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0 UNIVERSIDADE DO EXTREMO SUL CATARINENSE PRÓ-REITORIA DE PÓS-GRADUAÇÃO, PESQUISA E EXTENSÃO UNIDADE ACADÊMICA DE HUMANIDADES, CIÊNCIAS E EDUCAÇÃO PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO MESTRADO A CONCEPÇÃO CURRICULAR DO COLÉGIO MARISTA E A FORMAÇÃO DE ALUNOS PESQUISADORES, COMUNICADORES E SOLIDÁRIOS CRICIÚMA, OUTUBRO DE 2009

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UNIVERSIDADE DO EXTREMO SUL CATARINENSE

PRÓ-REITORIA DE PÓS-GRADUAÇÃO, PESQUISA E EXTENSÃO

UNIDADE ACADÊMICA DE HUMANIDADES, CIÊNCIAS E EDUCAÇÃO

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO – MESTRADO

A CONCEPÇÃO CURRICULAR DO COLÉGIO MARISTA E A

FORMAÇÃO DE ALUNOS PESQUISADORES, COMUNICADORES E

SOLIDÁRIOS

CRICIÚMA, OUTUBRO DE 2009

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INGRID ROUSSENQ FORTUNATO MARTINS

A CONCEPÇÃO CURRICULAR DO COLÉGIO MARISTA E A

FORMAÇÃO DE ALUNOS PESQUISADORES, COMUNICADORES E

SOLIDÁRIOS

Dissertação apresentada à Diretoria da UNA deHumanidades, Ciência e Educação da Universidade doExtremo Sul Catarinense – UNESC, como pré-requisitopara obtenção do título de Mestre em Educação, sob aorientação da Profª. Drª. Janine Moreira.

CRICIÚMA, OUTUBRO DE 2009

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Dedico esta pesquisa a meus filhos, Lucas e Laís,

e aos alunos que me foram confiados, porque é

espelhando-me neles que sou incentivada a

buscar uma educação melhor, um mundo

melhor...

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AGRADEÇO...

A Deus, que me deu energia e vida para desejar a superação dos meus limites.

À minha mãe, que me mostrou a alegria dos livros.

A meu pai, que me ensinou que tudo poderia ser alcançado.

Ao meu marido Ricardo, com quem pude compartilhar os bons e os maus momentos

vividos durante a realização do Mestrado. Sua paciência e companheirismo foram decisivos

para eu completar minha pesquisa.

Aos meus filhos, Lucas e Laís; e minhas sobrinhas, Izabel, Heloíse e Gabriele, por

serem simplesmente crianças e meu grande incentivo na busca de um mundo melhor.

À minha avó, Ozaide Rabelo Roussenq, por ter sido sempre meu grande exemplo de

vida.

Ao meu avô João Ramos Roussenq (in memoriam), por ter me ajudado a viver.

Ao meu tio Wilson Roussenq (in memoriam), por ter deixado lindas lembranças de

minha infância.

Às minhas amigas e companheiras de trabalho: Rosângela Pereira Cabral e Tânia

Serafim Búrigo, que me animaram e cobriram minhas faltas quando precisei ausentar-me do

Colégio.

Às minhas vizinhas-amigas, Alessandra e Michele, que ouviram meus desabafos não

acadêmicos.

À minha amiga Milena Viana, pelo cuidado e hospedagem em sua casa quando precisei

diante de colóquios e seminários.

À minha amiga sócia Alexsandra Stols da Silva Pelegrim, pela oportunidade que me deu de

ampliar meus horizontes.

Ao Colégio Marista, na pessoa de Jairo Rambo, que permitiu que eu saísse em diversos

momentos para seminários, colóquios e grupos de estudo, mostrando a importância que dá

para a melhoria da Educação na Instituição.

A todos os professores do Colégio Marista, por sua dedicação na construção de um

mundo melhor.

Ao amigo Gláucio Luiz Mota, por todo apoio que me deu durante a realização desse

trabalho.

Ao professor Kleber dos Santos Danielski, pela sua disponibilidade sempre que solicitei

traduções de meus textos.

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Ao amigo Gláucio Luiz Mota, pelos ricos momentos em que discutimos “nosso ideal”

de educação.

A meus colegas do GEOF (Grupo de Estudos Ofício de Aluno), que me instigaram na

tentativa de entender quem é o nosso aluno e suas necessidades.

À Adalgisa Aparecida de Oliveira Gonçalves e Maria de Lourdes Remenche, que,

mesmo diante de tanto trabalho, oportunizaram-me a riqueza de poder contar com elas nas

leituras de meus artigos.

Aos colegas de Mestrado, que apesar da breve convivência deixaram lembranças

significativas.

À amiga Zélia que, com sua experiência acadêmica, deu-me várias “dicas” para que eu

encontrasse a verdadeira razão de minha pesquisa.

A todos os professores do Mestrado em Educação da UNESC, pelos momentos de

aprendizagem proporcionados.

À minha irmã Inslane e meu cunhado Roberto, por cuidarem de meus filhos como se

fossem seus sempre que precisei viajar.

A meu professor Ilton Benoni da Silva, por me ensinar a fazer perguntas.

Ao professor Antônio Fernando Gouvêa da Silva, pela leitura cuidadosa de meu texto

de qualificação e contribuição na melhoria de minha pesquisa.

À minha orientadora, grande amiga e irmã Janine Moreira, que me incentivou e

promoveu momentos de aprendizagem, desafiando-me a transpor meus próprios limites.

A todos que me auxiliaram, direta ou indiretamente, para que eu pudesse continuar

minha pesquisa: Karin Patrícia Reis, Gustavo de Bona Rafael, Janine Lacerda Moreira,

Rodrigo Ribeiro dos Santos, Cristiani Nunes, Thatiana Quintas Schaucoski, Karine Baptista

Vicente, Janaína Crispim Antônio, Maria Terezinha Martins, Juliana Locks Pacheco,

Alexssandra Canto e Cenira da Silva.

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Escola é...

o lugar onde se faz amigos,

não se trata só de prédios, salas, quadros,

programas, horários, conceitos...

Escola é, sobretudo, gente,

gente que trabalha, que estuda,

que se alegra, se conhece, se estima.

O diretor é gente,

O coordenador é gente, o professor é gente,

o aluno é gente,

cada funcionário é gente.

E a escola será cada vez melhor

na medida que cada um

se comporte como colega, amigo, irmão.

Nada de “ilha cercada de gente por todos os lados”.

Nada de conviver com pessoas e depois descobrir

que não tem amizade a ninguém,

nada de ser como tijolo que forma a parede,

indiferente, frio, só.

Importante na escola não é só estudar, não é só trabalhar,

é também criar laços de amizade,

é criar ambiente de camaradagem,

é conviver, é se “amarrar nela”!

Ora, é lógico...

numa escola assim vai ser fácil

estudar, trabalhar, crescer,

fazer amigos, educar-se,

ser feliz.

Paulo Freire

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RESUMO

O objetivo desta pesquisa foi compreender em que medida a proposta curricular efetivada noColégio Marista de Criciúma possibilita a formação de alunos pesquisadores, comunicadorese solidários, à luz das categorias freireanas curiosidade epistemológica/ingênua,dialogicidade e solidariedade. A investigação deu-se numa abordagem qualitativa, cujosprocedimentos investigativos foram a análise de documentos e a entrevista semiaberta comprofessores e gestores. Como base teórica, foi feita a discussão sobre currículo e históriacurricular com Sacristán (2000) e Pacheco (2001). Também as categorias curiosidadeepistemológica/ingênua, dialogicidade e solidariedade de Freire ([1987] 1996) são discutidaspara, em seguida, serem aproximadas ao ideal de aluno proposto por este Colégio. A análiserevelou que a proposta curricular possibilita a formação do ideal de aluno, apresentando, noentanto, não só similitudes, mas dicotomias entre os discursos documentais e empíricos.Também revelou a oscilação entre as orientações curriculares de Sacristán e as teorias decurrículo de Pacheco. Destacou ainda que as competências elencadas pelo Colégio - pesquisa,comunicação e solidariedade distanciam-se das categorias de Freire curiosidadeepistemológica/ingênua, dialogicidade e solidariedade. A investigação proporcionou umareflexão sobre as possibilidades de a escola optar por este autor como orientador na formaçãodeste aluno idealizado.

Palavras-chave: currículo, comunicação, pesquisa, solidariedade, curiosidadeepistemológica, dialogicidade.

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ABSTRACT

The objective of this research was to understand to what extent the proposed curriculum ineffect at Colégio Marista from Criciúma, Santa Catarina provides education for students to beresearchers, communicators and solidary in the light of the Freirian categories dialogicity,naive / epistemological curiosity and solidarity. The investigation has been carried out on aqualitative approach basis, which investigative procedures were the analysis of documentsand semi-open interviews with teachers and administrators. As for the theoretical basis, adiscussion was carried on curriculum and curriculum history with Sacristán (2000) andPacheco (2001). The categories epistemological curiosity, dialogicity and solidarity of Freire[1987] (1996) are also discussed to be approximated to the ideal of student proposed by thisschool. The analysis revealed that the proposed curriculum facilitates the formation of theideal of student, presenting, however, not only similarities, but the dichotomy betweendocumentary and empirical discourses. It also showed the oscillation between the curriculumguidelines by Sacristán and theories of curriculum by Pacheco. It is also highlighted that theskills listed by the school - research, communication and solidarity are somewhat far from thecategories of Freire's epistemological curiosity, dialogicity, and solidarity. The researchprovided a reflection on the possibilities for the school to choose this author as a counselor inthe education of this intended student.

Keywords: curriculum, communication, research, solidarity, epistemological curiosity,dialogicity.

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QUADROS

QUADRO 1 - Teoria técnica ...................................................................................................50

QUADRO 2 - Teoria prática....................................................................................................51

QUADRO 3 - Teoria crítica ....................................................................................................51

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APÊNDICES

APÊNDICE 01 – Solicitação de pesquisa............................................................................ 129

APÊNDICE 02 – Termo de consentimento ......................................................................... 130

APÊNDICE 03 – Roteiro da entrevista ............................................................................. 132

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ANEXOS

ANEXO 01 - Ofício 003/05.................................................................................................. 134

ANEXO 02 - Projeto Curricular em Ação............................................................................ 138

ANEXO 03 - Projeto Político Pedagógico (fragmento) ....................................................... 148

ANEXO 04 - Matriz de DAPS (fragmento) ......................................................................... 166

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SIGLAS

ABEC – Associação Brasileira de Educação e Cultura

APC – Associação Paranaense de Cultura

CEMEP – Centro Marista de Estudos e Pesquisas

CNE – Conselho Nacional de Educação

DAPS – Desenvolvimento Acadêmico, Pessoal e Social

DERC – Diretoria Executiva da Rede de Colégios

GEEF – Grupo de Estudos Ensino Fundamental

GEEI – Grupo de Estudos Educação Infantil

GENEM – Grupo de Estudos Ensino Médio

GEOF – Grupo de Estudos Ofício de aluno

GEPLA – Grupo de Estudos Planejamento

MEC – Ministério da Educação

MEM – Missão Educativa Marista

PPP – Projeto Político Pedagógico

PUCPR – Pontifícia Universidade Católica do Paraná

PUCRS - Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul

SIMA – Sistema Marista de Avaliação

UCE – União Catarinense de Educação

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ...................................................................................................................... 14

A origem da inquietação...................................................................................................... 14

Procedimentos Metodológicos ............................................................................................ 30

I. A QUESTÃO CURRICULAR EM DEBATE.................................................................. 34

1.1. O que é currículo? ........................................................................................................ 34

1.2. Desenvolvimento da história curricular ...................................................................... 38

II. A PROPOSTA LIBERTADORA DE PAULO FREIRE............................................... 56

2.1. Curiosidade Epistemológica/ingênua .......................................................................... 59

2.2. Princípio ontológico da dialogicidade......................................................................... 63

2.3. Solidariedade................................................................................................................ 71

III. O ALUNO PESQUISADOR, COMUNICADOR E SOLIDÁRIO. ................................ 73

3.1. O que é currículo para o Colégio Marista de Criciúma................................................ 77

3.2. O aluno pesquisador, comunicador e solidário na visão do Colégio Marista de

Criciúma e as categorias freireanas de curiosidade epistemológica/ingênua, dialogicidade e

solidariedade ........................................................................................................................... 93

CONSIDERAÇÕES FINAIS............................................................................................... 115

REFERÊNCIAS ................................................................................................................... 121

REFERÊNCIAS COMPLEMENTARES .......................................................................... 123

APÊNDICES ......................................................................................................................... 129

ANEXOS ............................................................................................................................... 133

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INTRODUÇÃO

É por isso que transformar a experiênciaeducativa em puro treinamento técnico éamesquinhar o que há de fundamentalmentehumano no exercício educativo: o seu caráterformador. Se se respeita a natureza do serhumano, o ensino dos conteúdos não podedar-se alheio à formação moral do educando.Educar é substantivamente formar. (FREIRE[1996], 2001, p. 37, sic)

A origem da inquietação

Esta pesquisa nasce do desejo de concretização de um sonho educativo. Um sonho

voltado ao aluno que se reconhece como tal e da escola que o acolhe e o ensina. Ela parte do

princípio que a instituição responsável pela educação formal é um ambiente rico de

possibilidades educativas, mas cheio de limitações organizacionais e pedagógicas. As

possibilidades estão contidas na própria convivência estudantil que, pelo fato de estar imbuída

de heterogeneidades, traz oportunidade de aprendizagens também múltiplas.

Trabalho no Colégio Marista há doze anos, dentre os quais atuo como Assistente

de Alunos nos três últimos. Nessa condição, pude ouvir falas de professores, alunos e pais que

demonstram concepções diferentes sobre o que é educar. O que a escola deveria ser para um

grupo é distinto do ideal proposto por outro. Na instituição escolar transitam os mais

diferentes olhares sobre o que é educação. Não penso que as intenções educativas de um

grupo sejam melhores ou piores do que de outro, mas não posso deixar de ressaltar que nem

sempre elas são coincidentes, podendo causar estranhamento entre ambas.

Percebo os professores divididos em dois grupos. O primeiro inclui os que veem o

aluno como um “ser alheio a qualquer informação” ou “desejo de aprender”. Esse grupo de

educadores pensa que não há mais disciplina, que os alunos não têm mais limites e que a

escola e os pais têm que “tomar alguma atitude para que os meninos acordem”. O segundo vê

os adolescentes como pessoas que estão “além da escola” e procuram ensinar e aprender por

meio de projetos de trabalho e metodologias dialogais. Essa diferença entre os dois grupos

nem sempre é tão evidente, às vezes é bem sutil, mas pode ser observada na forma como o

professor posiciona-se diante do conhecimento e daquilo que o aluno sabe.

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Dividi também o grupo de pais de acordo com suas falas. Eles estão no bloco dos

“autoritários” ou dos “permissivos”. Os primeiros acham que a escola deve castigar, advertir e

suspender todos os alunos que não cumprem com suas responsabilidades. Em contrapartida,

os permissivos pensam que a escola tem que apenas ensinar de acordo com o desejo do aluno,

tomando muito cuidado para não frustrá-lo. Esse grupo manifesta que o ensino deve estar

ligado ao prazer e que a aprendizagem, além de não ser mecânica, precisa oportunizar

alegria. Considera que tudo na escola tem que ser prazeroso. Há ainda um terceiro grupo de

pais que questiona tanto sua posição quanto a da escola, buscando um equilíbrio entre o

posicionamento dos dois grupos anteriores.

No setor em que trabalho, denominado Assistência aos Alunos, ouço diferentes

posições do alunado. Eles tanto reclamam pelos professores serem “chatos” em suas aulas

dissertadoras, quanto se reconhecem aquém do que é cobrado pela escola. Não vejo, de uma

maneira geral, descaso por parte dessa categoria. Apesar de reclamarem do excesso de

trabalho e limites cobrados pelos professores, eles apresentam desejo de sucesso em sua vida

escolar. São raros os casos de apatia, nos quais precisamos intervir com ajuda profissional.

Não quero, dessa forma, retirar a responsabilidade que os alunos têm com sua formação

escolar, mas demonstrar que nem sempre o que não é alcançado é de responsabilidade apenas

dessa categoria.

Os grupos aqui organizados por mim não são estanques, pois há sempre um

terceiro ou quarto em cada categoria tentando achar o equilíbrio da tensão instaurada no

ambiente escolar. Mas é importante localizá-los dessa forma para que o problema apresentado

possa ser melhor delimitado e também fique mais claro o que permeia minha pesquisa.

Entretanto, a escola não é formada apenas por pais, alunos e professores. O

Colégio Marista de Criciúma, por exemplo, possui uma equipe diretiva, formada por um

Diretor Geral e um Diretor Educacional. Para assessorar os professores, a escola conta com

uma Assessora Psicopedagógica no Ensino Fundamental II e Médio e outra para Educação

Infantil e Ensino Fundamental I. O Ensino Fundamental II e Médio ainda conta com uma

Assistente de Alunos para auxiliar os discentes em sua vida acadêmica e a Educação Infantil

com uma Assistente Psicopedagógica.

Essa equipe diretiva é assessorada pela Diretoria Executiva da Rede de Colégios

(DERC). Portanto, a proposta educativa Marista não pode ser vista apenas em âmbito local,

mas analisada em sua amplitude de Rede. Mesmo que a pesquisa se dê em um desses

colégios, ela reflete concepções que estão contempladas num âmbito maior.

A Rede Marista encontra-se em 78 países e procura manter valores propostos pelo

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fundador, Marcelino Champagnat, que em 1817, na França, se propunha a “tornar Jesus Cristo

conhecido e amado” por meio da educação escolar. (Missão Educativa Marista, 2008). O site

do Colégio também apresenta sua proposta educativa:

Champagnat ensinou a seus discípulos o respeito e o amor às crianças, a atenção aosmais pobres e aos mais abandonados. A presença prolongada entre os jovens, asimplicidade, o espírito de família, o amor ao trabalho, o agir em tudo do jeito deMaria, são os pontos essenciais de sua concepção educativa.Progressivamente, L'Hermitage [comunidade onde Marcelino Champagnat construiuuma casa de formação] tornou-se também o centro de uma rede de escolas primárias,cada vez mais numerosa e melhor organizada. Em 1836, a Igreja reconheceu a“Sociedade de Maria” e lhe confiou uma missão na Oceania. Champagnat envioutrês de seus Irmãos com os primeiros Padres Maristas para serem missionários nasilhas do Pacífico. Naquela época, ele escreveu ao bispo que lhe solicitava Irmãos:“Todas as dioceses do mundo estão em nossos planos”. E estavam mesmo! QuandoChampagnat morreu, aos 51 anos, em 6 de junho de 1840, a sua “Família Marista” jácontava com 290 Irmãos, atuando em 48 escolas primárias. (MARCELINOCHAMPAGNAT, UM EDUCADOR PARA O NOSSO TEMPO, 2009)

O Instituto Marista hoje atende 78 países, por meio de escolas, obras sociais,

editoras, universidades e veículos de comunicação.

No Brasil, a Rede Marista está dividida em três províncias que possuem

autonomia pedagógica e administrativa para atender as demandas regionais e locais. São elas:

Província Marista do Brasil Centro-Norte: composta de 20 (vinte) Escolas de

Educação Básica, 2 (duas) Instituições de Ensino Superior, 37 (trinta e sete) Unidades Sociais,

7 (sete) Projetos Sociais em parceria com outras instituições e 17 (dezessete) Equipamentos

Culturais. Essa Província abrange os seguintes Estados: Pará, Maranhão, Tocantins, Ceará,

Rio Grande do Norte, Paraíba, Pernambuco, Alagoas, Bahia, Minas Gerais, Espírito Santo,

Rio de Janeiro e Goiás.

Província Marista do Rio Grande do Sul: composta de 1 (uma) Instituição de

Ensino Superior, 21 (vinte e uma) escolas de Educação Básica, 31 (trinta e um) Centros

Sociais e 1 (um) Hospital. Essa Província é composta pelo Estado do Rio Grande do Sul, o

Distrito da Amazônia e possui uma representação no Distrito Federal.

Província Marista Brasil Centro Sul: composta de 24 (vinte e quatro) Unidades

Sociais, 16 (dezesseis) Colégios de Educação Básica, 1 (uma) editora, 1 (uma) Instituição de

Ensino Superior, 3 (três) hospitais e 1 (um) Centro de Comunicação. Abrange os estados do

Paraná, Santa Catarina, São Paulo e possui duas representações no Distrito Federal.

Os Colégios de Santa Catarina faziam parte da Província do Rio Grande do Sul

até 2002, quando foi feita uma reorganização administrativa nas províncias e Criciúma,

juntamente com outros três Colégios, passou a integrar a Província Brasil Centro-Sul.

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Para consolidação da qualidade educacional sem deixar de lado a unidade e

identidade marista, foram promovidos encontros como meios de organizar e estruturar a nova

província, que se constituía de escolas que tinham caminhadas diferentes. O período inicial

dessa organização exigia, tanto dos colégios como da administração, empenho na participação

dos encontros propostos.

Os representantes dos Colégios, assessorados pelo Centro Marista de Estudos e

Pesquisas (CEMEP) e posteriormente Diretoria Executiva da Rede de Colégios (DERC),

passaram a encontrar-se para discutir sobre o direcionamento dado aos segmentos e a

implantação dos projetos propostos pelos grupos. Foi organizado o Grupo de Estudos para o

Novo Ensino Médio (GENEM), o Grupo de Estudos da Educação Infantil (GEEI), o Grupo de

Estudos Ofício de Aluno (GEOFaluno), o Grupo de Estudos do Ensino Fundamental (GEEF),

o Grupo de Estudos sobre Planejamento (GEPLA) e ainda grupos de especialistas em cada

área do conhecimento para a construção das matrizes curriculares.

Na medida em que os grupos estudavam e montavam as propostas eram enviados

aos colégios documentos e orientações para implantação dos projetos em questão. Um desses

documentos (anexo 02) surgiu no Grupo de Estudos para o Novo Ensino Médio (GENEM) e

propunha o ideal de aluno do Ensino Médio Marista: pesquisador, comunicador e solidário.

Em Criciúma, além de se assumir esse ideal de aluno no Ensino Médio, foi

estendido para o Fundamental também, uma vez que a assessoria local entender que não seria

possível essa formação restringindo-a às séries finais.

Mas o mercado, representado pelos alunos e pais, nem sempre compactuou com o

discurso do colégio, pois enquanto a instituição se propunha a formar alunos pesquisadores,

comunicadores e solidários os pais questionavam sobre a não valorização do vestibular. As

falas dos pais acabavam denunciando o seu ideal de escola. Nos diversos atendimentos feitos

quando questionados, os pais não sabiam associar a autonomia estudantil adquirida por meio

da pesquisa com o vestibular, afirmando que a escola é que deve dar os conteúdos, cabendo

ao aluno apenas estudar para ter boas notas e passar em vestibulares concorridos. Quanto à

comunicação proposta pelo colégio, discorriam ser desnecessária, pois “as crianças de hoje

em dia já falam demais!”

Qualquer proposta que fugisse da educação dissertadora, citada por Paulo Freire,

enfrentava resistência. Na visão da maioria dos pais (pelo menos os que se manifestavam) era

a quantidade de conteúdos que tinha importância, inclusive era considerado bom professor o

que fosse mais prolixo. Além das discussões com os pais, foi necessário ainda intensificar o

estudo com os professores, que se sentiam inseguros em defender a comunicação e a pesquisa

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como competência estudantil adotada.

O incentivo à reflexão sobre suas práticas é lançado aos professores como algo a

ser pensado e modificado quando necessário. Diferentes práticas metodológicas e concepções

educacionais coexistem, pois são manifestações da própria riqueza escolar. As diferenças são

percebidas como possibilidades educativas, desde que acompanhadas de reflexão e de

respaldo conceitual por meio das Matrizes Curriculares, pois essas representam o documento

oficial que legitima as ações pedagógicas.

O que há é um estranhamento entre as reflexões feitas e a necessidade local.

Muitas aulas mantêm a linearidade tão criticada nas discussões, justificada pela necessidade

da demanda que exige uma concepção propedêutica de ensino. O Ensino Fundamental

trabalha para dar conta das propostas do Ensino Médio que precisa preparar para o Vestibular.

Há uma retroalimentação do sistema educacional.

Após a pesquisa foi possível perceber que essa retroalimentação tanto organiza

administrativamente o Colégio quanto impossibilita metodologias mais ousadas por parte dos

professores, que veem suas concepções de educação e homem contradizer-se em sua própria

prática. Eles demonstram sua insatisfação com as metodologias tradicionais com as quais

trabalham, mas salientam que as possibilidades educativas são aproveitadas de acordo com os

objetivos elencados pelo Colégio e sua disciplina.

Para Gouvêa da Silva (2004, p. 19), ser técnico-linear é uma característica da

escola tradicional, que:

[...] pressupõe a separação dos sujeitos a partir de conteúdos alienados e alienantes,anacrônicos e descontextualizados, cuja pertinência e objetividade se restringem àretroalimentação do próprio sistema educacional: o ensino nas séries iniciais sejustifica como necessidade para as posteriores, vestibulares etc.

Dentro dessa perspectiva, o ensino não serve para a utilização na vida imediata,

mas para o cumprimento da série seguinte. A vivência cotidiana deixa de ser para se fazer no

amanhã. Os vestibulares são mais importantes do que a vivência imediata do ser humano que

ainda cursa a Educação Básica. A educação, nesse sentido, perde sua utilidade prática ligada à

vida para situar-se na burocracia acadêmica que prioriza a execução dos conteúdos

programáticos.

No intuito de evitar a evasão de alunos enfrentada pelos Colégios Maristas da

Província Brasil Centro-Sul é que foi proposto aquele ideal de aluno baseado em uma visão

diferenciada de ensino. Entretanto, nos convém entender quais são os significados dados pelo

Colégio de Criciúma a esse aluno pesquisador, comunicador e solidário e se há apropriação

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docente desse ideal.

Essa pesquisa se desenvolveu na busca dos significados deste aluno comunicador,

pesquisador e solidário e se propôs a analisar os caminhos e descaminhos trilhados pela

instituição escolar local para que este ideal se concretize.

Apesar do Colégio não se posicionar assumindo Paulo Freire como teórico, em

diversos discursos falados e escritos ele é lembrado. Um exemplo disso é o vídeo da

campanha institucional de 2008 que utiliza a poesia de Paulo Freire, intitulada “Escola é...” ou

a citação no documento encaminhado às escolas em 2005 (Anexo 01), aonde chama os

educadores à criação de um mundo “inédito, mas viável”1 e o 3º Congresso Nacional Marista,

que iniciou suas atividades no ano de 20082 com uma frase de Paulo Freire que chama

atenção dos educadores para que “continuem sonhando sonhos possíveis”.

Não há no Projeto Político Pedagógico ou nas Matrizes Curriculares uma

definição pelo autor e nem por outro especificamente, mas há em mim enquanto educadora

um desejo de acreditar que só a educação dialógica pode tornar a vida em sociedade “mais

humana”. Não apenas em mim, mas em outros que compactuam comigo o desejo de levar os

alunos a conhecerem-se e descobrirem-se não apenas como estudantes, mas como seres

humanos comprometidos com um mundo melhor. Penso que para a conquista de alunos com

tais requisitos são necessárias aulas que os levem ao encontro com o outro e consigo mesmos.

As práticas educativas precisam estar pautadas no diálogo, oportunizando reflexões sobre

aquilo que se é e o que se quer ser. É ir além dos desejos profissionais e econômicos impostos

pela sociedade e buscar um sentido de formação mais amplo. Para essa análise, é necessário

refletir sobre o sentido de formação e libertação em Paulo Freire, pois para o autor não há

como formar o outro, mas ajudá-lo a libertar-se, pela educação dialógica.

A construção do Projeto Político Pedagógico no Colégio Marista de Criciúma

deu-se em 1997, mesmo ano em que ingressei na escola. O debate pautado em concepções

progressistas ampliava as possibilidades do trabalho educativo, indo ao encontro de meu ideal

de educação. Os textos de Freire, juntamente com de outros autores, foram estudados e

discutidos nos encontros que reuniam os educadores da instituição local. O início de meu

trabalho docente deu-se, na escola particular, cheio de esperanças e expectativas legitimadas

pelas discussões feitas que apenas ampliavam o que eu acreditava ser o “ideal de educação”.

1 Freire, Paulo. Pedagogia da esperança – Um reencontro com a Pedagogia do oprimido. Rio de Janeiro. Paz eTerra, 1992, p. 11.2 O 3º Congresso Marista de Educação foi realizado em julho de 2008 na Pontifícia Universidade Católica doRio Grande do Sul (PUCRS) e iniciou com a frase: “Ai de nós educadores se deixarmos de sonhar sonhospossíveis” (FREIRE, 1995).

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Geralmente o início de ano apresenta muitas promessas para o educador. Os desejos de ver se

concretizando os sonhos educativos passam pela semana pedagógica das escolas e é mais

intenso quando se inicia a carreira e não se tem noção das condições reais que aguardam o

dia-a-dia escolar.

Mesmo que, muitas vezes, minha prática contradissesse o que eu acreditava ser o

ideal de educação, nunca deixei de sonhar, de ter esperança, de demonstrar angústia por

apresentar um discurso que não se efetivasse na prática. Refleti diante de minhas próprias

aulas, e penso que esta pesquisa, mesmo distante daquele tempo, ainda tenta responder

questões as quais não consegui nem sugerir na época. Desde lá, mesmo após as mudanças

administrativas e pedagógicas ocorridas no Colégio, penso a educação como esse projeto

inacabado que precisa ser problematizado para ser colocado em prática.

Meu problema de pesquisa não iniciou com o Mestrado, ao contrário, foi a

necessidade de respondê-lo que me impulsionou a continuar na busca das respostas às

perguntas feitas há 12 anos. Perguntas referentes não ao fazer do professor que trabalha

comigo hoje, mas daquela professora que eu fui, com meus desejos e minhas possibilidades.

Somente ao iniciar a pesquisa, após o exame de qualificação, quando busquei nos documentos

o referencial teórico que me movia, é que percebi o esvaziamento de meu discurso freireano.

Ao contrário do que eu esperava, não encontrei referência ao autor no Projeto Político

Pedagógico do Colégio. Mesmo assim, permaneci com este referencial, uma vez ter sido real

minha vivência de aproximação com ele no meu caminho nesta escola.

Percebi que Freire poderia não estar claramente definido como referencial nos

documentos escolares, mas ele permeava as discussões pedagógicas que fazíamos e, claro,

alimentava o meu próprio ideal iniciado na faculdade de Pedagogia. É por isso que o

referencial de Paulo Freire nesta pesquisa teve grande importância no sentido de proposição

ao trabalho docente futuro da escola. Não poderia cobrar do Colégio algo que ele mesmo não

se propôs, de seguir um viés freireano.

Nesta pesquisa, as categorias pesquisa, comunicação e solidariedade, tidas como

compondo o ideal de aluno, foram comparadas entre si de acordo com os discursos

documentais e empíricos, ou seja, aquilo que a escola se propõe e pratica, buscando-se os

pontos de semelhança e de diferença entre o discurso e a prática. E por acreditar na

aproximação do ideal de aluno proposto pelo Colégio com Paulo Freire, este trabalho

apresenta uma aproximação do ideal de aluno Marista com o referencial freireano.

Desta forma, a categoria “pesquisa” do ideal de aluno Marista estará sendo

aproximada com a categoria “curiosidade epistemológica/ingênua” de Paulo Freire; a

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categoria “comunicação”do colégio com a categoria “diálogo” do autor e ambas categorias

“solidariedade” entre si. Assim, acredito que o autor poderá contribuir para as reflexões já

iniciadas no Colégio, no sentido de configurar uma proposta para o desenvolvimento das

competências estudantis que o Colégio se propõe: pesquisador, comunicador e solidário,

mais próximas à pedagogia libertadora.

Posso resumir minha vivência na escola em três períodos: em 1997, quando das

discussões e escrita do PPP, baseado em reflexões progressistas em dicotomia com práticas

tradicionais; em 2002, quando da reorganização provincial, o que ocasionou acréscimos no

PPP, mas não sua alteração, trazendo a dificuldade da manutenção de uma identidade de rede

na especificidade local; em 2005, com o estabelecimento do ideal de aluno Marista a partir do

Projeto Curricular em Ação, o que causou uma esperança de mudança.

O desafio proposto pela escola me faz pensar nas ações cotidianas para que este

intento se concretize. Reflito sobre esse ideal quando ouço os professores em suas falas sobre

o aluno que não estuda e nas possibilidades dadas para que este educando deseje aprender.

Não é diferente quando os próprios alunos reclamam que não são ouvidos por nós enquanto

escola e que as aulas são tediosas. Em contrapartida, temos a exigência também dos pais que,

na maioria das vezes, por estarem comprando o serviço, exigem uma escola com mais

conteúdos por considerarem que esta é uma garantia para que seus filhos passem no

vestibular. São esses dizeres e fazeres escolares que nos levam a questionar sobre o currículo

que permeia o Colégio Marista de Criciúma na formação desse aluno pesquisador,

comunicador e solidário.

Parto do princípio de que o currículo precisa ser visto como ferramenta para a

emancipação humana. Os conteúdos escolares não têm sentido se não visarem ao bem

comum, ao acesso coletivo às necessidades básicas. A construção da cidadania pode se dar

também por meio da escola. A instituição escolar possui muitas limitações burocráticas e

pedagógicas, pois lida não apenas com questões educacionais. No caso da escola particular,

acrescente-se uma clientela a ser satisfeita, no entanto, as condições de educação proposta

caminham paralelas às de mercado. Não dá para limitar a proposta curricular apenas aos

ideais pedagógicos.

Ao mesmo tempo em que me sinto satisfeita por trabalhar em uma instituição que

coloca em pauta discussões sobre a necessidade de ressignificação curricular, oportunizando

para os professores formação continuada3, e possibilitando questionamentos sobre o que vem

3 Utilizei o termo formação continuada, pois é assim que o Colégio define os estudos feitos com os professores.Não discuto a diferença deste termo com a formação permanente elencada por Freire.

22

a ser currículo, avaliação e projetos de trabalho, também me sinto frustrada por não observar

muitos movimentos de mudança. Não penso que o estudo dá conta de tudo ou a prática é

melhor ou pior que qualquer teoria. A ação e a reflexão estão, ou precisam estar, interligadas,

pois oportunizarão as mudanças pedagógicas necessárias para a efetivação do aprendizado.

Para Gouvêa da Silva (2004), a crença na aparente contradição entre teoria e prática é falsa:

Assim, é ilusório buscar a identidade nos discursos. O que caracterizará um novofazer são os elementos transformadores presentes na ação. Devemos, portanto,procurar caracterizar as referências pedagógicas nas práticas usuais da escola paramelhor compreender suas propostas educacionais, e não no discurso, para só entãoplanejar possíveis formas de intervenção. A reflexão coletiva das contradições entreo-que-se-diz e o-que-se-faz é a referência inicial tanto para o desvelamento da éticapressuposta nas ações educativas quanto para fundamentar qualquer mudança naprática pedagógica. (GOUVÊA DA SILVA, 2004, p. 70)

É a reflexão sobre a ação que dificulta as ideias de alienação e domesticação. É

nessa práxis que o homem toma conhecimento de seu papel no mundo e pode decidir aceitá-lo

ou modificá-lo (FREIRE [1987], 1996). A práxis, para Freire, implica a teoria como um

conjunto de ideias, indissociadas da prática, que possibilita a interpretação de determinado

fenômeno, levando à construção de um novo enunciado, podendo o sujeito dizer sua palavra

sobre o mundo e para o mundo.

É por meio da conscientização que os sujeitos assumem compromisso histórico de

refazerem seu mundo e a si mesmos dentro de suas possibilidades concretas. A ação reflexiva

leva à conscientização que leva a mais reflexão, gerando a construção de um novo mundo

conceitual em que o indivíduo é sujeito e atua sobre o mundo concreto que o rodeia. É por

meio dessa conscientização que esse sujeito torna-se senhor de sua palavra e é esse senhorio

que poderá levá-lo à transformação, tanto do mundo conceitual quanto do concreto, superando

as relações sociais de dominação.

Se um dos objetivos da escola é formar alunos pesquisadores, comunicadores e

solidários é necessário entender o que estes termos significam para as pessoas que ali estão e

de que forma manifesta-se a concepção curricular que garante essa formação.

Neste contexto, nosso problema de pesquisa pode ser formulado operacionalmente

na seguinte pergunta: Em que medida a proposta curricular efetivada no Colégio Marista

possibilita a formação de alunos pesquisadores, comunicadores e solidários?

Com o objetivo de desdobrar esta problemática, foi necessário discutirmos sobre

as seguintes questões:

A formação continuada iniciou em 2006 com 10 encontros de duas horas distribuídas no decorrer do ano letivo epermaneceu em 2007 com a mesma carga horária, sendo reduzida em 2008 para 08 encontros.

23

Como são significados os termos atribuídos ao aluno ideal desta escola:

pesquisador, comunicador e solidário?

Quais as práticas expressas pela escola que possibilitam a formação de alunos

pesquisadores, comunicadores e solidários?

Qual a concepção de currículo expressa nos discursos documentais e orais

apresentados pela escola?

Que aproximações podem ser feitas entre a proposta curricular do Colégio

Marista de Criciúma e as categorias freireanas dialogicidade, curiosidade ingênua e

epistemológica e solidariedade?

Diante destas questões, temos como objetivos:

1) Geral:

Compreender em que medida a proposta curricular efetivada no Colégio Marista

possibilita a formação de alunos pesquisadores, comunicadores e solidários, à luz das

categorias freireanas curiosidade epistemológica/ingênua, dialogicidade e solidariedade.

2) Específicos:

Definir o que a escola entende por aluno pesquisador, comunicador e

solidário;

Identificar se as práticas do Colégio Marista de Criciúma estão em consonância

com o projeto de formação do aluno proposto pela escola;

Verificar a concepção curricular expressa pela escola e como esta se relaciona

com a formação de alunos pesquisadores, comunicadores e solidários;

Relacionar o ideal de aluno do Colégio Marista com a Educação Libertadora de

Paulo Freire, em particular com as categorias de curiosidade epistemológica/ingênua,

dialogicidade e solidariedade.

A seguir, aponto o caminho teórico percorrido, numa apresentação de cada

capítulo desta dissertação. Minha pesquisa desdobra-se em três capítulos, delineados da

seguinte maneira:

No primeiro, discorrerei sobre o pensamento histórico curricular, de acordo com

Pacheco (2001) e Sacristán (2000), que apresentam uma visão crítica em relação ao currículo.

Neste capítulo ainda tentarei localizar o pensamento freireano dentro das orientações

propostas por Sacristán e das teorias elencadas por Pacheco.

A escola não está desvinculada do mundo, portanto, precisa ser vista de acordo

com as mudanças que acontecem ao seu redor e dentro dela mesma. As concepções de

24

currículo também se apresentaram diferentes no decorrer dos anos. O próprio ato de seleção e

organização dos conteúdos curriculares não ocorre como um ato inocente e desinteressado por

parte de quem realiza.

Segundo Pacheco (2001), a função da teoria curricular é descrever, compreender e

explicar os fenômenos curriculares para melhoria da prática. Neste sentido, a teoria

problematiza a própria prática pedagógica. Ela não vive isolada, mas questiona os fazeres

educacionais.

De acordo com Sacristán (2000), a própria teorização curricular torna-se possível

pelas mudanças curriculares que acontecem devido às pressões sociais, econômicas e

históricas dos diversos tipos de sistemas escolares. As escolhas não acontecem por acaso, nem

são neutras, mas políticas, indicando posicionamentos por uma ou outra forma de ensinar.

É por não acreditar na neutralidade educacional que Freire afirma que educar é ato

político, e não há como negar que a concepção curricular que acredito irá determinar minhas

aulas, meus objetivos e a atividade ou passividade do aluno. Sacristán (2000) afirma que a

única teoria curricular capaz de dar conta dessa cumplicidade é a teoria crítica, pois ela coloca

em evidência as realidades que condicionam os processos. A prática é real e por isso precisa

ser teorizada para ser vivenciada.

Sacristán (2000, p. 9) afirma que “as condições de desenvolvimento e realidade

curricular não podem ser entendidas senão em conjunto”, apresentando significado cultural. O

ensino é coerente com o contexto que permeia a comunidade escolar, os significados

educativos se dão por meio das práticas e códigos que a traduzem “em processos de

aprendizagem para os alunos”.

A prática escolar que podemos observar num momento histórico tem muito a vercom os usos, as tradições, as técnicas e as perspectivas dominantes em torno darealidade do currículo num sistema educativo determinado. Quando os sistemasescolares estão desenvolvidos e sua estrutura bem-estabilizada, existe uma tendênciaa centrar no currículo as possibilidades de reformas qualitativas em educação. Emprimeiro lugar, porque a qualidade do ensino está estreitamente relacionada aos seusconteúdos e formas, como é natural; em segundo lugar, porque, talvez impotentes oudescrentes diante da possibilidade de mudanças em profundidade dos sistemaseducativos, descobrimos a importância de mecanismos mais sutis de ação queconfiguram a prática. É difícil mudar a estrutura, e é inútil fazê-lo sem alterarprofundamente seus conteúdos e ritos internos. (SACRISTÁN, 2000, p. 9)

As mudanças escolares não são imediatas, muito pelo contrário, algumas podem

levar muito tempo para concretizar-se. Por isso a necessidade de objetivos claros dentro dessa

instituição, pois os parâmetros de planejamento, avaliação e metodologias serão designados

por esses objetivos. Na visão de Sacristán (2000), é a tradição que tem feito que a gestação

25

curricular se dê em gabinetes e não no chão da escola. Os velhos usos assumiram novos

territórios, impossibilitando a melhoria da qualidade de ensino que está vinculada à mudança

de conteúdos e procedimentos.

Diante do que vem a ser currículo na visão crítica desses autores, no segundo

capítulo serão explanadas as definições das categorias freireanas de curiosidade

epistemológica/ingênua, dialogicidade e solidariedade descritas nos livros “Educação como

prática da liberdade”, “Pedagogia do oprimido”, “Pedagogia da esperança” e “Pedagogia da

autonomia”. Destacarei neste capítulo a Pedagogia Libertadora de Paulo Freire como

possibilidade dentro da teoria crítica de currículo, segundo Pacheco(2001) e na quarta

orientação de Sacristán(2000).

Freire ([1964] 2008), afirma que todo aquele que se propõe a educar precisa optar

pelo tipo de educação que irá assumir. A opção gira em torno da educação para domesticação

ou para liberdade. “Educação para o homem-objeto ou educação para o homem-sujeito”

(FREIRE [1964], 2008, p. 44). Segundo ele, a capacidade criadora do homem só desenvolve-

se a partir do processo de libertação para o qual ele nasceu. O poder de decisão do ser humano

é alimentado na medida em que ele o exerce.

Para que se concretize esse processo de libertação, torna-se necessário o diálogo.

Ouso dizer que a escola é o espaço propício a sua realização por comportar em si sujeitos

diferentes e que permanecem dentro dela, no mínimo, quatro horas diárias. Mas o alcance

desse ideal também não é tão simples, pois diálogo é via de mão dupla. O professor pode

oportunizar aulas dialogadas que visem à troca de conhecimentos, sua participação pode ser

por meio da mediação e não imposição. Ensinar a dialogar é essencialmente saber ouvir. Não

podemos ensinar responsabilidades para nossos alunos, se realizamos seus compromissos,

nem libertamos a outro, senão a nós mesmos. “O que importa realmente, ao ajudar-se o

homem é ajudá-lo a ajudar-se. (E aos povos também) É fazê-lo agente de sua própria

recuperação. É repitamos, pô-lo numa postura conscientemente crítica diante de seus

problemas”. (FREIRE [1964], 2008, p. 66).

Para um projeto educacional ser válido é preciso estar revestido de coragem,

trazendo à tona reflexões sobre o nosso tempo que promovam o enfrentamento de nossos

próprios problemas. Como Freire (2008) cita as sociedades de acordo com seus níveis de

consciências4, poderíamos pensar se estamos oportunizando na escola a busca da

4 Para Freire (2008), a educação oportuniza que os indivíduos de uma sociedade compreendam qual seu papel.Esta captação se dá em vários graus: intransitiva, na qual há uma limitação na esfera de apreensão; transitivaingênua, em que se interpretam os problemas de forma simplista, e transitiva crítica, em que se busca desprenderdos conceitos para interpretar a realidade.

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transitividade crítica, sabendo que esta só pode ser alcançada por meio de uma educação

dialogal:

A transitividade crítica, por outro lado, a que chegaríamos com uma educaçãodialogal e ativa, voltada para a responsabilidade social e política, se caracteriza pelaprofundidade na interpretação dos problemas. [...] pela prática do diálogo e não dapolêmica. Pela receptividade ao novo, não apenas porque novo e pela não-recusa aovelho, só porque velho, mas pela aceitação de ambos, enquanto válidos. Por seinclinar sempre a argüições. (FREIRE [1964], 2008, p. 69-70).

Para atingir a transitividade crítica é necessária a prática democrática, tanto na

sociedade quanto na escola e, para tanto, o posicionamento dos gestores das aulas torna-se

importante. Não podemos ensinar a democracia se não a vivenciarmos em sua totalidade. Se

as aulas continuam sendo de prática bancária é impossível formarmos alunos que se

posicionem socialmente. A vivência é importante para a consolidação da teoria. Nossos

alunos não serão mais democráticos e, consequentemente, mais solidários, vivendo numa

escola de faz-de-conta. O gosto pelo saber anda de braços dados com a curiosidade, que

levará o aluno a perguntar e a responder suas próprias questões e a de seus semelhantes.

Freire ([1987] 1996) nos propõe uma educação problematizadora e, ao mesmo

tempo, libertadora. Mas para isso a escola precisa assumir seu papel humanizador, cuja lógica

não passa pela educação bancária, que apenas deposita conteúdos e o extrai na hora que o

professor aplica a prova.

Mas o sentido da escuta, do diálogo, segue sentido contrário, pois se coloca no

lugar do outro quando se posiciona ao ouvir. Saber ouvir é uma das competências do

educador que oportuniza a educação democrática. Não há como ensinar a democracia sem

estar atento aos anseios “alheios”.

Na medida em que o professor e a escola aprendem a escutar, paciente e

criticamente, o educando, a fala não será mais para o aluno e sim, com ele (FREIRE [1996],

2001). Nesse sentido, o educador deixa de ser o dono da verdade e passa a considerar outras

possibilidades, pois valoriza o diferente e percebe-o como fundamental para o exercício da

autonomia, tanto docente quanto discente.

Para Freire ([1996] 2001), a escuta é requisito para o diálogo e para a

compreensão do conhecimento que o educando traz para a situação de aprendizagem,

possibilitando ao educador trabalhar a partir da leitura de mundo que o aluno lhe promoveu.

Saber escutar é uma prática que implica a construção do conhecimento crítico-emancipador.

Para tanto, o educador que pratica a escuta acaba por desenvolver também a humildade, a

tolerância e o amor pelos próprios educandos.

27

A humanização, no sentido freireano, é o comprometimento que podemos assumir

contra as diferentes formas de não escuta: econômica, política, social e cognitiva. Na escola,

por exemplo, podemos humanizar ou desumanizar, mas a linha que separa as duas formas de

lidar com o outro é muito tênue. Para Freire (1994a), temos a vocação para a humanização, já

que a marca da natureza humana é “ser mais”, por meio da qual os homens estão em constante

procura.

É por estarmos sendo assim que vimos nos vocacionando para a humanização e quetemos na desumanização, fato concreto na história, a distorção da vocação. Jamais,porém, outra vocação humana. Nem uma nem outra (humanização, oudesumanização), são destinos certos, dado dado, sina ou fato. (FREIRE, 1994b, p.99).

A própria natureza histórica do homem que o faz querer “ser mais” e a educação

sistematizada pode servir de auxílio nesta humanização. É necessário um posicionamento da

escola diante das possibilidades enfrentadas, pois é uma das instituições mais privilegiadas,

sendo que promove a convivência, pacífica ou não, de diferentes culturas, cujos saberes são

heterogêneos e ilimitados. As possibilidades de trabalho num contexto assim são infinitas,

visto que a complexidade escolar oportuniza diferentes conflitos que precisam ser resolvidos

enquanto a própria aprendizagem acontece.

As críticas direcionadas às à educação escolar não se encontram apenas fora desta

instituição, pois é a escola que, muitas vezes, se pergunta sobre a teorização de suas práticas

educativas. Quando essa instituição investe em cursos e os professores participam

questionando sobre o que anda praticando a escola, contradizem os rumores que dizem

respeito ao desinteresse dos educadores a qualquer processo de mudança.

Os próprios educadores, em seu cotidiano, questionam os objetivos educacionais,

seu alcance e o distanciamento entre teoria e prática. Uma educação bancária (FREIRE

[1987], 1996) vista ainda no cotidiano escolar, não se dá por desconhecimento de outras

concepções ou descrédito de uma proposta dialógica. Resta-nos compreender quais fatores

levam à perpetuação dessa prática e se há movimentos de mudança no sentido de

problematizar o que já está posto como verdadeiro.

Distanciando-se do seu mundo vivido, problematizando-o, “descodificando-o”criticamente, no mesmo movimento da consciência o homem se re-descobre comosujeito instaurador desse mundo de sua experiência. Testemunhando objetivamentesua história, mesmo a consciência ingênua acaba por despertar criticamente, paraidentificar-se como personagem que se ignorava e é chamada a assumir seu papel.(FIORI [1987], 1996, p. 15)

28

Para Fiori ([1987] 1996), a consciência do mundo e de si crescem juntas. É

impossível a hominização sem a modificação do olhar que temos de nosso semelhante e de

nós mesmos. Não há consciência de si sem a consciência de mundo, nem a consciência do

mundo sem nos percebermos nele e as consequências geradas por isso. O importante é que a

escola pode, ou não, contribuir para o processo de conscientização e que este não se dá

individualmente, mas é construído socialmente. A condução dada nas aulas reflete a maneira

como percebemos o homem no mundo e o mundo do homem.

Para compreendermos o currículo escolar é necessário analisarmos os conteúdos

trabalhados, as relações de aprendizagem e o papel assumido pelo educador e o educando

diante do conhecimento e como a instituição escolar apropria-se desse conhecimento para

promover a modificabilidade social. Freire ([1987] 1996) afirma que as relações entre

educador e educando tem a marca dissertadora, pois os papéis são bem distintos, um assume-

se narrador, depositante, enquanto o outro é o depositário, ouvinte. “Nela, o educador aparece

como seu indiscutível agente, como o seu real sujeito, cuja tarefa indeclinável é encher os

educandos dos conteúdos de sua narração” (FREIRE [1987], 1996, p. 57). As palavras desta

narração são vazias, cujo resultado é o “alienado” e o “alienante”. As propostas da escola

geralmente esbarram na dissertação, cuja característica principal é a “sonoridade”.

Em contrapartida, a principal característica da educação libertadora é a de ser

ouvinte, no sentido de ouvir e enxergar o outro. Os alunos são alienados por participarem de

uma educação que não lhes mostra a pobre realidade em que se encontram muitos brasileiros.

O que ouvem são apenas discursos, não são conquistados por meio do diálogo, enfatizando

ainda mais a “alienação”. Ser alienado independe de classe social, depende da consciência que

o sujeito tem de seu papel na sociedade. “Espero que muitos de nós estejamos aprendendo

como é difícil fazer história, e como é importante apreender que nós estamos sendo feitos pela

história que fazemos no processo social dentro da história”. (FREIRE; HORTON, 2003, p.

204)

À luz das categorias freireanas, no terceiro capítulo será feita uma explanação do

que o Colégio entende por aluno pesquisador, comunicador e solidário, bem como as

motivações que o levam a desejar este tipo de aluno. Também será analisado o que é currículo

na visão desse Colégio. Para definição desses termos, recorreremos à pesquisa documental e

entrevistas feitas com os professores do Ensino Fundamental II5, Assessora e Diretores Geral

e Educacional sobre o que pensam da proposta da escola, a sua participação na elaboração e

5 6º ao 9º ano.

29

as possibilidades de trabalho. É necessário compreender o que a escola entende por

comunicação, pesquisa e solidariedade e quais práticas e reflexões tem utilizado para o

desenvolvimento dessas competências em seus alunos.

De acordo com o ofício n. 03/05 (anexo 01) enviado aos Colégios da Província

Marista Brasil Centro-Sul, o aluno pesquisador é aquele que possui a capacidade de análise

crítica dos problemas do mundo, formulando perguntas e propondo respostas, em um

processo problematizador sempre passível de confirmação, invalidação ou modificação.

Quanto à competência comunicativa, o aluno deve estar apto a expressar ideias e

sentimentos com clareza, consistência e coerência, valendo-se dos recursos e formas

disponíveis de representação, tornados eficazes pela mediação com o outro e com o mundo

em que está inserido.

A solidariedade, de acordo com este documento, é virtude que pode ser

desenvolvida por meio da promoção de princípios éticos que despertem a “indignação ativa

diante de qualquer agressão contra a Terra, a Vida e a Dignidade Humana”. (CEMEP, 2005).

Foi necessário conhecermos as propostas que o Colégio tem para que seus alunos tornem-se

solidários para compreendermos as possibilidades de concretização desta solidariedade, bem

como a pesquisa e a comunicação.

Por Currículo, o Projeto Político Pedagógico (anexo 03) apresenta como uma

produção histórica e social, feito por muitas mãos e tempos diferentes. É conceituado como

formação discursiva que se acumula com diferentes significados e enunciados, sendo

determinado pelas tensões estabelecidas na escola e fora dela.

Após verificar o entendimento de currículo e aluno pesquisador, comunicador e

solidário expressa nos documentos e pelos sujeitos da pesquisa, faremos a aproximação

destes entendimentos com as categorias freireanas de curiosidade epistemológica/ingênua,

dialogicidade e solidariedade.

A seguir, a descrição dos procedimentos metodológicos deste estudo.

Procedimentos metodológicos

Penso que o fato de estar imbuída de um ideal educacional que vise um mundo

mais humano, com oportunidades para todos, utilizando como meio também - e não apenas - a

escola, pode me fazer cair na armadilha de tornar-me pessimista e não perceber as mudanças

que estão acontecendo no Colégio Marista de Criciúma. O contrário também é possível, por

estar tão ligada pela vivência nesta instituição corro o risco de, num otimismo de quem deseja

30

ver esse ideal de aluno concretizando-se, mascarar a realidade pesquisada. Mas seria

impossível procurar minhas respostas se as perguntas que faço se localizam exatamente onde

estou. Na tentativa de distanciamento, cogitei pesquisar outra escola da mesma Província

Administrativa, entretanto, em minha Qualificação, a banca examinadora entendeu que

minhas perguntas só poderiam ser respondidas onde nasceram, no chão de minha própria

vivência escolar.

Não posso deixar de salientar sobre o quanto foi difícil o distanciamento para que

a pesquisa pudesse ser realizada. É compreensível, pois, segundo Enguita (1989), a escola

raramente é estudada de fora, pois todos nós somos produtos dela e torna-se quase impossível

uma avaliação objetiva e desapaixonada. O autor compara o investigador que permanece na

escola ao sacerdote que julga a própria igreja ou ao militar que tenta avaliar o exército.

Portanto, o distanciamento deu-se dentro das possibilidades da pesquisa, ao estranhamento do

que antes me era comum e das refutações de hipóteses que anteriormente eram tidas como

corretas ou únicas.

Como dito anteriormente, o Instituto Marista está presente em 78 países e possui

trabalhos voltados à educação básica e universitária e assistência social. No Brasil, esta rede

possui cerca de 500 instituições, entre Colégios, Unidades Sociais, Universidades,

Comunidades Apostólicas, Centros de Evangelização, Hospitais, Veículos de Comunicação,

Equipamentos Culturais e Editoras.

Sua divisão política e administrativa se dá por meio de Províncias que facilitam a

administração financeira e pedagógica. O Colégio de Criciúma, lócus da pesquisa, junto de

mais quinze outras escolas, compõe a Província Marista Brasil Centro-Sul. As decisões

pedagógicas e administrativas são assessoradas pela DERC (Diretoria Executiva da Rede de

Colégios), que se localiza na PUC-PR.

Em sua administração pedagógica local, o Colégio possui um Diretor Geral, uma

Diretora Educacional, duas Assessoras Psicopedagógicas - responsáveis pela Educação

Infantil, Ensino Fundamental e Ensino Médio - uma Assistente Psicopedagógica na Educação

Infantil e uma Assistente de Alunos no Ensino Fundamental II e Médio. As decisões

administrativas e pedagógicas são tomadas no Colégio, mas assessoradas pela DERC.

A presente pesquisa é de abordagem qualitativa, empírica e documental. Os

procedimentos investigativos utilizados foram a análise de documentos e a entrevista

semiaberta.

Para Minayo ([2004] 2008), o campo de pesquisa é apenas um recorte que o

pesquisador faz em termos de espaço, representando uma realidade empírica a ser estudada a

31

partir das concepções teóricas que fundamentam o objeto de investigação. Essa perspectiva

considera o produto final sempre provisório e sempre um dos pontos de vista a respeito do

objeto investigado.

O referencial teórico utilizado nesta pesquisa para análise dos dados foi “O

Currículo” de Sacristán (2000) e “Currículo: teoria e práxis” de Pacheco (2001), que serviram

para análise do currículo que permeia o Colégio Marista de Criciúma.

As categorias de “dialogicidade, “curiosidade ingênua/epistemológica” e

“solidariedade” apresentadas nos livros de Paulo Freire: “Pedagogia da esperança”,

“Pedagogia do oprimido”, “Professora sim, tia não”, “Pedagogia da autonomia”, “Educação

como prática da liberdade” e “Conscientização: teoria e prática da libertação” também foram

estudadas para análise do ideal de aluno proposto pelo Colégio.

Foram pesquisados os seguintes documentos do Colégio: Ofício 03/05 (Anexo

01), Projeto Curricular em Ação (Anexo 02), Projeto Político Pedagógico (Anexo 03) e

Matriz Curricular de DAPS. Após a pesquisa destes documentos percebi que seriam

insuficientes para explicar o ideal de aluno proposto pelo Colégio, sendo necessária a leitura

das Matrizes Curriculares (Biologia, Ciências, Física, Matemática, Química, Filosofia,

Sociologia, Ensino Religioso, Geografia, História, Arte, Educação Física, Línguas

Estrangeiras e Língua Portuguesa) e da Missão Educativa Marista por serem documentos

importantes dentro da proposta pedagógica desta instituição. Dado o grande volume de

páginas destes documentos, anexei apenas os quatro documentos principais determinados

antes da pesquisa, por serem de âmbito geral para todo o colégio.

O segmento escolhido para a pesquisa foi o Ensino Fundamental II (6º ao 9º ano),

por ser o segmento com o qual trabalho e porque foi a partir dele que o problema delineou-se.

Do 6º ao 9º ano, no início da pesquisa havia um total de 12 (doze) professores, sendo que 7

(sete) deles estavam há menos de três anos na Instituição.

O convite à participação da pesquisa foi feito a todos os professores do

Fundamental II oralmente por dois dias consecutivos, quando o grupo se reunia para reuniões.

Quatro atenderam prontamente. Para completar o número de sujeitos da pesquisa, foi

necessário novo convite em particular. Em um dia em que os professores estavam na escola

para aplicação de provas finais, fiz o convite em particular para os primeiros que encontrei. À

medida que eles terminavam de aplicar suas avaliações, se dirigiam para a entrevista,

completando assim a amostra de 10 (dez) professores, previamente estabelecida.

Optei pela entrevista semiaberta pela facilidade na abordagem, já que algumas

questões estão determinadas e há possibilidade de acréscimo de outras perguntas que não

32

estivessem no roteiro. Segundo Minayo ([2004] 2008, p. 267) a entrevista semiaberta:

[...] obedece a um roteiro que é apropriado fisicamente e utilizado pelo pesquisador.Por ter um apoio claro na sequência das questões, a entrevista semi-aberta facilita aabordagem e assegura, sobretudo, aos investigadores menos experientes, que suashipóteses ou seus pressupostos serão cobertos na conversa.

As entrevistas foram realizadas com auxílio de gravador, a maioria em uma sala

anexa à dos professores, algumas em minha própria sala, com duração média de trinta

minutos. Ao transcrever as falas elas foram modificadas de modo a não permitir a

identificação dos entrevistados, respeitando o gênero. Os sujeitos são identificados apenas

pelo gênero para manter o sigilo proposto e explícito no termo de consentimento (Apêndice

02). Também a expressão falada foi corrigida para a fala culta.

Além dos 10 (dez) professores, participaram da entrevista o Diretor Geral, o Ex-

Diretor Geral, a Diretora Educacional e a Assessora Psicopedagógica do Ensino Fundamental

II. Durante o período de entrevista os sujeitos mostraram-se dispostos a responder a todas as

perguntas feitas, inclusive entrando em questões que não haviam sido questionadas. Dois

educadores participantes, ligados à gestão, preferiram escrever suas respostas e entregar

depois. Aceitei, salientando que o objetivo da pesquisa não era a busca de respostas certas ou

erradas, mas uma análise do que é currículo para o colégio e os conceitos atribuídos ao ideal

de aluno proposto na visão dos educadores. Na análise, percebi que algumas das respostas

haviam sido transcritas de alguns documentos já pesquisados, portanto, preferi desconsiderar

as entrevistas.

Os dados da entrevista foram comparados com a análise do Projeto Político

Pedagógico, das Matrizes Curriculares, do Pré-Projeto do Novo Ensino Médio e dos

documentos recebidos do CEMEP e DERC, no que se referem à proposta curricular e à

formação do aluno pesquisador, comunicador e solidário, fazendo dessa pesquisa documental

e empírica.

A análise dos dados deu-se por categorias:

A palavra categoria, em geral, se refere a um conceito que abrange elementos ouaspectos com características comuns ou que se relacionam entre si. Essa palavra estáligada à ideia de classe ou série. As categorias são empregadas para se estabelecerclassificações. Nesse sentido, trabalhar com elas significa agrupar elementos, ideiasou expressões em torno de um conceito capaz de abranger tudo isso. Esse tipo deprocedimento, de um modo geral, pode ser utilizado em qualquer tipo de análise empesquisa qualitativa. (GOMES [1994], 2004, P. 70)

Segundo o autor, as categorias podem ser estabelecidas antes do trabalho de

33

campo – seriam as categorias gerais – ou após a coleta de dados – seriam as categorias

específicas ou concretas, de agrupamento das respostas encontradas. Nesta pesquisa, as

categorias foram estabelecidas previamente ao trabalho de campo e foram as seguintes:

Currículo;

Aluno pesquisador,

Aluno comunicador;

Aluno solidário.

Estas categorias pesquisadas no colégio foram então aproximadas com as

categorias de curiosidade epistemológica/ingênua, dialogicidade e solidariedade, discutidas a

partir do referencial teórico de Paulo Freire.

Passamos agora para o capítulo 1, que apresentará o que é currículo sob a

perspectiva de Sacristán (2000) e Pacheco (2001) e uma breve história da teoria curricular,

localizando o pensamento freireano dentro dessas duas perspectivas.

34

I. A QUESTÃO CURRICULAR EM DEBATE

O currículo elaborado é uma forma privilegiada paracomunicar teoria pedagógica e prática, conectarprincípios filosóficos, conclusões de pesquisa, etc. coma prática que se realiza nas aulas; porque apenas atravésdo plano e realização das tarefas para cumprir com asexigências curriculares é que determinados princípiospodem ser convertidos em orientadores da prática e daaprendizagem. (SACRISTÁN, 2000, p. 84)

Seguindo a perspectiva que currículo não é de domínio exclusivo dos professores,

dos gestores, dos alunos e dos especialistas, mas de todos eles, “visto tratar-se de um processo

que implica ao mesmo tempo uma construção ao nível das intenções e uma desconstrução ao

nível da prática”.(PACHECO, 2001, p. 45), reconheço a possibilidade de discussão curricular

tanto na diversidade quanto na convergência de discursos, pois são esses que esclarecem as

opções e tomadas de decisão.

[...] a celebração da homogeneização da diferença e da primazia do local não apagaas identidades curriculares, necessariamente ligadas a valores que reforçam adimensão humana, produzidas em situações de diversos contextos. Estecompromisso de currículo para com a sociedade que o legitima reforça tanto osaspectos que só podem ser organizados através de estruturas destinadas a favorecera aprendizagem quanto os aspectos particulares que se prendem com a realidade decada sujeito. (PACHECO, 2001, p. 45)

O currículo, portanto, não se forma a partir de um olhar, mas das diversas

perspectivas encontradas no universo escolar. Mesmo havendo um direcionamento

pedagógico o qual o Colégio assume, a instituição abrange diferentes concepções que

compõem o currículo e efetivam-se na prática e retroalimentam os discursos proferidos.

Neste capítulo, primeiramente se buscará, em concordância com Pacheco(2001) e

Sacristán(2000) caracterizar o currículo, discorrendo sobre a história curricular nessa

perspectiva. Em seguida, se buscará localizar o pensamento freireano dentro das orientações

propostas por Sacristán e das teorias elencadas por Pacheco.

1.1. O que é currículo?

Para Moreira (2008), o currículo deixou de ser considerado apenas uma área

meramente técnica, voltada para questões relativas a procedimentos, métodos e técnicas. Ele

35

salienta que se pode falar em uma tradição crítica do currículo, que é guiada por questões

epistemológicas, sociológicas e políticas. O autor complementa que:

Embora questões relativas ao “como” do currículo continuem importantes, elas sóadquirem sentido dentro de uma perspectiva que as considere em sua relação comquestões que perguntem pelo “por quê” das formas de organização do conhecimentoescolar”. (MOREIRA, 2008, p. 7)

O que numa determinada concepção era considerado apenas uma grade

programática, em outra é entendida como todas as ações que a escola manifesta. Desfocaliza-

se apenas o ato pedagógico para se constituírem todas as ações da prática escolar.

Para Coppete (2003, p. 21):

[...] pode-se dizer que Currículo é fundamento de qualquer sistema de ensino. Ele seconstitui de todo o conhecimento social disponível em nossa época que forselecionado e organizado, desde que se concretize naquilo que é vivido, sentido eaprendido pela pessoa que se educa.

Desta forma, o currículo torna-se visível na interação do aluno com seus colegas,

professores, administradores, assim como todos os demais membros da comunidade que estão

envolvidos nas questões escolares. A forma como essas interações acontecem demonstram

qual currículo é garantido pela escola. É importante ressaltar também que a maneira como se

constituem os conteúdos, os horários, as práticas metodológicas também refletem o processo

de constituição curricular. Essa constituição ocorre por meio de uma fusão de conhecimentos

científicos, crenças, expectativas e visões sociais.

[...] o currículo acaba por expressar exatamente, entre outras coisas, a forma comocertas questões são definidas, como “problemas” sociais [...] aquilo que éconsiderado currículo num determinado momento, numa determinada sociedade, é oresultado de um complexo processo no qual considerações epistemológicas puras oudeliberações sociais racionais e calculadas sobre conhecimento talvez não sejamnem mesmo as mais centrais e importantes. (SILVA, 1999, p. 9)

A prática educacional não é feita de neutralidades, até o que não é dito está

imbuído de valores que fazem com que seja do jeito que é. O currículo escolar está alicerçado

nas crenças e valores e tem direções que apontam para determinados resultados de acordo

com o contexto histórico no qual se encontra inserido.

Para Grundy (1987, apud SACRISTÁN, 2000, p. 14) “[...] o currículo não é um

conceito, mas uma construção cultural. Isto é, não se trata de um conceito abstrato que tenha

algum tipo de existência fora e previamente à experiência humana. É, antes, um modo de

organizar uma série de práticas educativas”.

36

Desta maneira, não é estranho encontrarmos perspectivas diferentes dentro de uma

mesma instituição, pois a prática escolar é complexa e formada por uma diversidade de

indivíduos que também possuem uma história de vida que não pode ser abandonada a

despeito dos objetivos educacionais. Mas é importante que elas apresentem, pelo menos, certa

coerência e não sejam manifestações divergentes dentro de um mesmo contexto escolar.

Mesmo que os professores utilizem metodologias diferenciadas e tenham experiências

também distintas em toda sua vida escolar, não é coerente que eles pratiquem concepções

contrárias à proposta teórica que a escola defende.

Quando questionamos as práticas escolares não estamos desvinculando-as das

teorias que as legitimam, mas perguntamos se os dizeres escolares estão se concretizando na

prática. Não esquecemos, portanto, que o currículo supõe uma concretização dos fins sociais e

culturais que permeiam a escola, inclusive as conquistas feitas pelos diferentes grupos que a

compõem. À medida que escolhemos um currículo estamos afirmando a concepção de homem

e mundo na qual acreditamos. A proposta curricular delineia as metas que desejamos alcançar

e os meios pelos quais poderemos fazê-lo.

Ao enfocar o tema curricular, se entrecruzam de forma inevitável no discurso asimagens do que é essencialmente próprio no sistema escolar, se incorporamtradições, práticas e teorias de outros sistemas, se consideram modelos alternativosdo que deveria ser a educação, a escolarização e o ensino. (SACRISTÁN, 2000, p.16).

As tradições citadas pelo autor expressam o equilíbrio de interesses e forças que

permeiam o sistema educativo num dado momento histórico. Por isso, o currículo não pode

ser reduzido às questões de conteúdo ou metodologias, como tínhamos anteriormente numa

visão mais tradicional. Ele precisa ser visto como uma opção historicamente configurada que

se consolidou dentro de uma determinada trama cultural, social, política e escolar. Ele

apresenta-se repleto de valores que precisam ser interpretados.

Todas as finalidades que se atribuem e são destinadas implícita ou explicitamente àinstituição escolar, de socialização, de formação, de segregação ou de integraçãosocial, etc, acabam necessariamente tendo um reflexo nos objetivos que orientamtodo o currículo, na seleção de componentes do mesmo, desembocam numa divisãoespecialmente ponderada entre diferentes parcelas curriculares e nas própriasatividades metodológicas às quais dá lugar. Por isso, o interesse pelos problemasrelacionados com o currículo não é senão uma conseqüência da consciência de que épor meio dele que se realizam basicamente as funções da escola como instituição.(SACRISTÁN, 2000, p. 17).

O importante a ser destacado não é a dicotomia entre teoria e prática, pois elas

poderão coexistir, até porque há uma rotatividade considerada de professores que podem

37

discutir sobre suas práticas pedagógicas, concordando ou não com o posicionamento da

escola. O que necessita ser questionado é como se dá a construção curricular dentro do espaço

escolar, pois se cabe a um o planejamento e a outro a execução, pode-se questionar a

limitação quanto a autonomia docente.

Não é na dicotomia pedagógica entre planejadores e executores, ou entre processos eprodutos, que se vai superar as dificuldades observadas no ato educativo. Se oplanejar não estiver coerente com a perspectiva que se apresenta para o processoensino-aprendizagem, este, como sempre, reverenciará a dinâmica de construçãocurricular que o desencadeou, reproduzindo valores, intenções e práticas neleimplícitas. Qualquer proposta concebida de forma centralizada e elitista, reservandoaos educadores o papel de executores de um plano pronto e concluído, por maisdemocráticas que sejam suas intenções educacionais teóricas, não conseguirãoatingir seus objetivos práticos, pois não se institui a democracia por mandado, massim pelo próprio exercício democrático. A contradição que substancia tal propostacondena-a ao fracasso já em sua gestação. (GOUVÊA DA SILVA, 2004, p. 24-25)

Para ser democrático, o currículo escolar necessita ser construído coletivamente

para que todos se empenhem no alcance das metas estabelecidas.

Desde sua formação, a escola utiliza os princípios curriculares, explícitos ou não,

como sustentação para expressar as diferentes concepções de mundo, homem e sociedade. O

que se possui e quer alcançar é dito por meio do currículo e este oportuniza meios de se

atingir as metas propostas. Para compreendermos as intenções escolares precisamos entender

a sociedade que lhe apoia. O currículo escolar funciona de acordo com as necessidades do

contexto social e histórico.

As legislações educacionais do Brasil manifestam as concepções tanto de

currículo como de pedagogia da época em que foram discutidas e aprovadas. A concepção

tradicional e tecnicista de currículo permeava as discussões tanto da Lei 4024/61 quanto da

Reforma 5692/71. Com a promulgação da Lei de Diretrizes e Bases em 1996 não foi

diferente, as críticas feitas tanto à concepção de currículo tradicional quanto à tendência

pedagógica tecnicista levaram às reflexões progressistas que acabaram determinando novos

rumos para a educação brasileira. As reflexões feitas para a definição da legislação foram

importantes para as discussões educacionais de uma época e o contrário também aconteceu,

pois sua implantação permitiu que as escolas a estudassem e propusessem possibilidades de

reformulação.

Concordo com Sacristán (2000) quando considera o currículo como múltiplas

práticas que não se reduzem apenas à pedagógica, mas que precisam ser questionadas quanto

a sua diversidade. Tanto a ordem política, administrativa, de produção intelectual e avaliação

são determinantes para a consolidação da proposta curricular, mas também precisam ser

38

coerentes internamente com o que se propõe, pois o currículo se traduz nas atividades

realizadas e adquire seus significados por meio delas.

Para Esteban (2004), é necessário reconhecer a heterogeneidade escolar, não

apenas incorporando positivamente a diferença ao processo pedagógico, mas procurar ancorar

as práticas em padrões menos hegemônicos:

[...] a educação que oferece um único horizonte de possibilidades a todos nos afastado outro com quem partilhamos o tempo escolar. O percurso único, o resultadohomogêneo e o processo linear despotencializam os exercícios escolares, que, emlugar de promover exercícios de ser, se tornam exercícios para treinamento dehabilidades e aquisição de fragmentos descontextualizados de conhecimentos,negando as diferenças que nos constituem e fazendo da experiência infantil e juvenilmomentos de negação, por serem mera preparação para algo que virá... (ESTEBAN,2004, p. 160).

Quando a escola propõe objetivos que serão alcançados apenas quando os alunos

saírem dela acaba limitando as possibilidades de conquistas estudantis enquanto ali

permanecerem. O tempo escolar é rico para a busca do sentido de inclusão, pois contém em si

heterogeneidade suficiente para as mais ricas discussões. São as diferenças no ambiente

educativo que o torna tão propício à construção de significados.

Nesse sentido, as práticas educativas tanto podem promover a inclusão por meio

de metodologias e posicionamentos que valorizem os diferentes conhecimentos como podem

continuar trabalhando os conteúdos propostos pela matriz curricular no sentido vertical, sem

considerar as possibilidades estudantis e docentes.

O estudo do currículo acaba servindo de centro a outros estudos pedagógicos, pois

tudo o que acontece na escola relaciona-se com a organização e o desenvolvimento curricular.

Tanto a seleção dos professores quanto a matriz curricular e as metodologias utilizadas

refletem a concepção que a escola tem sobre a formação de homem/sociedade.

Passarei agora a um breve olhar histórico sobre o currículo tendo Pacheco (2001)

e Sacristán (2000) como principais autores.

1.2. Desenvolvimento da história curricular

Neste item é feito apenas um recorte da história que envolve o tema curricular.

Reconheço as limitações do texto, visto a gama de autores e livros escritos sobre o assunto.

Mas quando partimos o fazemos de algum lugar, preferi, então, ler e reler autores com quem

mais me identificava quanto ao entendimento de currículo.

Mesmo antes de existir uma teoria que se denominasse currículo já havia um

39

movimento no sentido de organizar o que se ensinava e o como se fazia. O texto de

Comenius, intitulado Didactica Magna, escrito em 1627, é um exemplo de interesse

consciente à questão do ensino, o qual postulava um método pedagógico que fosse eficiente,

econômico, sem fadiga, baseado em conteúdos cotidianos oportunizados a todos.

Pacheco (2001) faz uma análise histórica do campo curricular e apresenta-o como

alvo de atenção desde que surgiram os primeiros escritos sobre a educação, mas como campo

especializado surge a partir do momento em que a sociedade industrial do séc. XIX pressiona

a escolarização a cumprir finalidades mais explícitas. O termo currículo entra no vocabulário

educacional a partir do momento que a escolarização se torna uma atividade “[...] organizada,

em função de interesses sociais, culturais, econômicos e políticos”.(PACHECO, 2001, p. 22)

O autor cita Zais (1981)6 e Hameyer (1991)7, que afirmam que o campo curricular

tem sua origem no movimento herbertiano (Johnn Friedrich Herbert), que dava maior atenção

à seleção e organização dos conteúdos de ensino.

Silva (1999) escreve que os estudos sobre currículo, no sentido de como o vemos

hoje, só começaram a ser utilizados recentemente, sob influência da literatura norteamericana.

E foi nos Estados Unidos que o currículo começou a ser estudado como um campo

profissional especializado. Para o autor, a consolidação desses estudos deu-se dentre as

seguintes condições:

A formação de uma burocracia estatal encarregada dos negócios ligados à educação;o estabelecimento da educação como um objeto próprio de estudo científico; aextensão da educação escolarizada em níveis cada vez mais altos e segmentos cadavez maiores da população; as preocupações com a manutenção de uma identidadenacional, como resultado das sucessivas ondas de imigração; o processo decrescente industrialização e urbanização. (SILVA, 1999, p. 22)

Diante desta realidade, Bobbitt escreve The Curriculum, em 1918 – um marco no

estabelecimento dos estudos sobre currículo. As forças econômicas, políticas e culturais do

contexto estadunidense da época exigiam uma atenção especial aos objetivos e os modelos a

serem dados à educação das massas. Para Bobbitt, as respostas às questões educacionais

deveriam ser dadas à luz da economia e respaldadas na eficiência. A escola deveria funcionar

como uma fábrica, tanto em sua organização administrativa quanto pedagógica. O autor

defendia que o ponto de partida do sistema educacional deveria ser a precisão de objetivos, os

6 ZAIS, Robert(1981). Conceptions of curriculum and the curriculum field. In H. Giroux, A. Penna e W.Pinar(eds), Curriculum y instruction. Alternatives in education. Berkeley: MaCutchan Publishing Corporation,pp. 31-49.7 HAMEYER, U. (1991). The domain of curriculum studies. Curriculum theory. In Arieh Lewy (ed), op.cit., pp19-27

40

quais estariam centrados nas habilidades necessárias à ocupação profissional a ser exercida na

idade adulta.

Bobbitt (apud SILVA, 1999, p. 24) afirma que [...] “a educação, tal como a usina

de fabricação de aço, é um processo de moldagem” [...] Nesta perspectiva, não é difícil

entendermos as práticas metodológicas no início do séc. XX, cujos pressupostos eram a

formação de mão-de-obra qualificada. O que ditava a educação era a vida ocupacional adulta

e o trabalho fabril a ser realizado. Por esta razão, os especialistas em currículo tinham como

tarefa pesquisar e definir as habilidades necessárias para cada função. Após, ficava mais fácil

a definição dos conteúdos e das metodologias utilizadas para concretização daquela

aprendizagem. Era o especialista em currículo que definia também os instrumentos de

medição das habilidades aprendidas.

De acordo com este modelo, Bobbitt propõe a utilização do modelo

organizacional empresarial taylorista, pois seria esse modelo que garantiria o padrão de

eficiência dentro da escola, da mesma maneira que na fábrica:

O gestor pensa, planeja e decide; o operário executa com competência puramentetécnica que lhe é atribuída, de acordo com os moldes de qualidade tambémestabelecidos externamente ao processo e de forma prévia a essa operação. Aprofissionalidade do operário e do professor na transferência metafórica consistenuma prática “normalizada” que deve desembocar, antes de mais nada, naconsecução dos objetivos propostos, definidos logicamente com precisão. A normade qualidade é de responsabilidade do manager, não do técnico que executa, o que,na gestão do currículo, significa emitir regulações para o comportamentopedagógico por parte de quem administra, que disporá de algum aparato vigilantepara garantir seu cumprimento. (SACRISTÁN, 2000, p. 45)

Tanto o operário quanto o professor deveriam alcançar os objetivos propostos

definidos com precisão pelo manager ou gestor. A visão tradicional de Currículo traz um

enfoque conteudista, cuja definição é do gestor e o cumprimento é do professor. Todo

empenho da escola está centrado na aplicação dos conteúdos que devem ser trabalhados

durante o ano. Para tanto, a precisão nos objetivos educacionais é fundamental, pois serão eles

que servirão na avaliação dos conhecimentos fundamentais adquiridos pelo aluno.

Pacheco (2001) acrescenta que já em 1895 ocorre a fundação da National Society

for the Study of Education, onde debate-se as formas organizacionais curriculares, atingindo

no século XIX foros de cidadania epistemológica, sendo reconhecido como uma nova área de

conhecimento educativo no qual tem Dewey8, Bobitt e Tyler como principais precursores.

8 The absolute curriculum, 1900; The curriculum in elementary education, 1901; The child and the curriculum,1902. (PACHECO, 2001, p. 22)

41

Em 1923, W. Charters publica o livro Curriculum construction, em 1924, Bobitt

lança How to make a curriculum? (PACHECO, 2001)

Nesta perspectiva, Tyler publica com Virgel Herrick, Toward improved

curriculum theory, onde salienta a necessidade de uma teoria curricular porque “o

desenvolvimento do currículo sem uma teoria tem fatais resultados e uma teoria do currículo

sem o desenvolvimento nega o fim último da teoria”.(PACHECO, 2001, p. 22-23)

Silva (1999, p. 25) analisando texto de Tyler, afirma que a organização e o

desenvolvimento do currículo precisava responder:

[...]1. que objetivos educacionais deve a escola procurar atingir?; 2. que experiênciaseducacionais podem ser oferecidas que tenham probabilidade de alcançar essespropósitos?; 3. como organizar eficientemente essas experiências educacionais?; 4.como podemos ter certeza de que esses objetivos estão sendo alcançados? As quatroperguntas de Tyler correspondem à divisão tradicional da atividade educacional:currículo (1), ensino e instrução (2 e 3) e avaliação (4).

Na análise de Silva (1999), para Tyler, a questão curricular era técnica e por isto

centrou sua atenção nos objetivos educacionais. Ele ampliou o sentido de Currículo que

Bobbit havia iniciado em 1918 e o concebeu como uma extensão da fábrica, na qual se podia

descrever objetivos específicos e medir com precisão o seu alcance. Tanto as aulas quanto as

avaliações e planejamentos eram pautados na concepção fabril porque era esta que servia de

modelo para a escola da época. A concepção de homem, mundo e sociedade estavam

fundamentadas nas necessidades da sociedade capitalista que estava se instaurando e, para

tanto, era imprescindível uma concepção de currículo que atendesse a essas necessidades.

Uma educação voltada à fábrica deveria aproveitar ao máximo o tempo e fazer

com que a produção fosse a maior possível. Os horários eram esquadrinhados de tal forma

que não houvesse tempo ocioso. A própria disposição dos alunos em sala de aula deveria ser

propícia a evitar distrações.

Pacheco (2001) afirma que depois desse período inicial muitas obras foram

escritas enfatizando que o “currículo enquanto instrumento de escolarização, que existe em

função de um sistema educativo, é também de natureza prática” (p. 23). A questão curricular

toma proporção de campo disciplinar especializado.

Pacheco (2001) utiliza os contributos teóricos estudados por Gonçalves9, Hameyer

(1991)10 e Gimeno (1988)11 para analisar as teorias curriculares propostas por Kemmis

9 Pacheco (2001) cita Gonçalves na pág. 33, mas o referido autor não consta das referências.10 HAMEYER, U. (1991). The domain of curriculum studies. Curriculum teory. In Arieh Lewy(ed), op. cit.,pp.19-27.

42

(1988)12 – técnica, prática e crítica. Mesmo sendo proposta por Kemmis, Pacheco apropria-se

dessa categorização e as conceitua. Retomarei esta categorização mais adiante, ainda neste

item.

Para Sacristán (2000, p. 37), as teorias curriculares desempenham várias funções:

[...] são modelos que selecionam temas e perspectivas; costumam influir nosformatos que o currículo adota antes de ser consumido e interpretado pelosprofessores, tendo assim, um valor formativo profissional para eles; determinam osentido da profissionalidade do professorado ao ressaltar certas funções; finalmente,oferecem uma cobertura de racionalidade às práticas escolares.

Nesse sentido, essas teorias se convertem em expressões da mediação entre o

pensamento e a ação em educação. A impressão de que os professores colaboram para que os

alunos consumam o currículo não reflete a verdadeira complexidade da realidade, pois o

professorado é o primeiro destinatário do currículo.

Lundgren (apud SACRISTÁN, 2000) afirma que é impossível compreender as

teorias curriculares fora do contexto do qual procedem, pois elas se constituem para resolução

dos problemas que as definiram.

As teorias sobre o currículo se convertem em referenciais ordenadores dasconcepções sobre a realidade que abrangem e passam a ser formas, ainda que sóindiretas, de abordar os problemas práticos da educação. É importante reparar emque as teorizações sobre o currículo implicam delimitações do que é seu próprioobjeto, muito diferentes entre si. Se toda teorização é uma forma de esclarecer oslimites de uma realidade, neste caso, tal função é muito decisiva, embora ainda falteum consenso elementar sobre qual é o campo a que se alude quando se fala decurrículo. (SACRISTÁN, 2000, p. 38)

O autor faz uma aproximação, citando alguns autores que propõem concepções

curriculares, como Eisner (1974)13, Reid (1980, 1981)14, Schiro (1978)15, McNeil (1981)16,

11 GIMENO, José (1988). El curriculum: uma reflexión sobre la práctica. Madrid. Morata. Esta obra é a mesmaque utilizo reportando-me, todavia, ao último nome do autor, Sacristán (2000).12 KEMMIS, Stephen (1988). El curriculum: más allá de la teoria de la reproducción. Madrid: Morata.13 Propõe concepções curriculares centradas no desenvolvimento cognitivo, no currículo como auto-realização,como tecnologia, como instrumento de reconstrução social e como expressão do racionalismo acadêmico.(SACRISTÁN, 2000)14“[…] distingue cinco orientações fundamentais: a centrada na gestão racional ou perspectiva sistemática, quese ocupa em desenvolver metodologias para cumprir com as tarefas que implica realizar um currículo sob formasautodenominadas como racionais, científicas e lógicas; uma segunda orientação, denominada radical crítica, quedescobre os interesses e objetivos ocultos das práticas curriculares em busca de mudança social; a orientaçãoexistencial que tem uma raiz psicológica centrada nas experiências que os indivíduos obtêm do currículo; outraque denomina popular mais que acadêmica ou reacionária, para a qual o passado é bom, sendo conveniente suareprodução; e, finalmente, se destaca a perspectiva deliberativa, que acredita na contribuição pessoal dosindivíduos para o processo de mudança como sujeitos morais que são, trabalhando dentro das condições nasquais atuam”.(SACRISTÁN, 2000, 38-39)15 Diferencia as ideologias curriculares: a acadêmica, da eficiência social e a centrada na criança e noreconstrucionismo social. (SACRISTÁN, 2000)

43

Tanner e Tanner (1980)17 e a partir delas faz um esboço de quatro grandes orientações básicas

para o desenvolvimento de seu trabalho.

A primeira é que constitui o currículo como soma das exigências acadêmicas,

caracterizada pela valorização dos conteúdos distribuídos nas disciplinas. Seu surgimento está

ligado à tradição medieval que distribuía o saber acadêmico em trivium (gramática, lógica e

retórica) e quadrivium (aritmética, geometria, astronomia e música).

É uma concepção que recolhe toda a tradição acadêmica em educação, que valorizaos saberes distribuídos em disciplinas especializadas - ou, quando muito, em áreasnas quais se justapõem componentes disciplinares – como expressão da culturaelaborada, transformando-as em instrumento para o progresso pela escala do sistemaescolar, agora numa sociedade complexa que reclama uma maior preparação nosindivíduos. (SACRISTÁN, 2000, p. 39)

O currículo nesta perspectiva é visto como lista de conteúdos e está relacionado

com a própria organização do sistema escolar, que concede títulos e validações específicas de

cultura básica. Para o autor, o controle curricular torna-se mais simples, por meio da lista de

conteúdos. Expressando-se nestes termos, é mais fácil de controlar e regular do que em

qualquer outro enfoque que contenha considerações psicopedagógicas (SACRISTÁN, 2000).

A potencialização desse enfoque se dá pela pressão acadêmica, as necessidades

administrativas e a organização do professorado. As aulas são fragmentadas, cujas matérias

possuem tempos diferentes determinados pelo programa. “Práticas econômicas, de produção e

distribuição de meios, criam dinâmicas com uma forte incidência na prática pedagógica” [...]

(SACRISTÁN, 2000, p. 24).

A segunda grande orientação citada refere-se ao currículo como base de

experiências, aonde o método deixa de ser o meio para algum fim e torna-se “parte de um

sentido ampliado do conteúdo” (SACRISTÁN, 2000, p. 41).

As considerações nesta orientação não se limitam mais a conteúdos divididos em

disciplinas estanques, e passam a atender a outras necessidades não acadêmicas, tais como

físicas, emocionais e intelectuais. O importante do currículo passa a ser a experiência e a

recriação da cultura em termos de vivência.

O movimento “progressivo” americano e o movimento da “Escola Nova” européiaromperam neste século o monopolitismo do currículo, centrado até então mais nasmatérias, dando lugar as acepções muito diversificadas, próprias da ruptura,pluralismo e concepções diferentes das finalidades educativas dentro de umasociedade democrática. (SACRISTÁN, 2000, p. 41)

16 Distingue os enfoques humanístico, reconstrucionista social, teológico e acadêmico. (SACRISTÁN, 2000)17 Revisam a panorâmica de posições e enfoques conflitivos sobre o campo curricular.

44

O autor afirma que historicamente essa versão do currículo é mais moderna

porque se forjou como movimento de reação ao academicismo. A educação aparece para

atender o desenvolvimento integral do cidadão e, nessa perspectiva, não é possível o trabalho

apenas por conteúdos programáticos.

O currículo é visto como um conjunto de experiências planejadas que os alunos

têm sob a orientação da escola, parte de uma perspectiva pedagógica e humanista, de

atendimento às necessidades e individualidades dos alunos. Neste sentido, englobam-se as

intenções, as metodologias ou atividades elaboradas com fins pedagógicos.

Phillips (apud SACRISTÁN, 2000) afirma que a concepção de currículo como

experiência, partindo do valor das atividades, provocou um forte impacto na tradição

pedagógica e causou uma confusão e dispersão de significados num panorama que funcionava

em consenso por meio do academicismo, por ser um critério mais seguro.

Dentro desta ótica mais psicológica, promovedora de um novo humanismo, apoiadonão nas essências da cultura, mas nas necessidades do desenvolvimento pessoal dosindivíduos, não faltam novos “místicos” e ofertas contraculturais, inclusiveexpressões de um novo romantismo pedagógico que nega tudo o que não sejaoferecer atividades gratificantes por si mesmas e atender a uma pretensa dinâmica dedesenvolvimento pessoal, sendo que este é entendido como um processo deautodesenvolvimento numa sociedade que aniquila as possibilidades dos indivíduose à margem de conteúdos culturais. (SACRISTÁN, 2000, p. 42)

A escola nessa visão aparece como agência socializadora e educadora total, cujas

finalidades vão além da introdução aos saberes acadêmicos, abrangendo um projeto global de

educação. Essa orientação apoia a tradição moderna em educação que ressalta a importância

dos processos psicológicos do aluno, valorizando mais os processos educativos que o produto

final.

A atenção aos processos educativos e não apenas aos conteúdos é o novo princípioque apóia a concepção de currículo como a experiência do aluno nas instituiçõesescolares. Não é apenas uma forma de entender o currículo, com uma ponderaçãodiferente de suas finalidades e componentes, mas toda uma teorização sobre omesmo e sobre os métodos de desenvolvimento. (SACRISTÁN, 2000, p. 42)

São as necessidades do aluno, tanto do ponto de vista de seu desenvolvimento

quanto de sua relação com a sociedade, que movimentam os projetos educativos.

A terceira orientação está associada ao legado tecnológico e eficienticista no

currículo, o qual se interessa pelos temas curriculares mais por conveniência administrativa

que por intelectualidade. Apresenta-se como um campo profissional da administração antes de

ser um campo preocupado com a psicologia ou filosofia.

45

Por isso surgem modelos de organizar e gestionar este componente do aparelhoescolar com esquemas próprios da burocracia moderna para racionalizar todo oconjunto. O governo do currículo assimilou modelos de “gestão científica” que, setornando independente do quadro e do momento do qual surgem, se convertem emesquemas autônomos que propõem um tipo de racionalidade em abstrato, acepçãoque chega, inclusive, a equiparar-se a algo que é científico. Tais esquemas de gestãode currículo ganharam autonomia como modelos teóricos para explicá-lo: a metáforase torna independente do referencial e gera por si mesma um marco de compreensãode uma realidade distinta; o modelo metafórico passa a ser o modelo substantivo,quando se esquecem sua origem e suas raízes. (SACRISTÁN, 2000, p. 45)

O currículo é visto pela profissionalização, em que os gestores planejam e os

professores executam. O êxito do trabalho depende da estimulação dada aos professores para

que desempenhem bem sua função de dar aulas e cumprir com o planejamento feito. Para o

autor, o que o taylorismo foi para a produção industrial em série, a gestão científica é para a

burocracia educacional nesta perspectiva. A eficácia, o controle, a economia na adequação de

meios a fins são os elementos-chave para o sucesso nesta orientação.

Há uma contradição produzida, nos sistemas educativos gestionados dessa forma,

quando surgem discursos sobre a autonomia do professor e sua independência profissional,

pois não há como este educador usufruir de sua independência se não puder escolher sobre o

que irá trabalhar com os alunos.

Segundo Sacristán (2000), misturaram-se a essa teorização curricular proposições

mais psicopedagógicas, às vezes, com esquemas de racionalidade técnica, que veem nas

experiências e conteúdos curriculares a serem aprendidos pelo aluno um meio de conseguir

determinados objetivos da forma mais eficaz e científica possível. Para o autor, em outras

ocasiões, esses esquemas se justificam de forma autônoma em si mesmos, como uma técnica

própria da elaboração do currículo. A experiência escolar em sua globalidade perde seu valor

pelo enfoque eficienticista que o define pelo referencial escrito de meio-fins e que almeja

padronizar os produtos curriculares e educativos, reduzindo a simples habilidades as

competências do professor.

Dessa maneira, o currículo torna-se objeto gestionável e suas dimensões histórica,

cultural e social são perdidas de vista. A teoria curricular serve apenas para manter o controle

e não para resolver os problemas educativos que surgem no dia-a-dia escolar. Os

conhecimentos válidos, dentro dessa orientação, são as soluções dadas pelos gestores a

problemas deparados por eles.

Posição que necessariamente teve sucesso entre nós num ambiente político não-democrático, com uma administração fortemente centralizadora e intervencionista,onde os únicos espaços possíveis para a intervenção eram os de discutir a eficácia nocumprimento da diretriz, antes de questionar o conteúdo e os fins do projeto; tudoisso auxiliado pelo desarmamento intelectual no professorado (SACRISTÁN, 2000,

46

p. 46)

A perspectiva de Tyler é o exemplo mais marcante desta orientação, foi ela que

estabeleceu as bases do discurso dominante nos estudos curriculares e nos gestores da

educação. Neste viés, o currículo é composto pelas experiências de aprendizagem planejadas

e dirigidas pela escola para o alcance dos objetivos educativos.

Para Tyler (apud SACRISTÁN, 2000, p. 46):

O desenvolvimento do currículo é uma tarefa prática, não um problema teórico, cujapretensão é elaborar um sistema para conseguir uma finalidade educativa e não-dirigida para obter a explicação de um fenômeno existencial. O sistema deve serelaborado para que opere de forma efetiva numa sociedade onde existem numerosasdemandas e com seres humanos que têm intenções, preferências...

Este currículo, portanto, define os fins, preescreve os resultados que a escola deve

priorizar. Não se preocupa com a razão pela qual os conteúdos são escolhidos, mas que

precisam ser trabalhados enquanto estiverem no programa.

A quarta e última grande orientação definida por Sacristán (2000) é a que

determina o currículo como configurador da prática. Nesta, há a priorização da autonomia

profissional. O objetivo principal é fazer com que o professorado assuma-se enquanto

educador para a problematização da prática. A teoria curricular, neste sentido, contribui para

melhoria da compreensão dos fenômenos que se produzem na prática.

Segundo Sacristán (2000, p. 48), esta teoria curricular não é:

Uma teorização que busca o ascético objetivismo, já que deve descobrir os valores,as condutas e as atividades que nela se mesclam; tampouco pode ser neutra, porque,esperando-se um guia para a prática, terá que dizer como esta deve ser e iluminar oscondicionamentos que a obscurecem, para que cumpra com uma série de finalidades.É a condição para que este campo de teorização não seja puro discurso legitimadorde interesses que não se discute.

A prática controladora do professor não permite aos alunos o desenvolvimento da

autonomia discente. É via de mão dupla, a autonomia só é desenvolvida se alicerçada por

momento de reflexão sobre a prática, por meio do diálogo.

O questionamento da falta de autonomia afeta todos aqueles que participam naspráticas curriculares, especialmente os professores e os alunos. É pouco crível queos professores possam contribuir para estabelecer metodologias criadoras queemancipem os alunos quando estes estão sob um tipo de prática altamentecontroladora. É preciso partir de um isomorfismo, necessário entre condições dedesenvolvimento dos alunos nas situações escolares, em certa medida, pelosprofessores. (SACRISTÁN, 2000, p. 48)

47

Sacristán (2000) cita que o currículo pode contribuir para o interesse

emancipatório e nesse sentido deve ser entendido como uma práxis. Ainda que esse autor não

tenha citado Freire, percebo similitudes com a práxis freireana.

Práxis, na visão de Freire ([1996] 2001), é a estreita relação que se estabelece

entre a teoria e a prática educativa, entendendo todo ato do educador como educativo. Nesse

ínterim, a práxis pode ser compreendida como a relação que se estabelece entre o modo de

interpretar a realidade e a vida e a consequente prática que decorre desta compreensão,

levando a uma ação transformadora.

Neste sentido, a práxis opõe-se à ideia de domesticação e alienação, gerando um

processo consciente que conduza a uma ação e, a partir dela, um novo discurso para

modificabilidade da realidade observada.

A conscientização precede a ação, levando à construção de um novo mundo. A

práxis implica um conjunto de ideias capazes de interpretar um dado fenômeno ou momento

histórico que, num segundo momento, constrói um novo enunciado em que o sujeito

posiciona-se para agir sobre essa mesma realidade, modificando-a.

A preocupação pela prática curricular, nesta orientação, dá-se pelas contribuições

críticas sobre a educação, da análise do currículo como objeto social e da prática criada ao

redor deste. Para Sacristán (2000, p. 47), vários fatores contribuíram para que essa orientação

se constituísse:

[...] um certo declive no predomínio do paradigma positivista e suas conseqüênciasna concepção da técnica, o enfraquecimento da projeção exclusivista da psicologiasobre a teoria e a prática escolar, o ressurgimento do pensamento crítico emeducação conduzido por paradigmas mais comprometidos com a emancipação dohomem em relação aos condicionamentos sociais, a experiência acumulada naspolíticas e programas de mudança curricular, a maior conscientização doprofessorado sobre o seu papel ativo e histórico [...]

Os problemas levantados pela realidade educativa e o currículo são de ordem

prática, porque a educação está ligada à práxis. Para Carr e Kemmis (apud SACRISTÁN,

2000, p. 47):

A pesquisa educativa não pode ser definida quanto aos objetivos apropriados àsatividades que se ocupam em resolver problemas teóricos, senão as que têm queoperar dentro do campo de referência dos fins práticos aos quais obedecem asatividades educativas (...) Mais ainda, visto que a educação é uma empresa prática,tais problemas serão sempre problemas práticos, quer dizer, ao contrário dosteóricos, não ficam resolvidos com a descoberta de um novo saber, mas unicamentecom a adoção de uma linha de ação.

A teoria do currículo, nesta perspectiva, considera teoria e prática indissociáveis

48

para melhoria da prática educativa. Ela não é indiferente às complexas determinações de que é

objeto a prática pedagógica, nem ao papel que desempenha nas mudanças escolares e sociais.

As teorizações sobre a questão curricular se diferenciam pelo tipo de

posicionamento, pois eles se traduzirão em sistemas educativos distintos de acordo com a

posição teórica que a escola acredita. A superação da prática pedagógica existente implica

tomar partido por um quadro curricular que sirva de instrumento emancipatório para

estabelecer as bases de uma ação autônoma. Neste ínterim, a teoria ancora a prática, ela que

dá condições de análises das metodologias utilizadas, dos posicionamentos assumidos pelo

educador e escola.

Concordo com o autor quando ele salienta sobre a impossibilidade de o docente

poder oportunizar escolhas ao educando que ele também não possui. O diálogo, a abertura a

novas propostas educativas se consolidam se a instituição à qual pertencem esses professores

oportunizarem momentos de reflexão em que não se imponha nada. Ao contrário, momentos

de ouvidoria docente. A possibilidade de desenvolvimento da autonomia nos alunos estará

imbricada ao próprio desenvolvimento docente desta competência. Neste sentido, a educação

como uma práxis é possibilitadora de emancipação humana, pois se apoia no princípio da

dialogicidade e interdependência entre teoria e prática.

O currículo nessa orientação instrumentaliza a teoria e a prática dos professores,

fazendo-os desempenhar um papel ativo, os quais intervêm na renovação pedagógica,

tornando-se interrogadores reflexivos em sua prática.

Perante a variedade de propostas relacionadas às teorias curriculares é que

Kemmis (1988, apud PACHECO, 2001) formula as teorias técnica, prática e crítica, nas

quais mostra as diferentes perspectivas de entender o currículo e seu processo de

desenvolvimento. Retomo, então, a categorização efetuada por Pacheco.

Ouso localizar a teoria crítica de currículo citada por Kemmis (1988, apud

PACHECO, 2001) ao lado da quarta grande orientação citada por Sacristán (2000), intitulada

o currículo como configurador da prática. Esse viés, como citado anteriormente, pauta-se na

interdependência entre teoria e prática, dando valor significativo às duas ações, já que para

essa concepção a prática é alimentada pelos discursos que se dizem dela. A teoria embasa a

prática pedagógica, mas é na prática que se produzem os problemas relativos à teorização.

Para Pacheco (2005), na teoria crítica o currículo deixa de ser resultado dos

especialistas ou dos professores em sua individualidade, como é na teoria prática e técnica, e

passa a ser uma busca conjunta dos educadores seguindo um viés crítico. Historicamente, ela

apresenta-se como projeto interdisciplinar, partindo do marxismo, como teoria de mudança

49

social, cuja base é a reflexividade e o interesse emancipatório dos agentes.

Nesse sentido, a teoria crítica oportuniza à realidade curricular um olhar sobre o

que estava oculto nas práticas, pois possibilita a visão reflexiva para as diversas relações que

existem quando se pensa nos conteúdos e naquilo que se faz no contexto das organizações

escolares.

As linhas de acção dos actores curriculares são delineadas por forças mais vastas quecontrolam os contextos social, econômico e político, aceitando-se assim, oargumento gramsciniano de que as lutas e conflitos culturais não são superficiais,mas reais e cruciais na batalha da hegemonia. (PACHECO, 2005, p. 92)

A teoria crítica consiste em olhar a possibilidade de transformação da prática em

sua base por meio da orientação para emancipação e o comportamento crítico. Ela oportuniza

aos educadores olharem-se e optarem por qual perspectiva analisar a educação e a escola

como meio de emancipação ou alienação. Mostra aos atores escolares que a escola não é feita

apenas de interesses acadêmicos, mas também ocupa espaço político e econômico.

Estar do lado crítico do currículo é olhar de um modo transformador para as práticascurriculares, sabendo-se da impossibilidade de uma mudança total e da existência demuitos obstáculos, valorizando-se o lado marginal das escolas, cada vez maissubmetidas a uma lógica de curricularização nacional, supranacional e transnacionalem busca de padrões de qualidade, eficiência e eficácia. (PACHECO, 2005, p. 99)

O conhecimento escolar constitui-se por verdades estabelecidas social e

historicamente e a institucionalização da cultura letrada que possui posição política e

econômica, reportando-as às opções da escola na definição de conteúdos e métodos.

O currículo, na perspectiva crítica, não se limita ao interesse burocrático, como na

teoria técnica, pois de acordo com Pacheco (2001) o viés técnico estabelece uma hierarquia,

em que a teoria é que determina a prática. O currículo, na teoria técnica, define-se como

produto, resultado, organização disciplinar. Seu conceito mais corrente está ligado a um plano

de aprendizagem centrado nos conteúdos a serem ensinados e nos objetivos previamente

formulados. Pacheco (2001, p. 37) classifica algumas concepções curriculares dentro da teoria

técnica:

50

Fonte: PACHECO (2001, p. 37)

Pensar o currículo dentro da teoria técnica, segundo Kemmis (1987, apud

PACHECO, 2001), é enxergá-lo sob um discurso científico, uma organização burocrática e

uma ação tecnicista. A prática é determinada pela teoria e não é possível fugir dessa

hierarquia.

Segundo Pacheco (2001), a ação tecnicista e a organização burocrática estão

respaldadas pela ciência que legitima essas características. O autor não dá maiores

explicações do porquê anunciar a ciência com caráter cientificista, apenas acrescenta que a

relação teoria e prática é hierarquizada, aonde a primeira determina a segunda. Analisando a

teoria técnica neste viés, há uma desconsideração pela ciência em seu caráter

problematizador. Ela define o conhecimento de forma estanque, não modificável e distribuído

em disciplinas diferentes.

O currículo, na teoria técnica, é um plano de ação pedagógica que abrange a

definição de educação pretendida, especificação das atividades de ensino, o que acaba

implicando os conteúdos escolhidos e a forma avaliativa aplicada aos alunos.

Além de contrapor-se à Técnica, a Teoria Crítica também não compactua com a

Teoria Prática, porque nesta a legitimidade se dá naquilo que é pragmático. Segundo Pacheco

(2001), na Teoria Prática a resolução dos problemas é realizada pela aplicação dos métodos de

forma deliberativa.

Mais do que um produto ou resultado pretendido, o currículo, para a Teoria

Prática, deve proporcionar um princípio de procedimento para o professor, dado que se

entende como algo em construção ou inacabado ou como uma ferramenta (PACHECO, 2001).

Teoria TécnicaLegitimidade normativaRacionalidade técnicaIdeologia burocrática

Interesse técnicoDiscurso científico

Organização burocráticaAção tecnicista

Teoria → prática

Concepções de Currículo Currículo como produto ou conteúdos organizadosem disciplinas; Currículo como autorrealização dos alunos; Currículo como meio tecnológico ou plano paraaprendizagem.

51

Fonte: PACHECO (2001, p. 40)

Kemmis (1987, apud PACHECO, 2001, p. 38) define a teoria prática “por um

discurso humanista, uma organização liberal e uma prática racional”. Nesse sentido, o

currículo não é definido apenas pelos especialistas curriculares e professores, mas também

pelas condições reais da prática pedagógica, pois se destaca como processo e não como

produto. “Enquanto processo, define-se como uma proposta que pode ser interpretada pelos

professores de diferentes modos e aplicada em contextos diferentes. Neste sentido, o currículo

é uma prática constantemente em deliberação e em negociação”. (PACHECO, 2001, p. 39).

Pacheco (2001, p. 39) ainda apresenta currículo na teoria prática como texto:

Assim, o currículo é um texto produzido para resolver o problema da apresentaçãocom estes quatro sentidos: dos materiais escritos (manuais, livros de texto...) para osalunos; das intenções e orientações programáticas para os professores; da interacçãodidáctica que existe ao nível de sala de aula e que é um texto verbal e não escrito; dainteracção escolar da qual resultam textos não verbais e não escritos.

A Teoria Crítica de Currículo define-se pelo seu interesse emancipatório, sendo

resultado dos interesses de todos que participam das atividades escolares. O que a difere da

Teoria Prática é o conceito de práxis, constituído pela ação e reflexão.

Fonte: PACHECO (2001, p. 40)

Teoria PráticaLegitimidade processual

Racionalidade práticaIdeologia pragmática

Interesse práticoDiscurso humanistaOrganização liberal

Ação racionalTeoria prática

Concepções de Currículo

Currículo como texto; Currículo como projeto; Currículo como hipótese de trabalho.

Teoria CríticaLegitimidade discursiva

Racionalidade comunicativaIdeologia crítica

Interesse emancipatórioDiscurso dialético

Organização participativa,democrática e comunitária

Açãoemancipatória

Teoria prática

Concepções de Currículo

Currículo como práxis; Currículo como ação argumentativa.

52

Para Grundy (1987)18, o currículo precisa ser entendido como uma práxis e seguir

os seguintes princípios:

. precisa ser uma prática, sustentada pela reflexão enquanto práxis, ou seja, por

meio da ação e a reflexão. O currículo não pode apresentar-se apenas como conjunto de

planos a serem desenvolvidos, mas constituído de um processo ativo, onde planejar, agir e

avaliar apresentam-se de forma integrada;

. a formação curricular se dá no mundo real e não na perspectiva idealizada de

aluno ou escola;

. não coexiste com relações autoritárias de professor e aluno, sobrevive na

dialogicidade educativa;

. a práxis oportuniza o entendimento que o conhecimento se constrói histórica e

socialmente, fazendo com que tanto alunos quanto professores tornem-se participantes ativos

na construção de seu próprio conhecimento.

. a práxis oportuniza o ato de construir currículo como ato político, a partir do

momento em que ela traz sentido ao fazer educativo, oportunizando que professores e alunos

questionem sobre o que está sendo ensinado, para quem e o porquê da escolha de alguns

conteúdos em detrimento de outros.

Para Freire[1969] 2006, a práxis caracteriza-se por seu interesse emancipatório,

que busca na educação seu sentido primeiro: a humanização do homem numa ação consciente

para transformação do mundo.

Qualquer que seja, contudo, o nível em que se dá a ação do homem sobre o mundo,esta ação subentende uma teoria. Tal é o que ocorre também com as formas mágicasda ação.Sendo assim, impõe-se que tenhamos uma clara e lúcida compreensão de nossaação, que envolve uma teoria, quer o saibamos ou não. Impõe-se que, em lugar dasimples “doxa” em torno da ação que desenvolvemos, alcancemos o “logos” denossa ação. Isso é tarefa especifica da reflexão filosófica. Cabe a esta reflexãoincindir sobre a ação e desvelá-la em seus objetivos, em seus meios, em suaeficiência.Ao fazê-lo, o que antes talvez não se apresentasse a nós como teoria de nossa ação,se nos revela como tal. E, se a teoria e a prática são algo indicotomizável, a reflexãosobre ação ressalta a teoria, sem a qual a ação (ou a prática) não é verdadeira.(FREIRE [1969] 2006)

Por ser caracterizada pela práxis e seu interesse emancipatório, bem como por

enquadrar-se em muitas ideias marxistas e fenomenológicas (PACHECO, 2001), faço uma

aproximação da Proposta Libertadora de Paulo Freire com a Teoria Crítica de currículo. A

18 GRUNDY, Shirley. Curriculum: produto or práxis? London: The Falmer Press.Citada por Sacristán (2000, p.48) e Pacheco (2001, p. 41).

53

práxis, de acordo com Freire ([1996] 2001), implica a teoria como um conjunto de ideias

capazes de interpretar os fenômenos ou momentos históricos, levando o sujeito a ter

consciência de seu lugar no mundo.

Por outro lado, o homem, que não pode ser compreendido fora de suas relações como mundo, de vez que é um “ser-em-situação”, é também, um ser do trabalho e datransformação do mundo. O homem é um ser da “práxis”; da ação e reflexão.Nestas relações com o mundo, através de sua ação sobre ele, o homem se encontramarcado pelos resultados de sua própria ação.Atuando, transforma; transformando, cria uma realidade que, por sua vez,“envolvendo-o”, condiciona sua forma de atuar.Não, por isto mesmo, possibilidade de dicotomizar o homem do mundo, pois quenão existe um sem o outro. (FREIRE[1969], 2006)

O conhecimento do lugar que o homem ocupa no mundo dá-se pelo fato do pensar

certo que, na visão freireana, acontece pelo ato dialógico.

Pensar certo implica a existência de sujeitos que pensam mediatizados por objeto ouobjetos sobre que incide o próprio pensar dos sujeitos. Pensar certo não é que-fazerde quem se isola, de quem se “aconchega” a si mesmo na solidão, mas um atocomunicante. Não há por isso mesmo pensar sem entendimento o entendimento, doponto de vista do pensar certo, não é transferido mas co-participado. (FREIRE[1996], 2001, p. 41)

O autor considera o homem como um ser de relações, desafiado cotidianamente

pela natureza, transformando-a com seu trabalho. Para Freire ([1996] 2001), a tarefa do

professor que pensa certo não é depositar, transferir ou doar ao outro, agindo como se os

alunos fossem os pacientes do seu pensar, mas portar-se como desafiador de quem se

comunica.

O pensar certo sabe, por exemplo, que não é a partir dele como um dado dado, quese conforma com a prática docente crítica, mas sabe também que sem ele não sefunde aquela. A prática docente crítica, implicante do pensar certo, envolve omovimento dinâmico, dialético, entre o fazer e o pensar sobre o fazer. O saber que aprática docente espontânea ou quase espontânea, “desarmada”, indiscutivelmenteproduz é um saber ingênuo, um saber de experiência feito, a que falta a rigorosidademetódica que caracteriza a curiosidade epistemológica do sujeito. (FREIRE [1996],2001, p. 42-43)

Neste sentido, não é a formação acadêmica que leva o professor a pensar certo ou

não, mas sua atitude diante do conhecimento e como oportuniza a construção deste com seus

alunos. O currículo construído pela práxis ressignifica dia a dia a prática por meio da

teorização e a teoria nada mais é do que a problematização do próprio processo educativo. É

pensando em sua prática que o professorado, em conjunto, busca soluções para a superação

das práticas que constituem o dia-a-dia escolar.

54

O próprio discurso teórico, necessário à reflexão crítica, tem de ser de tal modoconcreto que quase se confunda com a prática. O seu “distanciamento”epistemológico da prática enquanto objeto de análise, deve dela “aproximá-lo” aomáximo. Quanto melhor faça esta operação tanto mais inteligência ganha da práticaem análise e maior comunicabilidade exerce em torno da superação da ingenuidadepela rigorosidade. Por outro lado, quanto mais me assumo como estou sendo epercebo a ou as razões de ser de porque estou sendo assim, mais me torno capaz demudar, de promover-me, no caso, do estado de curiosidade epistemológica. Não épossível a assunção que o sujeito faz de si numa certa forma de estar sendo sem adisponibilidade de mudar. Para mudar e de cujo processo se faz necessariamentesujeito também. (FREIRE [1996], 2001, p. 44)

Pela sua condição ontológica de ser mais, quando o homem reconhece-se em suas

condições de humanização, torna-se sujeito e consegue colocar-se em favor dos oprimidos,

criticando e criando, refletindo e decidindo, dessa forma, transformando a realidade que o

cerca. É uma ação não individualizada, mas em comunidade com seus pares, que também se

assumiram enquanto sujeitos.

Todo ato de pensar exige um sujeito que pensa, um objeto pensado, que mediatiza oprimeiro sujeito do segundo, e a comunicação entre ambos, que se dá através designos lingüísticos. O mundo humano é desta forma, um mundo de comunicação.(FREIRE [1977], 2001, p. 66)

As aulas ministradas, os recursos utilizados dizem muito sobre a concepção de

mundo e homem que o educador tem. O professor que considera os diferentes olhares não se

contenta em descrever o que pensa sobre determinado assunto. Ao contrário, ele medeia as

relações, discute posicionamentos, oportuniza enfrentamentos entre o senso comum e o saber

científico e promove a aquisição de saberes. As metodologias que utiliza poderão ou não

oportunizar a mediação e o debate entre iguais. Serão os processos metodológicos que

poderão determinar ou não o outro do processo educativo. O outro no sentido do saber ou

não-saber. Se a diversidade intelectual for considerada, a chance de exclusão educativa será

menor. Não defendo que qualquer conhecimento seja válido, mas que possam ser levados ao

diálogo, potencializados e reconstruídos, se necessário. O professor tem papel fundamental

nesse processo, o de articulador entre as necessidades educativas e os objetivos propostos em

seus planejamentos. A maneira como são conduzidos esses processos também transmitem a

concepção de currículo que tem tanto o educador quanto a instituição a que este pertence.

Para Freire ([1987] 1996) a educação bancária, ainda muito difundida nas escolas, mantém e

estimula a contradição educacional, pois nela:

a) o educador é o que educa; os educandos, os que são educados;b) o educador é o que sabe; os educandos, os que não sabem;c) o educador é o que pensa; os educandos, os pensados;d) o educador é o que diz a palavra; os educandos, os que escutam docilmente;

55

e) o educador é o que disciplina; os educandos, os disciplinados;f) o educador é o que opta e prescreve sua opção; os educandos, os que seguem aprescrição;g) o educador é o que atua; os educandos, os que tem a ilusão de que atuam, naatuação do educador;h) o educador escolhe o conteúdo programático; os educandos, jamais ouvidos nestaescolha, se acomodam a ele;i) o educador identifica a autoridade do saber com sua autoridade funcional, queopte antagonicamente à liberdade dos educandos; estes devem adaptar-se àsdeterminações daquele;j) o educador, finalmente, é o sujeito do processo; os educandos meros objetos.(FREIRE [1987], 1996, p. 59)

Num outro viés, o de libertação destes educandos, é oportuno pensar nas

determinações feitas por Paulo Freire no sentido contrário. O educando seria aquele que

participa das decisões de conteúdos, pensa, fala e discute suas opções, reconhecendo-se

sujeito do processo educativo. No processo de diálogo não há quem saiba mais ou menos, mas

há sim pessoas com diferentes olhares e possibilidades educativas e com diferentes níveis de

consciência sobre as coisas.

A educação é ato humano e como tal só pode ser vista por meio do diálogo, pois

só o homem pensa, atua e descreve sobre a realidade vista, podendo contestá-la ou não.

Esse pensar, atuar e agir não é ato solitário, ao contrário, realiza-se com a co-

participação de outros homens na construção de uma nova realidade. A educação torna-se

encontro de sujeitos que buscam a significação dos significados. (FREIRE [1977], 2001).

No próximo capítulo me dedicarei a aprofundar as bases da concepção libertadora

de Paulo Freire, em especial sua noção de dialogicidade, curiosidade ingênua/epistemológica

e solidariedade.

56

II. A PROPOSTA LIBERTADORA DE PAULO FREIRE

Nenhuma pedagogia realmente libertadorapode ficar distante dos oprimidos, quer dizer,pode fazer deles seres desditados, objetos deum “tratamento” humanitarista, para tentar,através de exemplos retirados de entre osopressores, modelos para sua “promoção”.Os oprimidos hão de ser o exemplo para simesmos, na luta por sua redenção. (FREIRE[1987] 1996, p. 41)

O presente capítulo explanará a proposta libertadora de Paulo Freire, elencando as

categorias de dialogicidade, curiosidade ingênua/epistemológica e solidariedade com o

objetivo de compará-las com as competências atribuídas ao ideal de aluno do Colégio Marista

de Criciúma, quais sejam, pesquisador, comunicador e solidário.

Para Freire não existe a educação, mas educações, ou seja, formas diferentes de os

seres humanos modificarem-se do que são para o que querem ser. Para o autor, elas podem se

resumir em duas: “bancária” ou “libertadora”.

A bancária, pautada na repetição, estímulo-resposta, torna as pessoas alienadas,

dominadas e oprimidas. A libertadora, ao contrário, oportuniza a conscientização, a

liberdade e a própria hominização.

Para a primeira perspectiva, o conhecimento é resultado do ato de “depositar

conteúdos em ‘consciências ocas’. Quanto mais ativo seja aquele que deposita e mais

passivos e dóceis sejam aqueles que recebem os depósitos, mais conhecimento haverá”

(FREIRE[1969] 2006).

Os docentes praticam uma ou outra educação, não são neutros:

[...] venho aprendendo também quão importante se faz tomar o óbvio como objetode nossa reflexão crítica e, adentrando-nos nele, descobrir que ele não é, às vezes,tão óbvio quanto parece. [...] Daí a ênfase que dou [...] não propriamente à análise demétodos e técnicas em si mesmos, mas ao caráter político da educação, de quedecorre a impossibilidade de sua neutralidade. (FREIRE [1968], 1978, p. 147-148)

Não há como educar na neutralidade. A educação, seja feita de uma forma ou de

outra, estará levando os “educados” a algum lugar. Esse lugar pode ser o que está prescrito

57

nos planos ou não, mas passa pelo fazer político daquele que educa. É o que também afirma

Sacristán (2000):

Falar de neutralidade da educação é expressar uma vontade de mistificação. Comefeito, o educador tem suas próprias ações, e as mais perigosas para uma educaçãoda liberdade são aquelas que se transmitem sob a cobertura da autoridadepedagógica sem reconhecerem-se como opções. Além disso, todo sistema deeducação procede de opções, e imagens, de uma concepção do mundo, dedeterminados modelos de pensamento e de ação que se procura tornar aceitos comomelhores que outros. Quando um tal sistema esconde o aspecto convencional, pode-se dizer, arbitrário, dos esquemas que tem como tarefa fazer assimilar, estáocultando uma prática que contribui, no fundo (as investigações o demonstram),para favorecer os possuidores desta cultura que é a do poder [...] (FREIRE [1979],1980, p. 77-78)

Nas relações entre professor e aluno que se mostram narrativas há a determinação

explícita ou velada sobre quem é o que aprende e quem ensina. O professor explica a

realidade como se ela fosse estática, fragmentada e não passível de mudanças. O ato de

depósito para Freire é o que caracteriza a educação bancária.

Na concepção bancária da educação, o conhecimento é um dom concedido poraqueles que se consideram como seus possuidores àqueles que eles consideram quenada sabem. Projetar uma ignorância absoluta sobre os outros é característica deuma ideologia de opressão. É uma negação da educação e do conhecimento comoprocesso de procura. O professor apresenta-se a seus alunos como seu “contrário”necessário: considerando que a ignorância deles é absoluta, justifica sua própriaexistência. Os alunos, alienados como o escravo na dialética hegeliana, aceitam aignorância como justificativa para a existência do professor, mas diferentemente doescravo, jamais descobrem que eles educam o professor. (FREIRE [1979], 1980, p.79)

A educação bancária reforça as contradições por meio de práticas opressoras, não

oportunizando o diálogo e a troca de saberes. Ao contrário, a educação libertadora traz ao

homem a consciência de sua real situação e proporciona a oportunidade de modificabilidade.

Ao contrário, a educação libertadora pauta-se no diálogo como problematizador

do próprio conhecimento em sua “indiscutível reação com a realidade concreta na qual se gera

e sobre a qual incide, para melhor compreendê-la, explicá-la, transformá-la.”(FREIRE [1969

2006, p. 52)

Nessa perspectiva, os sujeitos não constroem seus conhecimentos sozinhos, mas

em comunhão uns com os outros, pois a coparticipação dos homens no ato de pensar é

estabelecida pelo ato dialógico. A educação libertadora oportuniza a tomada de consciência

que se opera no homem enquanto agem.

Este aprofundamento da tomada de consciência, que se faz através da

58

conscientização, não é, e jamais poderia ser, um esforço de caráter intelectualista,nem tampouco individualista.Não se chega à conscientização por via psicologista, idealista ou subjetivista, comotampouco se chega a ela pelo objetivismo [...].Assim como a tomada de consciência não se dá nos homens isolados, mas enquantotravam entre si e o mundo relações de transformação, assim também somente aípode a conscientização instaurar-se. (FREIRE [1969] 2006).

Freire não coloca a conscientização como poder mágico a ser utilizado para

resolução de todos os problemas, pois sendo vista assim também se constitui como mito. Em

vez disso, ela serve como dimensão de base para a ação reflexiva, por meio da práxis: “[...]

não será demasiado repetirmos, a conscientização, que não pode dar-se a não ser na práxis

concreta, nunca numa práxis que se reduzisse à mera atividade da consciência, jamais é

neutra. Como neutra, jamais pode ser a educação.”(FREIRE [1969] 2006).

O diálogo, dessa maneira apresenta-se importante, porque não dicotomiza a aula

em momentos distintos, atribuindo a um o que sabe e a muitos os que aprendem. É necessário

um esforço por parte do educador que se propõe ao diálogo, porque precisam apropriar-se da

educação em seu sentido amplo e não apenas como memorização de conteúdos.

2.1. Curiosidade ingênua/epistemológica

A prática docente crítica, implicante dopensar certo, envolve o movimento dinâmico,dialético, entre o fazer e o pensar sobre ofazer. O saber que a prática docenteespontânea ou quase espontânea,‘desarmada’, indiscutivelmente produz é umsaber ingênuo, um saber de experiência feito, aque falta a rigorosidade metódica quecaracteriza a curiosidade epistemológica dosujeito (FREIRE, [1996] 2001, p. 43).

A curiosidade é vista por Paulo Freire como necessidade ontológica que

caracteriza o processo de criação e recriação da existência humana, dado seu inacabamento.

Mas apenas quando ultrapassa os limites peculiares do domínio vital que ela torna-se

produtora de conhecimento: “[...] é enquanto epistemologicamente curiosos que conhecemos,

no sentido de que produzimos conhecimento e não apenas mecanicamente o armazenamos na

memória. (FREIRE, 1994a, p. 148)

Para o autor, foi esta capacidade de olhar curiosamente o mundo que tornou os

seres humanos capazes de agir sobre a realidade para transformá-la, transformando

59

igualmente a qualidade da própria curiosidade, de ingênua à epistemológica. Freire ([1964]

2008) afirma que a educação oportuniza e dá sentido aos seres humanos verem-se de acordo

com sua verdadeira vocação.

O conhecimento não é o ato por meio do qual os sujeitos são transformados em

objeto, recebendo de forma dócil e passiva os conteúdos que outro lhe dá ou impõe. Pelo

contrário, exige presença curiosa do sujeito em face do mundo, exigindo sua ação

transformadora sobre a realidade. Implica em invenção e reinvenção.(FREIRE [1969], 2006).

Freire discorre sobre a consciência intransitiva, transitiva ingênua e transitiva

crítica e descreve que para a superação de uma para a outra é imprescindível relações

educativas dialogais. Para isso, a educação pauta-se na reflexão radical sobre a necessidade

ontológica do homem de ser mais, e para isso o sujeito necessita se situar no mundo, sendo

necessária a curiosidade na busca de saber mais para sua própria transformação.

Esse saber não se nutre no sectarismo, no posicionamento fechado pelo

antidiálogo. Ao contrário, é alimentado pela radicalização, que é crítica e criadora:

É que a sectarização é sempre castradora, pelo fanatismo de que se nutre. Aradicalização, pelo contrário, é sempre criadora, pela criticidade que a alimenta.Enquanto a sectarização é mítica, por isso alienante, a radicalização é crítica, poristo libertadora. Libertadora porque implicando o enraizamento que os homensfazem na opção que fizeram, os engaja cada vez mais no esforço de transformaçãoda realidade concreta, objetiva. (FREIRE [1987] 1996, p. 25).

Segundo o autor, a radicalização amplia os horizontes dos sujeitos por apresentar

a eles sua própria libertação, pois não se deixa prender em círculos de segurança, nos quais

aprisione também a realidade e dessa forma impeça a transformação da realidade. Para

Freire([1987] 1996) o homem radical:

Não teme enfrentar, não teme ouvir, não teme desvelamento com ele, de que resultao crescente saber de ambos. Não se sente dono do tempo, nem dono dos homens,nem libertador dos oprimidos. Com eles se compromete, dentro do tempo, para comeles lutar. (FREIRE [1987] 1996, p. 27)

É o posicionamento radical alicerçado no diálogo que oportuniza ao homem a

superação de uma consciência à outra, da instransitiva para a transitiva ingênua e

posteriormente à crítica.

Por intransitividade de consciência, o autor define a condição do ser humano que

está imerso em sua realidade e que ainda não tem a capacidade de objetivá-la. É o grau de

consciência característico de sociedades fechadas, cujos sujeitos não ultrapassam o horizonte

biológico.

60

Uma comunidade preponderantemente “intransitivada” em sua consciência, como oera a sociedade “fechada” brasileira, se caracteriza pela quase centralização dosinteresses do homem em torno da formas mais vegetativas de vida. Quase queexclusivamente pela extensão do raio de captação a essas formas de vida. Suaspreocupações se cingem mais no que há nele de vital, biologicamente falando. Falta-lhe teor de vida em plano mais histórico. [...] Esta forma de consciência representaum quase incompromisso entre o homem e sua existência. (FREIRE [1964], 2008, p.67)

Mas, potencialmente dotada de força de transcendência, a consciência humana

continua aberta, podendo superar gradativamente a intransitividade e ampliar seu campo de

percepção. Na medida em que o homem amplia o seu poder de captação e dê respostas às

questões que partem de seu contorno e aumenta o seu poder de dialogação, o que era

intransitivo deixa de ser e torna-se transitivo, pois seus interesses abrangem mais do que

apenas a questão vital.

Ao contrário da intransitiva, a consciência transitiva ingênua percebe a

contradição social, mas ainda se move nos limites do conformismo, adotando explicações

fabulosas para os fenômenos. Não se arrisca na investigação das causas verdadeiras, portanto,

não tem capacidade de pensar autonomamente, buscando a modificabilidade social. Por ser

uma consciência dependente, responsabiliza os outros e as instituições por sua situação.

Isso significa que a consciência transitiva não é imediatamente, nemnecessariamente, crítica. No primeiro momento do transito ela ainda é ingênua,caracterizando-se pela interpretação simplificadora dos problemas e por imaginarque o passado foi melhor do que o presente, além de subestimar a si mesma. Aconsciência transitiva ingênua tende ao gregarismo e à massificação. Pelo fato desatisfazer-se com explicações fabulosas e conduzir-se pela emoção, ela temdificuldades para o diálogo, para a argumentação racional e, com freqüência,mostra-se irracionalmente sectária e fanatisma. (KRONBAUER, 2008, p. 98)

Por meio do diálogo, a consciência pode elevar-se à condição de consciência

crítica, que se caracteriza pela profundidade com que interpreta os problemas e pelo

engajamento sociopolítico. É a prática do diálogo que leva à reflexão, à curiosidade e é por

meio dele que se recebe o novo, “não apenas porque novo e pela não-recusa ao velho, só

porque velho, mas pela aceitação de ambos, enquanto válidos. Por se inclinar sempre a

argüições”.(FREIRE [1964], 2008, p. 70).

Para Freire, a posição transitivamente crítica:

[...] implica num retorno à matriz verdadeira da democracia. Daí ser transitividadecrítica característica dos autênticos regimes democráticos e corresponder a formasde vida altamente permeáveis, interrogadoras, inquietas e dialogais, em oposição aformas de vida “mudas”, quietas e discursivas [...] (FREIRE [1964], 2008, p. 70)

61

A prática democrática torna-se necessária dentro e fora da escola para que se

atinja esse tipo de consciência e para que o que é apenas ato curioso, próprio da condição

ontológica do homem, torne-se curiosidade epistemológica. A superação dos indivíduos se

concretiza pela própria superação educativa, pois uma educação que se diz neutra, como o faz

o bancarismo, não problematiza o homem diante do mundo porque não possui esse

compromisso.

Mas, a curiosidade epistemológica – a que, tomando distância do objeto, dele se“aproxima” com ímpeto e o gosto de desvelá-lo. E essa curiosidade fundamentalainda não basta. É preciso que, servindo-nos dela, que nos “aproxima” do texto paraseu exame, a ele nos demos também ou a ele nos entreguemos. Para isso, énecessário que evitemos igualmente outros medos que o cientificismo nos inoculou.O medo, por exemplo, de nossos sentimentos, de nossas emoções, de nossos desejos,o medo de que ponham a perder nossa cientificidade. O que eu sei, sei com meucorpo inteiro: com minha mente crítica mas também com meus sentimentos, comminhas intuições, com minhas emoções. O que eu não posso é parar satisfeito aonível dos sentimentos, das emoções, das intuições. Devo submeter os objetos deminhas intuições a um tratamento sério, rigoroso mas nunca desprezá-los. (FREIRE[1987] 1997, p. 42-43)

No entender de Freire, a curiosidade epistemológica é aquela que, ao viabilizar a

tomada de distância do objeto, transcendendo seus limites de cotidianeidade, pode produzir

conhecimento.

É que o processo de aprender, em que historicamente descobrimos que era possívelensinar como tarefa não apenas embutida no aprender, mas perfilada em si, comrelação a aprender, é um processo que pode deflagrar no aprendiz uma curiosidadecrescente, que pode torná-lo mais e mais criador. O que quero dizer é o seguinte:quanto mais criticamente se exerça a capacidade de aprender tanto mais se constrói edesenvolve o que venho chamando “curiosidade epistemológica”, sem a qual nãoalcançamos o conhecimento cabal do objeto. (FREIRE [1997] 2001, p. 27)

Nesse sentido, a curiosidade epistemológica não é qualquer curiosidade, mas é a

que está aliada ao difícil, mas prazeroso, ato de estudar. Ela é própria da consciência crítica,

desenvolvendo-se num processo de conscientização. Para promoção de uma curiosidade à

outra, ingênua à epistemológica, é preciso rigorosidade metódica, representando um desafio

aos educadores, pois no dia-a-dia de sala de aula, é necessário fomentar o desejo de aprender.

Ao teorizar uma proposta de educação voltada à problematização, Freire ([1987]

1996) destaca que a libertação não consiste em uma doação às camadas dominantes, mas

concretiza-se como resultado da construção da consciência. De acordo com o autor, a

educação bancária pauta-se na narração alienada e alienante sob a perspectiva de educar para

submissão, ou crença de uma realidade estática. No bancarismo, trabalha-se com a perspectiva

de um sujeito acabado, concluso e a educação legitima um currículo pautado na verticalidade.

62

A educação, neste sentido (SARTORI, 2008, p. 152): “[...] inibe o poder de criar próprio dos

educandos, camuflando qualquer possibilidade de refletir acerca das contradições e dos

conflitos emergentes do cotidiano em que se insere a escola, o aluno”.

O bancarismo subordina educador e educando, reprimindo a curiosidade e

desestimulando a capacidade de desafiar-se, tornando o educando sujeito passivo e

impossibilitando-o de atingir a curiosidade epistemológica que:

[...] não é qualquer curiosidade, mas é a que está ligada ao difícil, mas prazeroso, atode estudar. É a própria consciência crítica e se desenvolve no processo deconscientização. A promoção da curiosidade ingênua à curiosidade epistemológicarequer o desenvolvimento da rigorosidade metódica e representa um desafio àformação de educadores/as. (FREITAS, 2008, p. 118)

Para a superação da curiosidade ingênua faz-se necessária uma educação

problematizadora, pois está fundada na crença da humanização dos educadores e dos

educandos. Em razão disso, a função do educador que problematiza os conteúdos ensinados é

a de possibilitar aos educandos condições para que ocorra a superação do conhecimento de

um nível a outro.

Quanto mais se problematizam os educandos, como seres no mundo e com o mundo,tanto mais se sentirão desafiados. Tão mais desafiados, quanto mais obrigados aresponder ao desafio. Desafiados, compreendem o desafio na própria ação de captá-lo. Mas, precisamente porque captam o desafio como um problema em suasconexões com os outros, num plano de totalidade e não como algo petrificado, acompreensão resultante tende a tornar-se crescentemente crítica, por isso, cada vezmais desalienada. (FREIRE [1987], 1996, p.70)

Freire ([1964] 2008) afirma que o educador precisa optar a educação pretendida.

Esta opção pode ser para a alienação ou libertação de si e dos educandos. Sua capacidade

criadora e criativa desenvolve-se por meio das problematizações as quais está submetido e

submete os educandos. Submissão não de autoridade, mas de parceria, de troca de saberes e

perspectivas. Para o autor, o poder de decisão do ser humano é desenvolvido na medida em

que ele o exerce.

2.2. Princípio ontológico da dialogicidade

Ditamos idéias. Não trocamos idéias.Discursamos aulas. Não debatemos oudiscutimos temas. Trabalhamos sobre oeducando. Não trabalhamos com ele.Impomos-lhe uma ordem a que ele não adere,mas se acomoda. Não lhe propiciamos meios

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para o pensar autêntico, porque recebendo asfórmulas que lhe damos, simplesmente asguarda. Não as incorpora porque aincorporação é o resultado de busca de algoque exige, de quem tenta, o esforço derecriação e de procura. Exige reinvenção.(FREIRE [1964], 2008, p. 104-105)

Para Freire ([1987] 1996), as relações entre educador e educando na prática

bancária são determinadas por sua característica narrativa/dissertativa, apresentando um

caráter como “algo quase morto” e tendendo à “petrificação”.

A realidade não é estática e, por não possuir esta característica, não há como

explorá-la de forma compartimentada sem experenciar diferentes perspectivas, tanto de

educandos quanto de educadores. Freire ([1987] 1996) propõe uma educação voltada à

dialogicidade, definindo-a essência da educação como prática da libertação, descrita na ação e

reflexão dos homens sobre o mundo, para juntos transformá-lo. A relação professor x aluno,

citada pelo autor como bancária, dá-se pelo fato de os educadores tratarem os educandos

como recipientes vazios que precisam ser cheios pelos conteúdos escolares.

Conteúdos que são retalhos da realidade desconectados da totalidade em que seengendram e em cuja visão ganhariam significação. A palavra, nestas dissertações,se esvazia da dimensão concreta que devia ter ou se transforma em palavra oca, emverbosidade alienada e alienante. Daí que seja mais som que significação e, assim,melhor seria não dizê-la. (FREIRE [1987], 1996, p. 57)

Os conteúdos dentro dessa realidade tornam-se ocos por não apresentarem

significados que os legitimem, eles existem apenas para preencher um quadro de conteúdos

que terão que ser trabalhados para que o ano letivo possa ser convincente. Nesta

perspectiva, há um que ensina e muitos que apenas aprendem.

A certificação de que os conteúdos foram aprendidos se dá por meio dos

extratos denominados “avaliação”, que provarão o que o aluno aprendeu ou deixou de

aprender.

Em lugar de comunicar-se, o educador faz “comunicados” e depósitos que oseducandos, meras incidências, recebem pacientemente, memorizam e repetem. Eisaí a concepção “bancária” da educação, em que a única margem de ação que seoferece aos educandos é a de receberem os depósitos, guardá-los e arquivá-los.Margem para serem colecionadores ou fichadores das coisas que arquivam. Nofundo, porém, os grandes arquivados são os homens nesta (na melhor das hipóteses)equivocada concepção “bancária” da educação. Arquivados, porque fora da busca,fora da práxis, os homens não podem ser. Educador e educandos se arquivam namedida em que, nesta distorcida visão de educação, não há criatividade, não hátransformação, não há saber. Só existe saber na invenção, na reinvenção, na busca

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inquieta, impaciente, permanente, que os homens fazem no mundo, com o mundo ecom os outros. Busca esperançosa também. (FREIRE [1987], 1996, p. 58).

Na negação das trocas de conhecimento professor/aluno, aluno/aluno a escola

acaba não oportunizando o exercício do diálogo, e deixando de formar agentes

comunicadores. A sala de aula perde a oportunidade de trabalhar com a riqueza das

contradições pelo fato de ficar apenas nas certezas, comunicadas verticalmente, não

promovendo uma relação horizontal entre professores e alunos.

Para Freire ([1987] 1996), a educação bancária contribui para a

“domesticação” pelo fato de não discutir, nem problematizar, e apenas legitimar as

verdades estabelecidas. A falta de diálogo apenas incentiva os educandos a acreditarem

que existe uma única perspectiva válida para cada conteúdo aprendido.

Para o professor que acredita numa concepção bancária é impossível utilizar o

diálogo, já que este é “[...] uma relação horizontal de A com B [...] Nutre-se do amor, da

humildade, da esperança, da fé, da confiança” (FREIRE [1964], 2008, p. 115).

É por essa razão que o autor afirma que só o diálogo consegue comunicar algo,

pois é por meio dele que se instala uma relação de simpatia que permite tanto o educando

quanto o educador a educarem-se mutuamente.

“O diálogo é, portanto, o indispensável caminho”, diz Jaspers, “não somente nasquestões vitais para nossa ordenação política, mas em todos os sentidos do nossoser. Somente pela virtude da crença, contudo, tem o diálogo estímulo e significação:pela crença no homem e nas suas possibilidades, pela crença de que somente chegoa ser eu mesmo quando os demais cheguem a ser eles mesmos”. (FREIRE [1964],2008, p. 116)

Para Freire ([1987] 1996), a dialogicidade é a essência da educação como prática

da liberdade, valor máximo da educação problematizadora. Diálogo implica pronunciar a

palavra, e esta traz consigo as dimensões mutuamente implicadas de ação e reflexão. “Não há

palavra verdadeira que não seja práxis. Daí que dizer a palavra verdadeira seja transformar o

mundo” (FREIRE [1987], 1996, p. 77). Porque a vocação ontológica do homem é “ser mais”,

“existir, humanamente, é pronunciar o mundo, é modificá-lo. O mundo pronunciado, por sua

vez, se volta problematizado aos sujeitos pronunciantes, a exigir deles novo pronunciar”

(FREIRE [1987], 1996, p. 78). Assim, todos podem dizer a palavra, porque é condição da

existência humana, e não privilégio de alguns. “Precisamente por isto, ninguém pode dizer a

palavra verdadeira sozinho, ou dizê-la para os outros, num ato de prescrição, com o qual

rouba a palavra aos demais” (FREIRE [1987], 1996, p. 78). Desta forma, “o diálogo é este

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encontro dos homens, mediatizados pelo mundo, para pronunciá-lo [...]”, e pelo diálogo, os

homens ganham significado enquanto homens, sendo-lhe uma exigência existencial. (FREIRE

[1987], 1996, p. 78).

Freire parte da concepção fenomenológica de intencionalidade da consciência

para demonstrar que o mundo não está dentro do homem, ele é externo a ele, a consciência se

relaciona com o mundo, pois é sempre consciência de algo, que está fora dela mesma,

portanto, a consciência transcende ao homem. De outro lado, o inacabamento do homem o

situa sempre como um ser em construção. Homem e mundo são inacabados e, numa

perspectiva materialista histórica, dialeticamente implicados, uma vez que o homem constrói

o mundo no exato movimento de se construir e vice-versa. O homem, inacabado, é construtor

da história e com o mundo externo a ele se relaciona com o mundo. É sua vocação ontológica

o ser mais, no sentido de humanizar-se, situar-se no mundo e superar-se.

Mas ele não faz isso isoladamente, e sim, em comunhão com outros homens, que

têm a mesma condição dele. Por isso o diálogo é o encontro dos homens mediatizados pelo

mundo. Nesse sentido, impedir o diálogo é desumanizar o homem. A educação

problematizadora é aquela pautada na dialogicidade, na comunhão dos homens para entender

e modificar o mundo, necessariamente dependente da palavra de todos os envolvidos no

processo educativo, onde a polaridade educador e educando dá lugar ao educador-educando e

ao educando-educador. Ao contrário da “educação bancária”, em que não há diálogo, pois há

um entendimento de que a palavra só pode ser pronunciada por quem “tem algo a dizer”,

neste caso, o educador, que “deposita” no educando a palavra verdadeira. A conscientização

implica, então, a perene leitura e ação sobre o mundo, atingindo-se formas críticas de

enxergá-lo e de se posicionar, alcançada em situação de diálogo.

Freire diz, no entanto, no livro que escreveu no início da ditadura militar

(Educação com prática da liberdade), que o Brasil tem uma história antidemocrática, ou seja,

desde os tempos coloniais, passando pela República e chegando ao Golpe Militar, o Brasil

não viveu experiências hegemônicas de democracia, e sim, num contexto de uma cultura do

silêncio, avessa, portanto, ao diálogo. Como veremos adiante, o Brasil estaria em um estado

de transitividade ingênua, isto significando que já teria ultrapassado a intransitividade, mas

ainda não teria chegado à transitividade crítica. Por isso, é necessário promover experiências

de diálogo, para que as pessoas possam se vivenciar nele, e assim possam enxergar o mundo

de outra forma e a si mesmas com outras possibilidades.

Para encontrar a essência do diálogo, segundo Freire ([1987] 1996, p. 7), é

necessário entendermos seus elementos constitutivos, e nessa busca o autor revela duas

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dimensões: a ação e a reflexão que são indissociáveis “Não há palavra verdadeira que não

seja práxis”.

Para que seja verdadeira, a palavra precisa ser autêntica e estar colocada com a

ação, o que significa ter significado primeiro para quem a diz. De outra forma é mero

“verbalismo”. Ela compromete-se com a transformação do que é dito porque já foi

transformada, também denunciando a alienação. Por outro lado, a ação sem a palavra

torna-se ativismo e impossibilita o diálogo porque não é produzida na práxis. Para Freire

([1987] 1996), tanto o ativismo quanto o verbalismo legitimam sua matriz, baseada na ação

e palavração por elas mesmas, sem compromisso entre ambas.

Existir humanamente para Freire ([1987] 1996, p. 78) é pronunciar o mundo, ver-

se nele e ser dele participante como sujeito de transformação. “O mundo pronunciado, por sua

vez, se volta problematizado aos sujeitos pronunciantes, a exigir deles novo pronunciar”.

Dizer a sua palavra, expressar por meio do diálogo seu texto é direito de todos.

Por isso, como já apontado, a palavra não é dita sozinha, mas com os outros. Para o autor,

dizer a sua palavra não é roubar de outros, mas dizer com os outros aquilo que precisa ser

dito. O diálogo não se limita a eu-tu, mas é comunhão entre nós-eles e com o mundo, que

precisa ser modificado.

Para que haja diálogo, é necessário que não exista relação de dominação entre os

que dialogam, pois, se assim for, o que existe não é diálogo e, sim, palavração.

Esta é a razão por que não é possível o diálogo entre os que querem a pronúncia domundo e os que não a querem; entre os que negam aos demais o direito de dizer apalavra e os que se acham negados deste direito. É preciso primeiro que, os queassim se encontram negados no direito primordial de dizer a palavra, reconquistemesse direito, proibindo que este assalto desumanizante continue”. (FREIRE [1987]1996, p. 79)

Para Freire ([1987] 1996), é dizendo sua palavra que os homens humanizam-se e é

o diálogo que proporciona esse caminho, tornando-se exigência existencial. Portanto, dialogar

não se constitui no ato de trocar ideias ou depositar no outro aquilo que eu penso ser verdade,

mas ao contrário, é ato de busca solidária, consistente e que se compromete com o mundo.

A conquista por meio do diálogo, elencada pelo autor, é encontro de criação, feito

pelos homens e para eles. É o diálogo que permite ao homem olhar o mundo e sua existência

como processo e realidade inacabada e que se modifica constantemente. A possibilidade

dialógica permite repensar a vida em sociedade, oportunizando o direito de assumirmos nossa

posição diante do que vemos.

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O compromisso do ato dialógico é encharcado de amor, que, para Freire,

materializa-se no sentido de compromisso com o outro, que acontece cheio de solidariedade,

no viés da doação de si e humildade, que não significa submissão, mas possibilidade de ouvir

o que o outro tem a dizer. Tendo amor, não há relação de dominação, pois esse sentimento

compactua apenas com a libertação da opressão.

Somente com a supressão da situação opressora é possível restaurar o amor que nelaestava proibido.Se não amo, o mundo, se não amo a vida, se não amo os homens, não me é possívelo diálogo.Não há, por outro lado, diálogo, se não há humildade. A pronúncia do mundo, comque os homens o recriam permanentemente, não pode ser um ato arrogante.O diálogo, como encontro de homens para a tarefa comum de saber agir, se rompe,se seus pólos (ou um deles) perdem a humildade. (FREIRE [1987] 1996, p. 80)

Não há, para o autor, sábios ou ignorantes absolutos, mas homens, que

mediatizados pelo mundo, transformam e são transformados uns com os outros. Para que

ocorra esse processo é necessária humildade de reconhecer que o outro é um ser de doação,

pois todos dizem algo do lugar em que estão.

Além do amor e da humildade, Freire cita que para que haja diálogo é preciso ter

fé nos homens, pois se não se vê possibilidade de mudança nos homens e no mundo não há

diálogo, pois pressupondo que não haverá modificabilidade não se intensifica o ouvir e o dizer

a sua palavra.

O homem dialógico tem fé nos homens antes de encontrar-se frente a frente comeles. Esta, contudo, não é uma ingênua fé. O homem dialógico, que é crítico, sabeque, se o poder de fazer, de criar, de transformar, é um poder dos homens, sabetambém que podem eles, em situação concreta, alienados, ter este poder prejudicado.Esta possibilidade, porém, em lugar de matar no homem dialógico a sua fé noshomens, aparece a ele, pelo contrário, como um desafio, ao qual tem de responder.Está convencido de que este poder de fazer e transformar, mesmo que negado emsituações concretas, tende a renascer. Pode renascer. Pode constituir-se. Nãogratuitamente, mas na e pela luta por sua libertação. Com a instalação do trabalhonão mais escravo, mas livre, que dá a alegria de viver. (FREIRE [1987] 1996, p. 81)

Para o autor, se não houver fé nos homens, o diálogo é uma farsa, pois se

transforma em “manipulação adocicadamente paternalista”. (FREIRE [1987] 1996, p. 81)

Fundado no amor, humildade e fé nos homens, o diálogo inspira confiança e faz-

se numa relação horizontal. Essa confiança implica o testemunho que o sujeito dá aos outros

sobre suas reais intenções e só pode existir se a palavra coincide com os atos daquele que quer

se comunicar.

Além do amor, da humildade e fé, o diálogo é também composto de esperança,

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pois esta reside na própria imperfeição dos homens, “levando-os a eterna busca”.

O desespero é uma espécie de silêncio, de recusa do mundo, de fuga. No entanto adesumanização que resulta da “ordem” injusta não deveria ser uma razão de perdada esperança, mas, ao contrário, uma razão de desejar ainda mais, e de procurar semdescanso, restaurar a humanidade esmagada pela injustiça. (FREIRE [1987] 1996, p.82)

A esperança que o autor destaca não é inerte e não produz encontros estéreis,

mas uma esperança que luta para a emancipação humana.

A esperança é, para o autor, necessidade ontológica e imperativo excepcional e

histórico. A desesperança, ao contrário, é a esperança que perdeu a razão de ser. O que

Freire propõe é que o educador cuide da esperança para que não vire desesperança, já que

ela é geradora de uma realidade distinta. A esperança precisa estar vinculada à criticidade,

pois é a crítica que não permite uma esperança ingênua.

Freire ([1987] 1996) acrescenta como essência ao verdadeiro diálogo a

criticidade que reconhece nas singularidades humanas a riqueza de saberes e a

“inquebrantável solidariedade”. Esse pensar crítico entende a realidade como processo e

opõe-se ao pensar ingênuo que se acomoda diante do tempo histórico como se fosse

estático.

Somente o diálogo, que implica um pensar crítico, é capaz também de gerá-lo.

Sem ele não há comunicação e sem esta não há verdadeira educação. A queoperando superação da contradição educador-educandos, se instaura como situaçãognosiológica, em que os sujeitos incidem seu ato cognoscente sobre o objetocognoscível que os metiatiza. (FREIRE [1987], 1996, p. 83)

Para que haja diálogo é necessária rigorosidade metodológica também. O

educador não inicia o diálogo ao se encontrar com o educando dentro ou fora de sala de

aula. O conteúdo do diálogo nasce bem antes desse encontro e é fruto da reflexão do

educador que o propõe. Sob uma proposta dialógica, a organização se dá para promoção do

diálogo e não pela necessidade de saber sobre o que se irá dissertar.

Na educação bancária, o dissertador programa antes para poder explicar “tudo”

sem esquecer de nenhum tópico. Não há perguntas a serem respondidas no ato pedagógico,

pois o educador já as respondeu antes mesmo de iniciar sua aula. Para o educador bancário,

o conteúdo programático da educação é uma doação sua a outros.

Nosso papel não é falar ao povo sobre a nossa visão de mundo, ou tentar impô-la a

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ele, mas dialogar com ele sobre a sua e a nossa. Temos de estar convencidos de quea sua visão do mundo, que se manifesta nas várias formas de sua ação, reflete a suasituação no mundo, em que se constitui. A ação educativa e política não podeprescindir do conhecimento crítico dessa situação, sob pena de se fazer “bancária”ou de pregar no deserto. (FREIRE [1987] 1996, p. 87)

É por meio da realidade mediatizadora que o educador escolhe os conteúdos

sobre os quais irá dialogar. É por meio do diálogo que os saberes podem ser

democratizados. Em seu discurso sobre a alfabetização popular, Freire traça linhas que

podem ser utilizadas em todas as escolas. Seu olhar dá condições de ampliação das

capacidades não apenas relacionadas à cultura, mas à própria experiência humana,

vivenciada sob diferentes perspectivas.

A educação bancária legitima a contradição social, pois é determinista em seus

preceitos. Ela é ato de depósito e transferência promovendo a cultura do silêncio. Em

contrapartida, a educação dialógica dá espaço a trocas de saberes e liberta o indivíduo para

que ele encontre seu lugar no mundo.

O diálogo enfatizado por Freire encontra-se num viés crítico, pois propõe a

problematização do dado, fechado, dito verdadeiro. A problematização nasce do diálogo,

na escuta, uma vez que se entende o ser humano como aquele que precisa ser ouvido e

considerado.

Não é fácil promover o diálogo num lugar de caráter discursivo como a escola.

A educação “bancária”, em cuja prática se dá a inconciliação educador-educandos,rechaça este companheirismo. E é lógico que sejam assim. No momento em que oeducador “bancário” vivesse a superação da contradição já não seria “bancário”. Jánão faria depósitos. Já não tentaria domesticar. Já não preescreveria. Saber com oseducandos, enquanto estes soubessem com ele, seria sua tarefa. Já não estaria aserviço da desumanização. A serviço da opressão, mas a serviço da libertação.(FREIRE [1987], 1996, p. 62)

O bancarismo não se dá por culpa do professor, mas promovido pelo modelo escolar.

O educador não pode imprimir modelos educacionais distanciados da concepção na qual a

escola acredita. Nem todos os aspectos da educação bancária são explícitos, alguns

apresentam aparência de neutralidade, pois é próprio da educação bancária parecer assim.

O antidiálogo, por exemplo, pode não ser discursivo, mas acontecer na prática, passando

uma impressão de que os homens apenas estão no mundo como espectadores descartando

seu caráter histórico e a historicidade dos homens. O diálogo é o contrário disto:

Por isto mesmo é que os reconhece como seres que estão sendo, como seres

70

inacabados, inconclusos, em e com uma realidade que, sendo histórica também, éigualmente inacabada. Na verdade, diferentemente dos outros animais, que sãoapenas inacabados, mas não são históricos, os homens se sabem inacabados. Têm aconsciência de sua inconclusão. Aí se encontram as raízes da educação mesma,como manifestação exclusivamente humana. Isto é, na inconclusão dos homens e naconsciência que dela têm. Daí que seja a educação um quefazer permanente.Permanente, na razão da inconclusão dos homens e do devir da realidade. (FREIRE[1987], 1996, p. 72-73)

Vista desta maneira, a educação se refaz na práxis e sua duração se dá no “jogo

dos contrários permanência-mudança” (FREIRE [1987], 1996). Ela opõe-se à ideia de

permanência porque reforça a mudança por meio do diálogo.

A práxis contraria a domesticação e alienação e gera um processo de atuação

consciente que conduz a um discurso sobre a realidade para modificá-la. A conscientização

gera ações que levam à construção de outro mundo conceitual em que o homem torna-se

sujeito e passa a atuar no mundo em que está inserido. A práxis caracteriza-se como um

conjunto de ideias capazes de interpretar um momento histórico ou um dado fenômeno,

que, posteriormente, torna-se outro enunciado, em que o indivíduo profere sua palavra

sobre o que vê e passa a agir para transformação dessa mesma realidade e essa ação

potencializa um novo pensar. A partir do instante em que alguém se conscientiza de seu

lugar no mundo, sua transformação torna-se possível.

Neste ínterim, o ato educativo torna o educando dono de sua palavra, pois é

ação de libertação de consciência, que posteriormente torna-se libertação social, gerada por

um pensamento dinâmico presente numa sociedade também em devir permanente.

2.3. Solidariedade

Se, na verdade, o sonho que nos anima édemocrático e solidário, não é falando aosoutros, de cima para baixo, sobretudo, comose fôssemos os portadores da verdade a sertransmitida aos demais, que aprendemos a‘escutar’, mas é ‘escutando’ que aprendemos a‘falar com eles’. Somente quem escutapaciente e criticamente o outro, fala ‘com ele’,mesmo que, em certas condições, precise defalar a ele. (FREIRE [1996] 2001, p. 127-128)

Para Freire ([1987] 1996), ser solidário não é praticar o assistencialismo, mas uma

atitude radical diante das diferenças sociais. A solidariedade baseada somente na prática

71

assistencialista transforma a pessoa em objeto passivo, sem possibilidade de participar do

processo de sua própria (re) construção.

Opúnhamos a estas soluções assistencialistas, ao mesmo tempo em que nãoaceitávamos as demais, porque guardavam em si um dupla contradição. Emprimeiro lugar, contradiziam a vocação natural da pessoa - a de ser sujeito e nãoobjeto, e o assistencialismo faz de quem recebe a assistência um objeto passivo, sempossibilidade de participar do processo de sua própria recuperação. Em segundolugar, contradiziam o processo de “democratização fundamental” em que estávamossituados.(FREIRE [1964] 2008, p. 65)

Para o autor, o perigo desse assistencialismo está na violência de seu antidiálogo,

que impõe ao homem mutismo e passividade, não lhe oferecendo oportunidade de possuir

consciência crítica. Ao contrário, a solidariedade implica, todavia, descobrir-se, por vezes,

como opressor:

Descobrir-se na posição de opressor, mesmo que sofra por este fato, não é aindasolidarizar-se com os oprimidos. Solidarizar-se com estes é algo mais que prestarassistência à trinta ou a cem, mantendo-os atados, contudo, à mesma posição dedependência. Solidarizar-se não é ter a consciência de que explora e “racionalizar”sua culpa paternalisticamente. A solidariedade, exigindo de quem se solidariza que“assuma” a situação de com quem se solidarizou, é uma atitude radical. (FREIRE[1987] 1996, p. 36)

Para Freire ([1987] 1996) há formas diferentes de solidariedade que são

condicionadas pelo contexto sócio-histórico. No caso da estrutura econômica que se formou

sob o domínio do trabalho escravo, as disposições mentais e de relações humanas

desenvolvidas resultaram em formas de solidariedade privadas. As condições culturais não

foram favoráveis para desenvolver uma solidariedade relacionada com uma cultura do

público, política. Ao contrário, a solidariedade foi desenvolvida com submissões e mutismos,

ajustamentos e acomodações hierarquizadas, onde o rico doa algo material ao pobre.

A solidariedade política e social é resultado de um processo educativo de

desenvolvimento de disposições e exercício prático de participação, de diálogo com

responsabilidade e que combina com uma sociedade radicalmente democrática pautada numa

educação libertadora, que contribui e amplia a vivência de solidariedade, ao mesmo tempo em

que torna o ambiente propício para o processo educativo democrático e solidário. Esse tipo de

solidariedade não hierarquiza valores sociais ou políticos, mas promove a doação recíproca,

pois todos têm algo a oferecer.

A verdadeira solidariedade consiste em estar com os oprimidos lutando na

transformação da realidade objetiva. Ela é identificada no opressor quando seu gesto deixa de

ser individual e passa a ser ato coletivo.

72

Quando, para ele, os oprimidos deixam de ser uma designação abstrata e passam aser os homens concretos, injustiçados e roubados. Roubados na sua palavra, por issono seu trabalho comprado, que significa a sua pessoa vendida. Só na plenitude desteato de amar, na sua existencialização, na sua práxis, se constitui a solidariedadeverdadeira. Dizer que os homens são pessoas e, como pessoas são livres, e nadaconcretamente fazer para que esta afirmação se objetive, é uma farsa. (FREIRE[1987] 1996, p. 36)

Ser solidário, nessa perspectiva, é estar com outros na busca da mudança social. É

perceber-se opressor ou oprimido e, em conjunto, modificar essa realidade, visto que não

pode ser modificada se não reconhecida. O homem se solidariza porque possui uma vocação

para humanização. Assim, quando percebe que seu semelhante está numa condição de

negação ontológica de “ser mais” necessita fazer algo para modificar essa situação.

O reconhecimento de sua condição necessita estar acompanhado da ação para que

se concretize a realidade imaginária.

Por isso, inserção crítica e ação já são a mesma coisa. Por isto também é que o meroreconhecimento de uma realidade que não leve a esta inserção crítica (ação já) nãoconduz a nenhuma transformação da realidade objetiva, precisamente porque não éreconhecimento verdadeiro. (FREIRE [1987] 1996, p. 38)

A solidariedade é demonstrada por atitudes não pontuais, apenas de ajuda

econômica. Embora essas atitudes também sejam importantes, elas não provocam a

modificação social. Ela pode ser demonstrada pela luta na humanização do mundo, utilizando

a esperança como mola propulsora no potencial dos seres humanos em modificar a si mesmos

e a sociedade em que estão.

No próximo capítulo apresentarei a noção de currículo e o ideal de aluno do

Colégio Marista de Criciúma, contrapondo com a visão de currículo enunciada por Sacristán

(2000) e Pacheco (2001) e as categorias freireanas descritas no presente capítulo.

73

III. O ALUNO PESQUISADOR, COMUNICADOR E SOLIDÁRIO

Precisamos aprender a compreender asignificação de um silêncio, ou de um sorrisoou de uma retirada da aula. O tom menoscortês com que foi feita uma pergunta. Afinal,o espaço pedagógico é um texto para serconstantemente “lido”, interpretado,“escrito” e “reescrito”. Neste sentido, quantomais solidariedade exista entre o educador eos educandos no “trato” desse espaço, tantomais possibilidades de aprendizagemdemocrática se abrem na escola. (FREIRE[1996] 2001, p. 109)

O presente capítulo trata da pesquisa documental e empírica, dos dizeres da escola

sobre seus ideais de aluno e currículo e como se consolidam na visão dos professores e equipe

diretiva do Colégio Marista de Criciúma.

Concordo com Saul (1998) quando afirma que a tradição educacional brasileira é

presidida pela lógica do controle técnico, cuja preocupação está em torno dos objetivos,

métodos e técnicas de ensino e avaliação. A autora salienta que a construção e a reformulação

do currículo acaba ficando a critério das secretarias estaduais e municipais de educação,

chegando à escola em forma de pacotes educacionais a serem utilizados, não considerando,

muitas vezes, a realidade local. Em termos de escola particular não é diferente, as

determinações também são dadas pelas legislações educacionais. Cabe uma reflexão sobre a

organização tanto da parte comum dos conteúdos quanto diversificada, garantida por lei (Art.

26, Lei 9394/96), e como esta chega aos professores.

Neste sentido, a atual Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB) permite a

escolha de alguns conteúdos a serem trabalhados, bem como as metodologias utilizadas para

que se alcancem os objetivos propostos por ela, que são:

I - o desenvolvimento da capacidade de aprender, tendo como meios básicos o plenodomínio da leitura, da escrita e do cálculo;II - a compreensão do ambiente natural e social, do sistema político, da tecnologia,das artes e dos valores em que se fundamenta a sociedade;III - o desenvolvimento da capacidade de aprendizagem, tendo em vista a aquisiçãode conhecimentos e habilidades e a formação de atitudes e valores;IV - o fortalecimento dos vínculos de família, dos laços de solidariedade humana ede tolerância recíproca em que se assenta a vida social. (Art. 32, Lei 9394/96).

74

A legislação respalda e dá liberdade para a construção de projetos curriculares,

por meio dos quais serão explícitas as concepções educativas nas quais a escola está pautada,

por meio dos artigos 12, 13 e 14 da Lei 9394/9619. De acordo com a lei vigente, os docentes

terão a incumbência de participar da proposta pedagógica da escola de maneira democrática,

zelando sempre pela aprendizagem dos alunos. O papel do professor é importante, tanto no

processo de inserção dos conteúdos da base diversificada quanto no estabelecimento das

práticas pedagógicas que serão utilizadas para trabalhar os conteúdos da base comum e da

diversificada. Educar é um ato político, para tanto, é necessário que o professor não apenas

domine os conteúdos de sua disciplina, mas entenda o porquê dos conteúdos estarem

distribuídos da maneira que estão e a melhor forma de trabalhá-los para que o conhecimento

se efetive.

A aprendizagem, neste sentido, poderá ser meramente mecânica ou ocupar seu

papel político de conscientização. Para Freire ([1987] 1996), o ato educativo deve ser prática

de liberdade, pois abrange não apenas as questões metodológicas, mas a própria atitude

docente diante do saber, que nunca é neutra. Mas para que isso aconteça é necessário que o

professor também se entenda como politizado, desprovido de verdades fechadas e sensível às

necessidades que se apresentam no dia-a-dia escolar. “A educação como prática da liberdade,

ao contrário daquela que é prática da dominação, implica a negação do homem abstrato,

isolado, solto, desligado do mundo, assim como também a negação do mundo como uma

realidade ausente dos homens”. (FREIRE [1987], 1996, p. 70)

Para o autor, todo ato educacional deve permitir a politização. O conhecimento

19 Art. 12. Os estabelecimentos de ensino, respeitadas as normas comuns e as do seu sistemade ensino, terão a incumbência de:I - elaborar e executar sua proposta pedagógica;II - administrar seu pessoal e seus recursos materiais e financeiros;III - assegurar o cumprimento dos dias letivos e horas-aula estabelecidas;IV - velar pelo cumprimento do plano de trabalho de cada docente;V - prover meios para a recuperação dos alunos de menor rendimento;VI - articular-se com as famílias e a comunidade, criando processos de integração da sociedade com a escola;VII - informar os pais e responsáveis sobre a freqüência e o rendimento dos alunos, bem como sobre a execução

de sua proposta pedagógica.Art. 13. Os docentes incumbir-se-ão de:I - participar da elaboração da proposta pedagógica do estabelecimento de ensino;II - elaborar e cumprir plano de trabalho, segundo a proposta pedagógica do estabelecimento de ensino;III - zelar pela aprendizagem dos alunos;IV - estabelecer estratégias de recuperação para os alunos de menor rendimento;V - ministrar os dias letivos e horas-aula estabelecidos, além de participar integralmente dos períodos dedicados

ao planejamento, à avaliação e ao desenvolvimento profissional;VI - colaborar com as atividades de articulação da escola com as famílias e a comunidade.Art. 14. Os sistemas de ensino definirão as normas da gestão democrática do ensino público na educação básica,

de acordo com as suas peculiaridades e conforme os seguintes princípios:I - participação dos profissionais da educação na elaboração do projeto pedagógico da escola;II - participação das comunidades escolar e local em conselhos escolares ou equivalentes.

75

não é tratado por ele mesmo, mas como ato político que permitirá o alcance da consciência do

mundo por meio do entrecruzamento de saberes. Esses saberes tanto são manifestos pelos

alunos quanto pelos professores, por meio do diálogo que “[...] fenomeniza e historiciza a

essencial intersubjetividade humana; ele é racional e, nele, ninguém tem iniciativa absoluta.”

(FREIRE [1987], 1996, p. 16).

Freire ([1987] 1996) enfatiza que aqueles que dialogam admiram um mesmo

mundo, tanto se afastam dele como com ele coincidem. O diálogo não pode ser produto

histórico e sim a própria historicização do homem, que leva à consciência de quem ele é.

Dialogar não é falar qualquer coisa, mas falar algo, transmitir sentimentos, anseios e

necessidades. O professor que se propõe ao diálogo não fala sozinho, buscando a sua resposta,

ao contrário, ele ouve e problematiza para que o próprio aluno procure as possibilidades de

perguntas e respostas necessárias.

O fato de haverem entrecruzamentos de saberes, ou não, será possibilitado pela

teoria curricular que permeia a escola em questão, pois para alguns professores o único saber

válido é o seu, para outros, os discursos estudantis encontram-se encharcados de

conhecimentos legítimos. A distribuição de conteúdos da base comum já está determinada,

mas é necessário discutir quais são as concepções de currículo apresentadas na escolha dos

conteúdos tanto da base diversificada quanto dos já estabelecidos da comum. Não quero, por

meio disso, afirmar que a concepção curricular alicerça-se apenas na lista de conteúdos

trabalhados ou na prática docente. Apenas saliento que a maneira como esta escolha se dá e as

práticas educativas vivenciadas legitimam o currículo que sustenta a instituição escolar.

Além do professorado, é importante salientar a forma como a escola, de uma

maneira geral, valoriza o discurso democrático. Discurso aqui entendido como práxis, que se

determina pela reflexão baseada na prática, gerando a modificabilidade dessa mesma prática

por meio de um processo de retroalimentação, onde as reflexões são geradas dentro do próprio

contexto escolar. O caminho pelo qual chegam as determinações educativas, sejam

metodologias ou conteúdos a serem aplicados, expressam a proposta curricular da escola em

questão. Se as opções são feitas de maneira democrática refletem um posicionamento mais

aberto, mas se ocorrem de maneira verticalizada podem refletir uma visão autoritária,

interferindo, desta forma, na prática educativa. A maneira como são estabelecidos os

conteúdos e as determinações pedagógicas também refletem a visão curricular da escola.

Os fazeres da direção, da assessoria e de outros setores constroem a concepção

curricular da instituição escolar, pois as práticas educativas são mais amplas do que apenas as

metodologias utilizadas em sala de aula. Os encaminhamentos dados pelos gestores escolares

76

oportunizarão ou não um currículo voltado à práxis. A liberdade que os professores têm de

expressar suas necessidades educativas refletirá na liberdade que eles darão a seus alunos. A

valorização dada aos profissionais da educação também legitimará este currículo, pois os

professores são os profissionais que passam mais tempo com os alunos e conhecem melhor

suas necessidades, tanto acadêmicas quanto sociais e emocionais. Dar voz e vez a esse

educador implica fazê-lo co-partícipe do ideal de educação na instituição em que ele está.

3.1. O que é o currículo para o Colégio Marista de Criciúma

Como dito anteriormente, o currículo apresenta-se não apenas na matriz

curricular, ou nas práticas pedagógicas dos professores, ele também é manifesto por outras

atitudes, explícitas ou não, de todos os que compõem a comunidade escolar. Docentes,

direção, assessoria e discentes tanto produzem currículo como são produzidos por ele. A

valorização que a escola dá a alguns aspectos em detrimento de outros também delimita o que

é mais valorizado nessa instituição, demonstrando assim um ou outro tipo de concepção

curricular. O currículo não é mera lista de conteúdos. A lista é consequência de um

posicionamento pedagógico, epistemológico, filosófico. Por meio da proposta curricular

pode-se perceber qual a visão de mundo que determinada instituição promove.

Para Sacristán (2000, p. 34):

O currículo é selecionado dentro de um campo social, se realiza dentro de um campoescolar e adota uma determinada estrutura condicionada por esquemas que são aexpressão de uma cultura que podemos chamar psicopedagógica, mesmo que suasraízes remontem muito além do pedagógico. Por trás de todo currículo existe hoje,de forma mais ou menos explícita e imediata, uma filosofia curricular ou umaorientação teórica que é, por sua vez, síntese de uma série de posições filosóficas,epistemológicas, científicas, pedagógicas e de valores sociais. [...] é fonte de códigoscurriculares que se traduzem em diretrizes para a prática e que acabam se refletindonela.

Para o autor, além de estar atrelado a múltiplas orientações teóricas, o currículo

está organizado em função de um projeto cultural para a escola, isto é, o currículo escolar é,

antes de mais nada, uma seleção de conteúdos culturais, organizados de forma específica para

aquela instituição. Ele ainda explica que as determinações curriculares vão muito além das

pedagógicas, já que é um projeto cultural que se realiza dentro de determinadas condições

institucionais, políticas e administrativas. Dessa maneira:

As condições o modelam e são fonte por si mesmas de um currículo paralelo ouoculto. O currículo na prática não tem valor a não ser em função das condições reais

77

nas quais se desenvolve, enquanto se modela em práticas concretas de tipo muitodiverso. Tais condições não são irrelevantes, mas artífices da modelagem real dapossibilidade que um currículo tem. Sem notar essa concretização particular, poucovalor pode ter qualquer proposta ideal. (SACRISTÁN, 2000, p. 35)

Nesse sentido, o que os documentos dizem sobre a educação na escola são parte

do currículo, mas não o constituem totalmente, pois as metodologias aplicadas nas aulas, os

objetivos propostos para cada segmento e as condições de trabalho do professorado também

fazem parte da orientação curricular que a escola contempla. A forma como chegam aos

professores as determinações escolares também expressa uma concepção curricular na qual a

instituição se posiciona. O projeto cultural que origina todo o currículo está culturalmente

condicionado a uma estrutura mais ampla, de ideias e valores que justificam as escolhas feitas

pela instituição escolar. Este projeto precisa ser percebido como produtor e produto das

relações culturais existentes, pois são códigos que se traduzem em direcionamentos da prática

e acabam se refletindo nela.

A análise que fiz sobre a concepção curricular do Colégio Marista de Criciúma

revela apenas um viés, expresso nos ditos documentais e empíricos, por meio do professorado

e dos gestores locais. Diferentes reflexões seriam possíveis caso os sujeitos pesquisados

fossem os alunos ou outros colaboradores da instituição. Os dados são apresentados

primeiramente sobre o que diz a pesquisa documental e depois sobre o que diz a pesquisa

empírica, sendo feita posteriormente uma reflexão baseada nos autores citados anteriormente.

O mesmo critério é utilizado ao analisar as categorias elencadas quanto ao ideal de aluno do

Colégio Marista – pesquisador, comunicador e solidário, sendo destacadas separadamente,

no próximo item deste capítulo.

Segundo o Projeto Político Pedagógico do Colégio Marista, o currículo é muito

mais do que apenas as matrizes curriculares, pois é uma produção histórica e social, elaborado

por muitas mãos em tempos diferentes. “É uma formação discursiva que se acumula em

diferentes camadas – sedimentares – que apresentam enunciados e significados diversos”

(PPP, 2008, p. 49).

Neste documento, o currículo é apresentado como território contestado por ser um

espaço aonde se constitui tensões, seja pelas diferenças ideológicas ou pela luta de classes.

Ele é também um espaço aonde se manifestam diferentes significados sobre o que seja ensinar

e aprender. Desta maneira, o currículo de uma escola ou instituição, segundo o documento,

acaba por apresentar sua identidade, pois é ele que reorganiza e reestrutura os sujeitos sociais

e a relação pedagógica. É por meio da concepção que a escola tem do que vem a ser currículo

que se determina quais conhecimentos são válidos ou não. O documento ainda destaca a

78

importância da reflexão e a avaliação em torno da organização curricular porque o currículo é

uma construção permanente e inacabada e a escola é um espaço de desenvolvimento de

capacidades individuais e coletivas, de (re) construção de saberes, de normas, de atitudes e de

valores.

Na perspectiva do Projeto Político Pedagógico do Colégio Marista de Criciúma, é

necessário haver uma autonomia curricular que permita a construção de respostas educativas

inovadoras aos indícios do tempo futuro. O currículo educa para o ‘governo do eu’ na e para a

coletividade: as identidades individuais se assentam sobre bases e princípios da coletividade e

essas identidades apresentam um conflito numa outra instância dialética, ou seja, a identidade

pública da esfera da cidadania se confunde com a identidade privada da esfera do consumo.

Destaca também a necessidade do profissional docente possuir um conjunto de

comportamentos, conhecimentos, habilidades, atitudes e valores que constituem a

especificidade de ser professor e atribui à escola o compromisso de constituir-se na base da

interação e da partilha, buscando incessantemente a emancipação curricular.

Nota-se que, de um lado, o currículo se traduz numa organização e estruturação dosconteúdos a serem ensinados e das experiências de aprendizagem, para se atingirdeterminados fins. Mas há que se considerar também um outro lado, os seus efeitos:pelo/no currículo forjam-se os modos de ser sujeito, os papéis sociais assumidos porprofessores e alunos. A escrita curricular – a produção de currículos – é, portanto,importante ferramenta de luta cultural pelos significados. Ou seja, nas linhas daescrita curricular que praticamos circulam os significados em que acreditamos e osposicionamentos políticos quanto à educação, ao ensinar e ao aprender, ao ser alunoe professor, por exemplo. (PPP, 2008, p. 51)

De acordo com o Projeto Político Pedagógico do Colégio Marista, a Matriz

Curricular é apenas parte do currículo, onde são expressos os indicadores e objetivos

necessários para cada área do conhecimento.

[...] a Matriz Curricular é a sistematização de um determinado recorte do currículo acontribuir para o processo de planejamento de ensino dos professores. Nela,explicitam-se intenções e decisões políticas que interferem na escolha dos conteúdosescolares, bem como na associação destes às operações cognitivas (objetivos,indicadores). (PPP, 2008, p. 51)

É importante ressaltar que o PPP define a Matriz Curricular como documento que

vai além das questões organizacionais, superando a visão de lista de conteúdos e

procedimentos metodológicos e que está contida no currículo e não o constitui isoladamente.

[As Matrizes Curriculares] querem problematizar os currículos praticados, asconcepções sobre as quais se assentam os campos disciplinares e as tendênciasmetodológicas, bem como os objetos de ensino e aprendizagem e os instrumentos de

79

avaliação que podem emergir dessa problematização. As Matrizes exigem discussão,reflexão, escolhas, articulações, enfim, estudo e planejamento. Elas se constituemem um instrumento a mais para a ação docente, em um referencial a mais para que oprofessor possa planejar sua prática pedagógica. Por isso, ela não pode,simplesmente, ser transferida para o planejamento/plano de ensino. (PPP, 2008, p.48-49)

Cabe esclarecer que as matrizes foram concebidas por meio da discussão entre os

profissionais dos dezesseis Colégios que compõem a Província Brasil Centro-Sul e

implantadas em cada Colégio com assessoria da DERC. No Colégio Marista de Criciúma, os

professores tiveram a oportunidade de compartilhar o objeto de estudo de cada matriz com os

outros docentes. A Matriz Curricular constitui-se um referencial organizacional e teórico para

que o professor possa planejar sua prática pedagógica. Este documento apresenta uma

teorização inicial20, que contempla o objetivo da área e dos conteúdos a serem trabalhados.

Elas são divididas por área de conhecimento: Ciências da Natureza - Biologia, Ciências,

Física, Matemática e Química; Ciências Humanas - Ensino Religioso, Filosofia, Geografia,

História e Sociologia; Linguagem - Arte, Educação Física, Línguas Estrangeiras e Língua

Portuguesa.

O período de elaboração de cada matriz não foi coincidente, por ter havido a

necessidade de reunir um ou mais profissionais de cada unidade. O estudo e as discussões

foram realizados em Curitiba, coordenados pelo CEMEP (Centro Marista de Estudos e

Pesquisas)21 e DERC (Diretoria Executiva da Rede de Colégios). Para cada matriz curricular

elaborada foram necessários, em média, quatro encontros. O professor responsável de cada

unidade apresentava para os professores locais o que havia sido discutido e reelaborava os

conteúdos/objetivos propostos para cada segmento em sua área de conhecimento. Em 2008,

apenas três dos dez entrevistados haviam participado das discussões das Matrizes. Os outros

não participaram desse processo por terem entrado no Colégio após o término de sua

elaboração.

Não é possível apresentar a pesquisa documental baseada apenas no que a escola

define ser o Currículo. Muito do que não é dito explicitamente pode ser percebido nos

discursos implícitos, nas concepções elencadas de homem, mundo, sociedade. A visão de

educação, avaliação, planejamento define o que o Colégio entende por currículo e norteia o

processo pedagógico. Um dos discursos que pode ser considerado implícito é a maneira como

o Colégio estruturou suas Matrizes Curriculares mantendo uma unificação de rede, mas sem

20 No texto são apresentadas as intenções do ensino do componente curricular, o objeto de conhecimento de cadadisciplina, o convívio curricular da disciplina com outras áreas do conhecimento, os eixos estruturadores eblocos temáticos dependendo da área de conhecimento.21 Substituído em 2007 pela DERC (Diretoria Executiva da Rede de Colégios).

80

descartar as possibilidades locais. As discussões foram lançadas a todos os Colégios,

buscando uma aproximação com a localidade. Ao conversar com os professores, como

discorrerei posteriormente, é possível perceber um certo desconforto quanto aos excessos de

conteúdos desses documentos. Mas a condução de produção da escrita e escolha foi

oportunizada aos dezesseis Colégios numa determinada época, o que não garante que haja

proximidade com a visão dos professores que estão lecionando atualmente.

Outra consideração é quanto à percepção da necessidade da construção de uma

matriz curricular cujo objeto de conhecimento seja o aluno e suas relações, considerando o

aluno em sua interdimensionalidade. A Matriz Curricular de DAPS - Desenvolvimento

Acadêmico, Pessoal e Social22 - foi estudada pelos professores e é de responsabilidade de

todos os docentes. Ela visa:

[...] promover o desenvolvimento acadêmico, pessoal e social do aluno Marista,dando suporte às práticas escolares, visando oferecer condições para que o alunoamplie/aprofunde seu ofício e a ação de conviver em sociedade. (MATRIZCURRICULAR DAPS, 2008, p. 2)

Esta matriz foi escrita com o objetivo de auxiliar o aluno em suas necessidades

educativas, buscando sanar problemas observados pelos educadores da Província Brasil

Centro-Sul, e mostra a importância que a instituição dá às questões que transcendem o

estritamente acadêmico. Alguns Colégios da Província Brasil Centro-Sul possuem a disciplina

de DAPS, mas o Colégio Marista de Criciúma não a possui, pois essa determinação passa pela

estrutura de cada unidade.

A valorização à interdimensionalidade dos indivíduos é legitimada pelo Projeto

Político Pedagógico (2008, p. 60) que afirma que o Colégio tem por finalidade:

Buscar a formação de bons cristãos e honrados cidadãos, visando o desenvolvimentointegral do homem. Pela formação de uma consciência crítica e criativa, o aluno temampliadas as suas possibilidades de melhor se adaptar ao meio, interpretando eenfrentando a realidade com autodeterminação e discernimento e assim, irpreparando sua competência profissional. A formação integral do indivíduo advémde uma harmonização entre os valores cristãos e os conhecimentos científicos

22 A escrita da Matriz Curricular de DAPS foi feita pelo GEOF – Grupo de Estudos Ofício de Aluno – compostopor um representante de cada unidade. Tive oportunidade de participar dos encontros realizados nessa discussãopor um período de dois anos. Este grupo instituiu como uma das metas a implantação do DAPS para resoluçãode problemas acadêmicos e não acadêmicos e seria ministrada de acordo com a necessidade da turma. Nasescolas que não possuem um professor titular (responsável pela turma ou ano que ministra essa disciplina), todosos professores responsabilizam-se na aplicação dessa Matriz, de acordo com as necessidades percebidas em cadaturma.Além da Matriz Curricular de DAPS, o grupo elaborou um conjunto de textos acerca dos aspectos fundamentaisque circundam o ofício de aluno na contemporaneidade, elaborando linhas de ação a fim de favorecer a reflexãoe a prática docente e discente. Os textos foram compilados num livro que será lançado em 2009. O referidomaterial não pode ser utilizado em minha pesquisa por estar em fase de análise no período desta investigação.

81

alcançados.

A integralidade é reforçada quando caracteriza o estilo educativo marista e o

aproxima de uma visão cristã:

O estilo educativo baseia-se em uma visão integral, que se propõe conscientementea comunicar valores. Ao partilharmos essa visão com outros educadores,principalmente os cristãos, empregamos uma abordagem pedagógica própria,desenvolvida inicialmente por Marcelino Champagnat e pelos primeiros maristas,que era inovadora em muitos aspectos. (PPP, 2008, p. 60, grifo meu)

Esse documento ainda salienta a educação de valores e o desenvolvimento pessoal

de cada educando oportunizado pelo Colégio, responsabilizando os educadores à atenção às

suas necessidades. Define também que além da profissionalidade, o grupo de educadores deve

estabelecer um relacionamento baseado no amor, visando à criação de um clima favorável à

aprendizagem, à educação de valores e ao desenvolvimento pessoal do educando.

As metas para o Ensino Fundamental contemplam aspectos cognitivos, afetivos e

psicomotores do aluno, bem como seu relacionamento no meio social em que vive:

Desenvolver no educando o domínio cognitivo, afetivo e psicomotor; Desenvolver a inteligência operatória concreta, que leve o educando ao contatocom a realidade física circundante, a fim de capacitá-lo nas suas estruturasfuncionais; Desenvolver o processo de socialização para possibilitar ao educando umapositiva integração com o grupo; Orientar para que adquira algumas técnicas de trabalho, baseadas especialmenteem atividades de observação, em sondagem de aptidões, em pesquisa e expressão; Integrar o educando ao meio em que vive; Desenvolver o senso dos valores humanos e cristãos que facilitem suaparticipação na comunidade social e eclesial e o seu compromisso como cidadão ecristão; Propiciar atividades de aprendizagem e experiências que promovam no educandoo desenvolvimento de suas potencialidades, permitindo sua auto-realização. (PPP,2008, p. 40)

A valorização do aluno em sua integralidade é citada nos documentos, revelando

as limitações encontradas pela escola no alcance desse estudante, como também a decisão

institucional de enfrentar essas limitações.

Na pesquisa empírica os professores citam o currículo como lista de conteúdos,

tentam diferenciá-lo das matrizes de sua disciplina, mas comumentemente citam a sobrecarga

de conteúdos como empecilho na concretização do ideal do Colégio. De acordo com a

Entrevistada A, currículo é a bússola para o trabalho docente e é a partir dele que se consegue

determinar aquilo que se objetiva do ensino, e que devem ser objetivos utilizáveis fora do

âmbito escolar. Há uma preocupação por parte dessa profissional no que concerne aos

82

conteúdos apresentados na matriz curricular, pois ela os considera densos, não dando espaço

para o trabalho com questões regionais. Afirma que o Colégio dá liberdade para acrescentar,

mas que não é possível fazer acréscimos por falta de tempo para execução.

A Entrevistada B concorda com essa visão quando afirma que o currículo é a lista

de conteúdos a ser trabalhada no decorrer do ano letivo, mas salienta que as metodologias

utilizadas são planejadas de acordo com a característica da turma. Ela afirma que é importante

ter um currículo como garantia de unificação nacional. Salienta que as matrizes apresentam

muitos conteúdos e que a única possibilidade de se trabalhar todos os objetivos propostos é

aumentar os dias letivos do ano.

Currículo é a bússola para o trabalho do professor, pois qualquer profissional precisater um plano para cumprir. O currículo apresenta-se como os conteúdos mínimosque o professor tem de passar para o aluno. Mas nós não ficamos presos apenasàquilo que o currículo exige, pois a proposta que nos é dada precisa ser adaptadapara cada turma. Mas acho muito importante a determinação dos conteúdos a seremdados, se não fosse assim, cada professor ou escola daria o que quisesse. Aondeiríamos parar? (Entrevistada B)

Na análise dessa educadora, o currículo é a lista de conteúdos a serem trabalhados,

no entanto, não o vê negativamente, pois para ela sua determinação é importante para que haja

unificação em relação aos conteúdos dados.

A Entrevistada C diz que o currículo é “a proposta de trabalho do professor

perante a realidade do aluno”. A mesma professora cita a Matriz Curricular ao ser questionada

sobre a relação desta com o Currículo do Colégio: “Há dezesseis Colégios em nossa Província

que procuram contemplar a Matriz, mas eu sinto liberdade de adaptar os conteúdos de acordo

com nossa realidade local”.

Ela ainda explica o currículo como proposta de sua disciplina específica e que a

Matriz Curricular auxilia dando suporte teórico para o trabalho docente no Colégio Marista.

Para ela, há possibilidade de mudança dos conteúdos apresentados, desde que de forma

coerente com a realidade do grupo com o qual trabalha. Quando esses educadores manifestam

a possibilidade de trabalho com os conteúdos determinados, tanto para acréscimos quanto

para retiradas, manifestam também a flexibilidade oferecida pelo Colégio na consecução

desses.

De acordo com o Entrevistado G, o currículo é “[...] o conjunto de matérias a

serem trabalhadas nas disciplinas, mas que não se restringem ao material didático, pois esses

servem para aprofundar as aprendizagens necessárias ao dia-a-dia do aluno”.

Os educadores maristas de Criciúma, em sua maioria, percebem o currículo como

83

grade de conteúdos necessária para a prática docente. Talvez seja por isso que enfatizem tanto

a matriz curricular de sua disciplina em suas entrevistas. Fazem menção a esse documento de

forma positiva quando questionados sobre o currículo, alegando sua necessidade na

organização pedagógica. Em contrapartida, a citam negativamente quando atribuem a ela a

limitação na formação do ideal de aluno proposto pela escola, pelo fato de apresentar-se densa

demais. A Entrevistada D enfatiza a necessidade de associar a matriz curricular ao currículo,

demonstrando que há relação entre ambos, mas que o currículo é mais amplo que apenas os

documentos:

[...] falando em currículo é impossível não falar de nossas matrizes curriculares, poisserão elas que nortearão o trabalho docente. É claro que as matrizes não dão contado currículo, pois meu fazer pedagógico está muito além do documento, ele dependede minhas concepções de homem, mundo, sociedade. Um exemplo, eu sendoprofessor e utilizando a mesma matriz que outro da mesma área demonstrarei emmeu planejamento minhas crenças, qual meu aporte teórico. Se me aproximar de umenfoque mais apriorista vou utilizar metodologias, avaliações que deem conta dessaconcepção. Mas se acreditar num trabalho que valorize a mediação, minha aula nãoserá a mesma.

O Entrevistado L cita que o currículo “é o caminho a ser seguido” e as matrizes

servem para dar o embasamento teórico: “O currículo é mais fundamentado e mais objetivo,

são os conteúdos. As matrizes nos apresentam os objetivos e o porquê daqueles conteúdos

serem trabalhados naquele segmento. (Entrevistado L)”.

O Entrevistado M apresenta a necessidade de uma definição curricular clara:

O currículo está ligado a outros elementos: planejamentos, avaliação, planos deaula. Ele é o norte. No momento em que o currículo está bem definido, há foco paraque a aprendizagem seja facilitada. A relação entre currículo e matriz curricular sedá pela possibilidade de criação de focos.

De acordo com o Entrevistado N, o Currículo não é limitado à lista de conteúdos,

mas é caracterizado pela comunidade escolar: “Currículo é tudo o que envolve a comunidade

escolar, não somente os conteúdos trabalhados, a avaliação, planejamento e a própria gestão

da aula. É a abrangência de um todo. A escola como um todo”.

Mesmo que vários educadores do Colégio tenham citado que o currículo escolar

não seja apenas os conteúdos ou objetivos propostos, percebe-se ser bastante significativa a

referência que fazem à matriz de sua disciplina e aos objetivos contidos nela. Isso é

apresentado de maneira mais enfática quando questionados sobre a possibilidade de formação

de um aluno com as competências comunicação, pesquisa e solidariedade. Mesmo que o

Colégio não limite, em seus documentos, o currículo à grade curricular ou instrumento de

84

controle, ele aparece entre os educadores com essa característica, pois o associam aos

conteúdos propostos e à necessidade de cumprimento das exigências docentes.

No mesmo sentido em que não considerei na pesquisa documental apenas o que o

Colégio define ser Currículo, avaliei necessário enfatizar alguns aspectos citados pelos

professores nem sempre encontrados como resposta ao questionamento sobre currículo, mas

que também definem seu posicionamento em relação à proposta curricular. Destaquei três

aspectos que se encontram interligados.

O primeiro deles é a necessidade docente em realizar seu trabalho dentro do tempo

previsto. A maioria dos professores definiu que os objetivos propostos nas matrizes são

adequados, mas que o tempo escolar interfere na qualidade de ensino, ou seja, haveria

necessidade de um tempo maior para dar conta de tantos indicadores. Eles citam que as

matrizes dão embasamento teórico para seu trabalho, mas que as limitações são encontradas

pela falta de adequação desse tempo escolar.

O segundo aspecto está ligado diretamente ao primeiro, que são as cobranças

referentes à qualidade de ensino, manifestadas pelas aprovações nos vestibulares, boa

classificação no ENEM23 e melhoria no SIMA24, que consiste em uma avaliação institucional

realizada anualmente, com alunos dos 5º e 9º anos do Ensino Fundamental e 3ª Série do

Ensino Médio, portanto, as turmas finalizantes de um nível educacional.

Esta avaliação é citada com frequência e os professores referem-se a ela como se

fosse um fim em si mesma. Ou seja, não discorrem muito sobre o processo, mas sobre a

necessidade de conseguirem atingir os indicadores propostos nesta avaliação. Não é possível

dizer se o que ocorre é a falta de tempo mesmo ou a necessidade de negociação quanto aos

indicadores exigidos pelo SIMA e os objetivos a serem alcançados nas disciplinas. É

importante salientar este aspecto, pois foi bastante significativo, sendo citado por todos cujas

disciplinas são avaliadas. Mesmo que o objetivo dessa avaliação não seja o trabalho do

23 Exame Nacional do Ensino Médio.24 De acordo com o Projeto Político Pedagógico do Colégio Marista (2008, p. 52-53), o SIMA:“[...] é a expressão de uma conduta gerencial pró-ativa e representa uma imprescindível ferramenta, para que aescola se conheça numa perspectiva de qualidade educacional, sustentada por uma gestão eficiente ecompromissada com a Missão Educativa Marista. Alinhado com os mais conhecidos programas de avaliação emlarga escala, o SIMA é um projeto que tem como objetivo central fornecer elementos para decisões políticas egerenciais, por meio de resultados de desempenho dos alunos e monitoramento das práticas educativasrealizadas, que dele se utilizam.O SIMA incorpora modalidades avançadas de tecnologia educacional, de avaliação, de procedimentosestatísticos e de computação, de modo a facultar, dentre outras ações, a avaliação de desempenho dos alunos,possibilitando comparações verticais e horizontais entre unidades, segmento de séries, disciplinas e turmas; aavaliação e a reorganização de práticas curriculares, com a finalidade de manter ou elevar o padrão de qualidadeda escola avaliada; e ainda, definir e redefinir medidas gerenciais visando à alta qualidade da sua propostaeducativa.”

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professor, ela submete-o a um crivo, ao que me parece, do próprio educador responsável.

O terceiro e último aspecto é o fato de alguns professores apontarem em suas

respostas falta de consideração de regionalidade das matrizes. Mesmo tendo sido escrita por

muitas mãos, por pessoas que se encontram em cidades diferentes, não há garantias de que os

profissionais que a pensaram tenham permanecido na escola. Portanto, determinado professor

que tenha chegado ao Colégio após o término das discussões e escrita pode não compreender

a razão de alguns objetivos estarem em determinado segmento e não em outro.

É o caso da Entrevistada A, professora, que foi contratada no ano de 2006:

Apesar das matrizes terem sido construídas por professores representantes dosdezesseis colégios, ainda sinto que não é possível perceber a regionalidade dentrodela. A matriz apresenta, mas não predomina a localidade. Tenta unificar osobjetivos, mas como fazer isso se nossa realidade é bem diferente de São Paulo,Curitiba e Brasília?Há conteúdos que não estão contidos na Matriz e dizem para nós o tempo todo quehá flexibilidade e que temos liberdade de acrescentá-la. Mas como fazer isso tendoque “dar conta” de um mínimo que é amplo? Como não trabalhar com o mínimo quea matriz apresenta se será cobrado de nossos alunos no SIMA?

O SIMA avalia não apenas os alunos, mas as unidades, os segmentos, as

disciplinas e a turmas e sua finalidade é manter ou elevar o padrão da escola avaliada. O que

precisa ser questionado é o porquê dessa avaliação estar controlando o fazer educativo desses

professores. O trabalho pedagógico necessita ser consolidado por meio da avaliação, mas a

manifestação dos professores quanto ao SIMA demonstra dificuldade em perceberem essa

avaliação como ferramenta de trabalho em Rede. Quando se manifestam dizendo que

trabalham para “dar conta” do SIMA, estão dizendo que são reféns dessa avaliação, pois

trilham um caminho contrário – é a avaliação que determina o tempo para que as

aprendizagens sejam consolidadas.

“Todo mundo queria ter mais aulas para desenvolver o conteúdo com mais

tranquilidade, fazer mais trabalhos, mas não tem o que fazer, temos que trabalhar dentro da

realidade que cada uma tem”. (Entrevistada B)

Mesmo os professores que possuem mais aulas durante a semana afirmam serem

insuficientes para uma discussão mais aprofundada:

Tenho noção de minha responsabilidade e isso me incomoda bastante, pois nãotenho uma concepção conteudista, mas o tempo para discussões mais profundas nãoé o suficiente. Sei que não é a quantidade de capítulos trabalhados que farão meusalunos saberem mais ou menos. Portanto, procuro utilizar notícias trazidas por elesou por mim para associar aos conteúdos trabalhados. O presente deles é importante,não podemos viver no passado nem no futuro. Mas a falta de tempo é que faz comque eu nem sempre faça o que acredito ser certo. (Entrevistado N)

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O tempo diferenciado para cada disciplina também foi citado. Segundo a

Entrevistada F, pode-se perceber uma hierarquia entre as disciplinas, como se uma tivesse

mais valor que as outras, já que a quantidade de aulas é distinta:

Como não pensar em hierarquia entre disciplinas? Quantas aulas de LínguaPortuguesa, Matemática, Ciências e História são dadas? O número é o mesmo? Oque é mais importante nessa proposta? Há um desmerecimento por algumasdisciplinas. Mudamos por fora, mas nossos velhos usos continuam os mesmos.(Entrevistada F)

Seguindo essa mesma lógica, a Entrevistada D salienta a necessidade de um

trabalho mais voltado às exigências educativas do aluno. De acordo com ela, o professor

também precisa de formação para compreender o educando em suas fases de

desenvolvimento:

Os professores têm um tempo anual para se reunir em busca da sua formação e osestudos oferecidos pelo Colégio são escolhidos de acordo com a necessidade dogrupo. Por exemplo, a Educação Infantil estudou sobre a concepção de infância, já oFundamental II e Médio sobre o adolescente/jovem e suas necessidades nasociedade atual. Não dá para dar aulas nos dias de hoje desconsiderando quem é onosso estudante.

A Entrevistada L considera a problematização, proposta pela Assessoria

Psicopedagógica como procedimento metodológico, inviável, pelo fato de não possuir tempo

suficiente para sua efetivação. Ela destaca o atropelo das aulas para aplicação da avaliação

posterior:

Como posso propor uma problematização se trabalho apenas uma vez por semanacom a turma? Acredito nessa metodologia, sou da área de Ciências. Problematizar éantes de tudo, dar espaço ao diálogo. Como vou dialogar sabendo que não disporeide tempo para o resto? Acabo “dando” as aulas... Meu desejo? Era aproveitar melhormeu tempo de laboratório... Poder explorar sem pressa de aplicar uma avaliação.Mas não é assim...

Alguns dos professores entrevistados não se veem com autonomia de decidir

sobre quais conteúdos trabalhar com suas turmas. Nas entrevistas, citaram que podem

trabalhar na ordem que quiserem, desde que respeitem os conteúdos do ano. Os acréscimos

acontecem esporadicamente, pelo excesso de conteúdos que têm que ser trabalhados. “Não

tenho liberdade de trazer conteúdos do Ensino Médio para o Fundamental. Aliviaria um

pouco, pois no Médio os alunos têm que ler uma quantidade de livros que é impossível dar

conta”.(Entrevistada A)

Contrariando essa visão, a Entrevistada F, não enquadrada na categoria de

87

professor, explica as possibilidades de transferência de objetivos de um segmento para o

outro:

As possibilidades de mudanças de um objetivo proposto num segmento para outrodepende muito do diálogo entre os professores e das possibilidades, já que há trocasimpossíveis de serem feitas. Não podemos retirar do Ensino Fundamental umobjetivo que seja essencial para este segmento. (Entrevistada F)

A Entrevistada B no ano de 2008 era professora titular de uma série e teve

oportunidade de escolher, por meio do diálogo, o que seria estudado:

Em nosso projeto de titulância25 dá pra abrir espaço para os alunos escolherem osconteúdos, pois não temos obrigatoriedade de conteúdos. Fazemos uma sondagemcom eles no início do ano para saber quais são suas necessidades. A partir daímontamos as atividades a serem desenvolvidas com os educandos, acompanhadospela assessoria. (Entrevistada B)

Um dos entrevistados, contrariando a visão dos demais em relação ao tempo de

trabalho e aos conteúdos da matriz, disse que não sentia dificuldade e trabalhava de acordo

com as possibilidades do grupo. É interessante salientar que as disciplinas ministradas por ele

não são avaliadas diretamente pelo SIMA.

Acho que a falta de tempo, que a maioria dos professores reclama, não é umproblema tão simples assim. Ele se dá por causa de problemas também estruturais. Acarga horária a que o professor tem que se submeter para poder ganhar um poucomais não lhe permite utilizar as ferramentas (matriz, planejamentos) de formacorreta. Então, ele não tem tempo de planejar, executa e depois precisa entregar umplanejamento. É dicotômico. Esses documentos servem para ajudar na administraçãodo tempo e atividade docente, mas o caminho torna-se inverso pelas condições detrabalho. E não digo isso aqui só no Marista, é geral a sobrecarga do professor.(Entrevistado M)

Ele ainda salienta a importância da Matriz Curricular em suas disciplinas,

apontando-a como instrumento de organização pedagógica, destacando ainda a

responsabilidade docente no destaque dos conteúdos mais importantes em cada disciplina:

Entendo matriz curricular como ferramenta e o professor especialista é que dá maisenfoque a alguns conteúdos em detrimento de outros. Ela apresenta objetivos clarose eu que leciono é que possuo competência para gastar mais tempo com algunsconteúdos e outros não. Tudo na vida precisa de organização. Não vejo a matrizcomo ato burocrático. Eles estão ali para me ajudar a organizar meu trabalho

25 No ano de 2007 e 2008 o Colégio possuía um trabalho com os alunos do 8º e 9º do Ensino Fundamental e 1ªsérie do Ensino Médio, nomeado “titulância”. Um professor responsável pelo ano/série acompanhava ostrabalhos, recebendo duas aulas semanais para o desenvolvimento desse trabalho no contraturno escolar. Esseprojeto foi suspenso em Criciúma no ano de 2009 por questões administrativas.Uma das propostas do Grupo de Estudos Ofício de Aluno era que esse mesmo professor pudesse trabalhar adisciplina de DAPS, citada anteriormente.

88

pedagógico. (Entrevistado M)

Entendo a prática educacional como ato político, manifesto tanto de forma

explícita como implícita. A consideração do currículo como alicerçado nos valores expressos,

tanto nos discursos documentais quanto empíricos, possibilitou-me compreender a

complexidade desses discursos e a necessidade de reflexões não tão simplistas. O encontro de

diferentes perspectivas numa mesma instituição escolar delineia sua própria concepção

curricular. Essa complexidade pode levar a novas reflexões sobre a própria prática a que se

propõe o Colégio. Do ponto de vista teórico são possíveis aproximações e distanciamentos

dentro de uma mesma orientação (SACRISTÁN, 2000) ou teoria de currículo (PACHECO,

2001), já que os próprios discursos institucionais são contraditórios.

A pesquisa documental descortina duas possibilidades curriculares. A primeira

voltada à quarta orientação de Sacristán (2000), identificada por currículo como configurador

da prática e à teoria crítica de currículo de Pacheco (2001). Pode-se fazer uma aproximação

com estas perspectivas quanto ao enfoque da autonomia docente. Os documentos enfatizam a

autonomia em relação à prática do professorado, sendo manifestada inclusive na construção

das matrizes curriculares. Estas perspectivas também se destacam na análise do processo de

construção das matrizes. Elas foram escritas por grupos de professores de cada área do

conhecimento. Esses educadores, quando se reuniam para discuti-las, não estavam alheios à

realidade local, já que eram os próprios professores das unidades que compunham os grupos.

Após as discussões teóricas elaboravam os principais objetivos a serem elencados em cada

disciplina, levando as propostas para serem analisadas por seus pares nos colégios.

O destaque às relações estudantis e à proposição do componente curricular DAPS

também se aproxima destas perspectivas. A Província assumiu um posicionamento de

enfrentamento de um problema observado, que era o fato das relações do estudante com seu

ofício e, a partir desta observação, propôs ações que o sanassem, dentre elas a escrita da

matriz curricular que nortearia o processo de formação do aluno proposto pela Instituição.

Esta iniciativa auxilia a compreensão dos fenômenos que produzem a prática e a sua

superação.

Outra possibilidade curricular é determinada pela análise do Projeto Político

Pedagógico, que segue a perspectiva de auxiliar na autonomia discente e destaca a

necessidade de compreender o indivíduo em sua interdimensionalidade. Tanto o discurso

deste documento quanto da Matriz de DAPS associa-se ao Currículo como base de

experiências (SACRISTÁN, 2000) pelo fato de a escola, nesta segunda orientação do autor,

assumir-se responsável pelo ensino acadêmico, mas estendendo às necessidades pessoais e

89

sociais dos indivíduos.

O PPP do Colégio apresenta a importância da reflexão e a avaliação em torno da

organização curricular porque considera o currículo uma construção permanente e inacabada e

define a instituição escolar como um espaço de desenvolvimento de capacidades individuais e

coletivas, de (re) construção de saberes, de normas, de atitudes e de valores. De acordo com o

documento, há necessidade dos educadores possuírem um conjunto de comportamentos,

conhecimentos, habilidades, atitudes e valores que constituem a especificidade de ser

professor e atribui à escola o compromisso de constituir-se na base da interação e da partilha,

buscando incessantemente a emancipação curricular, por meio de reflexões sobre o fazer

pedagógico.

Os resultados da pesquisa empírica, na qual os professores respondem sobre o que

é currículo, aproximam-se da orientação definida como currículo como soma das exigências

acadêmicas, a primeira orientação de Sacristán (2000) e da teoria técnica de Pacheco (2001),

pois sua principal característica é o enfoque à lista de conteúdos. Esta concepção valoriza os

saberes distribuídos em disciplinas específicas ou áreas. Como citado anteriormente, a

potencialização desse enfoque curricular ocorre pela pressão acadêmica, as necessidades

administrativas e a organização do professorado. As aulas apresentam-se fragmentadas e as

disciplinas possuem tempos distintos determinados pelo programa.

Essa concepção é visível quando o professorado manifesta-se refém de aulas,

divididas em tempos diferentes, como se uma disciplina tivesse maior valor que outra.

Sacristán (2000) explica que essa orientação se concretiza na lista de conteúdos, e ao se

expressar nestes termos é mais fácil de regular e controlar do que de outra forma que contenha

considerações mais psicopedagógicas. É por isso que do ponto de vista administrativo as

regulações curriculares se apoiam muito mais nos conteúdos do que em outras considerações.

Para Pacheco (2001), na teoria técnica o conhecimento é visto de forma estanque,

não flexível e distribuído em disciplinas específicas e o currículo é um plano de ação

pedagógica que abrange a definição de educação pretendida, especificação das atividades de

ensino, o que acaba implicando os conteúdos escolhidos e a forma avaliativa aplicada aos

alunos.

O enfoque dado pelos professores, de uma maneira geral, é quanto ao tempo

limitado de trabalho efetivo com os conteúdos propostos. Para eles, a proposta de

problematização da escola, manifestada nas matrizes, não pode ser real porque o tempo é

curto, não abrindo espaço para o diálogo. Essa visão de que quando se problematiza não se dá

aula precisa ser repensada, pois a problematização serve para compreender as formas de

90

raciocínio dos alunos. Só ouvindo-os pode-se saber quais conteúdos podem ser trabalhados e

as metodologias utilizadas. Não significa que o professor deixa de trabalhar também os

saberes científicos. A problematização acontece na mediação do conhecimento. A partir dela

pode-se ampliar a visão dos alunos e só por ela é possível saber o que eles entendem em

relação aos conteúdos trabalhados. Mas para que os professores possam assim pensar, é

necessário que a estrutura pedagógica escolar também tenha esta certeza, para não cobrar do

professor uma certa eficiência dentro da visão tradicional de “dar aula”, como conteúdo

transmitido.

Há uma dicotomia entre a concepção expressa nos documentos e na pesquisa

empírica, já que o estabelecimento do currículo como configurador da prática, de acordo com

a quarta orientação de Sacristán (2000) e a teoria crítica de currículo de Pacheco (2001),

torna-se quase que impossível quando se determina a construção de objetivos únicos para

Colégios que não estão na mesma localidade, possuem culturas e histórias diferentes. Para a

ampliação dessa possibilidade seria necessário, antes de tudo, uma autonomia e escuta

docente, permitindo a reconfiguração dos indicadores e objetivos a serem trabalhados.

Sacristán (2000), como citado anteriormente, afirma:

O questionamento da falta de autonomia afeta todos aqueles que participam naspráticas curriculares, especialmente os professores e os alunos. É pouco crível queos professores possam contribuir para estabelecer metodologias criadoras queemancipem os alunos quando estes estão sob um tipo de prática altamentecontroladora. É preciso partir de um isomorfismo, necessário entre condições dedesenvolvimento dos alunos nas situações escolares, em certa medida, pelosprofessores. (SACRISTÁN, 2000, p. 48)

Não afirmo que o Colégio Marista de Criciúma seja uma instituição “altamente

controladora”, mas que a pesquisa empírica apresenta indícios de que os professores não se

veem com a mesma autonomia proposta nos documentos. A liberdade que os professores têm

de determinar o que é mais ou menos importante oportuniza também o protagonismo

estudantil. Perceber os conteúdos essenciais a partir de uma lista pode flexibilizar a ação

educativa.

Para a gerência de uma Rede são necessárias ações homogêneas, a utilização de

mecanismos para análise da qualidade, mas para que sejam legitimados há necessidade de

passar pela incorporação local. O trabalho de discussão e reflexão sobre o currículo praticado

é bastante importante porque respalda ao educador a defender o porquê de uma prática em

detrimento de outra.

Há possibilidades e limitações que precisam tornar-se claras, mas que só

91

acontecem quando há escuta pedagógica. Essa escuta consolida-se em ouvir o que os

professores têm a dizer e quais propostas são dadas por eles. É preciso também deixar claro

quais opções metodológicas são compatíveis com a proposta pedagógica da Rede e a

necessidade da sociedade local. A partir das duas perspectivas pode ser consolidada uma outra

que dê conta de suprir a necessidade educacional, construída coletivamente a partir do olhar

dos diferentes atores escolares.

De acordo com as entrevistas, o que falta é tempo hábil para a consolidação dos

objetivos propostos, não permitindo espaço para que outros objetivos, considerados

importantes pelo professor, possam ser acrescentados. O tempo escolar não é curto, mas

torna-se insuficiente para contemplar tudo o que o Colégio pretende trabalhar. Saliento

também a necessidade, destacada pelos educadores, deste trabalho ser bem avaliado por meio

do SIMA, dos índices de aprovação no vestibular e ENEM.

Desta forma, uma reflexão a ser feita, embasada na própria proposta do Colégio

ao considerar a educação em sua integralidade e à autonomia docente, é em relação às

avaliações que regulam o processo pedagógico. A avaliação em seu sentido formativo

colabora para emancipação discente e docente e não se apresenta como fim em si mesma. O

peso avaliativo não deve servir para definição do bom e do mau professor, mas para análise

dos próprios processos de apropriação do conhecimento, se estes estão se efetivando ou não.

O que determina o sucesso numa avaliação institucional não é apenas o trabalho do ano em

que ela foi realizada, mas todo o tempo de formação deste aluno.

Contemplar a avaliação como exigência administrativa ou pensar que ela conduz o

trabalho pedagógico dá margem para associarmos o currículo ao legado tecnológico e

eficienticista, que é a terceira orientação de Sacristán (2000). De acordo com essa orientação,

o currículo cumpre mais uma conveniência administrativa que intelectual. Mesmo que os

objetivos do SIMA contemplem a qualidade educativa em todos os colégios é necessário que

esta avaliação seja vista como instrumento diagnóstico para possível reconfiguração da

prática. Os professores não têm observado dessa maneira, caracterizando a aplicação da

avaliação como configuradora do tempo escolar. Nesta perspectiva, pode-se associar à teoria

técnica de currículo elencada por Pacheco (2001), que apresenta seu conceito mais corrente

centrado nos conteúdos a serem ensinados e nos objetivos previamente formulados.

A maneira como o SIMA for utilizado também oportuniza possibilidades e

limitações. Se ele apresentar-se como instrumento docente e gerencial, reavaliando práticas

pedagógicas e administrativas, pode-se considerá-lo formativo. Mas se ele apresenta-se

92

apenas como termômetro pedagógico não cumpre sua função, pois o Colégio também possui

intenções administrativas que nem sempre são coerentes com a proposta educacional a que se

propõe. Na análise avaliativa deve ser considerado todo o contexto em que ela foi realizada. A

ação docente pode ser melindrada quando a unidade, a disciplina e o segmento são

classificados com outros Colégios.

Percebo, em meu cotidiano na escola, que mesmo apresentando melhoria no

desempenho no decorrer das avaliações, os professores sentem o peso que essa avaliação traz

quando se deparam com seus resultados. No primeiro ano não havia como comparar a unidade

com ela mesma, mas os resultados de 2009 poderiam ter sido apresentados fazendo-se apenas

esta comparação. Não há necessidade de apresentar aos professores a classificação por

unidade educacional, pois essa forma de fazê-lo provoca decepção e desculpas. Mesmo

dizendo aos professores que o resultado não é responsabilidade só deles, mas de todo o

Colégio, eles sentem-se responsáveis diretos pelos resultados e isso me parece normal numa

concepção docente responsável.

Faz-se necessária também uma análise sobre as próprias condições de trabalho do

educador que tem expressado a insatisfação com seu próprio fazer docente. Perceber suas

perspectivas, suas metas, sabendo qual seu ideal de educação e se este condiz com a proposta

efetiva do Colégio, já que se mostraram comprometidos com sua ação docente. Mesmo que

algumas questões já tenham sido elencadas com os professores, como o fato do SIMA não

avaliar o trabalho docente em sua individualidade ou a adequação dos conteúdos às

necessidades da série, precisam ser reforçadas, pois o ensino ainda apresenta-se propedêutico,

contrariando a proposta de um ensino com significado.

3.2. O aluno pesquisador, comunicador e solidário na visão do Colégio Marista e as

categorias freireanas de curiosidade epistemológica/ingênua, dialogicidad, e solidariedade.

Os termos pesquisador, comunicador e solidário surgiram a partir do Grupo de

Estudos Novo Ensino Médio26 e foram ampliados como ideal de aluno também para o Ensino

26 Grupo de Estudos Novo Ensino Médio que foi criado em 2001 por uma necessidade administrativa nacional daRede Marista, pois naquele momento o Ensino Médio indicava sinais de crise evidenciada na evasão de alunos.O grupo era composto por profissionais da Província Marista Brasil Centro-Sul, da Província do Rio Grande doSul e do Brasil Centro-Norte e tinha como objetivo “refletir sobre o Ensino Médio e elaborar propostas quepossibilitassem a ressignificação de sua identidade no contexto da educação básica à luz do documento MissãoEducativa Marista” (Projeto Curricular em Ação – Ensino Médio). Foram 19 encontros entre os anos de 2001 e2005, quando o pré-projeto foi lançado nos Colégios.

93

Fundamental, pois o grupo entendia que não seria possível constituir essas competências

estudantis nessa perspectiva apenas no Ensino Médio.

O Projeto Curricular em Ação foi apresentado para os colégios pelos

representantes que participavam das discussões do grupo, e como proposta inicial para as

unidades seria o estudo sobre “Aprendizagem Significativa27” para fortalecer o embasamento

teórico dos professores a respeito das aprendizagens dos alunos não se constituírem de forma

mecânica, sem atribuição de significado. Além de ser citado no Projeto Curricular em Ação

(Anexo 02), o ideal de aluno marista pesquisador,comunicador e solidário é mencionado

especificamente num ofício endereçado aos Colégios em 2005 (Anexo 01), no Projeto Político

Pedagógico do Colégio Marista (Anexo 03) de Criciúma e nas matrizes Curriculares de

Biologia, Ciências, Física, Arte e DAPS.

Apesar de não serem enfatizadas essas competências como ideal de aluno, nas

outras matrizes curriculares (Matemática, Química, Ensino Religioso, Filosofia, Geografia,

História, Sociologia, Educação Física, Línguas Estrangeiras e Língua Portuguesa) pode-se

percebê-las pela análise dos eixos estruturantes que salientam a investigação e a linguagem

como essenciais no processo de aquisição dos conhecimentos e percebem a solidariedade

como condição para transformação social. De acordo com a Matriz de Biologia, por exemplo,

esses eixos revelam a identidade do componente curricular e sistematizam os conteúdos,

apontando estratégias e orientando as avaliações, visando proporcionar maior visibilidade à

disciplina.

Como um dos objetivos de minha investigação foi identificar os significados

atribuídos pelo Colégio quanto às categorias propostas para seu ideal de aluno, tanto nos

documentos quanto nos discursos dos educadores, iniciei a pesquisa documental pelo PPP e o

Projeto Curricular em Ação, sendo necessário posteriormente me reportar à leitura das

Matrizes Curriculares. Ao não encontrar as definições diretas em todas as matrizes optei por

anexar no trabalho final apenas a Matriz Curricular de DAPS porque seu objeto de estudo é o

aluno e suas relações.

Lembrando, o componente curricular Desenvolvimento Acadêmico, Pessoal e

Social é uma disciplina elaborada especialmente para aproximar o aluno do mundo concreto,

situá-lo no contexto social, muito próxima, portanto, ao ideal de aluno marista. No colégio de

Criciúma, que optou por não oferecê-la como uma disciplina, seus conteúdos acabaram sendo

de responsabilidade de todos os professores. No decorrer desse texto procurarei elencar o que

27 Os estudos feitos foram baseados em MOREIRA, Marco Antônio; MASINI, Elcie F. Salzano sobreaprendizagem significativa, de acordo com David Ausubel.

94

significam essas categorias de acordo com os documentos e pesquisa empírica nesta

sequência, fazendo posteriormente uma reflexão sobre as aproximações e distanciamentos

possíveis com as categorias freireanas de curiosidade ingênua/epistemológica, dialogicidade

e solidariedade.

De acordo com o Projeto Político Pedagógico (PPP) do Colégio Marista os

objetivos do Colégio são:

estabelecer a relação teórico-prática na área educacional, analisando todos osaspectos que podem aprimorar o ensino e a formação integral do ser humano; promover a educação integral e harmônica da criança, do adolescente e dojovem; formar os educandos para a liberdade e para a responsabilidade; orientar os educandos para internalizar, consciente e responsavelmente, umaescala de valores humanos e cristãos; cooperar para formar o homem que seja livre, consciente, crítico, comunitário esolidário, membro da comunidade social e eclesial, comprometido na promoção daspessoas; preparar o educando pesquisador, solidário e comunicador para o exercícioconsciente da cidadania; estimular a criatividade do educando; proporcionar o desenvolvimento da capacidade sensório-motora e dashabilidades; criar ambiente de fé onde o educando possa receber, experimentar e aprofundaros valores evangélicos. (PPP, p. 11, grifo meu)

Este documento não especifica as características de um aluno pesquisador,

comunicador e solidário, apenas cita essa formação dentre os objetivos do Colégio. A missão

do Colégio Marista de Criciúma “é tornar-se um centro irradiador de uma nova sociedade, em

que o homem, comprometido com a verdade, justiça e paz contribua na construção da

fraternidade e do bem estar social”.(PPP, 2008, p. 11)

A explicação das categorias pesquisa, comunicação e solidariedade encontram-se

no ofício endereçado aos Colégios em 2005 (Anexo 01), que se propõe formar o aluno para:

(1) A pesquisa: o aluno deve ser capaz de analisar criticamente os problemas domundo, formulando perguntas e propondo respostas, em um processoproblematizador sempre passível de confirmação, inovação e modificação [...](2) A comunicação: o aluno deve estar apto a expressar ideias e sentimentos comclareza, consistência e coerência, valendo-se dos recursos e formas disponíveis derepresentação, tornados eficazes na interação comunicativa com o outro e com omundo [...](3) A solidariedade: educar o aluno na e pela solidariedade, assumida como “avirtude cristã dos nossos tempos e como imperativo moral para toda a humanidade,no quadro da atual interdependência global e das penetrantes estruturas dopecado28”. (CEMEP, 2005)

28 Missão Educativa Marista: um projeto para nosso tempo. Comissão Internacional de Educação Marista (1995-1998). 2.ed. São Paulo: SIMAR, 2000, p. 61.

95

O documento ainda destaca o desafio dos Colégios no sentido de articular o

currículo com os objetivos pedagógicos e as situações didáticas, visando à formação do aluno

pesquisador, comunicador e solidário. Refere-se também à necessidade de adequação à

realidade contemporânea no desenvolvimento de capacidades para o enfrentamento e a

resolução dos problemas planetários.

Descreverei a demarcação da categoria pesquisa nos documentos e posteriormente

os dados da pesquisa empírica bem como sua aproximação com a curiosidade epistemológica

de Freire. O ofício 03/05 (Anexo 01) encaminhado aos colégios evidencia a relação direta

entre a escola, o educador e a pesquisa:

A ação educativa da escola deve incentivar a pesquisa, a pergunta, a curiosidade, aação de buscar o conhecimento e de gerar informações tanto por parte dos alunosquanto dos professores, favorecendo a construção da autonomia responsável. Oprofessor vive a pesquisa em sua própria vida e a incentiva em seus alunos,construindo assim um esquema dialético de avaliação e interpretação. Para tanto, épreciso ser capaz de elaboração própria do conhecimento para que possa promoveruma intervenção social responsável e eficaz, o que implica renovação constante.(CEMEP, 2005)

Nessa perspectiva de formação de um aluno pesquisador é necessário um professor

também com essa característica. O Projeto Curricular em Ação propõe também que o docente

seja colocado em situações em que se reconheça enquanto sujeito, para que, dessa forma,

possa transformar o seu fazer pedagógico sob a constituição de uma nova concepção de

educação. Este projeto visava ainda:

5.2. Constituir-se em instrumento de qualificação e formação de professoresmediadores, oferecendo momentos de participação em debates, visando à construçãodas concepções de educação e currículo e que sejam capazes de ensinar para aautonomia na autonomia, desenvolvendo o espírito de pesquisa, investigação,comunicação e solidariedade. (PROJETO CURRICULAR EM AÇÃO, 2005)

A ressignificação curricular é citada, de modo a alcançar o ideal de aluno proposto

sem desfocalizar seu processo formativo na transmissão dos conhecimentos escolares. De

acordo com o projeto, é necessária a superação do ensino propedêutico para um outro voltado

mais às aprendizagens com significado. A lógica burocrática de ensino, da transmissão de

conteúdos à mediação necessita ser alcançada por meio da proposta deste projeto.

O Projeto foi lançado em 2005, mas não se ouviu falar muito dele após este

período. As matrizes curriculares que estavam em fase de discussão foram concluídas e as

demais também elaboradas. Dentre um total de quinze matrizes escritas na Província Marista

Brasil Centro-Sul, a investigação é apresentada como eixo em sete, demonstrando uma

96

valorização ao ato da pesquisa. Cada uma delas é apresentada de acordo com a área do

conhecimento, mas lhe é atribuída importância para a transformação social.

As Matrizes Curriculares de Biologia, Ciências, Química e Física destacam a

necessidade do eixo investigação científica para que seja produzido e cultivado o espírito

investigativo. Salientam ainda que este eixo abre possibilidades de desenvolvimento de novos

conceitos e novas interpretações dos temas já vivenciados, superando a contemplação dos

fenômenos observados.

A Matriz Curricular de Filosofia compreende a investigação como a capacidade de

não se contentar com o dado pronto, mas que oportuniza disposição para questionar as

práticas e os valores socialmente aceitos e para buscar novas formas de compreensão e

apreensão do mundo. O documento ainda define que a inquietação proposta pela Filosofia

deve estar associada à criticidade e propõe-se ainda a promover embates que favoreçam

construções teórico-práticas sobre os problemas que afetam a vida dos homens. Contrariando

a visão utilitarista da escola, essa definição atribui a esta disciplina o auxílio na organização

dos processos de formação que visem ensinar e aprender, a ter raciocínio lógico, a saber

pesquisar, a fazer sínteses e elaborações teóricas e outras competências que sejam necessárias

para o educando.

A investigação também é destacada na Matriz Curricular de Sociologia como eixo.

Nesse documento ela é apresentada como investigação sociológica e destacada sua

importância na produção de conhecimento científico e na análise dos fenômenos sociais em

suas várias esferas, atribuindo sua colaboração para a ampliação da interpretação da realidade.

Destaca que a diversidade dos temas estudados pela disciplina deve ser relevante na vida dos

alunos e que estes devem ser estimulados à construção de um olhar científico que permita

compreender seu contexto histórico e refletir sobre as implicações sociais.

A prática investigativa dentro dessa matriz é considerada um exercício de

cidadania, já que será ela que oportunizará a possibilidade de traduzir os conhecimentos da

Sociologia, compreendendo suas especificidades metodológicas e construindo significados a

partir dos dados analisados, interpretados para, posteriormente, transformar positivamente a

realidade social. A disciplina de sociologia caracteriza-se como um saber essencial ao aluno

pesquisador, pois poderá atribuir-lhe aspectos importantes à cidadania, evitando a mera

repetição de conteúdos e a ideia de uma sociedade pronta e acabada, mas entendendo-a

enquanto processo contínuo de construção e reconstrução.

Além das matrizes citadas, a Matriz de DAPS oportuniza algumas reflexões na

97

formação do aluno pesquisador, comunicador e solidário. Esta matriz é de responsabilidade

de todos os professores e tem como eixos estruturantes as dimensões acadêmica, pessoal e

social, na tentativa de ver o educando em sua integralidade:

O DAPS explora as interações da pessoa com o meio em que vive e se relaciona.Engloba os núcleos dos saberes que emanam da pessoa como objeto de estudo evoltam para ela como objeto do conhecimento. Nessa retroalimentação reside acomplexidade da disciplina que, ao mesmo tempo envolve devido às suascaracterísticas essenciais, possibilita a complementaridade entre as diversas áreas. Oprocesso de ensino e aprendizagem favorecido no DAPS envolve questões ligadas àorganização escolar, às vivências, interações pessoais e habilidades sociais quefundamentam o “aprender a ser” e o “aprender a conviver”, ou seja, tudo o que dizrespeito ao aluno como sujeito em sua integralidade. Dessa forma, todo o universodo aluno pode ser traduzido como conteúdo, fonte inesgotável para a motivação edesencadeamento de ações. (MATRIZ CURRICULAR DE DAPS, 2008, p. 3, sic)

Para o alcance dessas características, o documento faz menção às competências

e habilidades desenvolvidas por essa disciplina, elencando três competências das cinco

citadas no ENEM:

III. Selecionar, organizar, relacionar, interpretar dados e informações representadosde diferentes formas, para tomar decisões e enfrentar situações problema.IV. Relacionar informações, representadas em diferentes formas, e conhecimentosdisponíveis em situações concretas, para construir argumentação consistente.V. Recorrer aos conhecimentos desenvolvidos na escola para intervenção solidáriana realidade, respeitando os valores humanos e considerando a diversidadesociocultural. (MATRIZ CURRICULAR DAPS, 2008, p. 24)

As competências escolhidas para a Matriz Curricular de DAPS associam-se com

as três características do aluno Marista quando relacionam a coleta de informações para

argumentação consistente e intervenção social. Para uma argumentação consistente é

necessário pesquisa e boa comunicação e a intervenção social pode ser realizada por meio da

solidariedade. Esta Matriz ainda destaca três habilidades do ENEM e elenca quais devem ser

desenvolvidas em cada eixo estruturante:

ACADÊMICAa. Desenvolver hábitos de estudo “cultivando a memória, capacidade de síntese,os critérios para reflexão, o juízo crítico, hábitos de trabalho intelectual, assimcomo as habilidades que lhe permitam assumir o trabalho com expressão ecriatividade”, buscando a autonomia para ser pesquisador, comunicador,empreendedor e solidário.

PESSOALa. Aprender a cultivar a auto-estima, a persistência, a resiliência, desenvolvendoautonomia e responsabilidade na tomada de decisões.

SOCIALa. Analisar as relações humanas, observar e modificar maneiras derelacionamento pessoal e interpessoal, desenvolvendo o protagonismo, asolidariedade e a comunicação.

98

b. Aplicar as regras de convivência em seu cotidiano, reconhecendo a diferençacomo elemento natural no mundo, ampliando os vínculos sócio-afetivos em prolde um exercício consciente da civilidade, da solidariedade, da mediação e daresolução de conflitos. (MATRIZ CURRICULAR DE DAPS, 2008, p. 25)

O eixo dimensão acadêmica é voltado aos interesses do aluno enquanto ator

e agente do processo educativo. Determina as funções e tarefas que dizem respeito ao

educando. Assim, esse eixo apresenta um conjunto de habilidades que visa à mobilização

dos saberes e sua aplicabilidade, proporcionando a produção e a integração dos

conhecimentos que vão construir e corroborar a competência acadêmica.

A dimensão pessoal, como eixo da Matriz Curricular de DAPS, percebe o

educando além de seu contexto escolar, sendo marcado por suas características e

particularidades individuais, marcadas pelas formas de perceber e significar o mundo e de

sua interação com ele.

É, em diferentes contextos como, por exemplo, o familiar, sociocultural e escolarque o aluno constrói sua identidade e autonomia na busca doautoconhecimento, da auto-observação, da auto-estima, da ampliação deperspectivas pessoais e da compreensão da relação com o outro. Diante dessasnecessidades, o trabalho com esse eixo contribui para o desenvolvimento daconsciência dos próprios sentimentos e do dos outros, da automotivação, dacompreensão das próprias potencialidades e dificuldades, da sensibilidade,discernimento, senso estético, responsabilidade e espiritualidade. (MATRIZCURRICULAR DE DAPS, 2008, p. 10)

A dimensão social é o último eixo da Matriz Curricular de DAPS e visa ao

desenvolvimento de habilidades necessárias para que o educando relacione-se positivamente

com seus pares. Cita a competência social como responsável por condutas e procedimentos

no enfrentamento de diversas situações que a vida impõe.

A categoria pesquisa liga-se à dimensão acadêmica, pois é uma das habilidades a

que este eixo se propõe, mas não se desvincula dos outros dois eixos, pelo fato de estar ligada

diretamente às individualidades do sujeito e da interdependência de outras pessoas para

realizá-la.

Foi possível perceber pelas entrevistas que esse ideal de aluno é conhecido não

como característica Marista, mas como necessidade educacional dos dias atuais. Os

professores definem a necessidade de criação de espaços de pesquisa e comunicação para que

a sociedade seja transformada. Percebem os conteúdos tratados em sua disciplina como

instrumentos para que a solidariedade aconteça entre os povos. A maioria dos entrevistados

não demonstrou conhecimento da proposta como ideal de aluno marista, mas concorda que é

99

necessário o desenvolvimento dessas competências para que o aluno possua autonomia

estudantil.

De acordo com as Entrevistadas A e D, o aluno pesquisador é aquele que vai em

busca do conhecimento e não espera conteúdos prontos. Para essas educadoras, o ensino de

conteúdos deve promover a curiosidade nos alunos para que estes queiram aprender mais.

O ensino dos conteúdos deve apenas atiçar os conhecimentos, despertar acuriosidade para que ele aprofunde os conteúdos que a escola tem trabalhado. Nãobasta assimilar conteúdos prontos. A sala de aula é apenas o meio para incitação demaior desejo de conhecer. (Entrevistada A)

A Entrevistada B acrescenta que o aluno pesquisador:

[...] é aquele que, deparando-se com um tema, sabe onde buscar, sabe redigir sobreaquele assunto sem estar precisando que o professor esgote as possibilidades. Eleresolve situações-problema. Eu dou aula para o nono ano e Ensino Médio e perceboo crescimento de nossos alunos. Trabalho em outras escolas e o enfoque que possodar aqui no incentivo à pesquisa e a problematização faz a diferença quando eleschegam na terceira série do Ensino Médio. (Entrevistada B)

Para essa educadora, para que seja considerado pesquisador, o aluno deve possuir

protagonismo em suas atividades de estudo, resolvendo situações complexas por meio de

diferentes caminhos, não ficando limitado a apenas uma solução para os problemas propostos.

Nesse sentido, o aluno precisa mostrar-se desejoso de apropriar-se dos conhecimentos, não se

limitando às aulas ou apenas aos conteúdos propostos nos livros adotados pelo Colégio.

A Entrevistada D concorda: “Um aluno que tenha vontade de sair em busca de se

aprofundar, que ele seja instigado para pesquisar, para ter autonomia, e o contrário também

deve ocorrer: precisa possuir autonomia para saber pesquisar”. Ela ainda ressalta que a

autonomia de pesquisar é um dos requisitos básicos para a contratação dos professores no

Colégio Marista, pois para ensinar alguém a pesquisar é necessário, antes, vivenciar a

pesquisa.

A Entrevistada F salienta o papel do professor no processo de pesquisa:

O aluno pesquisador é aquele que consegue elaborar seus conhecimentos por meioda pesquisa orientada. São os professores que têm a responsabilidade de ensinar apesquisar. Ele não pode ser visto como alguém dono do saber, mas que possuicompetência para ensinar a investigar porque também é um investigador.

De acordo com essa educadora, a pesquisa é mediada por professores-

pesquisadores, que se apresentam também como aprendizes. Para ela, o professor, quando

representa ser o “dono da verdade”, inibe a aprendizagem. Não considera o educador como

100

aquele que “guiará” alguém que não sabe aonde vai, mas ao contrário, oferece diferentes

possibilidades de busca, fazendo do aluno co-autor do conhecimento estudado.

A coragem de expor sua opinião e o compromisso social da pesquisa também

foram citados:

Aquele que expõe e defende sua opinião, toma posição em variados assuntos, é umaprendiz independente, busca o algo mais, sem esperar pelo professor. Ainda assim,tem consciência de seu papel em classe bem como na sociedade, auxiliando os quetêm dificuldade e buscando ajuda quando precisa. (Entrevistado G)

No entender do Entrevistado L, o pesquisador tem que saber fazer a pesquisa, mas

isso não significa apenas catalogar ou repassar para o papel o que leu, analisando ou

sintetizando. Ele deve compreender para poder escrever o que entendeu. A análise precisa ter

diferentes fontes, não apenas uma, para que ele possa fazer o comparativo entre elas.

Segundo o Entrevistado M, as categorias estudantis elencadas são indissociáveis e

são subordinadas ao conceito de autonomia:

Essas três características estão ligadas ao conceito de autonomia. Os estudantes quepesquisam, comunicam-se e que de alguma forma transcendem essa dinâmica sendosolidários. A dinâmica de autonomia acontece com uma série de trabalhos esituações que o professor pode proporcionar.O estudante não é só aqui no Colégio e eu posso cultivar a dinâmica de pesquisanele e mantê-lo pesquisador em outros locais. A pesquisa deve estar atrelada à vidasocial desse indivíduo. Minha aula parte do pressuposto que a pesquisa e aindividualidade são elementos fundamentais, mas estão ligados ao conceito deliberdade, por isso é importante que os alunos também compreendam o que significaliberdade.

A maioria dos educadores entrevistados salientou a necessidade da pesquisa no

dia-a-dia escolar, sendo vista como oportunidade de ampliação dos conhecimentos já tratados

em sala de aula. A responsabilidade docente também foi elencada como condição para o

alcance do aluno pesquisador. Os educadores do Colégio visualizam a necessidade de não

apenas oportunizar a pesquisa, mas vivenciá-la no seu dia-a-dia docente. O que pude

perceber, no decorrer das entrevistas, foi um certo desconforto em relação aos objetivos

propostos. Quando questionados sobre suas práticas para o alcance do aluno pesquisador,

bem como comunicador e solidário, os professores argumentaram a falta de tempo para

trabalhar tantos objetivos e voltaram a citar as avaliações.

A Entrevistada A considera a escola, de uma maneira geral, retrógrada e cuja

exigência ainda pauta-se em conteúdos prontos em vez de objetivar um ensino que realmente

tenha significado para os educandos.

O Entrevistado N, como citado anteriormente, quando questionado sobre sua

101

contribuição para o alcance do aluno pesquisador, salientou sua responsabilidade docente:

Tenho noção de minha responsabilidade e isso me incomoda bastante, pois nãotenho uma concepção conteudista, mas o tempo para discussões mais profundas nãoé o suficiente. Sei que não é a quantidade de capítulos trabalhados que farão meusalunos saberem mais ou menos. Portanto, procuro utilizar notícias trazidas por elesou por mim para associar aos conteúdos trabalhados. O presente deles é importante,não podemos viver no passado nem no futuro. Mas a falta de tempo é que faz comque eu nem sempre faça o que acredito ser certo.

Para o Entrevistado N, muitas de suas aulas assumem caráter bancário por não

poder abrir muito espaço ao diálogo. Quanto à pesquisa, ele manifesta fazê-la de modo

problematizador, incitando seus alunos a estudarem os textos destacando suas principais

dúvidas e pesquisando em outras fontes que não sejam seus livros textos. Este entrevistado

explica que a orientação da Assessoria do Colégio é que trabalhe com problematizações

durante as aulas, mas que ele nem sempre consegue fazê-lo, por falta de tempo.

De acordo com Freire, a curiosidade é necessidade ontológica, mas que pode

ultrapassar os limites do domínio vital para tornar-se produtora de conhecimentos. Segundo o

autor, para superação de uma curiosidade a outra, da ingênua para a epistemológica, é

necessário uma ação problematizadora que possibilite aos educandos uma visão crítica do

mundo que os cerca. Práticas pontuais feitas por professores que problematizam os conteúdos

abordados, escolhidos por eles ou não, mesmo que não seja o ideal se comparando com uma

proposta de problematização que concretamente esteja presente no dia-a-dia escolar, podem

auxiliar os alunos a vislumbrar outras possibilidades de ver o mundo. A visão única sobre os

fatos, praticada pelo bancarismo, não abre possibilidades de pensar criticamente sobre eles,

pois limita o pensar discente. Como citado anteriormente, a problematização em sala de aula

não é muito praticada pelos professores do Colégio.

Para que possa produzir conhecimento, na visão de Freire ([1996] 2001), a

curiosidade precisa ultrapassar os limites peculiares do domínio vital. É a capacidade de olhar

o mundo de forma curiosa que tornou os seres humanos capazes de atuarem no mundo que os

cerca. Mas a curiosidade, mesmo sendo inerente ao ser humano, para se tornar epistemológica

precisa ser trabalhada de forma problematizadora. Essa curiosidade pode ser vista nos

documentos do Colégio Marista de Criciúma quando incentiva a pesquisa e se utiliza da

investigação como eixo na proposta de trabalho, mas quanto à pesquisa empírica pode-se

perceber que os professores não se mostram satisfeitos com sua prática, elencando a falta de

tempo para formar com vistas à argumentação.

A curiosidade epistemológica elencada por Freire aproxima-se da pesquisa

102

destacada nos documentos quando se compromete com a transformação da sociedade atual.

Mas se distancia quando os entrevistados afirmam estar submetidos ao que podemos

identificar como bancarismo, pois esse modelo subordina tanto educador quanto educando,

reprimindo a curiosidade e desestimulando a capacidade de desafiar-se. Para que os alunos

superem a curiosidade ingênua é necessária uma educação problematizadora, fundada na

crença da humanização, no sentido da vocação ontológica do ser mais, dos atores escolares.

De acordo com Freire ([1996] 2001), para que seja possível uma prática docente

crítica faz-se necessário o pensar certo, o qual consiste num movimento de reflexão sobre a

própria prática pedagógica. É por meio da rigorosidade metódica do professor, ao planejar

suas aulas, que a curiosidade epistemológica pode ser alcançada, pois o que a prática

espontânea produz é um saber ingênuo, acrítico. O autor determina que foi a capacidade de

perceber o mundo curiosamente que tornou os homens capazes de transformá-lo e afirma que

a educação torna possível ao homem perceber sua vocação ontológica de ser mais e auxiliar

seus pares para que também o sejam.

Os professores do Colégio Marista de Criciúma, ao contrário do que dizem os

documentos, manifestam não conseguir praticar a pesquisa com a tranquilidade necessária e

afirmam que uma investigação bem feita precisa ser realizada em sala de aula onde eles

poderão dar as orientações necessárias aos alunos que necessitem. Expressam - o que

podemos interpretar - que os encaminhamentos metodológicos ainda tem caráter bancário

pelo tempo limitado de trabalho junto aos educandos.

Pensar a pesquisa como determinam os documentos do Colégio é possível se este

tempo, tão reclamado pelos professores, pudesse ser ampliado ou alguns objetivos reduzidos.

Ou seja, a proposta pedagógica da pesquisa parece esbarrar no aspecto concreto de avaliação

do conteúdo que deve ser ministrado, não permitindo tempo para se alcançar todos os

indicadores propostos nas matrizes. A proposta das matrizes curriculares proporciona uma

visão de pesquisa que leve o aluno junto com o professor a responsabilizar-se pelo próprio

processo de aprendizagem, mas seria interessante uma discussão com os próprios docentes

sobre a impossibilidade dessa formação manifestada na pesquisa empírica. O fato de haver

uma proposta que abre essa possibilidade já é um começo, o que precisa ser discutido entre os

educadores é a real razão que impossibilita a prática. A proposta dialógica de Freire seria

bastante viável para o Colégio, no sentido de buscar junto com os professores soluções para

os problemas encontrados quanto à integração da pesquisa no fazer pedagógico.

É possível perceber um distanciamento da proposta freireana no que concerne à

pesquisa, quando não há associação desta categoria à conscientização. Para Freire ([1996]

103

2001), o ato curioso deixa de ser ingênuo e passa a ser epistemológico pela rigorosidade

metódica, desenvolvida pelo ato consciente dos homens de se fazerem sujeitos também. Os

documentos citam a necessidade da investigação para que os alunos se apropriem do

conhecimento e percebam o mundo que os cerca de forma crítica. Faz-se necessário

considerar que essa crítica não é a mesma citada pelo autor, quando evidencia o homem em

sua condição ontológica de ser mais, tornando-se sujeito, colocando-se a favor dos oprimidos,

transformando a realidade que o cerca com outros homens que também se fizeram sujeitos por

seu posicionamento radical.

O posicionamento radical, segundo Freire ([1987] 1996), alicerçado no diálogo,

oportuniza ao homem a superação de uma consciência à outra, da instransitiva para a

transitiva ingênua e posteriormente à crítica, porque é alimentado pela radicalização que é

crítica e criadora. Posicionamento este que contraria o sectarismo, fechado por seu

antidiálogo. Como citado anteriormente:

É que a sectarização é sempre castradora, pelo fanatismo de que se nutre. Aradicalização, pelo contrário, é sempre criadora, pela criticidade que a alimenta.Enquanto a sectarização é mítica, por isso alienante, a radicalização é crítica, poristo libertadora. Libertadora porque implicando o enraizamento que os homensfazem na opção que fizeram, os engaja cada vez mais no esforço de transformaçãoda realidade concreta, objetiva. (FREIRE [1987] 1996, p. 25)

Os professores do Colégio Marista, junto com sua assessoria e direção, podem

optar pela radicalização, que amplia os horizontes dos sujeitos por apresentar a eles sua

própria libertação, ou a sectarização, que aprisiona e prende em círculos de segurança,

impedindo-os, assim, de transformarem a realidade e suas próprias práticas, como propõem os

documentos. É necessário enfrentamentos, apropriação da teoria que rege a proposta e opções

metodológicas que sejam coerentes com o discurso teórico.

Quanto ao aluno comunicador, seguirei o mesmo viés. Na análise documental

verificando suas possibilidades por meio do Projeto Curricular em Ação, do PPP, das

matrizes, especificamente a de DAPS. Posteriormente a apresentação dos dados empíricos,

farei uma aproximação com a categoria freireana de dialogicidade.

Relembrando a citação feita anteriormente contida no ofício 03/05 quanto a

formação do aluno para comunicação:

[...] o aluno deve estar apto a expressar ideias e sentimentos com clareza,consistência e coerência, valendo-se dos recursos e formas disponíveis derepresentação, tornados eficazes na interação comunicativa com o outro e com omundo [...] (CEMEP, 2005)

104

De acordo com o Projeto Curricular em Ação, a educação deve promover a

participação e a criatividade no processo de aprendizagem, contribuindo para que o aluno

construa autoconfiança na relação com seus colegas para que conquiste a competência de

trabalhar em grupo e a se comunicar com o outro, assumindo suas responsabilidades: “Estar

com o outro, sensibilizar-se com as diferenças, mobilizar conhecimentos que gerem atitudes

solidárias, interferindo socialmente, são ações que demonstram a identidade do aluno do

Ensino Médio Marista”.(PROJETO CURRICULAR EM AÇÃO, 2005)

Este documento ainda salienta que a apropriação da cultura só é possível por meio

da leitura e escrita e que é função da escola oportunizar as linguagens diferentes próprias de

cada área do conhecimento para que os educandos se utilizem delas para comunicar-se bem

no mundo em que vivem.

2.9. O Ensino Médio, ao longo dos anos, tem priorizado e legitimado, comopossibilidade de expressão e representação do mundo, o domínio exclusivo dalinguagem escrita, academicizada, negando a multiplicidade e variedade delinguagens que produzem e explicam os significados e sentidos do mundo. Esseaspecto, de certa forma, tem impedido que as culturas juvenis – seusconhecimentos, seus saberes, suas formas de representação, seu universo cultural,sua visão de mundo – entrem na escola e façam parte do processo ensino-aprendizagem. (PROJETO CURRICULAR EM AÇÃO, 2005)

Dentre os objetivos específicos do Projeto, encontra-se:

5.5. Ampliar as possibilidades de leitura, interpretação, análise e representação domundo, por meio do reconhecimento das múltiplas linguagens (artística, visual,musical, gestual, corporal, entre outras), visando ao desenvolvimento das diversasformas de expressão, comunicação e produção de ideias. (PROJETOCURRICULAR EM AÇÃO, 2005)

A Matriz de DAPS apresenta a comunicação como característica do aluno marista

e contextualiza que essa matriz auxilia na formação desse ideal, buscando respostas aos

desafios impostos pelas demandas atuais, alicerçados nas exigências da educação para o séc.

XXI: aprender a aprender, aprender a fazer, aprender a ser e aprender a conviver:

[...] Com relação ao aprender a fazer, exigência essencial à estética, à formaçãoprofissional, ao exercício do próprio ofício e ao preparo para o mundo de trabalhoque permeiam a Educação Básica, destacou-se a ênfase no hábito de estudo, napesquisa e na comunicação/aplicação dos conhecimentos significativos. Oinvestimento na assertividade como meio de organização e cooperação, motivando oempreendedorismo e a transformação do conhecimento.(MATRIZ CURRICULARDE DAPS, 2008, p. 9)

O PPP do Colégio Marista de Criciúma não conceitua as categorias em sua

escrita, apenas cita-as em seus objetivos. Como dito anteriormente, as matrizes curriculares

105

que especificam esse ideal de aluno são as de Biologia, Ciências, Física e Arte, mas outras

utilizam o eixo linguagem com o objetivo de promover o domínio da comunicação em cada

área do conhecimento. O eixo linguagem é apresentado em nove das quinze matrizes

curriculares.

A Matriz Curricular de Biologia atribui à linguagem o predomínio da função

informativa, clareza, precisão e um vocabulário técnico-científico e destaca que quando o

aluno compreende a origem dessa linguagem, avalia como ela é, a usa para representar as

verdades provisórias da ciência. Refere-se também à importância de relacionar o significado

de um conceito a uma rede constituída por outros conceitos que determina o seu significado

biológico, ou seja, suas origens a qual estão inter-relacionados no tempo e espaço.

Explica que um conceito nunca está isolado, pois dialoga com vários outros e, por

isso, a análise de sua origem, bem como de suas características terminológicas, precisam ser

estudadas na sua inter-relação. Este eixo, segundo a matriz, também possibilita, ao abordar a

estrutura e origem dessa linguagem, que o sujeito possa analisar, compreender, ampliar,

registrar e desenvolver sua criticidade em relação aos fenômenos científicos, biológicos ou de

senso comum, ampliando seu conhecimento sobre o mundo.

De acordo com as matrizes de Biologia e Física, entre as ciências, essas

disciplinas possuem a particularidade de exigir diferentes linguagens para sua compreensão -

oral, escrita, visual e, em alguns casos, a linguagem matemática. Dessa maneira, exigindo que

a linguagem apresentada pela disciplina de Biologia abranja os modelos teóricos elaborados

pelo homem que buscam representar os recursos naturais.

A Matriz Curricular de Ciências afirma que o eixo busca promover o domínio da

linguagem empregada pela ciência para significar e mediar seus saberes. Caracteriza a

linguagem como um corpo de conceitos que a área usa para ver e produzir objetos do

conhecimento, abrindo possibilidades e facilitando a compreensão das ciências.

O eixo linguagem é apresentado na Matriz Curricular de Química como

responsável pela mediação e significação dos conteúdos, pois compreende a capacidade

humana de articulação de significados coletivos em sistemas arbitrários de representação, de

certa forma compartilhados e que variam de acordo com as necessidades temporais, sociais e

locais. Para este documento, a linguagem possibilita a discussão articulada, a formulação de

problemas, o encontro de soluções e a expressão de novos conhecimentos, fornecendo

espaços para qualificação por meio da crítica. Reafirma a diferença da linguagem científica

concordando com as matrizes de Biologia e Física.

Diferente do destacado nas matrizes anteriores, a linguagem nas matrizes de

106

Sociologia e Filosofia é descrita como superação da simples representação de ideias ou

objetos ou como instrumento de comunicação, ao contrário, propõe uma concepção mais

ampla, ligada às várias possibilidades de compreensão e significação dos signos disponíveis

na sociedade. Estes dois documentos consideram todo ato de linguagem um processo de

produção e interpretação, construídos pelos sujeitos e que precisa ser reconhecido pertencente

a um jogo interacional, com intencionalidades explícitas e veladas. Trata-se de um processo

de invenção daquilo que a própria linguagem narra.

De acordo com a Entrevistada A, a comunicação é:

O meio pelo qual podemos expressar os sentimentos, angústias. No caso dos alunosnão é diferente. Quando ele se expressa torna-se dono daquilo que disse, mostra avalorização que dá para o mundo que o cerca. Por isso é tão importante procurarformar alguém que saiba se comunicar: assim ele poderá expressar tudo de formaclara e objetiva, não apenas os conteúdos da escola. Não me refiro a ser um alunoque domine apenas conteúdos conceituais ou factuais, mas que saiba viver eexpressar-se vivo pela linguagem.

Segundo a Entrevistada B, saber comunicar-se é compreender os noticiários

referentes à ciência porque se apropriou da linguagem científica e consegue fazer relações

com o que estudou por meio de suas pesquisas ou os conteúdos em sala de aula. Ela afirma

que essa capacidade auxilia o educando na intervenção no meio em que vive. A Entrevistada

D concorda e afirma que as características propostas para o aluno estão relacionadas umas

com as outras quando afirma que:

O aluno pesquisa, mas essa investigação tem que servir para algo. Penso que paramudar a sociedade em que ele está e a apropriação das linguagens auxilia nessatransformação. Não adianta estudar ciência e não saber o que fazer com ela. Oaporte teórico dado pelo Colégio deve servir para o futuro do aluno. Eu instigo meualuno a ter autonomia na pesquisa e espero que ele saiba que seu uso não é só aquiem sala de aula. Fazemos a Multimostra aonde o aluno precisa demonstrar-se aptopara apresentar seus trabalhos. Além de desenvolver a pesquisa, sempreacompanhado pelos colegas e professor, precisa defender sua proposta de trabalho. Éclaro que cada aluno o fará dentro de suas possibilidades. Mas por isso aimportância de conhecermos nossos alunos, só assim poderemos perceber osavanços. É uma oportunidade de percebermos também até que ponto elessolidarizam-se uns com os outros.

A Entrevistada F também salientou a questão da comunicação como mobilidade

social, referindo-se a ela como necessária para que as pessoas unam-se para melhorar seu

meio social.

O Entrevistado L concorda com o fato do comunicador não ser apenas aquele

que faz a pesquisa, mas sabe expressá-la das mais diversas maneiras, não apenas de forma

oral, mas gestos (teatro) e mídias diversificadas. De acordo com o Entrevistado N, o

107

comunicador domina o conhecimento e sabe transmiti-lo, tendo domínio da oratória,

expressando-se de forma limpa, nítida.

O Entrevistado E define o aluno comunicador como aquele que se comunica

bastante com o outro, tem bastante diálogo com as outras pessoas. Ao ser questionado sobre

essa comunicação reforçou a ideia da fala, ou seja, a comunicação por este entrevistado é vista

como conversa entre pares ou mesmo entre professores e alunos. Além de definir o aluno

comunicador dessa mesma forma, o Entrevistado G acrescentou que este educando busca seus

direitos sem esperar pelo professor.

A pesquisa, tanto documental quanto empírica, apresenta a comunicação como

competência de expressar-se bem nas diferentes áreas do conhecimento. Tanto nos eixos de

linguagem apresentado nas matrizes quanto à definição do Projeto Curricular em Ação, ou os

entendimentos apresentados pelos professores apresentou-se bastante coerente. O que o

Colégio propõe como competência é visto pelos professores também dessa maneira. O que há

é um distanciamento dessa categoria com a dialogicidade no sentido freireano, pois, para

Freire ([1987] 1996), dialogar não é apenas expressar ideias de maneira clara, mas é ouvir e

dar o direito ao outro de dizer sua palavra. Pronunciar o mundo, percebendo-se nele e

sentindo-se participante dele é existir humanamente, segundo o autor. Mesmo que este

diálogo apresente-se como proposta, ele necessita efetivar-se na prática, por meio das ações

educativas. Ele manifesta-se nas relações estabelecidas entre educador e educando no que

concerne à relação de conteúdos, como também ao tempo de aprendizagem de cada grupo, e é

composto de amor, humildade, fé nos homens, esperança, criticidade e rigorosidade metódica.

Ser dialógico é mais que desenvolver a competência comunicativa, é tornar o outro visível,

em suas ideias e expressões. Educar para o diálogo, no sentido freireano, não se limita a

ensinar a expressão de ideias fragmentadas nas áreas do conhecimento, mas oportunizar que o

outro seja mais para que encontre o sentido de sua humanização.

O ato dialógico, para Freire[1969] 2006, não está à mercê do tempo e dos

conteúdos a serem trabalhados, pois ele problematiza os conhecimentos, sejam eles de ordem

técnica ou não. O papel do educador é “o de proporcionar, através da relação dialógica

educador-educando, educando-educador, a organização de um pensamento correto em

ambos.”(FREIRE[1969] 2006, p. 53)

Esse diálogo, ao contrário da linguagem destacada nas Matrizes, encontra-se na

realidade mediatizadora em que o educador escolhe os conteúdos com os quais vai dialogar.

Conteúdos esses sempre democratizados, pois parte do próprio olhar do educador sobre as

necessidades dos educandos. Dessa forma, o ato dialógico não se dá sozinho e é por meio dele

108

que os homens humanizam-se e têm oportunidade de olhar o mundo e sua existência como

processo. O diálogo implica eu formar a minha ideia em comunhão com os outros, em uma

incompletude própria do ser humano, que é um vir-a-ser.

Discorrerei agora sobre a categoria solidariedade segundo os documentos, a

pesquisa empírica e a visão freireana.

No Projeto Curricular em Ação (2005) pode-se perceber a solidariedade no

objetivo geral do projeto que é:

Formação humana e científica do jovem, com ênfase no aprofundamento, naampliação dos estudos e nas competências e virtudes que possibilitem a inserçãoética na sociedade: capacidade de trabalho em equipe, comunicar-se por meio demúltiplas linguagens, dar sentido ao mundo em transformação, considerando ascondições de posicionamento diante das novas formas de organização de trabalho, odesenvolvimento de competências cognitivas, sociais, políticas, psicológicas eculturais, o cultivo do estilo Marista que contempla o zelo pela aprendizagem, aacolhida solidária, o esforço cooperativo e a simplicidade, para favorecer areconstrução sistêmica e crítica do conhecimento e a vivência da justiça e dasolidariedade.

O documento atribui à proposta para o ensino como constituição de uma nova

racionalidade e uma nova dimensão relacional pautada em valores e em princípios éticos, por

meio do exercício da solidariedade, do cuidado com os outros, bem como com o ambiente, e

salienta a necessidade de respeito às diferenças de cada sujeito no alcance da promoção da

espiritualidade cristã marista. Propõe-se ainda a desenvolver sujeitos co-responsáveis e co-

partícipes dos processos de gestão escolar, que atuem na sociedade contribuindo com o

desenvolvimento dos contextos pessoais e socioculturais nos quais estão inseridos. Este

documento não dá maiores explicações sobre esta categoria, mas ela é encontrada no PPP

entre os deveres do professor: “[...] desenvolver junto aos alunos uma formação integral,

promovendo a solidariedade, respeitando a orientação católica do Colégio [...]”. (PROJETO

POLÍTICO PEDAGÓGICO, 2008, p. 91)

O Projeto Político Pedagógico também não especifica o que significa ser solidário

na visão do Colégio Marista de Criciúma, apenas coloca-o ao lado dos valores cristãos e

católicos, bem como a questão ética.

A Matriz do DAPS (2008, p. 7) propõe que o convívio entre as disciplinas

contribui para dar significado e sentido aos processos de formação do aluno Marista, abrindo

possibilidades para o aprofundamento e ampliação de seu ofício, “[...] colaborando, dessa

forma, para a formação de um sujeito mais aberto, flexível, solidário, crítico e que enfrenta os

problemas que as demandas atuais impõem”.

Na Matriz de Biologia a solidariedade é explicada como justificativa para a

109

conquista da melhoria de vida por meio da pesquisa científica. Cita ainda uma competência

elencada no ENEM que se refere ao reconhecimento dos conhecimentos desenvolvidos para

elaboração de propostas de intervenção solidária na realidade aliados ao respeito dos valores

humanos, considerando a diversidade de cada cultura. Na perspectiva deste documento a

formação de um aluno solidário se dá por meio da interpretação dos fenômenos relacionados à

vida, sua diversidade e manifestações nas diferentes leituras científicas, capacitando esse

sujeito na intervenção do processo tecnológico, social e na preservação do meio ambiente.

A Matriz de Química descreve como intenção dessa disciplina o desenvolvimento

de valores de solidariedade e compromisso social dos educandos, incentivando o

posicionamento de respeito a princípios estéticos, políticos e éticos. A competência do ENEM

citada na Matriz de Biologia é ressaltada nesse documento, bem como na de DAPS, Física,

Filosofia, Geografia, História, Educação Física, Língua Estrangeira e Língua Portuguesa: “[...]

Recorrer aos conhecimentos desenvolvidos na escola para elaboração de propostas de

intervenção solidária na realidade, respeitando os valores humanos e considerando a

diversidade sociocultural [...]”29

Segundo a matriz que norteia o trabalho de Química, vários dos objetos dessa área

são de fácil contextualização, mas é importante promover o trabalho com temas sociais que

evidenciem e propiciem condições para o desenvolvimento de atitudes de solidariedade e de

tomada de decisões em situações diversas. Para isso, determinam que os temas devem ser

contextualizados e a interdisciplinariedade considerada como fundamental na estruturação das

dinâmicas e ações didáticas.

De acordo com a Matriz Curricular de Filosofia o projeto humanitário é assumido

pela instituição e objetiva formar para a autonomia intelectual, social e organizativa,

expressando o comprometimento junto à cultura escolar. A garantia de aprimoramento dos

processos de leitura de mundo e a formulação de propostas de intervenção na sociedade são

metas perseguidas, objetivando a formação de sujeitos solidários e sociáveis que exerçam sua

alteridade sem perder de vista o outro.

Na Matriz Curricular de Educação Física, o eixo Interação Sócio-Afetiva propõe-

se a dar oportunidade ao aluno de aprender a ser cidadão do mundo em que vive,

considerando o coletivo sem sobrepujar o individual, descreve que a ganância não deve

superar a solidariedade, nem a indiferença esmagar a compaixão. A disciplina, por meio do

documento, compromete-se em favorecer o desenvolvimento de uma prática regular,

contribuindo para atitudes mais solidárias e um posicionamento mais crítico, responsável e

29 www.inep.gov.br

110

construtivo nas diferentes situações sociais. Cita o diálogo como forma de mediar os conflitos

e tomar decisões coletivas.

A solidariedade proposta nos documentos bem como a definição da pesquisa

empírica apresenta uma visão cristã e a pesquisa empírica segue esse viés complementando a

necessidade de ações que objetivem a transformação social. Para a Entrevistada A:

O aluno solidário é o aluno que vem para escola, mas pensa na sua vida emsociedade. Os dias atuais nos apresentam valores distorcidos, apresentando conflitossociais e problemas econômicos exatamente porque as pessoas preocupam-se sóconsigo mesmas. O solidário utiliza seus conhecimentos para o bem comum,percebe a ciência como instrumento de transformação social.

Para a Entrevistada B, ser solidário é conseguir ver as necessidades do colega ao

lado, perceber suas dificuldades acadêmicas e auxiliá-lo. É o aluno que, ao ver uma

reportagem, sensibiliza-se com a dor de outros seres humanos e dos animais:

Esse aluno não fica rindo ou fazendo piadinha dos problemas os quais passam outraspessoas, mas consegue refletir sobre as soluções para os problemas observados. Paranós que trabalhamos com adolescentes é um desafio muito grande, pois nossasociedade é bastante individualista, e uma formação solidária não é alcançadasozinha, pois nossos alunos têm outras relações sociais. Ele não ficará solidário deum dia pro outro. Minha proposta enquanto professora é auxiliar o aluno a tercondições de trabalhar numa empresa tendo ações solidárias. Eu que trabalho háanos aqui me sinto gratificada ao perceber que conseguimos atingir esse ideal comalguns alunos...

De acordo com a Entrevistada C, a solidariedade é manifesta quando os

indivíduos agem em função do outro, de suas necessidades. A Entrevistada D, acrescenta:

A solidariedade não deve ser conquistada apenas nas aulas de Ensino Religioso.Todas as disciplinas devem desenvolver essa competência. Temos no Colégio aPastoral Juvenil Marista que promove reflexões com os jovens sobre sua funçãosocial.Ser solidário não é só doar algo aos outros, isso todo mundo faz. Procuramostrabalhar a consciência planetária, a importância de si e do outro e destacamos paracada segmento conteúdos que sejam adequados para idade e que garantam no finalda formação marista esses alunos solidários.

A Entrevistada F concorda:

O solidário é aquele que consegue elaborar o conhecimento crítico, saindo da escolacom responsabilidade social, sendo protagonista, relacionando-se inter eintrapessoalmente. Esse indivíduo faz com que seu meio possua um convívio maishumano.

A Entrevistada E explica que ser solidário é ajudar o outro, seja no âmbito escolar

ou não. Ela destaca que o exercício da solidariedade acontece na escola, quando os alunos se

111

ajudam mutuamente, auxiliando os colegas em suas atividades. A coragem de posicionar-se

diante do mundo também foi salientada por outro sujeito:

Aquele que expõe e defende sua opinião, toma posição em variados assuntos, é umaprendiz independente, busca o algo mais, sem esperar pelo professor. Ainda assim,tem consciência de seu papel em classe bem como na sociedade, auxiliando os quetêm dificuldade e buscando ajuda quando precisa. (Entrevistado G)

Um dos entrevistados, que trabalhou numa obra social, destacou a dificuldade que

possuem os alunos dos colégios particulares de colocar-se no lugar dos outros:

Quando eu trabalhava na obra social eu percebia que os alunos tinham carênciaeconômica e emocional. No caso dos alunos de nosso Colégio, que possuem umavida econômica melhor, percebo a dificuldade que eles têm de colocarem-se nolugar do outro, fazendo assim com que tenham dificuldade de serem solidários. Nemsempre conseguem ver os problemas sociais, mesmo os que se apresentam bempróximo deles. (Entrevistado L)

O Entrevistado M destaca que a proposta de perfil solidário é característica

marista, pelo fato de ser uma escola de perspectiva cristã. Para o Entrevistado N, ser solidário

está além de propor doações ou ser caridoso:

Ser solidário é mais do que participar de campanhas de doação de agasalhos oualimentação, pois dessa forma desempenho um papel paternalista. Solidarizar-se éter vivência, pois esse conceito está imbrincado com a fraternidade e ser fraterno éajudar a melhorar a sociedade atual. É a pessoa participativa, imbuída de propósitose não desviar-se deles porque a campanha acabou, mas fazer de sua vida umacampanha constante. É participar de movimentos sociais. (Entrevistado N)

De acordo com Freire ([1987] 1996), solidarizar-se é estar com os oprimidos, e

considerá-los não como designação abstrata, mas em sua concretude, buscando junto com os

oprimidos a sua libertação. A compreensão da dimensão da necessidade social é que

possibilita aos sujeitos a transformação da realidade objetiva.

De acordo com a pesquisa, tanto documental como empírica, pode-se perceber

que os educadores manifestaram a necessidade da solidariedade enquanto condição humana

de perceber no outro a sua própria humanidade. Nesse sentido, distancia-se da afirmação

freireana a qual determina que ser solidário é afirmar a condição ontológica do homem em ser

mais. É participar da superação do sentido de desumanização presente no contexto sócio-

histórico.

Não foram citadas ações que enfatizam o ato de estar com os oprimidos na busca

da mudança de sua situação de opressão, sendo que esta é uma das características da

solidariedade freireana. O autor reconhece que não é apenas falar aos oprimidos ou

112

reconhecer-se opressor, mas estar junto deles na construção de metas para modificabilidade

social. Apenas o reconhecimento do outro enquanto ser social que necessita de emancipação

não oportuniza que ela aconteça efetivamente.

Nesta perspectiva, ser solidário é estar junto do outro para modificabilidade

social, buscando ações conjuntas que façam refletir tanto opressores quanto oprimidos. Não é

apenas perceber o que o outro não tem e sensibilizar-se com isso, mas auxiliá-lo na busca de

sua própria humanização. Não apenas no sentido de propor melhoria social, mas

comprometer-se para obtê-la, percebendo-se oprimidos ou opressores e trabalhando para que

haja superação dessa contradição. Mas só a percepção não é suficiente, pois, para Freire

([1987] 1996), para que haja a superação é necessária uma ação transformadora que incida

sobre a situação opressora e instaure outra, possibilitando a busca do ser mais.

A pesquisa empírica apresenta semelhança à proposta freireana quando se opõe à

prática de assistencialismo. Freire ([1987] 1996) afirma que a prática assistencialista

transforma os sujeitos em objeto passivo e o que pode auxiliar na mudança social é a

participação ativa dos oprimidos e opressores, descobrindo-se nessa condição por meio do

diálogo. Como citado anteriormente:

Descobrir-se na posição de opressor, mesmo que sofra por este fato, não é aindasolidarizar-se com os oprimidos. Solidarizar-se com estes é algo mais que prestarassistência à trinta ou a cem, mantendo-os atados, contudo, à mesma posição dedependência. Solidarizar-se não é ter a consciência de que explora e “racionalizar”sua culpa paternalisticamente. A solidariedade, exigindo de quem se solidariza que“assuma” a situação de com quem se solidarizou, é uma atitude radical. (FREIRE[1987] 1996, p. 36)

Esta atitude radical, alicerçada no diálogo, oportuniza aos sujeitos a superação de

uma consciência à outra, da instransitiva para a transitiva ingênua e posteriormente à crítica.

Segundo as entrevistas, os alunos podem ter ações solidárias a partir de sua formação e estas

determinarão a construção de um mundo melhor. Não afirmam a necessidade desses alunos

perceberem-se opressores, apenas consideram a dificuldade que têm de enxergarem os

oprimidos. Ou seja, na condição em que se encontram, é necessário um trabalho de

conscientização de todos os atores escolares, incluindo as famílias, já que este aluno convive

muito tempo na escola, mas não é formado apenas por ela.

Pensar no currículo proposto para o Colégio Marista na formação de alunos

pesquisadores, comunicadores e solidários é refletir sobre questões que se estendem além do

cunho pedagógico. É lançar-se a questionamento sobre quem são os profissionais que atuam

com este aluno e como a família legitima essa formação. É ampliar o olhar para a necessidade

113

local, percebendo quais expectativas são colocadas diante da escola e ainda refletir sobre as

possibilidades e limitações diante da proposta.

Durante a pesquisa procurei distanciar-me ao máximo, para poder perceber em que

medida a formação desse aluno é possível e reflito que, diante do exposto anteriormente, há

contradição entre os discursos documentais e empíricos. Em alguns momentos eles se

assemelham e em outros se distanciam. É um movimento esperado considerando a

complexidade educativa. A formação de alunos pesquisadores, comunicadores e solidários é

possível segundo a pesquisa, mas necessita de ajustes para sua consolidação. Os documentos

apresentam-na de uma maneira geral sem especificá-la, mas é possível perceber sua inserção

nas matrizes curriculares de acordo com cada área do conhecimento. Unificar o escrito e o

dito/vivido é imprescindível para se chegar a este ideal.

A práxis é definida por esta reflexão constante sobre o que se pretende e o que se

faz. É por meio dela que se vai, além disso, buscar uma reorganização do que se tem feito. Por

ser um ser de relações, o homem também é um ser do trabalho e da transformação do mundo.

E são nas reflexões que ele faz sobre sua ação que se percebe marcado por sua própria ação.

Tanto o Colégio, em seus documentos escritos, quanto os educadores que são marcados por

suas concepções e práticas, nem sempre coincidentes, formam um conjunto que atua, criando

uma realidade, que pode ser problematizada ou não, dependendo das escolhas feitas. As

opções relacionadas à prática educativa, problematizadas por meio da práxis, descortinarão a

proposta de aluno que o Colégio anuncia, nem sempre percebidas num primeiro olhar,

fazendo-se necessária uma observação mais meticulosa.

Em relação à aproximação feita entre as categorias freireanas e esse ideal de aluno,

a pesquisa revelou que nem sempre é possível e, lembro, o próprio Colégio não se propôs a

isto. As categorias freireanas não podem ser vistas separadamente. O ato dialógico leva à

curiosidade epistemológica e também à solidariedade, já que é por meio do diálogo que os

sujeitos encontram-se e libertam-se, mediatizados pelo mundo. Descrever as categorias de

Freire como possibilidade curricular seria explicar pesquisa, comunicação e solidariedade de

outra forma, diferentes do expresso pelo colégio.

Demarcar estas diferenças teve o intuito de iniciar uma reflexão para a

possibilidade de uma re-orientação neste sentido, caso venha a ser a escolha do colégio. Para

tanto, foram feitas tanto aproximações como distanciamentos em relação ao

documental/vivido e as categorias freireanas, com a certeza de que qualquer reorientação em

direção ao viés freireano implica não apenas modificações conceituais do ideal de aluno

estabelecido, mas também de algumas mudanças estruturais, no sentido de deixarem de ser

114

obstáculos para esta mudança. Repito, tudo isso se vier a ser a decisão do colégio em re-

orientar seu ideal de aluno para a concepção libertadora.

115

CONSIDERAÇÕES FINAIS

O presente trabalho questionou em que medida a proposta curricular efetivada no

Colégio Marista possibilita a formação de alunos pesquisadores, comunicadores e solidários.

Para essa análise foi feita pesquisa documental e empírica, por meio de entrevista com

professores e equipe gestora do Colégio Marista de Criciúma. Para a análise curricular realizei

uma aproximação teórica com Sacristán (2000) e Pacheco (2001) e quanto às competências

estudantis propostas como perfil do aluno Marista utilizei as categorias freireanas de

curiosidade epistemológica, dialogicidade e solidariedade.

A análise da proposta curricular para efetivação desse ideal de aluno é feita de

acordo com o Projeto Curricular em Ação, o Projeto Político Pedagógico, o ofício 03/05 e a

Matriz Curricular de DAPS e os sujeitos citados anteriormente, reconhecendo, todavia, que

havia outras possibilidades de análise.

Os documentos analisados apresentam uma visão crítica de currículo e estão

embasados teoricamente de forma a propiciar a formação do aluno ideal do Colégio Marista.

Os eixos das matrizes propõem investigação e o desenvolvimento da linguagem de acordo

com as disciplinas específicas. A valorização à investigação e à linguagem (aqui aproximado

com comunicação) como meio de apropriação dos conhecimentos possibilita o

desenvolvimento da necessidade da pergunta como prática metodológica. A solidariedade nas

matrizes passa pela questão social, pois identifica a pesquisa científica atrelada ao contexto

sociocultural e tem como função a melhoria da vida em sociedade.

De acordo com os documentos pesquisados é possível perceber as possibilidades

de formação do aluno ideal do Colégio Marista de Criciúma. Entretanto, não há esta

legitimidade nos discursos empíricos, pois este ideal é compreendido pelos educadores como

difícil de ser alcançado em sua prática educativa. Para os profissionais desta escola as

possibilidades para formação de alunos pesquisadores, comunicadores e solidários limitam-se

ao tempo de trabalho escolar, destacando a dificuldade de trabalho diante da cobrança

avaliativa a qual o Colégio está submetido.

Grande parte dos professores não conhece as competências de pesquisa,

comunicação e solidariedade como ideal Marista, mas concorda que elas sejam necessárias à

vida estudantil nos dias atuais. Eles explicam essas características como necessárias para a

contemporaneidade, que se manifesta alicerçada em valores econômicos e competitivos.

116

É importante salientar que, para formar alunos para a prática da pesquisa,

comunicação e solidariedade é necessário, antes de tudo, que os discursos teóricos e práticos

estejam afinados, ou seja, o educador que trabalha no Colégio Marista de Criciúma precisa

conhecer o que dizem os documentos e assumi-los como ideal. Os professores mostraram-se

solícitos às propostas feitas pela assessoria, mas alegam dificuldades na concretização das

várias propostas em sua prática pedagógica.

Não é possível desvincular o currículo proposto por este colégio da formação de

seu aluno. Os documentos são importantes e são eles que legitimam a ação docente, seu

conhecimento e apropriação é um trabalho feito no decorrer de todo o período em que este

profissional se encontra na instituição. Ações de parceria, diálogo constante, escuta

pedagógica ampliam a visão dos gestores na configuração da prática que se efetiva dentro e

fora de sala de aula. A riqueza de material teórico para a consulta docente é destaque para o

trabalho no Colégio Marista de Criciúma. Os professores manifestam o desejo de

concretização das propostas contidas nas matrizes curriculares e encontraram mecanismos de

superação de suas dificuldades. Os documentos não explicam as categorias elencadas ao aluno

ideal, mas pode-se perceber que há consenso nas matrizes para sua efetivação por meio dos

eixos e objetivos.

Encontrar possibilidades dentro das limitações reais de uma instituição evidencia

a necessidade que os docentes possuem de ver o projeto dar certo. Afinal, esperar as

condições ideais para a concretização do que se considera ser o melhor é adiar para um futuro

incerto o que precisa ser feito. Isso pode ser percebido nas entrevistas feitas quando os

professores identificavam suas falhas identificamdo-se muitas vezes “conteudistas”, e

demonstrando um desejo de modificar sua prática.

Não concordo com o discurso o qual afirma que o professor é o responsável por

tudo e por isso encontra soluções, mas também não é possível encontrar ambientes reais com

condições ideais de trabalho. As possibilidades e limitações deste Colégio não são únicas,

mas são singulares. Trabalhar com um grupo que pode discutir e encontrar as soluções dentro

da própria unidade é um privilégio. É claro que ainda existem limitações por indicadores

inalcançáveis, objetivos que podem não ser os ideais para os alunos de Criciúma, mas outras

soluções podem ser determinadas a partir do momento que problematizadas e discutidas.

O desenvolvimento de uma matriz curricular voltada às necessidades do aluno

também é um dos destaques, já que ao se dar luz ao problema também é considerar as razões

de sua existência. Apesar do Colégio não possuir a disciplina, seus objetivos são assumidos

por todos os docentes que se abrem à proposta pedagógica do Colégio Marista de Criciúma. A

117

Matriz Curricular de DAPS é suporte para o trabalho dos professores e também auxilia na

aquisição das competências estudantis propostas, pois se baseia no desenvolvimento do

sujeito aprendente e das necessidades acadêmicas, pessoais e sociais desse sujeito.

Ao analisar o processo de escrita das matrizes, a proposição do componente

curricular DAPS e a reflexão do professorado assumindo-se corresponsável pela formação do

aluno pesquisador, comunicador e solidário é possível aproximar-se da quarta orientação de

Sacristán (2000), identificada por currículo como configurador da prática, e à teoria crítica

de currículo de Pacheco (2001). Nestas duas classificações há a priorização da autonomia

profissional do professor como agente problematizador da prática.

Essa perspectiva contribui para a melhoria da compreensão dos fenômenos que

produzem na prática e a superação da prática pedagógica implica optar por um quadro

curricular que sirva de instrumento emancipatório para o estabelecimento da autonomia

discente. Essa emancipação não possui as mesmas características das destacadas na

perspectiva freireana, mas não se opõe a ela.

A visão curricular expressa no Projeto Político Pedagógico segue a perspectiva de

auxiliar na autonomia docente e complementa destacando a necessidade de compreender o

indivíduo em sua interdimensionalidade. Este documento, aliado ao discurso proposto na

Matriz Curricular de DAPS, pode ser associado ao Currículo como base de experiências

(SACRISTÁN, 2000) pelo fato de a escola, nesta orientação, caracterizar-se por agência

socializadora e educadora total, incorporando finalidades além das acadêmicas.

Há uma tensão expressa nos discursos dos educadores que pode ser aproximada da

orientação definida como currículo como soma das exigências acadêmicas (SACRISTÁN,

2000) e da teoria técnica (PACHECO, 2001), quando expressam que o currículo se define

como lista de conteúdos ou das manifestações docentes que explicam o tempo disciplinar

dividido hierarquicamente. Tanto na primeira orientação de Sacristán (2000) quanto na teoria

de Pacheco (2001) há a valorização dos saberes distribuídos em disciplinas específicas ou

áreas. Como citado anteriormente, a potencialização desse enfoque curricular ocorre pela

pressão acadêmica, as necessidades administrativas e a organização do professorado. As aulas

apresentam-se fragmentadas e as disciplinas possuem tempos distintos determinados pelo

programa.

As aproximações feitas das categorias pesquisa, comunicação e solidariedade

com curiosidade epistemológica, dialogicidade e solidariedade de Paulo Freire nem sempre

são possíveis. Em alguns momentos percebo similitudes e em outros, distanciamento.

Relembro que o Colégio em si não se compromete com o autor, isentando, portanto, seu

118

compromisso de aproximar-se das categorias elencadas. Percebo aproximação com o autor na

proposta de construção das matrizes, o incentivo que dá aos estudos em grupo entrecolégios.

Essas atitudes abrem espaço ao diálogo, proporcionando condições para os professores

organizarem ações educativas que visem à melhoria de seu trabalho pedagógico.

Em contrapartida, se opõe à visão de educação do autor quando não consegue

oportunizar aulas menos dissertadoras, praticando uma educação bancária. O fato de havere

discursos tão aproximados entre os docentes é algo a ser pensado, sua manifestação referente

a um maior tempo de trabalho junto ao aluno chama a atenção. Questionam sobre as

diferenças entre a carga horária das disciplinas e não fogem de sua responsabilidade diante da

avaliação institucional realizada anualmente.

Pode-se perceber, pelos dados levantados na pesquisa documental e empírica, que

há distanciamento entre a categoria pesquisa e a curiosidade epistemológica, já que para

superar a curiosidade ingênua são necessárias aulas dialogais que levem ao desejo de

conhecer. Como os professores manifestam-se efetuando práticas dissertativas torna-se

inviável essa aproximação. A pesquisa incentivada pelos professores está relacionada ao saber

científico, não se relacionando diretamente à transformação social. Em contrapartida, os

documentos enfatizam a investigação proposta pelo Colégio à modificabilidade social, se

aproximando da curiosidade epistemológica, por remeter a um compromisso com a

transformação social.

A comunicação apresentada como competência para o aluno marista é expressa

como capacidade de expressar-se bem nas diferentes áreas do conhecimento. Dessa forma,

distancia-se da dialogicidade, pois na perspectiva de Freire o diálogo não é apenas a

expressão de ideias com clareza, mas a competência de ouvir e dar ao outro seu direito de

dizer sua palavra. O autor destaca o direito dos sujeitos pronunciarem o mundo, percebendo-

se nele e sentindo-se participante dele. Ser dialógico é mais que desenvolver a competência

comunicativa, é tornar o outro visível, em suas ideias e expressões. E a categoria

comunicação não se apresenta no sentido de educar para o diálogo, limita-se a desenvolver

nos educandos a expressão do conhecimento científico destacado em cada área do

conhecimento.

O próprio ato dialógico não é usual entre os professores e isso é destacado por

eles pela falta de tempo de trabalho com os discentes. O professor conversa, mas não dialoga,

pois o diálogo leva tempo para ser construído e necessita de sistematização. As práticas

docentes, de acordo com as entrevistas, são dissertadoras, mesmo quando problematizam os

conteúdos propostos.

119

A categoria solidariedade proposta por Freire determina que ser solidário é

afirmar a condição ontológica do homem em ser mais, distanciando-se da solidariedade

elencada pelo Colégio. Nos discursos da instituição a solidariedade é citada enquanto

condição humana de dar ao outro o que se possui, não apenas no sentido material. Mas apenas

essa caracterização não determina a semelhança com o autor, já que ele salienta que ser

solidário é estar junto do outro para modificabilidade social, buscando ações conjuntas que

façam refletir tanto opressores quanto oprimidos. É ter compromisso com o outro, auxiliando-

o em sua própria humanização.

Mesmo que a proposta vise à emancipação estudantil, não a caracteriza como

necessidade ontológica do homem em ser mais. Freire se opõe à prática do assistencialismo e

afirma que essa prática torna os homens como objetos passivos, impossibilitando-os de

perceberem-se transformadores de seu entorno. Neste sentido, a pesquisa demonstrou

semelhança entre as duas propostas, já que os professores salientam que práticas pontuais de

doações não são caracterizadas por eles como solidariedade.

Como dito anteriormente, é possível encontrarmos diferentes perspectivas

curriculares dentro de uma mesma instituição, já que a prática escolar é complexa e formada

por uma diversidade de indivíduos que possuem necessidades que não podem ser

abandonadas a despeito dos objetivos educacionais. Entretanto, são necessárias reflexões

constantes sobre a prática escolar e a coerência existente entre os discursos anunciados.

Educadores que inseridos numa instituição conseguem olhar criticamente para ela,

demonstrando suas limitações e possibilidades, caminham para a superação de suas práticas

narrativas.

A conscientização não acontece abruptamente de forma milagrosa, mas por

reflexões, críticas e autocríticas, de análise da prática e busca coletiva. Ela se dá a partir da

problematização das contradições vivenciadas diariamente dentro da escola, sendo

pedagógicas ou não. É o espaço para o diálogo que oportunizará a coerência educacional de

discurso e prática.

A ingenuidade de dicotomizar prática e teoria se dilui a partir do momento em que

se percebe que elas estão indissociadas. Teorizar sobre educação é em si mesmo olhar e

conceber de outra maneira as próprias ações educativas que se encontram na escola,

manifestadas por todos os envolvidos. Ainda mais, é a prática que alimenta e subsidia a

abertura de novas formas de refletir sobre ela. A prática não é apenas o lugar da aplicação da

teoria, é muito mais ampla, a de auxiliar na compreensão dos fenômenos educativos.

A organização do trabalho pedagógico, a formação do educador, o

120

estabelecimento democrático de tomada de decisões entre os profissionais da educação

possibilitam um avanço nas questões que angustiam os professores. Problematizar a prática,

enfatizar os discursos documentais pode ser um caminho a percorrer com os profissionais do

Colégio Marista de Criciúma. A questão escolar primordial no que concerne à aprendizagem é

assegurar-lhe sentido, portanto, é preciso promover práticas educativas que garantam a

apropriação do conhecimento que possa ser utilizado para o alcance do ideal proposto.

O aluno aprende para a vida, para o hoje, e não para ser alguém algum dia. A

simples discussão do que deve conter o currículo não é suficiente para mudarmos as práticas

educacionais vigentes, mas a forma de refletirmos sobre isso expressará quem somos e o que

consideramos ser verdadeiro, mesmo que seja por um tempo. Não há espaços para a exclusão

do diálogo, pois é por meio dele que a escola manifestará seus problemas e possibilidades.

Uma prática curricular que preze a vida, as diferentes realidades e busque dar espaço a todos

abrirá horizontes para seus educandos por meio do diálogo, das indagações e do prazer de

aprender.

A pergunta que me impulsionou a realizar a pesquisa foi respondida, mas

desencadeou outras indagações referentes ao trabalho educativo no Colégio Marista de

Criciúma. Elas referem-se ao olhar do educando sobre si mesmo e sobre a educação que

recebem. Pergunto-me se eles se identificam como pesquisadores, comunicadores e

solidários e o que isso significa para eles. Outro questionamento é o que se refere aos

impedimentos para a consolidação de uma prática dialógica nas disciplinas que se submetem à

avaliação institucional e as sugestões dadas pelos educadores para a superação dessa

realidade.

Perguntar e buscar respostas, mesmo que sejam momentâneas faz parte do fazer

educativo. E é nesse viés que o educador comprometido com o outro se constitui, percebendo-

se inacabado e construtor de sua história. Entretanto, ele não se faz isoladamente, mas em

comunhão com outros educadores que se encontram na mesma condição. Juntos, buscam

humanizar e humanizar-se por meio do diálogo, repensando a vida em sociedade e praticando

sua vocação ontológica de ser mais.

121

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128

APÊNDICES

129

130

UNIVERSIDADE DO EXTREMO SUL CATARINENSE - UNESC

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO

CURSO DE MESTRADO EM EDUCAÇÃO

TERMO DE CONSENTIMENTO

Sob o título “A Concepção Curricular do Colégio Marista e a formação de alunos

pesquisadores, comunicadores e solidários”, este estudo, que culminará na elaboração de

uma dissertação de Mestrado, pretende compreender a concepção curricular do Colégio

Marista de Criciúma na formação de alunos pesquisadores, comunicadores e solidários, e

sua relação com a proposta freireana de educação libertadora.

Os dados e resultados individuais da pesquisa estarão sob sigilo ético, não sendo

mencionados os nomes dos participantes em nenhuma expressão oral ou trabalho escrito que

venha a ser publicado, a não ser que o(a) autor(a) do depoimento manifeste expressamente seu

desejo de ser identificado(a). As entrevistas serão gravadas e transcritas.

As pesquisadoras responsáveis pela pesquisa são a Professora orientadora Dr.ª Janine

Moreira, do Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade do Extremo Sul

Catarinense – UNESC e a mestranda Ingrid Roussenq Fortunato Martins, do referido

Programa de Pós-Graduação. Ambas se comprometem a esclarecer qualquer dúvida ou

necessidade de informações que o/a participante venha a ter no momento da pesquisa ou

posteriormente, através dos telefones 3431- 2584 e 3437- 9122.

Após ter sido devidamente informado/a de todos os aspectos da pesquisa e ter

esclarecido todas as minhas dúvidas, eu _________________________________________

cedo os direitos de minha participação e depoimentos para a pesquisa acima descrita, para que

sejam usados integralmente ou em partes, sem restrições de prazo e citações, a partir da

presente data.

________________________

Assinatura do entrevistado

Criciúma, __/__/____.

131

ROTEIRO DA ENTREVISTA

O que os professores, assessores e diretores entendem por aluno pesquisador,

comunicador e solidário;

A expressão das práticas educativas enunciadas pela escola na formação de seus

alunos, que a diferenciam de outra instituição escolar;

A relação que os professores, assessores e direção fazem de sua prática pedagógica e

os estudos propostos pela escola;

O conceito dado pela comunidade educativa (professores, assessores e diretores)

sobre currículo e sua relação com as matrizes curriculares;

A percepção que o professor tem de sua atuação na formação do ideal de aluno

proposto pelo Colégio Marista de Criciúma.

132

ANEXOS

133

ANEXO 01

OFÍCIO 03/2005

134

TTrrêêss ccaarraacctteerrííssttiiccaass eessppeeccííffiiccaass ppaarraa aa

FFoorrmmaaççããoo ddaa IIddeennttiiddaaddee ddoo AAlluunnoo MMaarriissttaa::

PPeessqquuiissaa,, ccoommuunniiccaaççããoo ee ssoolliiddaarriieeddaaddee

AA rreeaalliiddaaddee ccoonntteemmppoorrâânneeaa ddeessccoorrttiinnaa nnoovvaass ffrroonntteeiirraassddoo ccoonnhheecciimmeennttoo ee iimmppõõee aa nneecceessssiiddaaddee ddee ddeesseennvvoollvveerr nnoovvaass ccaappaacciiddaaddeess ppaarraa eennffrreennttaarree rreessoollvveerr ooss ggrraavveess ee nnoovvooss pprroobblleemmaass ppllaanneettáárriiooss.. DDiiaannttee ddiissssoo,, éé iimmppoorrttaannttee ee uurrggeenntteeqquuee aa eessccoollaa ssee pprroojjeettee ““nnoo sseennttiiddoo ddaa ssuubbssttiittuuiiççããoo ddee uummaa iinnssttrruummeennttaalliizzaaççããoo ddoosseedduuccaannddooss ppaarraa aa ddoommiinnaaççããoo ee aa aapprroopprriiaaççããoo ddaa nnaattuurreezzaa”” ee ddee oouuttrrooss sseerreess hhuummaannooss3300,,ddaaddoo oo rriissccoo qquuee iissssoo ssiiggnniiffiiccaa ppaarraa aa pprróópprriiaa ssoobbrreevviivvêênncciiaa hhuummaannaa..

O desafio, na parte da responsabilidade que nos cabe como escola, é articular o

currículo com objetivos pedagógicos e situações didáticas que respondam a essa

situação de crise. Nesse sentido, o CEMEP, por meio dos colégios maristas, assume

como projeto, a partir de 2005, formar o aluno para:

((11)) aa ppeessqquuiissaa:: oo aalluunnoo ddeevvee sseerr ccaappaazz ddee aannaalliissaarr ccrriittiiccaammeennttee oosspprroobblleemmaass ddoo mmuunnddoo,, ffoorrmmuullaannddoo ppeerrgguunnttaass ee pprrooppoonnddoo rreessppoossttaass,, eemm uumm pprroocceessssoopprroobblleemmaattiizzaaddoorr sseemmpprree ppaassssíívveell ddee ccoonnffiirrmmaaççããoo,, iinnvvaalliiddaaççããoo oouu mmooddiiffiiccaaççããoo.. AA aaççããooeedduuccaattiivvaa ddaa eessccoollaa ddeevvee iinncceennttiivvaarr aa ppeessqquuiissaa,, aa ppeerrgguunnttaa,, aa ccuurriioossiiddaaddee,, aa aaççããoo ddee bbuussccaarroo ccoonnhheecciimmeennttoo ee ddee ggeerraarr iinnffoorrmmaaççõõeess ttaannttoo ppoorr ppaarrttee ddooss aalluunnooss qquuaannttoo ddooss pprrooffeessssoorreess,,ffaavvoorreecceennddoo aa ccoonnssttrruuççããoo ddaa aauuttoonnoommiiaa rreessppoonnssáávveell.. OO pprrooffeessssoorr vviivvee aa ppeessqquuiissaa eemm ssuuaapprróópprriiaa vviiddaa ee aa iinncceennttiivvaa eemm sseeuuss aalluunnooss,, ccoonnssttrruuiinnddoo aassssiimm uumm eessqquueemmaa ddiiaallééttiiccoo ddeeaavvaalliiaaççããoo ee iinntteerrpprreettaaççããoo.. PPaarraa ttaannttoo,, éé pprreecciissoo sseerr ccaappaazz ddee eellaabboorraaççããoo pprróópprriiaa ddooccoonnhheecciimmeennttoo ppaarraa qquuee ppoossssaa pprroommoovveerr uummaa iinntteerrvveennççããoo ssoocciiaall rreessppoonnssáávveell ee eeffiiccaazz,, oo qquueeiimmpplliiccaa rreennoovvaaççããoo ccoonnssttaannttee;;

((22)) aa ccoommuunniiccaaççããoo:: oo aalluunnoo ddeevvee eessttaarr aappttoo aa eexxpprreessssaarr iiddééiiaass eesseennttiimmeennttooss ccoomm ccllaarreezzaa,, ccoonnssiissttêênncciiaa ee ccooeerrêênncciiaa,, vvaalleennddoo--ssee ddooss rreeccuurrssooss ee ffoorrmmaassddiissppoonníívveeiiss ddee rreepprreesseennttaaççããoo,, ttoorrnnaaddooss eeffiiccaazzeess nnaa iinntteerraaççããoo ccoommuunniiccaattiivvaa ccoomm oo oouuttrroo eeccoomm oo mmuunnddoo.. AA aaççããoo ddoo aalluunnoo ddee ccoommppaarrttiillhhaarr oo ccoonnhheecciimmeennttoo,, ddee aarrgguummeennttaarr ee ccoonnttrraa--aarrgguummeennttaarr,, ddee aapprreesseennttaarr ppuubblliiccaammeennttee ssuuaass iiddééiiaass eemm ttooddaass aass ffaasseess ddaa ccoonnssttrruuççããoo ddooccoonnhheecciimmeennttoo ddeevvee sseerr iinncceennttiivvaaddaa ee ppoossssiibbiilliittaaddaa ppeellaass mmeettooddoollooggiiaass uuttiilliizzaaddaass.. AAoorraalliiddaaddee ee aa pprroodduuççããoo eessccrriittaa ccoommoo ffooccooss ddee aatteennççããoo ddaa eessccoollaa ddeevveemm sseerr ddeesseennvvoollvviiddaassnnaa ddiivveerrssiiddaaddee ddaass aaççõõeess ppeeddaaggóóggiiccaass.. Vivemos em comunidade porque temos coisas emcomum: objetivos, crenças, aspirações, conhecimento, mentalidade. E é na e pelacomunicação que conseguimos compartilhar essas coisas31.

((33)) aa ssoolliiddaarriieeddaaddee:: eedduuccaarr oo aalluunnoo nnaa ee ppeellaa ssoolliiddaarriieeddaaddee,, aassssuummiiddaaccoommoo ““aa vviirrttuuddee ccrriissttãã ddooss nnoossssooss tteemmppooss ee ccoommoo iimmppeerraattiivvoo mmoorraall ppaarraa ttooddaa aa hhuummaanniiddaaddee,,nnoo qquuaaddrroo ddaa aattuuaall iinntteerrddeeppeennddêênncciiaa gglloobbaall ee ddaass ppeenneettrraanntteess eessttrruuttuurraass ddee ppeeccaaddoo””3322.. PPaarraattaannttoo,, pprreecciissaammooss ddeesseennvvoollvveerr aaççõõeess eedduuccaattiivvaass ffuunnddaaddaass eemm pprriinnccííppiiooss ééttiiccooss qquueeddeessppeerrtteemm uummaa iinnddiiggnnaaççããoo aattiivvaa ddiiaannttee ddee qquuaallqquueerr aaggrreessssããoo ccoonnttrraa aa TTeerrrraa,, aa VViiddaa ee aaDDiiggnniiddaaddee HHuummaannaa.. IIssssoo ddeemmaannddaa tteemmppooss ee eessppaaççooss eedduuccaattiivvooss ttrraannssffoorrmmaaddoorreess,, ccrriiaaddoorreess

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EN 003 / 05

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ddee uumm mmuunnddoo ““iinnééddiittoo,, mmaass vviiáávveell””3333,, ffuunnddaaddoo nnaa ssoolliiddaarriieeddaaddee,, nnaa ddeemmooccrraacciiaa,, nnaa jjuussttiiççaa,,nnaa eessppiirriittuuaalliiddaaddee ee nnaa ppaazz.. EEdduuccaarr ppaarraa aa ssoolliiddaarriieeddaaddee éé eedduuccaarr ppaarraa aa PPAAZZ.. EEmm nnoossssaahheerraannççaa ccrriissttãã ee mmaarriissttaa,, eennccoonnttrraammooss ddooiiss pprrooggrraammaass jjáá ccoonnssaaggrraaddooss ee ppeerrssuuaassiivvooss ppaarraaddeesseennvvoollvveerr uumm pprroojjeettoo ddee ccoonnssttrruuççããoo ddaa ppaazz:: aa vviivvêênncciiaa ddaass ““BBeemm--AAvveennttuurraannççaass”” ee ddaass““DDoozzee PPeeqquueennaass VViirrttuuddeess””..

UUmm aalluunnoo aassssiimm -- ppeessqquuiissaaddoorr,, ccoommuunniiccaaddoorr ee ssoolliiddáárriioo -- éé ccaappaazz ddee ffaazzeerr ddee ssuuaa vviiddaauumm llóóccuuss,, oonnddee ooccoorrrreemm aa rreeccrriiaaççããoo,, oo aannúúnncciioo ee aa jjuussttiiççaa..

““(...) Vamos rir, chorar e aprender. Aprender especialmente como casar Céus e Terra, vale dizer,como combinar o cotidiano com o surpreendente, a imanência opaca dos dias com a transcendência radiosa doespírito, a vida na plena liberdade com a morte simbolizada como um unir-se com os ancestrais, a felicidadediscreta nesse mundo com a grande promessa na eternidade. E, ao final, teremos descoberto mil razões paraviver mais e melhor, todos juntos, como uma grande família, na mesma Aldeia Comum, generosa e bela, oplaneta Terra.”” 3344

PPrreezzaaddooss sseennhhoorreess((aass))

““OOss nnoossssooss eedduuccaannddooss ssããoo oo cceennttrroo ddaass nnoossssaasspprreeooccuuppaaççõõeess eemm ttuuddoo oo qquuee ccoonncceerrnnee àà vviiddaa ee àà

oorrggaanniizzaaççããoo eessccoollaarr.. AAjjuuddaammoo--llooss aa aaddqquuiirriirr ccoonnhheecciimmeennttooss,,ccoommppeettêênncciiaass ee vvaalloorreess,, ppoorr mmeeiioo ddaa ddeessccoobbeerrttaa ddoo mmuunnddoo,,

ddooss oouuttrrooss,, ddee ssii mmeessmmooss ee ddee DDeeuuss..””((ccff.. MMEEMM -- MMiissssããoo EEdduuccaattiivvaa MMaarriissttaa && GGuuiiaa ddaass EEssccoollaass,, pp..

112211))

Estamos enviando uma reflexão do CEMEP (inicialmente, apenas uma página!)

sobre as metas 2005 para a formação do aluno marista: Pesquisa, Comunicação e

Solidariedade, cf. texto anexo. Esse texto busca refletir o intuito dos nossos Colégios em

formar-preparar um aluno para a pesquisa, a comunicação e a solidariedade o que

exigirá reciprocamente um professor com tais competências.

EEssssee éé oo ppeerrff ii ll uurrggeennttee ee nneecceessssáárriioo ppaarraa oo nnoossssoo aalluunnoo aannttee ooss tteemmppooss eemmqquuee vviivveemmooss.. NNoossssaa mmeettaa vviissaa pprreeppaarraarr iinnddiivvíídduuooss mmaaiiss aauuttôônnoommooss ee ooppllaanneejjaammeennttoo éé uumm iinnssttrruummeennttoo qquuee ccoonndduuzz aa eessssee iiddeeaall.. AA eessccoollaa ddoo ffuuttuurroo,, ccoommcceerrtteezzaa,, ddiiffeerree ddoo eennssiinnoo ttrraaddiicciioonnaall qquuee ttrraattaa oo aalluunnoo ccoommoo mmeerroo rreecceeppttoorr ddeeiinnffoorrmmaaççõõeess,, uumm sseerr ppaassssiivvoo.. AAoo pprrooffeessssoorr,, nneessssee mmooddeelloo,, ccaabbee oo lluuggaarr ddee úúnniiccooddeetteennttoorr ddoo ssaabbeerr.. MMããooss àà oobbrraa,, ppooiiss ppaarraa ccoommeeççaarr,, oo ddeesseejjoo ddee mmuuddaarr éé eesssseenncciiaall..

TTooddaass aass lliiddeerraannççaass ee eedduuccaaddoorreess((aass)) mmaarriissttaass ddeevveemm eessttaarr iinntteerreessssaaddooss eemm::

sseerr uumm gguuiiaa ppaarraa aajjuuddaarr oo eessttuuddaannttee aa eexxpplloorraarr,, rreeccoonnssttrruuiirr ee ssiittuuaarr--ssee nnoo mmeeiiooccuullttuurraall oonnddee vviivvee;;

ccrriiaarr ssiittuuaaççõõeess qquuee ffaacciilliitteemm aa aapprreennddiizzaaggeemm ddee pprroocceeddiimmeennttooss qquuee ccoonnttrriibbuuaammppaarraa aa ccoonnssttrruuççããoo ddaa aauuttoonnoommiiaa ppeessssooaall;;

ooffeerreecceerr mmééttooddooss ddee oorrggaanniizzaaççããoo ppaarraa oo ttrraabbaallhhoo qquuee ppoossssiibbiilliitteemm aa ccoonnssttrruuççããoo ddee

33 Freire, Paulo. Pedagogia da Esperança – Um reencontro com a Pedagogia do oprimido. Rio de janeiro: Paz eTerra, 1992, p. 11.34 Boff, Leonardo. Casamento entre os céus e a terra. Salamandra, Rio de Janeiro, 2001, p. 9.

136

uummaa ddiisscciipplliinnaa ppeessssooaall;;

ddaarr iinnddiiccaaççõõeess ddee aattiittuuddeess ee rreessppoonnssaabbiilliiddaaddeess qquuee llaanncceemm aass ccoonnddiiççõõeess ppaarraa ooddeesseennvvoollvviimmeennttoo ddoo sseennttiiddoo ddaa ttoolleerrâânncciiaa ee ddaa jjuussttiiççaa;;

aappooiiaarr aattiittuuddeess ddee ccoommppaannhheeiirriissmmoo ee ssoolliiddaarriieeddaaddee qquuee eessttiimmuulleemm oo rreessppeeiittoommúúttuuoo..

ddeennttrree oouuttrraass mmaaiiss..

EEsssseess pprriinnccííppiiooss ccoonnssttiittuueemm eexxcceelleennttee ppoonnttoo ddee ppaarrttiiddaa ppaarraa aa ttrraannssffoorrmmaaççããoo uurrggeenntteeee nneecceessssáárriiaa nnaa eessccoollaa,, ppoorrqquuee eessttããoo eemm ssiinnttoonniiaa ccoomm oo qquuee ssee eessppeerraa ddaa eedduuccaaççããoo nneesssseennoovvoo ssééccuulloo..

MMaass iissssoo nnããoo éé ttuuddoo.. TTããoo iimmppoorrttaannttee qquuaannttoo éé ssaabbeerr ccoonndduuzziirr oo aannoo lleettiivvoo,, ccoooorrddeennaarroo ddiiaa--aa--ddiiaa,, ggaarraannttiirr aa eexxeeccuuççããoo ddaass oouuttrraass ggrraannddeess mmeettaass ddee ccaaddaa CCoollééggiioo..

UUmm pprroovveeiittoossoo aannoo lleettiivvoo ddee 22000055..

pprrooff.. IIrr.. BBeennêê OOlliivveeiirraa,, ffmmss

”Avançar juntos, Irmãos e Leigos, demaneira resoluta e manifesta, (...), mediante

NOVOS caminhos de educação, deevangelização e de solidariedade (Chamados a

escolher a Vida, no. 31).”

137

ANEXO 02

PROJETO CURRICULAR EM AÇÃO

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142

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ANEXO 03

PROJETO POLÍTICO PEDAGÓGICO DO COLÉGIO MARISTA DE CRICIÚMA

(FRAGMENTO)

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ANEXO 04

MATRIZ CURRICULAR DE DAPS (FRAGMENTO)

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