A COLONIZAÇÃO E AS CIDADES À BRASILEIRA: ASPECTOS SOCIOLÓGICOS DA URBANIZAÇÃO

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UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO FACULDADE DE ARQUITETURA E URBANISMO TRABALHO FINAL DE GRADUAÇÃO A COLONIZAÇÃO E AS CIDADES À BRASILEIRA ASPECTOS SOCIOLÓGICOS DA URBANIZAÇÃO Amália Cristovão dos Santos ORIENTADOR Professor Doutor Minoru Naruto

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Trabalho de conclusão de curso, apresentado em novembro de 2008 à banca formada pelos professores Minoru Naruto (orientador), Murillo Marx e Carlos Guilherme Mota. Autorizo a reprodução e divulgação total ou parcial deste trabalho, por qualquer meio convencional ou eletrônico, para fins de estudo e pesquisa, desde que citada a fonte.

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UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO

FACULDADE DE ARQUITETURA E URBANISMO

TRABALHO FINAL DE GRADUAÇÃO

A COLONIZAÇÃO E AS CIDADES À BRASILEIRA

ASPECTOS SOCIOLÓGICOS DA URBANIZAÇÃO

Amália Cristovão dos Santos

ORIENTADOR Professor Doutor Minoru Naruto

AGRADECIMENTOS

Aos meus pais, Sylvia e Raul, cujas conversas e aulas entrelaçam-se no cotidiano da casa.

Aos meus irmãos, Casca, Pedro e Babo, pelas conversas, pelas brincadeiras e pelos exemplos de vida.

Ao Peu, por ler e fazer o trabalho comigo, dividindo as tensões e os desejos.

Ao meu orientador, professor Minoru Naruto, pelo apoio incondicional ao trabalho e por momentos decisivos da minha graduação, dos quais ele nem sequer sabe que participou.

APRESENTAÇÃO

A fórmula ―estudar o passado para compreender o presente‖ não traz nada de novo.

E apresenta inúmeras variações na orientação do estudo, nas características

consideradas, na forma de pesquisa e no objetivo, seja ele explícito ou obscuro,

definido ou nebuloso. No início do século XX, o Brasil presenciou e construiu um

movimento cultural sem precedentes em esforço e singularidade na procura pela

definição do nacional. O Modernismo aglutinou artistas e pensadores de diversos

campos em torno da investigação do passado e da caracterização do presente.

Nos círculos intelectuais e acadêmicos houve uma extensa variedade de

combinações de pesquisa. Cada especialista inclinava-se para seu meio, em busca

de respostas peculiares. A formação da sociedade brasileira, sob vários aspectos,

tornou-se tema central do movimento. No trabalho presente, pretende-se cotejar

análises sobre a formação da sociedade brasileira e suas características, priorizando

questões relacionadas à urbanização, ao desenvolvimento das cidades e aos

atributos psicológicos que moldam as práticas nestas cidades.

Considero como foco as ―grandes cidades‖ brasileiras e suas adjacências,

participantes, em maior ou menor intensidade, da colonização. Para a realização

deste estudo será trabalhada uma bibliografia central, com obras reconhecidas

sobre o tema, nos campos de sociologia, história e antropologia, além de outros

materiais de referência. Estas obras trazem os elementos para o estudo do que se

pode chamar de ―herança‖ da colonização, mas não intento estabelecer relações

diretas entre os atributos de formação e as atuais características e condições das

cidades brasileiras. Entretanto, entendo que este estudo traz, invariavelmente,

elementos para a compreensão destas cidades e da vivência nelas estabelecida,

sendo de relevância contundente para o aprofundamento do saber sobre a

urbanização e o urbanismo brasileiros.

DAS PREMISSAS DE ANÁLISE

A fim de dar corpo à combinação de análises, busquei conceitos que pudessem dar

suporte à investigação proposta. O termo ―herança‖ logo descobriu em habitus seu

fundamento mais bem elaborado. O conceito central da metodologia de análise

usada por Pierre Bourdieu, na França, revela uma visão singular sobre formação

social. Segundo o sociólogo, sua teoria desenvolveu-se no curso de sua análise da

sociedade francesa e, ao longo do tempo, foi sendo depurada devido às inúmeras

exposições que ele fez. Isto trouxe à luz as características essenciais desta forma de

análise, o que permitiu que ela fosse explorada em outros contextos verificando-se,

na prática, suas possibilidades e limitações.

No prefácio da edição brasileira de Razões práticas: Sobre a teoria da ação, escrito

em 1995, o autor faz uma ressalva relevante a este estudo:

―Se posso fazer um voto, é o de que meus leitores, especialmente os mais jovens, que começam a se envolver em pesquisas, não leiam este livro como um simples instrumento de reflexão, um simples suporte da especulação teórica e da discussão abstrata, mas como uma espécie de manual de ginástica intelectual, um guia prático que é preciso aplicar a uma prática, isto é, a uma pesquisa prazenteira (…)‖. 1

Ele não apreciava as discussões conceituais sobre a validade dos métodos

apresentados. Sua expectativa era que essa depuração servisse à aplicação de sua

forma de análise e não, a seu abandono por alegações teóricas de ineficácia. Maria

Alice Nogueira e Cláudio M. Martins Nogueira, autores de Bourdieu & a Educação,

sugerem uma explicação para a indisposição do sociólogo com as discussões

estritamente teóricas. Ao descrever brevemente seu abandono da Filosofia e o

interesse pelas Ciências Sociais, eles associam sua ―origem social modesta e

provinciana‖ à falta de ―gosto e a habilidade para a retórica e para a prática de

exercícios puramente formais de análise filosófica‖. 2

1 BOURDIEU, 2007, p. 8.

2 NOGUEIRA e NOGUEIRA, 2006, p. 9.

Em seu livro, o sociólogo faz ressalvas ao ―ponto de vista da skholé‖ 3 que, segundo

ele, é possível por uma série de condições que permitem que alguns indivíduos

ausentem-se do mundo da produção, tendo tempo e meios de ―jogar a sério‖ 4 e

refletir sobre coisas que não sejam urgentes. Apesar de não significar uma redução,

mas apenas um reconhecimento, estas ressalvas mostram o distanciamento crítico

de Bourdieu em relação à vida escolástica. O francês não renuncia à importância do

trabalho intelectual, mas deixa clara a diferenciação deste e do trabalho produtivo.

Seguindo seu conselho sobre a aplicação prática de sua metodologia, resta

esclarecê-la a partir de seus conceitos básicos, a saber, habitus, campo e capital.

Ela desenvolve-se em torno do espaço social, sendo que este nada tem a ver com

qualquer referência ao espaço físico. Trata-se de um esquema no papel, um

diagrama que permite visualizar a posição de um indivíduo ou grupo em relação a

outro, mediante a quantificação de seu capital. Bourdieu trabalha de acordo com o

que chama de filosofia da ciência relacional, ou seja, que se foca nas relações e não

no valor absoluto. Assim, um indivíduo ou grupo não é classificado por suas

características inerentes, mas pelo valor delas em relação às demais características

presentes na sociedade analisada, naquele momento. Da mesma forma, o sistema

de valorações escolhido para a determinação da posição social depende dos

elementos presentes em tal sociedade e de sua importância relativa. A análise da

sociedade francesa levada a cabo pelo autor usa o capital econômico e o capital

cultural como formas de valoração. É através da quantificação da posse de um e de

outro que Bourdieu determina a posição social do indivíduo no espaço social.

Essa posição estabelece semelhanças e contrastes entre os indivíduos e permite

analisar seu status frente à sociedade. Os indivíduos de posição próxima podem ser

classificados como um grupo —mesmo que não se reconheçam, na prática, como

tal— e possuem habitus semelhantes. O habitus é o conjunto de gostos, atitudes e

demais atributos definidores da postura do indivíduo. Ele gera uma série de

disposições que condicionam —mas não determinam— a ação e as tomadas de

decisão. Por esta característica, ele define sua teoria como filosofia da ação

3 BOURDIEU, op. cit., p. 199.

4 Idem, p. 200.

disposicional, ao trabalhar a relação entre as potencialidades dos agentes e as

situações em que atuam.

As tomadas de decisão conscientes não acontecem a todo instante, já que o

indivíduo acumulou certas informações e reflexos, transmitidos a ele

primordialmente pela família e pela escola, que criam respostas para as situações

esperadas. Não é sempre que o indivíduo é capaz de refletir sobre a ação e portanto

não existe sempre a possibilidade de mudança. As ações individuais, segundo

Bourdieu, não são sempre guiadas pela intenção, já que não são uma busca

consciente de um resultado conhecido e possível de determinada situação, mas sim

disposições orientadas para um ou outro fim. Existe a tendência à conservação e à

permanência, que são o princípio e a força do habitus, mas há também a

possibilidade da alteração quando há tomada de consciência seguida de ou

concomitante à ação diferenciada. A ação é importante por que o sociólogo afirma

que a simples tomada de consciência não é suficiente para a mudança por que a

perpetuação da condição existente é garantida por sua reprodução prática. A

mudança só é possível se for quebrado o ciclo de reprodução de uma característica

através da imposição de uma nova forma de agir.

O enfrentamento do tema do interesse, pelo sociólogo francês, é bastante relevante

para este estudo, à medida que esclarece o caráter subjetivo do habitus. Os

conhecimentos —se assim os podemos chamar— inculcados na mente do indivíduo

não são intencionalmente usados ou reproduzidos, ainda que sirvam a fins

específicos e tenham conseqüências para o agente e os demais indivíduos. A

―herança‖, que intuí ser constitutiva do nosso problema urbano, não é

conscientemente perpetuada, mas isso não exime os agentes de suas ações. Dito

isto, é dispensável defender, mais uma vez, a necessidade de que ela seja estudada.

O campo social, por sua vez, traduz a diferenciação entre os capitais existentes e

suas variações ou subgrupos. Quando uma atividade permite a classificação por seu

capital específico, ela passa a ser um campo autônomo, no interior do espaço

social. A literatura ou as artes plásticas, por exemplo, apresentam valores próprios

de determinação de status, na sociedade ocidental, segundo os quais os escritores

ou os artistas são classificados. Estes valores independem dos valores usados nas

disposições gerais da sociedade. Existe portanto um capital artístico, alheio ao

capital econômico e ao capital cultural, e assim, um campo artístico.

A forma de análise social de Bourdieu encara os principais métodos disponíveis, em

seu tempo. De um lado, encontram-se as teorias que ele chama de objetivistas, cujo

bojo é a existência de atributos determinantes do comportamento dos indivíduos,

sendo estes últimos apenas meios de propagação destes atributos. A objetividade

em que se baseiam estas teorias destitui o indivíduo de qualquer capacidade de

reflexão e portanto de qualquer possibilidade de ação esclarecida. Por outro lado, a

oposição igualmente problemática está nas teorias subjetivistas, que crêem

substancialmente na capacidade reflexiva do agente e isolam-no do contexto. O

indivíduo tem aqui plenos poderes e não sofre nenhuma influência de condições

históricas, econômicas ou quaisquer que sejam. Em vista destes dois pólos de

percepção, sua análise baseia-se num equilíbrio sutil entre os condicionamentos

existentes na sociedade e a maior ou menor capacidade reflexiva dos indivíduos

como agentes. O habitus reúne as disposições do indivíduo, que se encontram em

suas roupas e seus gestos, mas não são infalíveis.

Ao tratar de Marx —como não poderia deixar de fazer—, Bourdieu tece críticas à

confusão entre teoria e prática. As classes sociais, para o sociólogo francês, seriam

potencialidades enxergadas pela teoria que não se traduzem necessariamente em

prática. O funcionamento da classe como tal, a partir do reconhecimento da

semelhança entre os habitus de determinados indivíduos, só é possível através de

um trabalho orientado para esse fim. As distinções entre os indivíduos podem levar

à constituição da classe, mas não significam sua existência.

Como citado anteriormente, Bourdieu determina ―dois princípios de diferenciação‖

—o capital econômico e o capital cultural— válidos para o que ele chama de

―sociedades mais desenvolvidas, como os Estados Unidos, o Japão ou a França‖ 5.

Faço uma necessária correção e sugiro a interpretação desta frase como ―países

mais plenamente inseridos na lógica capitalista‖, o que poderia contemplar as

5 Ibidem, pp. 19.

grandes cidades brasileiras. Entretanto, o próprio autor apresenta outras

possibilidades; ao invés de buscar harmonizar o Brasil com a lógica pertinente à

França, pode-se esquadrinhar uma lógica própria e peculiar para nossa situação.

Ao tratar da singularidade da sociedade soviética, ele especula sobre a existência de

um capital público, que seria a apropriação privada dos bens e serviços públicos,

como solução para a inviabilidade do uso do capital econômico como forma de

diferenciação, nestas circunstâncias. O caso brasileiro não apresenta formalmente

tal inviabilidade, mas é preciso refletir sobre a possível necessidade de somar, às

formas de valoração existentes, outros princípios de diferenciação. Trata-se de uma

pergunta que pode ser reelaborada durante o decorrer da investigação proposta,

sendo importante mantê-la em mente.

Resta ainda outro ponto apresentado por Bourdieu que pode subsidiar este estudo.

Trata-se da reverência ao grupo que, de acordo com sua teoria, é demonstrada

tanto pelo cumprimento das regras deste quanto pelo descumprimento

reconhecido destas. Valendo-se do provérbio ―a hipocrisia é uma homenagem que o

vício presta à virtude‖ 6, ele discorre sobre a aceitação do indivíduo pelo grupo e o

contrário. As mentiras que, no palco da prática, o grupo tem por verdades carregam

importante função neste processo, sendo a peça chave do jogo em que a

conformidade é oferecida através da inadimplência.

O contexto, a história e a situação presente são indispensáveis à aplicação desta

forma de análise. Por isso, existe a necessidade, já sentida quando das observações

iniciais, de definir que sociedade é esta que se pretende interpretar. É indispensável

definir claramente o que entendo por ―grandes cidades‖. A suposição inicial deste

trabalho dava conta de uma segregação entre duas partes do território nacional. O

ponto de inflexão era a relação mercantil com a Europa. De acordo com o sociólogo

Luiz Carlos Jackson, as interpretações da formação da sociedade brasileira, no seio

da Sociologia paulista, delineiam duas visões, sendo, uma de totalidade e uma de

dualidade 7. Os estudos empíricos, prenunciados por Os sertões, de Euclides da

6 Ibidem, p. 220.

7 JACKSON, 2007, pp. 33–49.

Cunha, descrevem uma separação entre ―um Brasil ‗arcaico‘ e outro ‗moderno‘‖ 8.

Em contraposição, ―os estudos societários‖, moldados pelos modelos clássicos de

Sociologia, entendem que ambos fazem parte de um mesmo processo de

modernização. Considerando a questão primordial deste trabalho e os meios com

que intento realizá-lo, fica explícito o caráter dualista da interpretação proposta. É

justamente a diferença vista entre as formas de desenvolvimento e ocupação das

―cidades do litoral‖ e ―das cidades do interior‖ que pauta esse exame.

Mesmo dentre as obras ―dualistas‖ é preciso situar que tipo de interpretação dá

suporte ao entendimento que faço dessa separação. Os dois Brasis, de Jacques

Lambert, apresenta o ―isolamento‖ e o ―escoamento‖ como eixos característicos da

América Latina. 9 Segundo ele, as fronteiras significam o cerramento do olhar e não

seu encontro. Articulado a isto —se não for sua causa—, está a conexão perene com

a metrópole, que restringe ainda mais o contato entre os habitantes do continente

americano.

Obviamente sem referência ao habitus de Bourdieu, mas em concordância com este

conceito que surgiria décadas depois desse livro, Lambert deixa transparecer a

idéia de permanência das características constitutivas da sociedade:

―A subordinação de um território a uma metrópole de ultramar não é a única modalidade do colonialismo; pode ele resultar, também, da dominação de uma população minoritária, que deva sua autoridade a uma colonização anterior.‖ 10

Contudo, a divisão da sociedade brasileira que ele tem em mente é distinta da que

tenho como paradigma. Para o autor, o Brasil apresenta ―dois sistemas de

organização econômica e social‖ díspares, dando origem a duas sociedades que

―não estão separadas por uma diferença de natureza, mas por diferenças de idade‖

11. Entendo que pode haver nesta sentença a preocupação de não aderir aos

esquemas racistas de interpretação, segundo os quais a constituição étnica dos

povos do interior é a razão de seu ―atraso‖. Talvez, por isso, Lambert adote a

8 Ibidem, pp. 33–49.

9 LAMBERT, 1976, pp. 18–20.

10 Idem, p. 25.

11 Idem, p. 101.

definição de ―atraso‖ como fruto da diferenciação dos estágios de desenvolvimento

em que estão litoral e interior, o que dá a entender que basta um certo período de

tempo, orientado para a modernização, para que o Brasil consiga integrar suas

duas faces. Trata-se de uma visão desenvolvimentista, característica desta época. O

educador Anísio Teixeira, seu contemporâneo, faz uso dela, diversas vezes, ao

tratar do problema da educação no país. Em Educação para a Democracia, de

1936, o autor analisa as necessidades educacionais peculiares a cada ―tipo‖ de

cidade brasileira. Seu diagnóstico indica três eixos, a saber, ―centros urbanos já em

contato com o mundo civilizado‖, ―centros urbanos menores, que começam a

participar do ‗progresso‘ moderno daquele primeiro grupo‖ e ―população rural (…)

ainda entregue a uma vida primitiva e desincorporada (…) da parte mais adiantada

do país‖ 12. Por um lado, ele reconhece as demandas específicas de cada eixo, mas,

por outro, ele associa todos os eixos a um único processo social e econômico.

Penso o desenvolvimento da sociedade brasileira como menos orgânico, à medida

que é permeado por sobreposições e justaposições. A associação entre as

explanações acerca da constituição étnica do continente, feitas por Lambert, e sua

constatação sobre o isolamento entre os latino-americanos abrem caminho para

uma interpretação da dualidade social brasileira como coexistência de culturas

diversas e não como variações da mesma cultura. Recorro a Ruth Benedict para

ressaltar, sobre este ponto, que culturas distintas não devem ser classificadas em

termos de atraso e desenvolvimento ou inferioridade e superioridade, mas

compreendidas dentro de seu sistema próprio de valores e regras. 13

Assim o faz Emílio Willems, ícone dos ―estudos de comunidade‖, vertente da

sociologia brasileira, no princípio de sua existência acadêmica no país. Sua obra

mais representativa, Cunha: tradição e transição em uma cultura rural do Brasil,

de 1947, é um estudo sobre a cidade paulistana citada no título, em que o autor

persegue fatos e meios representativos da mudança econômica e social em curso no

local. No percurso, completos levantamentos históricos e antropológicos auxiliam

esta busca. O autor acreditava que a investigação antropológica não deveria ser

12 TEIXEIRA, 1997, p. 95.

13 BENEDICT, 1934.

guiada por uma finalidade primordial e que a tese surgiria após a observação

imparcial dos fatos. Sua neutralidade científica resultou em severas críticas de seus

contemporâneos, sob acusação de ser um grande e detalhado empreendimento

desprovido de intenção. Em outras palavras, seria um esforço sem motivos, como

se o autor estivesse tentando encontrar algum motivo à medida que realizava seus

levantamentos. Apesar das críticas, o trabalho ainda é tido como pioneiro e

representativo dessa corrente.

Willems esclarece no ―Prefácio‖ do livro que seu trabalho segue uma tendência do

campo da Antropologia: os estudos de culturas ―não primitivas‖. Antes deste

momento, os antropólogos haviam remetido sua atenção às comunidades tribais,

que exibiam diferenças explícitas em relação à cultura ocidental. Este campo

estaria fechando-se com a extinção paulatina destas comunidades, mas os

antropólogos descobriram novas possibilidades ao estudarem a cultura popular —a

dita cultura folk norte-americana—, denominada ―caipira‖, ―cabocla‖ ou

―sertaneja‖, no Brasil.

A denominação ―cultura rural‖, presente em Cunha, remonta a um trabalho

anterior do mesmo autor, El problema rural brasileño desde el punto de vista

antropologico, publicado pela primeira vez pela Secretaria de Agricultura do

Estado brasileiro, em 1944. Neste estudo, Willems trata do contato entre as cidades

modernas e o mundo rural, sugerindo caminhos para que esta aproximação seja

benéfica. Logo de partida, ele critica en passant os estudiosos etnocêntricos que

bradam a necessidade de absorção das populações tidas como atrasadas pela

cultura desenvolvida. De acordo com o autor, a crença desmedida no progresso leva

ao equívoco de opor culturas distintas, atribuindo a uma o título de ―civilizada‖ e, à

outra, de ―atrasada‖. Os determinismos biológicos também são alvo de suas

críticas, pelo uso da raça como critério para o estabelecimento de níveis de

capacidade de assimilação da cultura ―civilizada‖.

Não fosse por essa oposição de pensamento sobre a relação entre as culturas, sua

análise alinhar-se-ia à de Anísio Teixeira em sua diferenciação da heterogeneidade

brasileira. Suas três categorias são ―la metrópoli moderna, representando un tipo

de civilización urbana‖, ―un tipo de cultura rural estrechamente ligado a la

ciudad‖ e ―poblaciones caboclas cuya vida parece discurrir en un mundo diferente

del nuestro‖ 14.

As cidades do primeiro tipo, segundo Willems, passam pelo mesmo processo

urbano por que passam as cidades medievais européias, as antigas cidades asiáticas

e as outras metrópoles sul-americanas. É notável que ele não menciona as cidades

norte-americanas —nem como semelhantes, nem como distintas—, o que faz com

que sua análise balize-se apenas pelos agentes participantes do processo de

expansão mercantil europeu do qual resultou nossa colonização. Dependentes

destas, são as comunidades rurais, cuja produção destina-se quase exclusivamente

às primeiras. Se o mercado metropolitano sofre uma queda, a economia rural está

condenada a sofrê-la conseqüentemente.

A cultura cabocla destaca-se pela autonomia. A língua ou o ―dialeto‖, a produção

limitada pela subsistência e a organização social, entre outras características, são

distintas e, por vezes, isoladas da cultura metropolitana. Os grupos indígenas são o

expoente máximo das comunidades ―aisladas e (sic) introvertidas‖ 15, mas Willems

não limita a eles a descrição de populações caboclas, que não usam dinheiro para

trocas ou não possuem informações sobre a situação formal do país. Esta

conjuntura encontra-se bastante alterada, passadas mais de seis décadas, e o

distanciamento antes visto deve ter-se reduzido, mas creio que essa autonomia,

dada na origem, ainda influencia o cotidiano das cidades brasileiras.

Willems encerra a querela da não hierarquização das culturas ao citar a definição

de cultura como common understandings, o que sustenta sua afirmação categórica

de que não há cultura capaz de servir de base comum simultaneamente para o

contexto urbano e as múltiplas comunidades rurais. 16 Ele também reafirma a

soberania de cada uma destas culturas quando examina com descrédito as

possibilidades de alteração da vivência cabocla através da mudança de regime de

14 WILLEMS, 1945, p. 11.

15 Idem, p. 13.

16 Idem, p. 13.

trabalho. 17 Tal mudança afetaria as demais esferas de vida, inserindo conflitos e

contradições em uma cultura desenvolvida ao longo de gerações, com suas

experiências e seus conhecimentos adquiridos, modificados e consolidados pela

vida da comunidade.

A forma de entendimento da relação entre as cidades brasileiras pode ser

amplamente discutida. No âmbito deste estudo, o tema serve como definidor dos

limites de aplicação da análise que procuro desenvolver a seguir. As ―grandes

cidades‖ passam a ser aquelas descritas por Willems como envolvidas direta ou

indiretamente no processo de colonização. Hoje, são as grandes metrópoles, as

capitais mais antigas e as comunidades menores, que as circundam. Pode-se dizer

que penso majoritariamente no eixo formado pelas regiões sudeste e nordeste,

ainda que a região norte —mais especificamente, as cidades relacionadas ao ciclo

da borracha— tenha experimentado tardiamente a forma de ocupação e exploração

característica da colonização brasileira. São as cidades mais próximas do litoral,

mas não se podem excluir as cidades interioranas ligadas, de alguma forma, à

colonização. No trabalho presente, a colonização não é considerada terminada pela

proclamação da independência, em 1822. A cronologia é substituída pela

permanência das circunstâncias que definem a colonização, a saber, a dominação

estrangeira e a manutenção das características econômicas, sociais e políticas

coloniais. A bibliografia central direciona esta escolha, visto que seus autores

descartam a data da independência como relevante para a autonomia brasileira.

A forma como Willems enxerga a evolução das cidades brasileiras, diversificadas

por seu nível de envolvimento com os processos derivados da colonização, soma-se

ao jogo de permanências e alterações no modo de agir e pensar dos indivíduos,

apresentado por Bourdieu, para a investigação do espírito destas cidades. Espírito

que rege, conscientemente ou não, a prática dos indivíduos e molda as

possibilidades de produção do espaço e de vivência no meio urbano.

17 Ibidem, p. 15–19.

NOTAS SOBRE A BIBLIOGRAFIA

As reflexões acerca da formação do Brasil, principalmente aquelas feitas no interior

do ambiente acadêmico, podem ser analisadas a partir de três categorias. Segundo

a antropóloga Fraya Frehse, os primeiros pensadores brasileiros a se debruçarem

sobre o tema, neste meio, buscavam compreender a sociedade em que viviam pela

continuidade de valores, atributos e características da sociedade patriarcal, na vida

urbana. Freyre e Holanda são expoentes máximos desta vertente. O sergipano

Manoel Bomfim, apesar de descolado de tal eixo intelectual, e mesmo regional, não

foge à regra, ainda que seu trabalho seja um pouco anterior ao destes autores. Seu

entendimento dos antecedentes da formação do Brasil também pauta suas

conclusões sobre sua época.

Duas décadas depois do ápice da geração de 1930, é a vez da consolidação do

esquema interpretativo que se pautava pela ruptura. Richard Morse é tido como

precursor deste grupo, que equacionava fatores políticos e econômicos para

compreender a nova forma de morar e a nova constituição social e espacial,

formadas na transição do campo para a cidade. Sociólogos, historiadores e

urbanistas participam desta visão e contribuem, ao longo de todo o século XX, com

interpretações focadas na transformação, na modernização e no progresso.

Já na década de 1980, cientistas humanos como Maria Odila Leite Da Silva Dias e

José de Souza Martins lançam estudos voltados para a ―simultaneidade de

processos históricos diferentes‖ 18, como define Frehse. Suas análises do cotidiano

—―esfera de improvisação de papéis informais, de resistência ao poder e de

potencialidade de conflitos‖ 19— e do contexto econômico e político pressupõem

que continuidade e ruptura coexistem nas cidades brasileiras, indicando que nelas

as transformações ocorridas convivem com a permanência de valores anteriores.

Cada característica, seja ela de transformação ou de permanência, tem pois uma

historicidade peculiar ou um tempo de desenvolvimento próprio e distinto. A

18 FREHSE, 2005, p. 82.

19 Idem, p. 82.

própria antropóloga, em seus estudos sobre a historicidade nas ruas de São Paulo,

em fins do Império, compartilha tal interpretação.

No estudo presente, o mote é a conjugação de análises sobre os atributos de

continuidade na formação brasileira, de modo a compreender a vivência cotidiana

em meio às grandes transformações históricas. Entendo que o tempo desta

mudança da vivência cotidiana difere —e, por que não dizer, é mais lento— do

tempo de evolução de características ou circunstâncias econômicas ou políticas.

Desta forma, a urbanização brasileira, como a conceitua Frehse —―conjunto de

mudanças socioeconômicas, demográficas, urbanísticas e físicas, que a cidade

atravessa‖ 20—, conjuga processos em vários ritmos e, apesar de diversas mudanças,

é palco de características mais permanentes, já estudadas por pensadores

brasileiros.

A escolha de autores e livros foi a contribuição mais relevante para a consolidação

do tema e da circunscrição territorial da análise. A bibliografia central traz autores

brasileiros clássicos que vêem, a partir de diversos objetivos, a formação da

sociedade brasileira, seja como tema central, seja com escopo a um tema específico.

Poderiam ser outros livros e, de certo, poderiam ser mais livros. Entretanto,

considerando a duração deste trabalho —que tem caráter de primeiro passo, de

primeira etapa— e a intenção inicial que o gerou, trata-se de um rol adequado às

possibilidades almejadas.

A primeira preocupação era a afinidade destes autores com a metodologia de

análise de Bourdieu. Sendo seus textos anteriores aos do sociólogo francês, não se

poderia imaginar que esta afinidade estaria explícita. Ainda que isto seja verdade,

os autores escolhidos apresentam-se, em suas obras, de acordo com os princípios

de Bourdieu. Em especial com a relevância de fatores subjetivos na análise

sociológica e com as críticas ao marxismo mecanicista, afeito aos esquemas

simplistas de causa e efeito. Segundo Antônio Candido, Freyre e Holanda são

representantes de uma faceta do Modernismo, como movimento cultural: a busca

pelo passado não-idealizado e a elaboração de teses sociológicas e investigações

20 Ibidem, p. 45.

psicológicas. O ensaio é a forma corrente encontrada pelos historiadores,

sociólogos e antropólogos do período. A literatura prestava papel essencial ao

desenvolvimento cultural, naquele momento, por dar forma e meios a este tipo de

investigação. Diz o autor:

―O poderoso imã da literatura interferia com a tendência sociológica, dando origem àquele gênero misto de ensaio, construído na confluência da história com a economia, a filosofia ou a arte, que é uma forma bem brasileira de investigação e descoberta do Brasil‖. 21

Era, segundo o ele, o ―ensaio não-especializado de assunto histórico-geral‖ 22. O

mesmo autor, em ―O significado de Raízes do Brasil‖, dá conta de que Sérgio

Buarque de Holanda ―puxou a sua análise para o lado da psicologia e da história

social‖ 23. A importância dos atributos de personalidade é patente na obra em

questão. Sua força é tão intensa que o próprio Holanda faz ressalvas às

interpretações contidas no livro, em trabalho posterior. No ―Prefácio à 2ª Edição‖

do livro Visão do Paraíso, o autor revoga a existência de ―alguma suposta e

imutável característica étnica ou (…) um vago ‗espírito nacional‘ dos portugueses‖

24, dando maturidade às obras anteriores, dentre as quais, Raízes do Brasil. Apesar

de relativizar o impacto da obra citada, Holanda não se desfaz de suas afirmações

anteriores, mantendo suas críticas às interpretações vulgares da teoria marxista e

alinhando-se às idéias de Bourdieu. Desta forma, o estudo das características e

atributos presentes na formação da sociedade brasileira não busca justificar ou

condenar as cidades atuais com vista nos atributos psicológicos de seus habitantes,

mas intenta compreender que elementos participam —ou podem participar— da

constituição da vida urbana.

Gilberto Freyre faz ressalva, semelhante à de Holanda, com relação àquela vertente

do marxismo. Ele também é contrário à ortodoxia na aplicação do materialismo e

afirma que em seu trabalho está

21 CANDIDO, 1970, p. 12.

22 Idem, p. 9.

23 CANDIDO in HOLANDA, 1995, p. 20.

24 HOLANDA, 2000, p. XIX.

―(…) apenas acrescentando a um sentido puramente material (…) um sentido psicológico‖. 25

A ―aventura de sensibilidade‖ 26 que o autor propõe traz algumas outras

justificativas, tais como as citadas a seguir.

―A história social da casa-grande é a história íntima de quase todo brasileiro.‖ 27

―No estudo da sua história íntima despreza-se tudo o que a história política e militar nos oferece de empolgante por uma quase rotina de vida: mas dentro dessa rotina é que melhor se entende o caráter de um povo.‖ 28

Na mesma linha, Bomfim defende a importância da ―herança‖ 29 para o estudo da

formação da sociedade brasileira. Segundo ele,

―é legítimo e indispensável, a quem se interesse pelos destinos desta pátria, procurar conscienciosamente os seus antecedentes históricos, esclarecê-los e apreciá-los na confirmação das qualidades que finalmente nos ficaram, e dos fatos que já são nossos (…)‖. 30

O sociólogo sergipano faleceu poucos anos após escrever seus últimos livros, o que

não lhe permitiu ponderar sobre a existência ou a força de um ―gênio português‖ 31,

como fez Holanda. De qualquer forma, seu trabalho baseia-se igualmente na

exploração do passado para o entendimento das características que compõem o

presente, a saber, ―herança e educação recebida‖ 32.

Sobre Freyre, também há inúmeros trechos —escritos por ele ou não— que

abordam suas escolhas metodológicas. Em ―A modernidade do mestre do Recife e a

modernização mesquinha da República‖, o historiador Nicolau Sevcenko insere

Freyre num panorama inovador da sociologia, em contato com a antropologia e a

psicologia social, especialmente a partir de seu envolvimento com a etnologia e sua

25 FREYRE, 2006 (A), p. 42.

26 Idem, p. 45.

27 Idem, p. 44.

28 Idem, p. 45.

29 BOMFIM, 1997, p. 83.

30 Idem, p. 35.

31 Idem, p. 83.

32 Idem, p. 54.

―concepção radical de relativismo cultural‖ 33, que extingue qualquer hierarquia

entre sociedades e entre conjuntos de valores. O historiador justifica que esta era

uma forma de resposta às tendências totalitaristas e racistas, crescentes na Europa,

após a Primeira Guerra Mundial.

Sevcenko lista os fatores formadores da etnologia, a saber, ―predominância do viés

da cultura sobre os fatores naturais‖, ―subjetividade inevitável do pesquisador e de

seus valores‖, ―importância do substrato material‖, ―relevância dos aspectos

subconscientes e da sexualidade‖ e ênfase em ―experiências do cotidiano‖. 34 Pode-

se dizer seguramente que tais características conjugam a obra de Freyre com os

intentos deste estudo. Sua intenção de analisar as casas brasileiras baseia-se no

estudo do estilo como tradução da forma de vida e das relações sociais nela

presentes, e não na estética ou no estudo das formas arquitetônicas por elas

mesmas. 35

Apesar da agenda própria do sociólogo recifense, Sevcenko delineia seu foco como

―(…) reconstituir um ethos, uma ambiência social carregada de memórias, emoções e excitação sensorial, uma experiência coletiva cujos sentidos se produziam e se encerravam nela mesma, uma vivência cultural cuja composição insólita, singularidade, inteireza e enraizamento territorial a justificavam como uma dimensão relevante em meio à diversidade humana‖. 36

A partir de exposições sobre o cotidiano nos engenhos e posteriormente nas

cidades, Freyre traz à tona os impactos dos acontecimentos históricos, em termos

afetivos e existenciais. Tais exposições não são fruto de imaginação privilegiada,

mas da adoção de métodos de pesquisa pioneiros, como a entrevista, que consistia

numa análise sutil de lembranças, esquecimentos e interpretações da vivência do

entrevistado em relação à visão do pesquisador. O próprio Freyre defende estes

novos instrumentos —―new tools of research ‖ 37— que buscam a experiência

pessoal como ressonância de processos sociais. De modo simplista, pode-se dizer

33 SEVCENKO in FREYRE, 2006 (B), p. 19.

34 Idem, pp. 19–20.

35 FREYRE, 2006 (A), pp. 34–36.

36 Idem, p. 22.

37 FREYRE, 2006 (B), p. 54.

que Freyre e Holanda recorrem ao indivíduo, devidamente contextualizado em

relação à sua posição no espaço social, como forma de entendimento da sociedade.

No trabalho presente, este olhar traduz-se em investigar os processos de

constituição das comunidades e povoações brasileiras, como forma de

compreensão da relação dos habitantes com o espaço urbano.

Holanda apresenta um panorama da colonização que abarca, com mais franqueza,

a região sudeste e, em especial, São Paulo. Freyre e Bomfim atêm-se com mais

precisão ao nordeste, mas o último expande seu olhar à região amazônica. A obra

do sergipano não foi reeditada antes da década de 1990, quando passou a ter mais

acesso e destaque no meio acadêmico. Entretanto seus coerentes ensaios não são

contribuição menos relevante que o restante da bibliografia central deste estudo,

apontadas suas peculiaridades.

A sociologia brasileira era, em princípio, praticada por uma maioria de advogados e

médicos —caso de Bomfim— visto que não havia faculdades ou cursos de ciências

sociais no país. Além disto, dada a ausência de linguajar específico para este campo

de estudo, a terminologia das ciências biológicas era tomada de empréstimo pelos

sociólogos, num momento em que a analogia entre a sociedade e o organismo era

tendência vigente na sociologia.

Assim, pode-se dizer que, formalmente, o sergipano enquadra-se num movimento

anterior, nas ciências sociais brasileiras, apesar de focar-se na mesma temática

desenvolvida no bojo do Modernismo, a saber, a busca do nacional a partir de suas

características de formação. Creio que os três autores não tratam da continuidade

por desprezo ao desenvolvimento, mas por que acreditam num processo de

transformação lento, gradual e orgânico. Acima de tudo, creio que eles buscam

―comprovar‖ a capacidade do povo brasileiro para tal transformação, ainda que

certos atributos apontados como formadores de nossa sociedade pareçam mais

obstáculos do que incentivos. Neste ponto, Bomfim destaca-se por seu otimismo e

confiança explícita na resultante da miscigenação ocorrida na formação social

brasileira.

O sergipano vai mais longe na caracterização de nossas qualidades; ele toma a

América Latina como recorte ao apresentar o foco de sua visão, o parasitismo das

nações ibéricas. O apontamento de um tipo específico de crustáceo que involui na

vida adulta pois resume suas atividades ao parasitismo demonstra a tese central do

autor, segundo a qual o parasita garante abrigo e alimento fáceis e, ―num tal

animal, a inteligência atrofia-se necessariamente‖ 38. Assim sendo, o parasitismo

degenera o organismo. Não obstante, a diferenciação —de órgãos, para os animais,

e de produção, para as sociedades— é tida como indispensável ao progresso e à

perfeição.

Uma sociedade parasita cessa seu desenvolvimento de saber sobre a natureza e

sobre a melhor forma de extrair dela sua riqueza, já que dela se afasta. Também os

valores morais são afetados, uma vez que tal sociedade ―passa a viver às custas de

iniqüidades e extorsões‖ 39. Para Bomfim, o verdadeiro progresso ―consiste no

horror da injustiça, independente de qualquer vantagem pessoal‖ 40. Por conta

deste conceito, ele condena —ou reconhece aquilo que condena— as metrópoles

ibéricas, degeneradas pela exploração.

Excetuadas as diferenças de linguagem e de referências, as análises desses três

pensadores são por demais semelhantes. Antecedentes portugueses, diferenciações

entre a colonização lusitana e a colonização espanhola e as contribuições e

articulações étnicas são aspectos observados e elaborados por cada autor. Mesmo

sem ressalvas ou considerações sobre o marxismo, Bomfim alinha-se claramente

aos outros, no desenrolar de seus ensaios. Assim como Holanda, ele é menos

ocupado com o cotidiano que Freyre, mas igualmente atento às características

subjetivas de formação da sociedade. Não é pois redundante apontar, mais uma

vez, seu entrosamento com o cabedal temático dos demais.

A coerência entre a proposta deste estudo e a bibliografia selecionada auxilia a

análise e, por conta disto, exige uma certa lapidação. Em um primeiro momento, a

obra Formação do Brasil Contemporâneo: Colônia, de Caio Prado Jr., foi

38 BOMFIM, 1993, p. 58.

39 Idem, p. 60.

40 Idem, p. 61.

considerada parte do conjunto de referências por ser outro expoente do estudo da

formação da sociedade brasileira, do mesmo período das obras de Holanda e

Freyre. Entretanto, seu foco de estudo, neste livro, foge ao temário desejado. Sua

análise da formação da sociedade brasileira vincula, para todos os efeitos, o Brasil à

Europa e ofusca os temas próprios do país em detrimento da articulação mercantil

entre os continentes. Assim, os fatores tomados em consideração são diversos dos

expostos pelos demais autores e, daqueles desejados para este trabalho. Para

Prado, a colonização das Américas foi apenas ―um capítulo da história do comércio

europeu‖ 41 e o objetivo de seu estudo é a ―exploração e ocupação‖ 42 deste

território, em função dos interesses europeus. Desta forma, sua preocupação com a

formação da sociedade brasileira, em estudo particular e distinto da européia ainda

que a ela relacionada, tem viés desigual em relação ao apresentado neste trabalho e

em suas referências bibliográficas centrais.

Posto isto à parte, ressalto ainda que Prado não faz uso de qualquer discriminação

sobre as diferenças entre as cidades brasileiras, entendendo que o país caminha,

como um todo, sobre o mesmo trilho. Pode-se dizer que, para o autor, não há

significância na autonomia apresentada por certas áreas do território. Com efeito,

ele cita, na ―Introdução‖ desta obra, notas sobre o ínfimo desenvolvimento agrícola

do estado de Goiás, registradas no ano de 1824 43. O uso destas observações como

forma de inquérito sobre o atraso brasileiro, demonstra a inserção de Prado na

visão sociológica totalizadora, ou seja, que recusa qualquer estratificação do

território.

Estas divergências destacam Prado da articulação proposta entre autores e temas.

Nos demais autores, a colonização é vista como fenômeno parcial, limitado às áreas

que floresceram sob a égide dos interesses da metrópole e àquelas influenciadas

por estas. De fato, foram as obras escolhidas que definiram com mais precisão

conceitual a área analisada. Conforme mencionado previamente, os autores estão

falando sobre um Brasil cujo sul está em São Paulo e o norte está no Maranhão. É

41 PRADO Jr., 2000, p. 11.

42 Idem, p. 11.

43 Idem, p. 5.

uma população que se concentra no litoral, avançando pouco para os sertões. A

oeste, as Minas Gerais são o limite. Nestes domínios, a exploração agrária ou

extrativista formou comunidades rurais, edificou suas parcas infra-estruturas e,

por força do fim do interesse em seus produtos, abandonou tais comunidades e

infra-estruturas em direção à faceta urbana desta ocupação. O espírito destas

populações —além de suas formas físicas e administrativas— desenvolveu-se e

fortaleceu-se neste ínterim.

Assim, ressalto que não são limites definidos com precisão de desenho. E nem é

isso que se espera, já que o mais importante é a definição dos fenômenos comuns

que tornam estas cidades parte de um mesmo processo e que atrelam seus

habitantes e suas vivências.

Da bibliografia apresentada, foram definidos três eixos de leitura; três temas a

partir dos quais os atributos psicológicos presentes na formação da sociedade

brasileira são vistos, articulados e relacionados a questões urbanísticas e de

práticas cotidianas. Estes eixos são ―Ocupação do território‖, ―Estado e leis‖ e

―Indivíduo, indivíduos‖, e serão desenvolvidos a seguir.

OCUPAÇÃO DO TERRITÓRIO

A distinção formal entre a configuração de assentamento praticada pelos espanhóis

e aquela praticada pelos portugueses na América é de suma importância para o

entendimento da urbanização brasileira, visto que não é apenas a diferença entre o

quadriculado e o traçado concordante com as formas naturais.

É preciso recordar que os portugueses viviam sob o embate entre sua aristocracia

rural e sua burguesia mercantil aliada à Coroa, sendo que a primeira contava com

influências do mundo árabe do norte da África e a segunda, dos judeus. 44 Todo o

conhecimento sobre as terras, seu cultivo e outros saberes agrários, havia sido

desenvolvido sob influência moura. A colonização brasileira, entretanto, era uma

empreitada burguesa que, a princípio, frustrou os interessados, já que não havia na

parte portuguesa do Tratado de Tordesilhas uma população apta à troca de bens e

especiarias, como nas Índias. Por certo período, a colônia portuguesa foi ignorada,

dada a ausência de possibilidades mercantis. Apenas com o aumento da demanda

pela da cana-de-açúcar nos mercados europeus é que os interesses da Coroa

dirigiram-se às vastas terras tropicais.

Contudo, os aventureiros que para cá vieram não eram mesmo os mouros. E apesar

de Freyre afirmar que se tratava de uma colonização agrária e não mercantil, ele

próprio corrige a sentença ao precisar que era o ―sentido agrário mais pervertido

pelo mercantilismo‖ 45. Em outras palavras, os senhores de engenho não tinham

suficientes conhecimentos sobre a terra, nem mesmo sentiam qualquer afeição por

ela 46, mas estavam imbuídos de ardor semita —conforme descreve o autor—,

ávidos por encontrar o que pudesse ser facilmente arrancado da terra. O pau-brasil

foi frouxa tentativa e o ouro, em princípio, nova frustração. De acordo com

Bomfim, os colonos não nutriam interesse pelas terras brasileiras, como

povoadores, mas defendiam-nas, integralmente, por serem propriedade da

metrópole.

44 FREYRE, 2006 (A), pp. 274–275.

45 Idem, p. 86.

46 Idem, p. 85.

A ocupação e o plantio na colônia portuguesa deram-se de forma primitiva, sem

traduzir a modernidade que pairava sobre a Península Ibérica. Apesar do largo

desenvolvimento das ciências de navegação, não havia desenvolvimento paralelo

dos conhecimentos agrários, o que levou o colono português —―assimilador e

assimilável‖ 47— a buscar as técnicas indígenas de cultivo. O que a terra apresentava

aos colonos era logo transformado em maneira de obter lucro e descartado, de

forma quase nômade, quando o plantio consumia de vez suas qualidades. E as

imposições da natureza não eram enfrentadas, em parte por falta de saber

específico e em parte por desinteresse.

Esse desinteresse não era um sinônimo de preguiça ou coisa que o valha, mas era

fruto da cultura comercial portuguesa. A Espanha constituiu-se como nação pela

articulação de diversas instâncias municipais, os ―fueros‖, cuja força de decisão era

suprema em relação ao poder nacional 48. A nação portuguesa tinha caráter inverso,

ou seja, sua unificação foi realizada ―por cooperação social bem explícita‖ 49 que

resultou em incontestável centralização. Bomfim afirma que, diferentemente dos

espanhóis, os portugueses foram capazes de transformar ―os ímpetos de

sobranceria individual, ou zelos locais, em capacidade de ação política conjunta‖ 50,

na criação e definição de sua pátria. Suas empreitadas de navegação correspondiam

a ações articuladas, definidas pela Coroa, enquanto a parte hispânica da península

vivia em constante disputa interna. Esses ―aventureiros‖ 51 —como os desenha

Holanda— eram capazes de atos épicos, realizados em arrojo emocionado e

grandioso, mas não davam valor à continuidade deste ato, ao planejamento de

ações sucessivas ou à busca por um resultado menos imediato. Via de regra, os

colonos portugueses perseguiam o lucro fácil, atingido pelo menor esforço possível,

mesmo em vista de um esgotamento próximo. Tudo que havia de heróico na

formação da nação lusitana foi amesquinhado pelo mercantilismo.

47 BOMFIM, 1997, p. 136.

48 Idem, p. 68.

49 Idem, p. 45.

50 Idem, p. 46.

51 Idem, p. 46.

A tomada das terras brasileiras não fugiu à regra. A adaptabilidade dos

portugueses, já acostumados inclusive ao clima tropical por suas incursões em

África e Ásia, é descrita por Holanda 52 e Freyre 53. O primeiro autor chega a exaltar

tal característica, indispensável ao sucesso da ocupação, em oposição a outras

tentativas de colonização, ao norte do país. Escreve ele que faltou aos holandeses a

capacidade de aceitar as peculiaridades da terra, vindo daí sua concentração no

meio urbano; Recife foi, de fato, a primeira cidade da colônia, a primeira

experiência urbana. Estes estrangeiros não obtiveram semelhante êxito no meio

rural, enquanto os lusos faziam suas as terras brasileiras, sem enfrentá-las. Refiro-

me a um enfrentamento que se manifestaria como produção de conhecimento. Os

portugueses estavam completamente sujeitos às condições naturais. 54 Em parte,

eles aproveitavam-nas ao identificar os produtos que podiam delas obter. Mas, por

outro lado, eles sofriam constantemente com os efeitos devastadores deste embate.

São inúmeros os relatos de que a terra era rude aos colonos, uma vez que estes

estavam sujeitos a cheias e secas de rios, por exemplo, que vinham sem serem

esperadas. Fica claro que os colonos desconheciam a periodicidade dos regimes

fluviais e eram surpreendidos, perdendo plantações, gados e posses.

Holanda opõe a obsessiva regulação e a ordem dos colonos espanhóis —derivadas,

segundo o autor, dos conflitos internos da nação— a uma suposta irracionalidade

portuguesa. Entretanto, a forma de ocupação territorial lusitana não é menos

desprovida de intenção que a espanhola. De fato, a adoção das linhas de cota como

guias de ocupação não expressa irracionalidade, nem a ortogonalidade hispânica

representa a única forma de ocupação planejada possível. Existe, no princípio

praticado pelos colonos lusitanos, a busca por caminhos menos íngremes, por

barreiras menos vultosas. A sinuosidade das plantas correspondia ao melhor acerto

dos cortes longitudinais. A urbanista portuguesa Maria Rosália P. Guerreiro,

resume de forma exemplar o conceito aplicado pelos colonos, na ocupação das

terras brasileiras:

52 HOLANDA, 1995, pp. 46–47.

53 FREYRE, 2006 (A), pp. 74–75.

54 Idem, p. 87.

―Percorrer a menor distância, utilizando sempre a menor pendente. Assim, o traçado dos itinerários sobre o terreno é feito idealmente pelas zonas de relevo que garantam a maior continuidade e horizontalidade no percurso, como sejam as linhas de talvegue, cumeada e meia encosta‖. 55

Os engenheiros-militares portugueses, formados na ascendente tradição iluminista,

aprendiam a adorar os ângulos retos e as cidades ditas racionais ou regulares,

planejadas a partir de construções geométricas precisas. São diversas as cidades

brasileiras que possuem planos de fundação ou regularização, datados dos

primórdios de suas existências. Contudo, a peculiaridade lusitana consistia no

aprendizado de que o plano ideal, traçado geometricamente, deveria ser sempre

reconsiderado no momento de sua construção, em vista da orografia do sítio. Era

esta a grande virtude destes engenheiros-militares: uma afirmação da supremacia

do território em relação ao plano, das condições naturais em relação à construção

humana. O contornar, ao invés do atravessar, era portanto rigorosamente

racional, resultando na deformação das grelhas nos planos urbanos e dos polígonos

nos fortes militares.

Assim, explica-se a forma de ocupação típica dos portugueses, a saber, o seguir as

indicações topográficas, espraiando-se por trilhas tortuosas. Não era de seu feitio a

construção de pontes ou outras obras de arte de engenharia que os permitisse

domar a natureza e impor-lhe seus desejos, mas isto dá-se também —e

novamente— pelo desinteresse dos colonos em constituir uma outra nação, nova ou

continuada. Não havia interesse, por parte do colono, em fixar-se; apenas a vasta

exploração lhe atraía. De acordo com um Pedro Dantas, citado pelo sociólogo

pernambucano, ―derramamo-nos em superfície antes de nos desenvolvermos ‗em

densidade e profundidade‘‖ 56. À metrópole não interessava investir na formação de

uma povoação com meios próprios de desenvolvimento; aos colonos, em maioria

portugueses de riquezas medianas, era sedutora a imagem do desbravador

independente em busca de riquezas a serem encaminhadas para Portugal. Não

havia portanto unidade em torno de uma construção autônoma, na América

portuguesa. Não havia pacto social entre os senhores das capitanias ou entre os

55 GUERREIRO in TEIXEIRA, 2004, p. 48.

56 FREYRE, 2006 (A), p. 89.

habitantes de uma capitania, já que todas as ações giravam em torno de interesses

econômicos individuais.

Por outro lado, o quadriculado dos espanhóis denotava, segundo Holanda, um

interesse em criar, na colônia, uma extensão da metrópole. Criar uma sociedade de

complexidade semelhante à da metrópole. Enquanto os portugueses defendiam a

totalidade do território de sua colônia, os espanhóis construíam cidades, novas

centralidades. Era indispensável que na colônia fosse construído um substrato

material capaz de dar forma a essa nova sociedade, ainda que em completa

submissão à antiga. Grosso modo, para que houvesse administração pública capaz

de organizar tal povoamento, era necessário que houvesse um prédio público, sede

do Estado. Para o encontro dos habitantes de forma a constituírem uma

comunidade era preciso haver, da mesma maneira, um espaço cívico

correspondente, uma praça ou um largo. E, para garantir que estas e outras

demandas fossem programadas e sanadas, era necessário lançar mão de certo

planejamento urbano; daí o quadriculado, uma forma, entre tantas, da ocupação

significar organização. Assim, os colonos espanhóis lançavam mão desta

morfologia que permitia o desenvolvimento da população da colônia, integrando

seus habitantes à organização política e social definida. Em outras palavras, o

poder público buscava forjar um pacto social em nível municipal para esta

comunidade igualmente forjada.

O planejamento urbano era elemento patente da colonização espanhola e, como já

citado, carregava a intenção de erigir uma sociedade, o que passava também por

erigir seus espaços e edificações. A burguesia portuguesa, por sua vez, não era

afeita ao planejamento. Apostava na descoberta. Holanda insiste no desânimo

lusitano em relação ao trabalho 57, em especial ao trabalho braçal, considerado

denegridor da alma e degenerante da inteligência. Segundo o autor, ―faltou‖ 58 à

colonização portuguesa o zelo espanhol de criação de bases físicas para o

estabelecimento da sociedade colonizada de forma controlada. Construir algo além

daquilo que supriria suas necessidades contíguas era quase vexaminoso, um

57 HOLANDA, 1995, p. 44.

58 Idem, p. 95.

desperdício. Significava que ao indivíduo faltavam escravos que pudessem fazer o

trabalho por ele. Ou seja, não havia necessidade de construir sistemas de infra-

estrutura, mesmo que precários, pois era socialmente mais valioso que o senhor

dispusesse de um sem número de escravos para realizar as tarefas necessárias.

A ocupação das terras brasileiras foi feita por seqüências de conquistas pessoais, o

tal ―personalismo‖ 59, como o chama Holanda. A Coroa displicente e desinteressada

do ônus da colonização e os portugueses interessados em passar-se por aristocratas

ou senhores feudais. Nem era bem visto necessitar da Coroa para povoar suas

terras. Desde o princípio, a ocupação e a vivência eram distanciadas de qualquer

organização social em torno do bem comum, de forma que não interessava ao

senhor da capitania fixar-se por demais a uma localização e nela desenvolver certa

comunidade.

Justifica-se assim, no caso brasileiro, a afirmação de que se optou por ―derramar-se

em vez de condensar-se‖ 60. A vastidão das terras convidava os colonos portugueses

a se espraiarem, ratificando seus domínios fáceis, ao invés de consolidarem o

povoado que criavam. Esta ocupação irregular e desenfreada —e um tanto

nômade— confirmava a posse de um indivíduo, dono das terras, dos meios de

produção e das vidas dos demais. E a edificação destas comunidades, suas

construções e seu desenho, arraigava esta forma de domínio, centrada no engenho

e no ímpeto pessoal. A falta da regularidade hispânica e o enviesamento da

ocupação pelos interesses econômicos deixaram vastas porções da possessão

portuguesa no esquecimento, gerando desigualdades de difícil superação. Para citar

algumas destas porções —e tratando apenas daquelas pertencentes ao litoral—,

Bomfim escreve sobre

―Porto Seguro, Ilhéus, Espírito Santo, (…) continuaram praticamente esquecidos, tanto que, ainda hoje, o seu progresso disto se ressente.‖ 61

Relatos do frei Vicente do Salvador —considerado o primeiro historiador

brasileiro—, citados por Holanda e Freyre, dão conta da escassez das construções

59 Ibidem, p. 32.

60 FREYRE, 2006 (A), p. 88.

61 BOMFIM, 1997, p. 90.

que hoje chamamos de infra-estruturais. Não havia pontes, ruas, estradas, praças

ou largos. As poucas edificações urbanas existentes, e mesmo as de uso público,

eram fruto do investimento privado e a ele relacionado. Tratando dos preceitos da

economia mercantil lusitana, diz Holanda, que

―Não convinha que aqui se fizessem grandes obras, ao menos quando não produzissem imediatos benefícios.‖ 62

Estradas eram capinadas quando havia interesse do senhor em transportar sua

produção a um determinado ponto. Buscava-se o escoamento, e não a

comunicação. A ocupação territorial firmava a relação do continente com o

mercado internacional, essencialmente com a Europa, e furtava-se à integração das

capitanias e de seus habitantes, imersos nessa organização unicamente de

produção.

Na ―Introdução‖ de Diálogos das Grandezas do Brasil, o historiador Capistrano de

Abreu ressalta que a economia colonial era um misto entre o processo capitalista de

exportação e as trocas naturais amonetárias no mercado interno. A ausência de

atributos capitalistas nas relações internas deu o tom à sociedade colonial e ao

espaço público. Segundo o autor,

―A falta de capitais restringia muito as manifestações da vida coletiva‖. 63

A defesa do território brasileiro é ponto de destaque da atuação dos colonos

portugueses. Suas habilidades de combate são exemplares e muito superiores às de

seus oponentes, no período. Sua determinação é amplamente citada e celebrada

como manifestação do caráter nacional da população brasileira. Parece

contraditório que os habitantes da colônia, tão desinteressados em seu

desenvolvimento independente, demonstrassem-se tão inquestionáveis quanto à

manutenção do território nacional como único. Não havia sequer integração

territorial que justificasse tal esforço. Bomfim, que procura refratar as teses de que

62 HOLANDA, 1995, p. 107.

63 ABREU in BRANDÃO, 1977, p. 17.

o Brasil estaria historicamente condenado ao fracasso, acredita que a

preponderância da solidariedade sobre o interesse econômico explica o fato. 64

Justamente pela importância atribuída pelo autor ao fato, creio que é indispensável

atentar para a hipótese de que a defesa do território total represente, no

desenvolvimento brasileiro, apenas uma artificialidade, tendo efeito oposto ao

descrito. A manutenção da unidade nacional, tal como foi realizada, segue a lógica

da dominação portuguesa, ou seja, é coerente com as intenções da metrópole e para

ela tem significado. A ocupação das terras brasileiras foi obviamente parte destas

intenções, mas a permanência de suas características configura empecilhos à

emancipação da sociedade brasileira. Esta condição reflete-se, nas cidades, cuja

lógica de desenvolvimento e cuja forma raramente são de desenvolvimento próprio,

mas sim, de razões impostas, que resultam em sobreposições e incoerências entre a

vivência e a cidade.

O desbravamento do interior foi ínfimo em relação à ocupação litorânea. Segundo

Bomfim, a expansão em direção ao norte do território foi semelhante àquela

realizada pelos bandeirantes paulistas, mas seu desenvolvimento foi menos

pronunciado por causa de seus dirigentes impregnados pelos ―costumes da

conquista‖ 65, ou seja, por causa da ambição que restringia o desenvolvimento;

muitas outras regiões foram prejudicadas por semelhante mal, segundo o autor. Já

Freyre e Holanda discordam quanto ao aprofundamento da ocupação no período

colonial. Para ambos, as bandeiras e monções significaram uma busca pelo interior,

mas o primeiro autor afirma que a ação particular proporcionou vasta ocupação do

sertão 66 e o segundo é categórico ao apontar que estas incursões tinham caráter

temporário e que, findas as atividades extrativas, os aventureiros dos sertões

brasileiros retornavam à costa 67. Para dar provas disto, Holanda recorre, mais uma

vez, à comparação entre as ocupações portuguesa e espanhola. Segundo ele, os

espanhóis empenharam-se tanto mais na conquista do interior que chegaram a

menosprezar o litoral. Decretos vindos da metrópole taxavam o litoral como 64 BOMFIM, 1997, p. 330.

65 Idem, p. 239.

66 FREYRE, 2006 (A), p. 80.

67 HOLANDA, 1995, pp. 101–102.

território insalubre e desaconselhável para o assentamento, dadas suas pobres

condições ambientais e de proteção contra invasores. Parte das especificações de

ocupação feitas pela Coroa espanhola determina a qual distância da costa devem

localizar-se as cidades da colônia.

O caso brasileiro vai pelo oposto. A Coroa portuguesa não permitia o acesso ao

interior, salvo em exceções concedidas para fins específicos, temendo o abandono

do litoral, local primordial da proteção. De qualquer forma, o desinteresse pela

construção de uma comunidade estruturada por seus próprios meios somava-se às

proibições da metrópole e, desta forma, o sertão brasileiro permanecia ignorado.

Estabeleceu-se, portanto, um distanciamento entre as áreas de contato com a

Europa e o sertão, da mesma forma como se distanciavam as povoações

precariamente estabelecidas na faixa litorânea.

A colônia consistia num ―lugar de passagem, para o governo e para os súditos‖ 68.

Nenhuma integração era favorecida, nenhuma construção era coletiva. No anexo ―A

língua-geral em São Paulo‖, do capítulo ―O Semeador e o Ladrilhador‖, Holanda dá

um panorama do isolamento em que se encontravam vilas e povoações da referida

região, nos séculos XVII e XVIII —antes da descoberta do ouro nas Minas Gerais—

através da averiguação do uso corrente de línguas indígenas, entre os colonos aí

estabelecidos. Além do isolamento entre povoações, a autonomia dos engenhos

contribuiu para a colonização esparsa. As cidades foram preteridas em relação ao

campo, sede da vida familiar e da produção. Aliás, é correto afirmar que o cotidiano

organizava-se em torno da família —―o grande fator colonizador no Brasil‖ 69—,

pequena expansão do comando do senhor de engenho, numa continuidade do

―individualismo‖ configurador da ocupação territorial. O engenho concentrava as

funções necessárias em edificações próprias e privadas, tais como a capela, a

senzala e os espaços de produção. Era uma pequena cidade, de complexidade

ínfima. De acordo com Holanda,

68 Ibidem, p. 99.

69 FREYRE, 2006 (A), p. 81.

―Toda a estrutura de nossa sociedade colonial teve sua base fora dos meios urbanos‖. 70

Bomfim corrobora com tal afirmação ao calcar que o

―Brasil começou a vida civilizada na produção agrícola‖. 71

A organização social do engenho, partícula representativa da organização social da

colônia, era composta essencialmente por dois conjuntos, sendo eles, a família do

senhor e seus escravos. Dentre os escravos, certas distinções resultavam em

diferenças nas condições de vida. Entretanto, a imensa maioria deles não passava

de mais um meio de produção, como um boi ou um instrumento de cultivo da terra.

Disso, apreende-se que, nesta restrita ordem social, não havia classe média, livre,

com interesses e ofícios diversos. Não havia ―povo‖ 72, segundo descrições de

Freyre. Não havia quem habitasse numa cidade, portanto.

Em fins do século XVIII e começo do século XIX, tem início a transição do campo

para a cidade. Após o rompante precoce de Recife sob a toada holandesa, é a vez de

Vila Rica. A descoberta de ouro leva à ocupação das Minas Gerais, de forma diversa

daquela praticada nos engenhos. Parte das cidades corresponde rigorosamente ao

local de exploração, ou seja, às encostas cravadas de minerais e às margens dos

rios. Desde sua formação, estas cidades apresentaram problemas de saneamento e

de más condições de ocupação, em vista da precariedade do território em que se

assentam. A cidade de Mariana, fundada para ser sede do bispado e, portanto,

representante da administração pública na região de extração aurífera, passou por

processo distinto; foi planejada e teve seu sítio escolhido. Explica-se assim sua

topografia, menos penosa aos habitantes.

Uma das circunstâncias que propiciou este desenvolvimento foi o surgimento de

um segmento médio de população; começa a tomar fôlego uma classe de homens

livres, entre negros alforriados, filhos bastardos de senhores de engenho, filhos sem

função na empresa familiar e outros tipos. A perspectiva de que qualquer sujeito

70 HOLANDA, 1995, p. 73.

71 BOMFIM, 1997, p. 248.

72 FREYRE, 2006 (A), pp. 97–98.

poderia fazer riqueza encontrando ouro atrai um grande número de pessoas,

criando o maior núcleo urbano da América Latina, até então. Em vista destas

condições, surge a demanda pela diversificação da produção de bens de consumo e

do oferecimento de serviços, dos mais variados. Surgem cidades, núcleos de

ocupação, conglomerados de habitantes, negociantes, comerciantes, produtores e

prestadores de serviços. De outras regiões da colônia, vêm alimentos e cabeças de

gado. Além de pessoas. As comunicações são fortalecidas, a fim de dar vazão às

transações necessárias.

A Salvador fundada nos primórdios da ocupação portuguesa, cerca de dois séculos

antes, não passou por tamanha dinamização de funções. A cidade baiana, primeira

capital nacional, tinha por função ser a ligação das terras americanas com a Coroa e

seu traçado seguiu a orientação do oceano, comum às cidades brasileiras

colonizadas. Seu plano divide-se em cidade baixa, estritamente voltada para o

escoamento e a relação com a metrópole, e cidade alta, onde se localiza o casario.

Em princípio, a cidade era ocupada apenas em época de festas religiosas. Não era

vivida, portanto, a não ser por uns poucos, em geral, personagens marginais da

hierarquia social.

Antes do século XIX, havia poucos núcleos urbanos. Foi o deslocamento do foco

econômico, quando das proibições ao tráfico negreiro, que deu vazão à transição. 73

As edificações antes inseridas no complexo construído e na dinâmica de vivência do

engenho ganham paralelos na cidade. A capela torna-se a igreja; a senzala, o

mucambo; a casa-grande, a chácara ou a casa da cidade. O engenho explode em

partes distribuídas na cidade e, aos poucos, os habitantes do campo vão

transferindo-se para a cidade. Em algumas décadas, os núcleos urbanos —novos e

antigos— fortalecem-se, a saber, Rio de Janeiro, Salvador, São Luís e São Paulo.

Recife tem novo momento de consolidação urbana, desta vez, sem as características

holandesas, que propiciavam maior regularidade de traçado, ocupação de áreas de

melhores condições topográficas, edificação de infra-estrutura administrativa e

construção de ruas, pontes e outras formas urbanas.

73 HOLANDA, 1995, p. 76.

A ocupação urbana praticada por aqui, distinta ou até oposta à descrita acima,

preserva certos traços da ocupação rural, em especial o traçado despreocupado com

o controle sobre o território e a segregação social. Não havia determinações de

assentamento, além daquelas já praticadas pelos primeiríssimos colonos

portugueses. Segue-se a topografia, ajeita-se às condições naturais. A diferença

entre os centros históricos de Recife, holandês, e de Olinda, lusitano, dá a idéia da

oposição entre o planejamento que vence barreiras naturais em nome de melhor

funcionamento e morfologia e a ocupação que se contenta com os meandros do

terreno, contornando seus obstáculos e deixando-se determinar por eles. De fato,

os centros históricos das demais cidades mencionadas são marcados pela

sinuosidade das ruas e edificações e pela variedade dos espaços formados por elas.

O planejamento não estava na agenda da metrópole. De fato, sua presença era mais

sentida como interferência que como organização. O Estado voltava-se à colônia —

e suas cidades— quando o lucro de sua exploração encontrava-se, de alguma forma,

ameaçado. Vila Rica teve de submeter-se a regras e leis que garantiam os ganhos da

metrópole sobre o ouro extraído e cerceavam a exploração de forma a manter os

privilégios da Coroa. As tais regras e leis não organizavam a exploração, entretanto.

Nem tomavam em consideração o impacto da atividade mineradora sobre a cidade.

As cidades constituíam-se pelo constante embate de setores privados, sendo que

alguns tinham privilégios e meios de consolidarem suas vontades e outros se viam

desamparados e tinham que aceitar as condições que lhes restavam. Como no

engenho, a distribuição espacial urbana e as condições de vida eram determinadas

pelo mais forte. Os senhores de engenho, agora transfigurados em burgueses,

ocupavam casas amplas e confortáveis em porções servidas por avanços urbanos.

Nos mucambos, os excluídos eram confinados em subúrbios e periferias, muitas

vezes, em condições miseráveis. Os indivíduos de classes médias equilibravam-se

entre estes extremos.

A falta de ação organizadora do Estado não era apenas descaso, mas a tradução da

forma que o patriarcalismo tomou em sua transposição do campo para a cidade.

Antes, era explícito e legítimo o prevalecimento das vontades dos senhores de

engenho. Agora, seus interesses continuam a determinar o resultado das equações,

mas não são impostos, são negociados no meio político.

Freyre escreve que os interesses de ―atravessadores e (…) negocistas‖ 74 prevaleciam

sobre os de produtores, fazendo perseverar o caráter original da ocupação

brasileira; despreocupado com as condições de vida na colônia, já que

descomprometido com a criação destas condições. A ocupação das cidades

enfrentava diversas precariedades, dificilmente supridas, já que se dava ênfase às

atividades mercantis. A população ficava à mercê dos interesses privados. Em todo

caso, o embate de interesses setoriais era mediado pelo poder público, mas não era

controlado por ele. Os interesses particulares prevaleciam sobre os gerais. 75 No

trato da questão urbana —que configura um constante embate de interesses, por

excelência, já que trata do agrupamento de diferentes setores e famílias— a

ineficácia ou o enviesamento do poder público tem reflexão direta sobre a vivência.

Conforme citado, Freyre associa a intensificação das construções nas primeiras

cidades brasileiras ao deslocamento dos investimentos antes aplicados ao tráfico

negreiro. Com as limitações e, por fim, a extinção da escravatura, o capital ocioso

foi direcionado para as construções de baixo custo e má qualidade 76, no meio

urbano. A falta de mão-de-obra capacitada e a indisponibilidade próxima de

materiais satisfatórios —além da busca por lucro máximo, em detrimento de certos

padrões de qualidade— comprometeram as edificações urbanas para as classes

média e baixa. Isto, considerando ainda a inadequação dos hábitos rurais à vida

coletiva, dá o tom da convivência urbana. Os sobrados e as ruas são descritos como

―inimigos‖ 77; as ruas representavam uma ameaça à decência dos moradores dos

sobrados e estes, faziam pouco caso das ruas, despejando nelas seus dejetos

incômodos. Excetuando-se os privilegiados —que podiam arcar com os custos do

impacto de seus hábitos rurais—, os habitantes de uma cidade brasileira em

formação viviam em condições precárias de salubridade.

74 FREYRE, 2006 (C), p. 287. 75 Idem, p. 287.

76 Idem, p. 329. 77 Idem, pp. 318–319.

Para os fins deste estudo, é relevante insistir que não é a descrição das tais

condições o que mais interessa, mas a forma como se chegou a elas. No caso da

formação das cidades brasileiras, pode-se dizer que o conceito de posse e direito à

terra foi transmitido dos engenhos às cidades. 78 A periferia, cedida aos pobres, não

compreende apenas os territórios marginais em termos de localização, mas

também, em termos de disponibilidade de benefícios urbanos.

Retomando o conceito de capital de Bourdieu, vejo que a terra tem caráter

determinante em relação ao posicionamento dos indivíduos no espaço social. A

posse da terra garante meios de enriquecimento financeiro e de prestígio. Mesmo

em uma economia rural decadente, com o declínio da lavoura e a ascensão da

indústria, a posse da terra ainda caracterizava-se como favorecimento, uma vez

que, na cidade, a concentração de terras também traz melhores condições, de

forma análoga à que ocorre no campo. Aqui, não se trata exclusivamente das

dimensões do lote habitacional, mas da soma virtual das terras urbanas de que se

beneficia um indivíduo. Ao habitar num local próximo a meios de transporte,

oportunidades de emprego e estabelecimentos de lazer e de abastecimento, o

indivíduo agrega manchas urbanas de uso à sua habitação. O distanciamento em

relação ao rol citado faz com que o indivíduo deixe de ―possuir‖ tais complementos.

Sua vivência passa a ser empobrecida em relação ao primeiro caso.

A distribuição das terras urbanas, remetendo ao conceito de ―posse‖ acima

descrito, seguiu o padrão de desigualdade praticado no mundo rural; além da pior

qualidade das condições de moradia, a população mais pobre sofria ainda com o

distanciamento em relação aos complementos —não tanto complementares, quanto

essenciais à vivência urbana. A passagem do campo —território de formação da

sociedade brasileira, seus costumes, hábitos e modo de agir e pensar— para a

cidade teve algo de transformação, com a inserção de novas formas de morar

trazidas da Europa e o avanço industrial combinado com a lavoura de café.

Entretanto, a tal passagem, foi igualmente ou mais importante o caráter de

78 Ibidem, p. 302.

continuidade do rural no urbano, dado que as transformações são recorrentemente

consideradas superficiais, inadequadas e incompatíveis com os hábitos em voga.

É marcante a presença da constatação de que alguma característica relevante para

a compreensão da vivência urbana ―se dava tanto nos sobrados das cidades quanto

nos engenhos‖ 79. Pela repetição desta sentença, Freyre indica o grau de

permanência das relações no espaço social brasileiro. Em princípio, entre o

sobrado e a rua, havia o mesmo isolamento que houvera entre o engenho e a

cidade.

A ocupação do meio urbano teve poucos momentos de evolução orgânica, gerados

por um desenvolvimento interno e pela diversificação gradual da produção e da

composição social das povoações brasileiras. Recife e Vila Rica são os expoentes de

tal forma de desenvolvimento, em que a vida nas cidades não correspondia apenas

à transposição do campo para o meio urbano. Freyre trata desta peculiaridade ao

examinar o uso do espaço público nas ―cidades do norte‖ 80, onde, segundo ele,

havia plena circulação nas ruas. A começar por Salvador e seguindo até o Rio de

Janeiro, a constatação já é outra; os indivíduos mantinham hábitos caseiros,

semelhantes aos praticados nos engenhos. A obra Amar, Verbo Intransitivo, de

Mário de Andrade, publicada pela primeira vez em 1927, coloca-nos a par desta

característica ao retratar o cotidiano de uma família de novos ricos, na industrial

São Paulo da década de 1920. A casa, um palacete isolado num grande terreno, era

o local de ensino e convivência dos filhos. Alguns espaços de lazer externos são

descritos, tais como o cinema e a casa de baile, mas a movimentação social

relacionada às ruas é limitada. Pela descrição é possível imaginar que, décadas ou

séculos atrás, o uso do espaço público era ainda menos explorado, assemelhando a

vivência nas cidades, ainda mais, àquela experimentada nos engenhos.

O quilombo de Palmares é retratado como ―a primeira cidade a levantar-se contra o

engenho‖ 81, posto que apresentava produção diversificada e pautava-se pela

coletividade, em detrimento do individualismo patriarcal, que contribuía para a

79 Ibidem, p. 144.

80 Idem, p. 145.

81 Idem, p. 149.

precariedade das comunicações na colônia, limitadas, como já visto, aos interesses

de escoamento da elite negociadora.

Holanda define, com precisão, o prejuízo da falta de continuidade destes momentos

de desenvolvimento orgânico, atropelados por surtos ou determinações exógenas:

―Trouxemos de terras estranhas um sistema complexo e acabado de preceitos, sem saber até que ponto se ajustam às condições da vida brasileira e sem cogitar das mudanças que tais condições lhe imporiam‖. 82

A urbanização brasileira deu seqüência, pois, ao caráter conflituoso da colonização,

embate entre os colonos e o vasto território a que os demais grupos apenas

assistiam; embate este nunca superado, mas constantemente remodelado, em

paisagens consecutivas. Do campo para a cidade, a terra continuou concentrada e

exclusiva, trazendo privilégios e cerceando um desenvolvimento mais pleno. A

cidade fragmenta-se, cria isolamentos e restringe as possibilidades de encontro.

82 HOLANDA, 1995, p. 160.

ESTADO E LEIS

A característica mais relevante do Estado na formação da sociedade brasileira é a

ausência, sob variadas acepções. Em parte, pela frustração dos planos iniciais de

exploração econômica da colônia, em parte, pelo desinteresse português, não houve

muito esforço para constituir, nas terras recém descobertas, um sistema

administrativo sediado na América. Feitorias ao longo da costa eram responsáveis

pela proteção da posse portuguesa, contestada e invadida por outras nações

européias, de menor porte marítimo. A metrópole não exigiu maior esforço que

este e a única condição indispensável era a manutenção da posse integral das terras

portuguesas sob domínio da Coroa, feita através de constrições da ocupação e do

desenvolvimento, que deveria ser dirigido à exploração e ao lucro para os

portugueses.

A maneira espanhola de colonização traz a presença significativa da

regulamentação, que quer dizer, em outros termos, a presença do poder público e o

reconhecimento da colônia como parte da metrópole, ―prolongamento orgânico‖ 83

desta. Os portugueses, por sua vez, optaram pela entrega das terras a proprietários

privados; forma de ocupação sem ônus para a metrópole e sob controle total e

inquestionável daqueles que aceitaram a tarefa. Eles eram donos das terras e

legisladores da vida que se desenvolvia em sua superfície. Esta associação entre

propriedade e mando 84 —de várias naturezas— tornou-se uma instituição,

corroborada pela postura estatal de mínima presença. De fato, antes de se falar em

Estado, no Brasil, é preciso falar do regime patriarcal e escravocrata e das

sesmarias.

No que concerne à ―gerência‖ das terras brasileiras, o individualismo e a aversão ao

planejamento e ao esforço continuado também deixaram suas marcas. O poder do

Estado era suprimido pelo poder do donatário e, posteriormente, do senhor de

engenho, cujo domínio sobre meios de produção, escravos e familiares era

concomitante com o domínio sobre as regras. Para Portugal, o interesse era passar

83 HOLANDA, 1995, p. 98.

84 FREYRE, 2006 (A), p. 324.

adiante a responsabilidade e o custo da ocupação, dividindo o território em

capitanias e entregando-as a portugueses de classe média, sem grandes

propriedades, mas com desejos de poder aristocrático. De fato, o senhor de

engenho é descrito por Freyre como detentor do ―mando político‖ 85, já que ele era,

para todos os efeitos, o administrador de suas terras, e a ação da Coroa era

insignificante. A sociedade colonial desenvolveu-se ―Menos pela ação oficial do que

pelo braço e pela espada do particular‖ 86. O centro da organização social era a

família e o senhor de engenho comandava sua propriedade, e o que nela estivesse,

como um chefe de família. Holanda apresenta seu entendimento sobre as

diferenças entre o Estado e a família 87, de maneira oportuna para esclarecer os

malogros da confusão presente na sociedade escravocrata e patriarcal. Para o autor,

o Estado e a vida pública são opostos à família, à medida que baseiam suas

regulamentações em princípios abstratos e não afetivos. Além disto, as relações

familiares são marcadas pelo interesse particular, enquanto o Estado busca o

interesse geral.

A casa senhorial apresenta extensa autonomia, derivada do modo de vida rural, o

que reforça a afirmação do poder patriarcal, ―virtualmente ilimitado‖ 88 e

inquestionável, que transborda, sem impedimentos, para a vida pública. O

engenho, primeira forma significativa de povoação na colônia, concentrava

diversas funções, tais como a religiosa, a de moradia, a de formação e educação, a

de produção e a administrativa. A sociedade nela presente era composta apenas por

uma classe dominante e outra, dominada. Aqueles que não possuíam poder de

mando estavam automaticamente subordinados aos que possuíam. O ―gosto pelo

mando‖ é apresentado como ―senso de autoridade‖ ou ―rude autoritarismo‖. 89 Não

havia Estado na vivência em território colonizado. A Coroa lusitana garantia sua

posse sobre estas terras justamente pela abdicação de torná-las suas, de fato, e o

Brasil forma-se como uma abstração do domínio português. Destarte, o território

85 Ibidem, p. 85.

86 Idem, p. 65.

87 HOLANDA, 1995, pp. 141–142.

88 Idem, p. 82.

89 FREYRE, op. cit., p. 114.

brasileiro fragmenta-se nestas povoações auto-suficientes e centradas em si, onde a

administração é sinônimo de exploração e desigualdade. De qualquer forma,

mesmo após a proclamação da independência, a tradição do mando dos senhores

mantém-se já que são eles e seus filhos, profissionais liberais e universitários,

―quem monopolizava a política‖ 90. Nesta mesma classe, estavam os contestadores

da tradição rural e os empreendedores de alguns dos movimentos de caráter liberal

ocorridos no país. 91

As desintegradas povoações brasileiras estavam envoltas num arranjo cuja lógica

era a de exploração da metrópole e não a de desenvolvimento dessa porção da

América. Esta condição pode ser descrita como inorgânica por ser composta por

sobreposições ao invés de linearidades. As características que definem este

desenvolvimento são, quase sempre, impostas por circunstâncias externas à

vivência dentro deste território, o que rasura a sua coerência.

Conforme descrito anteriormente, a descoberta do ouro nas Minas Gerais cativa o

interesse da metrópole em reforçar seu poder sobre a colônia, ainda que sem

intenção de criar ―alguma coisa de permanente‖ 92. O Estado, agora mais presente e

a fim de defender seus privilégios sobre a exploração, ocupava-se da

regulamentação de impostos sobre o ouro e os diamantes extraídos e pouco se

interessava pela necessidade de constituição de um substrato material para a

ocupação das Minas Gerais.

A partir desse período, outras cidades desenvolvem-se, por vocações diversas, e o

poder público nelas se instala. A despreocupação com a qualidade de vida nas

cidades nascentes mantém-se e são poucos os homens públicos que defendem a

―fiscalização‖ 93 das construções urbanas. Para constituir o quadro de funcionários

públicos, são chamados pela Coroa os homens mais influentes e importantes do

país. Em outras palavras, os senhores do mundo rural e seus familiares. Junto com

eles, vêm valores e práticas pertencentes ao sistema patriarcal e escravocrata.

90 HOLANDA, 1995, p. 73.

91 Idem, p. 73.

92 Idem, p. 103.

93 FREYRE, 2006 (C), p. 330.

Antes, a administração não se ocupava do que se pode chamar grosseiramente de

bem comum. Agora, o poder público torna-se uma espécie de trampolim para os

interesses privados. Holanda afirma que as práticas coloniais rurais viciam a

formação urbana, neste momento, em especial o desinteresse dos colonos em

constituir uma sociedade autônoma e o prevalecimento dos interesses particulares

sobre o interesse público. Diz o autor,

―No Brasil pode-se dizer que só excepcionalmente tivemos um sistema administrativo e um corpo de funcionários puramente dedicados a interesses objetivos e fundados nesses interesses. Ao contrário, é possível acompanhar, ao longo de nossa história, o predomínio constante das vontades particulares que encontram seu ambiente próprio em círculos fechados e pouco acessíveis a uma ordenação impessoal.‖ 94

Cargos burocráticos e administrativos são associados à inteligência e servem como

demarcadores da diferenciação entre trabalho mental e braçal. Freyre retrata, em

diversos trechos, as instâncias administrativas como alheias ao interesse público,

quando não, explicitamente voltadas ao particular. 95 É criada toda uma máquina

administrativa que funciona através do equilíbrio dos interesses conflitantes das

elites, que fazem dela meio de garanti-los. Se recordarmos a exceção que é feita por

Bourdieu na análise da sociedade soviética, nos veremos diante de nova exceção,

semelhante, mas não idêntica. O caso, na sociedade colonial brasileira, não é a

inadequação do capital econômico, mas a existência também de um capital

público, definido pelo poder público como concentrador de interesses das classes

dominantes, de forma que, a proximidade com o poder público traz vantagens e

privilégios. A lógica do engenho, feita de dominantes e dominados, é trazida pelos

senhores para o poder público urbano, em formação.

Obviamente, os senhores também enfrentaram o poder público. O poder senhorial

era, muitas vezes, conflitante com a administração estatal, mesmo por que esta era

parte de um sistema novo de organização social, política e econômica. A cada

momento, ou ciclo econômico, uma nova elite era formada e o ―novo‖ e o ―velho‖

entravam em confronto. Entretanto, as velhas elites não perdiam, de todo, seus

94 HOLANDA, 1995, p. 146.

95 FREYRE, 2006 (C), p. 289; 329.

―privilégios‖ e sua ―grandeza‖, mesmo por que as mudanças burguesas são

orquestradas por familiares dos senhores de engenho. 96 Como já visto, as

ocupações burocráticas e administrativas são entregues, de qualquer forma, ―à

gente principal do país‖ 97, ou seja, aos fazendeiros e senhores de engenho, o que

ameniza os confrontos. Mesmo quando a economia do país começa a voltar-se para

atividades financeiras, os senhores não arcam com os prejuízos do decaimento da

importância agrária, pois o Estado lhes ampara. 98

A proclamação da República pouco altera as posições sociais dos grupos existentes

no país, como se vê pela adoção da figura do genro bacharel do senhor de engenho

99, como emblema do segmento responsável pela introdução de idéias republicanas.

Transcrevendo as palavras de Ruy Barbosa, Freyre deixa claro que não havia

resistência significativa às mudanças, o que permite entrever o quão rasas elas são.

Havia, segundo Barbosa, uma ausência de ―pontos de resistência‖ e ―elementos

conservadores‖ 100. Caricaturas de fundo político do imperador Pedro II faziam

críticas e deboches mas nunca foram motivo de ―animosidade‖ 101 que trouxesse

conseqüência extrema. Alteram-se as denominações, criam-se novos partidos e

instituições, trocam-se os meios de exploração mas pouco se altera a hierarquia

social e o feitio da administração pública.

Mantinha-se a divisão entre dominados e dominantes, no poder público carregado

de caracteres rurais. Aos dominantes, eram assegurados planos, incentivos e

melhorias e os dominados eram excluídos, apenas coexistindo sob a mesma

administração. As cidades crescem a partir da formação de uma classe média, um

―povo‖, uns cidadãos, mas estes pareciam não ser suficientes para reverter a

hierarquia patriarcal. Freyre afirma que esta classe não passava de uma massa

apática, a quem a elite não prestava contas. 102 As reformas brasileiras eram

realizadas ―de cima para baixo‖, a partir da vontade da elite e em direção a seus

96 Ibidem, p. 111.

97 HOLANDA, 1995, p. 82.

98 FREYRE, op. cit., p. 123.

99 FREYRE, 2006 (B), p. 227.

100 Idem, p. 226.

101 Idem, p. 229.

102 Ibidem, p. 205.

interesses —dos mais conservadores aos ditos progressistas. Freyre admira-se com

a capacidade de adaptação e acomodação dos grupos opositores que, não pouco

depois da instauração do regime democrático, buscam fazer dele algo desejável e

tentam resguardar certas características da Monarquia. 103 O povo, ou aqueles que

não eram acadêmicos, militares ou de famílias senhoriais, apenas assistia e era

forçado a adaptar-se. Holanda reforça que os ―revolucionários‖ democratas e

liberais não compreendiam ou esqueciam-se

―de que as formas de vida nem sempre são expressão do arbítrio pessoal, não se ‗fazem‘ ou ‗desfazem‘ por decreto.‖ 104

O poder público era pois palco do embate entre grupos da elite, cujos rompantes

liberais e democráticos apenas mascaravam autoritarismo e elitismo. Holanda

descreve a relação entre a elite colonial e o Estado como uma confusão entre

público e privado, corroborando a especulação sobre a existência de um capital

público, na sociedade colonial. Pouco tinha o Estado de defensor de um bem

comum, visto que não havia pacto social entre os indivíduos que justificasse sua

existência. Holanda atribui o fato, em parte, ao ―personalismo‖, típico dos povos

ibéricos, de que

―resulta largamente a singular tibieza das formas de organização, de todas as associações que impliquem solidariedade e ordenação entre esses povos. Em terra onde todos são barões não é possível acordo coletivo durável, a não ser por uma força exterior respeitável e temida.‖ 105

A transposição da forma de vida rural para a cidade também desempenha seu papel

na distorção da empresa pública, visto que se mantinham características da família

patriarcal na administração estatal. Predominavam, ―em toda a vida social,

sentimentos próprios à comunidade doméstica‖ 106, o que diminuía a integridade do

poder público, como mantenedor de um pacto social coletivo. Ao invés disto, o

Estado era um mecanismo de garantia de determinados grupos sociais e agia, em

relação aos demais, como o patriarca age com seus escravos e familiares.

103 Idem, p. 201–205.

104 HOLANDA, 1995, p. 161.

105 Idem, p. 32.

106 Ibidem, p. 82.

As formas de organização transplantadas para o Brasil eram importadas da

Europa, de onde vinham a inspiração e as idéias dos progressistas brasileiros. O

uso de conceitos, formas e fórmulas européias constituiu-se em ―fachada ou

decoração externa‖ 107 da elite agrária. Esta elite da sociedade colonial em formação

agia orientando-se pelos interesses econômicos e políticos da metrópole e

buscando garantir também os seus meios de lucro. No episódio das disputas sobre

a limitação e a extinção do tráfico negreiro, Holanda relata a rede de lucros obtida

por aqueles que deveriam, justamente, coibir sua ocorrência, a saber, os fiscais e

burocratas responsáveis. 108 A busca pelo lucro fácil significava mais um

impedimento à criação de um pacto coletivo legítimo e tal episódio ilustra o acesso

ao poder público como instrumento de enriquecimento e não como compromisso

político.

O intelectual paulista apresenta outra condição da sociedade brasileira colonial que

singulariza sua aproximação com o Estado: o ―homem cordial‖ 109, não por ser bom

ou benevolente, mas por ser passional. Tomando o termo emprestado de Ribeiro

Couto, o ensaísta usa-o para caracterizar a personalidade do colono brasileiro.

Segundo ele, as relações no mundo rural seriam pautadas por laços afetivos, pela

intimidade. Mesmo as relações mercantis, no Brasil, seriam ―de caráter orgânico e

comunal, como o são as que se fundam no parentesco, na vizinhança e na amizade‖

110. Na relação com o poder público e a burocracia, surge o embate entre o íntimo e

o impessoal. Para Holanda, os portugueses, assim como os castelhanos, eram

incapazes de fazer valer uma moral absolutamente burguesa, irracional e

despersonalizada no trato dos negócios —e, pode-se dizer também, nas instância

políticas e administrativas. 111 Conhecer as pessoas certas, nos cargos certos, é

garantia de benefícios, seguindo uma lógica mais pertinente a algum tipo de

nobreza do que à burguesia, pois se baseia em favores e privilégios ao invés de

acertos contratuais. Em outras palavras, o feitio das relações sociais e econômicas

107 Idem, p. 160.

108 Idem, pp. 75–76.

109 Idem, p. 146.

110 Idem, p. 137.

111 Ibidem, pp. 112–113.

no engenho era conflitante com a moral burguesa e a democracia. Ao tratar das

restrições ao tráfico negreiro e das tentativas de canalizar seus investimentos para

atividades burguesas e financeiras 112, Holanda demonstra as impossibilidades de

contornar certas qualidades rurais ainda presentes na vida urbana de então e

perpetuadas pela classe dirigente. De acordo com o autor, os conflitos surgem

devido à ―ambição de vestir um país ainda preso à economia escravocrata com os

trajes modernos de uma grande democracia burguesa‖ 113.

Freyre busca as peculiaridades da sociedade brasileira na articulação das culturas

das diferentes etnias que a compõem, com ênfase na contribuição do negro

africano, cuja influência data de antes da colonização, dado o contato já existente

entre o português e o africano. O pernambucano se refere a uma sensualidade e

uma malemolência adquiridas do negro e do muçulmano que seriam responsáveis

por certo afrouxamento das instituições portuguesas. 114 O português, influenciado

pela mestiçagem com outros povos, sofreria modificações de caráter nesses

encontros com novos costumes. Pode-se dizer que mesmo o conceito de Estado

passa por revisão na formação do Brasil e as práticas dos funcionários públicos e

dirigentes fazem do poder público um instrumento valioso e exclusivo, inacessível

ao restante da população. Diz Holanda, que mesmo a administração pública sofreu

influência da ―moral das senzalas‖, violenta, ―privadora de virtudes morais‖, mas

dócil e ―açucarada‖. 115

A legislação urbana segue na mesma. Não raro, as cidades coloniais eram erigidas a

partir de planos urbanísticos que seguiam a tradição portuguesa. Estas primeiras

cidades apenas desempenhavam papéis administrativos e econômicos, sendo

responsáveis pelo escoamento da produção, a ligação com o mercado externo e por

sediar a parca supervisão da metrópole. Não eram lugar de encontro, moradia,

oferecimento de serviços e suprimentos ou formação para os colonos. Quando as

cidades passaram a desenvolver-se na colônia, portanto, não havia tradição urbana,

dado que a sociedade brasileira formou-se em meio rural. O planejamento era 112 Idem, pp. 73–78.

113 Idem, p. 79.

114 FREYRE, 2006 (A), pp. 66–67.

115 HOLANDA, op. cit., pp. 61–62.

simplista e deixava ao ônus privado boa parte das intervenções necessárias. As leis

tinham, como visto anteriormente, caráter de controle e não de regulamentação ou

criação. O ranço senhorial dava continuidade à exclusão e a legislação urbana era

setorial e desinteressada das populações que vivam nas piores condições.

Holanda afirma que nem a troca da elite dirigente, nem a constituição de leis

perfeitas poderia conduzir o país à plena vida urbana. As elites, embora pareçam

distintas, guardam semelhanças e perpetuam a desigualdade, enquanto o

aprimoramento teórico das leis descola-as da realidade, configurando possíveis

instrumentos de regulamentação e transformação como enunciados alheios a seu

objeto. O autor é enfático na crítica à importação de teorias, idéias e formas

européias. Na defesa de um conhecimento apurado da realidade, ele afirma que

―formas superiores de sociedade (…) emergem continuamente das suas

necessidades específicas e jamais das escolhas caprichosas‖ 116.

Desta forma, pode-se dizer que à participação do Estado na formação das cidades

pela legislação urbanística faltou não apenas uma melhor compreensão do papel da

administração pública, que levaria a uma prática diferenciada, como também um

olhar mais apurado sobre a realidade brasileira e suas peculiaridades, ao invés da

elevação acadêmica almejada pela transposição de teorias alienígenas.

116 Ibidem, p. 188.

INDIVÍDUO, INDIVÍDUOS

O estudo da formação da sociedade brasileira não pode deixar de compreender

atributos psicológicos e comportamentais que se manifestam na vivência nas

cidades surgidas no processo de colonização. Estes atributos encontram-se no agir

e pensar de cada indivíduo, formando, para o grupo de indivíduos, um conjunto de

regras e valores que pautam costumes e práticas cotidianas. Muitas das vezes,

retomando Bourdieu, as ações cotidianas não são intencionais, em termos de ação e

resultado, mas não deixam de ser orientadas para certo fim. É possível, assim,

interpretar as orientações —quando não são intenções— das atitudes presentes nas

formas de vida na colônia, compreendendo o que elas significam ou o que trazem

para a cidade.

As explanações contidas nesta parte do trabalho não procuram ser um retrato ou

estudo do cotidiano, como fez Freyre, em Casa-grande & senzala e Sobrados e

Mucambos. Tampouco perseguem a dimensão da vida privada no período e no

território estudado, como é visto em História da vida privada no Brasil,

organizado por Laura de Mello e Souza e Fernando A. Novais. Trata-se de um

estudo das práticas, costumes, posturas e ações cujas repetições, modificações ou

extinções consolidam ou alteram o habitus destas populações, generalizáveis, para

os fins deste trabalho, por serem parte de uma mesma urbanização. Henri

Lefébvre, no livro A vida quotidiana no mundo moderno, busca definir a

importância da ―trivialidade‖ 117 do cotidiano, frente aos ―objectivos tradicionais‖ 118

da filosofia. Certo da relevância deste estudo, o autor afirma que o ―quotidiano é o

modesto e o sólido (…)‖ 119, do que se pode apreender que os gestos tidos como

ordinários têm força de permanência e transformação.

O desenvolvimento dos dois eixos anteriores de estudo foi compassado

cronologicamente, ainda que sem muita rigidez. Para o aspecto a ser abordado a

seguir, optei por uma divisão por temas de interesse, que reúnem parte dos fatos

apresentados, já contextualizados, a partir da abordagem a ser apresentada.

117 LEFÉBVRE, 1969, p. 31.

118 Idem, p. 30.

119 Idem, p. 38.

***

É consenso entre os autores contidos na bibliografia central deste trabalho que o

português apresentava uma característica que o distinguia dos demais povos

europeus que buscavam a América. Freyre refere-se à ―plasticidade‖ 120; Holanda, à

aclimatação 121; e Bomfim, à ―índole assimiladora‖ 122. É certo que os portugueses já

possuíam certa experiência em clima tropical, dado seu contato prévio com as

Índias e a África, mas a colonização brasileira não seria possível, dizem os

estudiosos, não fosse a facilidade dos colonos em absorver métodos e maneiras

indígenas.

Em sua síntese sobre o caráter do português, em relação ao do espanhol, o médico

sergipano afirma que

―o português é definitivo nos fins, adaptável nos meios, sistematicamente subordinado às circunstâncias, avesso à rígida intransigência e à sobranceria do castelhano.‖ 123

Holanda afirma que a sobranceria é característica comum aos dois povos, mas

aceita a diferenciação entre suas formas de ocupação do território. A fundação de

algumas cidades brasileiras, projetadas pelos engenheiros-militares portugueses, é

exemplar no que tange à adaptação dos planos às características presentes.

Também a incorporação do índio, no início da colonização, demonstra a

plasticidade das relações portuguesas. Ao índio coube compartilhar técnicas e

conhecimentos sobre o território com o colono, que estava ciente da limitação do

uso de seu saber sobre as terras ibéricas na América. Além disto, a nação

portuguesa não contava com número suficiente de pessoas para ocupar a colônia e

os autóctones supriram esta demanda primordial ao trabalharem para jesuítas e

colonos e ao constituírem família com os últimos.

A importância atribuída à plasticidade lusitana leva-me a ponderar sobre outras

facetas deste atributo, menos atraentes que a apontada. A sociedade em formação

120 FREYRE, 2006 (C), p. 273.

121 HOLANDA, 1995, p. 52.

122 BOMFIM, 1997, p. 100.

123 Idem, p. 76.

na colônia partilhava uma frouxidão, um distanciamento entre a idéia original e

aquilo que era, de fato, realizado. Talvez, a distância entre a colônia e a metrópole

tivesse um efeito sobre a postura dos colonos, que, ao carregarem seus costumes e

instituições, não buscavam modificá-los no confronto com outra realidade, mas

diminuí-los ou tirar-lhes parte, em vista de sua adequabilidade. Com os olhos

focados no continente europeu, sobrava ainda desinteresse em relação às terras

recém-descobertas. Capistrano de Abreu menciona o que chama de fatores de

―ordem psicológica‖ 124, entre os quais a aversão à colônia, explicitada pela

distinção pejorativa entre portugueses e negros nascidos no Brasil e aqueles

nascidos em Portugal e na África. Esta diferenciação —chamada pelo autor de

―estado centrífugo‖ 125— perdurou até as primeiras décadas do século XVII, quando

teve início o desenvolvimento de um espírito de unidade entre os habitantes da

colônia. Freyre afirma que os colonos ―não tinham pela terra nenhum amor nem

gosto pela sua cultura‖ 126.

A adaptabilidade pode esconder a falta de vontade de constituir coisa nova, uma

sociedade ou uma comunidade. A ganância, o lucro e o ócio eram os interesses

destes colonos, atraídos pela oportunidade de posse e mando. Cartas do padre

Manuel da Nóbrega e relatos do frei Vicente do Salvador dão conta do desprezo que

os colonos tinham pelas terras brasileiras, onde buscavam apenas enriquecer para

―tudo (…) levar a Portugal‖ 127.

Segundo Freyre, o intenso contato entre portugueses e africanos, antes mesmo das

navegações e da colonização da América, trouxe para a península ibérica uma

libidinosidade responsável por malear as instituições lusitanas. O autor fala em

―deformações‖ 128, ―simulação‖ 129 e ―restrição ou refração‖ 130. Desta forma, esta

flexibilidade seria uma característica portuguesa. De fato, os ibéricos diferem de

outros povos europeus, mais rígidos e de regras e práticas intransponíveis.

124 ABREU in BRANDÃO, 1977, p. 18.

125 Idem, p. 19.

126 FREYRE, 2006 (A), p. 85.

127 HOLANDA, 1995, p. 107.

128 FREYRE, op. cit., p. 266.

129 Idem, p. 268.

130 Idem, p. 67.

O português é também delineado com uma alternância entre grandiosidade e

descaimento. Conforme visto em capítulo anterior, Holanda descreve-o como

aventureiro e passional, porém sem forças duradouras. Os portugueses eram

capazes apenas de

―um esforço que se desencaminha antes mesmo de encontrar resistência, que se aniquila no auge da força e que se compromete sem motivo patente.‖ 131

Ele atribui essa efemeridade, em parte, à aversão ao utilitarismo e ao trabalho, em

especial ao trabalho braçal, sendo que o que espanhóis e portugueses ―admiram

como é uma vida de grande senhor, exclusiva de qualquer esforço, de qualquer

preocupação‖ 132. Segundo o autor, na sociedade colonial, a proximidade com o

trabalho servil é mais condicionante da posição social de um indivíduo que sua cor,

propriamente, dado que os trabalhos vis, relacionados àqueles cumpridos por

escravos, geravam infâmia para o trabalhador e sua família. 133

De acordo com Bomfim, a nação portuguesa foi criada a partir da união de desejos

dispersos, transformando-se em nação heróica, dada a aventuras e grandiosidades.

O mercantilismo teria sido o responsável pela decadência desta característica 134,

por transformar as engenhosas empreitadas portuguesas em meras aventuras de

espoliação. O tráfico negreiro e a cobrança do quinto na exploração aurífera são os

símbolos, elencados pelo autor, da queda da força criadora da nação, acomodada

pelo parasitismo. 135 Ainda segundo o sergipano, os portugueses apresentavam uma

disciplina invejável —haja visto o sucesso da inovadora Escola de Sagres— que se

transformava em ―servilismo‖ 136, desviando-se do processo criativo para o

cumprimento de tarefas. Holanda concorda, ao afirmar que a resposta ibérica ao

individualismo desregrado é a obediência cega. 137

131 HOLANDA, 1995, p. 46.

132 Idem, p. 38.

133 Idem, pp. 55–56.

134 BOMFIM, 1997, p. 49.

135 Idem, pp. 59–61.

136 Idem, p. 76.

137 HOLANDA, op. cit., p. 39.

Os atos heróicos —aventureiros, para Holanda— não eram acompanhados de força

ou perseverança que os mantivessem. O ganho sem esforço e as ações pontuais

eram mais apreciados que o esforço contínuo ou planejado. O interesse pelo lucro

fácil eclipsava o fato de que, no decorrer do processo de espoliação da América, os

portugueses estavam constituindo uma nova sociedade. Apesar de não ser seu

intuito. E esta sociedade sofre os reveses do desinteresse no coletivo e da ênfase no

esforço individual, a serem discutidos adiante.

Para as cidades, esta característica tem grande impacto, visto que não se constitui

uma prática de planejamento e desenvolvimento. As leis urbanísticas brasileiras,

como visto anteriormente, eram setoriais, ou seja, não tomavam a totalidade do

território municipal, causando um descolamento entre a legislação e a prática e

continuando a desigualdade na distribuição de terras. Criavam-se leis como

representações dos desejos e preconização de uma forma de vida urbana, sem levar

em conta a realidade ou aplicabilidade. A legislação constituía mais um elemento

de erudição dos dirigentes que uma regulamentação coletiva. Freyre é mais

explícito em sua crítica aos jovens bacharéis que buscavam, na educação européia,

distanciar-se do mundo ―feio e escuro‖ 138 de que vinham. Holanda não discorda, ao

afirmar que a elite cultural do país perseguia idéias e teorias que os aproximavam

da civilização e distanciavam-nos da realidade. 139 Ele trata também da ênfase dada

pela elite à aparência, ao invés do conhecimento profundo, que gera uma

reprodução sem sentido de costumes e hábitos. O português, com suas tradições

vulneráveis, inclui atributos de outros povos, através da miscigenação —que não é

exclusiva de sua experiência na América— que o diferencia ainda mais do espanhol,

no trato com os autóctones. Esta conjugação de elementos, coerente com a

plasticidade lusitana, por vezes, esvazia seus significados.

Na linguagem biológica de Bomfim, ele trata do ―cruzamento‖ 140 como um aspecto

benéfico pois promove o rejuvenescimento dos povos, pela troca de caracteres com

outros, ajudando a superar condições adversas. Desta forma, ele busca descreditar

138 FREYRE, 2006 (C), p. 717.

139 HOLANDA, 1995, p. 164.

140 BOMFIM, 1997, pp. 167–170.

as teorias de hierarquização das ―raças‖. De acordo com o intelectual sergipano,

não existem raças superiores e inferiores biológica ou cientificamente. Estes

estabelecimentos são pretextos culturais 141 para a investida de um povo contra o

outro quando, na verdade, suas diferenças seriam ―de momentos‖ 142 e não

deveriam influenciar as decisões sociais, mesmo que haja preferências pessoais ou

credos íntimos.

A administração pública carrega também a característica do distanciamento entre

suas atribuições e sua prática. Nos primeiros dois séculos da colonização, o Brasil

estava obviamente relacionado à Coroa. A ocupação da colônia era um item da

agenda lusitana e disto sucedia a orientação sobre a forma de colonização, a saber,

a exploração agrícola centrada no engenho. Determinada a ―vocação‖ destas terras,

elas passaram a ser um gigantesco terreno onde se buscava cultivar o melhor

produto, de acordo com as demandas do mercado externo e as possibilidades de

plantio. Mesmo após a proclamação da independência não houve criação de uma

agenda interna de ocupação e desenvolvimento. Não é à toa que os autores

estudados não citam vigorosamente o fato, nem o consideram um marco da

formação da sociedade brasileira. De maneira extremista, diz Holanda,

―Esse caráter puramente exterior, epidérmico, de numerosas agitações ocorridas entre nós durante os anos que antecederam e sucederam à Independência, mostra o quanto era difícil ultrapassarem-se os limite que à nossa vida política tinham traçado certas condições específicas geradas pela colonização portuguesa.‖ 143

O Império brasileiro internalizou as formas coloniais de ocupação do território

para exploração e de hierarquia social. No entanto, Bomfim, define a defesa do

território brasileiro contra as invasões inglesas, francesas e holandesas —dos

estrangeiros, portanto— como momento decisivo na formação de um caráter

brasileiro, peculiar e distinto do português. Segundo o sergipano, o colono, ―nem

foi preciso ser politicamente independente —para não ser português; já era

141 Ibidem, p. 196.

142 Idem, p. 196.

143 HOLANDA, 1995, p. 87.

brasileiro‖ 144. Em outras palavras, mesmo antes de qualquer mudança política, já

havia uma sociedade brasileira que não era a simples transposição da portuguesa.

Esta diferença de tempos explicita outra manifestação da frouxidão, desta vez,

caracterizada pelo surgimento de uma população considerada singular, mas cuja

organização política e econômica permanece atrelada aos interesses europeus. O

autor confere a este atrelamento os malogros do desenvolvimento autônomo

brasileiro 145, bloqueado pela estagnada metrópole, que só faz espoliar as riquezas

naturais da colônia, e pelos reinóis, comungados com tal ambição e possuidores de

plenos poderes de comando sobre o território.

A própria proclamação da república, e as conquistas libertárias que acontecem

simultaneamente, são consideradas frouxas, pois representam um embate entre

setores da elite, cujo resultado final pouco altera a vivência dos demais indivíduos.

Num país sem povo, ou com a massa alheia descrita por Freyre, o germe do Estado

democrático fica, de qualquer maneira, comprometido e tal forma de governo surge

como artificialidade. Mesmo quando se desenvolve uma classe média urbana,

restam dúvidas. Citando Joaquim Nabuco, o autor afirma que o indivíduo desta

classe ―não é o escravo, mas também não é o cidadão‖ 146. O pernambucano diz

ainda que havia pouca resistência à mudança e Bomfim escreve que o país atingia

―progressos, como sem peias de rotina e sem preconceitos de passado‖ 147. Ainda

que valorizadas, estas características denotam, em realidade, a ausência de passado

ou rotina, o que evita conflito relevante, face à mudança. São inúmeras as

circunstâncias que atestam a hegemonia da elite e a insignificância das camadas

médias e pobres. Mesmo após encabeçada a industrialização, que traz novos grupos

sociais e novas idéias ao país, esta característica se mantém, de acordo com Freyre

e Holanda. Segundo o intelectual pernambucano, as primeiras discussões acerca da

―legislação referente a acidentes de trabalho‖ 148 foram iniciadas por pressão dos

patrões e não por reivindicação dos operários.

144 BOMFIM, op. cit., p. 336.

145 Ibidem, pp. 333–334.

146 FREYRE, 2006 (A), p. 98.

147 BOMFIM, op. cit., p. 335.

148 FREYRE, 2006 (C), p. 409.

Holanda é enfático na incompatibilidade entre a forma de relacionar-se do

brasileiro e as instituições políticas e econômicas. A transposição do modo de vida

do engenho para as cidades trouxe o ―homem cordial‖ para o Estado e os negócios,

gerando descompasso entre a impessoalidade característica destas instituições e a

afetuosidade típica do mundo rural. Ainda que o patriarcalismo se impusesse sobre

a solidariedade rural 149, as micro-relações de ―nobreza‖ constituídas neste meio

preservavam este atributo e o colono preferia fechar um negócio menos lucrativo

com um amigo a sujeitar-se a inimizades. Nem sequer a ambição era invariável,

nestas terras.

Os produtos consumidos eram importados e as práticas seguiam a moda européia.

A suntuosidade das honras concedidas a visitantes, simulacros de uma

pomposidade aristocrática, contrastavam com a pobreza da vida cotidiana, na qual

faltavam alimentos e vestimentas, entre outros bens. Vivia-se entre a precariedade

e a ostentação; mais um antagonismo tipicamente brasileiro. Antes mesmo da

colonização da América, os portugueses padeciam do gosto pelo ócio e pelo status

de ter à sua disposição mais escravos do que o necessário, não significando isto,

contudo, luxo na vida cotidiana. Ao contrário, a riqueza exibida em aparições

públicas era apenas vaidade, posto que os portugueses tinham uma precária vida

íntima. 150

A abundância era apenas mais uma fachada, que os colonos enfeitavam com

elementos europeus para satisfazer seus anseios de civilidade. Contudo, no

engenho não havia plantio significativo de produtos para subsistência; cada porção

de terra era destinada primordialmente à cana-de-açúcar. Josué de Castro, médico

pernambucano, faz uso expresso de trechos de Raízes do Brasil para justificar as

condições alimentares no Brasil, na década de 1960. 151 Segundo ele, o país sofreria

tanto com a escassez de alimentos, em determinadas regiões, quanto com a

irregularidade da alimentação desbalanceada, em outras. O passado é apontado

como razão para a desigualdade de produção e de nutrientes, que ele observara.

149 Ibidem, p. 148.

150 FREYRE, 2006 (A), p. 318.

151 CASTRO, 1965, pp. 264–5.

Para garantir que a produção agrícola seja forma de subsistência alimentar segura,

Castro argumenta em favor da reforma agrária, que seria ―necessidade histórica‖

152.

Hábitos, vestimentas e a própria habitação eram europeizadas e ―anti-tropicais‖ 153,

de acordo com as descrições de viajantes, citadas por Freyre. Os mucambos, para o

autor, apresentam um entendimento muito elevado das condições naturais em

relação ao sobrado e ao palacete, ao fazerem uso do repertório habitacional de

caboclos e indígenas. Às construções urbanas privilegiadas faltavam características

de construção e projeto que as adequassem às condições climáticas. Além disto, os

cômodos mais bem iluminados e ventilados eram reservados para a recepção de

convidados deixando, aos moradores da casa, os espaços de pior qualidade. Não

raro, eram os donos das casas que as projetavam e seus escravos que as

construíam, sendo que nenhum nem outro eram qualificados para tal. O autor cita

também uma tese 154, de 1845, que censura a adoção de padrões europeus de

vestuário, que seriam prejudiciais à saúde, em especial para as mulheres, pela

indisposição com o clima.

O pernambucano é, dos três, o que se atém com mais precisão ao retrato deste e de

outros antagonismos, seguindo sua teoria de que a sociedade brasileira é formada

no seio de uma série de contradições, trazidas pelos portugueses. 155 O tratamento

dado a negros e índios constitui uma das maiores, pela diferença entre sua face

pública e sua face privada. Bomfim afirma esta diferença, mas é Freyre quem

melhor debruça-se sobre ela, em seu estudo da vida íntima e dos hábitos sexuais no

engenho. A crueldade da escravidão choca-se com a benevolência da relação

pessoal entre o senhor e alguns escravos, especialmente os domésticos. Da mesma

forma, a inclusão do negro na família senhorial não impulsionava uma diminuição

do preconceito na esfera pública. O negro, incluído na família branca ou em seu

grupo social, devia abdicar ao máximo de seus elementos étnicos, assemelhando-se

ao branco.

152 Idem, pp. 284–5.

153 FREYRE, 2006 (C), p. 326.

154 Idem, p. 415.

155 FREYRE, 2006 (A), p. 67.

A importação de modelos europeus não é mal vista por Freyre 156, mas ele termina

por afirmar que a cultura européia é diferente da brasileira, mas não é superior a

ela, de forma que nem sempre apresenta aplicação possível. 157 A lassidão da cultura

brasileira é enfrentada, de acordo com o sociólogo, pela aplicação de

conhecimentos e sabedoria popular no tratamento e prevenção de doenças

tropicais, ao invés do uso exclusivo de medicamentos europeus. O transplante

cultural gera incompatibilidades e, por vezes, reforça a prática sem significado. O

desinteresse ativo pela significação —atribuído ao comportamento social do

―homem cordial‖— pode ser observado até mesmo na religiosidade praticada pelos

colonos, ―menos atenta ao sentido íntimo das cerimônias do que ao colorido e à

pompa exterior‖ 158. Para Freyre, a deturpação da fé católica foi fator indispensável

à adaptação portuguesa, contribuindo para suas atividades imperialistas. 159

Outro aspecto vivido sem atenção à essência é a profissão. A ocupação não é

relacionada ao trabalho, mas é vista como meio de obtenção de um título capaz de

assegurar certos privilégios e certa posição social. Além disto, valorizavam-se os

atributos individuais, tais como o dom e o talento, em detrimento do

desenvolvimento pela conquista coletiva. 160 Holanda e Freyre tratam de

―bacharelismo‖. Para o primeiro, era a busca de uma designação distintiva, apesar

da ocupação não ser exercida. 161 Para o segundo, era uma forma de elevação do

status dos filhos, nascidos em terras brasileiras, de industriários e comerciários

estrangeiros. Eles eram preteridos por seus pais, que preferiam empregar novos

imigrantes, também estrangeiros, em suas empresas. 162

A importação cultural é atacada, diversas vezes, por Holanda. O autor critica

―nossos homens de idéias‖ 163 que, abandonando o cotidiano e a realidade

brasileira, dedicavam-se exclusivamente a assuntos notáveis. As teorias e os

156 FREYRE, 2006 (B), p. 235.

157 Ibidem, p. 973; 984.

158 HOLANDA, 1995, p. 150.

159 FREYRE, 2006 (A), p. 330.

160 HOLANDA, op. cit., p. 164.

161 Idem, pp. 155–156.

162 FREYRE, 2006 (C), pp. 389–391.

163 HOLANDA, op. cit., p. 163.

debates intelectuais cercavam assuntos europeus em busca de refratar o atraso que

consideravam ser natural das terras tropicais. Desta forma era justificável que

perseguissem as idéias estrangeiras como forma de sanar o que seriam males

intrínsecos do país. A literatura do período furtava-se à realidade brasileira, feia e

atrasada, para dissipar suas angústias em uma realidade mágica e inventada a

partir da apropriação de formas e temas europeus.

O desinteresse pela terra colonizada, vista apenas como terreno de exploração da

Coroa, e a frouxidão daquilo que se formava sobre ela são patentes. São marcas da

plasticidade, da adaptação aos interesses mercantis e de um certo esvaziamento de

sentido. Fazem-se presentes pela manutenção de certas formas de agir e pensar,

mas não são sinônimos de condenação. Holanda dá outra dimensão ao debate

sobre os possíveis malogros da colonização portuguesa ao compará-la à holandesa.

O ―espírito de empreendimento metódico e coordenado‖ 164 dos batavos não foi

suficiente para o êxito de sua expansão tropical, pois lhes faltava a capacidade de

―fundar a prosperidade da terra nas bases que lhe seriam naturais‖ 165. Em outras

palavras, apesar da grandiosidade da vida urbana na Recife holandesa, os colonos

desta pátria não conseguiram desfazer-se de certas qualidades suas, em função de

uma melhor fixação às terras tropicais. Os portugueses, por sua vez, beneficiaram-

se de seu desapego sobre suas características e costumes. Apesar do autor afirmar

que a construção de cidades é historicamente o mais efetivo meio de dominação,

ele escreve que os portugueses foram bem sucedidos em sua colonização por serem

capazes de ceder ao meio natural e não por conseguir vencê-lo ou superá-lo pela

urbanização. Para o intelectual, talvez o mais pessimista dos três autores que

compõem a bibliografia central, ―Sua fraqueza foi sua força‖ 166, o que mostra a

necessidade de ponderar os atributos da formação da sociedade brasileira de forma

menos determinante.

***

164 Ibidem, p. 62.

165 Idem, p. 64.

166 Idem, p. 64.

Destarte, é imprescindível recordar que a formação da sociedade brasileira teve

início no mundo rural. Para Holanda,

―É efetivamente nas propriedades rústicas que toda a vida da colônia se concentra durante os séculos iniciais da ocupação européia: as cidades são virtualmente, se não de fato, simples dependências delas.‖ 167

No capítulo deste trabalho ―Ocupação do território‖, foram transcritos outros

trechos da bibliografia central que apontam para este fato, com clareza e

objetividade. Não é de interesse reproduzi-los aqui, mas recordá-los como forma de

abertura do debate sobre os princípios da urbanização brasileira. Como seriam

cidades, estas lusitanas povoações rurais?

O Recife holandês é tido como símbolo de um povoamento avesso ao português.

Fez-se pela cidade e introduziu um dinamismo cultural e urbano desconhecido na

colônia. As cidades criadas pelos colonos portugueses serviam, em geral, a

princípios de controle, como sedes de administração ou de portos, mas não como

habitação. Mesmo quando mais cidades desenvolveram-se, permaneceu a prática

da vida cingida à casa. Frehse escreve que

―até então a vida de todo dia gravita em torno da casa senhorial. A rua era um lugar onde ficavam os setores menos abastados da população —escravos, livres ou forros, brasileiros ou imigrantes— e por onde passavam eventualmente outros grupos (…)‖. 168

O sobrado e a casa-grande possuíam identidades flagrantes, segundo observa

Freyre, e apenas nas chamadas ―cidades do norte‖ o autor descreve a circulação no

espaço público. De Salvador ao sul, mantinham-se os hábitos caseiros e a

conformação da vida ao lote privado, analogamente à vivência no engenho. No Rio

de Janeiro, em meados do século XVIII, as cidades era ocupadas apenas por ―oficiais

mecânicos, pescadores, marinheiros, mulatos, pretos boçais e nus‖ 169, ou seja,

167 Ibidem, p. 73.

168 FREHSE, 2005, p. 33; grifos da autora.

169 HOLANDA, op. cit., p. 91.

indivíduos considerados de segunda classe; ―as pessoas de casas nobres e distintas

viviam retiradas em suas fazendas e engenhos‖ 170.

A urbanização é uma decorrência da existência de uma população que faça trocas,

que não produza o necessário à sua sobrevivência e que ―conviva‖, ou seja, que

estabeleça relações além daquelas de caráter familiar. A diversificação necessária à

cidade é apontada por Lefébvre, ao afirmar que

―A vida urbana pressupõe encontros, confrontos das diferenças, conhecimentos e reconhecimentos recíprocos (inclusive no confronto ideológico e político) dos modos de viver, dos ‗padrões‘ que coexistem na Cidade.‖ 171

A hierarquia e a vida social do engenho, como já visto, apresentam lacunas em

relação à forma de vida urbana; as atividades em seu interior quase se limitavam

àquelas voltadas para a produção agrícola e o contato social externo era restrito a

uns poucos caixeiros, mercadores e visitantes, em busca de oportunidades

comerciais ou pouso. Freyre afirma, categoricamente, que a monocultura de

exportação era responsável pela precariedade da vida colonial.

―Era a sombra da monocultura projetando-se por léguas e léguas em volta das fábricas de açúcar e a tudo esterilizando ou sufocando, menos os canaviais e os homens e bois a seu serviço.‖ 172

A expansão urbana fundamentou-se na diversificação de serviços e produção para

mercado interno, bem como, no crescimento da população livre, não senhorial, mas

foi carregada de valores patriarcais e escravocratas. A intensificação da

urbanização, com o aumento desta população, teria apenas agravado as limitações

de suprimento acarretadas pela exploração econômica do país. 173 Que dizer então

da incompatibilidade entre a forma de vida rural e a convivência citadina. Não é

pouco lembrar que as primeiras regulamentações urbanas chamavam-se Código de

Posturas, visto que era mister, neste momento, definir os padrões de

comportamento aceitáveis e os execráveis no convívio urbano, forma de vivência

que pode ser considerada inédita até então. Holanda faz uso do embate enfrentado

170 Idem, p. 91.

171 LEFÉBVRE, 1969, p. 20.

172 FREYRE, 2006 (A), p. 101.

173 FREYRE, 2006 (C), p. 293.

pelos primeiros universitários brasileiros para expor o conflito entre os costumes e

valores da família patriarcal —que se pode chamar de habitus da família

senhorial— e o modo de vida urbano e industrial ascendente. 174 O desenvolvimento

do mundo urbano brasileiro —e o aumento de sua influência sobre o mundo rural,

devido ao incremento das comunicações— é visto pelo intelectual paulista como

gerador de ―desequilíbrio social‖ 175, advindo do confronto entre sistemas de valores

não raro opostos.

A origem rural da sociedade brasileira conta com uma característica repetidamente

frisada pelos autores estudados. O heroísmo e a aventura baseiam-se no

individualismo —ou ―personalismo‖, para Holanda— definido pela valorização, na

sociedade mercantil portuguesa, das conquistas alcançadas pelo esforço individual.

Segundo Freyre, a falta de organização formal da vida na colônia privilegiou a ação

individual. 176 Existia porém um aspecto psicológico visto que, para espanhóis e

portugueses,

―o índice do valor de um homem infere-se, antes de tudo, da extensão em que não precise depender dos demais, em que não necessite de ninguém, em que se baste.‖ 177

Em outras palavras, a construção coletiva era vista como fraqueza. Nos engenhos,

este atributo passa despercebido pois o isolamento e o controle total do senhor são

intrínsecos a esta forma de vida. A produção de manufaturas no interior da

propriedade desestimulava o desenvolvimento de artesanatos e ofícios, sua

agremiação e o comércio de seus produtos, enfraquecendo ainda mais as

possibilidades de desenvolvimento urbano. 178 Faltava, à sociedade colonial,

―capacidade de livre e duradoura associação entre os elementos empreendedores

do país‖ 179.

174 HOLANDA, 1995, pp. 142–145.

175 Ibidem, p. 145.

176 FREYRE, 2006 (A), p. 80.

177 Idem, p. 32.

178 Idem, pp. 57–59.

179 Idem, p. 59.

A orientação econômica de produção para exportação também mascara o

individualismo, manifesto na limitação das obras de infra-estrutura. Conforme

citado em capítulo anterior, as raras edificações urbanas eram feitas a partir da

iniciativa de particulares e objetivavam exclusivamente seus benefícios de

comunicação e exportação. Esta característica promove ainda o descumprimento

das regras coletivas, preteridas em relação às leis próprias, estipuladas pelo

indivíduo. Bourdieu fala do descumprimento como reverência ao grupo, mas creio

que a orientação desta ação, no caso brasileiro, é o destaque em relação ao grupo.

O supracitado desinteresse também reverbera na formação das cidades, visto que

os colonos portugueses não acreditavam na formação de uma nova sociedade. Sua

fidelidade total à Coroa transformava-se em desprezo à colônia. A sociedade a que

pertenciam não era a mesma em que se encontravam.

O coletivo e a comunidade eram prejudicados pela combinação de individualismo e

desinteresse, mas as duas características apresentam outros aspectos. A ênfase no

indivíduo e a não tomada de mais papéis reguladores sobre a colônia,

especialmente se considerarmos a situação de novidade enfrentada pelos colonos,

acendiam a possibilidade de minimizar o condicionamento da tradição e da

autoridade. Assim sendo, ao mesmo tempo em que os portugueses não procuravam

criar algo novo, eles abriam caminhos para isto pela abdicação de inserir, com mais

força ou poder, atributos da configuração de sua pátria.

A elitização das cidades, em que o poder público não levava em conta a totalidade

dos grupos sociais existentes, não significava o veto ou a expulsão das camadas

pobres, ainda que estas fossem sistematicamente excluídas e ignoradas. As classes

dirigentes e as dirigidas experienciavam diferentes realidades dentro de um mesmo

espaço físico.

Essa coexistência, apesar de sua face inócua, traz a impossibilidade da percepção

da cidade como algo único, uma comunidade única, um coletivo do qual se faça

parte. Diz Bomfim, que para que um povo seja ―nação ou sociedade política‖ 180 é

180 BOMFIM, 1997, p. 188.

preciso que este se reconheça como uma unidade distinta. Daí a importância do

patriotismo, que traduz a necessidade individual de fazer parte de um todo

peculiar. Territorialmente, existe algo semelhante. Maria Rosália P. Guerreiro,

referenciada no capítulo ―Ocupação do território‖, cita Gianfranco Caniggia que

estipula as condições necessárias para a formação de uma área cultural. Segundo

ele, este

―É um lugar delimitado, encerrado e elevado relativamente ao território vizinho, condição necessária para que o homem adquira a noção de uma parte do território da sua competência, de sua propriedade.‖ 181

O autor descreve atributos geográficos mas é possível transpor este raciocínio para

condicionantes sociológicas, segundo as quais os habitantes de uma cidade

estariam mais ou menos propensos a reconhecê-la como sua ou a reconhecer-se

como parte dela. O desenvolvimento das cidades brasileiras, tal como descrito por

Holanda, Freyre e Bomfim, e relatado neste trabalho, entravou a formação de

condições para este reconhecimento, condições que poderiam intensificar a

sensação —ou a prática— de comunidade.

A formação das cidades brasileiras relacionadas à colonização incorpora, portanto,

o isolamento do mundo rural e dos costumes do colonizador, bem como a

desigualdade da ocupação inicial do território e da produção e distribuição de

riquezas. No epílogo de seu livro, Holanda afirma que a verdadeira revolução

brasileira é o definhamento da sociedade rural e o engrandecimento do mundo

urbano. 182 Este processo, que teria culminado na década de 1930, caracterizar-se-ia

pela contínua diminuição da importância do meio agrário e a perda de autonomia

de sua economia, de forma que o campo chegasse a ser totalmente submetido à

cidade.

A arrancada da urbanização exacerbou as deficiências trazidas pela colonização;

comunidades fragmentadas e cidades das quais poucos fazem parte, de fato.

Entretanto, é preciso relembrar que as lacunas podem ser vistas tanto como vazios,

quanto como aberturas. Diz Holanda, ―o americano ainda é interiormente

181 CANIGGIA, apud TEIXEIRA, 2004, p. 151.

182 HOLANDA, 1995, pp. 171–173.

inexistente‖ 183, o que traz a possibilidade da construção e o convite à prática

diferenciada.

183 Idem, p. 172.

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