A CONCESSÃO DE USO ESPECIAL SOBRE BENS PÚBLICOS...

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1 UNIVERSIDADE SÃO FRANCISCO Mônica Bispo de Paulo R. A. 003200600841 A CONCESSÃO DE USO ESPECIAL SOBRE BENS PÚBLICOS COMO FORMA DE ACESSO À MORADIA E DEFESA DO REGIME DEMOCRÁTICO São Paulo 2008

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UNIVERSIDADE SÃO FRANCISCO

Mônica Bispo de Paulo

R. A. 003200600841

A CONCESSÃO DE USO ESPECIAL SOBRE BENS PÚBLICOS COMO

FORMA DE ACESSO À MORADIA E DEFESA DO REGIME

DEMOCRÁTICO

São Paulo

2008

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UNIVERSIDADE SÃO FRANCISCO

Mônica Bispo de Paulo

R. A. 003200600841

A CONCESSÃO DE USO ESPECIAL SOBRE BENS PÚBLICOS COMO

FORMA DE ACESSO À MORADIA E DEFESA DO REGIME

DEMOCRÁTICO

Trabalho de Conclusão de Curso apresentado à

Coordenação do Curso de Direito da Universidade São

Francisco, como requisito parcial para a obtenção do

Título de Bacharel em Direito, orientado pelo Professor

Marco Antonio Basso.

São Paulo

2008

3

Mônica Bispo de Paulo

R.A. 003200600841

A CONCESSÃO DE USO ESPECIAL SOBRE BENS PÚBLICOS COMO

FORMA DE ACESSO À MORADIA E DEFESA DO REGIME

DEMOCRÁTICO

Trabalho de Conclusão de Curso aprovado em 09/12/2008, na Universidade São Francisco,

pela banca Examinadora constituída pelos professores:

________________________________________

PROFESSOR Ms. MARCO ANTONIO BASSO

________________________________________

PROFESSOR ESPECIALISTA MÁRCIO CANDIDO DA SILVA

________________________________________

PROFESSORA Ms. GISELE DE MELO BRAGA TAPAI

4

Aos meus pais, Rubens e Valkires, por me

ensinarem o valor em adquirir conhecimento.

Aos meus tios, Antônio e Valdenice, que

vivenciaram toda a minha tra jetória

acadêmica.

5

Agradeço à Universidade São

Francisco e ao Pro jeto Educafro pela

oportunidade de estudo e formação.

Ao meu orientador, agradeço a

discussão e supervisão do p resente

trabalho.

6

“[. . .] o d ireito de cada particu lar

sobre a sua parte do solo está

subord inado ao d ireito da

comunidade sobre o todo, sem o que

não haver ia solidez no laço social

nem força real no exercíc io da

soberania.” (Rousseau, p.37).

7

LISTA DE SIGLAS

CF: Constituição Federal................................................................................. 9

EC Emenda Constitucional............................................................................. 9

Art.: Artigo........................................................................................................ 9

Arts.: Artigos...................................................................................................... 10

Dec. Decreto...................................................................................................... 21

8

PAULO, Mônica Bispo de. A Concessão de Uso Especial Sobre Bens Públicos Como Forma de Acesso à Moradia e Defesa do Regime Democrático. 75 p., Curso de Direito, USF, São Paulo, 2008.

RESUMO

O instituto da concessão de uso especial sobre bens públicos se encontra disposto na

Medida Provisória 2.220/2001, que dispõe a concessão de título de domínio previsto no art. 183, § 1° da Constituição Federal. No tocante aos requisitos para a sua concessão, este possui uma caracterização semelhante com o instituto da usucapião especial urbano. Tem por finalidade a regularização fundiárias das favelas, que geralmente se encontram localizadas nos bens públicos. Ocorre que, existem controvérsias quanto à aplicabilidade desde instituto, pois afronta o regime jurídico dos bens públicos, e por outro lado, o direito à moradia deve ser garantido a população favelada. A restrição de tal direito fundamental ocasiona o impedimento ao exercício da cidadania desta população, bem como, a consolidação da democracia no Brasil. O objetivo deste trabalho é discutir o instituto exposto como forma de garantia ao direito à moradia, no qual se constatou que o crescimento desordenado das cidades esteve diretamente relacionado com o crescimento maciço das favelas e loteamentos irregulares nos grandes centros urbanos, ante a ausência do Estado na adoção de políticas públicas habitacionais. Palavras-chave: Democracia; Moradia; Concessão de Uso Especial; Favelas; Bens Públicos.

9

SUMÁRIO

INTRODUÇÃO.......................................................................................................... 9

SEÇÃO 1. CONCEITO E FORMAÇÃO DO

ESTADO.....................................................................................................................

11

1.1. Origem Histórica do Estado............................................................................ 11

1.2. Finalidade e Funções do Estado...................................................................... 12

1.3. Conceito de Estado......................................................................................... 14

1.4. Gênese da Democracia.................................................................................... 14

1.5 Estado Moderno e Democracia........................................................................ 16

1.6. Aspectos Conflitantes do Estado Democrático............................................... 17

SEÇÃO 2. DIREITO DE PROPRIEDADE............................................................ 19

2.1. Evolução Histórica nas Constituições Brasileiras.......................................... 19

2.2. Conceito e Natureza Jurídica.......................................................................... 27

SEÇÃO 3. URBANIZAÇÃO.................................................................................... 29

3.1. Êxodo Rural.................................................................................................. 29

3.2. Crise da Urbanização: Proliferação das Favelas........................................... 31

SEÇÃO 4. DIREITO DE MORADIA ..................................................................... 33

SEÇÃO 5. REGULARIZAÇÃO FUNDIÁRIA DAS FAVELAS.......................... 36

SEÇÃO 6. USUCAPIÃO ESPECIAL COLETIVO E A CONCESSÃO DE

USO ESPECIAL PARA FINS DE MORADIA......................................................

44

6.1. Origem e Conceito do Usucapião............................................................... 44

6.2. Considerações Gerais da Usucapião Especial

Coletiva........................................................................................................................

45

6.3. A Concessão de Uso Especial Coletivo para Fins de Moradia................... 47

CONCLUSÃO............................................................................................................ 53

REFERÊNCIAS BILIOGRÁFICAS....................................................................... 55

ANEXO A................................................................................................................... 60

ANEXO B.................................................................................................................. 63

ANEXO C.................................................................................................................. 72

10

INTRODUÇÃO

O presente trabalho pretende demonstrar e discutir um dos institutos que permite

assegurar o direito à moradia: a concessão do uso especial sobre bens públicos; tendo como

metodologia aplicada a pesquisa bibliográfica.

Ante as conquistas históricas foi consagrado como valor universal o Estado

Democrático de Direito, tendo sido constituído na afirmação de certos valores fundamentais

da pessoa humana; forma acolhida pela Constituição de 1988. (DALLARI, 2007, p.147)

O direito de propriedade em todas as Constituições Brasileiras sempre esteve assegurado

aos cidadãos, limitado ao interesse estatal ou utilidade pública. Em especial, o texto

constitucional de 1946 condicionou o direito de propriedade ao bem estar social, assim como,

a promoção da justa distribuição da propriedade (art. 141, § 16). A partir do texto

Constitucional de 1967, foi introduzido pioneiramente o princípio da função social (art. 157,

III). Na CF de 1988, o princípio da função social sofreu uma extensão quanto a sua

aplicabilidade, pois, permanece previsto como princípio da ordem econômica (art. 170,

incisos II e III), e sua inserção no rol de direitos fundamentais (art. 5, incisos XXII e XIII).

(SOUZA, 2002)

O direito de moradia se encontra previsto no art. 6° da CF o qual foi inserido através da

EC n. 26 de 14/02/2000 no rol de direitos sociais. Conforme preleciona José Afonso da Silva

(2006, p.314), “o direito à moradia significa ocupar um lugar como residência; ocupar uma

casa, apartamento etc., para nele habitar”. Todavia, o direito à moradia não se encontra

condicionado à aquisição da casa própria, mas é manifesto que sua obtenção pode ser

imprescindível para a concretização do direito à moradia.

A partir da década de 40, o Brasil sofreu um crescimento desordenado das cidades,

decorrente do surto industrial que originou alta concentração de migração do campo para os

centros urbanos, em especial Rio de Janeiro e São Paulo. Concomitantemente com o êxodo

rural, houve o aparecimento e crescimento das favelas. O Brasil aponta 19.631 favelas

cadastradas. (IBGE, 2003)

11

O instituto da usucapião se encontra normatizado no art. 183 da CF, e segundo Venosa

(2007, p.182), este se constitui na obtenção da propriedade condicionado à “posse

suficientemente prolongada”.

Entretanto, o Estatuto da Cidade no art. 4° prevê a concessão de uso especial para fins

de moradia, mas não houve regulamentação devido ao veto do Presidente da República dos

arts. 15 a 20 do projeto que resultou na Lei 10.257/2001. Diante do veto anterior, foi editada a

Medida Provisória 2.220/2001 que trata da concessão de uso especial para fins de moradia em

áreas públicas, para tanto, este instituto visa à regularização fundiária em ocupações de áreas

públicas. (HORBACH, 2004, p.149)

Contudo, há alguns pontos controversos no tocante a sua aplicação, tendo em vista, o

impedimento constitucional da prescrição aquisitiva dos bens públicos. (HORBACH, 2004,

p.149)

No entanto, o instituto em tela é pouco discutido e difundido, e que até dado momento, o

Congresso Nacional não solucionou o vácuo do diploma normativo do Estatuto da Cidade,

referente ao instituto jurídico da concessão de uso especial para fins de moradia em áreas

públicas.

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1 CONCEITO E FORMAÇÃO DO ESTADO

1.1. Origem Histórica do Estado

A palavra Estado provém do latim status, que significa estar firme, ou seja, situação

permanentemente de convivência e ligada a sociedade política. Esta denominação foi

inaugurada na obra “O Príncipe”, de Maquiavel (2003, p.21): “todos os estados, todos os

domínios que tiveram ou têm império sobre os homens, são repúblicas ou principados”.

As teorias sobre a época do aparecimento do Estado são diversas, mas segundo Dallari

(2006, p.52), estas podem ser reduzidas a três posições fundamentais:

a) Muitos autores acreditam que o próprio Estado, assim como a sociedade, sempre

existiu, pois o ser humano sempre se encontra integrado numa “organização social, dotada de

poder e com autoridade para determinar o comportamento de todo o grupo”.

b) A segunda corrente, que é a majoritária, admite que o surgimento do Estado decorreu

para atender às necessidades e/ou as conveniências dos grupos sociais.

c) A terceira corrente afirma que o conceito de Estado não abrange todos os tempos,

somente no século XVII nasce o referido conceito com a prática de soberania. (SCHMIDT

apud DALLARI, 2007, p.53)

Existem duas questões ante as causas do aparecimento do Estado a serem analisadas: a

formação originária do Estado e a formação derivada do Estado. (DALLARI, 2007, p.53)

A teoria da formação originária dos Estados acredita que sua formação se iniciou de

agrupamentos humanos, independente de qualquer Estado. Pode ser explicada pelas seguintes

teorias:

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Formação Natural ou Espontânea do Estado – o aparecimento do Estado não decorreu

de um ato voluntário, mas de coincidências naturais. No entanto, as causas mais expressivas

podem ser divididas da seguinte forma:

1. Origem patriarcal – cada família primitiva se ampliou e deu a

origem a um Estado.

2. Origem em atos de força, de violência ou de conquista –

afirmam que o Estado nasceu da conjunção de dominantes e

dominados, devido à superioridade de força de um grupo social

permitiu-lhe submeter a um grupo mais fraco.

3. Origem das causas econômicas ou patrimoniais – afirma que

o Estado teria sido formado para todos se beneficiarem da

divisão do trabalho:

(...) o primeiro sintoma de formação do Estado consiste na destruição dos laços gentílicos, dividindo-se os membros de cada gens em privilegiados e não privilegiados, e dividindo-se estes últimos em duas classes, segundo os seus ofícios, e opondo-as umas à outra. (ENGELS,1987, p. 122)

A formação derivada dos Estados compreende na constituição a partir de outros, através

do fracionamento e a união dos Estados. Sendo o primeiro formado por parte de um território

de mais de um Estado que se desmembra e, se unem a outro ou outros territórios, a fim de

compor um novo Estado; o segundo surge quando dois ou mais Estados se unem, a fim de

constituir um novo Estado. (DALLARI, 2007, p.56)

Há também outras formas atípicas de criação dos novos Estados, não usuais e hipóteses

imprevisíveis, como por exemplo, foi o caso da criação de dois Estados Alemães: A

República Democrática Alemã e a Federal Alemã, o Estado da Cidade do Vaticano e o Estado

de Israel. (DALLARI, 2007, p.58)

1.2. Finalidades e Funções do Estado

14

Em caráter geral, os fins do Estado podem ser divididos em dois tipos: fins objetivos,

que em suma, representa o papel do Estado no desenvolvimento da história da humanidade; e

os fins subjetivos, consistem na unidade de inúmeros fins individuais. (DALLARI, 2007,

p.104)

Quanto às funções, os fins podem ser classificados em:

Fins expansivos – preconizam o crescimento desmesurado em detrimento da anulação

do indivíduo, se dividem em duas espécies:

1. Utilitárias: o bem estar material é o que dará plena satisfação, ainda que para obtê-lo,

necessite o sacrifício dos valores fundamentais da pessoa humana.

2. Éticas: preconiza a supremacia de fins éticos. Na prática, estas idéias levam ao

totalitarismo.

o Fins limitativos – defende a redução das atividades do Estado, não admite que

tome iniciativas, principalmente na matéria econômica. John Locke idealizou o

Estado Liberal, do qual o poder deve ser submetido ao povo:

O poder absoluto arbitrário, ou governo sem leis estabelecidas e permanentes é absolutamente incompatível com a finalidade da sociedade e do governo, aos quais os homens não se submeteriam à custa da liberdade do estado de natureza, se não para preservar suas vidas, liberdade e bens. (2001, p.165)

Fins relativos - Pressupõem a necessidade de uma atitude nova dos indivíduos e nas

relações entre o Estado e os indivíduos. Propõem ponderação da expansão ou

limitação, o qual é nomeada a teoria solidarista. Esta teoria consiste na igualdade

jurídica, que admite “o fim de todo Estado é a conservação e o bem-estar dos

indivíduos, e, de outra parte, ao invés, se replica que o Estado é o fim, não sendo o

indivíduo senão o meio”. (GROPALLI, 1962, p.283)

Fins essenciais – Segurança, externa e interna, fins complementares. Consiste em

favorecer o desenvolvimento e o progresso da vida social.

15

Segundo Paulo XXIII (1979, p. 18), se conclui que o fim do Estado é o bem comum, ou

seja, “conjunto de condições de vida social, que consintam e favoreçam o desenvolvimento

integral da personalidade humana”.

1.3. Conceito de Estado

Há vários conceitos decorrentes da sua complexidade, por isso analisaremos as teorias

políticas e jurídicas do Estado.

Definições Políticas. Conforme Duguit, o conceito de Estado é “força irresistível,

acrescentando que esta força, atualmente, é ilimitada e regulada pelo direito”. (DUGUIT apud

DALLARI, 2007, p.117)

Já para Heller, o Estado é “unidade de dominação”. (HELLER apud DALLARI, 2007,

p.117)

Definições Jurídicas. Segundo Hans Kelsen, consiste “como ordem de conduta humana.

É usual caracterizar-se o Estado como organização política. Com isto, porém, apenas exprime

que o Estado é uma ordem de coação”. (KELSEN, 1999, p.316)

Já para Dallari, o Estado é “a ordem jurídica soberana que tem por fim o bem comum de

um povo situado em determinado território”. (DALLARI, 2007, p.119)

1.4. Gênese da Democracia

16

A democracia surgiu na Grécia (demokrateia), etimologicamente significa governo do

povo. Consiste no regime político baseado na soberania popular, pelo quais os cidadãos

exercem a articulação das relações políticas, ou seja, decidem sobre assuntos pertinentes à

coletividade. (LAROUSSE, 1998, P. 1812)

Segundo a Enciclopédia Larrousse, democracia é o “regime político que se funda na

soberania popular, na liberdade eleitoral, na divisão dos poderes e no controle da autoridade”.

(LAROUSSE,1998, p.1812)

Na Antiguidade, o território grego era dividido em polis (cidades), os quais eram

governadas por reis, sob um regime oligárquico. Nestas cidades, especialmente em Atenas,

haviam divisões administrativas denominadas de Demos (povo), era representado pelo

Demarca, eleito por um ano. (LAROUSSE, 1998, p. 1812)

O conceito de cidadão (membro da cidade) na Grécia antiga não abrangia a todos,

excluindo-se, por sua vez, as mulheres, os escravos e os metecos (estrangeiros).

(LAROUSSE, 1998, p.1401)

Contudo, o povo (demos) irresignado com o regime de governo da época, impôs

igualdade dos cidadãos perante a lei e, posteriormente outorgou poder à maioria dos cidadãos.

(LAROUSSE, 1998, p.1401)

As deliberações dos cidadãos denominadas de Assembléias do Povo (Ecclesia) se

davam na “praça pública” ou “agora”, através de discussões públicas, confronto de opiniões e

do voto. Desta atividade pública exercida pelos cidadãos, surge uma convenção (nomos), ou

lei, e que por sua vez, adquire força (physis) e conseqüente vigência no mundo humano.

(ROSENFIELD, 1989, p. 10)

Devido à expansão territorial do Império Romano, suas instituições sofreram certas

adaptações a fim de obter uma melhor gestão. “A civilização da cidade era neste ponto o

quadro natural da vida dos antigos, e desse modo, o Império Romano se apresentava sempre

como uma federação de cidades”. Nas cidades colonizadas pelo império romano, todos os

habitantes livres usufruíram de direitos civis que somente os cidadãos gozavam, quais sejam:

jus commercii, concernente ao direito de propriedade e direito de fechar contratos; jus

17

connubi, referente ao direito de contratar um casamento legítimo com os filhos dos cidadãos

romanos; e por fim, os direitos políticos, que por sua vez abrangem o direito de voto, jus

suffragii, e o direito de elegibilidade, jus honorum. (LAROUSSE, 1998, p.1401)

1.5. Estado Moderno e Democracia

A idéia de um Estado Democrático surgiu no século XVIII constituída na afirmação de

certos valores fundamentais da pessoa humana, bem como a exigência de organização e

funcionamento do Estado na observância dos valores anteriormente mencionados, haja vista,

os sistemas políticos do século XIX e da primeira metade do século XX, não passaram de

tentativas dos ideais do século XVIII.

Rousseau (1999, p.25) afirma que “nenhum homem possui autoridade natural sobre o

seu semelhante, e, pois que a força não produz nenhum direito restam, pois, as convenções

como base de autoridade legítima entre os homens”.

Neste mesmo sentido, Locke (2001, p.95) diz que “a liberdade do homem na sociedade

não deve estar edificada sob qualquer poder legislativo exceto aquele estabelecido pelo

consentimento da comunidade civil, nem sob qualquer vontade ou constrangimento por

qualquer lei, salvo o que o legislativo decretar, de acordo com a confiança nele depositada”.

O Estado Democrático moderno se originou das lutas em face do absolutismo, por meio

da afirmação dos direitos naturais da pessoa humana influenciado pelos jusnaturalistas Locke

e Rousseau.

Os primeiros movimentos políticos-sociais que conduziram ao Estado Democrático

foram: a Revolução Inglesa, cuja expressão mais significativa Bill of Rights (1689); a

Revolução Americana, que teve os princípios anunciados na Declaração de Independência das

18

treze colônias americanas (1776); e a Revolução Francesa, princípios estes expressos na

Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão (1789). (DALLARI, 2007, p.147)

Estes movimentos determinaram as diretrizes na organização do Estado, o qual se

consolidou como ideal supremo o Estado Democrático. Para que este ideal seja alcançado, o

Estado deverá observar certos princípios indispensáveis, quais sejam:

A supremacia da vontade popular, no tocante à extensão do direito de sufrágio e aos

sistemas eleitorais e partidários;

A preservação da liberdade;

A igualdade de direito.

1.6. Aspectos Conflitantes do Estado Democrático

Hodiernamente, o Estado Democrático de Direito possui os seguintes

pontos de conflito:

O problema da supremacia da vontade do povo: Conclui-se que a falha está no povo,

pois não compreende os problemas do Estado e é incapaz de escolher bons

governantes. “Esse é um dos impasses a que chegou o Estado Democrático: a

participação do povo é tida como inconveniente, e a exclusão do povo é obviamente

antidemocrática”. (DALLARI, 2007, p.306)

Dilema entre a supremacia da liberdade ou da igualdade: só assegurava a liberdade

àqueles que detinham o poder econômico, pois, os que dependiam do próprio trabalho

para sobreviver, foram se distanciando do capitalismo, sem condições mínimas para

progredir economicamente e socialmente. Porém, priorizar a liberdade ocasionaria

desigualdades predominantemente injustas, e por outro lado, garantir “a igualdade de

19

todos mediante uma organização rígida e coativa”, acarretaria o sacrifício da

liberdade. Contudo, as duas posições infringem o ideal de Estado Democrático.

(DALLARRI, 2007, p.307)

Problemas decorrentes da identificação do Estado Democrático ideal com determinada

forma de Estado e de governo, Dallari (2007, p. 308) diz que:

[...] manter um Estado Democrático preso a uma forma, sabendo que isso poderia servir como um disfarce muito conveniente para a ditadura, ou eliminar a exigência de determinada forma, abolindo com isso o controle e favorecendo a concentração do poder e sua utilização arbitrária.

Tendo em vista os pontos conflitantes elencados é possível o alcance pleno

do Estado Democrático, desde que atingidos pontos imprescindíveis, quais sejam:

Eliminação da Rigidez Formal. Para que seja democrático um Estado, é

necessário atender a concepção dos valores fundamentais de certo povo em uma determinada

época, sendo assim, o Estado deve ser flexível a fim de adaptar-se às exigências da época.

(DALLARI, 2007, p.311)

Supremacia da vontade do povo. Um dos requisitos essenciais da

democracia é a predominância da vontade do povo sobre qualquer grupo ou indivíduo, ou

seja, democracia requer uma gestão de governo oriunda dos próprios governados, o qual

implica em decisões livres sobre as diretrizes políticas fundamentais do Estado. (DALLARI,

2007, p.309)

A preservação da liberdade. As liberdades dos indivíduos não podem ser

colocadas e isoladas uma ao lado da outra, certo que, estão na realidade entrelaçadas e

necessariamente inseridas num meio social. O indivíduo deve estar ligado aos compromissos

sociais, e não isolado da sociedade. (DALLARI, 2007, p.310)

Preservação da igualdade. “A concepção da igualdade como igualdade de

possibilidades corrige essas distorções, pois admite a existência de relativas desigualdades

decorrentes das diferenças de mérito individual, aferindo-se este através de contribuição de

cada um à sociedade”. (DALLARI, 2007, p. 311)

20

2 DIREITO DE PROPRIEDADE

2.1 Evolução Histórica do Direito de Propriedade nas Constituições Brasileiras

No início do século XIX, quando Portugal foi tomado por forças Napoleônicas, a família

real portuguesa mudou-se para a Colônia Lusitana – posteriormente chamada de Brasil, e, por

conseguinte, em meados de 1808, houve a transferência da administração da Metrópole

Portuguesa, bem como, a criação do Banco do Brasil, a Imprensa Régia, o Jardim Botânico e

a abertura dos portos a todas as nações amigas. A aplicabilidade das leis da Metrópole sobre a

Colônia era integral, “admitindo-se apenas, por delegação, a elaboração de precária legislação

local”. (CRETELLA JR, 2000, p.27)

D. João VI quando retornou a Portugal, deixou no Brasil, “seu filho Pedro,

recomendando-lhe que colocasse a coroa de rei sobre a cabeça antes que algum aventureiro

lançasse mão dela”. (CRETELLA JR, 2000, p.28) [...] os assessores de Pedro Alcântara, entre os quais José Bonifácio de Andrada e

Silva, pensaram na elaboração imediata da nossa Primeira Constituição que afinal foi oferecida e jurada por sua Majestade, o Imperador Constitucional e Defensor Perpétuo do Brasil [...] (CRETELLA JR, 2000, p.28)

Constituição de 1824. Foi outorgada em 25 de março de 1824 após a dissolução da

Assembléia Constituinte de 1823. Estava condicionada aos princípios do liberalismo e, ao

mesmo tempo, permitia o autoritarismo do príncipe. “O poder Moderador, atribuído ao

imperador era incompatível com o sistema parlamentar, o qual, no entanto, foi instalado no

Segundo Reinado, graças à aceitação de Pedro II”. (LAROUSSE, 1998, p. 1584)

Em seu art. 179 foi assegurado o direito de propriedade, entre os direitos fundamentais

do cidadão:

21

Art. 179. A inviolabilidade dos Direitos Civis, e Politicos dos Cidadãos Brazileiros, que tem por base a liberdade, a segurança individual, e a propriedade, é garantida pela Constituição do Imperio, pela maneira seguinte.

XXII. E'garantido o Direito de Propriedade em toda a sua plenitude. Se o bem publico legalmente verificado exigir o uso, e emprego da Propriedade do Cidadão, será elle préviamente indemnisado do valor della. A Lei marcará os casos, em que terá logar esta unica excepção, e dará as regras para se determinar a indemnisação.

Conforme o dispositivo exposto, o direito de propriedade sofreu apenas uma limitação:

o bem público. “A desapropriação somente seria realizada se o bem coletivo exigisse o uso da

propriedade privada, sendo obrigatória à verificação legal do bem particular. E nessa hipótese,

o cidadão deveria ser previamente indenizado do valor integral de sua propriedade”. (LIMA,

2002, p.66)

No entanto, não houve nenhuma disposição sobre bens de propriedade do patrimônio

público. (LIMA, 2002, p.67)

Constituição de 1891. Foi promulgada em 24 de fevereiro de 1891, sendo a primeira

Constituição Republicana Brasileira. Sofreu influência do presidencialismo dos EUA,

“instalou a república, a federação e o sistema presidencial. Seus princípios liberais em boa

parte negligenciados pela oligarquia proprietária governante. O Estado passou a ser

oficialmente leigo.” (LAROUSSE, 1998, p.1584)

Somente a partir deste texto constitucional houve a fixação das terras pertencentes à

União e aos Estados. Em seu art. 64, as terras devolutas se tornaram propriedade do Estado,

bem como a limitação da União às áreas indispensáveis à segurança nacional. Mas não foram

estabelecidos os critérios de identificação dessas áreas. (LIMA, 2002, p.93)

Todavia, a Constituição de 1891 permaneceu como a Constituição de 1824 em sua

plenitude e limitação:

Art 72 - A Constituição assegura a brasileiros e a estrangeiros residentes no País a inviolabilidade dos direitos concernentes à liberdade, à segurança individual e à propriedade, nos termos seguintes:

§ 17 - O direito de propriedade mantém-se em toda a sua plenitude, salva a desapropriação por necessidade ou utilidade pública, mediante indenização prévia.

Constituição de 1934. Foi promulgada a 16 de julho pela Assembléia Constituinte sob

influência das constituições alemã de 1919 e espanhola de 1931. “Instituiu a Justiça Eleitoral

22

e o voto passou de direto a obrigação, sendo, então, estendido às mulheres”. (LAROUSSE,

1998, p.1584)

No tocante as áreas de domínio da União, houve a ampliação incluindo a propriedade de

lagos, rios e ilhas. (LIMA, 2002, p. 93)

O direito de propriedade foi assegurado dentre os direitos fundamentais, mas tendo sido

limitado pelo interesse social ou coletivo. (LIMA, 2002, p.119)

Art 113 - A Constituição assegura a brasileiros e a estrangeiros residentes no País a inviolabilidade dos direitos concernentes à liberdade, à subsistência, à segurança individual e à propriedade, nos termos seguintes:

17) É garantido o direito de propriedade, que não poderá ser exercido contra o interesse social ou coletivo, na forma que a lei determinar. A desapropriação por necessidade ou utilidade pública far-se-á nos termos da lei, mediante prévia e justa indenização. Em caso de perigo iminente, como guerra ou comoção intestina, poderão as autoridades competentes usar da propriedade particular até onde o bem público o exija, ressalvado o direito à indenização ulterior.

A desapropriação se constitui “na limitação que afeta de caráter perpétuo da

propriedade, porque é o meio pelo qual o Poder Público determina a transferência

compulsória da propriedade particular especialmente para o seu patrimônio ou delegados”.

(SILVA, 2006, p.281)

Constituição 1937. Em 10 de novembro de 1937 foi outorgada pelo presidente Getúlio

Vargas que sintetizava “as principais idéias políticas do totalitarismo conservador. Instituiu a

pena de morte. Não chegou propriamente a entrar em execução, porque o presidente da

República não promoveu o seu completamento institucional, preferindo governar como

ditador, sem limitações jurídicas”. (LAROUSSE, 1998, p. 1584)

O direito de propriedade continuou previsto dentre os direitos fundamentais, mas

recebeu nova redação, “o exercício do direito de propriedade deixava de ser limitado pelos

interesses públicos e coletivos, havendo apenas a possibilidade de desapropriação por

necessidade ou utilidade pública”. (LIMA, 2002, p. 122)

Art 122 - A Constituição assegura aos brasileiros e estrangeiros residentes no País o direito à liberdade, à segurança individual e à propriedade, nos termos seguintes:

14. o direito de propriedade, salvo a desapropriação por necessidade ou utilidade pública, mediante indenização prévia. O seu conteúdo e os seus limites serão os definidos nas leis que lhe regularem o exercício;

23

Constituição de 1946. Esta foi à terceira Constituição Republicana promulgada em 18

de setembro. “Recriou o Legislativo bicameral, anulou a pena de morte, reintroduziu o

mandado de segurança, criou a ação popular”. (LAROUSSE, 1998, p. 1584)

No tocante aos bens da União, houve ampliação do rol de bens do seu domínio:

Art 34 - incluem-se entre os bens da União:

I - os lagos e quaisquer correntes de água em terrenos do seu domínio ou que banhem mais de um Estado, sirvam de limite com outros países ou se estendam a território estrangeiro, e bem assim as ilhas fluviais e lacustres nas zonas limítrofes com outros países;

II - a porção de terras devolutas indispensável à defesa das fronteiras, às fortificações, construções militares e estradas de ferro.

Art 35 - incluem-se este os bens do Estado os lagos e rios em terrenos do seu domínio e os que têm nascente e fez no território estadual.

Assim como nas constituições anteriores, o direito de propriedade foi assegurado no art.

141, assim como a limitação de desapropriação por necessidade ou utilidade pública, ou ainda

por interesse social:

Art 141 - A Constituição assegura aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade dos direitos concernentes à vida, à liberdade, a segurança individual e à propriedade, nos termos seguintes:

§ 16 - É garantido o direito de propriedade, salvo o caso de desapropriação por necessidade ou utilidade pública, ou por interesse social, mediante prévia e justa indenização em dinheiro. Em caso de perigo iminente, como guerra ou comoção intestina, as autoridades competentes poderão usar da propriedade particular, se assim o exigir o bem público, ficando, todavia, assegurado o direito a indenização ulterior.

De acordo com Pontes de Miranda (1947, p.265) é propriedade toda patrimonialidade, e

o texto do parágrafo 16 do art. 141 se compõe de três regras a que correspondem a três

garantias constitucionais diferentes:

a) A pretensão da indenização prévia é assegurada somente em caso de desapropriação por

necessidade ou utilidade pública.

b) O direito de propriedade, bem como, o seu conteúdo e limites são susceptíveis de mudança,

decorrente de mudanças de legislação.

c) As leis que regulam o exercício da propriedade definem o conteúdo e seus limites.

24

A Constituição de 1946 buscou conciliar a concepção individualista e a concepção

social no direito de propriedade, o qual o subordinou ao interesse público, e, na hipótese de

desapropriação, o indivíduo era previamente indenizado em dinheiro. (CAVALCANTI, 1949,

p.130/131)

Sendo, portanto, um direito individual, a propriedade sofre limitações, tal como os demais direitos. Mas somente se legitimam tais limitações quando visam a proteção de interesses maiores, a vida, a segurança, o progresso da coletividade. (CAVALCANTI, 1949, p.133)

Constituição de 1967. “Imposta ao Congresso Nacional a 24 de janeiro, foi praticamente

revogada pelo Ato Institucional n° 5 de 13 de dezembro de 1968, o qual iniciou uma série de

medidas que visavam adequar a ordem jurídica do governo autoritário instituído pelos

militares, alterando a economia, a administração e a política do país”. (LAROUSSE, 1998, p.

1584)

Em seu art. 4°, previa o rol não taxativo dos bens de domínio da União:

Art. 4º Incluem-se entre os bens da União:

I - a porção de terras devolutas indispensável à segurança e ao desenvolvimento nacionais;

II - os lagos e quaisquer correntes de água em terrenos de seu domínio, ou que banhem mais de um Estado, constituam limite com outros países ou se estendam a território estrangeiro; as ilhas oceânicas, assim como as ilhas fluviais e lacustres nas zonas limítrofes com outros países;

III - a plataforma continental;

IV - as terras ocupadas pelos silvícolas;

V - os que atualmente lhe pertencem; e

VI - o mar territorial.

Entretanto, foi mantido o direito de propriedade na Constituição como garantia

fundamental:

Art 150 - A Constituição assegura aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no Pais a inviolabilidade dos direitos concernentes à vida, à liberdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:

25

O princípio da função social da propriedade foi preservado como finalidade da ordem

econômica:

Art 157 - A ordem econômica tem por fim realizar a justiça social, com base nos seguintes princípios:

I - liberdade de iniciativa;

II - valorização do trabalho como condição da dignidade humana;

III - função social da propriedade;

IV - harmonia e solidariedade entre os fatores de produção;

V - desenvolvimento econômico;

VI - repressão ao abuso do poder econômico, caracterizado pelo domínio dos mercados, a eliminação da concorrência e o aumento arbitrário dos lucros.

Constituição de 1988. Em 5 de outubro foi promulgada a Constituição Federal,

motivado pelo movimento popular que visava a eleição presidencial, e conseqüente instituição

do Estado Democrático de Direito. (LIMA, 2002, p. 159)

Contudo, o seu texto manteve o sistema republicano federativo, o presidencialismo, a

independência e a harmonia entre os poderes do Estado. (LAROUSSE, 1998, p. 1584)

A nova carta contemplou os direitos dos cidadãos e ampliou a participação da sociedade civil no processo político: através do mandado de injunção ficou garantida a observação dos direitos transcritos no texto; com o hábeas corpus o Estado é obrigado a dar conhecimento das informações que detêm aos cidadãos. As ações populares ganham maior eficiência. (LAROUSSE, 1998, p. 1584)

No art. 3° se encontram previstos os objetivos da República Federativa do Brasil, in

verbis:

Art. 3º Constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil:

I - construir uma sociedade livre, justa e solidária;

II - garantir o desenvolvimento nacional;

III - erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais;

IV - promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação.

26

Conforme preceitua Celso Ribeiro de Bastos (1989, p.120), a liberdade de uso e fruição

foi convertido em dever uso, em que basicamente visa “compatibilizar a fruição individual da

propriedade como atingimento dos fins sociais”.

O direito de propriedade, no entanto, foi previsto como garantia fundamental em seu art.

5°, incisos XXII e XXIII:

Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:

[...] XXII – é garantido o direito de propriedade;

XXIII – a propriedade atenderá a sua função social;

De acordo com o observado no dispositivo anterior, o princípio da função social deve

ser sobrepor ao direito de propriedade.

Diverso da Constituição anterior, o art. 20 da CF de 1988 ampliou os bens pertencentes

à União:

Art. 20. São bens da União:

I - os que atualmente lhe pertencem e os que lhe vierem a ser atribuídos;

II - as terras devolutas indispensáveis à defesa das fronteiras, das fortificações e construções militares, das vias federais de comunicação e à preservação ambiental, definidas em lei;

III - os lagos, rios e quaisquer correntes de água em terrenos de seu domínio, ou que banhem mais de um Estado, sirvam de limites com outros países, ou se estendam a território estrangeiro ou dele provenham, bem como os terrenos marginais e as praias fluviais;

IV as ilhas fluviais e lacustres nas zonas limítrofes com outros países; as praias marítimas; as ilhas oceânicas e as costeiras, excluídas, destas, as que contenham a sede de Municípios, exceto aquelas áreas afetadas ao serviço público e a unidade ambiental federal, e as referidas no art. 26, II;(Redação dada pela Emenda Constitucional nº 46, de 2005)

V - os recursos naturais da plataforma continental e da zona econômica exclusiva;

VI - o mar territorial;

VII - os terrenos de marinha e seus acrescidos;

VIII - os potenciais de energia hidráulica;

IX - os recursos minerais, inclusive os do subsolo;

27

X - as cavidades naturais subterrâneas e os sítios arqueológicos e pré-históricos;

XI - as terras tradicionalmente ocupadas pelos índios.

§ 1º - É assegurada, nos termos da lei, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios, bem como a órgãos da administração direta da União, participação no resultado da exploração de petróleo ou gás natural, de recursos hídricos para fins de geração de energia elétrica e de outros recursos minerais no respectivo território, plataforma continental, mar territorial ou zona econômica exclusiva, ou compensação financeira por essa exploração.

§ 2º - A faixa de até cento e cinqüenta quilômetros de largura, ao longo das fronteiras terrestres, designada como faixa de fronteira, é considerada fundamental para defesa do território nacional, e sua ocupação e utilização serão reguladas em lei.

Os bens de domínio dos Estados se encontram elencados no art. 26:

Art. 26. Incluem-se entre os bens dos Estados:

I - as águas superficiais ou subterrâneas, fluentes, emergentes e em depósito, ressalvadas, neste caso, na forma da lei, as decorrentes de obras da União;

II - as áreas, nas ilhas oceânicas e costeiras, que estiverem no seu domínio, excluídas aquelas sob domínio da União, Municípios ou terceiros;

III - as ilhas fluviais e lacustres não pertencentes à União;

IV - as terras devolutas não compreendidas entre as da União.

Cabe ressaltar os princípios norteadores da ordem econômica:

Art. 170. A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social, observados os seguintes princípios:

I - soberania nacional;

II - propriedade privada;

III - função social da propriedade;

IV - livre concorrência;

V - defesa do consumidor;

VI - defesa do meio ambiente;

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VI - defesa do meio ambiente, inclusive mediante tratamento diferenciado conforme o impacto ambiental dos produtos e serviços e de seus processos de elaboração e prestação; (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 42, de 19.12.2003)

VII - redução das desigualdades regionais e sociais;

VIII - busca do pleno emprego;

IX - tratamento favorecido para as empresas de pequeno porte constituídas sob as leis brasileiras e que tenham sua sede e administração no País. (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 6, de 1995)

Parágrafo único. É assegurado a todos o livre exercício de qualquer atividade econômica, independentemente de autorização de órgãos públicos, salvo nos casos previstos em lei.

2.2. Conceito e Natureza Jurídica do Direito de Propriedade

Segundo Maria Helena Diniz (2004, p.132), “direito de propriedade é o direito que a

pessoa física ou jurídica tem, dentro dos limites normativos, de usar, gozar e dispor de um

bem corpóreo ou incorpóreo, bem como, reivindicá-lo de quem o injustamente o detenha”.

Neste mesmo sentido, Sílvio Rodrigues (2007, p.76) entende como “direito real, ou seja,

de um direito que recai diretamente sobre a coisa e que independente, para o seu exercício, de

prestação de quem quer que seja. Ao titular de tal direito é conferida a prerrogativa de usar,

gozar e dispor da coisa, bem como reivindicá-la de quem que injustamente a detenha”.

Venoza (2007,p.153) afirma que o Código descreveu de forma ampla os poderes do

proprietário (ius utendi, fruendi, abutendi), qual seja:

Art. 1.228. O proprietário tem a faculdade de usar, gozar e dispor da coisa, e o direito de reavê-la do poder de quem quer que injustamente a possua ou detenha.

A faculdade de usar consiste em “colocar a coisa a serviço do titular sem alterar-lhe a

substância. O proprietário usa seu imóvel quando nele habita ou permite que terceiro o faça”,

ainda que mantenha o cercado sem qualquer utilização. (VENOZA, 2007, p. 153)

29

Venoza (2007, p. 153) ensina que “gozar do bem significa extrair dele benefícios e

vantagens. Refere-se à percepção de frutos, tanto naturais como civis”.

Já a faculdade de dispor “envolve o poder de consumir o bem, alterar-lhe sua substância,

aliená-lo ou gravá-lo”. Sendo o poder mais abrangente, pois pressupõe o poder de usar e

gozar. A expressão abutendi do Direito Romano possui o sentido de consumir. (VENOSA,

2007, p.153)

Para Sílvio Rodrigues (2007, p.78) o direito de propriedade é um direito absoluto,

exclusivo e perpétuo. “Entende-se que o direito de propriedade é absoluto no sentido de que o

proprietário tem sobre aquilo que é seu no mais amplo poder jurídico, usando e desfrutando a

coisa da maneira que lhe aprouver”.

“Diz-se exclusivo o domínio porque o direito de seu titular é exercido sem concorrência

de outrem, podendo aquele afastar da utilização da coisa quem quer que dela queira tirar

qualquer proveito”. (RODRIGUES, 2007, P. 79)

Por fim, a propriedade é perpétua no tocante a sua extinção, pois, decorre pela vontade

do dono, ou por disposição legal. (RODRIGUES, 2007, p. 81)

30

3 URBANIZAÇÃO

3.1. Êxodo Rural

As intensas migrações internas no Brasil do campo para a cidade foram intensamente

motivadas devido ao surto industrial nas décadas de 30 e 40, principalmente na direção dos

grandes centros urbanos localizados no sul do país e respectiva faixa litorânea. (CAMPOS

FILHO, 1989, p. 32)

Paul Singer (1983, p.38) explana duas ordens dos fatores de expulsão que conduzem as

migrações, quais sejam fatores de mudança e fatores de estagnação. A observância de tais

fatores permite visualizar as conseqüências da emigração.

As áreas de emigração submetida a fatores de mudança são aquelas que “perdem

população, mas a produtividade aumenta o que permite, em princípio, uma melhora nas

condições de vida locais, dependendo do sistema e de forças sociais e políticas que

condicionam a repartição de renda”. Já as áreas de emigração sujeita a fatores de estagnação

“representam estagnação ou mesmo deterioração das condições de vida, funcionando às vezes

como ‘viveiros de mão-de-obra’ para latifúndios e grandes exploradores agrícolas

capitalistas”. (SINGER, 1983, p.39)

Tais fatores determinam que determinada as áreas causadores dos fluxos migratórios, porém, a destinação destes fluxos são definidas pelos fatores de atração. Dentre os fatores de atração, o que se destaca é a por força de trabalho, entendida esta não apenas como gerada pelas empresas industriais, mas também a que resulta da expansão de serviços tanto dos que são executados por empresas capitalistas como os que são prestados nas repartições governamentais, empresas públicas e por indivíduos autônomos. (SINGER, 1983, p.40)

No entanto, a migração na América Latina colabora “para a formação de população

marginal nos lugares de destino”. Haja vista que, a marginalidade geralmente é definida

31

“como não integração na economia capitalista e não participação em organizações sociais e no

usufruto de certos serviços urbanos”. Cabe visualizar que parte da oferta de força de trabalho -

composta especialmente por imigrantes - não é aproveitada pelo sistema. (SINGER, 1983,

p.57)

Com o crescimento desordenado das metrópoles nos países não desenvolvidos

ocorreram significativos desequilíbrios, sobretudo na oferta e procura de habitações, bem

como, de serviços urbanos. (SINGER, 1983, p.117)

O estudo do IBGE – Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística – comprova essa

explosão demográfica através dos censos de 1940 e 2000, que a população brasileira se tornou

urbana, o que corresponde a um salto de 31,3% para 81,2% da taxa de urbanização

respectivamente.

Todavia, este desmensurado crescimento urbano acarreta o aumento da problemática

urbana, quais seja a carência de habitações contribui para a proliferação das favelas e cortiços,

saturação das vias de tráfego, “insuficiência dos serviços urbanos básicos como o

abastecimento de água encanada e de esgotos, que atendem proporções cada vez menores da

32

população total, de vagas nas escolas, aumento contínuo do desemprego”, e entre outros.

(SINGER, 1983, p.119)

3.2. Crise da Urbanização: Proliferação das Favelas

Na divulgação da pesquisa do IBGE sobre os municípios de 2001, informa que a

maioria das favelas estão localizadas na região sul do país. Entretanto, constam mais

domicílios cadastrados nas favelas do sudeste: 1,4 milhão espalhados em 6.106 favelas. No

Brasil possui 19.631 favelas cadastradas, num total de mais de 1,6 milhão de domicílios, os

quais, 70,1% estão concentradas nas trinta e duas maiores cidade do país. (FOLHA ONLINE,

2003)

O IBGE conceitua favela como conjunto mínimo de 51 unidades habitacionais em

terreno alheio, dispostas em geral, de forma desordenada e carentes, na maioria, de serviços

essenciais.(BRASIL NEWS, 2001)

A Enciclopédia Larousse (1995, p.2369) define favela como “núcleo de habitações

rústicas e improvisadas nas áreas urbanas e suburbanas, em locais sem melhoramentos

públicos, sobre terrenos de propriedade alheia (privada ou estatal), ou de posse não definida”.

No Rio de Janeiro surgiu a primeira favela no início do século XX, decorrente da

expulsão da população moradora de cortiços do centro da cidade com fins de obras de

renovação urbana. Esta população se localizava no morro da Providência, depois chamado de

morro da Favela, em referência a uma elevação existente em Canudos (BA). “A partir de

então, essa designação estendeu-se a todos os núcleos semelhantes, em áreas desvalorizadas

ou na periferia das cidades”. (LAROUSSE, 1995, p.2369)

Geralmente as moradias (barracos) são constituídas com restos de madeira ou de outros

materiais, “caracterizam-se pelas condições de vida extremamente precárias”. No Brasil, há

várias denominações regionais: mocambo, em Pernambuco; alagados, na Bahia; vila de

malocas, no Rio Grande do Sul. (LAROUSSE, 1995, p.2369)

33

No Brasil, aumentou significativamente o número de pessoas que residem em favelas ou

em condições subumanas estendendo-se às médias e pequenas cidades. “A transformação das

relações de trabalho no campo reduziu o colonato e as relações de parceria generalizou o

emprego de diaristas (os bóias-frias), que foram obrigados a mudar-se das fazendas e fixar-se

na periferia das cidades”. (LAROUSSE, 1995, p.2369)

Contudo, estas ocupações desordenadas motivada pela pobreza causam danos

significativos ao meio ambiente, pois geralmente estão localizadas em áreas impróprias

(alagados, várzeas, encostas de morros) e em áreas reservadas para praças e parques nas

cidades, o que “traz dificuldades para a obtenção de água potável e saneamento básico, além

de tornar os seus habitantes sujeitos a contratempos de todo o tipo: enchentes, deslizamentos

de terra e outros problemas derivados das péssimas condições de ocupação do solo”. (DIAS,

1995, p.33)

34

4 DIREITO À MORADIA

O direito à moradia foi incluído expressamente no rol de direitos sociais no art. 6° da CF

através da EC n. 26, de 14 de fevereiro de 2000. Apesar de já previsto anteriormente no

mesmo diploma legal pelo art. 23, inciso IX, que “segundo o qual é competência comum da

União, Estados, DF e Municípios ‘promover programas de construção e moradias e a

melhoria das condições habitacionais e de saneamento”. (SILVA, 2007, p.314)

“O direito à moradia significa ocupar um lugar como residência; ocupar uma casa,

apartamento etc. para nele habitar”. (SILVA, 2007, p.314)

O verbo morar provém do latim morari, que exprime demorar, ficar. Assim sendo, o

direito à moradia não é essencialmente o direito à casa própria, porém é a garantia a todos em

ter um lugar onde se abrigue permanentemente. “Mas é evidente que a obtenção da casa

própria pode ser um complemento indispensável para a efetivação do direito à moradia”.

(SILVA, 2007, p.314)

Entretanto, o direito à moradia abrange não só a opção de ocupar uma habitação, mas

requer uma habitação adequada, sobretudo, nas suas dimensões, higiene, conforto capaz de

propiciar a intimidade pessoal e a privacidade familiar; pois, prevê como princípio

fundamental da dignidade da pessoa humana (art. 1°, III), bem como o direito à intimidade e à

privacidade (art. 5°, x), “e que a casa é uma asilo inviolável (art. 5°, XI)”. (SILVA, 2007,

p.314)

O direito à moradia consiste em adquirir uma moradia digna e adequada – via de ação

positiva do Estado -, mas para que este direito tenha eficácia, é necessário que o Estado e

terceiros a não impeçam qualquer cidadão de conseguir ou permanecer numa moradia. Nessa

ação positiva do Estado se depara “a condição de eficácia do direito à moradia”, que está

localizada em vários artigos da Constituição, dentre os quais, o art. 3°, em que estão

determinados os “objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil construir uma

sociedade justa e solidária, erradicar a marginalização - e não há marginalização maior do que

não ter um teto para si e para a família -, e promover o bem de todos”, e que possui como

35

requisito essencial, ter uma moradia em condições para uma vida digna. (SILVA, 2007,

p.315)

Portanto, a inserção do direito à moradia como direito social requer atenção especial dos

Poderes Públicos, pois, agora se encontra “revestido da ótica constitucional”. (ARAÚJO,

2007, p. 218)

Ao governo compete disciplinar o uso do espaço público, e impedir que se embarace o que por todos deve ser usado. Entretanto, haveria ofensa ao direito de estar no caso em que o governo, desalojando quem ocupa espaço público, não lhe oferecesse alternativa de estar, ou que a oferecesse somente com sacrifício de outro direito básico, como direito ao trabalho, ao convívio, ou a própria cultura. O que o governo não pode, sem ofensa a esses direitos, confinar que desalojou do espaço público, nem removê-lo contra a sua vontade, para região remota. A ofensa é tanto mais grave quanto menor a possibilidade de defesa do ofendido. (CUNHA, 2004, p.138)

Cunha (2004, p.138) distingue direito à moradia e direito de morar. Os direitos com

preposição ‘de’ são aqueles que detém poder material de exercício. O direito em questão

“consiste na posse exclusiva”, e com duração razoável, de um espaço onde se tenha proteção

contra a intempérie, e, com resguardo da intimidade, as condições para a prática dos atos

elementares da vida: alimentação, repouso, higiene, reprodução, comunhão. Trata-se de

direito erga omnes.

Entre o direito à moradia e o direito de morar há uma relação de dependência, sendo

que, só há eficácia do primeiro quando há aquisição do segundo. “Para isso, é preciso que

concorram todos os elementos da moradia. Quem conseguiu terreno, mas não a casa, satisfez

apenas parte em aparte seu direito à moradia”. (CUNHA, 20047, p. 138)

No entanto, para que haja efetividade do direito à moradia, o governo deve incluir “a

instituição de política habitacional e de sistema de acesso à habitação”, que abrange a

promoção de assentamentos, planos de financiamento (art. 5°, inciso XXVI, CF), distribuição

de terras públicas, desapropriação (art. 5°, inciso XXIV, CF) ou confisco (art. 243, CF) de

móveis particulares. (CUNHA, 2004, p.138)

A princípio, cabe ao governo “estabelecer uma adequada ordenação do uso do solo, que

não iniba o acesso à moradia, e promover todas as medidas que assegurem esse direito”.

(CUNHA, 2004, p. 138)

36

Caso existam “terrenos públicos suficientes, o governo não pode deixar de destiná-los a

essa finalidade; onde há terreno público sem utilização, não pode haver pessoa sem moradia”.

(CUNHA, 2004, p. 138)

“Se há terrenos públicos suficientes ou em condições que satisfaçam o direito à moradia,

deve o governo busca-los em mão de particulares, entendidos os direitos e garantias

integrantes do estatuto da propriedade”. (CUNHA, 2004, p. 139)

37

5. REGULARIZAÇÃO FUNDIÁRIA DAS FAVELAS

Maria Lúcia Refinetti Martins (2005, p. 26) afirma que para possibilitar a regularização

aos assentamentos precários é necessário à avaliação das “condições concretas e a dimensão

da irregularidade e suas razões”. A princípio, observa-se “nas condições brasileiras, de

reduzida correspondência entre a legislação urbanística e a realidade por conta do tamanho da

exclusão social”, o que dificuldade a conceituação no tocante ao “conteúdo e a natureza da

expressão 'irregular', particularmente no que se refere a assentamentos de populações de baixa

renda”. Assim sendo, irregular é o que não se encontra estabelecido na lei. Notório então, o

abismo “entre o desejável e a realidade urbana”. Sob três aspectos permite-se a análise da

essência da irregularidade dos assentamentos irregularidade dos assentamentos precários,

quais sejam:

Condições Reais. Neste parâmetro se verifica as condições físicas dos assentamentos. É

regular aquele que “atende a um padrão mínimo social e economicamente aceitável, que

inclua salubridade e segurança”. (MARTINS, 2005, p.27)

Legislação urbanística e ambiental. Nem sempre os objetivos legais são atingidos; é o

que se verifica a legislação adotada a fim de proteger os mananciais na Região Metropolitana

de São Paulo: um súbito crescimento urbano, aliado a escassez, “da oferta de lotes precários e

de baixo custo (por restrições devidas à lei 6766/79) e à ausência de alternativas para a

habitação popular, acabou empurrando a população de baixa renda justamente para

ambientalmente mais frágeis”, áreas que o mercado informal não leva em conta, o que

impossibilitou a eficácia da legislação de proteção de mananciais. A situação exposta encontra

duas possibilidades: “a remoção para pura e simples da população, para atender o estabelecido

na lei, se mostra socialmente insustentáveis – ao mesmo tempo em que a regularização das

ocupações não tem como atender aos parâmetros legais”. (MARTINS, 2005, p. 27)

Posse e registro. Alude-se a segurança da posse ligada “á propriedade e à propriedade à

sua escrituração”. A regularidade urbanística está condicionada à comprovação da

regularidade da propriedade, “para dar início aos procedimentos de aprovação de qualquer

38

parcelamento ou loteamento é necessária à regularidade da propriedade”. (MARTINS, 2007,

p. 27)

Utilizado primeiramente em Recife em 1980 e, a partir de 1990 no ABC Paulista e

acrescentadas em 2001 no Estatuto da Cidade, as Zonas de Interesse Social. - ZEIS – consiste

no recorte padrão urbano que tem por objetivo assegurar “a permanência dos assentamentos

populares existentes e reservar áreas ainda desocupadas para uso habitacional de baixa renda”.

(MARTINS, 2005, p. 35)

O Estatuto da Cidade inaugura diversos instrumentos e alternativas. No entanto, a

aplicação destes instrumentos e alternativas deve dispor de certos fatores para que seja efetivo

o projeto de regularização, o qual exige uma formação integrada e articulada de:

[...] projeto urbanístico; tecnologia e projeto de infraestrutura, na solução de regularização urbanística (adequação, revisão de Leis, enquadramento como ZEIS), solução de regularização da propriedade (compra e venda, desapropriação, usucapião coletivo, concessão simples de desmembramento de gleba em lotes), solução de finan-ciamento (sic) das obras, solução de manutenção (condomínio, cooperativa, responsabilidade do poder público). (MARTINS, 2005, p. 35)

Merece destaque a associação entre a irregularidade do assentamento e a falta de renda

das famílias, bem como, “a fragilidade de sua inserção social”. Sendo assim, qualquer

processo de regularização subsistente requer não somente “projeto e investimento, mas

essencialmente pela promoção da inclusão social”. (MARTINS, 2005, p. 37)

Isso implica na necessidade sinergia das ações setoriais promovidas; capilaridade de presença do estado (agentes de saúde/urbanos); implementação de ações visíveis- identidade, qualidade urbana; circulação transversal (cruzamento de vales, ligando perpendiculamente as vias radiais que constituem normalmente os únicos acessos aos bairros); participação da comunidade; programas associados a empregos e renda. (MARTINS, 2005, p. 37)

Os principais entes da administração pública direta, quais sejam, União, Estados,

Distrito Federal e Municípios, possuem competência para legislar em matéria de

regularização do parcelamento do solo, é o que está determinado nos arts. 21, inciso XX e 23,

inciso VI, ambos da CF. Quanto ao direito urbanístico, União, Estados, Distrito Federal e

Municípios possuem competência concorrente para legislar, é o que prescreve o art. 24, inciso

39

I da CF, porém, o Município é o principal responsável, conforme disposição do art. 30,

incisos I, II e VIII da CF.

Coaduna o entendimento do Superior Tribunal de Justiça, o Município como

protagonista da regularização urbanística: RECURSO ESPECIAL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. REGULARIZAÇÃO DO SOLO URBANO. LOTEAMENTO. ART. 40 DA LEI N. 6.766/79. MUNICÍPIO. LEGITIMIDADE PASSIVA. (Recurso Especial 432.531vide anexo A) RECURSO ESPECIAL. DIREITO URBANÍSTICO. LOTEAMENTO IRREGULAR. MUNICÍPIO. PODER-DEVER DE REGULARIZAÇÃO. (Recurso Especial 448.216 vide anexo B) RECURSO ESPECIAL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. REGULARIZAÇÃO DO SOLO URBANO. ART. 40 DA LEI N. 6.766/79. MUNICÍPIO. COMPETÊNCIA VINCULADA. (Recurso Especial 259.892 vide anexo C)

Os arts. 182 e 183 da CF se encontram regulamentados pela Lei 10.257/2001 – Estatuto

da Cidade – que estabelece diretrizes gerais da política urbana e institui o Plano Diretor no

art. 39 e 42.

O Plano Diretor é uma lei, conforme se do art. 182 da Constituição Federal, pois aí está prescrito que deve ser aprovado pela Câmara Municipal. Essa inteligência também é retirada do art. 40 do Estatuto da Cidade, cujo texto traz a locução: aprovado por lei municipal. A natureza, pois, do Plano Diretor é de lei, ainda que a locução: 'aprovado pela Câmara Municipal’, abrigada pelo art. 182, §1°, da Lei Maior, e a expressão: 'aprovado por lei municipal’, consignada nesse artigo estatutário, pudessem levar a outra inteligência. (GAPARINI, 2005, p. 84)

O município possui a competência para elaborar o Plano Diretor a fim de executar a

política urbana na esfera do Executivo “em razão da competência administrativa que lhe é

constitucionalmente assegurada”, na Secretaria Municipal de Assuntos Jurídicos ou órgão

equivalente. (GAPARINI, 2005, p. 84)

O Ministério Público pode influir na regularização do parcelamento do solo por meio do

inquérito civil e da ação civil pública. No caso de inquérito civil, “a regularização poderá ser

obtida por meio da celebração do termo de ajustamento de conduta no qual o parcelador

assuma aquela obrigação”. Imprescindível salientar que o acordo em tal sentido não haja

impedimento à regularização. (BERÉ, 2005, p.213)

40

Na prática, tem-se observado grande sucesso na utilização do inquérito civil para regularização dos loteamentos. Bom exemplo disso são as comarcas de Ibiúna, Mogi Guaçú e Itapira, no estado de São Paulo. Na primeira, a instauração de grande quantidade de investigações versando sobre loteamentos clandestinos redundou na constituição de uma Comissão Municipal de Regularização de Loteamentos, que viabilizou a regularização, tendo os parceladores, em seguida, celebrado os termos de ajustamento de conduta. (BERÉ, 2005, p. 213)

Nas duas comarcas citadas, a localização dos loteamentos clandestinos se encontrava em

zona rural e as investigações deram ensejam à revisão de zoneamento. Com tais medidas,

“tornou-se possível à celebração do termo de ajustamento de conduta visando à

regularização”. (BERÉ, 2005, p.213)

Nos casos em que não foi possível a regularização, quer seja porque o loteador não é

proprietário da área loteada, quer tenha ocorrido à violação da norma urbanística ou

ambiental. Nesses casos, requer uma “criteriosa avaliação quanto à possibilidade de

desfazimento ou aceitação do loteamento”. (BERÉ, 2005, p.213)

No Brasil algumas práticas de ilegalidade – refere-se às políticas sociais urbanísticas de

legalização - são mais toleradas devido à existência de documentos formais, ainda que seja

precário juridicamente, o que incitam um ensaio no prosseguimento de alienação da

propriedade. (FERNANDES, 2001, p.192)

Importante ressaltar que tais práticas de ilegalidade de acesso ao solo e moradia não são

exclusivamente praticadas pelos pobres. Entre os economicamente privilegiados são

verificados os ‘condomínios fechados’, “que impedem a livre circulação de todos nas ruas e o

livre acesso às praias – que são bens de uso comum do povo”. Esta imunidade representa uma

ameaça ‘aos padrões básicos de organização sócio-política do país’. (FERNANDES, 2001,

p.192)

Desde a década de 1980, principalmente na década de 1990 foram implementados em

vários municípios programas de regularização das favelas,

[...] e em menor escala, os chamados loteamentos ‘clandestinos’ e/ou ‘irregulares’. De fato, dentre outras formas de ilegalidade urbana, a proliferação de favelas e loteamentos clandestinos/irregulares é uma das consequências mais fundamentais dos processos conjuntos de exclusão social e segregação espacial que têm caracterizado o crescimento urbano no país. (FERNANDES, 2001, p. 193)

41

Fatores como a urbanização intensiva e a carência de uma política social, assim como, a

falta de opções acessíveis oferecidas pelo mercado imobiliário, “um número cada vez maior

de brasileiros tem tido na favela e nos loteamentos periféricos a única forma possível de

acesso ao solo urbano e à moradia”. (FERNANDES, 2001, p.193)

As leis urbanísticas possuem um papel fundamental para a ilegalidade urbana e da

segregação espacial, sobretudo no sentido da exclusão dos direitos de propriedade imobiliária

no Brasil; pois desconsideram “os processos sócio econômicos de produção de moradia, e que

ao exigir padrões técnicos e urbanísticos inatingíveis, acabam por reservar às áreas nobres e

providas de infra-estrutura para o mercado imobiliário destinado às classes médias e altas”

desprezando as necessidades dos grupos menos favorecidos economicamente. Este processo

tem sido acentuado devido à carência de políticas urbanísticas e fiscais efetivas de

impedimento à especulação imobiliária. (FERNANDES, 2001, p.193)

Urge uma melhor compreensão das leis em vigência para a formulação de políticas de

regularização fundiária, principalmente “por aqueles governos municipais comprometidos

com propostas de democratização das formas de acesso ao solo urbano e à moradia”. Um

programa de regularização nem sucedido deve ser subordinado a uma “ação governamental

sistemática e requer tanto investimento de vulto quanto a promoção de reformas jurídicas

significativas”. (FERNANDES, 2001, p.194)

Entretanto, a verdade é que, devido à enorme pressão para que as respostas sejam encontradas para o fenômeno crescente da ilegalidade, as agências públicas têm se concentrado mais na cura do que na prevenção do problema, sobretudo a nível municipal. (FERNANDES, 2001, p. 194)

Os primeiros programas de regularização das favelas foram elaborados em Recife e Belo

Horizonte, baseada principalmente na Lei Federal n° 6.766/79, que dispõem sobre o

parcelamento do solo urbano. Esta lei apresenta vaga definição de “urbanização específica”,

que tem como conseqüência a “possibilidade de tratamento parcial de algumas situações

específicas de parcelamento do solo com critérios diferentes dos gerais notadamente no que

toca a abolição de exigência do lote mínimo de 125m²”. (FERNANDES, 2001, p. 197)

A Constituição de 1988 alterou o direito de propriedade condicionando-o à função social

para o seu reconhecimento, o que forneceu um enfoque ao processo de urbanização,

principalmente “quanto à matéria de controle do desenvolvimento urbano e uso do solo”, bem

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como, “foram consideravelmente ampliadas às condições de autonomia jurídica, política e

financeira dos municípios”. (FERNANDES, 2001, p. 199)

Entretanto, até a recente aprovação do Estatuto da Cidade, diversos juristas ainda defendiam a tese de que a aplicação adequadas dos preceitos constitucionais sobre política urbana introduzidos em 1988, e por conseguinte a atualização de seu potencial – assim como a consolidação do novo paradigma sobre a questão do direitos de propriedade privada – ainda dependiam de regulamentação por lei federal. (FERNANDES, 2001, p.199)

No entanto, há outros artigos relacionados com a regularização fundiária das favelas,

mas a Lei Federal n° 10.257/2001 – o Estatuto da Cidade – dispõe as diretrizes gerais da

política urbana ao regulamentar os art. 182 a 183 da CF, in verbis:

Art. 1o Na execução da política urbana, de que tratam os arts. 182 e 183 da Constituição Federal, será aplicado o previsto nesta Lei.

Parágrafo único. Para todos os efeitos, esta Lei, denominada Estatuto da Cidade, estabelece normas de ordem pública e interesse social que regulam o uso da propriedade urbana em prol do bem coletivo, da segurança e do bem-estar dos cidadãos, bem como do equilíbrio ambiental.

Art. 2o A política urbana tem por objetivo ordenar o pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade e da propriedade urbana, mediante as seguintes diretrizes gerais:

XIV – regularização fundiária e urbanização de áreas ocupadas por população de baixa renda mediante o estabelecimento de normas especiais de urbanização, uso e ocupação do solo e edificação, consideradas a situação socioeconômica da população e as normas ambientais;

O art. 4° do Estatuto da Cidade especifica os instrumentos da política urbana, sobretudo

ao planejamento municipal disposto no inciso III. Contudo, os instrumentos jurídicos e

políticos se encontram dispostos no inciso V:

Art. 4o Para os fins desta Lei, serão utilizados, entre outros instrumentos:

I – planos nacionais, regionais e estaduais de ordenação do território e de desenvolvimento econômico e social;

II – planejamento das regiões metropolitanas, aglomerações urbanas e microrregiões;

III – planejamento municipal, em especial:

a) plano diretor;

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b) disciplina do parcelamento, do uso e da ocupação do solo;

c) zoneamento ambiental;

d) plano plurianual;

e) diretrizes orçamentárias e orçamento anual;

f) gestão orçamentária participativa;

g) planos, programas e projetos setoriais;

h) planos de desenvolvimento econômico e social;

IV – institutos tributários e financeiros:

a) imposto sobre a propriedade predial e territorial urbana - IPTU;

b) contribuição de melhoria;

c) incentivos e benefícios fiscais e financeiros;

V – institutos jurídicos e políticos:

a) desapropriação;

b) servidão administrativa;

c) limitações administrativas;

d) tombamento de imóveis ou de mobiliário urbano;

e) instituição de unidades de conservação;

f) instituição de zonas especiais de interesse social;

g) concessão de direito real de uso;

h) concessão de uso especial para fins de moradia;

i) parcelamento, edificação ou utilização compulsórios;

j) usucapião especial de imóvel urbano;

l) direito de superfície;

m) direito de preempção;

n) outorga onerosa do direito de construir e de alteração de uso;

o) transferência do direito de construir;

p) operações urbanas consorciadas;

q) regularização fundiária;

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r) assistência técnica e jurídica gratuita para as comunidades e grupos sociais menos favorecidos;

s) referendo popular e plebiscito;

VI – estudo prévio de impacto ambiental (EIA) e estudo prévio de impacto de vizinhança (EIV).

Os instrumentos acima descritos, são regidos pela legislação que lhes é propícia, assim

preceitua o parágrafo1° do art. do Estatuto da Cidade. Cabe ressaltar o princípio previsto no

parágrafo 3°:

§ 1o Os instrumentos mencionados neste artigo regem-se pela legislação que lhes é própria, observado o disposto nesta Lei.

§ 3o Os instrumentos previstos neste artigo que demandam dispêndio de recursos por parte do Poder Público municipal devem ser objeto de controle social, garantida a participação de comunidades, movimentos e entidades da sociedade civil.

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6 USUCAPIÃO ESPECIAL COLETIVO E A CONCESSÃO DE USO ESPECIAL

PARA FINS DE MORADIA

6.1. Origem e Conceito do Usucapião

Conceitua-se usucapião como aquisição da propriedade através da posse prolongada da

coisa, subordinada aos requisitos da lei. (VENOZA, 2007, p. 182)

O professor Márcio Candido da Silva (2007, p.133) diz que “usucapião é o modo

originário de aquisição da propriedade e outros direitos reais, que decorre da posse contínua e

incontestada, com ânimo de dono, por certo lapso de tempo”.

O substantivo usucapião poderá ser utilizado também no gênero feminino, esta derivada

da origem latina. (VENOZA, 2007, p. 182)

Capere (tomar) e Usus (uso) originaram a Usucapio, ou seja, tomar pelo uso. A lei da

XII Tábuas determinava a posse de dois anos de bem imóvel ou de um ano de bem móvel

para que o possuidor se tornasse proprietário, porém esta lei só se aplicava aos cidadãos

romanos (ius civile). (VENOZA, 2007, p. 182)

No entanto, dois institutos criaram o usucapião no direito Justiniano: a usucapio e a

longi temporis praescritio. (VENOZA, 2007, p. 182)

No direito Clássico, a praescritio surgiu posteriormente à usucapio, e era a modalidade

de exceção, meio de defesa. “Quem possuísse um terreno provincial por certo tempo poderia

repelir qualquer ameaça a sua propriedade pela longi temporis praescriptio”, podendo ser

utilizado pelos cidadãos romanos ou estrangeiros. (VENOZA, 2007, P. 183)

46

Justiniano criou a prescrição extraordinária (praescritio longissi temporis), geralmente a

sua consumação se dava em 30 anos para bens móveis e imóveis e 40 para bens do Estado ou

do Imperador, da Igreja e lugares vulneráveis. (NUNES, 1997, p.5)

Por isso, a prescrição aquisitiva é utilizada como sinônimo de usucapião, pois,

“enquanto a prescrição propriamente dita, consiste na perda do direito, o usucapião permite a

aquisição do direito de propriedade”. (VENOZA, 2007, P.183)

A aquisição da propriedade se dá pela forma originária, porque não existe nenhuma

“relação de causalidade entre o domínio atual e o estado jurídico anterior”. (SILVA, 2007,

p.133)

A natureza jurídica da ação de usucapião é declaratória, pois, para que o usucapiente

seja tido como proprietário do bem basta demonstrar os requisitos para a aquisição da

propriedade por usucapião. (SILVA, 2007, p.140)

Atualmente, os requisitos essenciais para o usucapião são: res habilis, (coisa hábil),

iusta causa (justa causa), bona fides (boa-fé), possessio (posse) e tempus (tempo). (VENOZA,

2007, p. 183)

6.2. Considerações Gerais da Usucapião Especial Coletiva

A Usucapião Especial Coletivo foi inserido na CF de 1988 pelo art. 183, no tocante a

imóvel urbano:

Art. 183. Aquele que possuir como sua área urbana de até duzentos e cinqüenta metros quadrados, por cinco anos, ininterruptamente e sem oposição, utilizando-a para sua moradia ou de sua família, adquirir-lhe-á o domínio, desde que não seja proprietário de outro imóvel urbano ou rural.

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Igualmente, este instituto se encontra regulamentado no Estatuto da Cidade, no art. 10:

Art. 10. As áreas urbanas com mais de duzentos e cinqüenta metros quadrados, ocupadas por população de baixa renda para sua moradia, por cinco anos, ininterruptamente e sem oposição, onde não for possível identificar os terrenos ocupados por cada possuidor, são susceptíveis de serem usucapidas coletivamente, desde que os possuidores não sejam proprietários de outro imóvel urbano ou rural.

§ 1o O possuidor pode, para o fim de contar o prazo exigido por este artigo, acrescentar sua posse à de seu antecessor, contanto que ambas sejam contínuas.

§ 2o A usucapião especial coletiva de imóvel urbano será declarada pelo juiz, mediante sentença, a qual servirá de título para registro no cartório de registro de imóveis.

§ 3o Na sentença, o juiz atribuirá igual fração ideal de terreno a cada possuidor, independentemente da dimensão do terreno que cada um ocupe, salvo hipótese de acordo escrito entre os condôminos, estabelecendo frações ideais diferenciadas.

§ 4o O condomínio especial constituído é indivisível, não sendo passível de extinção, salvo deliberação favorável tomada por, no mínimo, dois terços dos condôminos, no caso de execução de urbanização posterior à constituição do condomínio.

§ 5o As deliberações relativas à administração do condomínio especial serão tomadas por maioria de votos dos condôminos presentes, obrigando também os demais, discordantes ou ausentes.

A finalidade da lei é atingir populações de baixa renda, pois, permite que estas

populações regularizem a ocupação sem maiores despesas. Este instrumento visa aplicação ao

princípio da função social. (VENOZA, 2007, p.199)

Este instituto só poderá ser aplicado sobre imóvel urbano, revestido principalmente dos

requisitos do parágrafo 1° do art. 32 do Código Tributário Nacional, destinado à moradia.

(NUNES, 1997, p. 99)

Pedro Nunes (1997, p.100) menciona quais são os requisitos da usucapião constitucional

urbano:

1. Não ser usucapiente proprietário urbano nem rural; 2. Coisa hábil, devidamente individualizada; 3. Ocupação ou posse da área não superior a duzentos e cinqüenta metros quadrados; 4. Lapso de tempo de ocupação por cinco anos ou mais ininterruptos; 5. Falta de oposição do titular da propriedade ou de qualquer outro interessado; 6. Não reconhecimento de domínio de outrem; 7. Morada efetiva na área ocupada pelo prescribente ou por sua família.

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Um dos requisitos da lei é a posse por cinco anos ininterruptos sem oposição, bem

como, a ocupação coletiva deve abranger a área de duzentos e cinqüenta metros quadrados,

que não permita a identificação dos terrenos ocupados. “Na prática, até que os terrenos podem

ser identificados; ocorre que a identificação mostra-se geralmente confusa ou inconveniente

nesse emaranhado habitacional”. Contudo, a área deve ser particular, devido à vedação da CF

de 1988 na aquisição através da usucapião das áreas públicas. (VENOZA, 2007, p.199)

O art. 10, parágrafo 3° do Estatuto da Cidade dispõe que “o juiz atribuirá igual fração

ideal de terreno do possuidor, independente da dimensão do terreno que cada um ocupe,

salvo, hipótese de acordo escrito entre os condôminos, estabelecendo frações ideais

diferenciadas”. Poderá “haver a soma de posses, por prazo ser atingido, desde que ambas as

posses sejam contínuas”. (VENOZA, 2007, p.200)

O art. 12 do Estatuto da Cidade menciona quem são os legitimados para a propositura da

ação de usucapião especial urbano: “possuidor, isoladamente ou em litisconsórcio originário

ou superveniente; ou possuidores, em estado de composse, mas também substituto processual,

a associação de moradores da comunidade, regularmente constituída, com personalidade

jurídica, desde que explicitamente autorizada pelos seus representantes”. Nesta ação, o rito

processual é o sumário, com a intervenção obrigatória do Ministério Público, e o autor será

“beneficiário da justiça e da assistência gratuita, inclusive perante o cartório de registro de

imóveis”. (FERNANDES, 2001, p.206)

6.3. A Concessão de Uso Especial para Fins de Moradia

Considerando que boa parte das ocupações irregulares estão localizadas nas áreas

públicas, e assim sendo, não são passíveis de ser usucapidas. O Estatuto da Cidade tratava do

novo instituto denominado Concessão de Uso Especial para Fins de Moradia – o art. 15 ao 20

49

do Estatuto da Cidade – o qual foi vetado pelo Presidente da República, e por conseguinte, foi

substituído pela Medida Provisória 2.220, de 4 de setembro de 2001. (MATIAS, 2006, p.35)

O então Presidente da República Fernando Henrique Cardoso justifica o veto, porém,

reconhece a importância do instituto:

O instituto jurídico da concessão de uso especial para fins de moradia em áreas públicas é um importante instrumento para propiciar segurança da posse – fundamento do direito à moradia – a milhões de moradores de favelas e loteamentos irregulares. Algumas imprecisões do projeto de lei trazem, no entanto, riscos à aplicação desse instrumento inovador, contrariando o interesse público.(CARDOSO apud HORBACH, 2004, p.149)

Devido à relevância do instituto discutido, o Poder Executivo prometeu reparar a lacuna

deixada pelo veto. Após, discussões entre governo federal e o Fórum Nacional de Reforma

Urbana e Outras entidades, a Medida Provisória 2.220 de 4 de setembro de 2001 foi editada,

“que dispõe sobre a concessão do uso especial de que trata o § 1° do art. 183 da CF, cria o

Conselho Nacional de Desenvolvimento Urbano – CNDU e dá outras providências”.

(FERNANDES, 2001, p. 208)

Em 11.09.2001 foi publicada a EC n. 32, tendo sido estabelecido em seu art.1, § 3°, o

prazo de sessenta dias da eficácia das Medidas Provisórias, caso não forem convertidas em

lei, podendo ser prorrogada por igual período, devendo o Congresso Nacional disciplinar, por

decreto legislativo as relações dela decorrente. Ocorre que, a EC em questão não obteve

alcance a Medida Provisória objeto de estudo, sendo assim, sua vigência se encontra

perenizada até sua conversão em lei.

A Medida Provisória referenciada visa assegurar o direito à moradia aos que atendem os

requisitos da usucapião urbana, porém, sobre imóveis públicos. É o que preleciona o art. 1° e

2° da Medida Provisória 2.220/2001:

Art. 1o Aquele que, até 30 de junho de 2001, possuiu como seu, por cinco anos, ininterruptamente e sem oposição, até duzentos e cinqüenta metros quadrados de imóvel público situado em área urbana, utilizando-o para sua moradia ou de sua família, tem o direito à concessão de uso especial para fins de moradia em relação ao bem objeto da posse, desde que não seja proprietário ou concessionário, a qualquer título, de outro imóvel urbano ou rural.

§ 1o A concessão de uso especial para fins de moradia será conferida de forma gratuita ao homem ou à mulher, ou a ambos, independentemente do estado civil.

§ 2o O direito de que trata este artigo não será reconhecido ao mesmo concessionário mais de uma vez.

50

§ 3o Para os efeitos deste artigo, o herdeiro legítimo continua, de pleno direito, na posse de seu antecessor, desde que já resida no imóvel por ocasião da abertura da sucessão.

Art. 2o Nos imóveis de que trata o art. 1o, com mais de duzentos e cinqüenta metros quadrados, que, até 30 de junho de 2001, estavam ocupados por população de baixa renda para sua moradia, por cinco anos, ininterruptamente e sem oposição, onde não for possível identificar os terrenos ocupados por possuidor, a concessão de uso especial para fins de moradia será conferida de forma coletiva, desde que os possuidores não sejam proprietários ou concessionários, a qualquer título, de outro imóvel urbano ou rural.

§ 1o O possuidor pode, para o fim de contar o prazo exigido por este artigo, acrescentar sua posse à de seu antecessor, contanto que ambas sejam contínuas.

§ 2o Na concessão de uso especial de que trata este artigo, será atribuída igual fração ideal de terreno a cada possuidor, independentemente da dimensão do terreno que cada um ocupe, salvo hipótese de acordo escrito entre os ocupantes, estabelecendo frações ideais diferenciadas.

§ 3o A fração ideal atribuída a cada possuidor não poderá ser superior a duzentos e cinqüenta metros quadrados.

Para que a posse seja garantida aos ocupantes mencionados no art. 1° e 2°, conforme

descreve o art. 3°, caso o imóvel seja de propriedade da União ou dos Estados, o requerente

deverá instruir a solicitação de “concessão de uso especial para fins de moradia com certidão

expedida pelo Poder Público municipal, que ateste a localização do imóvel em área urbana e a

sua destinação para moradia do ocupante ou de sua família”. (art. 6, §1°)

Caso a ocupação representar risco à vida ou a saúde dos ocupantes, o art. 4° assegura a

posse do ocupante em outro local:

Art. 4o No caso de a ocupação acarretar risco à vida ou à saúde dos ocupantes, o Poder Público garantirá ao possuidor o exercício do direito de que tratam os arts. 1o e 2o em outro local.

Outrossim, o art. 5° prevê a outras hipóteses que garante a posse em outro local:

Art. 5o É facultado ao Poder Público assegurar o exercício do direito de que tratam os arts. 1o e 2o em outro local na hipótese de ocupação de imóvel:

I - de uso comum do povo;

II - destinado a projeto de urbanização;

III - de interesse da defesa nacional, da preservação ambiental e da proteção dos ecossistemas naturais;

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IV - reservado à construção de represas e obras congêneres; ou

V - situado em via de comunicação.

Desde que preenchidos os requisitos legais, “o possuidor terá o direito de obter a

concessão da área pública, por via administrativa ou judicial, com averbação no cartório de

registro de imóveis; podendo transferi-la para terceiros”. (MATIAS, 2006, p. 35)

Art. 6o O título de concessão de uso especial para fins de moradia será obtido pela via administrativa perante o órgão competente da Administração Pública ou, em caso de recusa ou omissão deste, pela via judicial.

§ 1o A Administração Pública terá o prazo máximo de doze meses para decidir o pedido, contado da data de seu protocolo.

§ 2o Na hipótese de bem imóvel da União ou dos Estados, o interessado deverá instruir o requerimento de concessão de uso especial para fins de moradia com certidão expedida pelo Poder Público municipal, que ateste a localização do imóvel em área urbana e a sua destinação para moradia do ocupante ou de sua família.

§ 3o Em caso de ação judicial, a concessão de uso especial para fins de moradia será declarada pelo juiz, mediante sentença.

§ 4o O título conferido por via administrativa ou por sentença judicial servirá para efeito de registro no cartório de registro de imóveis.

Art. 7o O direito de concessão de uso especial para fins de moradia é transferível por ato inter vivos ou causa mortis.

Tendo em vista que as “atividades comerciais coexistem com as residências em

assentamentos informais” – (FERNANDES, 2001, p.210) – o art. 9° faculta ao Poder Público

fornecer autorização:

Art. 9o É facultado ao Poder Público competente dar autorização de uso àquele que, até 30 de junho de 2001, possuiu como seu, por cinco anos, ininterruptamente e sem oposição, até duzentos e cinqüenta metros quadrados de imóvel público situado em área urbana, utilizando-o para fins comerciais.

§ 1o A autorização de uso de que trata este artigo será conferida de forma gratuita.

§ 2o O possuidor pode, para o fim de contar o prazo exigido por este artigo, acrescentar sua posse à de seu antecessor, contanto que ambas sejam contínuas.

52

§ 3o Aplica-se à autorização de uso prevista no caput deste artigo, no que couber, o disposto nos arts. 4o e 5o desta Medida Provisória.

Para Horbach (2004, p. 156), a concessão de uso especial de bem público contraria a

imprescritibilidade dos bens públicos, sobretudo os direitos reais que compõem a propriedade,

previsto no art. 183, §3° da CF.

Por outro lado, o instituto em tela possui uma importância social e política indiscutível,

principalmente no tocante ao “reconhecimento oficial da necessidade urgente de se enfrentar a

questão da moradia social”. (FERNANDES, 2001, p.210)

Porém, é inevitável a discussão deste instituto, pois, possui uma “natureza jurídica–

política do instrumento da Medida Provisória, mas também pela falta de definição plena da

natureza jurídica do instituto da concessão de direito de uso especial em si”. Outra indagação

consiste em como conciliar o instituto da concessão de direito real de uso instituída pelo

Decreto-Lei 271/67, já que a Medida Provisória regulamenta o §1° do art. 183 da CF.

(FERNANDES, 2001, p.211)

No tocante a destinação social, somente o art. 2° descreve para a população de baixa

renda. Assim sendo, “como interpretar o art. 1° de forma a impedir o abuso do instituto?”. A

parte processual da Medida Provisória exposta não é regulamentada, o que poderá prejudicar

potencialmente a aplicação efetiva do instituto, já que “os mecanismos processuais

tradicionais não dão conta dos novos direitos coletivos”. (FERNANDES, 2001, p. 211)

Há também o confronto do instituto sobre os bens de propriedade dos Estados e dos

Municípios, principalmente naqueles que existem uma lei própria “em vigor sobre a utilização

da concessão de direito real de uso”, como é o caso de Porto Alegre. (FERNANDES, 2001,

p.211)

Apesar dos problemas jurídicos expostos, há grandes possibilidades para a “formulação

e implementação de políticas habitacionais e programas de regularização fundiária que

promovam o reconhecimento efetivo do direito à moradia”. Tais problemas poderão ser

estimados se houver a inclusão “na ação institucional das várias agências envolvidas em todos

os níveis de governamentais”. Ocorrendo um consenso político entre agentes privados e

53

comunitários – ONGs e movimentos de moradores -, há possibilidade de resultados positivos

às políticas públicas e programas sociais. (FERNANDES, 2001, p. 211)

Considerando que, o princípio da dignidade da pessoa foi conferido a status de princípio

fundamental, conforme art. 1°, inciso III da CF, o aparente conflito da aplicabilidade do

instituto da Concessão de Uso Especial e do impedimento aquisitivo dos bens públicos

previsto na CF, deve ser observado, a fim de obter uma harmonia no ordenamento jurídico, a

predominância na interpretação principiológica do texto constitucional, mormente o princípio

da dignidade da pessoa humana.

“Dignidade da pessoa humana não indica somente um dever do Estado, um conteúdo

social-programático, mas sim um norte interpretativo de todo o sistema jurídico,

constitucional ou infraconstitucional”. (POPP, 1999, p.168)

Carlyle Popp (1999, p.170) confere “a dignidade da pessoa humana significa a

superioridade do homem como sobre todas as demais coisas que o cercam; é o homem como

protagonista da vida social. Representa, então, a subordinação do objeto ao sujeito de direito”.

Afinal, a dignidade da pessoa humana é o nascedouro dos direitos fundamentais,

individuais, sociais ou coletivos, assim sendo, “é a mola mestra de todo ordenamento”.

(POPP, 1999, p.170)

54

CONCLUSÃO

Embora o Estado Democrático de Direito Brasileiro possua como ideal a afirmação de

valores fundamentais da pessoa humana – supremacia da vontade popular, preservação da

liberdade e igualdade de direito – atualmente estes valores não foram plenamente atingidos.

Tais valores devem ser observados na sociedade coletivamente, bem como, o formalismo

estatal deve estar submetido aos valores fundamentais dos indivíduos.

Em todos os textos constitucionais brasileiros, o direito de propriedade sempre foi

garantido aos brasileiros e estrangeiros – exceto a Constituição de 1824, que o assegurava

somente aos cidadãos brasileiros - o qual esteve submetido ao interesse social ou à utilidade

pública. Na Constituição de 1967, surge o princípio da função social da propriedade como

finalidade da ordem econômica. Na CF de 1988, o direito de propriedade se encontra

submetido a sua função social.

Conceitua-se como direito de propriedade a faculdade de usar, dispor e gozar do bem,

ainda que esteja injustamente em poder de outrem.

O estudo em questão mostra que a escassez da moradia urbana no Brasil esteve

intimamente ligada a altas taxas de migração do campo para a cidade no decorrer das décadas

do século XX. Estas migrações foram motivadas ante a ausência do Estado em assegurar os

direitos fundamentais, sobretudo pelo fator econômico, bem como, pela busca da qualidade de

vida. Por sua vez, os grandes centros urbanos não possuíam estrutura para absorção desta

população, motivo pelo quais os serviços essenciais – saúde, educação, habitação, e entre

outros – se tornaram e permanecem escassos. Para esta população, carente dos seus direitos

fundamentais, sobretudo de habitação; resta apenas uma alternativa: a favela.

Haja vista o número crescente de favelas e loteamentos irregulares, o projeto de lei do

Estatuto da Cidade previa nos artigos 15 ao 20 a concessão do uso especial sobre bem público

com fins de moradia, todavia, estes artigos foram vetados pelo Presidente da República . E

substituição ao veto, foi editada a Medida Provisória 2.220/2001, o qual concede aos

ocupantes o uso dos bens públicos àqueles que atingiram os requisitos da usucapião especial

coletiva até 31 de junho de 2001, enquanto estaria submetida ao Congresso Nacional a

regulamentação fundiária das favelas e loteamentos irregulares.

55

O instituto da concessão do uso especial visa precipuamente atingir dois objetivos

fundamentais da Constituição da República do Brasil, quais sejam: a moradia e a dignidade da

pessoa humana.

Igualmente, este instituto se encontra incompatível com ordenamento jurídico vigente,

pois, a CF proíbe a aquisição da propriedade pelo uso por determinado lapso de tempo dos

bens públicos.

Contudo, diante desta atual situação é necessário que haja de fato uma regulamentação

das favelas instaladas em espaços públicos, sobretudo tratando da matéria processual a ser

aplicada, que garanta a moradia e a dignidade da população favelada; enfim, o momento urge

de medidas que permitam a concretização da democracia na sociedade brasileira.

56

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Recorrente: Ministério Público de São Paulo. Recorrido: Município de São Paulo. Relator:

Luiz Fuz. Brasília, 14 de outubro de 2003. Disponível em: <www.stj.gov.br>. Acesso em:

15.09.08

BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial n° 259.892, da 2ª Turma.

Recorrente: Ministério Público do Estado de São Paulo. Recorrido: Município de São Paulo.

Relator: Franciulli Neto. Brasília, 8 de junho de 2004. Disponível em: <www.stj.gov.br>.

Acesso em: 15.09.08

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61

ANEXO A - RECURSO ESPECIAL Nº 432.531 - SP (2002/0050917-9)

RELATOR : MINISTRO FRANCIULLI NETTO

RECORRENTE : MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE SÃO PAULO

RECORRIDO : MUNICÍPIO DE CATANDUVA

PROCURADOR : GUILHERME S A FIGUEIREDO E OUTROS

INTERES. : ABC EMPREENDIMENTOS IMOBILIÁRIOS LTDA E OUTROS

EMENTA

RECURSO ESPECIAL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA.

REGULARIZAÇÃO DO SOLO URBANO. LOTEAMENTO. ART. 40 DA LEI

N. 6.766/79. MUNICÍPIO. LEGITIMIDADE PASSIVA.

Nos termos da Constituição Federal, em seu artigo 30, inciso VIII, compete aos

Municípios "promover, no que couber, adequado ordenamento territorial, mediante

planejamento e controle do uso, do parcelamento e da ocupação do solo urbano."

Cumpre, pois, ao Município regularizar o parcelamento, as edificações, o uso e a

ocupação do solo, sendo pacífico nesta Corte o entendimento segundo o qual esta

competência é vinculada. Dessarte, "se o Município omite-se no dever de controlar

loteamentos e parcelamentos de terras, o Poder Judiciário pode compeli-lo ao

cumprimento de tal dever" (REsp 292.846/SP, Rel. Min. Humberto Gomes de Barros, DJ

15.04.2002). No mesmo sentido: REsp 259.982/SP, da relatoria deste Magistrado, DJ

27.09.2004; Resp 124.714/SP, Rel. Min. Peçanha Martins, DJ 25.09.2000; REsp 194.732/SP,

Rel. Min. José Delgado, DJ 21.06.99, entre outros.

Nesse diapasão, sustentou o Ministério Público Federal que "o município responde

solidariamente pela regularização de loteamento urbano ante a inércia dos empreendedores

na execução das obras de infra estrutura" (fl. 518).

Recurso especial provido, para concluir pela legitimidade passiva do Município de

Catanduva.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos os autos em que são partes as acima indicadas, acordam os

Ministros da Segunda Turma do Superior Tribunal de Justiça "A Turma, por unanimidade,

conheceu do recurso e lhe deu provimento, nos termos do voto do Sr. Ministro-Relator." Os

62

Srs. Ministros João Otávio de Noronha e Francisco Peçanha Martins votaram com o Sr.

Ministro Relator.

Ausentes, justificadamente, os Srs. Ministros Castro Meira e Eliana

Calmon.

Brasília (DF), 18 de novembro de 2004 (Data do Julgamento)

MINISTRO FRANCIULLI NETTO

Relator

RELATÓRIO

O EXMO. SR. MINISTRO FRANCIULLI NETTO(Relator):

Cuida-se de recurso especial, interposto pelo Ministério Público do Estado de São

Paulo, com fundamento na alínea "a" do inciso III do artigo 105 da Constituição Federal,

contra v. acórdão do egrégio Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, que restou assim

ementado: "Ação Civil Pública - Loteamento - Ação ajuizada pelo Ministério Público com o objetivo de regularizar loteamento executado por particular - Responsabilidade exclusiva do loteador já que não consta da Lei Municipal nº 2.624/90 ter a Municipalidade assumido a responsabilidade de executar as obras de infra-estrutura do Loteamento caso não cumprisse o particular com as suas obrigações. Inteligência do disposto no artigo 40 da Lei 6.766/79. Exclusão da Municipalidade da ação. Recurso desprovido" (fl. 465).

Alega o recorrente violação do artigo 40 da Lei n. 6.766/79, que "estabelece um dever

(ou um poder-dever à Municipalidade de regularizar loteamento, e não simples faculdade"

(fl. 475).

Opina o Ministério Público Federal pelo provimento do recurso especial.

É o relatório.

VOTO

O EXMO. SR. MINISTRO FRANCIULLI NETTO (Relator):

Nos termos da Constituição Federal, em seu artigo 30, inciso VIII, compete aos

Municípios "promover, no que couber adequado ordenamento territorial, mediante

planejamento e controle do uso, do parcelamento e da ocupação do solo urbano”.

Por outro lado, dispõe o artigo 40 da Lei n. 6.766/79, que: "Art 40. A Prefeitura Municipal, ou o Distrito Federal quando for o caso, se desatendida pelo loteador a notificação, poderá regularizar loteamento ou desmembramento não autorizado ou executado sem observância das determinações do ato administrativo de licença, para evitar lesão aos seus padrões de desenvolvimento urbano e na defesa dos direitos dos adquirentes de lotes."

Cumpre, pois, ao Município regularizar o parcelamento, as edificações, o uso e a

ocupação do solo, sendo pacífico nesta Corte o entendimento segundo o qual esta

63

competência é vinculada. Dessarte, "se o Município omite-se no dever de controlar

loteamentos e parcelamentos de terras, o Poder Judiciário pode compeli-lo ao cumprimento

de tal dever" (REsp 292.846/SP, Rel. Min. Humberto Gomes de Barros,

DJ 15.04.2002).

No mesmo diapasão, sustentou o Ministério Público Federal que "o município responde

solidariamente pela regularização de loteamento urbano ante a inércia dos empreendedores

na execução das obras de infra estrutura" (fl. 518).

Nesse sentido, confiram-se os seguintes precedentes desta Corte Superior de Justiça: "ADMINISTRATIVO. PROCESSUAL CIVIL. PARCELAMENTO DE SOLO. MUNICÍPIO. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. (...) 2. O Município tem o poder-dever de agir para que loteamento urbano irregular passe a atender o regulamento específico para a sua constituição. 3. O exercício dessa atividade é vinculada. 4. Recurso provido para que o Município, conforme chamamento feito na inicial pelo Ministério Público, autor da ação, figure no pólo passivo da demanda" (REsp 194.732/SP, Rel. Min. José Delgado, DJ 21.06.99); * * * * * * "PROCESSUAL CIVIL - ADMINISTRATIVO - AÇÃO CIVIL PÚBLICA - PARCELAMENTO DE SOLO - REGULARIZAÇÃO PELO MUNICÍPIO - PODER-DEVER - LEI 6.766/79, ART.40 - LEGITIMIDADE PASSIVA DO MUNICÍPIO. - O Município tem o poder-dever de agir no sentido de regularizar loteamento urbano ocorrido de modo clandestino, sem que a Prefeitura Municipal tenha usado do seu poder de polícia ou das vias judiciais próprias, para impedir o uso ilegal do solo. O exercício desta atividade é vinculada. - Recurso não conhecido" (REsp 124.714/SP, Rel. Min. Peçanha Martins, DJ 25.09.2000). No mesmo diapasão: REsp 259.982/SP, da relatoria deste Magistrado, DJ 27.09.2004.

Diante do exposto, dou provimento ao recurso especial, para concluir pela legitimidade

passiva do Município de Catanduva.

É como voto.

Ministro FRANCIULLI NETTO, Relator.

ANEXO B - RECURSO ESPECIAL Nº 448.216 - SP (2002/0084523-8)

RELATOR : MINISTRO LUIZ FUX

RECORRENTE : MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE SÃO PAULO

RECORRIDO : MUNICÍPIO DE SÃO PAULO

PROCURADOR : LUÍS ANTÔNIO GIAMPAULO SARRO E OUTROS

64

EMENTA

RECURSO ESPECIAL. DIREITO URBANÍSTICO. LOTEAMENTO

IRREGULAR. MUNICÍPIO. PODER-DEVER DE

REGULARIZAÇÃO.

1. O art. 40 da lei 6.766/79 deve ser aplicado e interpretado à luz da Constituição Federal e da

Carta Estadual.

2. A Municipalidade tem o dever e não a faculdade de regularizar o uso, no parcelamento e na

ocupação do solo, para assegurar o respeito aos padrões urbanísticos e o bem-estar da

população.

3. As administrações municipais possuem mecanismos de autotutela, podendo obstar a

implantação imoderada de loteamentos clandestinos e irregulares, sem necessitarem recorrer a

ordens judiciais para coibir os abusos decorrentes da especulação imobiliária por todo o País,

encerrando uma verdadeira contraditio in terminis a Municipalidade opor-se a regularizar

situações de fato já consolidadas.

4. A ressalva do § 5º do art. 40 da Lei 6.766/99, introduzida pela lei 9.785/99, possibilitou a

regularização de loteamento pelo Município sem atenção aos parâmetros urbanísticos para a

zona, originariamente estabelecidos. Consoante a doutrina do tema, há que se distinguir as

exigências para a implantação de loteamento das exigências para sua regularização. Na

implantação de loteamento nada pode deixar de ser exigido e executado pelo loteador, seja ele

a Administração Pública ou o particular. Na regularização de loteamento já implantado, a lei

municipal pode dispensar algumas exigências quando a regularização for feita pelo município.

A ressalva somente veio convalidar esse procedimento, dado que já praticado pelo Poder

Público. Assim, com dita ressalva, restou possível a regularização de loteamento sem atenção

aos parâmetros urbanísticos para a zona. Observe-se que o legislador, no caso de

regularização de loteamento pelo município, podia determinar a observância dos padrões

urbanísticos e de ocupação do solo, mas não o fez. Se assim foi, há de entender-se que não

desejou de outro modo mercê de o interesse público restar satisfeito com uma regularização

mais simples. Dita exceção não se aplica ao regularizador particular. Esse, para regularizar o

loteamento, há de atender a legislação vigente.

5. O Município tem o poder-dever de agir para que o loteamento urbano irregular passe a

atender o regulamento específico para a sua constituição.

6. Se ao Município é imposta, ex lege, a obrigação de fazer, procede a pretensão deduzida na

ação civil pública, cujo escopo é exatamente a imputação do facere, às expensas do violador

da norma urbanístico-ambiental.

65

5. Recurso especial provido.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros da Primeira Turma do

Superior Tribunal de Justiça, na conformidade dos votos e das notas taquigráficas a seguir,

após o voto-vista do Sr. Ministro José Delgado, por unanimidade, dar provimento ao recurso,

nos termos do voto do Sr. Ministro Relator. Os Srs. Ministros Teori Albino Zavascki,

Humberto Gomes de Barros e José Delgado (voto-vista) votaram com o Sr. Ministro Relator.

Ausente, ocasionalmente, o Sr. Ministro Francisco Falcão.

Presidiu o julgamento o Sr. Ministro Luiz Fux.

Brasília (DF), 14 de outubro de 2003.(Data do Julgamento)

MINISTRO LUIZ FUX

Presidente e Relator

RELATÓRIO

O EXMO. SR. MINISTRO LUIZ FUX (Relator): O Ministério Público do Estado de São

Paulo e o Município de São Paulo interpuseram Recursos Especiais, com base no artigo 105,

inciso III, alínea "a" da Constituição Federal, contra acórdão proferido pelo Egrégio Tribunal

de Justiça do Estado de São Paulo, assim ementado:

" Ação civil pública - interesse difuso - legitimidade do Ministério Público - art. 129,III da Constituição Federal - poder de polícia exercido timidamente pela municipalidade, permitindo o surgimento de danos ambientais, a serem indenizados - regularização de loteamento - faculdade - art. 40 da Lei nº 6.766/79 - isenção da obrigação de o Município substituir lotes irregulares vendidos por outros regularizados, ou de ressarcir as quantias pagas, ou de indenizar os danos sofridos pelos adquirentes - danos urbanísticos por implementação irregular do loteamento - inviabilidade de quantificação - obrigação de indenização não reconhecida -recursos parcialmente providos."

Versam os autos, originariamente, Ação Civil Pública, promovida pelo Ministério

Público Federal visando a condenação do Município do Estado de São Paulo e dos réus

Mauro Santos da Silva, Antônio Gonçalves Marques, Associação por Habitação Jardim

Campo Limpo, Terezinha da Silva Marques, Wagner da Silva Marques; Vanderlei da Silva

Marques e Silvana da Silva Claro, à obrigação de fazer consistente na regularização, no prazo

de 02 (dois) anos, do loteamento clandestino denominado Jardim Campo Lindo, implantado

em julho de 1993, em uma área de 240.000 m2, pertencente à empresa co-ré Comércio e

Indústria Norbo S/A ou, subsidiariamente, a condenação de todos os réus (exceto a empresa

Comércio e Indústria Norbo S/A) a indenizarem, solidariamente, os prejuízos advindos do

66

desfazimento do loteamento, substituindo-se os lotes negociados por outros imóveis, regulares

e em perfeitas condições de uso urbano, ou ressarcir as quantias pagas com correção

monetária, e indenizar as perdas e danos sofridos pelos adquirentes, bem como indenizar os

danos urbanísticos e ambientais, com a restituição da gleba ao estado anterior à fragmentação.

Processados os autos, a tutela liminar foi deferida (fls. 3178/3179), determinando-se a

sustação do parcelamento do remanescente da gleba, com vistas a conter sua ocupação

irregular bem como ordenando que os réus (exceto o Município) apresentassem os

documentos referidos no item I, "a" e subitens do pedido exordial. Após as contestações,

sobreveio a procedência do pedido pelo d. Juízo singular, condenando os co-réus, dentre eles

o Município de São Paulo, a regularizarem o loteamento de acordo com as normas da Lei

6.766/79, nos seguintes termos, verbis:

a) em caráter principal, por meio de elaboração de projeto, a ser aprovado pelos órgãos competentes e submetido ao registro imobiliário, e da posterior execução das obras de infra-estrutura pertinentes, tudo para a sua alteração e integral adequação aos requisitos definidos nas leis municipais, estaduais e federal que regulam a atividade de parcelamento; b) em não podendo ser acolhido o pedido anterior, por meio de desfazimento do empreendimento, com restituição da gleba ao estado anterior à fragmentação e indenização dos prejuízos que disso decorrerem para a coletividade e para os adquirentes dos lotes; para condenar os réus, MAURO SANTOS DA SILVA, ANTÔNIO GONÇALVES MARQUES, ASSOCIAÇÃO POR HABITAÇÃO JARDIM CAMPO LIMPO, TEREZINHA DA SILVA MARQUES, WAGNER DA SILVA MARQUES, VANDERLEI DA SILVA MARQUES, SILVANA SILVA CLARO, e o MUNICÍPIO DE SÃO PAULO solidariamente, a indenizarem, em sua plenitude e na forma da Lei (art. 95 e 117 do Código de Defesa do Consumidor e art. 21 da Lei de Ação Civil Pública) da seguinte maneira: a) substituir os lotes negociados por outros imóveis de condições semelhantes, mas regularizados, ou ressarcir as quantias pagas, atualizadas, e indenizar as perdas e danos sofridos pelos adquirentes; b) indenizar os danos urbanísticos e ambientais, conforme apurado em execução; condenar todos os réus, também solidariamente, a pagar, no caso de não atendimento do estipulado no prazo de dois anos, multa pecuniária de R$1.000,00, por dia, corrigida pelos índices oficiais a partir da citação. O valor deverá ser recolhido mês a mês ao Fundo Estadual de Reparação de Interesses Difusos Lesados, em conta corrente indicada na inicial. Não serão devidas as verbas relativas à sucumbência, porque o Ministério Público não despendeu custas nem honorários advocatícios. Transcorrido o prazo para recursos voluntários, remetam-se os autos ao Egrégio Tribunal de Justiça, para reexame necessário." (fls.3741/3742)

Inconformado, o Município de São Paulo interpôs apelação (fl. 3.767), colimando

67

demonstrar a impossibilidade jurídica do pedido, bem como a sua ilegitimidade passiva ad

causam , uma vez que não poderia ser condenado a promover a regularização do loteamento,

porquanto é ato discricionário do Poder Público. Realçou, ainda, que não poderia ser

responsabilizado pela indenização, uma vez que exercera efetivamente o poder de polícia que

lhe competia, tendo tomado todas as providências necessárias, notificando os loteadores em

várias oportunidades e impondo-lhes as multas cabíveis. O Egrégio Tribunal de Justiça de São

Paulo deu parcial provimento à remessa necessária e ao apelo voluntário para reconhecer a

faculdade de o Município regularizar o loteamento e desonerá-lo da obrigação de substituir os

lotes irregulares transacionados por outros regularizados, ou de ressarcir as quantias pagas, ou

de indenizar os danos sofridos pelos adquirentes, assim como a dos danos urbanísticos.

Extrai-se do voto condutor do acórdão (fls. 270/271): "A ilegitimidade de parte do Ministério Público 'por não tratar a presente ação de interesse coletivo (o interesse dos adquirentes dos lotes') (fls. 3773), não podia, de fato, ser reconhecida, visto que, ao visar a regularização do loteamento, que teria, inclusive, infringido o meio ambiente, estava o autor, consoante por ele sustentado nas contra-razões recursais, buscando ' tutelar o crescimento ordenado da cidade, protegendo-se os padrões urbanísticos de desenvolvimento, impedindo que os imóveis sejam irregularmente parcelado e ocupado sem os necessários equipamentos urbanos e as obras de infra-estrutura (interesses difusos), a preservação da segurança e saúde dos moradores daquele local (interesse difuso), ... bem como o meio ambiente ecologicamente equilibrado ... (interesse difuso)' (fls. 3820/3821), tudo com amparo no art. 129, III da Constituição Federal vigente. Concernentemente a ter a Municipalidade exercido o poder de polícia que lhe competia, 'tomando providências maiores do que as devidas dentro do seu âmbito de competência legal' (fls. 3770), tem-se que, ao contrário, estas foram, até mesmo, bastante tímidas, não tendo essa ré 'compelido, por meio de medidas judiciais cabíveis, os responsáveis a atender às exigências legais' (fls. 3733), não tendo o Poder Público promovido a 'vigilância do cumprimento de leis (muitas delas editadas por ele próprio), na proteção ao meio ambiente, na garantia da dignidade da vida humana' (fls.3737), deixando, mais, de embargar o loteamento, já que irregular, permitindo que, com isso, fossem surgindo, dia a dia, prejuízos de ordem ambiental, a serem indenizados. Já no tocante a ser a regularização do loteamento uma faculdade e não um dever do Poder Público, independentemente do sustentado no r. decisório atacado (fls. 3733), é de se reportar ao asseverado pelo Desembargador José Santana no voto proferido no julgamento do Agravo de Instrumento nº 16.158-5/0, no sentido de que "o art. 40 da Lei nº 6.766/79 não estabelece para a Administração, um dever ou obrigação de regularizar, mas apenas outorga-lhe faculdade para tanto, condicionada aos critérios de conveniência e oportunidade para a execução da ação administrativa' (fls. 3780). Quanto ao fato de a apelante não poder ser compelida a substituir os lotes negociados, por não ser ela, "in casu" fornecedora de qualquer produto ou serviço, impõe-se se reconheça a procedência da argumentação, posto que, consoante exposto pelo ilustre Procurador de Justiça oficiante, ' os valores pagos pelos adquirentes relativamente aos lotes foram recebidos pelos parceladores e somente a estes compete a devolução, pois, do contrário, estaríamos permitindo o enriquecimento ilícito destes. A substituição dos lotes ou a devolução das quantias pagas já representam o ressarcimento de perdas e danos e a r. sentença não estipulou em que consiste tais perdas e danos dita na condenação, além disto mesmo que se considere genericamente, tais questões estão relacionadas à compra e venda do lote, cuja relação é restrita entre os adquirentes e os

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empreendedores não podendo ser estendida à apelante, cuja responsabilidade reconhecida está ligada aos aspectos urbanísticos da questão e não da defesa dos direitos dos consumidores.(...)"

A Municipalidade e o Ministério Público opuseram Embargos de Declaração

com o fim de esclarecer questão atinente à faculdade ou o dever de regularização do

loteamento, que foram rejeitados, sob a invocação da ausência de qualquer vício elencado no

artigo 535, incisos I e II, do CPC.

Por isso os presentes Recursos Especiais, seguidos de Extraordinário, interpostos

ambos pela alínea "a" do permissivo constitucional.

Nas razões de recorrer, o Ministério Público aduz violação do art. 40, da lei

6.766/79 pelo acórdão recorrido. Argumenta o recorrente que a referida norma legal

estabelece um dever ou um poder-dever à Municipalidade de regularizar o loteamento, e não

uma simples faculdade. Nesse contexto, afirma o Parquet que a Prefeitura Municipal tem o

dever de regularizar o loteamento não autorizado ou executado sem observância das

determinações do ato administrativo de licença, com o escopo de evitar lesão aos padrões de

desenvolvimento urbano e na defesa dos direitos dos adquirentes dos lotes.

Por seu turno, o recurso do Município cinge-se apenas à questão processual,

sustentando que o acórdão atacado culminou por violar os arts. 3º e 267, VI do CPC, ao

deixar de acolher a preliminar de ilegitimidade passiva no que pertine à reparação de danos

ambientais relativo ao Município paulista, uma vez que reconheceu a faculdade e não o dever

do Município de regularizar o loteamento em questão, isentando-o da obrigação de indenizar

os danos sofridos pelos adquirentes, assim como os danos urbanísticos.

Contra-razões do Município às fls. 4.064/4.075, pugnando pela inadmissibilidade

do recurso e, no mérito, pelo improvimento do recurso ante os fundamentos do aresto

recorrido.

No juízo de admissibilidade da instância originária, negou-se seguimento a ambos

os recursos extraordinários e ao recurso especial interpostos pelo Município de São Paulo,

sendo deferido o processamento do especial manifestado pelo Órgão Ministerial, com fulcro

na letra"a".

O Município paulista interpôs Agravo de Instrumento com fulcro no art. 544 do

CPC, cujo provimento foi negado pela ausência de prequestionamento dos dispositivos

processuais supostamente violados.

É o relatório.

VOTO

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O EXMO. SR. MINISTRO LUIZ FUX (Relator): Preliminarmente, conheço do Recurso

Especial interposto pelo Ministério Público, porquanto a matéria recursal foi prequestionada

no acórdão atacado.

Deveras, não merece prevalecer a tese do aresto recorrido no sentido de que a

regularização do loteamento pelo Município é de natureza discricionária.

Dispõe o art. 40 da Lei 6.766/79:

"Art. 40 - A Prefeitura Municipal, ou o Distrito Federal quando for o caso, se desatendida pelo loteador a notificação, poderá regularizar loteamento ou desmembramento não autorizado ou executado sem observância das determinações do ato administrativo de licença, para evitar lesão aos seus padrões de desenvolvimento urbano e na defesa dos direitos dos adquirentes de lotes."

À primeira vista, indicia a referida norma legal apenas uma faculdade ao poder público

de proceder à regularização. Todavia, a sua interpretação deve ser engendrada de forma

sistemática e teleológica.

A Constituição Federal de 1988, dispondo sobre a questão atinente à política urbana,

dispõe:

"Art. 30 - Compete aos Municípios: I- legislar sobre assuntos de interesse local; (...) IV - criar, organizar e suprimir distritos, observada a legislação estadual; (...) VIII - promover, no que couber, adequado ordenamento territorial, mediante planejamento e controle de uso, do parcelamento e da ocupação do solo urbano." Art. 182 - A política de desenvolvimento urbano executada pelo Poder Público Municipal, conforme diretrizes gerais fixadas em lei, tem por objetivo ordenar o pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade e garantir o bem-estar de seus habitantes. § 1º - O plano diretor, aprovado pela Câmara Municipal, obrigatório para as cidades com mais de vinte mil habitantes, é o instrumento básico da política de desenvolvimento e expansão urbana. § 2º - A propriedade urbana cumpre sua função social quando atende as exigências fundamentais de ordenação da cidade expressas no plano diretor. (...) § 4º - É facultado ao Poder Público municipal, mediante lei específica para área incluída no plano diretor, exigir, nos termos da lei federal, do proprietário do solo urbano não edificado, subutilizado ou não utilizado, que promova seu adequado aproveitamento, sob pena, sucessivamente de: I - parcelamento ou edificação compulsórios"

70

Por seu turno, a Constituição do Estado de São Paulo assim prescreve:

"Art. 180 - É dever da Municipalidade: I- garantir a regularidade no uso, no parcelamento e na ocupação do solo, para assegurar o respeito aos padrões urbanísticos e o bem-estar da população; III - a preservação, proteção e recuperação do meio ambiente urbano; Art. 181, § 3º - a regularização e urbanização de assentamentos e loteamentos irregulares;

Nesse contexto, forçoso concluir que o Município tem o dever de cumprir as normas

urbanísticas por ele próprio formuladas colimando resguardar os interesses coletivos de modo

a evitar a degradação ambiental ou qualquer outra forma de atentado ao bem-estar dos

munícipes.

Tratando-se de loteamento constatadamente irregular, à Municipalidade compete

vinculadamente e não sob o pálio da discricionariedade, proceder a regularização do

loteamento sob o ângulo do interesse público, e, in casu, sob o crivo judicial.

Destaque-se que, consoante o acórdão recorrido, o Município exerceu o seu poder de

polícia "timidamente", descumprindo o dever legal de controle do uso, ocupação e

parcelamento do solo, máxime no que pertine à adoção de medidas aptas a prevenir

conseqüências nocivas ao bem-estar da coletividade.

Nesse particular, frise-se que as administrações municipais possuem mecanismos de

autotutela, podendo obstar a implantação imoderada de loteamentos clandestinos e

irregulares, sem necessitarem recorrer a ordens judiciais para coibir os abusos decorrentes da

especulação imobiliária, encerrando uma verdadeira contraditio in terminis a Municipalidade

opor-se a regularizar situações de fato já consolidadas, sem alternativa alguma de retorno ao

statu quo ante. Esta C. Turma já adotou o posicionamento acima em leading case semelhante: "ADMINISTRATIVO. PROCESSUAL CIVIL. PARCELAMENTO DE SOLO. MUNICÍPIO. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. 1. O Município, em se tratando de Ação Civil Pública para obrigar o proprietário de imóvel a regularizar parcelamento do solo, em face do modo clandestino como o mesmo ocorreu, sem ter sido repelido pela fiscalização municipal, é parte legítima para figurar no pólo passivo da demanda. 2. O Município tem o poder-dever de agir para que loteamento urbano irregular passe a atender o regulamento específico para a sua constituição. 3. O exercício dessa atividade é vinculada. 4. Recurso provido para que o Município, conforme chamamento feito na inicial pelo Ministério Público, autor da ação, figure no pólo passivo da demanda. (RESP 194732, Rel Min. José Delgado, DJ de 21/06/1999)"

Extrai-se do voto condutor do acórdão, verbis:

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"O poder-dever de regularizar loteamentos clandestinos mostra-se mais evidente ao se cotejar a legislação acima com o texto da Lei Federal 6.766/79, que disciplina o parcelamento do solo urbano, especialmente seu art. 40, o qual, embora possa sugerir um faculdade ao Município, encerra - numa interpretação finalístico-sistemática - determinação urbanística e preocupação social, pois a Lei Lehmann pretendeu abolir as urbanizações irregulares, para proteger os legítimos interesses, não só da coletividade urbana, mas também dos adquirentes de lotes." Concluindo o voto, o Ministro José Delgado assim se manifestou: "Não merece, ao meu pensar, prevalecer a tese do acórdão hostilizado no sentido de que tal atividade fiscalizadora e de impor regularização do parcelamento do solo, é de natureza discricionária. Entendo que, no caso, o Município exerce atividade obrigatória por disposição legal, por conseguinte, de natureza vinculada, pelo que a sua omissão pode implicar em responsabilidades civis.

A respeito da atividade vinculada da Administração Pública, Maria Sylvia Zanella di

Pietro, in DIREITO ADMINISTRATIVO, 18ª Ed.,p. 197, assim dispõe: “Pode-se concluir que a atuação da Administração Pública no exercício da função administrativa é vinculada quando a lei estabelece a única solução possível diante de determinada situação de fato; ela fixa todos os requisitos, cuja existência a Administração deve limitar-se a constatar, sem qualquer margem de apreciação subjetiva."

Forçoso concluir que o a Municipalidade tem o dever e não a faculdade de regularizar o

uso, no parcelamento e na ocupação do solo, para assegurar o respeito aos padrões

urbanísticos e o bem-estar da sociedade, porquanto a regularização decorre do interesse

público e este é indisponível. Nesse segmento, quanto à indisponibilidade do interesse

público, legou-nos o saudoso Hely Lopes Meirelles, in DIREITO ADMINISTRATIVO

BRASILEIRO, 26ª Ed., pg.95, a seguinte doutrina: "O princípio do interesse público está intimamente ligado ao da finalidade. A primazia do interesse público sobre o privado é inerente à atuação estatal e domina-a, na medida em que a existência do Estado justifica-se pela busca do interesse geral. Em razão dessa inerência, deve ser observado mesmo quando as atividades ou serviços públicos forem delegados ao particulares. Dele decorre o princípio da indisponibilidade do interesse público, segundo o qual a Administração Pública não pode dispor desse interesse geral nem renunciar a poderes que a lei lhe deu para tal tutela, mesmo por que ela não é titular do interesse público, cujo titular é o Estado, que, por isso, mediante lei poderá autorizar a disponibilidade ou a renúncia." Merece destaque, ainda, a doutrina de Diógenes Gasparini exposta em seminário sobre as Alterações da Lei do Parcelamento do solo Urbano, introduzidas em seu texto pela lei 9.785/99, ao responder a seguinte pergunta: - Na hipótese da regularização pelo município, pode-se afirmar que a norma do § 5º do art. 40, ao ressalvar o 'disposto no § 1º do art. 4º', possibilitou a regularização fora dos padrões urbanísticos de parcelamento e ocupação do solo definidos para a zona em que se situe (como área mínima de lote, coeficiente de aproveitamento, percentagem de área públicas e institucionais)? "Sim. Há que se distinguir as exigências para a implantação de loteamento das exigências para sua regularização. Na implantação de loteamento nada pode deixar de ser exigido e executado pelo loteador, seja esse a Administração Pública ou o particular. Na regularização de loteamento já implantado, a lei municipal pode dispensar algumas exigências quando a regularização for feita pelo município. A ressalva somente veio convalidar esse procedimento, dado que já praticado pelo Poder Público. Assim, com dita ressalva, restou possível a regularização de loteamento sem atenção aos parâmetros urbanísticos para a zona. Observe-se que o

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legislador, no caso de regularização de loteamento pelo município, podia determinar a observância dos padrões urbanísticos e de ocupação do solo, mas não o fez. Se assim foi, há de entender-se que não desejou de outro modo e que o interesse público estava satisfeito com uma regularização mais simples. Dita exceção não se aplica ao regularizador particular. Esse, para regularizar o loteamento, há de atender a legislação vigente." (in Revista de Direito Imobiliário nº 46,pg. 70/71, 1999)

Isto posto, DOU PROVIMENTO ao recurso especial interposto pelo Ministério

Público para que o Município de São Paulo regularize o loteamento.

É o voto.

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ANEXO C - RECURSO ESPECIAL Nº 259.982 - SP (2000/0049886-6)

RELATOR : MINISTRO FRANCIULLI NETTO

RECORRENTE : MUNICÍPIO DE SÃO PAULO

PROCURADOR : SILVANA NAVES DE OLIVEIRA SILVA ROSA E OUTROS

RECORRIDO : MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE SÃO PAULO

EMENTA

RECURSO ESPECIAL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. REGULARIZAÇÃO DO SOLO

URBANO. ART. 40 DA LEI N. 6.766/79. MUNICÍPIO. COMPETÊNCIA VINCULADA.

No que concerne à alegação de que a Lei n. 6.766/79 não se aplica aos conjuntos

habitacionais de interesse social, o recurso não merece prosperar. Com efeito, como bem

salientou o Ministério Público Federal, "a Lei 6.766/79 é aplicável a toda e qualquer forma

de parcelamento do solo para fins urbanos (art. 1º da Lei), independentemente de haver

vinculação ou não com os programas habitacionais de interesse social" (fl. 517).

Por outro lado, nos termos da Constituição Federal, em seu artigo 30, inciso VIII,

compete aos Municípios "promover, no que couber, adequado ordenamento territorial,

mediante planejamento e controle do uso, do parcelamento e da ocupação do solo urbano."

Cumpre, pois, ao Município regularizar o parcelamento, as edificações, o uso e a

ocupação do solo, sendo pacífico nesta Corte o entendimento segundo o qual esta

competência é vinculada. Dessarte, "se o Município omite-se no dever de controlar

loteamentos e parcelamentos de terras, o Poder Judiciário pode compeli-lo ao cumprimento

de tal dever" (REsp 292.846/SP, Rel. Min. Humberto Gomes de Barros, DJ 15.04.2002).

No mesmo diapasão, sustentou o Ministério Público Federal que "o Município não pode

se furtar do poder-dever de agir vinculado e constitucionalmente previsto com vistas à

regularização do solo urbano, sob pena de responsabilização, como sucedeu no caso por

intermédio da via judicial adequada que é a ação civil pública" (fl. 518).

Recurso especial improvido.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos os autos em que são partes as acima indicadas, acordam os

Ministros da SEGUNDA TURMA do Superior Tribunal de Justiça: "A Turma, por

unanimidade, negou provimento ao recurso, nos termos do voto do Sr. Ministro Relator". Os

Srs. Ministros João Otávio de Noronha, Castro Meira, Francisco Peçanha Martins e Eliana

Calmon votaram com o Sr. Ministro Relator.

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Brasília (DF), 08 de junho de 2004 (Data do Julgamento)

MINISTRO FRANCIULLI NETTO

Relator

RECURSO ESPECIAL Nº 259.982 - SP (2000/0049886-6)

RECORRENTE : MUNICÍPIO DE SÃO PAULO

PROCURADOR : SILVANA NAVES DE OLIVEIRA SILVA ROSA E OUTROS

RECORRIDO : MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE SÃO PAULO

RELATÓRIO

O EXMO. SR. MINISTRO FRANCIULLI NETTO(Relator):

Cuida-se de recurso especial, interposto pelo Município de São Paulo, com fundamento

na alínea "a" do inciso III do artigo 105 da Constituição Federal, contra v. acórdão do egrégio

Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo. Emerge dos autos que o Ministério Público do

Estado de São Paulo propôs ação civil pública contra o Município de São Paulo, que

desenvolveu o Programa FUNAPS (Fundo de Atendimento à População Moradora em

Habitação Subnormal) Comunitário, para promover a construção de moradias populares às

famílias de baixa renda, mas não regularizou o parcelamento, as edificações, o uso e a

ocupação do solo.

O r. Juízo de primeiro grau julgou procedentes os pedidos formulados pelo Parquet ,

para condenar, em síntese, o Município de São Paulo à obrigação de fazer, no prazo não

superior a dois anos, "consistente na regularização do parcelamento, das edificações, do uso

e da ocupação do solo, pertinentes ao loteamento denominado "Conjunto Habitacional

Jardim São Francisco" (fl. 339); "quando qualquer mutirante cadastrado tiver participado de

mutirão, mas não for contemplado em razão da alteração do projeto original, com a

indenização em perdas e danos" ; e ao "pagamento de multa diária, fixada em quinhentos

reais, na hipóteses de descumprimento da obrigação de fazer" (fl. 340).

Diante desse desate, a Municipalidade interpôs recurso de apelação, ao qual o egrégio

Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo deu provimento. Salientou a Corte de origem que

"o problema é que a sentença também condenou sucessivamente, com a mesma sucessividade

do pedido" e que "se o Município é condenado a alterar o empreendimento ou a desfazer

(sucessivamente) o conjunto desde que a regularização não seja possível (ou praticável, ou

viável), a condenação subsidiária é condicional, o que repercute na execução, impraticável

sem prova e decisão (de conhecimento) especial prévias" (fl. 414). Dessa forma, concluiu que

"ao recurso é, pois, dado provimento, não para julgar a ação improcedente mas para anular

a sentença, de modo que outra seja proferida isenta de condicionalidade" (fl. 414).

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Os autos retornaram ao MM. Magistrado sentenciante, que julgou procedente em parte o

pedido, para manter a condenação à obrigação de fazer e ao pagamento de multa diária na

hipótese de descumprimento da referida obrigação.

Irresignada, a Municipalidade de São Paulo interpôs apelação, subindo os autos,

também por força de remessa oficial, ao egrégio Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo,

que negou provimento aos recursos. O v. acórdão restou ementado nos seguintes termos: "Possível ação civil pública para obrigar o Município a regularizar conjunto habitacional para cuja construção cooperou. O Ministério Público é parte legítima ativa, em razão da existência de interesses difusos. A multa para o caso de não cumprimento de obrigação de fazer deve ser tal que estimule o atendimento dessa obrigação" (fl. 460). Alega a recorrente negativa de vigência do artigo 40 da Lei n. 6.766/79. Sustenta que "não pode ser compelida a regularizar o parcelamento em questão, pois a Lei do Parcelamento do Solo dispõe que a Edilidade tem a faculdade, mas não o dever de regularizar parcelamentos, segundo critérios próprios de conveniência e oportunidade" (fl. 482).

Afirma, por outro lado, que a Lei n. 6.766/79 não se aplica aos conjunto habitacionais de

interesse social e que suas disposições "têm caráter genérico, sendo de duvidosa

constitucionalidade, já que acima das especificidades regionais, peculiares do Município" (fl.

486).

Opina o Ministério Público Federal pelo não-provimento do recurso especial (fls.

515/519).

É o relatório.

VOTO

O EXMO. SR. MINISTRO FRANCIULLI NETTO(Relator):

Primeiramente, no que concerne à alegação de que a Lei n. 6.766/79 não se aplica aos

conjuntos habitacionais de interesse social, o recurso não merece prosperar.

Com efeito, como bem salientou o Ministério Público Federal, "a Lei 6.766/79 é

aplicável a toda e qualquer forma de parcelamento do solo para fins urbanos (art. 1º da Lei),

independentemente de haver vinculação ou não com os programas habitacionais de interesse

social" (fl. 517).

Nesse sentido, asseverou o d. Parquet federal que, "embora a ação civil pública em foco

tenha sido proposta em 18.04.1994 (fl. 02), a Lei 9.785/99, modificando a Lei 6.766/79, veio

conferir proteção especial aos parcelamentos de áreas habitacionais declaradas de interesse

social, inclusive considerando de interesse público os parcelamentos vinculados a programas

de iniciativa do Município, como exatamente ocorre no caso vertente. De maneira que com

muito mais razão se evidencia o dever do Município de cumprir o estatuído na Lei 6.766/79

quando se está a tratar de núcleo habitacional cuja implantação sucedeu sem a

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correspondente regularização do solo urbano (planejamento e controle do uso, parcelamento

e ocupação)" (fl. 517).

Nos termos da Constituição Federal, em seu artigo 30, inciso VIII, compete aos

Municípios "promover, no que couber, adequado ordenamento territorial, mediante

planejamento e controle do uso, do parcelamento e da ocupação do solo urbano."

Por outro lado, dispõe o artigo 40 da Lei n. 6.766/79, que: "Art 40. A Prefeitura Municipal, ou o Distrito Federal quando for o caso, se desatendida pelo loteador a notificação, poderá regularizar loteamento ou desmembramento não autorizado ou executado sem observância das determinações do ato administrativo de licença, para evitar lesão aos seus padrões de desenvolvimento urbano e na defesa dos direitos dos adquirentes de lotes."

Cumpre, pois, ao Município regularizar o parcelamento, as edificações, o uso e a

ocupação do solo, sendo pacífico nesta Corte o entendimento segundo o qual esta

competência é vinculada. Dessarte, "se o Município omite-se no dever de controlar

loteamentos e parcelamentos de terras, o Poder Judiciário pode compeli-lo ao cumprimento

de tal dever" (REsp 292.846/SP, Rel. Min. Humberto Gomes de Barros,

DJ 15.04.2002).

No mesmo diapasão, sustentou o Ministério Público Federal que "o Município não pode

se furtar do poder-dever de agir vinculado e constitucionalmente previsto com vistas à

regularização do solo urbano, sob pena de responsabilização, como sucedeu no caso por

intermédio da via judicial adequada que é a ação civil pública" (fl. 518).

Nesse sentido, confiram-se os seguintes precedentes desta Corte Superior de Justiça: "ADMINISTRATIVO. PROCESSUAL CIVIL. PARCELAMENTO DE SOLO. MUNICÍPIO. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. (...) 2. O Município tem o poder-dever de agir para que loteamento urbano irregular passe a atender o regulamento específico para a sua constituição. 3. O exercício dessa atividade é vinculada. 4. Recurso provido para que o Município, conforme chamamento feito na inicial pelo Ministério Público, autor da ação, figure no pólo passivo da demanda" (REsp 194.732/SP, Rel. Min. José Delgado, DJ 21.06.99); * * * * * * "PROCESSUAL CIVIL - ADMINISTRATIVO - AÇÃO CIVIL PÚBLICA - PARCELAMENTO DE SOLO - REGULARIZAÇÃO PELO MUNICÍPIO - PODER-DEVER - LEI 6.766/79, ART.40 – LEGITIMIDADE PASSIVA DO MUNICÍPIO. - O Município tem o poder-dever de agir no sentido de regularizar loteamento urbano ocorrido de modo clandestino, sem que a Prefeitura Municipal tenha usado do seu poder de polícia ou das vias judiciais próprias, para impedir o uso ilegal do solo. O exercício desta atividade é vinculada. - Recurso não conhecido" (Resp 124.714/SP, Rel. Min. Peçanha Martins, DJ de 25.09.2000).

Diante do exposto, nego provimento ao recurso especial.

É como voto.

Ministro FRANCIULLI NETTO, Relator.