dois "outros": um grande, com O maiúsculo, e que designa não UI1lI1pessoa física, mas uma instância. O grande Outro é uma noção com-plexa, mas que podemos aproximar dizendo que se trata do conjunto(no sentido da teoria dos conjuntos, impossível de se enumerar, e noentanto não-infinito no sentido matemático do termo), dos elemen-tos que compõem o universo simbólico no qual o indivíduo humanoestá mergulhado. Esse universo simbólico é maior que cada sujeitoque o habita, e o determina de muitas formas, em essência, inconscientemente. Antes do seu nascimento, e talvez antes mesmode sua gestação, o recém-nascido humano é preso no universo sim-bólico de seus pais, tanto no âmbito individual deles, quanto a títuloda sociedade e da cultura a que pertencem.

O pequeno outro, com um a minúsculo, designa cada sujeito,na singularidade de seu avatar, que faz dele um representante únicIIe não-esgotável do grande Outro ao qual pertence. Segundo Lacan,a mãe é para o bebê um pequeno outro servindo de grande Outro/

17. Lacan J. Seminário «A Angústia» (1962/63) - Paris, documento interno da AssocilllinnFreudienne.

.to, ." ",111'11I.1sICO AO NASCIMENTOpsÍQmco: O SURPREENDENTEPERCURSO00 BEBt HUMANO 23

I'111quê? Porque, inconscientemente, na qualidade de interlocutor,11,1,1111111primordial, ela transmite ao bebê de quem cuida uma gama.111"lIlll'ularidades do grande Outro que a determina, porém revisa-

""I 1 I "J'ri~idas,se assim posso dizer, pelo prisma da subjetividade'li" '."li ou seja, o que o avatar de sua história singular tenha inscrito,",1, 1'01..durante essas trocas em tomo dos cuidados primários, é a

,.." 11'11I111ao sistema simbólico a que ela pertence - entenda-se:sua.-11111111I' o modo como dela se apropriou - que permitirá à mãe orga-

'1".11 ,lItlSrespostas face ao seu recém-nascido.\ 1~lm,uma mãe que pertence a uma cultura tradicional africana

to"11111Ilulc ocidental (francesa, por exemplo), não terão as mesmas

h'I'1I 1I1I1:lliõesda maternidade, do lugar da mãe e do pai em relação1111I' I .'1\1nascido, das práticas de maternagem, do sofrimento, da doen-\., ,111d,I morte. É o que será "lisível" no estágio do grande Outro.

I 1'01'outro lado, duas mães ocidentais, que compartilhem sen-.1 . IlIlI'ntcas mesmas representações, não reagirão da mesma ma-111'111dlllnte do seu recém-nascido se uma delas tiver, por exemplo,

1"11lido um bebê anterior por morte súbita. É o que será "lisível" no"..t"I'11Ido pequeno outro.

I 1,1,. IlUmano é um ser de linguagem:

lI.'I I. ,I" necessidade,demando,desejo

I~o que uma mãe transmite a seu recém-nascido, sem saber,IJlloIIIdocuida dele? Essencialmente que ela entende como deman-/,I qUI'ela deseja satisfazer, o que ele manifesta como necessida-/. I isso, da mesma maneira como fizeram com ela. Os registrosl'IIIIIItIVISsimose inconscientes da maneira de como o Outro cuidouI, II qUllndoela própria era bebê serão, em grande parte, os registrosI' '!ullis uma mulher fará apelo ao cuidar de seu bebê.

r~lIIguémpode se lembrar, no plano consciente, como foi car-,1110,t:ünsolado, acarinhado, ninado, mas isso não impede que

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, 24A CLÍNICAPRECOCE: O NASCIMENTO 00 HUMANO

sejam esses os registros que se reativam quando tomamos um l1l'h';

nos braços. E isso é verdade, seja ou não nosso próprio filho, é numlmovimento identificatório que cuidamos dele.

Assim, esse saber espontâneo - "intuitivo" dirão alguns _ a qu..as mães se referem, apesar de inconsciente não é genético, no sent(.do de uma programação inata. Proponho definir o que foi chamado.

erroneamente, no meu entender, considerando o que acabo de dií'or- de "instinto materno "como: "a reativação de traços mnésicos /11-

conscientes da maternagem recebida". A experiência cotidiana dUII

mães nos prova, aliás, a grande variabilidade do acesso a esse lipllde saber que têm as mulheres, e a correlação certa entre matemagl'lI1recebida e a capacidade matemante no presente. Essas consider"oções são igualmenteaplicáveisao pais, e será preciso nessecasofalar de parentalidade.

Essa simplesconstatação nos permite abordar o campo das tntn~missões transgeracionais: pois, se a capacidade dos pais não fOSSt',ela também, adquirida, quer dizer, resultante da parentalidade reCt'.bida, nós estaríamos ao abrigo da repetição mortífera do fracasso

parental sob diversas formas; nós estaríamos protegidos d«disparentalidade.

Porém isso nos introduz igualmente a esse aspecto radical di)funcionamento do psiquismo humano: pelo fato de que suas neces-sidades sejam entendidas como demandas desejando serem satisfci-tas, o bebê humano, desde que entra em contato com o outro dllrelação, deixa seu estatuto de ser de necessidade para se transformarem ser de desejo.

Nós, seres humanos, somos os únicos seres vivos a dar maisimportância ao desejo que à necessidade, quer tenhamos urnuanorexia, quer façamos uma greve de fome - o que ,in fine, dá no

mesmo, a não ser pelo fato de que no primeiro caso está em jogo oinconsciente, e, no segundo, o consciente: nos dois casos, a existên-cia, no sentido simbólico, tem primado sobre a sobrevivência. IR

18. Outras numerosas situações da atualidade mundial _ os camicazes e outros atenladmsuicidas por exemplo nos colocam ante as mesmas evidências.

"11 111II~IIU AO NASCIMENTOpslQmco: O SURPREENDENTEPERCURSO00 8FJlt HUMANO 25

· j,1 IlIlIslrução do esquema chamado "o grafo do desejo",'9

1.""1 1111,1111a mudança radical de registro que opera, para todolU"'''' ,11/1Introdução no mundo da linguagem: a linha que sobe a"'"1 01"""'(11(real do corpo do recém-nascido, situado em S) repre-"tI,. '1111'1I'ssidade:o recém-nascido vai sentir frio, ele terá necessi-.,. .I. .1'1aquccido, ele terá fome e terá necessidade de ser alimen-

' · I, 11.10poderá se deslocar de modo autônomo e ele terá neces-

,1. .1"I'Il'arregado, segurado. O grito, tal qual a agitação motora,..' II.\.1I" dl~scargafrente ao montante de tensões, mas se revelarão

:. 1'.. I dI' sozinhos ajudarem o sujeito.

I(A)

Figura: o grafo do desejü

'111 I (,. Ilmp(/(' du désir, em particular a segunda versão, chamada grafo 2, noI. 0111"1I.1l'ilo c dialética do desejo" nos Escritos. (Na versão francesa: Ed. Seuil.

I' NON.

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,,26 A CLlNICA PRECOCE: O NASCIMENTO DO HUMANO

III

1j

Porém, naquele instante, a linha ascendente da necessidade l'l1'

contrar o grande Outro em A, encarnado no personagem maternal.que isso quer dizer? Que essa subida cega da necessidade vai enl'O

trar, naquele que o acolhe, uma resposta humana. Quer dizer que, pua mamãe que ouve seu recém-nascido gritar, aquilo não é, de forn

alguma, um ruído, uma simples descarga; é seu bebê que a chama, C!l

lhe fala e ela responde: "estou aqui". E desde esse instante, que cllmamos de "encontro intlugural", esse grito não é mais um ruído.

um apelo, e a partir daí, antes de qualquer linguagem propriaml'l1dita, o bebê fala, o bebê é promovido ao estatuto de sujeito falanll'.

Portanto, a força da necessidade está muito presente no humu'

no; porém ela não tem uma programação passível de lhe pennillrsatisfazê-Ia de maneira autônoma: é isso que a diferencia do inslino

to, e que os psicanalistas,a partirde Freud,chamaram"pulsão".rtrealmente impressionante constatar como, por causa dessa pro~I'II'

mação genética faltante, o Outro vem no lugar daquele com qUl''''se aprende, no sentido literal do termo, aquele de quem recebemo!' I

significância, e que Lacan designa como "o tesouro dos significantd':o grande Outro no grafo.

A relação da pulsão a seu objeto deverá assim se construir .tomar para isso o caminho do significante. É o que fará que, mcslllt!se servindo do objeto, não é com ele que a pulsão vai se satisfan'r.'mas muito mais da relação ao Outro assim construída.

Freud rapidamente nos advertiu sobre a defasagem que existiuentre a satisfação da necessidade e a satisfação da pulsão, e elaborou

a teoria do apoio para dar conta do fato de que a satisfação da pulsOIl

acontecia mediante, quando de,ou se apoiando sobre a satisfação dl\necessidade, mas sem jamais se confundir com ela. Segundo Frt'ud,

uma "boa experiência" da relação alimentar seria uma condição 1It..cessária para que um bebê pudesse alcançar a satisfação da pulsão,

Será que tal hierarquização de fenômenos é aceitável? - a qUl'"tão poderia ser colocada, e nossa experiência clínica com o priml'lIlIano de vida nos incita a tanto. Todos os estudos recentes sobl\' 1I

recém-nascido parecem indicar, ao contrário, que existiria uma l"

I,

'111 H~II'O AU NASCIMENTOPSÍQUICO:O SURPREE)\'DENTEPERCURSODO BEBt HUMAXU 27

11I'I, ,', "'I" '('dência do simbólico à questão da necessidade, e prá-Ntll' , '111\11.\ haptonomia, por exemplo, evidenciam no feto uma ca-

101..01,II lacional antes do nascimento, que dizer, antes do adven-~t 11.,. ,Iull' de necessidade. Chego quase a pensar que, em matéria

ItI,," 111" por exemplo, seja somente a pacificação da relação doIIftu! ,I'I ,111()utro da relação que lhe permite satisfazer corretamen-. 8",1lU' "'isidade, que dizer, beber à vontade, sem experimentar a."'I.lIull' dl' se manifestar no plano oral., 1111,parece que a satisfação da pulsão é obtida, no caso da

'i. "'"\ ,I" .UI ( )utro, somente pela experiência de ser o sujeito um obje-

ftl ,.,,, ",/I,)!'/()para o Outro. Quer dizer, colocando-se no lugar do'.111.I,. plIls;íopara o Outro, que se mostra, a partir daí, desejante

't.. I. 'ILlo ao bebê. É o que Lacan chama de terceiro tempo"11.." ,",11 '11 l' que M.C. Laznik retomou na elaboração de seu segun-.' ,.11",1pH'ditor do risco autístico.21

I 1'"IIH1110precisamente nesse cruzamento entre necessidade,

111.11111,1I desejo - onde se articula a pulsão -, que nós interroga-M'" .111'IlIl' momento está a construção psíquica do bebê em sua...1'1\.11'.11''il'U Outro da relação.

t 1.111,11111111'1110do laço ao Outro: funções maternas e paternas

, 1111que pensamos em cuidados primários, costumamos pen-.,11" hllOllll'nos em função da pessoa de carne e osso que os encarna'"'11 111'IlIl'l1ll'mente: aquela que familiarmente nós chamamos de111.11.,."Nlll'ntanto, nas práticas de parentalidades modernas de nossa

.111I, "..d, . 11pai participa amplamente desses cuidados, mesmo que

I." '1Itldl1 "l'.ia muito recente. Sabemos também que certas crianças-

, " ,.01' propósito: Lacan, J. Seminário 11 "Os quatro conceitos fundamentais da,11 . M C. Laznik "Por uma teoria lacaniana das pulsões" in Le discours

1/1'1'11,Rl'vUC de I' Association Freudienne, N° 10, septembre 1993.

111,110111 'l'ÍI'l'UitOpulsional completo" faz parte de uma pesquisa atual em andamento11.01, IIIIIUparceria entre a Associação PREAUT (Prevenção Autismo) e a PMI de., I,,"IIIIII('IIIOS franceses.

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28 A CÚNlCAPRECOCE:O NASCIMENTODO HUMANO

1

I

- nascidas de um parto em "X",22 por exemplo, ou sob incapacidw"

grave dos pais -, deverão ser criadas por outros que não seus pl\lOu ainda, certas modalidades culturais tradicionais (às vezes ai11"]

presentes nos meios de fanu1ias de migrantes) a criação dos filho"assumida de forma grupal.

Assim que a configuração do meio se distancia muito do tnOnguIo clássico "papai-mamãe-bebê" - como, por exemplo, nas f"l11(11

as monoparentais ou reconstituídas, ou nos casos de bebês criados l'

instituições pelas equipes cuidadoras, ou ainda bebês Cl'l1tdos segundo certas modalidades culturais -, podemos perder as l'fferências. De fato, pode ser difícil discernir quando o laço proP0.\'ft'

um bebê, muito além das pessoas que o encarnam, é portador de qUI/li.

dades favoráveis a seu desenvolvimento. Podemos então ficar prCOl'U'

pados ou muito tranqüilos, sem necessariamente termos razão,Dito de outro modo, para além das pessoas, o que é uma nu\,,1

O que é um pai? Podemos circunscrever algo sobre as suas funçOt \,1

Para além dos seres humanos ou das equipes de cuidadores qUl''liencamam, parece-me possível propor que o que chamamos de fl(// ,mãe, ou melhor, suas funções, são duas vertentes do laço primonlitll,

duas modalidades diferentes de entrar em contato entre o bebê e ,\'t'"

Outro da relação. E postular que esse laço só poderia ser portador do

qualidades necessárias ao desenvolvimento do psiquismo do beol\ "medida que ele comporte essas duas vertentes, essas duas modalida-

des, e que elas estejam numa articulação dialética. Vejamos por que'.

11

A função materna

Para entrar em contato com seu bebê, a mãe se toma por ele. 011melhor, ela o toma como um pedaço dela mesma. Com efeito, 11

exemplo do real biológico - e eu ressalto a exemplo, e não flor

22. Chamados accouchement sous X, designam os partos em que as mães já manifcsllII'II1I1

a vontade de dar o filho para a adoção; a história familiar dessas crianças é manlidll ,'111

segredo pelo Estado.

'" ,,''', 111l'I~11'tIAO NASCIMENTOpsíQUICO: o SURPREE1'<'DENTEPERCURSODO OEOt HUMASU 11)

11."" Ili l. rcal biológico - durantea gestaçãoe o aleitamento,'111'1111111011'0do bebê se constitui a partir de substâncias do corpo

..,,'101111'1IIlIilccontinua a ocupar, após o nascimento, no momento

1M"'1"' 'I IIlIdum as trocas, um lugar atributivo. Quer seja o con.

11I11.11,,11I' ,I'USpensamentos, conscientes e inconscientes, ou os enun.

.-1",1.. ,11 ,"Udiscurso, representações que ela projeta sobre o bebê

't '1111"111II1l'01l chamava loucura das mães na "preocupação mater

"" 1'1111111111,""1., a mãe pensa seu bebê, ela lhe atribui conteúdos"" lI'j () que constitui manifestadamente uma efração simbóli-

li 111' 11111ido de uma forçagem, mas é assim que a mãe sabe pelo

I" 1'1 "111sabe por ele como ela sabe por ela mesma: é a dimen-

"li 1I.1II"lIlv1Ida função materna. E essa forçagem no entanto é ine.

~lItl\ I I, IIIIISlitutivado sujeito, dado que isso comporta sua ascen-tIOIlIlívl'rso simbólico.

, 11I1I,'liomaternaforneceo substrato.O laço primordialem, '11I'lIll'maternaé atributivoe transitivo,e correspondeà onipo-81...I I oIllL'lIIliriu da mãe.

" 111,,' 11 I 111'1'110

\ c' ,,'mplo do real biológico durante a gestação e aleitamento'1"1 I 1I1'''l~nvolvemfora dele-, parao homemo bebêde inícioé

""1 ""tw () homem encarna mais facilmente a função paterna por-

"Ih .' "'"11 IIllo é pensado por ele como uma parte dele mesmo., 11111\110paterna é um operador psíquico da separação. O laço

'111'""1111111,nu sua vertente paterna, introduz um corte. Ele"'1111'"1111,'1\capacidade separadora do pai e à sua função regula-.1", . .LI1111Ipotência primordial da mãe.

-I I IIU' I1l1portante sublinhar que existe a mesma relação complexa entre o real

11'1~I.III~I\O c das posições parentais que entre o real da diferença anatõmica dos

I" ..I~'{"'s I'cminias e masculinas nno desejo.

""111 1111 D. W. "La préoccupation matemelle primaire" in: De Ia pédiatrie à Ia, " Op. ~K5. Paris, Payot 1989.

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30 A CLOOCAPRECOCE:o NASCIMENTODOHUMA."'O

..."" 111IhllH .\(1 NASCIMENTOpsIQUlco: O SURPREENDENTEPERCURSODO BEB~HUMANO 31

Parece-me possível dizer que, assim concebidas, essas <lu

funções cOITespondemàs operações fundamentais da aliena«;iloda separação, fundadoras do psiquismo de que nos fala Lacan.

Assim as funções maternas e paternas são antagonistas c ('fiplementares e é de sua articulação dialética que resulta o que.'hbitualmente identificamos como as trocas satisfatórias com um hl'

Tomemos, por exemplo, uma troca alimentar. A mãe orgalllas respostas graças à sua capacidade de projetar sobre o bebê de.'

jos semelhantes aos seus: o bebê se agita, ela lhe atribui o desejoser alimentado, em relação ao seu desejo - e seu prazer - de alimotar. Ela se posiciona na vertente materna. Porém, a troca só será I'l'

mente satisfatória se a resposta do bebê - recusa, por exemplo, tsimplesmente sinal de saciedade - for respeitada pela mãe: se pllalém do seu próprio desejo, a mãe se mostrar capaz de admilir

alteridade do bebê, que a priva de sua onipotência de decidir por ,,'Nesse caso, ela se posiciona na vertente paterna. De fato, basta qUl'mãe "se faça de surda" às manifestações do bebê para que sua 0111potência primordial não seja diminuída, porém isso freqüenten1l'lI!acarreta as conseqüências que conhecemos.

Se consideramos que essas funções são duas vertentes, dllposições do laço primordial, vemos imediatamente que a mãe "pai, a mulher e o homem da realidade, portam - mesmo que de modOdesigual e variável, por vezes invertido -, as duas funções. A hiNI6-

ria de Alexis, garotinho cujo pai "que era tão presente e muito amtl8

roso, ao se colocar no lugar de mãe, deixou-o desprovido de PUI",relatada no terceiro capítulo desse livro, parece-me exemplar.

A maior afinidade das mulheres com a função materna, assim C(lillUa predisposição dos homens para encarnar mais espontaneamente a w,..

tente paterna, cOITesponde a uma dissimetria da posição do bch(1nu

desejo inconsciente feminino e no desejo inconsciente masculino. A,It'.sar disso, podemos dizer - e a experiência clínica vai nesse sentid(,

que os homens e as mulheres saudáveis e felizes em assuJtm 1\parentalidade de seu f1lhotêm a capacidade de encarnar as duas vel'll'lI

tes, quer dizer, de ocuparem, revezando-se, as duas posições.

I. '1111IIIII~o exemplo de Mathias. Sua mãe é uma senhora mui-

lIt til "I' 1111NIISdias ensolarados, que a maioria das pessoas consi-

~.." 11"'IIh''1,"Ia sente um "friozinho". Assim, Mathias está geral-" "11 .. .1" 111I dos pés à cabeça, capuz e boina, mesmo se a tempera-c I' 11\ I1 IIIlIl'lHl.Mathias transpira, envia "sinais" de sua diferen-

~... ,"., 11,111mlianta: ele permanece coberto.. I, I IlhN"l'vação, freqüente e banal, coloca-nos em posição de

1\.1111\'l'l'Ientematerna do laço primordial: a mãe procede de"'11'1",,.,l,,,tiva- Mathias sente o mesmo friozinho que ela, não

1".1" 1'.1111I1l11aoutra sensação térmica25 -, e de maneira transiti-

I' '",h h'lIl frio e então ela cobre Mathias. Qual é o sujeito desse

.1 I 1"1'\11\11admitir que existe apenas um, ou ainda dois sujeitose.'II,."..,

, " II,'/Ilt'paterna do mesmo laço poderia ser observada, se no., 1'11'I ,11,., lIeontecimentos a mãe viesse a admitir, vendo as gran-.. ." 'I I IJllIl'jando na testa de Mathias, que ele está com muito

..1111 '1"' 1'1,'(' diferente dela; ela e o descobriria um pouco, mesmo' II 11h ,1I1acontinuasse sentindo muito frio...

\ \, 1II'IIIepaterna introduz um limite ao gozo matemo, articu-"'1.. ti "IIII'"ll'llcia primordial: graças a ele, o bebê deixa seu estatuto

.. 01 I 11111,1plll'leda mãe,e nãose faz maistãoprevisível,totalmente114t"I"'I n..lwl, fotalmente em seu poder. A função paterna introduz. .11111111.111da alteridade e garante assim o espaço para que o

""1"1 11111dll eriança possa se desenvolver.\1111"" Iwsse exemplo muito simples como as mulheres têm a

tI. li. II1d,' funcionar como mães e como elas têm necessidade de

11I11"" I 1111 não necessariamente o pai biológico da criança, aliás-tt"l 111. ,IIUIIlCa atenção para aquilo que elas não vêem ou têm.11'I. ,,,ti, 111, dl' admitir.

I ,'h'I'l'l'iro é necessariamente alguém investido pela mãe, e o

til I' ti '111.da lhe concede é intimamente cOITelativo ao lugar queI 1111",i' outras pessoas que estão à volta e em particular os pro-

\ 1'"11")"1\0 du "dimensão do desconhecimento" sobre qual se apoia o transitivismo.,1'"11 1I1'I1ot~sc Balbo, em "leu de Places de Ia mere et de l'enfant - Essai sur le

'111' PllriS. Eres, 1998 p, 39,

Page 12: A Clinica Precoce Contribuicao Ao Estudo Da Emergencia Do Psiquismo Do Bebe - Graciela Crespin

32A CLOOCAPRECOCE:O NASCIMENTO00 HUMANO

"" """' 1'I~IIII\n NASCIMENTO!'SIQUlco:O SURPREENDENTEPERCURSO00 BEBtHUMANO 33

fissionais. Se existe um lugar para o terceiro, quer dizer, se a nu)"

reconhece um poder que limita o seu, o médico, por exemplo, 1\terá nenhuma dificuldade para ser ouvido nas indicações que dá puo bebê. Por outro lado, se a posição materna está particularmentl'onipotência,o médicoterá o mesmo fim do pai: nem um 11"11\outro serão ouvidos.

Isso pode ser esc1arecedor para aquelas situações em qUt'médico tem a impressão que algo "funciona" ou "não funciona" l'O

uma mãe, sem saber muito o porquê. O fato de saber que à noilOpai dorme no sofá da sala pode muito útil para ajudar a SUP(U'!nossa dificuldade de ser ouvidos!

I I 'I''' leIrlla a situação complexa é o sentido que toma a relaçãot I'.1I I que implicasimultaneamenteo desejoinconscienteda

I ,.. 1'11 1'111atribui como desejo ao bebê. Essa é a questão da,UIIIti .11 ,lIlIorque a troca alimentar suporta.

N" 11111111111'1110de dificuldades alimentares precoces, essa leitu-

ttl'" I" 1I1IIh'avançar: quanto mais a mãe responde unicamente notI' .1,11I1'I'I'''isidade - por exemplo, "enchendo" o bebê -, mais o

li . 11iI I' gt'ralmente essa dinâmica se acentua se a mãe insiste.

, , 11111111das recusas alimentares simples do primeiro ano - ou111111IlIdt' deve orientar nossa atenção sobre a tonalidade das

I'" I 11111li miíe e o bebê: uma recusa no plano alimentar pode111,,, d.1 !llIrle do bebê, uma tentativa de colocar um limite à

t..".,. IlIilh'ma, que por vezes se encontra em outro plano.I'''''I'IIIO~ i\s vezes ser confundidos por uma mãe aparentemen-

"11Itll"lI. I I,IIt'llIl'nlc aos nossos conselhos de não forçar o bebê, se não,...1.. 11".. ohservar que ela se mostra constrangedora em outros

.,* I t" dlll llI1lt'as trocas. Tudo se passa como se ela se mostrasse

""1' "I,IIIIII'lIteintolerante a qualquer manifestação do bebê que.I"~" '1IIIIIIIllil.cra imagem que ela faz dele. Ou seja, essa mãe

o..1I..tll o,,.1dl'cl'pcionar, no sentido do que Winnicott chamou a "de-"tI-II, . Ilperação indispensável que coloca um limite à onipotên-i'" lU 11'111.11111dll mãe anterior à etapa transicional. O bebê de tal mãe

"I , 1I1I111IlIlII'recusando, mesmo que ela não o force no planotlltll' 111.11 ,1111rcivindicação visará agora um outro plano da relação.

\,IIIIIIl'xill severa do bebê, quadro grave e pouco freqüente, de

I8I"tllI" 111o I<'lal a curto prazo, existe para nos provar, para desnu-.., "'1111l'l;lá subentendido na relação alimentar: um sujeito pode."11111 IIUlllo rcdo, e até à morte, a satisfação da necessidade em

""1'" ,I. .1'11rcconhecimento como ser de desej028."I, .1111"il' o conjuntodessesfenômenosé globalmenteconhe-

.1,1, I" I. IllUlor parte dos médicos, não é de todo inútillembrá-los

Os três registrosda pulsão: oralidade, especularidade, invocante

A mudança de necessidade para desejo se opera em todos 01

registros da pulsão, quer dizer, em todos os registros de troca, no qu,concerne o recém-nascido ao seu Outro da relação primordial. ('onlsideraremos o primeiro ano de vida, até cerca de 15 meses, idade l'l!

que o conjunto de fenômenos que vamos descrever já está instaludu,no desenvolvimento do bebê normal.

Esses três registros fundamentais do primeiro ano de vida sIlU.'respectivamente: a oralidade, que remete ao estatuto simbólico dI!.

trocas alimentares, a especularidade, que interessa a questão do olhllf.e a pulsão invocante, que se refere à questão da voz.

A orolidade

Em todas as histórias alimentares do primeiro ano de vida qll~alimentam (é bem o caso de se dizer) a clínica pediátrica, o prohl('ma raramente é o que se passa no estômago ou na mamadeira, I'quando é o caso, resolve-se rapidamente.

26. Não nos esqueçamos que a mãe designa uma posição na relação, e por isso ela pode 01'1assumida pelo homem genitor, por exemplo.

" 10,'11 I) W. « Phénomenes et objets transitionnels » in : De ia pédiatrie à ia""VIII, Paris 1989.

,1,11' " IIlIposiç1io entre ser de necessidade I ser de desejo.

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34 A CLOOCAPRECOCE:O NASCIMENTO00 HUMANO "" 'I 11'11H\U NASCIMENTOpsíQUICO: O SURPREENDENTEPERCURSODO BEBJ!:HL1tfA1\iO 35,

aqui, pois a proximidade da oralidade ao estritamente do rc~INalimentar, com suas conotações médicas, expõe muitas ven'N

médicos ao risco de se contentar pura e simplesmente com o Imais superficial da necessidade, negligenciando sua dimensão '11

bólica, quer dizer, naquilo que a oralidade está ligada à questnodesejo, traduzi da pela palavra do bebê.

I ,11 '11110designa uma construção psíquica essencialmente"""I li 1111 dll qual são portadoras as mulheres, pois ela é conse-til \lI "'I 11''oolllçao da problemática edipiana feminina. Freud dis-

""I' I 1111IlIlIa resolve sua questão edípica elaborando uma equi-ti. 1.1 1"111.. criança", que se encontraria não somente na ori-11111di ,I10dI' filhos na mulher, mas também do lugar que a crian-

til 111111111('mnomia libidinal do inconsciente feminino, dito "lu-"1111 1I

\, 1111 1I,..ultariadesse lugar no desejo inconsciente feminino,I IoI'lllllll0 particular da relação da mãe à criança, e certamente

1111..1111'I do lugar que a criança ocupa no desejo inconsciente11111111 'IIU'por conseqüência, orientaria diferentemente a rela-

. 1111I' 11' 1111relaçãoà criança.É o que nossa clínicacotidiana". ,tlldi11'

1I 11,1,1IlIll'nto corresponde a esse tempo de encontro, em que,... 1""\ 11111'1110 que chamamos de reconhecimento primordial, o re-

~"t" "" 'Idll l'ste completo estranho -, encontra-se, pela via das"tlt.1I1 111.1 iIlll~ridoao conhecido, reconhecido como familiar: ele. 11111 1110 U'IlIl'ICque nós esperamos, ele é realmente nosso.

1I " , olllll'l'Ímentoprimordial é um ato de pura projeção. Não,.h. 111101.1111I11..subjetivo que uma semelhança; em volta do recém-

11111 · '1'011'11Isempre pessoas para afirmar: "ele parece com o1111I o Il'lrato escarrado da mãe". Pouco importa. O reconhe-

111111'IIIII0rdial tira seu valor fundador do seu poder de fazer o1111101'11Idol'ntrar numa filiação, numa pertença, e de colocar a.111 1111' I~.10de se identificar com ele. É a partir daí que o recém-1.111101111.1"11'verdadeiramente um semelhante e que sua genitora

"tlh 1.01.11 ,11 1'1\1 ação a função materna."" 10 IIIIIIUlosabe, aliás, que uma adoção bem-sucedida deter-

"'''101 I 1lIllIlIllIças: provavelmente o que costumamos considerar1111111 ,I 1111I!lanças dependa muito mais do tom de voz, da811 I" 11"111111do estilo motor e do ritmo, coisas que podem ser ad-11""' II I Pll'valcça sobre os aspectos mais "materiais" das seme-

111li' , 111111111'01' de cabelos e olhos, ou a forma dos traços.

A especularidade

Jt

A especularidade, de speculum, espelho em latim, concl'I'l1'questão do olhar. Este deve ser distinguido da visão, no sentid. I

que visão é um funcionamento de órgão, enquanto o olhar é \I

função psíquica, que implica a questão da representaçã029 .A clínica do olhar é central no primeiro ano de vida, não SOIl1('

por que a ausência de olhar constitui o sinal patognomônico das plllogias autísticas, mas também porque a instauração do olhar, no ".'1\do de acesso ao especular, constitui a entrada no mundo visível

Efetivamente, o acesso ao especular depende do reconhecil1ll'nda imagem de si, a partir da qual Lacan elaborou o estado do 1''1

lho,30conservando-o como momento fundador em que a antl'l'lção sobre a imaturidade motora conduz à constituição da imagl'lI1corpo. O conjunto das aquisições ditas do desenvolvi II1l'Opsicomotor depende da imagem do corpo, quer dizer, de uma l. Itrução psíquica.

Assim que o recém-nascido aparece fenomenologicamenh'campo perceptivo de sua mãe, no momento da expulsão biol(l~ICtornando-se perceptível no sentido visual, auditivo, tátil, ele 1'1\1em contato com o que costumamos chamar, com M. Soulé, "o hl1l'imaginário".

29. Ver a esse propósito "A esquize do olho e do olhar", in: J. Lacan, Seminário\/quatro conceitos fundamentais da psicanálise", em francês: Seuil, Paris 1973.

30. Lacan, J. "O estado do espelho como formador da função do Eu" (em rrnlld"1Ecrits, Seuil, Paris 1966.

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36 A CLÍNICAPRECOCE:O NASCIMENTODOIIUMA.'IO 1'" , 11'11ti ~tI NASCIMENTOpsíQUICO:O SURPREENDENTEPERCURSODOBEBt IIUMAl',O 37

.I.!

1.

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Assim, parece-me possível dizer que nesse sentido, (Oe/II,'

nossos filhos são adotados, mesmo os que tivemos biologiclIlI/t'

Tal concepção poderia nos ajudar a trabalhar com pais adotivo!\,se sentem tão incomodados por acharem que os pais naturUl'iajudados pela questão biológica, quando esta se reduz, nos dOI"

sos, a um simples fantasma. Efetivamente, os pais naturais h~11\

impressão de conhecer seu filho, antes mesmo de encontrá-Ia. o qé um ato de pura identificação, ao passo que os pais adotivos I~

impressão de não saber nada sobre o filho, o que perturba a op~ção identificatória.

Porém, a questão do reconhecimento primordial nos permill' Ibém abordar a abundante clínica dos fatores de risco ligados aos 1111

cios de deficiências, doenças ou malformações, feitos em tOflll1nascimento. O risco corresponde aqui, além da doença 011malformação propriamente dita, ao fato que o anúncio acentua o 11111

entre bebê imaginário e bebê real, tomando esse encontro praticamte impossível. O anúncio pode provocar então uma catástrofe SIIh/'i

va, quer dizer, um desinvestimento do bebê real, num luto impos~ído bebê esperado. E isso permanece verdadeiro, mesmo qllfdesinvestimento se traduza por um superinvestimento, pois IW"casos, é a deficiência que se encontra superinvestida, em detril11~

do bebê como sujeito, dado que ele se tomará um puro objeto di I'dados, deixando intocável o "outro bebê", o bebê imaginário.

Em compensação, se o tempo do reconhecimento primlll'J

não está travado, e se produz um encontro entre o "bebê imagillllrle o "bebê real", então esse tempo coloca a mãe em posição de 1'0'atribuir, a esse bebê tomado seu, os objetos de seu desejo. COl1sltise assim, no olhar que a mãe tem sobre ele, uma imagem complllldo real do corpo do bebê e das atribuições do desejo materno"

Lacan se apropriou de uma experiência da física óptica, dita "1'\1riência do buquê invertido" de Bouasse, em que uma pequena caixa _conde do observador o buquê de flores no seu interior. Pela inteffi1cdilU~'A&t

,"'li'1.111"1'111l'l'al produzida por um espelho côncavo, o vaso vazio. IltI, ,,!l1I ,I \"aixa se encontra repleto de flores. O sucesso dessa

11'11.111',1.11'111que o observador- contanto que se encontre no inte-I~' ,,,,,. di .1'lIhado pela difração de raios do espelho côncavo -, per-

IIIId Icio de flores, sem desconfiar do fato de que se trata de

111"1111"1111dI' um objeto real (o vaso) e de uma imagem (as flores).

Figura: buquê invertido

31. Laznik-Penor, M.C. trabalhou bastante essa questão no seu artigo "O papel flu"",,lufdo olhar do Outro". In: La Psychanalyse de I'Enfant N° !O, Paris, Ed. de I' AssndAllt1llFreudienne, 1991.

I ,1\'111apoderou-se dessa experiência, pois ela constitui um

"" I" ,llI,Iltlgico notável, diz ele, do modo como a imagem espe-1..1 .I. I ,1111'110vai se constituir, Podemos considerar, com Mme.

I I I III~.que o vaso representa o real do corpo do bebê no...1111' 1110(lwhê real), que as flores representam os objetos do de-"'11' 111'1I1I,.IIl'lIlcmaternal (bebê imaginário), e que o resultado des-.. til' "1111'\'11I110olhar da mãe constitui a imagem à qual o bebê irá

... ..1.'11111\011Creio poder dizer que é o bebê assim olhado que se111111II1 "1"1'''' que perceberá sua própria imagem no espelho.

"I I .qlll'ma ótico, Lacan modifica o esquema de Bouasse para,11' 1'1' ,,"1.11o "estado do espelho",32

li' , "I', <'11.

Page 15: A Clinica Precoce Contribuicao Ao Estudo Da Emergencia Do Psiquismo Do Bebe - Graciela Crespin

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I

38A CLÍNIcAPRECOCE: o NASCIMENroDO HUMM'o

Espelho

côncavo

Esquema dos dois espelhos

No lugar do olhar matemo, Lacan introduz o grande OUIIO

a forma de um espelho plano que devolve, dessa vez ao suj"lflllugar de observador, a imagem virtual - ou especular - dele 1I1t'~que acelerará a formação de seu eu (moi).

Lacan situa esse momento entre seis e dezoito meses, L~III~num movimento de antecipação visual à imaturidade motora, () I

se percebe como uma unidade na qual se lançam ao mesmo temp,)eu (moi) e a imagem do corpo. O que o autor destaca como eSSI'!I

nesse momento inaugural é a confIrmação que a criança rcc"~adulto que a segura, esse vaivém em que é o Outro que validll .

percepção dele mesmo. Isso fará Lacan dizer que o sujeito em,'I'~t'

campo do Outro, descentrado dele mesmo e num movimento L'II1lia alienação será o cerne de sua relação à sua própria imagem.

Winnicott, logo após a publicação de o Estado do e!)lJt'II,tILacan, escreveu um artigo intitulado O papel do espelho da 11I1711

da família no desenvolvimento da criança. Ele postula ser no olh

que a mãe coloca sobre o bebê que sua imagem se forma e ~ <111111tibebê vai poder se identifIcar.À questão: "Quando o bebê olhll ~II'mãe, o que ele vê?", responderá: "Ele mesmo". E Winnicotl dc,tj('",

· Ibllll \11NASCIMENTOpslQUlco: O SURPREENDENTEPERCURSODO BEBt HUMANO 39

li. . 111II'\simo texto, todos os avatares que esse olhar pode11 '1" I" I" l' a maneira como este reagirá.1111111IlIdl deprimida ou psiquicamente ausente na relação resti-

... t.. I.. d, qucm ela cuida uma imagem dele mesmo que é111,11".1 '()s bebês (u.) muito tempo confrontados com a expe-

... ,I. 11,111 n'ccber de volta o que eles mesmos estão dando (u.)I 1111' 11thI se vêm eles mesmos" diz Winnicott. E mais: "Se o

,I.. III,h 11I10rcsponde (u.) a ameaça de um caos se precipita, e o1111101111.;1.,'u rctraimento ou não olha nada (u.) o espelho se torna

11111, 1111111'ver, mas no qual não é mais preciso se 0Ihar"33.

t 0111"II "Kprimir tão bem o fator de risco considerável quetil11I 1""11o recém-nascido a depressão materna, sobretudo se... '11'" .. 11111como uma depressão "branca" ou assintomática,

· 111"1 I(111111Ide ausência psíquica. Esse tipo de depressão pode..I. I' 11 I"11'Llueas mães permanecem capazes de cumprir comIlIoIi'lU 11", inclusive em relação ao bebê. Todavia, a natureza

""1 I .1,1'lrocas que estabelecem com ele pode comprometer o1,1. "lIlIlvIII1Cnto dos processos que descrevemos aqui.

I 01'. IIlIl'ks constatação nos permite abordar o campo das ca-

I.". 1I1I11I.Hluspelos funcionamentos institucionais, em que o pro-1""'11 1111"1110muito competente e hábil em seus gestos, pode

"""" "'" l'ncarnar uma mãe ausente na relação, simplesmente111'"11'11I'''' conceber como tarefa a relação que mantém com a

t""~" d, '1"('111se ocupa. Vemos tranqüilamente as lições que po-1111 '" li pllm trabalhar com as equipes de cuidadores, sobretudo

1M'1111'.111 di' tipo berçário ou lar, ou hospitalizações neonatais ou~.It\lll' ,I' dt' longo prazo.

1,"111'("SL~Saspectos que eu chamaria de "clínica do olhar"

,,,' 111.. 111I1I~idcradoscomo fundamentais durante o primeiro ano

,d., '.1'01111que os estabelecimentos psíquicos correspondentes.. I,. '1I1.h IllOdo favorável, geralmente observamos que o estrabis-111,I. ".h wh'o, L'até mesmo o nistagmo, próprios da imaturidade da

'li" 1.11111ocular no nascimento regridem espontaneamente em

,I, '11 I) W op. cit, p. 156. ./

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, 40A CLlNICAPRECOCE: O NASCIMENTO DO HUMANO

"li .., , I "''' 11 lU NASCIMENTOpsIQwco: O SURPREENDENTEPERCURSODO BEBt IRJMANO 41

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favor da constituição de um campo visual em torno do fim dumeiro trimestre.

Entretanto, nos bebês com desenvolvimento satisfatório, 1\tauração da fixação do olhar ocorre nas horas seguintes ao nmento, portanto bem antes da constituição do campo visual Apodemos admitir a hipótese, de acordo com Lacan: na insllIlI

do olhar não está se tratando do visual, o olhar não é a visão; l'~1muito mais no campo em que a questão é representaçã034.

Com efeito, parece que a representação, mesmo se às Vl'l

é persecutória, hostil ou desvalorizadora, permite ao bebê Sl' 10'

truir, ao passo que é a ausência da representação que se 10verdadeiro impasse, pois tudo transcorre como se o bebê fosse

frontado com um olhar que não o vê, e por isso a identifica<,'l\ncristaliza o eu (moi) não é possível.

A história de uma garotinha autista, Amélie, que chulIl,,1boneca sem rosto" e que se encontra na terceira parte desst 11

parece-me particularmente exemplar. Com efeito, o traço '11endente desse caso era precisamente que sua mãe havia mUlt'rl

zado sob a forma de uma boneca a ausência de representa<,'lIoela tinha de sua filhinha. Esta boneca, que tinha inspirado o li

de meu trabalho, era uma boneca de pano confeccionada Ix'laldurante a gravidez e destinada a ser colocada no berço do "Uma vez terminada a boneca, a mãe não consegue bordar os 11'de seu rosto.

Esse caso é efetivamente exemplar do que eu chamei d&1

gueira especular, para distingui-Ia da cegueira normal _ POl"mãe não era cega, e sua filhinha muito menos, mas ambas se l'IW

travam em uma espécie de impossibilidade de se verem uma a 1111

É issoquedesignamoscomoausênciade representação,um 111"1impossibilidade de pensar o outro, e é essa ausência de reprl'~I'1Ição que parece constituir, do ponto de vista da instauração da dll~mica especular, o impasse mais radical.

t IIposde casos, considerados muito raros, o médico é"'""1" 11,111111frcqüentemente solicitado para esses bebês que"ft',,", 11 olhur" ou cujo o olhar parece "transparente". Esses.. ", ''', IllIfOO do olhar, que podem durar de alguns dias a

~ · Jll,11I1I~ C até alguns meses em certos casos -, parecemli "10'"1ili' "I' rcsolver espontaneamente, sem que se saiba mui-I .. ,,' 1111Esses poucos elementos de compreensão sobre a11" , '1"'I'lIlur podem talvez nos ajudar no entendimento de

.1. , I II\\IIS.

I

'1111'1111.,:CJpalavra e a voz

'I. 11111'"IIu Invocação interessa pela questão da voz como ob-

.1.. , "'I" I IIIVI\slidolibidinalmente. Ele recobre um largo leque

"'"11'" 1111'IIl'nlreos quais gostariade isolardois: a instituição..I, 'I IlIfrodução do código linguístico, no sentido da língua.. .I". 111Ij.\UUmaterna".

34. Lacan. J. «A esquise do olho e do olhar» In: Séminário XI "Os qualro,\'/'"". "',...fudamentais da psicanálise". Seuil. Paris 1973.

N.. "'"1111'1110do nascimento, a expulsão do sopro correspon-.. ,\ ,.1" 1111111dus vias respiratórias faz vibrar as cordas vocais"'"1.11111111rUldo,simplesfenômenode físicaacústica:o grito

li"'" 11111'1111I Aquele ou aquela que ouve, e que se coloca como." 1111,,"11111,lransforma esse grito, do qual podemos com razão1'1'" 11,1111l'l1lilidopor ninguém, em um ato de alguém. Isso não

""I " ,I,I I II l1l'bêque chama e a mãe responde "presente".I .111111111'1110inaugural, a exemplo do reconhecimento primor-

."11 I, 1"'llIluridade:o grito do nascimento é ouvido como ape-h. I li" I IlIndador,pois anterior a qualquer fenômeno de cons-í I'" I I 'ti I. II hl~hê é promovido ao estatuto de sujeito falante. A

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42 A CUNJCAPREt'OCE:o NASCIMENTODOIfUMANO I hll 1110 NASCIMENTOpslQ\JIco: O SURPREE:'IDENTEPERCURSODO BEBi I!L'MA;XO 43

i.

tI,

explusão vocal e a agitação motora, que têm valor de descal'J,u1

ao montante de tensões, tomam valor de linguagem para aqud",.os ouvem. A mãe atribui ao grito um estatuto de mensagem

Os bebês saudáveis não têm nenhum problema em se "111dessa atribuição,e eles compreendemmuitobem como fazer11111

rápido, servindo-se de sua ferramenta vocal. Eles saberão reclllllll11'

e forte, mas se acalmarão logo que uma resposta adequada lhes l' di11;

inclusive uma simples resposta verballhes dizendo para espl'l'IU',poderão esperar, antecipando a satisfação, sem se desorganizar.

Em compensação, os bebês criados em instituições POUl'Ilciosas, ou por mães que sofrem, que dão respostas anônimas, I'\)

por grades de horários ou respostas caóticas e aleatórias, COII'-l'llproduzi-Ias muito menos bem, pois sua agitação não produi' 1\sariamente uma resposta. Esses bebês têm a maior dificuldlldo

interiorizar o fato de que seus gritos ou sua agitaçãoo excl'l'l'ln,gum poder sobre o ambiente, quer dizer, a integrar que eles "'ulque eles emitem mensagens.

Por isso são muitas vezes difíceis de consolar, se agilillll

esperar que alguém responda, e assim que a respota chega, l'hlacalma, como se o laço entre a satisfação da necessidade c \I 14

guamento não tivesse sido feito. É a não instalação do apelo, 10do à sua cessação, que conduz ao mutismo completo nas sílldnautísticas.

M," I 11dI lias situações de troca com sua mãe, ele se dirige a""111'I .IllIdlllk' sua própria voz, e ela responde, retomando suas

No'- estamos bem antes de qualquer palavra verbal, no11,01, IIII.L'IIIIfalada. Essas trocas constituem uma espécie de con-

"., .1.1 I ."tenda, pelo viés de um prazer de ser compartihado.1"..1, 11111'pl'lIsar que a tendência do ser humano de ter prazer

'11111111'I tMcr música e poesia, se liga a essa experiência mui-""11" I 1111 que a textura sonora da voz, sua melopéia longe de111" I.'111tll'ução, e no entanto, já suporte de trocas, constituía,

'111'""I 1111111afirmação de existência, validando para nós nossa

'li 1.11',11,1o Outro., . 1',11111(kssa afirmação de existência que as trocas vocais

..., \ 11 .11 IIIISl' a introdução do código linguístico.

" I, 111 1111 l'studa magistralmente essas trocas em sua tese de

."'..!I'Id. onde foi tirado seu artigo Da interação mãe-bebê ao1"1,,, 'I, /I,'/I(? Ela descreve o funcionamento do mamanhês

l'orno se diz inglês ou japonês - , a língua das ma-.. " I "11111'1I considera que o mamanhês como a modalidade de"III~ .1.'dI Ifngua falada na cadeia sonora produzida pela criança.N" 111,11111111\mam"emitidopelo bebê, a mãe vai recortara

"~'I ,I., ,"dlgO: ela fará disso um "mamãe". A mãe isola duas

lliulo quc uma ou três iterações não correspondem a ne-11I1j,"1I11Ilntl~sda língua. Esta operaçãoo depende, ao mesmo

1"' 01,."" tll/lirão e do corte, portanto da articulação dialética11111'.'", IIlIItcnas e paternas e atingirá num primeiro tempo a

'1'-11,. h,,'o da paleta sonora emitida pela criança. Esta diversifi-_li 011"1l'lIl'iação de choros, aparição de vocalizações próximas

t"II.1' I I' d,1 hngua, a dimiuição ou mesmo o desaparecimento de. ,. ",,1111,IIl.ldos - é a fonte do que chamamos a lisibilidade do

...,... I" I,. ., '11('11torno.

I ''I t.. 1,,1lJUl.'vai bem é um bebê lisível, inclusive por outros,

.Ir,,, I, IIIli IJ111bebê de quem se dirá que ele é "fácil" de cuidar,

I' , I '"IIIII('('ndemosbem oque acontece com ele e o que ele nos

A introduçãodo código linguístico:a língua materna

Quando um bebê vai bem, ele desenvolve, entre as 11111111

pausasde repouso.Duranteesses momentos,descansado(' 111111

tado, o bebê brinca com sua voz, como ele brinca com os SI'U"

Esse balbucio emitido dos para todo mundo, esse cantarolar (' \'11

modulações correspondem ao investimento libidinal da VIIi''I"objeto da pulsão.

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44 A CÚNlCA PREOOCE: o NASCIMENTO DO HUMANO . ","11 <\lI NASCIMENTO psíQUICO: O SURPREE.'IDENTE PERCURSO DO BEBt HUMAJI"O 45

I

iI,

diz: a tarefa codificadora da mãe teve seus frutos. Nós dizl'lIll18aí que a mãe decodifica; elas codificam, pois a verdadclI'IIt,materna é a de organziar o real pela coerência de suas reposl

Ao contrário, nós conhecemos bebês inconsoláveis, t'l1\agitação motora e os gritos, nem mesmo entrecortad

vocalizações dirigidas, colocam em cheque as repetidas knldos próximos para ajudá-los.

A aptidão de mães comuns - suficientemente b(hlN,

Winnicott - em recortar e atribuir sentido, parece ausente 111I11

de crianças com uma sindrome autística, assim como a apllUbebês comuns em se apropriar de significantes parece falllll 1)11sente nos bebês que se organizam de modo autístico.

No meu trabalho sobre Amelie35 , descrevi a surdez siglllllc

que corresponde a essa meneira particular, que algumas /IIR'1crianças autistas têm, de compreender as emissões vocais dlll'rlao pé da letra, quer dizer, não preenchem o intervalo necesstl/'lll

que a vocalização, por aproximação, seja assimilada à palllvrlcódigo: o que Freud chamou de ilusão antecipatória. E no mou

balho sobre Maxime36, examino a dificuldade de um bebê qUI'Uem se servir das imagens acústicas registradas como signifu:na troca.

I I '111I"lrnfc subjetivapode ter sido provocadapor fatores, 11101.,dll I !'lança (particularidades na capacidade de trocas do,I. I" 11'111lU ou doença detectadas no nascimento que tornaram

'H 1 "III\I limento no bebê), seja vindos do pai (estados

11110complicado, perturbações psíquicas), seja vindos

..,,1,10 111,('I'purações, acidentes perinatais). O que nos interessa

'''1, ,II,/\//'(!f'e subjetiva determina o que chamei de estado de

'''.01.'' '1"1 Ill'signa um estado particular que impede o pai de se

tI.II " ' IIllIl S<Icriança como faz com os outros.11I,10I. 11..l'onfigurações que encontramos mais freqüentemente

"1111" ," d.ls sindromes autísticas, impressionantes sobretudo

"""li ,I. 1Il'Iwsque não apresentam nunhuma outra dificuldadeI I "11'"I'stadosde sideraçãosão particularmentedignos

I I'0l~parecem reversíveis se um acompanhamento apro-, I", 1'1111'0'110 logo no início.\ 11111'IIUtCSrealmente competentes3?para os outros filhos

",," '" 1"llknío todas as suas capacidades maternantes dianteli I 11,1111,'I 1'lIcontrando-se nessa espécie de estado de sideração

..~ 11111".I, dI' funcionar. Durante o tratamento dessas crianças, atI'" 01,1IIIMIiscrão capazes de testemunhar a dificuldade de fun-

. I 11111I h'" l'omo "com os outros", só o conseguirão se forem,"11.11111III!' apoiadas pelo terapeuta.",.." ' '1'1'I'íl' de destituição recíproca parece característica do

~",. .11111.111'0.Ela se instala na circularidade das trocas, e pare-

1'..11., 11I11"ll'ltII'.a partir daí, de que lado - da criança ou dos paistil 1'/1, "111111111a dificuldade inicial, pois se a mãe não consegue

"," li,'" n postas, o bebê então não será codificado. A única,,1111101,,11I'lIn'cc ser a de intervirno âmbitodo funcionamento

'.'It. " '111110\ I1\staurado.

Os estadosde sideroção

Acho realmente muito importante lembrar que essa IIP""incapacidade" das mães em se comunicar com as crianças qll('11sentam síndromes autísticasparece ser o resultado de uma call'l/1'1subjetiva em seguida à qual as trocas pareciam não acontecer 1111

mais funcionar. E é em substituição dessas trocas ausentc,,"1111'"processo autístico se põe a funcionar.

35. "A boneca sem rosto: Amelie ou a parada especular e a surdez significantc", 111111I'capítulo desse livro.

36, "Maxime, ou ouvir não é escutar", na terceira parte desse livro. 1IIIIII'I111iunode "suficientemente boas'~.