A Comissao Africana Dos Direitos Humanos
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Giliardo Nascimento1
A COMISSÃO AFRICANA DOS DIREITOS HUMANOS EDOS POVOS COMO PRINCIPAL MEIO DE CONTROLO
E PROTEÇÃO NO SISTEMA AFRICANO
RESUMO
O presente estudo, constitui primeiramente uma analise do percurso da então OUA até aCarta Africana dos Direitos do Homem e dos Povos, e do essencial do conteúdo e dealgumas particularidades deste, para depois analisarmos, a partir do processo deconsolidação do Sistema Africano de Proteção dos Direitos Humanos e dos Povos, aimportância da Comissão Africana do Direito Humanos e dos Povos nesse sistema,através de uma abordagem analítica e jurídico-formal, para apurar a sua operacionalidade
bem como o seu próprio enquadramento institucional na Unidade Africana enquantomecanismo de proteção. Em suma esse estudo analisa com claridade essa importância,que é efetivada através de competências que a Carta Africana atribui à ComissãoAfricana, essencialmente na receção e análise de relatórios dos Estados partes da Carta,
bem como na receção de comunicações previstas pela Carta Africana que podem sersubmetidas à Comissão Africana, tanto dos Estados parte, como também comunicações
provenientes de indivíduos, grupos de indivíduos ou organizações não-governamentais
sejam eles vítimas ou não de violações de direitos humanos.
PALAVRAS-CHAVE: Proteção dos Direitos Humanos; Africa; Comissão Africana;Carta Africana; Mecanismo de proteção; União Africana.
LISBOA, 2015
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Licenciado em Relações Internacionais pelo Instituto Superior de Ciências Socias e Politicas daUniversidade de Lisboa, Mestrando em Direito Internacional pela Faculdade de Direito da Universidadede Lisboa
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CONSIDERAÇÕES INTRODUTORIAS
Para além do sistema global de proteção dos direitos humanos, tutelado pelas
Nações Unidas, existem também sistemas regionais que abrangem três grandes regiõesdo globo – a América, a Europa e a África- inseridos num regime amplo de integração
(Brownlie e Goodwin-Gil, 2010). Na América a organização que tutela o sistema de
proteção regional dos direitos humanos é Organização dos Estados Americanos, na
Europa é o Conselho da Europa e em África o sistema de proteção está integrada no
âmbito da União Africana (UA), antiga Organização da Unidade Africana (OUA).
A dialética da proteção dos direitos humanos em África, resulta inequivocamente
do próprio contexto histórico do continente, fortemente conotado com o período colonial
e consequentemente com a descolonização e com o direito a autodeterminação2 dos povos
que ocuparia os trabalhos da Organização da Unidade Africana (OUA) desde da sua
criação em 1963, representando a génese de um sistema regional Africano de proteção
dos Direitos dos Homens e dos Povos (Murray, 2004), sem prejuízo das liberdades,
direitos e garantias consagradas no plano jurídico-internacional. Em conformidade com
a natureza existencial do sistema interamericano e do sistema europeu, o sistema africano
de proteção dos direitos humanos surge, também, como uma plataforma ativa deconstrução, monitorização, promoção e efetivação de mecanismos de proteção dos
direitos dos homens e dos povos no continente africano, essencialmente através da
Comissão Africana dos Direitos Humanos e dos Povos3. Neste sentido, o estudo que ora
se pretende desenvolver subordinado às questões relativas a origem, a estrutura,
competência, ao modus operandi e a respetiva natureza jurídica das decisões e das
recomendações da Comissão Africana dos Direitos dos Homens e dos Povos, bem como
a verificação da responsabilidade dos Estados em entregar relatórios sobre a situação dosdireitos humanos nos seus territórios.
No primeiro Capitulo, faremos uma sumaríssima introdução histórica, que
pretende analisar de forma objetiva o percurso da então OUA até a Carta Africana dos
Direitos do Homem e dos Povos4, bem como, entendemos ser necessária para a
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Que ganhara vigor com os resultados da conferência de Bandung de 1955.3 Adiante referida como Comissão Africana.4 Adiante referida como Carta Africana.
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compreensão do tema em epígrafe, dissecar, ainda que de forma sumaria, sobre o
essencial do conteúdo e de algumas particularidades da referida carta.
No segundo e último capítulo, com carater central no trabalho, não é espectável
uma mera transcrição do conteúdo da Carta africana. Pelo que, pretendemos perseguirobjetivos de índole analítico e jurídico-formais tendo em vista apurar de forma clara e
objetiva o papel da Comissão Africana no sistema regional africano de proteção dos
direitos humanos que dela decorre, para que, analisando a sua operacionalidade bem
como percebendo o seu próprio enquadramento institucional na Unidade Africana,
possamos proceder para este fim um estudo legal e doutrinário, que através de novas
abordagens seja capaz de compreender as diversas perspetivas e produzir novas
conclusões.
DA ORGANIZAÇÃO DA UNIDADE AFRICANA À CARTA AFRICANA DOS
DIREITOS HUMANOS E DOS POVOS
1.1- Breve Enquadramento Histórico
Assumindo relevante importância no quadro histórico da OUA e consequentemente
no âmbito da construção do sistema de proteção dos direitos humanos em África, a
conferência de 1961 realizada em Nigéria, comummente conhecida como a Conferênciade Lagos5, destaca essencialmente pela sua natureza pioneira na abordagem dessas
questões em Africa (Murray, 2004). Uma das suas importantes declarações afirma que,
realizada com o firme propósito de atribuir total efeito e eficácia à declaração do Direitos
do Homem de 1948, exortava os governos dos Estados africanos a refletirem sobre a
necessidade de adoção de uma Convenção Africana de Direitos Humanos 6
consequentemente salvaguardada pela criação de um tribunal com poderes jurídico-
jurisdicionais apropriadas, ao qual qualquer cidadão dos Estados signatários teria direito
a recurso7.
5 Participaram nesta conferência 194 pessoas, tonto juízes, como advogados e professores de Direito de23 Estados africanos, bem como de 9 Estados fora do continente.6 Neste sentido,
Sheila Keetharuth (2008) ressalva que esta proposta de criação de Convecção africana deDireitos Humanos esteve na ordem do dia da Conferencia dos Chefes de Estado e de Governo Africanosde Maio de 1963 quando os trinta Estados assinaram a Carta Constitutiva da OUA, porém sem sucesso,visto que os trabalhos da conferência concentrou os seus esforços em outros temas considerandos de
maior importância.7 Cf., sobre a conferencia em geral, African Conference on the rule of law , Lagos, Nigéria, 3-7. Janeiro de1961: A Report on the Proceedings of the Conference, Geneva, Internacional Commission of Jurists, 1961.
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Observa-se, no entanto, que desde da constituição da OUA até a segunda metade da
década de 70 todos os esforços canalizados para a consciencialização relativamente aos
direitos humanos e sua consequente proteção em África resumiam a seminários,
simpósios e conferências (Piovesan, 2011) sendo que os princípios da não ingerência
interna e do respeito pela soberania dos Estados obstaculizaram de forma inequívoca a
implementação de um sistema de proteção (Andrade, 2002), prevalecendo assim um
sentimento de pessimismo relativamente a operacionalização de um mecanismo de
proteção dos direitos humanos tanto ao nível técnico-político como ao nível jurídico-
jurisdicional em África.
Porém, em 1978 a Nigéria apresentaria uma resolução, que seria considerada na
Sessão da Comissão de Direito Humanos da ONU, que no essencial do seu conteúdosolicitava às Nações Unidas auxílio para a adoção de organismos com jurisdição ao nível
regional relativamente aos direitos humanos, com especial referência à África (Andrade,
2002). É nesta lógica evolutiva que o Presidente do Senegal, Leopold Sedar Segnor,
proporia em julho de 1979, no 16º conferência dos Chefes de Estado e de Governo
Africanos que teve lugar em Monróvia na Libéria, uma resolução conducente a decisão
115/XVI / 1979; relativo à preparação de um delineamento preambular, por uma equipa
de peritos, uma Carta Africana dos Direitos Humanos e dos Povos (Cançado Trindade,
2006) consubstanciando a necessidade de criação de um sistema próprio, aprovisionada
de instituições necessárias e capacitadas para a fiscalização, manutenção e proteção
desses mesmos direitos no continente africano.
Atendendo a exortação da Assembleia geral bem como da Comissão do Direitos
humanos da ONU em setembro de 1979, o Secretário-geral realiza um seminário em
Monróvia, a convite do governo da Libéria, mormente sobre a necessidade de
estabelecimento de comissões regionais especialmente em África, sustentando que princípios como a não ingerência interna e o respeito pela soberania dos Estados não
poderiam representar um obstáculo para as estratégias de denúncia e erradicação de
violações de direito humanos (Simmons, 2009). Pelo que, julgar-se-ia, que a função
promocional, inter alia, deveria constituir o primeiro objetivo a justificar a génese da
Comissão Africana de Direitos Humanos, que estabeleceria essencialmente em divulgar
e informar a população dos seus direitos protegidos (Álvarez, 2008).
O grupo de peritos, encarregados de trabalhar na preparação de um esboço darequerida Carta Africana, referidos na Decisão 115/XVI / 1979, reunidos em Dakar em
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1979, depara-se com um preliminar feito pelo Secretário-geral seguindo essencialmente
os trâmites normativos dos dispositivos das convenções Europeia e Americana relativos
aos Direitos Humanos (Heyns, 2003). Porém, numa lógica consensual, a conclusão foi a
de que a OUA carecia de um de um instrumento com dispositivos especiais a adaptados
às realidades específicas do continente, com principal enfase nos direitos dos povos
merecendo relevante destaque: os direitos económicos, sociais e culturais (Okafor, 2007);
o principio da não descriminação, os deveres do indivíduos para com a família, a
sociedade, o Estado e outras coletividades legalmente reconhecidas e para com a
comunidade internacional (Alston e Goodman, 2008); a segurança dos Estados, a
necessidade de adequação da legislação, da prática e de métodos de aplicação dos
dispostos na Carta (Risse e Sikkink, 1999) e a criação do órgão que assegurasse a
promoção e proteção dos direitos decorridos da Carta (Keetharuth, 2008). Concluído o
desejado esboço, foi convocado uma reunião de índole ministerial que decorreria em
junho de 1980 na cidade de Banjul, Gambia, com o intuito de aprovar o documento
(Andrade, 2002), pelo que somente 11 artigos foram revistos e adotados, essencialmente
por causa da existência de dificuldades em encontrar soluções para as divergências entre
as delegações relativamente a operacionalização conceptual de Direitos humanos,
perpetrada pelo clima de desconfiança entre as delegações e ainda pela atitude preventiva
e de pouco avanço, centrado na preocupação de manutenção do Status quo (Heyns, 2003),
pelo que o desfecho foi marcado por um relativo fracasso, deixando patente a necessidade
de uma nova reunião ministerial que realizaria também em Banjul, em janeiro de 1981,
no qual todos os artigos remanescentes foram revistos e aprovados (Andrade, 2002).
1.2- A Carta Africana dos Direitos Humanos e dos Povos
Como anteriormente verificado, a décima-oitava Conferencia de Chefes de Estados e
de Governo dos Estados Africanos membros da OUA, reunidos em Nairobi, na capital doQuénia, a 26 de Junho de 1981 adotou a Carta Africana dos Direitos do Homem e dos
Povos, denominada também de Carta de Banjul, que, como consagra o artigo 63º da
mesma, entraria em vigor três meses depois do deposito junto do Secretário-geral dos
instrumentos de ratificação da maioria absoluta dos Estados membros, que apenas
aconteceria em 21 de outubro de 1986, representando a consolidação do terceiro sistema
regional de proteção de direitos humanos, que constituiu um marco relativamente aos
esforço feitos tanto no plano global bem como no plano regional, para a proteção desses
direitos em África (Heyns, 2003).
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O preambulo da Carta Africana revela-se de extrema importância quando se pretende
analisar e/ou perceber o âmbito de aplicação da mesma, que não obstante ser concebida
confinado às particularidades africanas em sede de Direitos Humanos, não se distanciou
muito das noções consagradas em instrumentos internacionais já existentes e que
consequentemente já vinculavam muitos Estados Africanos. Neste sentido, Van Boven
(1986) afirma que a Carta Africana foi projetada numa lógica de congregar valores
universais com as tradições, as condições e com a realidade socio-histórica do continente
africano, que na ótica de Rachel Murray (2004) apresentava-se, muitas vezes, como um
obstáculo a alguns direitos considerados contemporâneos e de extrema relevância para a
efetivação dos direitos humanos, como é o caso da democracia representativa e pluralista8
enquanto sistema politico, no âmbito dos direitos universalmente consagrados no Pacto
internacional sobre os direitos civis e políticos.
O preambulo também faz uma alusão introdutória à alguns mecanismos normativos
que ao longo da Carta foram desenvolvidas, como é o caso do principio da não
discriminação, o respeito dos direitos dos povos, o cumprimento dos deveres dos
indivíduos, bem como o direito a autodeterminação e ao desenvolvimento. Logo, revela-
se de extrema importância a necessidade de despender uma atenção minuciosa a quando
da analise do preambulo no sentido de determinar dimensão jurídico-política do seu
conteúdo, bem como precisar o contexto histórico e social em que ele foi adotado
(Andrade, 2002), pelo que, a carta africana e consequentemente o sistema africano de
proteção dos Direitos Humanos assumem contornos específicos e diferenciadores dos
dispositivos das convenções Europeia e Americana9. Logo, embora a Carta Africana se
encontra relativamente bem influenciada no seu conteúdo pelos dispositivos da
convenção Europeia e Americana e ainda pelo sistema de proteção de direitos das Nações
Unidas, constata-se que ela consubstancia um carater inovador ao distanciar-se, ainda que
em parte, de determinados instrumentos já existentes em sede de Direitos Humanos que
8 Não obstante, Sheila Keetharuth (2008) acresce que com a efetivação da Carta Africana, o Secretário-geral da OUA de então não aceitava a ideia de incompatibilidade da experiencia democrático com ahistória do povos do continente africano, visto que a carta, no seu preambulo consagrava a dimensãouniversal do direitos humanos, tanto os culturais, sociais e económicos bem como os direitos civis epolíticos.9 Embora mais adiante faremos menção a algumas diferenças sistémicas, um estudo exaustivo dasdiferenciações ou mesmo as particularidades dos sistemas regionais de proteção dos Direitos Humanosnão constitui objetivo deste estudo, porém para aprofundar sobre a matéria pode-se ver MAZZUOLI,
Valério de Oliveira. Os sistemas regionais de proteção dos direitos humanos. E ainda PIOVESAN, Flavia.Direitos Humanos e Justiça Internacional: um Estudo Comparativo dos Sistemas Regionais Europeu,Interamericano e Africano, 2º ed. São paulo: Saraiva, 2011.
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atribuem mais relevância aos direitos clássicos – individuais de índole liberal-, para
consagrar com o mesmo grau de importância e relevância e num único documento todos
os direitos coletivos na sua dimensão mais ampla, os direitos de primeira e segunda
geração contempladas nas mais diversos instrumentos de proteção, como também abarca
os de terceira geração, e não em documento dispersos10 como sucede nos demais sistemas
referidos (Simmons, 2009). A Carta Africana também inova ao prever uma
monitorização, promoção e efetivação de mecanismos de proteção próprios dos direitos
dos homens e dos povos no continente africano, bem como mecanismos de comunicação
individual e interestadual através da Comissão Africana que é criada por mérito da Carta
Africana, e capacitada para receber e apreciar comunicação e denuncias feitas entre
Estados e dos Indivíduos contra os Estados que violam os direitos protegidos e previstos
na referida Carta (Baderin, 2002) e vai mais longe e consagra a noção de direitos dos
Povos11, atribuindo uma dimensão coletiva e comunitária a esses direitos e não apenas
individual.
A COMISSÃO AFRICANA DOS DIREITOS HUMANOS E DOS POVOS
1.1- Considerações introdutórias
No âmbito sistémico da União Africana deverá verificar-se a operacionalidade de dois
mecanismos de proteção12 dos direitos humanos: por um lado a Comissão Africana do
Direitos Humanos e dos Povos13 que, não sendo um órgão judicial deveria funcionar
apenas como sendo de índole técnico, jurisdicional e político (Murray, 2000), e por outro
lado o Tribunal Africano dos Direitos Humanos e dos Povos (TADHP), que deveria
completar e reforçar o mandato de proteção da Comissão, com carater jurídico-
jurisdicional, criado pelo Protocolo à Carta sobre o Estabelecimento de um Tribunal
10 No âmbito do sistema de proteção Europeia de Direito Humanos, os direitos civis e políticos encontram-se protegidos pela Convenção Europeia, enquanto que os direitos sociais encontram-se garantidos naCarta Social Europeia. No sistema interamericano, os direitos civis e políticos são garantidos pelaConvecção Americana, que também faze um breve e superficial referencia no artigo 26º aos direitoseconómicos, sociais e culturais. Porém esses direitos são melhor garantidos no conhecido ProtocoloAdicional à Convenção Americana sobre direitos humanos, confinado a matérias de os direitoseconómicos, sociais e culturais, também conhecida como o “Protocolo de San Salvador”. No sistema dasNações Unidas esses direitos estão garantidos pelo Pacto Internacional sobre Direitos Civil e Políticos eno Pacto Internacional sobre os Direitos Económicos, Sociais e Culturais, ambos de 1966.11 Relativamente a especificidade da noção de “Povos” da Carta Africana ver KIWANUKA, Richard, TheMeaning of people in the African Charter on Human Rights, In American Jounal on international ascomparative law, Washington, Vol. 82, 1991, pg. 307.12
Assemelhando-se assim ao sistema Interamericano, pela previsão de dois órgãos de proteção que éuma comissão e um tribunal que abrangem os direitos denominados de primeira e segunda dimensão.13 Prevista na Parte II da Carta Africana, em sede das medidas de salvaguarda entre os artigos 30º e 34º.
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Africano dos Direitos do Homem e dos Povos, adotada em Borkina Faso a 10 de junho
de 1998 (Viljoen, 2014), que, segundo o disposto no número 3 do artigo 34º entraria em
vigor depois do decimo-quinto instrumento de comprometimento (ratificação ou adesão),
que aconteceria em 24 de Janeiro de 2004.
O TADHP representava sem dúvida um órgão fundamental para conferir maior
relevância e eficácia jurídica à proteção dos Direitos humanos em África (Keetharuth,
2008), porém, depara essencialmente com dois problemas que são considerados um
entrave à sua operacionalidade; por um lado pela morosidade no processo de ratificação
do protocolo que o criou, por outro a previsão de criação, através de um protocolo
adicional à Carta africana adotada em junho de 2003, de um Tribunal de Justiça da União
Africana (ainda inexistente), o que representaria uma duplicidade institucional ao nível jurídico-jurisdicional (Viljoen, 2014), sendo que a melhor solução, até agora encontrada
pela Conferencia de Chefes de Estado e de Governo terá sido a intenção de fundir os dois
tribunais (Piovesan, 2011). Pelo que por quanto, parece-nos admissível acentuar o
fracasso do TADHP, e afirmar que a Comissão Africana continua a desempenhar um
papel preponderante como um único mecanismo operacional de controlo dos
compromissos aceites pelos Estados no domínio da proteção dos direitos dos homens e
dos povos no sistema da União Africana e consequentemente com uma instituição com
funções quasi-judicial que a semelhança dos seus instrumentos análogos14 é criada pela
Carta Africana.
Estabelecida em julho de 1987 na vigésima terceira sessão da Conferencia dos Chefes
de Estados e de Governo15, a Comissão Africana encontram regulamentada na carta
africana entre os artigos 31º e 44º (composição e organização) que correspondem ao
primeiro capítulo da parte II que versa sobre as “Medidas de Salvaguarda”. É composta
por 11 membros, denominados de comissários, que não são necessariamente juristas, masque sejam de reconhecida competência na áreas de direitos humanos e dos povos16,
devendo desempenhar as suas funções sempre a título pessoal17, na tentativa de
estabelecer uma independência dos comissários relativamente aos seus Estados de
14 Convenção Americana entre os artigos 33º e 51º e a Carta Europeia no entre os artigos 19º e 37º, artigosrelativos a comissão europeia que aqui mencionamos apenas a titulo informativo visto que o protocolo11 à convenção Europeia que entrou em vigor em outubro de 1999 fez com que esta ficasse extinta.15 Foi a primeira Sessão após a entrada em vigor da Carta Africana, que teve lugar em Adis Abeba na
Etiópia.16 Carta africana, artigo 31 (1).17 Ibidem, art. 31 (2).
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origem18. Esses membros da Comissão, que não podem ser mais de um natural de cada
Estado19, são eleitos, de uma lista apresentada pelos Estados partes da Carta Africana, de
forma secreta em Conferencia de Chefes de Estado e de Governo2021. Constata-se ainda,
que os elegíveis devem ser nacionais dos Estado partes da Carta Africana, mas é
presumível que um Estado apresente como seu candidato um cidadão de um outro Estado
parte da Carta Africana22, o que possibilita a participação de especialistas e peritos em
matérias de proteção e promoção dos direitos humanos no trabalho da Comissão, que
transcende verdadeiramente as fronteiras dos Estados (Murray, 2000). Neste particular,
cumpre ainda observar que o Presidente da Comissão23 da União Africana dispõe de uma
intervenção relevante no processo de eleição dos membros da Comissão Africana, sendo
que é ele quem escolhe o Secretário-geral da Comissão Africana2425. Sendo ele também
18 A questão da imparcialidade dos membros da comissão africana tem realmente suscitado muitasreações entusiásticas na literatura relativa a esta matéria, mormente por causa da politização danomeação e da atuação destes membros. Neste sentido Evelyn Ankumah (1996) considera que em sededo segundo parágrafo do artigo 31º considera existir na prática uma politização da escolha e da atuaçãodos membros da comissão; ainda Mashood Baderin (2002) considera que o fato de o segundo parágrafodo referido artigo salvaguardar o desempenho a título pessoal das funções, não elimina a possibilidadede um dos comissários atuarem de forma coagido pelo seu Estado caso tome posições contra este; porsua vez Michelo Hansungule (2010) observando a prática, fala de “representante do governo do seuEstado” e não de um comissario que exerce “funções a título pessoal”, exemplificando com o facto de o
anterior presidente da Comissão Africana abandonou o cargo para assumir o ministério dos DireitosHumanos do seu Estado; ainda nesta linha Frans Viljoen (2012) critico relativamente a violação clara dosegundo parágrafo do referido artigo, afirma que comissários que são representantes de governos, comotem sido o caso, não podem nem conseguem promover a Carta Africana “animadamente e de coração”
pretendendo a proteção dos Direitos Humanos em Africa; e por fim Rachel Murray (2004) que consideraque poucos dos membros da Comissão Africana estão lá para promover os direitos, visto que a maioriadeles são identificando como amigos pessoais de funcionários dos governos, isso, se eles não são, elespróprios membros e funcionários dos governos, sem atender ao seu historial em relação aos direitoshumanos, nem ao seu necessário distanciamento dos poderes governamentais dos Estados de que sãonaturais. Acrescentando ainda que mesmo o requisito de competência técnica deve estar intimamenteligada com a experiencia e interesse pessoal dos candidatos em matéria de direitos humanos.19 Carta Africana, art. 32.
20 Ibidem, art. 33.21 Alguns autores têm questionado o fato de a eleição dos membros da Comissão Africana ser feito noâmbito da conferência de Chefes de Estado e de Governo da Unidade Africana, essencialmente porvicissitudes politicas e pelos interesses envolvidos, visto que também têm direito a voto decisório osEstados Membros da Unidade africana que não são partes da Carta Africana. Neste sentido ver MURRAY,Rachel. The African Commission on Human and People's Rights and International Law. Hart Publishing,2000; VILJOEN, Frans. International human rights law in Africa. Oxford University Press, 2012; e aindaBADERIN, Mashood, et al. The African Commission on Human and People’s Rights and International Law.
Human Rights Law Review, 2002, 2.2: 330-335.22 Carta Africana, art. 34.23 Sendo responsável executivo máximo, couberam-lhe a ele as atribuições que antes eram conferidas àextinta figura do Secretário-geral da OUA.24
Carta Africana, art. 41.25 Isto ficou estipulado apenas na quinta sessão da Comissão que teve lugar em 1988 no Cairo, Egito. Atéentão este cargo havia sido ocupado cumulativamente pelo conselheiro jurídico da extinta OUA.
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encarregado de fornecer todo o pessoal, meios e serviços necessários para o cumprimento
das funções atribuídas à Comissão Africana, bem como os custos do seu respetivo
funcionamento. No entanto, a Comissão Africana enfrente constantemente graves
problemas financeiros, o que limita em muito as suas atividades de proteção e promoção
(Heyns, 2003), pelo que este constante “sufoco financeiro” influência de forma
considerável a independência da respetiva Comissão. Ademais, acresce problemas de
índole politico em sede de votação do orçamento da UA – que evidentemente abrange a
da Comissão Africana- já que nela Estados que não são parte da Carta Africana são
detentores de poder de voto decisório, e logo poucos inclinados para as questões de
Direito Humanos e dos povos (Baderin, 2002). Estes membros da Comissão são eleitos
por um mandato de seis anos, sendo possível a reeleição após o término do respetivo
período26, bem como gozam de privilégios e imunidades diplomáticos previstos pela
convenção da União Africana relativo aos privilégios e imunidades27.
1.2- Competências da Comissão Africana
O artigo 45º do Capitulo II da Segunda parte da carta Africana prevê as competências.
No primeiro parágrafo consagra o que podemos denominar de competências
promocionais28 da Comissão Africana, consideravelmente prejudicada pela supra referida
dificuldade financeira. No segundo parágrafo do referido artigo, prevê a missão daComissão africana em assegurar a proteção dos direitos humanos e dos povos nos trâmites
definidos pela própria Carta Africana, que segundo Rachel Murray (2000) constitui a
competência jurisdicional da Comissão africana, prevista na Carta africana. A carta prevê
ainda no parágrafo número três do artigo 45º a competência consultiva da Comissão
africana, capacitando-a para fazer interpretações de qualquer disposição da referida
carta29, na medida em que o pedido seja procedente de um dos Estado parte, de uma
Instituição da UA ou de alguma outra organização africana por esta reconhecida. Aindanesta particular, à luz do artigo 45º precisamente no parágrafo quatro a Comissão Africana
é competente para executar qualquer outro tipo de ofício que eventualmente a
26 Carta Africana, art. 36.27 Ibidem, art. 43.28 Inter alia levantamentos documentais, estudos, seminários, transmissão de informação, simpósios,conferencias, cooperação com outras organizações internacionais, regionais ou globais, governamentaisou não governamentais que se dedicam a promoção e proteção dos direitos humanos e dos povos.29
Flávia Piovesan (2011) ressalva que abriu-se a possibilidade ainda que restrita, de determinadasorganizações não-governamentais terem acesso a essa competência da Comissão Africana, que não énecessariamente exercida apenas quando exista uma violação à Carta africana.
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Conferencia dos Chefes de Estados e de Governo lhe pode solicitar ou confiar,
exemplificado pelo fato de a Conferencia já ter autorizado a Comissão Africana, em
função de um requerimento que esta fez, a cobrar dos Estados partes relatórios anuais30
devidos (Piovesan, 2011) mormente pelo disposto no artigo 62 da Carta Africana.
1.3- Comunicações à Comissão Africana: Uma Instituição Quasi-Judicial
Existem essencialmente dois géneros de comunicações previstas pela Carta Africana
que podem ser submetidas à Comissão Africana. Por um lado as comunicações que
provenham dos Estados parte e, por outro lado, outras comunicações31 provenientes de
indivíduos, grupos de indivíduos ou organizações não-governamentais sejam eles vítimas
ou não de violações de direitos humanos (Viljoen, 2012).
O primeiro tipo, resulta essencialmente de um dever de contro Inter partes, pelo que
se um Estado parte tiver evidências claras de que um outro Estado parte cometeu uma
violação à carta africana, necessita de informa por escrito tanto o Presidente da Comissão
Africana bem como o Secretário-geral da UA relativamente ao veredito. Este
procedimento formal entre os Estados constitui uma particularidade da Carta africana
(Murray, 2000). Posto isto, existe um primeiro procedimento no âmbito das
comunicações Estatais, segundo o qual os Estados em causa têm um prazo de três meses
para efetivarem suas negociações para solucionar o problema de forma pacífica. Caso tal
não seja possível qualquer uma das partes podem submeter o caso à Comissão Africana.
O segundo procedimento possível já tem o seu início de forma direta no âmbito da
Comissão, sendo que a resolução pacífica de forma bilateral não tem carater obrigatório
para as partes32, sendo a única condição de admissibilidade seja o prévio esgotamento dos
recursos internos33, que só deve ser invocada caso a questão da comunicação seja um
violação de um direito individual por parte do Estado violador. Assim depois de recolher
todas as informações julgadas imperativas34, e ter tentado uma solução pacífica para o
problema, a Comissão africana prossegue com a preparação do relatório de onde deve
30 Que constitui uma das grandes lacunas do sistema de proteção dos direito humanos africanos, namedida em que os Estados partes da Carta de Banjul, não entregam esses relatórios, e na melhor dashipóteses entregam-nos atrasados e sem coerência na sua organização e sem veracidade no que constado seu conteúdo, pelo que a Comissão até fez um modelo de apresentação desses relatórios, mas depouco ou nada serviu.31 Previstos no Capítulo III da Parte II da Carta Africana, denominado “Do Processo da comissão” nosartigos 47º à 54 e 55º à 59 respetivamente.32
Carta Africana, art.,49.33 Ibidem, art., 50.34 Ibidem, art., 51.
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constar todos os fatos e as conclusões obtidas, bem como podem ser anexadas
recomendações necessárias por parte da Comissão, para posteriormente ser enviado aos
Estados parte bem como à conferência de Chefes de Estados e de Governo35.
O segundo tipo, que são provenientes de indivíduos, grupos de indivíduos ouorganizações não-governamentais sejam eles vítimas ou não de violações de direitos
humanos, são apreciadas com o consentimento da maioria dos membros da Comissão,
devendo tais comunicações preencher as condições previstas no artigo 56º36 da carta
africana. Vencidas os procedimentos respeitantes a admissibilidade, a Comissão deve
relatar á Conferencia dos Chefes de Estados e de Governo todas as violações cometidas,
embora só nos casos em que sejam evidente um conjunto de violações graves e maciças
dos direitos humanos e dos povos37
, e caso isso se verifique a referida Conferencia podesolicitar à comissão um estudo detalhado e informações através de um relatório
aprofundado bem como as conclusões e as respetivas recomendações38. Neste particular,
cumpre ainda evidenciar o carater confidencial de todas as medidas tomadas durante os
respetivos procedimentos, salvo se a Conferencia de Chefes de Estados e de Governo
decidir em contrário, e a favor a sua publicação3940. Pelo que conclui-se que o único poder
sancionatório real passível de ser exercido pela Comissão – a publicidade das medidas- é
consideravelmente condicionada pelos respetivos poderes que a Carta Africana outorga à
referida Conferencia, que sendo um órgão eminentemente politico não é o mais
preocupado e interessado nas questões de Direitos Humanos.
Ainda, em sede das competências da Comissão africana, merece atenção o artigo 62º
localizada no capítulo IV respeitante aos princípios aplicáveis, que estabelece que os
Estados partes devem entregar num período de dois em dois anos um relatório41 detalhado
relativamente as medidas tomadas para a efetivação dos direitos e liberdades garantidos
35 Ibidem, art., 52.36 Que não estabelece o prazo necessário a cumprir após o esgotamento dos recursos internos, submissãoda comunicação à Comissão, pelo que, no se sexto paragrafo este artigo prevê apenas que seja um prazorazoável.37 Carta Africana, art., 58 (1).38 Que segundo, Mashood BADERIN (2002) representa uma clara semelhança com o Sistema que teveorigem na resolução 1/503 do Conselho Economico e Social da ONU que prevê o estudo de comunicaçõesque denunciam violações flagrantes de Direitos humanos.39 Carta Africana, art., 59 (1).40 Ibidem, art., 59 (2).41
José Andrade (2002) ressalva que o sistema de relatórios previsto pela Carta Africana apresenta comrelevantes semelhanças ao previsto pelo Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos, essencialmentedevido a tentativa de existência de diálogo entre a Comissão Africana e os Estados.
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pela Carta africana. Não sendo inicialmente evidente a que órgão deveriam apresentar o
relatório, a Comissão Africana por sua iniciativa requereu a Conferencia de Chefes de
Estado e de Governo permissão para os requerer e receber (Brownlie e Goodwin-Gill,
2010), que foi concedido ao abrigo do parágrafo quatro do artigo 45º da respetiva Carta.
Neste particular, Rachel Murray (2000) considera que a submissão destes relatórios
por parte dos Estado é, ou deveria ser o eixo fundamental da missão da Comissão
Africana, principalmente no cumprimento eficaz da sua atuação quasi-judicial
compreendido pelo sistema de comunicações supra referido. Realça ainda que em junho
de 1991 a Comissão apenas tinha recebido 7 relatórios42, sendo que dois anos após a
entrada em vigo da Carta Africana 25 já estavam em atraso.
1.3.1- Consequência das recomendações da Comissão Africana relativamente as
Comunicações
O carater não vinculativo dos pareceres emitidos pelos meios de controlo dos
Direitos Humanos relativamente aos Estados partes (que teriam o mesmo valor do que as
decisões juridicamente vinculativas, se os meios fossem judiciais e jurisdicionais strito
sensu ) acontece a nível universal (Alston, 2008), essencialmente no âmbito do Pacto
Internacional sobre os Direitos Civis e Políticos, porém geralmente são consideradas e
acatadas pelas partes em função dos compromissos assumidos ao aceitarem serem partes
de algum instrumentos internacional que garante ou protege esses direitos (Risse e
Sikkink, 1999), pelo que o cumprimento das recomendações ou medidas contidas nos
pareceres parece-nos de relevante importância.
No âmbito do sistema regional de proteção dos Direitos Humanos europeia, criou-
se um mecanismo eminentemente jurídico-jurisdicionais que atribuíram os pareceres um
grau superior de obrigatoriedade no que toca a força jurídica resultante da própria
natureza jurídica dos acórdãos do Tribunal Europeu dos Direitos Humanos, e que se
materializa efetivamente no engajamento dos Estados em cumprir e fazer-se cumprir esse
diretos (Moco, 2009). No que tange ao sistema misto interamericano, os pareceres da
Comissão têm os mesmos efeitos das comunicações no supra referido sistema universal,
no entanto, as decisões do Tribunal Interamericano de Direitos Humanos assemelham-se
aos do Tribunal Europeu dos Direitos Humanos (Piovesan, 2011). O que nos permite
42 A título exemplificativo, cumpre realçar que os relatórios do Ruanda, da Tunísia e da Líbia foramconsiderados e revisto na 9º sessão da Comissão Africana.
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concluir que que o sistema africano encontra-se em clara transição para um modelo misto
do tipo Interamericano com a criação do Tribunal Africano dos Direitos Humanos e dos
Povos43 (Moco, 2009), que representaria sem dúvida um órgão fundamental para conferir
maior relevância e eficácia jurídica à proteção dos Direitos humanos em África, cuja
atuação deverá completar e reforçar o mandato de proteção da Comissão, com carater
jurídico-jurisdicional.
A Carta Africana não é explícita relativamente ao carater obrigatório ou não das
decisões da Comissão, porém no âmbito teórico-formal encontramos as diretrizes
necessárias para apurar a natureza jurídica das decisões da Comissão Africana,
principalmente em relação as comunicações apresentadas de forma individualmente.
Estas decisões assumem um valor de recomendações sem força vinculativa, porém, nãodeixam de ser observadas e cumpridas pelos Estados da União Africana, partes da carta
africana, sob o principio do Pacta Sunt Servanda. Ideia que aparece como corolário do
artigo primeiro da Carta Africana que prevê que todos o Estados partes da referida Carta
reconhecem os direitos, deveres e liberdades garantidos na Carta, e consequentemente
comprometem-se a adotar medidas legislativas e outras necessárias para os aplicar.
No entanto, pelo que se verifica na prática, o não cumprimento das recomendações
da Comissão Africana a um nível minimamente aceitável representa uma constante entreos Estados africanos, por diversas razões (Moco, 2009). Algumas destas Razões prendem-
se com as relativas dificuldades na promoção e proteção dos direitos humanos bem como
a excessiva dependência operacional da Comissão às diretrizes politicas a novel do
continente africano, essencialmente no âmbito da União Africana. Ainda no que tange as
comunicações feitas à Comissão Africana e a título adicional, cumpre observar que,
vinculado à necessidade de uma exaustão dos recursos internos para a admissibilidade de
casos em instâncias internacionais, cumpre-nos constatar duas questões. Por um lado,deveras o mais relevante, é o fato de as instâncias internacionais de proteção e promoção
de direitos humanos do tipo jurisdicional ou quasi-judicial , como é o caso da Comissão
Africana e do Comité de Direitos Humanos da ONU, não operam como instâncias de
recurso relativamente às decisões produzidas pelas instâncias internas dos Estados
(Moco, 2009). Pelo que se conclui, que só é possível recorrer a estas instâncias
43 Que como supra referido a sua existência esta condicionada pela previsão de criação, através de um
protocolo adicional à Carta africana adotada em junho de 2003, de um Tribunal de Justiça da UniãoAfricana (ainda inexistente).
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internacionais quando não existe nenhuma decisão jurisdicional de índole interno
relativamente à restituição do direito violado, ou seja, assume-se uma impossibilidade de
recorrer a instâncias acima da última instancia interna, mesmo que esta tenha proferido
decisões supostamente injustas ou reconhecidamente erradas.
Problema esse que levanta sérias preocupações principalmente relativamente à
alguns Estados Africanos onde superabundam acusações sobre a ausência de
independência, imparcialidade e transparência de determinados juízos e de alguns
tribunais, frequentemente manipulados pelos executivos (Olaniyan, 2014). É neste
sentido que surge a relevância do “direito ao processo Justo ou equitativo” tanto previsto
no artigo 14º do pacto internacional sobre os direitos civis e políticos bem como no artigo
7º da Carta Africana. Neste caso, parece-nos pertinente realçar que em casos que possamfaltar pressupostos substantivos para recorrer a uma instancia internacional devido a
atuação jurisdicional de instâncias internas, podem as irregularidades do processo,
invocando os artigos supramencionados, favorecer o recurso à instâncias internacionais
(Moco, 2009). No entanto, é necessário ter presente que o referido artigo 14º do pacto
internacional sobre os direitos civis e políticos refere unicamente “às acusações em
matéria penal” e “as contestações sobre direitos e obrigações de carater civil”, no entanto,
no âmbito das particularidade do sistema africano, o artigo 7º da Carta africana e a própria
“jurisprudência” da Comissão Africana parecem propiciar o caminho para a impugnação
de todo o tipo de processo injusto no sistema africano relativamente aos direitos humanos
e dos povos.
BREVES CONSIDERAÇÕES FINAIS
Não obstante os demais órgãos e particularidade do sistema africano de proteção
dos direitos dos humanos e dos povos, pretendeu-se nesse estudo compreender o papel
daquele que consideramos ser o maior ativo desse sistema.
Concluindo-se, que ainda que o TADHP tenha proferido a sua primeira e única
sentença em 2009, é um órgão que, dado ao seu fracasso funcional, efetivamente não
funciona, cabendo assim à Comissão Africana um papel preponderante dentro do sistema
africano. Porém, o TADHP em pleno funcionamento e cumprindo o seu mandato,
representaria sem dúvida um órgão fundamental para conferir maior relevância e eficácia
jurídica à proteção dos Direitos humanos em África, que pela morosidade no processo de
ratificação do protocolo que o criou, e pela previsão da existência de um Tribunal de
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Justiça da União Africana, constituem um entrave a sua existência. Logo, apurado esse
fracasso do TADHP, concluímos que a Comissão Africana continua a desempenhar um
papel preponderante como um único mecanismo operacional de controlo dos
compromissos aceites pelos Estados no domínio da proteção dos direitos dos homens e
dos povos no sistema da União Africana e consequentemente com uma instituição com
funções quasi-judicial.
A Comissão Africana realiza o seu mandato através das suas competências
previstas no artigo 45º do Capitulo II da Segunda parte da carta Africana que consagra as
competências promocionais, as proteção dos direitos humanos e dos povos nos trâmites
definidos pela própria Carta Africana, que é considerado como uma competência
jurisdicional da Comissão africana prevista na Carta africana, e ainda a competênciaconsultiva da Comissão africana, capacitando-a para fazer interpretações de qualquer
disposição da referida carta, que seja solicitada por um dos Estados parte, ou uma
Instituição da UA ou de alguma outra organização africana por esta reconhecida, e ainda
é competente para executar qualquer outro tipo de ofício que eventualmente a
Conferencia dos Chefes de Estados e de Governo lhe pode solicitar ou confiar,
exemplificado pelo fato de a Conferencia já ter autorizado a Comissão Africana, em
função de um requerimento que esta fez, a cobrar dos Estados partes relatórios anuais,
que verdadeiramente é um fracasso, sendo que mais de metade do Estado parte não fazem
esses relatórios, e quando o fazem, fazem-no sem qualidade e sem veracidade nos fatos.
Igualmente, ela é competente para receber comunicações previstas pela Carta
Africana que podem ser submetidas à Comissão Africana. Tanto comunicações dos
Estados parte, como também comunicações provenientes de indivíduos, grupos de
indivíduos ou organizações não-governamentais sejam eles vítimas ou não de violações
de direitos humanos.
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