A consciência: algumas concepções atuais sobre sua natureza, funções e base neuroatômica

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52 R. Psiquiatr. RS, 25' (suplemento 1): 52-64, abril 2003 Recebido em 21/01/2003. Revisado em 21/01/2003. Aprovado em 11/03/2003. “A consciência é um fenômeno fascinante, porém elusivo; é impossível especificar o que é, o que faz ou por que evoluiu. Nada digno de ser lido foi escrito sobre ela.” Stuart Sutherland (1989) 1 “Se você estivesse projetando uma máqui- na orgânica para bombear sangue, A consciência: algumas concepções atuais sobre sua natureza, função e base neuroanatômica é bem provável que surgisse algo seme- lhante a um coração. Mas se você estivesse inventando uma máquina para produzir consciência, quem pensaria em algo como uma centena de bilhões de neurônios?” John R. Searle(1997) 2 “Se ninguém mo perguntar eu sei. Se o quiser explicar a quem me pergunte, já não sei!” Paráfrase de Santo Agostinho 3 : “Estar consciente vai além de estar acorda- do e atento: requer uma sensação interna de um self no ato de conhecer”. António Damásio (1999) 4 INTRODUÇÃO A partir principalmente de Freud, as aten- ções dos estudiosos da mente voltaram-se para o inconsciente, território tão misterioso na épo- ca que necessitava primeiramente ter compro- vada sua existência para após reivindicar a condição de objeto de pesquisa. Mesmo nos primórdios da descoberta do inconsciente, en- tretanto, Freud já se questionava sobre a natu- * Psiquiatra, Egresso SPPA, prof. Institutos Abuchaim e Contemporâneo. ** Psiquiatra, Graduada SPPA, prof.a Instituto Contemporâneo. *** Psiquiatra, prof. FFFCMPA, Inst.Abuchaim e ULBRA. **** Psiquiatra, Egressa SPPA, prof.a conv. UFRGS. ***** Psiquiatra, membro assoc. SBP de PA, prof Instituto Abuchaim. ****** Psiquiatra, membro prov. CEP de PA, prof IFP. ******* Psiquiatra, supervisora da residência do HMIPV. ******** Psiquiatra, egresso da SBP de PA, prof. Instituto Abuchaim. ********* Psiquiatra, Egresso da SBP de PA, prof Instituto Abuchaim e FUMM. ********** Médico, psicanalista, membro efetivo CEP de PA, prof. Instituto Contemporâneo. *********** Médico Psicoterapeuta, egresso Instituto Cyro Martins. Maurício Marx e Silva* Alida Vitória Álvares Fuhrmeister** Antônio Francisco Maineri Brum*** Flávia Costa**** Geraldo Rosito***** Leandro Timm Pizutti****** Madeleine Scop Medeiros******* Paulo Picarelli Ferreira******** Renato Lajús Breda********* Romulo Viero********** Sérgio Silveira Leite***********

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Recebido em 21/01/2003. Revisado em 21/01/2003. Aprovado em 11/03/2003.

“A consciência é um fenômeno fascinante,porém elusivo;é impossível especificar o que é, o que fazou por que evoluiu.Nada digno de ser lido foi escrito sobreela.”Stuart Sutherland (1989)1

“Se você estivesse projetando uma máqui-na orgânica para bombear sangue,

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é bem provável que surgisse algo seme-lhante a um coração. Mas se vocêestivesse inventando uma máquina paraproduzir consciência, quem pensariaem algo como uma centena de bilhões deneurônios?” John R. Searle(1997)2

“Se ninguém mo perguntar eu sei.Se o quiser explicar a quem me pergunte,já não sei!” Paráfrase de Santo Agostinho3:

“Estar consciente vai além de estar acorda-do e atento: requer uma sensação internade um self no ato de conhecer”. AntónioDamásio (1999)4

INTRODUÇÃO

A partir principalmente de Freud, as aten-ções dos estudiosos da mente voltaram-se parao inconsciente, território tão misterioso na épo-ca que necessitava primeiramente ter compro-vada sua existência para após reivindicar acondição de objeto de pesquisa. Mesmo nosprimórdios da descoberta do inconsciente, en-tretanto, Freud já se questionava sobre a natu-

* Psiquiatra, Egresso SPPA, prof. Institutos Abuchaim e Contemporâneo.

** Psiquiatra, Graduada SPPA, prof.a Instituto Contemporâneo.

*** Psiquiatra, prof. FFFCMPA, Inst.Abuchaim e ULBRA.

**** Psiquiatra, Egressa SPPA, prof.a conv. UFRGS.

***** Psiquiatra, membro assoc. SBP de PA, prof Instituto Abuchaim.

****** Psiquiatra, membro prov. CEP de PA, prof IFP.

******* Psiquiatra, supervisora da residência do HMIPV.

******** Psiquiatra, egresso da SBP de PA, prof. Instituto Abuchaim.

********* Psiquiatra, Egresso da SBP de PA, prof Instituto Abuchaim eFUMM.

********** Médico, psicanalista, membro efetivo CEP de PA, prof. InstitutoContemporâneo.

*********** Médico Psicoterapeuta, egresso Instituto Cyro Martins.

Maurício Marx e Silva*Alida Vitória Álvares Fuhrmeister**Antônio Francisco Maineri Brum***Flávia Costa****Geraldo Rosito*****Leandro Timm Pizutti******Madeleine Scop Medeiros*******Paulo Picarelli Ferreira********Renato Lajús Breda*********Romulo Viero**********Sérgio Silveira Leite***********

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reza da consciência. A questão aqui era, po-rém, muito diferente. O fenômeno da consciên-cia era tomado como evidente por qualquerindivíduo, devido a sua própria natureza deautopercepção. Não havia necessidade de pro-var sua existência. Talvez por isto, por estecaráter de algo que “todos sabemos como é”, éque tenhamos demorado tanto a lhe dedicarmaior atenção (sistemática, pois o tema semprepersistiu como objeto de conjecturas filosófi-cas). Com o passar das décadas, o inconscien-te tornou-se aceito como a regra dos processosmentais, não se constituindo em uma qualidadeespecial destes, e verificou-se que o mistériona verdade residia na sensação de estar cons-ciente desses processos.

A primeira constatação a ser feita ao pen-sarmos na questão da consciência é a de que,apesar de “todos sabermos como é”, na verda-de não sabemos “o que é” a consciência, e nemmesmo podemos afirmar se o “como” de um éigual ao “como” de outro.

Nos últimos anos, alguns neurocientistastêm acrescentado insights esclarecedores so-bre a questão da consciência. A primeira evi-dência neurobiológica interessante vem apoiara distinção que existe na língua inglesa entrewakefulness (estar consciente no sentido devigília, em oposição ao coma, como em “bater acabeça e perder a consciência”), conscience(consciência moral, superegóica, como em “terum peso na consciência”) e consciousness(consciência no sentido da sensação de existire de estar experienciando um dado momento,que inclui a sensação da passagem do tempo).Infelizmente, na língua portuguesa, os três con-ceitos podem ser expressos pela palavra cons-ciência, o que contribui para uma indistinção.Embora a consciência nos dois últimos senti-dos necessite de um grau mínimo de vigília,este grau mínimo já está dado na fase de sonoR.E.M., quando se sonha, e na qual tanto pode-se ter a sensação de existir e de algo nosacontecer, de experienciar, quanto se pode per-ceber a influência da consciência moral. Cons-tatou-se também que um estado pleno de vigíliapode coexistir com uma abolição da conscious-ness, como em pacientes que sofrem de algunstipos de crises convulsivas, nas quais são ca-pazes de caminhar longos trajetos, executarfunções relativamente complexas, sem a sen-sação de existir, de estar experienciando o queestá acontecendo e sem a percepção da passa-gem do tempo, apesar de estarem “bem acor-dados”.

A “sensação do que acontece” (The Fee-ling of What Happens), como Antônio Damásio

entitulou em inglês seu último livro (em portugu-ês “O Mistério da Consciência”) pode persistirem pessoas que têm a perda de grandes partesdo encéfalo, transitória ou definitiva, a ponto denão saberem sequer seus próprios nomes. Elasperdem os registros de sua história, mas não asensação de serem alguém, um self, que estáexperienciando aquele momento. É a diferençaentre a “consciência central” e a “consciênciaampliada”, esta última incluindo, além do selfcorporal, o “self autobiográfico”4.

Edmund Rolls, em “The Brain and Emotion”(1999), salienta o grande valor adaptativo daconsciência que Damásio chama de ampliada,dos “pensamentos de segunda ordem”, ou seja,o “pensar sobre o próprio pensar”, que permiteuma revisão (e às vezes correção) dos própriosprocessos de pensamento, ampliando enorme-mente as possibilidades de estratégia de açãoe sofisticando a tomada de decisão5.

A “sensação do que acontece”, presentedurante o sonhar e ausente em certos estadosde vigília como nas crises de ausência, é apropriedade de certos processos mentais queprogressivamente têm se tornado alvo de estu-do. Evidências recentes sugerem que tanto asensação de continuidade da consciência quan-to a impressão de que ela preceda a tomada dedecisão seriam ilusórias. Também a antigacrença de que a consciência fosse uma funçãodependente de um funcionamento cortical glo-bal tem sido questionada. A evolução da cons-ciência, a partir dos mecanismos de homeosta-se, como um feed-back sofisticado do estadocorporal, incluindo os processos mentais, quepermite a detecção de erros nas predições rea-lizadas pelo cérebro sobre o self e o ambiente,com a possibilidade de correções em partes doprocesso mental sem a necessidade de descar-tá-lo por inteiro, é um exemplo das modernascompreensões sobre este tema e que tem im-portantes correlações com a clínica psicoterá-pica.

HISTÓRICO EVOLUCIONISTA

Há uma opinião válida segundo a qual oHomem é contemporâneo de todas as demaisespécies sobreviventes de seres vivos e, naverdade, da própria vida, pois, embora a evolu-ção se tenha processado por diferenciação, asdiferentes espécies por ela produzidas são to-das relacionadas entre si, como os ramos deuma árvore. Todos derivam de uma raiz co-mum. Se procurarmos determinar com mais pre-cisão a gênese do Homem, escolheremos adata em que a família dos hominídeos se sepa-

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rou de outras famílias de primatas, marcandoum ponto de ruptura geneticamente irreversí-vel. Se considerarmos o homem tão antigoquanto a data em que deixou de ser possível anossos ancestrais tornar-se qualquer coisa quenão humanos, então deve-se considerar que oHomem teve sua origem, como forma distintivade vida, há cerca de dois a dois e meio milhõesde anos6.

Seria possível datar a idade da humanida-de com precisão ainda maior, identificando-a apartir de algum traço anatômico distintivo, oude hábitos e realizações distintivas, tais como obipedismo, a encefalização crescente, o aban-dono da copa das árvores? Poderíamos datar agênese da natureza humana pela realização defeitos como a sociabilidade e o desenvolvimen-to da linguagem, entendida como um código desons transmitindo significados inteligíveis a to-dos os membros de uma comunidade, em opo-sição a um conjunto de exclamações expres-sando emoções?

Uma possibilidade para datar o aconteci-mento da aparição da natureza humana na bios-fera não seria o desenvolvimento de uma ca-racterística anatômica, nem a aquisição de umahabilidade, mas sim o despertar da consciên-cia7. Mas, o que é consciência? Ou seriam “asconsciências”? E então qual delas? Mais espe-cificamente, a Consciência Ampliada de Damá-sio? E qual seria a sua função? Como tal fenô-meno surgiu no cérebro humano: terá elesurgido súbita e inteiramente formado no cére-bro do Homo sapiens, sem nenhum tipo deprecursor na natureza? Quando, na pré-históriahumana, a consciência atingiu o estágio queagora experimentamos? Que vantagens evolu-tivas teria ela conferido aos nossos ancestrais?Há sempre a possibilidade, é claro, de que elanão “sirva” para nada e seja simplesmente umsubproduto de cérebros grandes em ação, comosugere o questionamento de Dennett: “Haveráqualquer coisa que uma entidade conscientepode fazer por si mesma que uma simulaçãoinconsciente (mas habilmente programada)desta entidade não possa fazê-lo?”8. Entretan-to, parece razoável adotar o ponto de vistaevolutivo, que sustenta que um fenômeno men-tal tão poderoso provavelmente conferiu bene-fícios para a sobrevivência e foi, portanto, pro-duto da seleção natural. Se nenhum de taisbenefícios pode ser discernido, então talvez aalternativa “nenhuma função adaptativa” possaser considerada3.

Tentar datar o despertar da consciência émuito difícil, senão audacioso, se supusermosque o mesmo foi um processo gradual que,

embora talvez rápido em termos da escala geo-lógica de tempo, pode ter levado uma eternida-de em termos da escala de tempo da históriahumana registrada (aproximadamente 5.000anos). Certamente a única espécie sobreviven-te do genus homo não é a única variedade dehominídeos a possuir consciência. Acredita-seque o Homem de Neanderthal possuísse ceri-mônias fúnebres, ao invés de tratar os cadáve-res de seus mortos como lixo. Ele parece tersobrevivido até época tão recente quanto a tran-sição da Idade Paleolítica Inferior para a Supe-rior, talvez há uns setenta ou quarenta mil anos.Há até indícios de que havia comunidades mis-tas de Neandertalenses e Sapientes e, se issoexistiu realmente, parece provável que essesdois tipos de seres humanos tenham sido fisi-camente semelhantes o bastante para poderemacasalar-se. Todavia, o Homem de Pequim(Homo erectus da China), cuja data é estimadaem cerca de meio milhão de anos, tem de serconsiderado como uma espécie diferente; e, seé verdade que o Homem de Pequim já haviadominado o fogo, sua consciência deve ter sidobem desenvolvida. Também deve ter sido ne-cessária uma centelha de consciência para pen-sar em lascar pedras, em lugar de usar apenas,como ferramentas, objetos naturais não modifi-cados. A confecção de ferramentas com pedraslascadas é atribuída ao australopithecus, cujadata é estimada em cerca de dois a três mi-lhões de anos, classificado como hominídeo,mas não como homo. E tampouco há certezaquanto ao fato de ele ser ou não ancestral dohomo. Registros não-intencionais, sob a formade ferramentas modeladas, são tão antigosquanto o australopithecus; mas os registrosmais antigos, feitos com a intenção de servircomo tais, têm apenas cerca de 20.000 ou30.000 anos de idade, caso as pinturas nasparedes das cavernas na França e na Espanha,datando da Idade Paleolítica Superior, sejamos mais antigos registros intencionais de todosos tempos.

A evidência arqueológica pré-documentá-ria informa acerca da tecnologia, mas a tecno-logia é apenas uma condição que possibilitainferir os constituintes não-materiais do modode vida do Homem: seus sentimentos e pensa-mentos, suas instituições idéias e ideais. Essassão manifestações da natureza humana maisimportantes do que a tecnologia; uma das ca-racterísticas mais distintivas do Homem é o fatode que ele não vive apenas de pão, e emboraos restos materiais da tecnologia realmente lan-cem luz sobre algumas das facetas não-mate-riais da vida humana, essa luz é pouca. Inferên-

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cias do que é material para o que é mental são,em algum grau, tiros no escuro, e, quando aevidência material é tudo o que temos, deixaalguns aspectos da vida mental envoltos emainda muita obscuridade. Dessa forma, nossasinformações são muito mais copiosas e escla-recedoras em relação aos últimos 5.000 anosde história do que em relação ao primeiro mi-lhão ou meio milhão de anos depois do desper-tar da consciência. Contudo, um fenômeno pro-vavelmente fundamental na evolução docérebro, que permitiu a consciência ampliadacomo a reconhecemos em nós mesmos, é re-lativamente conhecido: a neotenia.

A NEOTENIA

Blanc10, escreve:“S.J.Gould lembrou corretamente, em 1977,em um importante livro, Ontogeny andPhylogeny , que o homem difere do chim-panzé por um forte retardamento em seudesenvolvimento. Com efeito, é preciso sa-ber que o homem e o chimpanzé passampelas mesmas etapas durante o desenvol-vimento pós-natal, e um feto de chimpanzélembra bastante um feto humano. Após onascimento, o bebê chimpanzé evoca ain-da fortemente o bebê humano. Porém, con-seqüentemente, as diferenças morfológicastornam-se importantes, e um chimpanzéadulto lembra apenas remotamente um serhumano... Os biólogos empregam o termoneotenia para designar este fenômeno defetalização , ou mais exatamente de juve-nilização . Outros exemplos de neoteniasão conhecidos no reino animal... no ho-mem ela fixou-se definitivamente no patri-mônio genético da espécie... De fato, éprovável que o surgimento do homohabilis...tivesse correspondido a uma mu-tação dos genes de regulação do desen-volvimento, que teve como efeito retardarconsideravelmente a totalidade do desen-volvimento pré e pós-natal. Podemos com-parar sua importância comparando o ho-mem atual e o chimpanzé. A ossificação norecém-nascido humano está muito atrasa-da em relação à observada no bebêchimpanzé(os dedos e as extremidadesdos ossos são ainda cartilaginosos no nas-cimento). O bebê humano começa a andar

por volta dos 10-12 meses, enquanto que obebê chimpanzé começa a mover-se por simesmo em torno dos 6. O pequeno huma-no ganha seus primeiros dentes apenasentre 6 e 24 meses, contra 3 e 13 meses nochimpanzé. A idade da puberdade é atingi-da aos 13 anos na espécie humana, contra9 no chimpanzé. O período de crescimentonão pára antes dos 20 anos no homem,contra 11 no chimpanzé. (Este último temuma estimativa de vida mais ou menos de45 anos, contra 75 anos para o homematual.) Uma outra diferença capital entre odesenvolvimento do homem atual e o dochimpanzé diz respeito à velocidade decrescimento do cérebro: no recém-nascidohumano, o cérebro representa apenas 23%do peso que atingirá na idade adulta, con-tra 40% no recém-nascido chimpanzé. Emoutros termos, o cérebro continua a crescerapós o nascimento, em proporções bemmais consideráveis no homem que no chim-panzé. De onde um volume cerebral médiona idade adulta de 1350 cm3 no primeiro,contra 400 cm3 no segundo... O ser huma-no apresenta em sua morfologia toda umasérie de caracteres, ditos neotênicos, pró-prios dos estágios precoces do desenvolvi-mento do chimpanzé: o pêlo não é umacaracterística do feto do chimpanzé(esteadquire sua pelagem apenas nos últimosmomentos da gestação); a orientação dogrande artelho paralelo aos outros dedosdo pé é um estágio fetal precoce de todosos primatas(no final do desenvolvimentopré-natal, o polegar do pé ou da mão so-freu, em todos os macacos, uma rotação,para tornar-se oposicionável aos dedos epermitir preensão); a ausência de proemi-nências ósseas acima das órbitas, a frágilespessura dos ossos são também caracte-res de fetos de macaco, etc. Podemos, as-sim, chegar a fazer uma lista que compre-ende duas dezenas de caracteresneotênicos no homem10.

Dentre as muitas listagens feitas por diver-sos autores, citadas por Gould11, destaca-se ade Montagu, que salienta o prolongado períodode dependência infantil como um destes carac-teres neotênicos. As imagens seguintes sãotambém ilustrativas:

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As repercussões da neotenia sobre a con-dição humana são mais especificadas porGould e outros autores citados por ele:

“Este retardamento reagiu sinergisticamen-te com outros marcos da hominização –com a inteligência (através de aumentar océrebro pelo prolongamento de tendênciasde crescimento fetais e por prover um pe-ríodo mais longo de aprendizado infantil) ecom a socialização (através de cimentar asunidades familiares pelo cuidado parentalaumentado da prole de maturaçãolenta)...O prêmio adaptativo assim coloca-do no aprendizado (em oposição à respos-ta inata) é único entre os organismos... Ohomem é programado para aprender com-portamentos, mais do que reagir via umcódigo instintual determinante impresso...A correlação da maturação com a perda deplasticidade (mental tanto quanto física) foihá muito reconhecida... Konrad Lorenz emparticular tem repetidamente enfatizado ocaráter persistentemente ‘juvenil’ de nossaflexibilidade comportamental... a ‘neoteniacomportamental’ é apenas uma outra con-seqüência do retardamento desenvolvi-mental que permitiu nossa neotenia morfo-lógica: ‘o caráter constitutivo do homem – amanutenção de uma interação ativa, criati-va, com o ambiente – é um fenômeno neo-tênico... ampliado para persistir até a seni-lidade’” 11.

Ou seja, a prematuridade, este fato básicoda natureza humana, não ocorre somente noinício da vida como se acreditava quando sepensava que o fator biológico fosse um nasci-mento precoce fruto da aquisição da bipedes-tração, mas é persistente por toda a vida doindivíduo até a senilidade. Poderíamos preferirpensar que a percepção do estado de desam-

paro decorrente da imaturidade pertence so-mente ao início da vida, mas aí estaríamos emdificuldades para entender a difusão de muitasproduções da civilização, especialmente o ape-lo das teorias místicas, religiões, terapias devidas passadas por exemplo, que visam a ne-gar a maior impotência de todas que é a quesentimos diante da consciência da morte.

HIPÓTESES ATUAIS SOBRE ANATUREZA DA CONSCIÊNCIA

Em nossa opinião, as proposições de Antô-nio Damásio, embora não totalmente originais,representam um marco na compreensão daquestão da consciência. Tanto pela clareza desuas proposições, quanto pelo raciocínio de-senvolvido a partir de evidências obtidas depacientes com alterações cerebrais específicasem correlação com as alterações observadasou não nestes mesmos pacientes, fornecendouma base mais firme para a construção de hipó-teses, a compreensão do fenômeno da cons-ciência certamente deverá muito a ele.

Apresentaremos aqui um esboço básico dealgumas de suas hipóteses, já intercalando-ascom alguns acréscimos de outros autores:

Damásio propõe uma distinção fundamen-tal entre consciência central e consciência am-pliada. A consciência central corresponderia,como mencionado acima, na sensação de seralguém, um self, que existe e está vivenciandoo momento atual. Esta consciência central pres-cindiria do que entendemos como o mais sofis-ticado de nosso cérebro, da maior parte dacórtex (na verdade quase toda a neocórtex podeestar gravemente lesada e um paciente mantera consciência central, mesmo que não saiba opróprio nome). Esta consciência central neces-sitaria basicamente de estruturas localizadasno tronco cerebral e do giro do cíngulo, áreasbastante antigas e primitivas do ponto de vistafilogenético e presentes na maioria dos mamí-feros, o que o leva a supor que estes animaispossuam algo semelhante a esta “sensação deexistir”.

As estruturas neuroanatômicas necessá-rias à consciência central são estrururas rela-cionadas aos mecanismos homeostáticos bási-cos, levando Damásio a cogitar que a naturezaessencial da consciência seja a de um meca-nismo homeostático, auto-regulador, de feed-back. Ele propõe que para esta consciênciacentral sejam necessários três mapas neurais.Um mapa é um grupo de neurônios que guardauma correlação constante com um tipo de estí-mulo, seja uma região do corpo, um tipo especí-

Fig. 61. Baby and adult chimpanzeefrom Naef, 1926b. Naef remarks: “Of allanimal pictures known to me, this is themost manlike” (p. 448).

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fico de percepção nesta região (por exemplo, asensação proprioceptiva do interior da articula-ção do joelho) . O primeiro mapa seria o mapado self corporal, que ele chama de protoself. Osegundo seria o chamado mapa do objeto, da-quilo reconhecido como não-self. O terceiromapa seria um mapa destinado a registrar asmudanças no protoself ocasionadas pela rela-ção com os objetos, com o ambiente, em temporeal (escaneamento total realizado a cada apro-ximados 13 milissegundos, como veremosadiante).

Neste ponto da teorização de Damásio, cre-mos importante intercalá-la com a do neuroci-entista Llinas, que, baseado em uma boa gamade evidências de registros cerebrais correlacio-nados com tomadas de decisões e ações, pro-põe, e é respaldado por diversos colegas ilus-tres, que o cérebro funcione como um “sistemafechado”. Llinas12 argumenta que o cérebro temum funcionamento eminentemente antecipató-rio, autoativado, relativamente independente doambiente, trabalhando mais e antes com asexpectativas que gera sobre o ambiente a partirdos registros mnêmicos prévios do que com aspercepções imediatas. Essas percepções teri-am um caráter mais corretivo do que causalcom relação ao comportamento. Isto se dariaem função da velocidade muito maior que estefuncionamento antecipatório permitiria. Quan-do os inputs perceptuais divergem da antecipa-ção, o que sempre ocorre em alguma medida,este fato desperta os mecanismos atencionais,a divergência “chama a atenção”, e desperta aconsciência, que seria um mecanismo bastantemais lento que o processamento cerebral usuale posterior a este. A consciência faria uma revi-são secundária, embora imediata, do processomental utilizado na produção das antecipações,para verificar qual o erro ou afinamento neces-sário para gerar antecipações mais perfeitas.Llinas e outros chegam a descrever o estado deconsciência na vigília como um “sonho modifi-cado pelos inputs sensoriais e pelos outputsmotores”12. Embora tenhamos a impressão deque a consciência é o que precede a tomada dedecisão, ela na verdade seria um produto dedecisões já tomadas e implantadas inconscien-temente pelo cérebro. Esta concepção se apro-xima muito da ênfase da psicanálise das últi-mas décadas no mundo interno como essencialpara a compreensão do comportamento huma-no.

Muitos autores têm ressaltado que váriasdescobertas recentes com relação à consciên-cia são contra-intuitivas, diferentes da impres-são que tendemos a ter usualmente. Uma delas

é a tendência que temos a sempre pensar que aconsciência é “outra coisa” além dos processosneurais que estamos descrevendo, que estesprocessos “causam” a consciência, e não “são”a consciência13. Churchland assinala este errono pensamento do importante neurofilósofoJohn Searle, comparando com concepções lei-gas como a de que o movimento dos elétronsnum condutor “causa” a eletricidade e não queeste movimento “é” a própria eletricidade. Estaforma de pensar retoma disfarçadamente o du-alismo mente-corpo cartesiano14.

Voltando às antecipações geradas pelo cé-rebro constantemente, a antecipação funda-mental para a consciência central seria a dacontinuidade inalterada do protoself corporal,ou seja, da homeostase, e as alterações ocasi-onadas no protoself corporal pela relação como ambiente necessitariam receber atenção paradespertar o mecanismo de revisão secundáriada consciência, que buscaria em última análiseretomar a homeostase ou impedir um maiordesequilíbrio.

Obviamente que a consciência ampliada,aquela que incluiria tudo o que Damásio chamade self autobiográfico, portanto com toda a so-fisticação que estamos acostumados a reco-nhecer, pode projetar ações de manutenção dahomeostase a longo prazo, que incluam no cur-to prazo até mesmo um desequilíbrio maior des-ta mesma homeostase, o que Freud chamariade uma vitória do princípio de realidade sobre oprincípio do prazer.

Neurocientistas como Olds e Deacon12 ar-gumentam que, neste modelo, a consciênciaauto-reflexiva re-representa simbolicamente osdados obtidos via percepções, assim tornando-os independentes de sua fonte. Assim se criauma “cena virtual” (vide também adiante “o pro-blema do enlace”). A comparação é feita comuma videocâmera. Se não há memória(ou fita)na câmera, só temos uma imagem fugidia. Sehá memória, seja fita ou digital, então a cenapode ser recuperada independente do ambien-te que a gerou, ser manipulada, editada. Se porum lado isto aumenta imensamente o que sepode fazer com estes dados, também abre ocaminho para as distorções, as defesas, asreconstruções. Solms lembra que Freud propu-nha, em 1917, que

“a psicanálise propõe que a atividade men-tal é inconsciente em si mesma. Isso impli-ca que a consciência não é somente umaparte da atividades mental: ao invés disso,ela é um reflexo da atividade mental ouuma percepção da atividade mental que é,

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ela mesma, inconsciente. Assim, a ativida-de mental não consiste numa corrente cau-sal em que alguns de seus elos são cons-cientes e outros não. A proposta é que aatividade mental consiste numa correntecausal que é inconsciente em sua essênciae que a consciência representa este pro-cesso de forma ‘incompleta e não-confiá-vel’ ”.15

Edmund Rolls5, neurocientista de Oxford,propõe que esta revisão secundária, a que elechama de “pensamentos de segunda ordem”, jáno domínio da consciência ampliada, teria avantagem de permitir uma correção de partesdo processo mental, libertando-o da “tentativa eerro”, na qual se o resultado final de algumaestratégia comportamental é indesejável esta-mos condenados a descartá-lo integralmente etentar outro, algo como “jogar fora o bebê juntocom a água do banho”. Neste processo sofisti-cado da consciência ampliada, a linguagemjoga um papel fundamental, potencializandoenormemente a capacidade de revisão e a so-fisticação das antecipações. Linguagem aqui éentendida como a capacidade de articulação deimagens e símbolos, não necessariamente ver-bais. Neste enfoque a linguagem tem uma parti-cipação importante na consciência ampliada,mas não é essencial para a consciência central.

O PROBLEMA DA INTEGRAÇÃOOU DO ENLACE

Durante um passeio ao ar livre, nossossentidos vão sendo ocupados por variados estí-mulos: nosso campo visual é preenchido porcarros, árvores, casas, outras pessoas, animais– cada um com sua forma específica, sua corespecífica e específica posição no campo visu-al. Alguns objetos podem estar em movimento,emitir sons ou cheiros. Além disso, esses obje-tos podem estar relacionados a outros por es-pecíficas e significativas vias, e nós podemosatribuir um conceito e um nome a cada umdeles, sendo que o número de objetos e situa-ções que podemos perceber é praticamenteinfinito. Obviamente não pode haver um tipo deneurônio que corresponda a cada objeto, poisnecessitaríamos de um cérebro gigantesco.Tampouco pode haver mapas compostos deredes de neurônios que funcionem com o fim dereconhecer cada objeto ou situação, pois issoexigiria um cérebro de dimensão enciclopédica.Na verdade, há um número enorme, porém fini-to, de neurônios que avaliam as característicasde cada objeto. Cada conjunto de neurônios

especializado em analisar atributos distintos decada objeto – no caso das imagens visuaissabemos que há analisadores para forma, cor,movimento, contraste e profundidade entre ou-tros – encontra-se localizado em áreas distintasdo cérebro, razão pela qual deve haver ummecanismo que enlace temporalmente a ativi-dade de todos eles, de maneira que a percep-ção possa ser experimentada como uma unida-de perceptual unificada. Contudo, em que pesetoda esta extraordinária riqueza e diversidade,aquilo que estamos vivenciando em um mo-mento qualquer é uma singular cena conscien-te unificada, uma cena que é significativa ape-nas como um todo e que, enquanto está sendovivenciada, não pode ser dividida em seus com-ponentes independentes. Momento a momen-to, a cena, todavia, muda continuamente en-quanto acontece o passeio.

Parece que o “truque” que o cérebro utilizapara compor uma cena singular, coerente eunificada a partir da fragmentação intracerebralda realidade externa é o disparo simultâneo,correlacionado em um instante, de todos osneurônios implicados na análise dos atributosde cada objeto particular. Portanto, ver um ob-jeto implica a ativação de vários neurônios emdiferentes localizações do sistema visual demaneira correlacionada. O problema do enlace,do ponto de vista neurobiológico, é entendercomo esses neurônios se ativam temporalmen-te de maneira síncrona, particularmente quan-do mais de um objeto ou evento pode ser perce-bido simultaneamente. Ou então, comoquestiona Gerald Edelman16: “Como um conjun-to de diversos mapas funcionalmente separa-dos, podem estar ligados sem um mecanismocontrolador de ordem superior?”

Uma abordagem possível para solucionar oproblema, no caso da visão, foi proposta porvários pesquisadores, principalmente por WolfSinger e seus colegas17, em Frankfurt, median-te experimentos realizados em gatos. Estes ci-entistas registraram oscilações periódicas nocórtex visual, que tem uma freqüência média aoredor de 40 ciclos por segundo, isto é, 40 Hz.Lembremos que os disparos de cada neurônio,quando se apresenta um objeto no campo visu-al, são potenciais de ação ou impulsos nervo-sos “tudo ou nada”. Estes disparos são registra-dos com microeletrodos extracelulares muitofinos, que têm uma extremidade de poucas mi-cra. A soma dos campos elétricos produzidospor cada potencial de ação origina um potencialmacroscópico que pode ser registrado com umeletrodo maior nas vizinhanças dos neurôniosque disparam, gerando um potencial de campo

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local que oscila a 40 Hz e representa a ativida-de média dos neurônios que disparam na vizi-nhança do eletrodo. Se são utilizados dois ele-trodos separados um do outro por uma distânciade alguns milímetros, Singer e colaboradoresconstataram que os disparos registrados porcada um dos eletrodos estão correlacionados eem fase com a oscilação de 40 Hz, o que signi-fica que os neurônios que se encontram locali-zados em distintas áreas do córtex visual res-pondem ao objeto percebido disparandopotenciais de ação simultaneamente. Para es-tes neurocientistas, as oscilações de 40 Hz nocórtex visual são a base neural do enlace notempo, por meio de um mecanismo que sincro-niza o disparo de uns neurônios com outros.Francis Crick e seu colega Christof Koch levamesta hipótese um passo à frente e sugeremque, talvez, descargas neuronais nesta ampli-tude (em torno de 40 Hz, mas não tão baixoquanto 35 ou tão alta quanto 75) possam ser o“correlato cerebral” da consciência visual2.

A hipótese é coerente e suscetível de serprovada, mesmo que circunscrita ao sistemavisual, embora deixe pendente o problema decomo e quem sincroniza o disparo dos neurô-nios implicados na percepção de um objeto, osquais se encontram localizados em distintasáreas cerebrais. Uma possível resposta vem deoutra hipótese que engloba as anteriores e dealgumas observações que começam a susten-tá-la: R. Llinás e seu grupo consideram que océrebro é um sistema fechado capaz de gerarseus próprios ritmos baseado nas propriedadeselétricas intrínsecas dos neurônios que o com-põem, assim como de suas conexões18.

A primeira observação relevante neste con-texto é que os neurônios em qualquer parte docórtex cerebral são capazes de oscilar a 40 Hz,devido as suas propriedades elétricas intrínse-cas. A segunda observação crucial foi realizadapor meio da técnica de Magnetoencefalografia(MEG), que permite registrar os pequenos cam-pos magnéticos que são produzidos pelas cor-rentes dos neurônios ativados em diferentesáreas do cérebro, através de 37 sensores mag-néticos dispostos ao redor da cabeça de umindivíduo. Com esta técnica, tem-se observadoque, durante a execução de atos cognitivos,durante a estimulação sensorial ou durante osonhar, apresenta-se uma atividade oscilatóriacoerente em todas as áreas do córtex cerebral,com uma freqüência de 40 Hz, o que sugere aexistência de uma causa comum, um sistemasincronizador cortical. Uma vez que todo o cór-tex cerebral conecta-se com o tálamo de ma-neira recíproca, tem sido postulado que as osci-

lações podem sincronizar-se por interações si-nápticas recíprocas entre os núcleos intralami-nares do tálamo e as diferentes áreas do cór-tex. De fato, os neurônios talâmicos tambémmostram as oscilações de 40 Hz, e os núcleosintralaminares formam anatomicamente umaespécie de meia lua que recebe e emite cone-xões de e para todo o córtex cerebral, formandouma espécie de leque fronto-caudal.

Ainda mais interessante é o que revelam osestudos com MEG, mostrando que a oscilaçãode 40 Hz é gerada nas regiões corticais frontaise logo nas caudais, isto é, as oscilações sedefasam rostrocaudalmente, de tal maneira queo cérebro se comporta como se tivesse umsistema de escaneamento que recorre todo ocórtex cerebral em direção rostro-caudal, enla-çando toda a informação sensorial em interva-los de 12,5 milisegundos. Todo esse processoé discreto, descontínuo e, no entanto, percebe-mos o mundo externo de maneira unificada,como um continuum no tempo. Isto significaque as imagens se criam uma após a outra tãorápido que as percebemos tal como sucedecom uma projeção cinematográfica. Ou seja: osestímulos procedentes de todos os sentidos seenlaçam, não em um lugar no cérebro, já quenão existe um observador interno e nem umatela para projeção, mas, sim, no tempo, que édeterminado pela freqüência de escaneamentoe pelas propriedades elétricas intrínsecas dosneurônios. O surpreendente é que este valor(12,5 ms.) corresponde ao “Quantum de Cons-ciência” estimado a partir de estudos psicofísi-cos da via auditiva19, que é a via sensorial quepossui o maior poder discriminatório entre doisestímulos aplicados em seqüência temporal, ou

Esquema que representa o leque de conexões recíprocas entre osnúcleos intralaminares do tálamo e distintas áreas do córtex cerebral.

As vias corticotalâmicas se representam com linhas interrompidas.

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seja, os estímulos devem estar separados umdo outro por um intervalo de tempo de 12,5 ms.e não inferior, para que sejam percebidos comodois estímulos.

Outra tentativa de explicação vem de Ge-rald Edelman. Médico, foi o primeiro cientista adeterminar a fórmula completa de um anticorpo.Seus estudos levaram ao entendimento de quea formação de anticorpos é presidida pelosmesmos princípios da seleção natural. Seustrabalhos no campo da imunologia renderam-lhe o Prêmio Nobel de Medicina em 1972. Maistarde, Edelman e seu grupo no Instituto de Neu-rociências da Universidade de Rockefeller pas-saram a estudar o sistema nervoso para ver setambém este era um sistema selecional e sesua estrutura e modo de funcionamento poderiaser compreendida como envolvendo ou emer-gindo por um processo similar de seleção. Des-ses estudos, resultou uma teoria biológica damente, baseada nos princípios da Seleção Na-tural de Darwin, denominada Darwinismo Neu-ronal ou Teoria da Seleção de Grupos Neuro-nais (TNGS, em inglês)2,16. Essencialmente,Edelman desenvolveu seu modelo como ummeio de explicar que nenhum programa de ins-truções genéticas pode dar conta de todas aspossíveis respostas às situações ambientaisque um animal está sujeito a encontrar e que,não obstante nossas experiências com o mun-do externo serem unificadas, não existe umalocalização anatômica onde a unificação é com-pletada.

Sucintamente, a TNGS postula que desdeo nascimento o cérebro é geneticamente equi-pado com uma quantidade excessiva de gruposneuronais, que o faz se desenvolver através deum mecanismo que se assemelha à SeleçãoNatural. Alguns grupos neuronais morrem; ou-tros são fortalecidos e sobrevivem. Em algumaspartes do cérebro, praticamente 70% dos neu-rônios morrem antes do cérebro alcançar a ma-turidade2.

De acordo com a TNGS, a unidade de sele-ção não é a célula nervosa, mas sim a coleçãode células intensamente conectadas, chama-das Grupo Neuronal, que podem ter algumasdezenas ou centenas de milhares de células, ecujo desenvolvimento ocorre em duas etapas.A seleção desenvolvimental dá-se antes donascimento. As instruções genéticas de cadaorganismo determinam o desenvolvimento neu-ronal sem, no entanto, especificar o destinoexato para cada célula nervosa na migraçãoque ocorre durante o desenvolvimento embrião-feto-bebê, sendo que existe uma quase infinitavariação de caminhos pelos quais esses neurô-

nios e sinapses podem tornar-se funcionalmen-te organizados em redes neurais. A segundaetapa é a seleção experiencial: sobrepondo-seao período pós-natal inicial e continuando portoda a vida, a experiência esculpe os caminhosfuncionais neurais a partir da disposição anatô-mica primitiva12. Os caminhos então utilizadosdurante a experiência são selecionados pelofortalecimento das conexões sinápticas entregrupos neuronais ou pela criação de novas co-nexões. Aquelas conexões não utilizadas sãoenfraquecidas e degeneram.

O terceiro postulado é a reentrada, um pro-cesso através do qual sinais paralelos transi-tam reciprocamente entre os grupos de neurô-nios. A TNGS usa a reentrada como ummecanismo chave para explicar como ocorre oenlace (unificação de percepções e comporta-mento), a despeito do fato de não haver umprocessador central ou um detalhado conjuntode instruções coordenando áreas cerebrais fun-cionalmente separadas20. A sincronização daatividade neuronal possibilitada pela reentradahabilita rápidas alterações na atividade de gran-des populações de grupos neuronais. Comoresultado, neurônios desses grupos disparamao mesmo tempo, correlacionando um grandenúmero de circuitos dinâmicos no tempo e noespaço.

Segundo Edelman, este princípio de enla-ce, tornado possível pela reentrada, é repetidoem muitos níveis da organização cerebral ejoga um papel central nos mecanismos quelevam à consciência.

CONSCIÊNCIA E MEMÓRIA

Para falarmos da relação das funções daconsciência com a memória, inicialmente con-ceituaremos as memórias com as quais iremostrabalhar para fins deste texto.

Sistemas de memória de longo prazo

A Memória Declarativa (ou Explícita) é todaaquela memória que podemos lembrar, atravésde uma evocação. É a memória para fatos,eventos e conhecimentos. A localização no cé-rebro compreende principalmente hipocampo ecórtex temporal medial. Divide-se em episódica(fatos e eventos aos quais assistimos ou parti-cipamos; portanto, é autobiográfica) e semânti-ca (de conhecimento dos idiomas, conhecimen-tos adquir idos por meio de estudo eaprendizado, de índole geral, não autobiográfi-ca). É em princípio acessível à consciência.

A Memória Procedural (ou Implícita) com-

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preende a memória de procedimentos, hábitose habilidades, mas não apenas motores comoantes se acreditava. Funções cognitivas com-plexas e subjetivas, como padrões morais, utili-zadas no juízo de valor, podem fazer parte damemória implícita, e a sua existência só é de-preendida através da observação do procederdo indivíduo. Esta tem no estriado uma estrutu-ra chave. Compreende também a memória liga-da à musculatura esquelética (localizada nocerebelo).O núcleo caudato inervado pela subs-tância nigra é um circuito importante envolvidona memória implícita. É inconsciente21,22,23

Anatomia da memória episódica

As estruturas que são as mais importantespara a memória episódica são muito diferentesdas que servem à memória procedural e se-mântica. A memória episódica envolve ativaçãoconsciente de padrões estocados de conectivi-dade cortical (i.e., redes sinápticas facilitadas)representando eventos perceptuais prévios. Osdiretórios de tais links entre os padrões corti-cais estocados e vários estados do SELF pare-cem ser codificados, acima de tudo, através dohipocampo.

É um problema de grande importância parao entendimento da memória episódica que arede de estruturas que compreende o sistemalímbico foi primeiro identificada não em cone-xão com as funções da memória, mas ao invésdisto, em conexão com a emoção. Isto sublinhaa importância do fato de que a memória episó-dica não é simplesmente estocada, mas, maisdo que isto, vivenciada. A essência da memóriaepisódica é que ela é CONSCIENTE, e a essên-cia dos estados auto-gerados de consciência éque eles são intrinsecamente EMOCIONAIS.Este é o motivo pelo qual nós dizemos que aconsciência é tanto o mensageiro como a men-sagem da memória episódica: nós recobramoseventos de forma episódica para lembrar comoé senti-los.23

Memória episódica e consciência

Memória episódica envolve a literal re-ex-periência de eventos passados – o trazer à tonaa consciência de episódios experienciais prévi-os. Isto é o que a maioria de nós entende comomemória propriamente dita. Quando dizemos“eu lembro...(algo),” nós estamos falando damemória episódica. O sistema de memória epi-sódica “nos permite explicitamente rememorarincidentes pessoais que definem as nossas vi-das de maneira única”. A ênfase aqui reside

nos fatos de que essas memórias são intrinse-camente subjetivas e que elas são intrinseca-mente conscientes.

Por que deveriam as nossas memórias deeventos de vida pessoais necessariamente serconscientes? Aqui reside um problema funda-mental. Estas memórias são conscientes por-que elas envolvem o reviver de momentos deexperiências passadas. Sabemos que estesmomentos de experiência são encontros mo-mentâneos de estados do self com eventosocorrentes no mundo externo – e nós sabemosque a consciência (ou consciência central) étanto o mensageiro quanto a mensagem destesencontros. A memória episódica, então, consti-tui o tecido essencial do self autobiográfico. Aconsciência ampliada é assim denominada pre-cisamente porque amplia a qualidade de cons-ciência vivenciada no passado sobre os encon-tros self – objeto. Ela envolve o reviver demomentos passados ( ou “unidades” self-objetopassadas) de consciência central23.

Mas será que o conhecimento autobiográfi-co é necessariamente consciente? Os psicote-rapeutas rotineiramente relatam que seus pa-cientes “recuperam” memórias de eventosvividos dos quais estes eram previamente nãoconscientes. Será que estas memórias não es-tavam previamente codificadas como episó-dios? Elas existiam previamente como crençassemânticas e hábitos procedurais? Se isto forverdade, todas as assim chamadas memóriasrecuperadas serão de fato memórias reconstru-ídas, no sentido de que elas serão feitas dematerial cru que não era, em si, “episódico”. Poroutro lado, parecerá plausível que um episódiopessoal possa deixar um traço neural (uma co-nexão self – mundo externo) que liga duas re-presentações verídicas (um estado do self comeventos ocorrentes no mundo externo) e só setorna consciente uma vez que a ligação (comoopondo-se às representações propriamente di-tas) é ativada novamente. E mais, é questioná-vel se um estado do self pode ser representadosem necessariamente ser reativado. Em outraspalavras, os estados do self devem ser intrinse-camente conscientes (Não podemos dizer quelembramos sem simultaneamente sermos). Osentido de self parece ser necessariamenteconsciente (Eu estava lá, aquilo ocorreu comi-go). Isto implica que, apesar dos eventos exter-nos poderem ser codificados inconscientemen-te no cérebro (como semântico, perceptual, outraços procedurais), o vivenciar episódico des-tes eventos aparentemente NÃO PODE. Expe-riências não são meros traços de estímulos

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passados. Experiências têm de ser vividas. É orevivenciar do evento como uma experiência(Eu lembro...) que necessariamente a tornaconsciente. E é o sentido do self (de estar aqui)que combina os traços dentro de uma experiên-cia. É o self que liga nossas representaçõesfragmentadas do mundo externo para unificaras experiências vividas. A ligação no encontroself-mundo externo é, em última análise, o pró-prio SELF.

Isto nós aparentemente redescobrimos deum ponto de vista neurocientífico, o fato óbviode que aquilo que sentimos sobre nossas expe-riências é o que faz elas serem suscetíveis àrepressão. Mesmo que façamos uma recorda-ção perfeita do ponto de vista semântico, per-ceptual ou procedural, os múltiplos traços exte-roceptivos de um evento têm de ser trazidos devolta a uma conexão existente com e por meiodo SELF sensível , que vai sentir se o eventoserá conscientemente revivido (isto é, rememo-rado de forma episódica). Nada que impeçaestas conexões pode banir a memória da cons-ciência ampliada.

Tudo isto sugere que, quando os psicotera-peutas falam de memórias inconscientes deeventos pessoais, ao que eles estão se referin-do realmente é a algo que as memórias estoca-das dos eventos em questão seriam, como seeles pudessem ser re-experienciados. Memó-rias inconscientes dos eventos (memórias epi-sódicas inconscientes) são memórias episódi-cas “como se”. Elas não existem comoexperiências até que sejam reativadas peloSELF corrente. Neste ínterim, elas somenteexistem sob forma de traços semânticos e pro-cedurais (hábitos e crenças).23

Memória procedural e o inconsciente

Uma importante característica da memóriaprocedural é que ela funciona implicitamente. Ocomportamento habitual é executado automati-camente (e portanto inconscientemente) quaseque por definição. À medida que a memóriaprocedural é tornada explícita, ela se transfor-ma em algo mais, é traduzida para a formasemântica ou episódica. Por exemplo, é ampla-mente sabido que a prática de alguns esportespode se desenvolver sem um correspondenteconhecimento explícito de como a pessoa devefazer para jogar. Jogadores experientes (tênis,p. ex.) descrevem seus momentos de augequando, em uma situação de completa auto-maticidade na qual eles não pensam conscien-temente em como executar o golpe e a raqueteparece ser simplesmente uma extensão do seu

corpo, criam jogadas inesperadas.Tipicamente, memórias procedurais vão

estar associadas com memórias semânticas ememórias episódicas. Isto significa que a mes-ma experiência será codificada de diversasmaneiras simultaneamente – como um set deepisódios experimentais, como um set de fatosabstratos e como um set de respostas habi-tuais. Esta é a manifestação da redundância damemória. Como resultado, é bastante possívelque o comportamento de uma pessoa seja de-terminado por influências e eventos dos quais apessoa é totalmente não consciente.

Isto é obviamente relevante para algunsfenômenos com os quais lidamos nas psicote-rapias. Adiciona outra dimensão para o fenô-meno da transferência e sua ligação em relaçãoà memória perceptual. A transferência clara-mente se cerca de aspectos da memória proce-dural. Não se sabe ao certo em que extensãoisto se aplica a outros fenômenos de interessedos psicoterapeutas – tais como as memóriasbodily, que alguns pacientes pós-traumáticospossuem. Além disto, alguns comportamentosemocionais (como reações de medo incons-ciente a estímulos nociceptivos condicionados)certamente se parecem com memórias proce-durais. Talvez a colaboração interdisciplinar fu-tura entre psicoterapeutas e neurocientistaspermita diferenciar mais precisamente os sub-sistemas de memórias “procedurais”.23

CONCLUSÃO

A questão da consciência continua a repre-sentar um desafio ao nosso entendimento; po-rém, nos últimos 3 anos o terreno parece quese tornou menos obscuro. A proposta clara,embasada e receptiva para a inclusão dos acha-dos de outros autores feita por Antônio Damá-sio4, forneceu, ao nosso ver, uma linha mestrapara os desenvolvimentos que estão por vir. Aomesmo tempo, desprendeu-nos de concepçõesanteriores elusivas, como as de que a cons-ciência era simplesmente o produto do cérebrotodo em funcionamento, eximindo-se de buscarsuas especificidades, o que Searle2 caracteri-zou como “resolver um problema através denegar a sua existência”, ou propostas dualistas,que situam a consciência como sempre “algoque está além”, dependente do funcionamentoneural, mas não equivalente a este funciona-mento mesmo, como criticaram Churchland14 eSchwartz13, entre outros.

Este trabalho buscou familiarizar a quemainda não tem maior contato com o tema comalgumas idéias básicas e com alguns autores

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importantes dentro deste tópico. Dominar otema é impossível, já que este nem consta demuitos livros texto recentes de neurociência, ouquando consta é, como no importante ‘Princi-ples of Neural Science’ de Kandel, Schwarz eJessel, de 2000, como um apêndice falando dafutura neurociência do século XXI. Mas, mesmoassim, a bibliografia existente já é vasta e, tal-vez pela não-familiaridade que ainda temos comela, complexa. Porém, desejamos que este tra-balho sirva aos que o lerem, não como umareferência, pois temos suficiente consciênciapara não nutrir tal pretensão, mas como umestímulo para chamar a sua atenção para estetema tão fascinante, do mesmo modo que ocor-reu para nós, coordenador e integrantes dogrupo.

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RESUMO

Após um século da ênfase nos processos men-tais inconscientes dada por Freud, estes se tornaramlargamente aceitos, e, nos últimos anos, na verdadetem se verificado que o maior mistério reside nanatureza da consciência. A distinção entre a cons-ciência no sentido de coma/vigília, no sentido deconsciência moral e no sentido da sensação de exis-tir e estar vivenciando algo, encontrou respaldo nosavanços da neurociência. Esta última acepção, o“sentimento do que acontece” nas palavras de Damá-sio, presente durante o sonhar e ausente em certosestados de vigília como nas crises de ausência, é apropriedade de certos processos mentais que maistem sido alvo de estudo. Evidências recentes suge-rem que tanto a sensação de continuidade da cons-ciência quanto a impressão de que ela preceda atomada de decisão seriam ilusórias. Também a anti-ga crença de que a consciência fosse uma funçãodependente de um funcionamento cortical global temsido questionada. A evolução da consciência a partirdos mecanismos de homeostase, como um feed-back sofisticado dos processos mentais que permitea detecção de erros nas predições realizadas pelocérebro sobre o self e o ambiente, com a possibilida-de de correções em partes do processo mental sem anecessidade de descartá-lo por inteiro, são exemplosdas modernas compreensões sobre este tema, e quetêm importantes implicações para a clínica psicoterá-pica.

Neste trabalho, os autores revisam algumas dasprincipais teorias recentes sobre a consciência, suanatureza, funções, aspectos evolucionistas, relaçãocom a linguagem, com os sistemas de memória ecom a questão da integração dos diferentes inputs eregistros mnêmicos numa cena unificada do self inte-ragindo com o ambiente, salientando que, embora játenhamos alguns desenvolvimentos muito interes-santes, a compreensão do tema ainda está nos seusprimórdios.

Descritores: consciência, evolução, neotenia, inte-gração, memória, neuropsicanálise.

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ABSTRACT

A century after Freud’s emphasis onunconscious mental processes they have becomelargely accepted. In the last years we have come torecognize that the greatest mystery lies on the natureof consciousness. The dist inct ion amongwakefulness, moral conscience and consciousnessin the sense of being experiencing something havefound support on the latest neuroscientific findings. Inthis last sense of ‘the feeling of what happens’, asAntônio Damásio wrote, consciousness is present indreaming and may be absent in certain fully awakestates l ike absence seizures, and that ’s thephenomenon which has been receiving growingattention.

Latest evidences point to the fact that thesensation of continuity as much as the impressionthat consciousness preceedes decision making areillusory. The old belief that consciousness were aglobal cortical function is also being questioned.Evolution of consciousness by differentiation of basichomeostatic mechanisms, as a sort of sophisticatedfeedback system for mental processes that allows formistake detection on brain’s predictions about selfand environment, with the possibility of makingcorrections in parts of the mental process withouthaving to discard it as a whole, are examples of

modern comprehensions on this issue that bearimplications to psychotherapeutic practice.

In this article the authors review some of themain recent theories on consciousness, its nature,functions, evolutionary aspects, its relation tolanguage, memory systems and to the ‘bindingproblem’ of reconciling various inputs and mnemictraits within a unified scene of the self interacting withthe environment, emphasizing that, although thereare already exciting developments, understanding ofconsciousness is still in its beginnings.

Keywords: consciousness, evolution, neoteny,integration, memory, neuro-psychoanalysis

Title: Consciousness: some current conceptions onits nature, function and neuroanatomic basis

Endereço para correspondência:Maurício Marx e SilvaRua Mostardeiro, 333, conj. 51490430-001 – Porto Alegre – RS – BrasilE-mail: [email protected]

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