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A conformação dos princípios dos títulos de crédito e as declarações cambiais diante do fenômeno desmaterialização no meio eletrônico Juliana Aroeira Braga Duarte FERREIRA 1 , [email protected]; Poliana Aroeira Braga Duarte FERREIRA 2 , [email protected] 1. Especialista em Direito Público pela Universidade Anhanguera (UNIDERP), Belo Horizonte, MG; professora convidada nas Faculdades Milton Campos, Nova Lima, MG; e nas Faculdades Pitágoras, Belo Horizonte, MG; 2. Mestre em Direito Empresarial pela Faculdade Milton Campos, Nova Lima, MG; professora na Faculdade de Minas (FAMINAS), na Faculdade Novos Horizontes (FNH), Belo Horizonte, MG, e na Fundação Presidente Antônio Carlos (FUPAC), Nova Lima, MG. RESUMO: O desenvolvimento tecnológico fez com que surgissem estudos para verificar se os institutos jurídicos são adaptáveis às novas formas que o mundo digital oferece. É nesse contexto que o estudo das relações jurídicas se desenvolvem para abarcarem um novo meio: a internet. O presente artigo analisa a conformação dos princípios dos títulos de crédito com a desmaterialização, principalmente no tocante as declarações cambiárias. Palavras-chave: internet, desmaterialização, declarações cambiárias. ABSTRACT: The conformation of the security principles and exchange statements before the dematerialization phenomenon in electronic media. Technological development has spurred studies to verify if legal institutions are adaptable to

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A conformação dos princípios dos títulosde crédito e as declarações cambiais

diante do fenômeno desmaterializaçãono meio eletrônico

Juliana Aroeira Braga Duarte FERREIRA1, [email protected]; PolianaAroeira Braga Duarte FERREIRA2, [email protected]. Especialista em Direito Público pela Universidade Anhanguera (UNIDERP),

Belo Horizonte, MG; professora convidada nas Faculdades Milton Campos,Nova Lima, MG; e nas Faculdades Pitágoras, Belo Horizonte, MG;

2. Mestre em Direito Empresarial pela Faculdade Milton Campos, Nova Lima, MG;professora na Faculdade de Minas (FAMINAS), na Faculdade Novos Horizontes(FNH), Belo Horizonte, MG, e na Fundação Presidente Antônio Carlos (FUPAC),Nova Lima, MG.

RESUMO: O desenvolvimento tecnológico fez comque surgissem estudos para verificar se os institutosjurídicos são adaptáveis às novas formas que o mundodigital oferece. É nesse contexto que o estudo dasrelações jurídicas se desenvolvem para abarcaremum novo meio: a internet. O presente artigo analisaa conformação dos princípios dos títulos de créditocom a desmaterialização, principalmente no tocanteas declarações cambiárias.Palavras-chave: internet, desmaterialização,declarações cambiárias.

ABSTRACT: The conformation of the securityprinciples and exchange statements before thedematerialization phenomenon in electronicmedia. Technological development has spurredstudies to verify if legal institutions are adaptable to

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the new ways that the digital world offers. It is inthis context that the study of legal relations isdeveloped for encompassing a new medium: theInternet. This article analyzes the conformation ofthe security principles with dematerialization,especially regarding to exchange statements.Keywords: internet, dematerialization, exchangestatements.

RESUMEN: La conformación de los principios deseguridad y las declaraciones de cambio ante elfenómeno de la desmaterialización de los medioselectrónicos. El desarrollo tecnológico ha impulsadolos estudios para verificar si las instituciones legalesson adaptables a las nuevas formas que ofrece elmundo digital. Es en este contexto que el estudiode las relaciones legales se ha desarrollado para queabarque un nuevo medio: la Internet. En este artículose analiza la conformación de los principios deseguridad de la desmaterialización, especialmenteen relación con el intercambio de declaraciones.Palabras clave: internet, desmaterialización,declaraciones de cambio.

Introdução

Há muito vêm sendo discutidas questões que cercam o mundotecnológico responsável pela formação de uma rede única de comunicaçãointeligente e interativa que utiliza vários meios para transmitir a mesma mensagemde voz, dados e imagem – a internet. É importante compreendermos que esseuniverso tecnológico traz uma relação de dependência, atingindo pessoas,governos, empresas e instituições. Nesse contexto – da internet –, as relaçõescomerciais encontram crescimento vertiginoso, o que implica também riscosinerentes à sua acessibilidade, tais como concorrência desleal, plágio, atuaçãode hackers, entre outros.

O presente artigo analisa a conformação dos princípios dos títulos decrédito com a desmaterialização, principalmente no tocante as declaraçõescambiárias. Para tanto, analisou-se os princípios que regem os títulos de crédito,o alcance das disposições do Código Civil de 2002, bem como o grande problemaque paira nas declarações cambiárias dos títulos de crédito eletrônicos.

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I – Conceito de título de crédito

O título de crédito nasceu com a missão de estabelecer confiançapor parte do credor em relação ao seu devedor. Tullio Ascarelli ressalta:

É essa exigência de certeza e segurança que o título decrédito satisfaz; certeza na existência do direito; segurançana sua realização. É justamente por isso que os direitosdeclarados nos títulos podem, com freqüência, considerar-se equivalentes aos bens e às riquezas a que se referem, oque permite realizar pela circulação de tais títulos amobilização da riqueza (ASCARELLI, 1999, apudMAGALHAES; FREIRE JUNIOR, s.d.).

O conceito de título de crédito advém da sua clássica definição: “Títulode crédito é o documento necessário para o exercício do direito, literal eautônomo, nele mencionado” (VIVANTE apud COSTA, 2008, p. 71). Baseadonesse conceito, define-se o título de crédito como um documento que garanteo exercício de direito consagrado de forma literal e que é autônomo em relaçãoà obrigação originária.

A propósito, o conceito de título de crédito está previsto no art. 887do Código Civil de 2002, a saber: “O título de crédito, documento necessárioao exercício do direito literal e autônomo nele contido, somente produz efeitoquando preencha os requisitos da lei” (BRASIL, 2008).

Diante desse conceito, afirma-se que o título de crédito é umdocumento que se destina a materializar um direito creditício, como bemesclarece Mamede:

Em sua origem latina, a palavra títulos traduz-se por inscrição,refere-se, portanto, ao texto que dá identidade, ouadjetivação à coisa, ao fato ou à pessoa. Em latim chartulaé o diminutivo de charta (papel que, na antiguidade, erafeito da entrecasca do papiro); traduz idéia de pequenopapel no qual se lança um escrito de pouca extensão,características tradicionalmente predominante nosinstrumentos de crédito, resumindo operações àsinformações essenciais para sua representação, com o quese pretende garantir a simplicidade necessária para aconfiabilidade do documento no mercado, permitindo asua circulação (MAMEDE, 2008, p. 5-7).

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O título de crédito possui características importantes e recebeu estenome porque tem a função de documentar um crédito. É um documento que,uma vez na posse do credor, vai dar a ele garantia “quase absoluta” dorecebimento de seu crédito. Afirma Wille Duarte Costa (2008) que, não havendoconfiança e tempo, não há crédito, sendo, portanto, dois elementosinsubstituíveis.

II – Cartularidade, literalidade e autonomia: características,requisitos, elementos, atributos ou princípios dos títulosde crédito?

Para designar indistintamente a cartularidade, a literalidade e aautonomia dos títulos de crédito, a doutrina não é unânime. Os termos utilizadospelos doutrinadores são: características, elementos, atributos, requisitos ouprincípios.

Uma parte da doutrina considera que a literalidade, a cartularidade ea autonomia não podem ser tratadas como meros elementos de qualificaçãodos títulos de crédito, devendo ser considerados como postulados principiológicosdo direito cambiário.

Primeiramente, é importante não confundir princípios com valores;como sugere a teoria Alexyana, os princípios são normas, inseridos no âmbitodeontológico, não podendo ser hierarquizados (ALEXY, 2011, p. 37-40).

Atualmente, vários autores consideram os princípios como sendovalores. Acredita-se não ser essa a melhor solução. Princípios são normas e nãovalores, sendo considerados categorias diferentes. Como bem explana Habermas:

[...] normas e valores distinguem-se, em primeiro lugar,através de suas respectivas referências ao agir obrigatórioou teleológico; em segundo lugar, através da codificaçãobinária ou gradual de sua pretensão de validade; em terceirolugar , através de sua obrigatoriedade absoluta ou relativae, em quarto lugar, através dos critérios aos quais o conjuntode sistemas de normas ou de valores deve satisfazer. Pordistinguirem segundo essas qualidades lógicas, eles nãopodem ser aplicados da mesma maneira (HABERMAS apudFERNANDES, 2007, p. 123).

Sem dúvida, referir-se à cartularidade, à literalidade e à autonomiacomo princípios do direito cambiário é o mais correto, pois os mesmos são

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verdadeiros comandos normativos da teoria dos títulos de crédito, servindoassim como base para todo o instituto.

2.1 – Princípios dos títulos de crédito

A melhor doutrina refere-se à cartularidade, à literalidade e à autonomiacomo princípios que norteiam os títulos de crédito por trazerem certeza esegurança esperadas por aqueles que deles se valem em seus negócios. SegundoJean Carlos Fernandes (2007, p. 127), “tais princípios, sem dúvida alguma, sãofrutos do esforço da doutrina que culminou em uma das melhores demonstraçõesda capacidade criadora da ciência jurídica últimos séculos”.

Foi Cesare Vivante o responsável pela teoria unitária para os títulosde crédito, definindo-o, conforme já dito, como o “documento necessário parao exercício do direito literal e autônomo nele mencionado”.

O direito contido no título é um direito literal, porque seuconteúdo e os seus limites são determinados nos precisostermos do título; é um direito autônomo, porque todo opossuidor o pode exercer como se fosse um direitooriginário, nascido nele pela primeira vez, porque sobreesse direito não recaem as exceções, que diminuíram oseu valor nas mãos dos possuidores precedentes (VIVANTEapud FERNANDES, 2007, p. 127).

Esse autor italiano fez inúmeras críticas à expressão cunhada por algunsautores, que afirmam que o direito está incorporado no título de crédito. Já paraesse doutrinador, o direito deve estar mencionado no documento e não notítulo de crédito, pois a sua perda não faz desaparecer o direito, fica suspensoaté que o título seja substituído por outro.

Para Vivante, são três princípios informadores do regime jurídicocambial, extraídos do próprio artigo 887 do Código Civil de 2002, quais sejam:cartularidade, literalidade, autonomia. Todavia, parte da doutrina comercialistaaponta outros princípios, como a independência ou substantividade e a legalidadeou tipicidade.

Para esses autores, são considerados como independentes aquelestítulos de crédito autosuficientes, ou seja, que não dependem de nenhumoutro documento para completá-los, como é o caso da letra de câmbio, da notapromissória, do cheque e da duplicata.

O princípio da legalidade significa que os títulos de crédito são tiposlegais, ou seja, só receberiam a qualificação de título de crédito aquelesdocumentos assim definidos em lei.

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Nos dizeres de Bulgarelli: “A legalidade ou tipicidade consiste naimpossibilidade estabelecida pela lei, de se emitirem títulos de crédito que nãoestejam previamente definidos e disciplinados por lei (numerus clausus)”(BULGARELLI apud FERNANDES, 2007, p. 132).

O primeiro princípio que rege o título de crédito é a literalidade;somente vale o que constar do título por escrito (TOMAZETTE, 2004, p. 259)1.As demais avenças, que não constarem do título, não poderão ser cobradascambiariamente. Melhor dizendo, vale na medida declarada e,consequentemente, o que não está no título não pode ser alegado. A finalidadedesse princípio é dar maior segurança às partes envolvidas, que somenteassumem as obrigações constante no título, nem mais nem menos.

Sobre isso Rubens Requião em sua obra esclarece que:

O título de crédito se enuncia em um escrito, e somente oque está nele inserido se leva em consideração; umaobrigação que dele não conste, embora sendoexpressamente em documento separado, nele não seintegra (REQUIÃO, 2003, p. 359).

A cartularidade é um princípio consubstanciado na documentação daobrigação, razão pela qual apenas quem detém o papel representativo da dívidapode efetuar a respectiva cobrança, ou seja, somente será título de crédito seestiver materializado, presente em um documento.

O princípio da autonomia, por sua vez, implica que as obrigaçõesassumidas por alguém no título não vincula a qualquer outra obrigação, ou seja,cada um que intervém no título assume uma obrigação independente, nãoligada as outras relações existentes na cártula. Portanto, os vícios existentes emrelações anteriores não afetam o direito do possuidor atual, cada obrigação quederiva do título é autônoma, não podendo assim uma das partes invocar em seufavor fatos ligados aos obrigados anteriores. Esclarece, André Luiz Santa CruzRamos (2010, p. 370): “portador legítimo do título de crédito exerce um direitopróprio e autônomo, desvinculando das relações jurídicas antecedentes”.

1. “Além da autonomia das obrigações, é elemento fundamental para a configuraçãode um título a literalidade, que significa que o direito representado pelo títulotem o seu conteúdo e seus limites determinados nos precisos termos do título,vale dizer, somente o que está escrito no título deve ser levado em conta.”(TOMAZETE, Marlon. Direito societário. 2. ed. São Paulo: Juarez de Oliveira,2004).

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Para alguns autores, isso é chamado de abstração: completadesvinculação do título em relação à causa que originou a sua emissão. Elasomente ocorre após a circulação do título, no momento que se desvincula docredor originário.

Wille Duarte da Costa (2008, p. 73-74), em sua obra Títulos decrédito, manifesta que a autonomia se dá sob tríplice aspecto: autonomia dedireito, autonomia das obrigações e autonomia do título2.

Em razão da autonomia dos títulos de crédito, o possuidor de boa fénão tem o seu direito restringido em decorrência de negócio subjacente entreos primitivos possuidores e o devedor. Surge o princípio da inoponibilidade dasexceções pessoais, consagrado pelos artigos 17 da Lei Uniforme de Genebra(Decreto 57.663, de 1966)3; 25 da Lei de Cheque (Lei n. 7.357, de 1985)4; e916 do Código Civil de 2002.5

Excepcionalmente, quando a inoponibilidade se tratar de vícios formaise vícios na constituição do direito cartular são oponíveis ao terceiro de boa fé;ao contrário, se as inoponibilidades estão relacionadas a convençõesextracartulares, que dizem respeito ao negócio subjacente, e as referentes àaquisição a non domínio do título, não podem ser opostas ao terceiro de boa-

8. “Autonomia do direito significa que o direito do legítimo possuidor do título éautônomo ou independente em relação aos possíveis direitos dos anteriorespossuidores do título, aos quais não se vincula. Autonomia das obrigaçõescambiais corresponde ao fato das diversas obrigações existentes no título seremindependentes, não se vinculando uma a outra, de tal forma que uma obrigaçãonula não afeta as demais obrigações válidas no título. Por fim, a autonomia dotítulo de crédito, quando ele circula mediante endosso no período que vai desua criação ao seu vencimento” (Costa, Wille Duarte. Títulos de Crédito – Belohorizonte: 4 ed., Del Rey, 2008- 2. Tiragem, p.73-74).

9. Artigo 17 da Lei Uniforme de Genebra- As pessoas em virtude de uma letra nãopodem opor ao portador exceções fundadas sobre as relações pessoais delascom o sacador ou com os portadores anteriores, a menos que o portador aoadquirir a letra tenha procedido conscientemente em detrimento do devedor.

10. Artigo 25 da Lei n. 7357 - Quem for demandado por obrigação resultante decheque não pode opor ao portador exceções fundadas em relações pessoaiscom o emitente, ou com os portadores anteriores, salvo se o portador o adquiriuconscientemente em detrimento do devedor.

11. Artigo 916 da Lei 10.406, de 2002 - As exceções, fundadas em relação dodevedor com os portadores precedentes, somente poderão ser por ele opostasao portador, se este, ao adquirir o título, tiver agido de má fé.

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fé, em conformidade com os artigos 16 do Decreto n. 57.6636; 24 da Lei n.7357, de 19857; e 905, parágrafo único, do Código Civil.8

III – Discussão sobre a existência do título de crédito virtuale o Código Civil de 2002

O desenvolvimento tecnológico fez com que surgissem estudos paraverificar se os institutos jurídicos são adaptáveis às novas formas que o mundodigital oferece. É nesse contexto que o estudo das relações jurídicas sedesenvolvem para abarcarem um novo meio: a Internet.

Nesse sentido, um dos pioneiros no estudo das relações jurídicasadvindas dos meios eletrônicos, Carlos Alberto Rohrmann, manifesta:

Temos que a necessidade de redefinir-se certos conceitosjurídicos é imperiosa. Tomemos, por exemplo, o caso dostítulos de crédito eletrônicos. Trata-se de um recurso quemovimenta grande soma de dinheiro em todo mundo.Como aplicar os conceitos tradicionais do Direito Comercialse os títulos virtuais padecem do próprio requisito dacartularidade? O nosso direito positivo irá aceitar, ou não,um contrato comercial eletrônico como prova documentalem juízo? (ROHRMANN, s.d.).

6. Artigo 16 da Lei Uniforme de Genebra - O detentor de uma letra é consideradoportador legítimo se justifica o seu direito por uma série ininterrupta de endossos,mesmo se o último for em branco (....) Se uma pessoa foi por qualquer maneiradesapossada de uma letra, o portador dela , desde que justifique o seu direitopela maneira indicada na alínea precedente , não é obrigada a restituí-la , salvose a adquiriu de má-fé ou se, adquirindo-a, cometeu falta grave.

7. Artigo 24 da Lei 7357, de 1985 - Desapossado alguém de um cheque, emvirtude de qualquer evento, novo portador legitimado não está obrigado a restituí-lo, se não o adquiriu de má-fé . Parágrafo único – Sem prejuízo do disposto nesteartigo, serão observadas, nos casos de perda, extravio, furto, roubo ou apropriaçãoindébita do cheque, as disposições legais relativas à anulação e substituição detítulos ao portador, no que for aplicável.

8. Artigo 905 da Lei 10.406, de 2002 - O possuidor do título ao portador tem odireito à prestação nele indicada, mediante a sua simples apresentação aodevedor. Parágrafo único A prestação é devida ainda que o título tenha entradoem circulação contra a vontade do emitente.

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Todavia, no que diz respeito ao direito cambiário, baseado na cártula,ainda continua mantendo a sua importância para o desenvolvimento e segurançadas relações jurídicas. Todo o sistema cambiário é fundado em princípiosconstruídos ao longo de décadas, a partir da contribuição de ilustres doutrinadores;não pode, por isso, sucumbir, em virtude da forte base principiológica que ocerca.

Cite-se, como exemplo, o surgimento da letra financeira, disciplinadapela Lei n. 12.249, de 11 de junho de 2010, que admite em seu artigo 38 a suaemissão exclusivamente sob a forma escritural. Mesmo assim, os princípios dodireito cambiário resistem às inovações trazidas pela legislação atual. Tanto éassim, que o Código Civil de 2002 trouxe o conceito de título de crédito emseu artigo 887 como “documento necessário ao exercício do direito literal eautônomo nele contido”.

De todos os princípios do direito cambiário, é a cartularidade quegera a discussão sobre a existência do título de crédito virtual, pois no mesmonão ocorre a emissão do documento, eles existem em meios magnéticos ediante do conceito de Vivante, adotado pelo Código Civil em seu art. 887, aexistência material é indispensável.

Uma pequena parte da doutrina entende que os títulos de créditovirtuais existem. Apesar do conceito de título de crédito descrito no art. 887 doCC/02, o art. 889, parágrafo 3, do mesmo Código9, admite a emissão de títuloa partir de caracteres criados por computador ou meio técnico equivalente.Uma outra justificativa dada pela presente doutrina foi a criação da MedidaProvisória 2200/01, que regula a assinatura eletrônica e que pode ser aplicadaaos títulos de crédito.

Em relação à necessidade do documento, essa corrente é categóricaem dizer que os documentos eletrônicos são amplamente aceitos em todos ossetores da sociedade.

Neste sentido:

[...] não existe, na verdade, diferença ontológica entre anoção tradicional de documento e a nova noção de

9. Artigo 889, parágrafo 3º do Codigo Civil de 2002 – “O título poderá ser emitidoa partir dos caracteres criados em computador ou meio técnico equivalente eque constem da escrituração do emitente, observados os requisitos mínimosprevistos neste artigo”.

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documentos eletrônicos. Estes últimos, com efeito, tambémserão um meio real de representação de um fato, não osendo, porém, de forma gráfica. A diferença residirá,portanto, tão somente no suporte do meio real utilizado,não mais representado pelo papel e sim por disquetes,disco rígido, fitas ou discos magnéticos, etc. (LUCCA;SIMÃO FILHO, 2001, p. 44).

A idéia da mudança do meio físico para o meio eletrônico no que serefere a desmaterialização do documento com uma nova proposta não deixa deser um raciocínio lógico no âmbito técnico-jurídico, já que a era digital faz comque o meio papel que materializa os documentos seja substituído pelasmanifestações em meio magnético. Com isso, essa nova idéia tambémestá sendo amplamente discutida para os títulos de crédito eletrônicos,inclusive a partir da previsão no Código Civil sobre a possibilidade de permitira criação de títulos de crédito por meio de caracteres eletrônicos (art. 889,parágrafo 3, CC/02).

As argumentações expostas acima, sobre a validade do documentoeletrônico no âmbito jurídico, não devem ser expostas de forma analógica quantoà proposta de criação dos títulos de crédito emitidos em formato eletrônico,pois o art. 889 em seu parágrafo terceiro, do Código Civil de 2002 procurouapenas inovar quando permitiu a criação de títulos de crédito a partir de caracterescriados em computadores ou meio técnico equivalente, mas o caput do mesmodispositivo condiciona a prévia escrituração junto ao emitente e a observânciados requisitos essenciais aos mesmos.

Como bem ressalta Jean Carlos Fernandes, em sua obra DireitoEmpresarial aplicado:

Não se cuida aqui da criação do chamado “título virtual”,arredando a euforia de pequena parte da doutrina, mas,apenas a possibilidade de se criar um título a partir de dadoscolhidos nos meios informatizados, sendo certo que oexercício do direito pelo portador do título não dispensaráa emissão do documento, como determina o art.887 doCódigo Civil, muito menos a assinatura do emitente,requisitos essencial disposto no art. 889 do mesmo diplomalegal (FERNANDES, 2007, p. 135).

Sendo assim, é indispensável uma análise da disciplina geral dos títulosde crédito e da evolução cibernética no que se refere à inserção de institutos

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como a assinatura digital, a certificação eletrônica no ordenamento jurídicobrasileiro e até mesmo a legislação alienígena. A circulação de títulos de créditopor meio eletrônico não é impossível, todavia é necessário adotar princípiosdiferentes daqueles que se encontram na teoria geral dos títulos de créditoe não corroborar com aqueles autores audazes em afirmar que a merainserção de dispositivos no novo Código Civil seria o suficiente para modificartoda uma estrutura.

Para isso, no decorrer deste artigo, ter-se-á a oportunidade de verificara influência da evolução tecnológica nos títulos de crédito, em vista da análiseda assinatura digital, o papel da ICP-Brasil (Infra-Estrutura de Chaves PúblicasBrasileira), as certificações digitais, sem, no entanto, cair em iniquidades daquelesautores que atribuem o parágrafo 3º, do Art. 889, do Código Civil, comodispositivo suficiente para admissão de títulos de crédito eletrônicos. Épreciso que se tenha mais cautela, pois novos rumos e novos princípiosdeverão ser introduzidos na teoria geral dos títulos de crédito para admissãodos mesmos e a importância no desenvolvimento e segurança no comércioeletrônico via internet.

Sobre o assunto, argumenta o professor Wille Duarte Costa:

Apesar da importância dos ditos papéis (títulos de crédito),nos nossos dias encontramos situações que devem seranalisadas e que modificam a definição clássica. Como onascimento do Direito Comercial Virtual, qual seja o quedecorre dos elementos da cibernética, considerada esta quetem como objeto vários estudos, entre eles a programaçãode máquinas de computação eletrônica, dos sistemasautomáticos de controle, a teoria da informação, oprocessamento de dados e outros elementos próprios. Comisso, verificamos, por exemplo, que a assinatura do própriopunho do obrigado vem sendo gradativamente substituída.Hoje não há mais necessidade de um cheque, devidamentepreenchido e assinado, para sacar dinheiro no Banco. Bastapossuir um simples cartão magnético ou cartão de créditoe, de qualquer lugar, a qualquer hora, próximo ou não doBanco, até mesmo de outra cidade no país ou no exterior,você poderá sacar valores de sua conta, sem ter que assinarqualquer documento, qualquer papel, qualquer título decrédito. A transferência de valores de uma para outra pessoae inúmeras outras operações podem ser realizadas com osmesmos cartões e até sem eles, pelo uso de códigos e

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senhas fornecidas pelos Bancos. Muitas dessas operaçõesde crédito são feitos pelos programas (softwares) chamados“home banking” que são oferecidos a quem temcomputador e um modem nele ligado. Diante dessaevolução, não podemos mais desconsiderar o estudo detais assuntos, principalmente o que estamos chamandoDireito Comercial Virtual, que vai dominar os nossos futurosdias. Seremos, por isso, forçados a elaborar novas teorias,sobre quase tudo que até aqui vimos. E isso há de seragora, pois a evolução da informática é extraordinária enada espera (COSTA, 2003, p. 16).

Note-se que o professor Wille Duarte Costa (2003), nos trechos acima,em nenhum momento nega a possibilidade da criação e emissão de títulos decrédito por meio eletrônico e até mesmo a desmaterialização dos títulos. Mas,para que tudo isso aconteça, é preciso elaborar novas teorias e não lançar mãode soluções simplistas como ocorreu com o novo Código Civil.

IV – Documento na pós-modernidade: os desafios do meiofísico ao virtual

De tudo que foi exposto, percebe-se que a noção de documento emmomento algum se refere necessariamente que deve ser escrito em papel.Visualiza-se que há diversos meios de materialização do documento, inclusiveo meio digital. A própria noção de documento pode ser representada peladoutrina tradicional ao se referir em texto escrito em papel ou outro materialadequado. Por exemplo, textos gravados em pedra, tecido, madeira, tambémsão considerados documentos.

A atualidade nos mostra patamares da evolução do Direito na era dainformática, principalmente com a popularização da internet. Neste contexto, aidéia de documento está representada em um novo meio, qual seja, o meiocibernético ou digital. Daí, a questão, a saber é: esse novo meio digital pode serconsiderado documento no âmbito técnico-jurídico?

Respondendo a esse questionamento, cita-se Ivo Teixeira Gico Júnior:

Bem, este tipo de questão nos parece mais um problemapsicológico dos doutrinadores do que um problema de fato.Toda essa magia criada pela mídia acerca dos computadorese da Internet parece ter afetado o juízo das pessoas. Nãoencontramos, em texto doutrinário algum, a preocupação

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de um jurista em saber como o cabeçote do aparelho devideocassete opera a transformação dos registros magnéticosdaquela fita cassete em som e imagem. Nem como oaparelho de interceptação telefônica intercepta freqüênciacorreta de um celular para captar o número desejado. Essascoisas são detalhes técnicos que ao jurista não interessamem sua atividade normal. Então porque alguns ficamimpressionados com o fato de os arquivos computadorizadosserem guardados em linguagem binária para que o chip deprocessamento possa interpretá-los? Que relevância temisso para o Direito? Alguém se incomoda com o tipo deligação química estabelecida entre as moléculas de tintae as de celulose do papel para formarem um amálgamaindissociável? Ou que fenômeno físico explica a nossapercepção da mensagem escrita no papel. Não, isto nãotem a menor relevância jurídica (GICO JR., 2000, p.304-305).

Neste sentido, antigamente, a ideia de “material adequado” só podiaestar representada por bens corpóreos. Essa nova ideia de imaterialidade, atravésdos arquivos de computador representativos de um documento em meioeletrônico, e a possibilidade de reconhecimento no âmbito jurídico nos faz crerque o Direito está transportando barreiras nunca imaginadas de valores queduraram séculos.

Com o desenvolvimento tecnológico ganhando contornos não só nasnegociações empresariais e comumente nas relações particulares entre pessoas,a insegurança e as fraudes disseminam. É certo que muitas comunicaçõesveiculadas em meio eletrônico sequer demandam a necessidade de identificaçãodas partes. Noutras, contudo, a identificação dos indivíduos é exigida,principalmente na demanda de negócios jurídicos.

O documento físico na maioria das vezes materializado no papel esempre em algo tangível, e, sendo esta coisa um objeto único, então, odocumento original também deve ser único. E muitas vezes, estes instrumentossão feitos em mais de uma via e são distribuídos aos seus signatários. Taisconceitos, de documentos originais ou de vias de um mesmo documento,não podem ser considerados, quando nos remetemos ao documento emmeio eletrônico.

O documento eletrônico é considerado uma sequência de bits, sejaem qualquer meio em que esteja gravado ou em qualquer quantidade de cópias,se for reproduzido na mesma sequência, sempre estaremos de posse do mesmo

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documento. Neste sentido, não pode ser atribuído ao documento eletrônicoa existência de original, cópias e nem vias de um documento produzidoneste meio, pois toda a cópia do documento eletrônico terá as mesmascaracterísticas do original, e, por isso, deve ser considerado como tal(MARCACINI, 2002, p. 68).

Se se considerar que o documento eletrônico pode ser reproduzidoem um meio físico e vice-versa, neste caso, há a possibilidade de chamar deoriginal e copia. O documento produzido eletronicamente é considerado originalse tiver a mesma sequência de bits, em qualquer meio em que foi guardado.No entanto, pode-se falar em cópia de documento eletrônico quando estasequência numérica ao ser traduzida pelo programa de computador for impressaem papel. Neste caso, por exemplo, se tiver um arquivo com assinatura digital,este é o original.

Caso o documento eletrônico estiver em desconformidade com acópia física, deve ser feita análise do mesmo por meio de computador e softwaresespecíficos para o reconhecimento da assinatura. O contrário também deve seranalisado, pois o documento originalmente no papel pode ser introduzido nocomputador por um scanner, seja para fins de armazenamento ou paratransmissão. Neste caso, temos o original materializado no papel e a cópiaarmazenada eletronicamente. E a averiguação da sua autenticidade é feita coma apresentação do exame original no papel (MARCACINI, 2002, p. 68-69).

O que se vê de comum, como foi descrito, é a possibilidade de umdocumento eletrônico ser reproduzido em papel, ou seja, documentos em queas informações estão representadas por um texto escrito ou imagens, porexemplo, as fotografias. O que há de novo é que é possível assinar documentoscom outras representações, como sons ou vídeos, através da assinatura digital.Neste sentido, caminha a Lei n. 11.419, publicada em 20 de dezembro de2006, que entrou em vigor noventa dias depois da sua publicação e prevê apossibilidade de se gravar uma audiência em formato eletrônico e assinardigitalmente o arquivo eletrônico contendo voz ou vídeo.

No Brasil, a primeira disposição legal que se refere a “documentoeletrônico” foi a Instrução Normativa n. 17, de 11 de dezembro de 1996,editada pelo Ministério da Administração Federal e Reforma de Estado, quedispõe que “no prazo de 360 (trezentos e sessenta dias) serão implementadasaplicações que tratam do documento eletrônico e do uso da assinatura digital”(art. 4º, § 6º) no âmbito das atividades governamentais. Posteriormente, foibaixado o Decreto n. 3.587, de 5 de setembro de 2000, que cria a Infra-Estrutura de Chaves Públicas do Poder Executivo Federal. Esse Decreto trata denormas básicas sobre o uso da criptografia de chaves publicas pela AdministraçãoPública Federal, com o objetivo de estabelecer segurança às comunicações

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eletrônicas entre os entes da administração pública e uma futura substituiçãodo documento físico pelo eletrônico. Nesta ocasião, já tramitavam no CongressoNacional Projetos de Lei sobre a certificação digital no Brasil (MARCACINI,2002, p. 61-62).

Por exemplo, o Projeto de Lei n. 1589, da Câmara dos Deputados,de redação original da Comissão de Informática da OAB-SP, foi responsávelpelas propostas sobre a regulamentação do comércio eletrônico, documentoseletrônicos e assinaturas digitais.

Também inicialmente tramitou no Senado, o Projeto n. 672/99,baseado na Lei Modelo da UNCITRAL, mais voltada para o comércio eletrônicodo que especificamente a previsão legal sobre o documento eletrônico eassinaturas digitais.

Em 28 de junho de 2001, o presidente da republica editou a MedidaProvisória n. 2200, que foi reeditada como MP 2200 em 27 de julho e, finalmente,como MP 2200 em 24 de agosto de 2001. Esta MP tornou-se permanente porforça da EC n. 45/04, vigendo até hoje sem necessidade de apreciação peloCongresso Nacional e sem ter sofrido qualquer alteração. A MP 2200-2 instituia Infra-Estrutura de Chaves Públicas Brasileira (ICP-Brasil) e estabelece o InstitutoNacional de Tecnologia da Informação (ITI) como autoridade-raiz, transformando-o em autarquia federal. Com base nessa disposição legal, o país optou por umapolítica de certificação digital com a intervenção estatal e uma confiançahierarquizada, conforme será tratado em momento oportuno.

Atualmente, existem algumas normas legais em vigor, que tratam dautilização do documento eletrônico no processo, por exemplo, a Lei n. 11.419/06, que dispõe sobre a informatização do processo judicial e altera a Lei n.5.869, de 11 de janeiro de 1973, Código de Processo Civil. Todavia, não sepode deixar de manifestar que o sucesso dessa lei depende amplamente doconhecimento dessas técnicas pelos operadores do Direito, para que sejamaceitas, bem como uma operacionalização e treinamento dos servidores doPoder Judiciário no manuseio dos mecanismos técnicos que levam a implantaçãodo processo judicial eletrônico.

Assim, ousa-se em afirmar que as mudanças na legislação necessáriaspara implementação do uso do documento eletrônico são mais de ordempragmática do que meramente legal, pois a tecnologia já utiliza de mecanismosde reconhecimento da validade, autenticidade e integridade do documentoeletrônico, podendo ser perfeitamente adaptável aos novos padrões de paradigmaeconômico desta nova sociedade moderna e informatizada.

Como alguns institutos do direito cambiário estão intimamenterelacionados com o suporte material (papel) e, necessariamente, quandoempregados em meio eletrônico, devem passar por uma revisão, conforme se

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afirma desde o começo do objeto de investigação escolhido para este artigo, avalidade jurídica dos títulos de credito eletrônico. Para isso, por exemplo, algunsinstitutos devem ser revistos como o endosso, o título ao portador, não temequivalente quando reproduzidos em meio eletrônico.

V – O surgimento da assinatura digital é o suficiente paraadmitir a criação dos títulos de crédito eletrônicos,trazendo como consequência o desaparecimento doprincípio da cartularidade?

Destarte, a idéia da descartularização, substituindo-se o meio físicopor outro veiculo – na atualidade, o meio digital – não leva à renuncia quantoaos efeitos da incorporação e o da tutela cartular. Assim, o reconhecimento davalidade jurídica dos documentos eletrônicos trata apenas da inovação da matériano que se refere ao documento (meio digital) e da adaptação às peculiaridadesdeste novo meio, como por exemplo, a análise jurídica quanto ao surgimentodos títulos de crédito eletrônico, que outrora demandaria uma nova discussãolegal sobre os títulos de crédito já previstos no nosso ordenamento jurídico.

Discute-se sobre a utilização da assinatura digital para validar a emissãodos títulos de crédito emitidos em caracteres eletrônicos, mas, como já dito,barreiras principiológicas devem reverter a estrutura emanada dos títulos decrédito para dar suporte a utilização de ferramentas tecnológicas para que sepossa aceitar a validação técnico-jurídico dos títulos de crédito que já possuemuma estrutura legal própria reconhecida no nosso ordenamento jurídico.

Diante do exposto acima, faz-se necessário conceituar a assinaturadigital como sendo uma técnica indispensável para autenticidade e integridadedas relações jurídicas ocorridas em meio eletrônico, ou seja, é um mecanismotecnológico capaz de conferir aos documentos eletrônicos segurança o suficientepara permitir que não sejam adulterados, ou seja, mantém integro o seu conteúdo(integridade) e é capaz de identificar o responsável pela sua transcrição(autenticidade). Aliás, esse mecanismo substitui, atualmente, a assinaturamanuscrita para as operações realizadas no sistema financeiro nacional, bemcomo no mercado de capitais.

Assim, a assinatura digital é considerada um substituto eletrônico paraa assinatura manual. Todavia, não pode ser considerada como uma imagemdigitalizada da assinatura manual, pois não é uma mera cópia digital da assinaturamanuscrita. Além do mais, a assinatura digital desempenha o papel de protegera mensagem digital transmitida (integridade), uma vez que o conteúdo do textoé codificado através de algoritmos de criptografia e qualquer interceptação

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indesejada que faça mudança no conteúdo do documento impossibilita aautenticação da assinatura digital por meio das autoridades certificadoras.

Note-se que a confusão terminológica impera quanto aos termosassinatura eletrônica e digital. A assinatura eletrônica é um termo amplo quepode ser utilizado para qualquer tipo de identificação ocorrida em meio eletrônico,como por exemplo, a biometria, a senha gerada em sua conta bancária. Já aassinatura digital, representa uma forma bem específica de identificação deuma pessoa em meio eletrônico, através de um algoritmo de criptografiaassimétrica, que sem entrar em detalhes tecnológicos, representa umaidentificação por meio eletrônico através de autoridades certificadoras que,no Brasil, compõem a chamada Infra-Estrutura de Chaves Públicas Brasileira,a ICP-Brasil.

Sobre a técnica da assinatura digital entende-se:

A implementação técnica da assinatura digital se dá pormeio do par de chaves criptográficas, com a presença dosconceitos de “chave privada” e “chave pública”. Para quese possa melhor entendê-los, faz-se mister uma brevereferência ao estudo da criptografia, matéria relacionada àCiência da Computação (ROHRMANN, 2005, p. 69).

Nesse sentido, a assinatura digital é viabilizada pelo método dacriptografia assimétrica ou chamada de criptografia com a utilização das chamadaschaves públicas, sendo que, a disponibilização desse mecanismo é feito pormeio das autoridades certificadoras capazes de promover a autenticação dosdocumentos eletrônicos assinados com a assinatura digital através da emissãode certificados.

O método da chave pública e privada para a criptografia assimétricapode ser transcrito nos seguintes termos:

A chave privada é de único e exclusivo domínio do titularda chave de assinatura, enquanto que a chave públicapoderá ser amplamente divulgada. Elas constituemcombinação de letras e números bastante extensa, quenão são criadas por usuário, mas sim por programas decomputador. O que interessa saber é que as chaves secomplementam e atuam em conjunto. O remetente“assina” a sua mensagem aplicando a ela a sua chave privada( que fica armazenada usualmente em cartões inteligentes,dispositivos similares a um cartão de crédito), enquanto

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que o receptor, ao receber a mensagem, aplicará a chavepública do remetente para verificar se ela efetivamentedele se originou (MENKE, 2005, p. 46).

A princípio, é praticamente impossível decifrar uma chave privada apartir da sua correspondente chave pública, isto porque as chaves criptográficasassimétricas possuem tamanhos diferenciados. Na verdade, variam de acordocom o grau de segurança desejado. Assim, quanto maior for o tamanho dachave, respectivamente, maior será o seu grau de segurança.

A funcionalidade prática da assinatura digital também envolve umaterceira parte desinteressada e alheia à transação, com o intuito de fornecer opar de chaves e assegurar a identidade das partes. Esse é o papel das autoridadescertificadoras responsáveis em averiguar a real identidade do solicitante docertificado (pessoa física ou jurídica). Uma vez recebido o certificado emitidopor essas certificadoras, não restará dúvidas de que realmente a assinatura digitalé do seu respectivo remetente, o que carrega consigo uma segurança nofechamento, por exemplo, de um contrato de compra e venda por meio darede de computadores.

Ressalte-se que podem essas autoridades certificadoras sercredenciadas e fiscalizadas por uma entidade ligada ao governo (AC-Raiz)10.Isso possibilita maior confiabilidade aos usuários dessas chaves públicas quandoutilizarem certificadoras ligadas a uma Infra-Estrutura de Chaves Públicasgovernamental.

Então, se o documento eletrônico estiver assinado digitalmente, seuportador poderá imprimi-lo. Feita a impressão do documento, a assinatura digitalgera um texto que autentica em papel a titularidade da assinatura digital. Assim,o documento eletrônico é transferido autenticamente para o papel, podendoser usado para a instrução de um processo físico. Se a parte preferir, para instruirum processo judicial eletrônico para a cobrança do crédito, bastará anexar à

10. A Medida Provisória 2200-2, institui a ICP-Brasil (Infra-Estrutura de ChavesPúblicas Brasileira), cuja função é dar autencidade, integridade e validade jurídicaaos documentos eletrônicos, bem como das transações eletrônicas seguras. E aAutoridade Certificadora Raiz (AC-Raiz) representada pelo Instituto de Tecnologiada Informação (ITI) é competente para emitir, expedir, distribuir, revogar e gerenciaros certificados emitidos pelas Autoridades Certificadoras de nível subseqüenteao seu. Sendo que, a sua função fica restrita ao gerencimento da emissão doscertificados das AC subsequentes, ela mesma não pode emitir certificados aousuário final (art. 5, MP 2200-2/01).

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petição inicial, dentre outros documentos que instruem a demanda, o arquivoeletrônico assinado digitalmente.

Assim, conclui-se que, através da assinatura digital, reconhece-se aautenticidade e integridade de determinado título de crédito emitidoeletronicamente, mas é necessário antes de tudo uma mudança sistemática emtoda estrutura na Teoria Geral dos Títulos de Crédito e na legislação especialpara fazermos jus a toda essa inovação tecnológica e a plena aplicabilidade paraos títulos de crédito.

VI – Neutralidade tecnológica e equivalência funcional dodocumento eletrônico sob o modelo de arquitetura dalegislação nacional e sua aceitabilidade para os títulosde credito eletrônico

Os pilares jurídicos da Infra-Estrutura de Chaves Públicas Brasileiracapazes de conferir a aceitabilidade da equivalência funcional da assinaturadigital com a assinatura manuscrita para fins probatórios se encontramreferendados no art. 10, §1º, que dispõe sobre:

As declarações constantes dos documentos em formaeletrônica produzidos com a utilização do processo decertificação disponibilizados pela ICP-Brasil presumem-severdadeiras em relação ao seu signatário, na forma do art.131 da Lei nº 3071, de 1º de janeiro de 1916, Código Civil(BRASIL, 2001).

11

Também essa presunção de veracidade é manifestada na legislaçãoprocessual, no art. 368, CPC: “As declarações constantes do documento particular,escrito e assinado, ou somente assinado, presumem-se verdadeiras em relaçãoaos seus signatários.”

11. Em vista da revogação expressa do Código Civil de 1916, nos termos do art. 2045do novo Código Civil (Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002, a previsãoquanto ao art. 136 do código revogado passa a ser considerado o seu equivalenteno novo Código Civil disciplinado no art. 219, pois repete na literalidade do art.131. Nesse sentido: Art. 219, do CC/02: “As declarações constantes dedocumentos assinados presumem-se verdadeiras em relação ao seu signatário”.Parágrafo Único – “Não tendo relação direta, porém, com as disposiçõesprincipais, ou com a legitimidade das partes, as declarações enunciativas nãoexime os interessados o ônus de prová-las”.

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Entende-se, portanto, que o significado e os efeitos jurídicos do art.10, §1º, da MP 2200-2/01, equipara a assinatura digital à manuscrita.12 Parailustrar essa idéia, Fabiano Menke explica:

[...] este texto legal está tratando da autoria de documentoseletrônicos e determinando que a assinatura digital apostaa partir de chave privada relacionada a chave pública inseridaem certificado digital obtido no âmbito da ICP-Brasil seráequiparada à assinatura manuscrita, lançada de própriopunho (MENKE, 2005, p. 140) .

Esse tipo de reconhecimento é uma tendência mundial e pode servisualizada de acordo com a proposta de diretiva do Parlamento Europeu (art.5º)13, uma vez que também admite o uso de assinaturas eletrônicas livres, nãorelacionadas aos certificadores autorizados. Aliás, essa discussão foi tratada nareedição da MP 2200-2/01, ao inserir o parágrafo segundo, do art. 10, sobre aliberdade do reconhecimento para fins probatórios do uso das “assinaturaseletrônicas livres” e a atuação das autoridades certificadoras não ligadas a umórgão público, no caso da legislação brasileira seria a AC-Raiz (AutoridadeCertificadora Raiz) representada pelo Instituto de Tecnologia da Informaçãoresponsável pela Infra-Estrutura de Chaves Publicas do Brasil (ICP-Brasil).

Por todas as razoes acima expostas, não se mostram favoráveis asconsiderações propostas pela doutrina que a assinatura digital só terá efeito deuma assinatura manuscrita quando utilizados certificados provenientes decertificadoras credenciadas pela Infra-Estrutura de Chaves Públicas Brasileira,cabendo ao juiz averiguar a notoriedade dessas chaves públicas quandocontestada pela parte. Além disso, de acordo com o principio da neutralidadetecnológica não há como confrontar definições, sobretudo legais, a uma idéia

12. Para reforçar esse entendimento a art. 1 da MP 2200-2/01 – “Fica instituída aInfra-Estrutura de Chaves Públicas Brasileira, para garantir a autenticidade, aintegridade e a validade jurídica dos documentos eletrônicos [...]. A autenticidadedescrita neste artigo confirma expressamente a autoria dos documentos eletrônicosassinados com a assinatura digital.

13. Assim dispõe o art. 5º da proposta de Diretiva do Parlamento Europeu: os Estadosmembros proverão para que não se negue eficácia jurídica, nem admissibilidadecomo prova em procedimentos judiciais, à firma eletrônica pelo mero fato deque (...) não se baseie em um certificado reconhecido, ou não se baseie em umcertificado expedido por um provedor de serviços de certificação credenciado.(MARCACINI, 2005, p. 94).

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de uma tecnologia especifica, pois com o avanço tecnológico estar-se-ia fadadoa rapidamente qualificar a definição de assinatura digital como ultrapassada.Com isso, seria permitido também o reconhecimento da validade de outrosdocumentos eletrônicos não digitais, como senhas, assinaturas digitalizadas, dadosbiométricos, que podem ser perfeitamente utilizados como prova e reconhecidoscomo assinaturas eletrônicas, algumas delas, realizadas nas transações bancárias.

Nesse sentido, a MP 2200-2, o Código Civil (art. 225) e a legislaçãoprocessual (art. 383), admitem uma tecnologia aberta, já que é possível queoutros meios de comprovação de autoria e integridade de documentoseletrônicos sejam aceitos como prova, além daqueles referendados pela Infra-Estrutura de Chaves Públicas Brasileira, tudo isso com base no principio daneutralidade tecnológica, desde que aceitos pelas partes ou com a averiguaçãodo juiz quanto à autenticidade dessas chaves públicas.

Com base no que foi exposto acima, é imperioso falar do princípio daequivalência funcional, também chamado de princípio da não discriminação.Esse princípio diz que não se pode negar validade, eficácia ou executividade anenhum documento só pela circunstância de ter por suporte o meio eletrônico,ou seja, se um contrato é válido em papel, ele também será válido em meioeletrônico; se é eficaz em papel, também será em meio eletrônico; se pode serexecutado em papel, também pode ser executado em meio eletrônico. Seporventura ocorrer algum vício, como por exemplo defeito de consentimentoou a incapacidade das partes, isso vai invalidá-lo tanto num como noutro suporte.

VII – As declarações cambiais nos títulos de crédito: saqueou emissão, aceite e o aval

Com o avanço da internet e as inovações trazidas pelo Código Civil,os títulos de crédito eletrônicos suscitaram inúmeras controvérsias entre osestudiosos do Direito Empresarial.

Como bem explica Alexandre Bueno Cateb:

[...] o fato é que, a despeito da vontade que se tem ememprestar para tão importante mecanismo de circulaçãode crédito o simplíssimo ferramental que lhe permita acirculação por meio digital, até o momento os títulos decrédito eletrônicos não atendem às necessidades propostaspela doutrina, em razão de limitação técnica de informática,e não por dificuldade quanto à aplicação ou adaptação dosinstitutos jurídicos relacionados aos títulos de crédito (CATEBin FERNANDES, 2011, p. 34).

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As declarações cambiais são indispensáveis para garantir a circulaçãodos títulos de crédito, por isso será necessário relembrar resumidamente ascaracterísticas de cada uma das declarações.

O saque é uma declaração cambial originária, de regresso e essencial,ou melhor, é uma declaração cambial dada pelo emitente do título, através doqual é dada uma ordem para efetuar o pagamento da letra ao legítimo possuidor.Já a emissão é obrigação cambial originária, principal e essencial, significandouma promessa do próprio devedor para efetuar o pagamento do título, sendoassim uma declaração unilateral de pagamento de dívida. Ambas dão origemaos títulos de crédito, sendo, portanto, declarações originárias e essenciais, poisos títulos devem ostentá-las, sob pena de faltar um dos requisitos essenciais.

Com isso, o surgimento do título se dá pelo saque, mas a relaçãocambiária só se forma completamente com o aceite. Por isso, considera o aceitecomo uma declaração cambiária derivada (não faz surgir o título), principal(declaração cambiária típica) e não essencial (sua ausência não impede a circulaçãodo título e nem a cobrança ao devedor principal).

Já o aval é considerado uma declaração cambiária acessória , derivadae não essencial, pelo qual uma pessoa mediante uma declaração unilateral devontade garante em prol do devedor originário ou de qualquer coobrigado opagamento de algum título de crédito. Está previsto no art. 897, caput, CC\02.É derivada porque não dá origem ao título de crédito, mas apenas é uma garantiaao credor do título. Sendo também acessória e não essencial, pois não precisaexistir para que o documento possa circular como título de crédito.

O avalista se compromete de forma regressiva, pois ele poderá cobrardo seu avalizado, caso pague o título. Por fim, o aval pode ser em preto, quandoé identificado para quem será dado, ou em branco, quando não o específica

Finalmente, o endosso é uma declaração cambiária também derivada,acessória e não essencial, garantindo ao seu emissor um direito regressivo emcaso de pagamento da letra. É derivado, pois o endosso só surge se o título foicriado validamente. Sendo também acessório e não essencial, não precisa doendosso para gerar efeitos de mobilização do crédito que lhe são próprios. Essaregressividade do endosso pode ser entendida quando o endossante passa a tero direito de se voltar, em exercício regressivo, contra aquele que lhe transmitiuo título, até chegar ao devedor principal. Tanto o endosso, como o aval, podemser em preto ou em branco.

Nesse contexto, para que todas as declarações descritasanteriormente possam ser inseridas no título será imprescindível a assinaturado mesmo, seja no verso ou anverso. Diante dessas características é que adeclaração cambial não pode ser inserida no título crédito eletrônico comose verá no próximo tópico.

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VIII – Novas declarações cambiais em documentoseletrônicos assinados digitalmente

Já se encontra pacificada a possibilidade de criação de um título decrédito eletrônico pelos estudiosos do direito cambiário. A justificativa está naMP. 2200-2 de 2001, que estabeleceu mecanismo que permite a criação de umdocumento eletrônico e meios para certificar a autenticidade dessa assinaturaeletrônica, bem como o princípio da equivalência funcional que ressalta que omeio eletrônico cumpre as mesmas funções do papel em relação ao registro deinformações de relevância jurídica.

Contudo, isso não é suficiente para a criação dos títulos de créditoeletrônicos, pois alguns institutos do direito cambiário estão ligados à figura dopapel e, por isso, quando empregado o meio eletrônico, eles devem passarnecessariamente por revisão. Como, por exemplo, os institutos do endosso,aval, pois não possuem equivalentes quando o suporte do título é eletrônico.

É imperioso relembrar que um documento eletrônico só pode serconsiderado como autêntico se o emitente o grava com uma assinatura digital.

O problema é que nos títulos de crédito várias assinaturas estarãoapostas no mesmo documento. Quando se cria o título de crédito, ou seja, noato de emissão, já se tem uma assinatura. Posteriormente poderá, no caso daletra, receber a segunda com o aceite do sacado. Poderão também ser inseridasoutras assinaturas para consubstanciar o endosso e o aval.

Assim é indispensável resposta a seguinte indagação: Como fazer asdeclarações cambiais, como um aval, endosso, aceite, sem que se inutilize otítulo de crédito anteriormente criado por uma assinatura digital? Conforme oestudo já feito no decorrer desse artigo sobre a assinatura digital, seria impossívelfazer essas declarações sem alterar o conteúdo do documento eletrônico, poisao fazer as mesmas, o interessado inutilizaria a assinatura já aposta por quemantecedeu a relação cambial.

Será que essas declarações cambiais poderiam ser feitas em umdocumento apartado? Conforme a teoria geral dos títulos de crédito, maisespecificamente a respeito do princípio da literalidade, não existe a menorpossibilidade disso acontecer, pois só vale aquilo descrito no próprio título, noseu verso ou anverso, nem mais nem menos, por isso, nenhuma declaraçãovaleria em documento apartado do corpo do título.

Outra indagação merece também ser levantada: Como garantir quealguém, de posse de um título de crédito eletrônico, não o reproduza diversasvezes para pessoas diferentes, garantindo assim várias versões do mesmo crédito?Para essa questão ainda não se tem uma solução técnica adequada, pois osdocumentos eletrônicos podem ser copiados instantaneamente, através de

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software simples, criados com o objetivo de resguardar backup aos titulares dainformação digital.

Sobre todas essas polêmicas levantadas não se tem, até o presentemomento, uma solução nem dos estudiosos da informática nem dos estudiososdo direito cambiário. Por outro lado, o que não se tem dúvida, é que seráindispensável para a existência jurídica de títulos de crédito eletrônicos a existênciade leis regulamentando-os e uma revisão na teoria geral dos títulos de crédito.

E mais uma vez o legislador deixou a desejar ao apenas descreverpalavras simplistas sobre o que se caracterizaria um título de crédito eletrônico,em relação ao art. 889, parágrafo terceiro, do Código Civil. Nele apenas há adescrição que os títulos de crédito podem ser emitidos por meio de caractereseletrônicos.

Vejamos as palavras cautelosas do professor Wille Duarte Costa, aomanifestar a sua opinião sobre a inclusão digital atribuída aos títulos de crédito:

Esperamos, com grande certeza, que os novos estudos,hoje existentes e que estão evoluindo, nos levarão aconcluir seguras teorias sobre os títulos de crédito, semincorrer em erros comuns que têm também surgido porparte daqueles que apenas entusiasmados, mas semqualquer conhecimento técnico e até jurídico, tentam nosimpor tais erros (COSTA, 2008, p. 70).

IX – Considerações finais

Apesar de alguns doutrinadores entenderem que os títulos de créditoem meio tangível estão com os dias contados diante do desenvolvimento denovas ferramentas tecnológicas, como por exemplo a assinatura digital, não hádúvida que os títulos de crédito em papel ainda continuam imprescindíveis paraa circulação do crédito.

É inegável que, com o desenvolvimento da informática, a mensagemeletrônica pode ser replicada e transferida a custo baixíssimo e de maneirailimitada, rápida e instantânea. O problema é que as transações e transferênciasprivadas de recursos, representadas pelos títulos de crédito, esbarra em limitaçõestécnicas que não foram pensadas pelos criadores da autenticação dos arquivoseletrônicos.

Mesmo com as inovações propostas pelo Código Civil de 2002 noque diz respeito à previsão no parágrafo 3º, do art. 889, sobre a possibilidadede emissão de títulos de crédito por meio eletrônico e as repercussões no

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campo do Direito Empresarial Virtual, o ideal seria contar com disposiçõesespecíficas e adequadas ao ambiente digital e a mudança na estruturação daTeoria Geral dos Títulos de Crédito, já que, como visto, a cartularidade e a suamaterialização em um meio corpóreo ainda serve de sustentáculo para aestruturação de seus princípios gerais.

Talvez fosse interessante um estudo conjunto dessas proposições,visando incorporá-las a futuras alterações ao Código Civil de 2002, já que olegislador sequer tomou o cuidado em estruturar a emissão e a circulação dessestítulos emitidos por meio de caracteres eletrônicos.

O que não se tem dúvida é a possibilidade de criar novas modalidadesde títulos de crédito eletrônicos, desde que através de leis específicas, comopor exemplo, a Lei n. 12.249, de 11 de junho de 2010, que dispõe sobre a letrafinanceira e permitindo a sua emissão exclusivamente sob a forma escritural.

O que não pode acontecer, como vem ocorrendo, é a mera afirmativade estudiosos sobre a existência dos títulos de crédito eletrônicos ao misturar astécnicas do Direito com os mecanismos criados pelos estudiosos em informática(assinatura digital), sendo indispensável harmonização do Direito Cambiário comas novas técnicas da era digital, visualizando o princípio da neutralidade tecnológicapara a feitura de uma nova legislação envolvendo um direito cambiário adaptávelao meio eletrônico.

Referências

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