A Coluna Geológica e a Paleontologia

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A Coluna Geolgica e a PaleontologiaMarcos Natal de Souza CostaCentro Universitrio Adventista de So Paulo

Introduo Muito pouca coisa pode se dizer sobre Geologia sem se referir a Escala de Tempo Geolgico. Trata-se de uma forma padronizada utilizada pelos gelogos para ordenar e comparar eventos passados que teriam ocorrido no mundo inteiro. Ela foi construda atravs da anlise de vrios tipos de rocha e do seu contedo fossilfero, funcionando como se fosse uma rgua do tempo onde esto registrados a seqncia de eventos que contriburam para a formao da crosta terrestre. Sua histria reflete mudanas significativas nas formas de pensamento sobre a origem e idade da Terra. Assim, qualquer renomado cientista do sculo XVII que fosse perguntado sobre a idade da Terra e como ela teria se formado diria que a Terra teria 6000 anos e que sua histria estaria narrada nos primeiros captulos do livro de Gnesis. Se a mesma pergunta fosse feita a outro cientista do sculo XIX ele diria que a Terra seria bem mais antiga, que o Dilvio de No teria sido local ou nem mesmo teria ocorrido e que a histria da Terra estaria registrada nas rochas. Atravs da coluna geolgica possvel prever o contedo fossilfero de uma determinada camada de rochas em qualquer lugar da Terra. Isto porque, de acordo com a biologia convencional, a evoluo dos seres vivos teria ocorrido de forma irreversvel, ou seja, os organismos que viveram em uma determinada poca, deram origem a outros organismos mas nunca reverteram a formas primitivas. Para o criacionismo cientfico ela tambm de grande utilidade uma vez que nos informa sobre a paleogeografia e a paleoecologia do mundo pre-diluviano, ou seja, sobre a distribuio e as interrelaes entre as comunidades biticas. Neste trabalho faremos uma breve reviso histrica de como se formou a escala de tempo geolgico, quais seus fundamentos e que tipo de informaes podem ser dela extradas. Esta reviso tem por base o trabalho de Teixeira et al., 2000. Em seguida discutiremos tambm qual o significado das divises do tempo em Eras, Perodos e pocas segundo as proposies da geologia convencional. Concepes Iniciais Sobre a Origem da Terra A idia de que a Terra poderia ser muito antiga s emergiu nos dois ltimos sculos em consequncia de dois grandes movimentos da cultura ocidental: - O Iluminismo: movimento intelectual europeu do sculo XVII atravs do qual o homem passou a substituir as explicaes sobrenaturais para os fenmenos da natureza por leis naturais; - Revoluo Industrial: movimento tcnico-cientfico e socio-econmico observado na Europa pela metade do sculo XVIII o qual incrementou fortemente a demanda por matrias-primas e recursos energticos oriundos do subsolo. Antes disto, porm, no se cogitava que o mundo pudesse ser muito antigo devido a grande influncia religiosa no pensamento intelectual daquela poca. Assim, o cristianismo primitivo j afirmava que a Terra teria apenas poucos milhares de anos. Idia semelhante continuou a ser difundida na Idade Mdia e Renacena por sbios europeus que concebiam um mundo criado em conformidade com o relato bblico de Gnesis, ou seja, h cerca de 6000 anos. Tal concepo foi consolidada no importante trabalho do Arcebispo Ussher (1581-1656), primaz da Irlanda, atravs de cuidadosa pesquisa nas

12Sagradas Escrituras e em outros documentos histricos. Ussher chegou mesmo a estabelecer o dia da criao, que segundo ele, teria ocorrido em 23 de outubro de 4004 antes de Cristo. Tal foi a influncia do trabalho de Ussher que esta data permaneceu at o incio do sculo XX como nota de rodap nas Bblias publicadas pelas editoras das prestigiosas universidades inglesas de Oxford e Cambridge. Paralelamente aos trabalhos de Ussher, desenvolvia uma escola que, segundo Harter (1998), denominava-se Cosmogonia Especulativa. Esta nova concepo foi liderada por Ren Descartes cujo modelo de histria da Terra influenciou sobremaneira o pensamento de sua poca e deu origem a novas cosmogonias nos sculos seguintes. O sistema de Descartes postulava que a Terra teria se formado atravs de uma imensa bola de fogo que, aps se resfriar teria originado uma crosta sobre o grande mar primitivo. Parte desta crosta teria entrado em colapso e liberado grandes quantidades de gua para a superfcie dando origem aos oceanos. No clima intelectual dos sculos XVII e XVIII, que mantinha a idia do ser humano como centro do Universo e a Terra como de seu uso exclusivo, comeou a surgir a Geologia. Os princpios desta nova cincia foram enunciados pelo dinamarqus Nils Stensen, mais conhecido pela forma latinizada como Nicolau Steno (1638-1686). A grande contribuio de Steno foi o estabelecimento dos trs princpios que regem a organizao de sequncias sedimentares, publicado em 1669 no seu livro Prodromus: - Superposio: sedimentos se depositam em camadas, as mais velhas na base e as mais novas sucessivamente acima; - Horizontalidade: depsitos sedimentares se acumulam em camadas sucessivas dispostas de modo horizontal; - Continuidade Lateral: camadas sedimentares so contnuas, estendendo-se at as margens da bacia de acumulao ou se afinam lateralmente. Apesar de simples, estes princpios so absolutamente fundamentais na anlise das relaes temporais dos corpos rochosos, embora sua aplicao indiscriminada possa levar a interpretaes equivocadas. Hoje, eles parecem mais que bvios, contudo, na Europa do sculo XVII, vivendo um perodo de transio entre os mundos medieval e moderno onde conviviam interpretaes eruditas da histria da Terra e Inquisies ao lado de grandes descobertas cientficas como o telescpio, o microscpio e o clculo, estes conceitos foram inovadores. Por volta do sculo XVIII, o conceito bblico da Criao ainda se refletia claramente nas primeiras tentativas de ordenar a histria geolgica do planeta. Entre 1750 e 1760, Giovanni Arduino (1713-1795) nos Alpes italianos e J. G. Lehmann (1719-1767) na Alemanha denominaram as rochas cristalinas com minrios metlicos, observadas no ncleo das montanhas, de primria ou primitivas e as rochas estratificadas bem consolidadas (calcrios, folhelhos) com fsseis de secundrias; as rochas estratificadas pouco consolidadas com fsseis marinhos e intercalaes vulcnicas foram denominadas de tercirias. Posteriormente surgiu o termo transicional para acomodar rochas intermedirias entre as primrias e secundrias e em 1829 o francs J. Descoyers cunharia o termo quaternrio para sedimentos marinhos recobrindo rochas tercirias na Bacia de Paris. Os termos primrio e secundrio j foram abandonados, mas os termos Tercirio e Quaternrio ainda constam da escala moderna do tempo geolgico, embora com conceitos diferentes dos originais. Na segunda metade do sculo XVIII esta diviso simples foi interpretada luz do relato bblico da separao da poro seca das guas durante a criao. De acordo com esta idia, quase todas as rochas, incluindo os granitos e basaltos, teriam se precipitado das guas do mar primordial, da a razo do nome Netunismo, em homenagem a Netuno, o deus do mar da mitologia greco-romana.

13Os netunistas acreditavam que as rochas se formavam em quatro sries sequnciais a partir das guas do mar primevo, como relatado na Bblia. Para eles, as duas sries mais antigas, incluindo rochas gneas e metamrficas eram precipitadas em capas concntricas sobre toda a superfcie original da Terra quando este mar ainda cobria tudo. As outras duas sries, mais restritas geograficamente e caracterizadas por fsseis, marcas de correntes e outras estruturas indicativas de guas mais rasas eram originadas quando os continentes j se expunham acima do nvel do mar (Fig. 1). Para explicar a descida do mar primevo os netunistas, como Steno, postulavam que as guas sumiam para dentro de imensas cavidades no interior da Terra. O netunismo teve em Abrao Werner (1749-1817), professor durante 42 anos na Academia de Minas de Freiberg, Alemanha, seu proponente mais carismtico. A influncia de Werner se estendeu at cerca de 1840, j no bero na doutrina antagnica, o Plutonismo, que nascera no fim da sculo XVIII em Edimburgo, Esccia. Enquanto Werner lecionava na Alemanha, o naturalista escocs James Hutton (17261797) fazia as observaes que serviriam de base para transformar a Geologia numa cincia j nas primeiras dcadas do sculo XIX. Prximo sua casa em Edinburgo, Hutton descreveu evidncias de metamorfismo de contato entre basalto e rochas sedimentares e interpretou como intrusivo (e no precipitado) um granito que cortava calcrio supostamente mais novo segundo os netunistas. Juntando estas observaes, Hutton demonstrou a natureza fluida, quente e intrusiva das rochas gneas, fundamentando assim o conceito de plutonismo (de Pluto, deus grego das profundezas), em contraposio ao netunismo de Werner. Em seu trabalho mais importante, Theory of the Earth, de 1788, Hutton articulou suas idias modernas sobre a Geologia e a histria longa e complexa da Terra. Para Hutton todo o registro geolgico podia ser explicado pelos mesmos processos que atuam hoje, como eroso, sedimentao, vulcanismo, etc. Este conceito leva o nome de princpio de causas naturais. Hutton ainda estabeleceu outro princpio fundamental da Geologia, ou seja: as relaes entrecortantes de corpos rochosos. Este princpio pode ser desdobrado em duas partes, a primeira regida pela lei das relaes de corte e a outra pela lei das incluses. Assim, qualquer feio geolgica (rocha ou fssil) cortada ou afetada por outra (dique, sill, falha, dobra, atividade de organismos, etc.) ou contida em outra (um seixo num conglomerado, uma bolha de gs num cristal) mais antiga do que a rocha que corta ou que a contm ou que a estrutura que afeta. Entre 1830 e 1875, outro escocs, Sir Charles Lyell (1797-1875) popularizaria, em 14 edies de seu clssico Principles of Geology, o princpio de causas naturais sob o prisma do Uniformitarismo. Esta obra influenciou vrias geraes de gelogos a comear pelo jovem Charles Darwin (1809-1882) que o levou consigo ao embarcar no Beagle em 1831 em sua fantstica viagem ao redor do mundo. Na viso de Lyell, o presente seria a chave do passado sendo o passado igual ao presente inclusive em intensidade dos processos atuantes na dinmica interna e externa. Hoje sabemos que isto no totalmente verdade uma vez que nem todos os processos obsedavas atualmente como eroso, formao de solos, absoro e reflexo da energia solar, etc. correspondem exatamente e na mesma intensidade a aqueles que atuaram no passado. Assim, o rigor do Uniformitarismo proposto por Lyell passou por uma reviso conceitual dando origem ao Atualismo. Este princpio parte do pressuposto da constncia das leis naturais que regem os processos geolgicos, mesmo que no passado os produtos e a intensidade destes processos tenham sido algo diferentes daquilo que se observa atualmente.

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Nvel do mar durante a:

Primeira Srie

Segunda Srie Rochas de Transio Terceira Srie Rocas Secundrias

Quarta Srie Nvel do mar atual Rochas Tercirias

Rochas Primitivas ou Primrias

Quarta Srie

Terceira Srie

Segunda Srie

Primeira Srie

Formaes Parciais Formaes Universais geradas aps a emergncia dos continentes acima precipitadas sobre toda a superfcie original do nvel do mar da Terra

Rochas Tercirias Material aluvial dos terrenos baixos

Rochas Secundrias Arenitos, calcrios e folhelhos muito fossilferos, com intercalaes de rochas precipitadas

Rochas de Transio Calcrios e grauvacas at com fsseis e marcas de corrente, ainda com rochas precipitadas

Rochas Primitivas ou Primrias Granitos, gnisses, xistos, ardsias e outras de aspecto antigo

Figura 1: A origem das rochas segundo os netunistas (Modificado de Teixeira et al.; 2000).

O Estabelecimento da Escala de Tempo Geolgico Estimulados pela curiosidade fomentada pelo Iluminismo e pela crescente demanda para recursos minerais, alguns naturalistas na Europa no fim do sculo XVIII e incio do XIX notaram que o conjunto de fsseis apareciam sempre na mesma ordem no registro geolgico. Entre 1799 e 1815, o ingls William Smith (1769-1839) e o anatomista francs Georges Curvier concluram, independentemente, que esta constatao permitia estabelecer a equivalncia temporal, ou seja, a correlao fossilfera ou bioestratigrfica entre faunas e floras fsseis iguais, mesmo que contidas em rochas diferentes e em sequncias distantes entre si. Estava enunciado, assim, o princpio da sucesso bitica que estabelece ser possvel colocar rochas fossilferas em ordem cronolgica pelo carter de seu contedo fossilfero, pois cada perodo, poca ou subdiviso do tempo geolgico possuiria um conjunto particular de fsseis, representativo dos organismos que viveram naquele tempo. Para explicar a curiosa sucesso de fsseis no registro, surgiram dois conceitos radicalmente opostos: o Catastrofismo de Curvier, que interpretava o registro fssil como resultado de sucessivas extines cataclsmicas globais, cada qual seguida pela recriao logo depois de uma nova fauna e flora e a Evoluo Biolgica de Charles Darwin, que explicava a diversidade do registro fossilfero como resultado da interao entre seres e o meio ambiente, com a sobrevivncia e sucesso das formas mais bem adaptadas (seleo natural). Para Darwin, portanto, as extines representavam eventos naturais, ao contrrio de Curvier que advogava o sobrenatural para explic-las.

15Com o princpio de sucesso bitica sua disposio, gelogos da Europa puderam, no curto intervalo de 1822 a 1841, ordenar as principais sucesses geolgicas destas regies em uma escala de tempo geolgico atravs da datao relativa das faunas e floras fsseis contidas nas rochas estudadas. Inicialmente, descreveram sistemas espessos de rochas, cada qual com seu contedo fossilfero distinto. Cada sistema de rochas teria sido depositado durante um perodo especfico, identificado pelo conjunto de fsseis peculiares ao sistema e designado por um nome alusivo a alguma feio da regio onde o sistema foi definido. Assim, por exemplo, o termo Cambriano se refere a Cambria, antigo nome romano para Inglaterra. Devoniano, da localidade de Devonshire, Inglaterra; Jurssico dos Montes Jura na Europa e Permiano da cidade de Perm, na Rssia. Nomes culturais tambm foram utilizados como Ordoviciano e Siluriano, das tribos Ordovices e Silures que habitavam o Pas de Gales. O termo Carbonfero se refere a uma sequncia de rochas muito ricas em carvo enquanto que o Cretceo, da palavra francesa cr (giz) se refere a grande quantidade de calcrio fino encontrada em uma determinada sequncia de rochas. A correlao fossilfera ou bioestratigrfica, cada vez mais refinada, levou, mesmo antes de 1850, subdiviso dos perodos e destes em pocas e unidades menores. Ao mesmo tempo, semelhanas e distines entre os fsseis de diversos perodos permitiram a agregao dos perodos nas Eras Paleozica, Mesozica e Cenozica, delimitadas pelas maiores extines na histria da vida, no fim do Permiano e do Cretceo, respectivamente. Modernamente, as eras tem sido agrupadas em intervalos de tempo maiores conhecidos como Eons: Arqueano, Proterozico e Fanerozico. Os eons Arqueano e Proterozico so conhecidos, coletivamente, pelo termo informal PrCambriano. Como Entender a Coluna Geolgica A coluna geolgica uma forma padro de agrupar as subdivises do tempo geolgico vlida para toda a Terra. Como foi visto, inicialmente foram definidos os Perodos, que se constituem em sistemas de rochas formados numa mesma poca no passado. A medida que novos dados foram sendo obtidos e que as rochas e seu contedo fossilfero foram sendo investigados em maior detalhe, os Perodos foram subdivididos em pocas e estas em Idades. Os Perodos, por sua vez, foram agrupados em Eras e estas em Eons (Fig. 2). Assim, conforme a geologia convencional, o Eon Fanerozico teria iniciado h 545 m.a (milhes de anos) e persiste at hoje, sendo constitudo das seguintes Eras: Paleozica, Mesozica e Cenozica. A Era Paleozica teria iniciado h 545 m.a e terminado h 250 m.a sendo formada de 6 perodos: Cambriano, Ordoviciano, Siluriano, Devoniano, Carbonfero (nos EUA dividido em Mississipiano e Pensilvaniano) e Permiano. A Era Mesozica teria iniciado a 250 m.a e terminado a 65 m.a sendo formada pelos perodos Trissico, Jurssico e Cretceo. Finalmente, a Era Cenozica teria iniciado a 65 m.a, se estendendo at os dias atuais sendo composta dos perodos Tercirio e Quaternrio. O termo Tercirio tem sido substitudo por Palegeno, mais antigo e Negeno mais recente. Mas por que a Era Paleozica teria iniciado h 545 m.a e no antes ou depois? Por que Era Mesozica teria encerrado h 65 m.a e no em outro momento? So perguntas que, a primeira vista, podem chamar a ateno do leitor. Como veremos, as grandes divises do tempo geolgico esto relacionadas a grandes catstrofes, normalmente associadas a exploso ou extino em massa de seres vivos. Para os objetivos de nosso estudo, vamos rever a passagem do Pr-Cambriano para o Cambriano e os limites entre as eras Paleozica e Mesozica e Mesozica e Cenozica.

16O Limite Pr-Cambriano/Cambriano A separao entre o Pr-Cambriano e o Fanerozico feita em funo da quase ausncia de fsseis no primeiro e na abundncia deste registro no segundo. O PrCambriano subdividido em dois Eons: o Arqueano, mais antigo e o Proterozico, mais novo. As primeiras formas fsseis razoavelmente definidas so supostamente encontradas na parte superior do Arqueano, quando os estromatlitos se tornaram relativamente comuns no registro geolgico.

Eon

Era

PerodoQuaternrio

pocaHoloceno (recente) Pleistoceno 1,8 m.a Plioceno

Cenozico

Negeno Mioceno Tercirio Oligoceno Palegeno Eoceno Paleoceno

Fenerozico

65 m.a Mesozico Cretceo Jurssico Trissico 250 m.a Permiano Carbonfero Paleozico Devoniano Siluriano Ordoviciano Cambriano 545 m.a

Pr-Cambriano

Proterozico

Arqueano

Figura 2: Escala de Tempo Geolgico.

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O Pr- Cambriano, segundo a interpretao convencional, algumas vezes referido como a era da vida microscpica ou da vida procaritica tendo em vista a variedade de formas microscpicas, unicelulares e coloniais, muito simples e em grande parte atribuveis aos procariontes (microrganismos sem ncleo e organelas intracelulares e com cromossomas circulares e apenas formas simples de reproduo assexuada). Desta forma, seria possvel falar de seis categorias distintas de fsseis Pr-Cambrianos: 1) estromatlitos, estruturas biossedimentares resultantes de processos sedimentolgicos e da dinmica de ecossistemas microbianos bentnicos; 2) microfsseis orgnicos, permineralizados por slica em carbonatos ou preservados por compactao e carbonizao em folhelhos; 3) fsseis qumicos, compostos orgnicos de origem biolgica encontrados sob forma insolvel (restos de microfsseis e carvo) ou solvel; 4) filmes carbonosos, principalmente os restos carbonizados de fragmentos de esteiras microbianas ou, eventualmente, algas multicelulares; 5) raros icnofsseis (vestgios resultantes da atividade de um organismo como pistas, escavaes, perfuraes, excrementos, etc.) e 6) raras impresses (moldes) dos corpos moles de invertebrados primitivos sem carapaas (Anelli et al., 2000). Ainda no Vendiano, situado no topo do Proterozico, j no final do Pr-Cambriano, so encontrados fsseis mineralizados incluindo espculas de esponjas, tubos de vermes e a famosa Fauna de Ediacara, formada por impresses variadas de organismos que parecem incluir celenterados e aneldeos. De qualquer forma, a carncia de fsseis nas rochas pr-cambrianas constitui, desde os tempos de Darwin, um problema srio da Paleontologia, embora algumas hipteses tenham tentado, sem muito sucesso, resolver esta questo. O Cambriano, por sua vez, marca um importante perodo na histria da vida na Terra sendo o momento em que a maior parte dos metazorios aparecem no registro fossilfero. Este evento muitas vezes referido como Exploso Cambriana devido ao perodo relativamente curto de tempo para o qual uma grande diversidade de novas formas apareceram. Com exceo dos Briozorios que surgiram no Ordoviciano, todos os demais filos de metazorios surgiram no Cambriano como os cnidrios, celenterados, braquipodes, moluscos, artrpodes e equinodermas. Embora estes filos ainda componham a fauna marinha atual, muitas grupos foram extintos ou encontram-se drasticamente reduzidos. Os braquipodes articulados (Subfilo Linguliformea e Craniiformea) por exemplo, encontram-se presentes nos mares atuais enquanto os inarticulados (Subfilo Rhynchonelliformea) apresentam ordens extintas no Paleozico como os Pentamerida (extintos no Devoniano), os Strophomenida e Orthida (extintos no Permiano) e os Spiriferida (extintos no Jurssico). A passagem do Pr-Cambriano para o Cambriano marca, portanto, o registro indiscutvel da vida sobre o planeta sendo assim um importante marco na escala de tempo geolgico. Este evento teria ocorrido, segundo a geologia convencional, h cerca de 545 m.a. De acordo com uma interpretao Criacionista, estes animais representariam a fauna de invertebrados marinhos que habitavam os mares pr-diluvianos e foram formados durante a Semana da Criao narrada nos captulos iniciais do livro de Gnesis. O Limite Paleozico/Mesozico: a crise permiana Outro marco importante na coluna geolgica encontra-se na passagem da Era Paleozica para a Era Mesozica, no final do Perodo Permiano (Fig. 2). Esta poca foi marcada pela maior extino de seres vivos registrada na histria da vida sobre a Terra atingindo muitos grupos de organismos de diferentes habitats. Quase todos os invertebrados do Paleozico desapareceram. Cerca de 95% das espcies encontradas

18no Permiano no apareceram mais no Tercirio, logo acima, incluindo vertebrados e invertebrados. Entre os vertebrados, 75% dos anfbios e 80% das famlias de rpteis desapareceram do registro geolgico. Alguns grupos que sobreviveram extino permiana reduziram drasticamente e nunca mais alcanaram o domnio ecolgico que possuam anteriormente. Dentre os grupos mais afetados esto os foraminferos fusilindeos, trilobitas, corais rugosos e tabulares, placodermes, entre outros. Dentre os grupos drasticamente reduzidos esto os briozorios, braquipodes, crinides, amonides (moluscos), euripterdeos, ostracdes e equinodermas. Com respeito ao reino vegetal, a crise observada no Permiano e mais tarde no limite Mesozico/Cenozico bastante controvertida. Algumas hipteses admitem que tanto os reinos animal e vegetal foram afetados da mesma forma. Contudo, embora a crise permiana esteja bem documentada no registro fssil dos animais e segundo alguns evolucionistas, fornea uma base coerente para a teoria da evoluo, tem se questionado bastante qual o seu impacto no registro fssil das plantas. Estudos plublicados a partir da dcada dos anos oitenta (Knoll, 1984, 1986; Boutler et al., 1986; Traverse, 1988) sugerem que no existe evidncia segura de extino em massa no registro fssil das plantas, um aspecto largamente ignorado nos recentes debates sobre a teoria evolutiva. Mas se no houve extino em massa no registro das plantas, por que as ginmnospermas ou as pteridospermas no so dominantes nos dias atuais? Neste caso, mudanas importantes devem ter ocorrido no reino vegetal, embora no no mesmo momento nem com a mesma intensidade que aquele observado no registro fssil dos animais (Stewart et al., 1993; Grane et al., 1995). Uma das hipteses que a substituio da flora Paleoftica caracterizada por grupos mais primitivos de plantas vasculares (licfitas, esfenfitas, progimnospermfitas e pteridospermfitas), pela flora Mesoftica, iniciada com o declnio das licfitas, esfenfitas e pteridospermas e a ascenso das conferas e outras gimnospermfitas (caytoniales, cicadfitas, gingkfitas, etc.) seria em funo no de processos de extino em larga escala mas de seguidas adaptaes a novas condies ambientais. Na falta de evidncias mais consistentes de extino em massa para explicar estas mudanas Knoll (1984, 1986) sugere dois mecanismos que teriam conduzido a evoluo das plantas: um fator relacionado competio e outro representado pela seleo de linhagens ao nvel de espcie. Para Wills & Bennett (1995) esta hiptese seria um simples retorno aos princpios darwinianos, s que ao nvel de espcie e no de indivduo. Isto, por sua vez, teria implicaes importantes com respeito ao criacionismo cientfico, reforando a tese de que muitas variedades de plantas podem ter se diferenciado por processos microevolutivos em perodos de tempo bem mais curtos que os milhes de anos normalmente exigidos pela macroevoluo. O que teria causado a crise permiana? Embora as causas da crise permiana ainda permaneam matria de amplo debate, inmeras teorias tem sido formuladas para explic-la. Para os nossos propsitos vamos citas trs das hipteses mais aceitas: glaciaes, formao do mega-continente Pangea e erupes vulcnicas. Glaciaes Uma das teorias mais aceitas para a crise permiana seria a mesma responsvel pelas crises do Ordoviciano e do Devoniano, ou seja, a glaciao do continente Gondwana (frica, Amrica do Sul, ndia, Austrlia e Antrtida). Este evento seria resultado de um resfriamento global de Gondwana seguido do abaixamento geral do nvel dos mares (regresso marinha), reduo dos habitats e consequente extino em massa.

19Uma variante desta hiptese seria flutuaes climticas severas provocadas por eventos glaciais rigorosos nos plos norte e sul. Nas zonas temperadas existe evidncia de resfriamento associado a sedimentao em clima semi-rido representado por espessas sequncia de dunas e evaporitos. J nas zonas polares o registro de eventos glaciais mais rigorosos. Estas flutuaes climticas teriam provocado a instabilidade dos habitats resultando em extino. Formao do Continente Pangea Outra teoria que procura explicar a extino em massa do Permiano seria a reduo da rea das plataformas continentais devido a formao do mega-continente. Esta reduo, da mesma forma que na hiptese anterior, tambm resultaria no aumento da competitividade por espao entre os seres vivos, o que provocaria extino em grande escala. Erupes vulcnicas A terceira hiptese que se tem formulado para explicar a extino permiana seria um extenso derrame de lavas baslticas na Sibria. Este evento teria emitido quantidades enormes de sulfato para a atmosfera alm da formao de enormes nuvens de cinza por todo o globo. A combinao destes fatores resultaria no abaixamento geral da temperatura sobre a Terra provocando extino em massa. Das hipteses acima mencionadas, a que se refere glaciaes e erupes vulcnicas so amplamente compatveis com o dilvio universal proposto pelo criacionismo cientfico. Chadwick (2001) sugere que a temperatura geral da Terra teria reduzido consideravelmente sob a influncia de espessas nuvens de cinzas vulcnicas acumuladas na atmosfera em funo de intensa atividade vulcnica ocorrida j nos estgios iniciais do dilvio de Gnesis. No caso do Brasil, este evento glacial estaria registrado na Bacia do Paran, nos depsitos sedimentares da regio de It/Salto, 100 km a sudoeste de So Paulo. Algumas evidncias que sugerem atividade glacial e sua preservao no registro geolgicos so: morfologias tpicas de abraso (rochas moutonnes, pavimentos estriados) indicando a passagem de espessa capa de gelo sobre o substrato rochoso; depsitos do tipo till (sedimento inconsolidado, mal selecionado, constitudo por matriz argilosa/siltosa/arenosa, contendo fragmentos rochosos caoticamente dispersos e de tamanho variado); clastos (seixos) isolados, dispersos em sedimentos finos, laminados, indicando a presena pretrita de icebergs em um determinado corpo de gua. O Limite Mesozico/Cenozico: a crise K/T A passagem da Era Mesozica para a Cenozica tambm foi assinalada por uma grande extino em massa no registro geolgico denominada crise K/T (Cretceo/Tercirio). Esta crise mais conhecida por ter exterminado os dinossauros da face da Terra. Cerca de 85% de todas as espcies de setes vivos desapareceram tornando a crise K/T a segunda maior no registro geolgico. Contudo no foram apenas os dinossauros as vtimas deste evento. Outras linhagens de rpteis marinhos tais como os ictiossaurus, plesiossaurus e mesossaurus tambm teriam sido extintos, bem como os pterossaurus (rpteis voadores). Entre os invertebrados, muitas espcies e foraminferos, alguns grupos de moluscos (amonides, belenmnides) tambm foram extintos. Dentre os grupos bastante afetados esto os foraminferos planctnicos, dinoflagelados, braquipodes e equinides. Os grupos menos afetados foram as plantas com flores, os gastrpodes, pelicpodes, anfbios e mamferos. Causas provveis da crise K/T A crise do final do Cretceo tem gerado considervel interesse pblico nos anos recentes em funo do controvertido debate na comunidade cientfica sobre as causas que teriam desencadeado este evento. A hiptese mais aceita pressupes a ao de foras

20exgenas, tais como o impacto de meteoritos ou cometas. Outras hipteses procuram explicar o fenmeno atravs de causas endgenas como atividade vulcnica e glaciao. Impacto de meteoritos Alguns pesquisadores acreditam que a presena de altas concentraes de irdio em uma fina camada de sedimento depositado no limite K/T s pode ser explicada considerando-se a ao do impacto de meteoritos. O irdio um elemento s encontrado no manto terrestre ou em corpos celestes como os meteoritos e cometas. Esta fina camada tem sido encontrada em sedimentos marinhos e continentais em inmeras localidades em torno da Terra. A presena de estruturas de choque em gros de quartzo (finos gros com estruturas de impacto de alta presso) tambm vem corroborar a hiptese do blido assassino. Estas feies, da mesma forma que a presena anmala de irdio, tem sido encontradas em sedimentos situados no limite K/T. Pesquisas tem indicado que a regio do impacto teria sido a Pennsula de Yucatan no Mxico. Erupes vulcnicas As evidncias de que as erupes vulcnicas foram o agente mais importante no desencadeamento da crise K/T tambm so relativamente fortes. Como foi visto anteriormente, o irdio um elemento presente quase unicamente no manto terrestre e em corpos celestes do tipo meteoritos. Este fato tem levado alguns cientistas a especular que o irdio teria se originado de erupes vulcnicas macias como evidenciado no planalto de Decan, na ndia e Paquisto. No local so observados extensos derrames de lava basltica no limite Cretceo/Tercirio ocupando atualmente uma rea de 500.000 km2. Este derrame teria produzido enormes quantidades de cinzas, alterando o clima global da Terra e a qumica dos oceanos. Assim, tanto as erupes vulcnicas como os impactos de meteoritos so mecanismos viveis para explicar a extino em massa verificada no limite Cretceo/Tercirio e como j foi visto, todas eles so compatveis com um evento catastrfico semelhante ao dilvio universal narrado no livro de Gnesis. Extines em Menor Escala Embora os eventos acima mencionados tenham deixado evidncias incisivas de uma catstrofe global, no foram os nicos a serem reconhecidos no registro geolgico. Extino em massa de menores propores so registradas no final do Ordoviciano, no final do Devoniano e no Paleoceno (j na Era Cenozica) e so utilizadas como marcadores de tempo. Segundo alguns autores, o Estgio Hirmantiano, (final do Ordoviciano) marca o que teria sido a primeira das cinco grandes crises do Fanerozico. Dentre suas vtimas estariam os trilobitas pelgicos, alguns graptozorios, braquipodes e bivalves (Hallam & Wignall, 1997). Este evento teria ocorrido em dois pulsos intercalados por uma fase de expanso caracterizada pela fauna Hirnantia, uma associao de braquipodes e trilobitas de guas mais frias (Rong & Harper, 1988). Estes dois pulsos apresentam caractersticas distintas: o primeiro tendo eliminado trilobitas pelgicos e organismos bentnicos das baixas latitudes enquanto que o segundo teria afetado a fauna Hirnantia e muitos outros grupos de guas mais profundas. Segundo Brenchley et al. (1994) a crise ordoviciana coincide com um dos principais perodos de oscilao do nvel do mar, sendo portanto a causa principal desta crise. A extino do final do Devoniano apresenta um dos padres mais seletivos de todas as crises biticas. Os placodermes, grupo de peixes dominantes neste perodo, foram totalmente extintos. Os goniatites (uma ordem de moluscos) tambm foram muito afetados restando somente poucas espcies. Entre os trilobitas, somente um pequeno grupo teria resistido. Contudo, embora tenha sido uma crise rigorosa entre os organismos

21pelgicos, a crise Devoniana teria afetado muito pouco os organismos bentnicos como demonstrado no registro dos briozorios e corais rugosos e tabulados. Finalmente, a crise do final do Paleoceno foi um dos eventos mais notveis durante o Cenozico resultando, entre outras, na extino de 50% das espcies de foraminferos bentnicos de guas profundas. Segundo alguns autores, este evento tem sido amplamente reconhecido nas regies batial/abissal de todo o mundo e por isto se constituiria em uma crise global. As espcies da epifauna, mais dependentes de guas bem oxigenadas foram as mais afetadas. Entre os especialistas, existe um consenso de que esta crise teria sido provocada pela desoxigenao de inmeros habitats devido a um aumento significativo da temperatura registrado no final do Paleoceno. BibliografiaAnelli, L. E.; Rocha-Campos, A. C. & Fairchild, T. R. 2001 Paleontologia: guia de aulas prticas. Grfica Instituto de Geocincias. USP. 164pp. Boulter, M. C.; Spicer, R. A. & Thomas, B. A. 1988 Extinction and Survival in the Fossil Record (Larwood, G. P., ed.), pp. 1-36. Brenchley, P. L., Marshall, J. D.; Carden, G. A. F.; Robertson, D. B. R.; Long, D. G. E., Meidla, T.; Hints, L.; Anderson, T. F. 1994 Bathymetric and Isotopic Evidence for a Short-Lived Late Ordovician Glaciation in a Greenhouse Period. Geology, 22:295-298. Chadwick, A. V. 2001 The Bible and Palentology. http://origins.swau.edu. Grane, P. R.; Friis, E. M. & Pedersen, K. R. 1995 Nature 347:27-33. Hallam, A. & Wingall, P. B. 1997 Mass Extinction and their Aftermath. Oxford Univ. Press, Oxford. Hallam, A. & Wingall, P. B. 1999 Mass Extinctions and Sea Level Changes. Earth Scie. Reviews, 48:217-250. Knoll, A. H. 1986 Community Ecology (Diamond, J. & Case, T. J., eds), pp. 127-149. Rong, J. & Harper, D. A. T. 1988 A Global Synthesis of the Latest Ordovician Hirmantian Brachiopod Faunas. Trans. R. Soc. (Edinburgo), 79:383-402. Stewart, W. N. & Rothwell, G. W. 1993 Paleobotany and the Evolution of Plants (2o ed.), Cambridge University Press. Teixeira, W.; Toledo, M. C. M.; Fairchild, T. R.; Taioli, F. 2000 Decifrando a Terra. Oficina de Textos, So Paulo. 557pp. Traverse, A. 1988 Historical Biology, 1:277-301. Willis, K. J. & Bennett, K. D. 1995 Mass Extinction, Punctuated Equilibrium and the Fossil Record. TREE, News & Comment. V. 10, 8:308-309.