A CONSPIRAÇÃO DA SOLIDARIEDADE: ANISTIA … · outros, o que nos leva a acreditar que a teoria...

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1 UNIVERSIDADE METODISTA DE PIRACICABA FACULDADE DE DIREITO PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO MESTRADO EM DIREITO A CONSPIRAÇÃO DA SOLIDARIEDADE: ANISTIA INTERNACIONAL E A LUTA PELOS DIREITOS HUMANOS NO BRASIL. MAURÍCIO DE ANDRADE PIRACICABA/SP 2007

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UNIVERSIDADE METODISTA DE PIRACICABA

FACULDADE DE DIREITO PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO

MESTRADO EM DIREITO

A CONSPIRAÇÃO DA SOLIDARIEDADE: ANISTIA INTERNACIONAL E A LUTA PELOS

DIREITOS HUMANOS NO BRASIL.

MAURÍCIO DE ANDRADE

PIRACICABA/SP 2007

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A CONSPIRAÇÃO DA SOLIDARIEDADE: ANISTIA INTERNACIONAL E A LUTA PELOS

DIREITOS HUMANOS NO BRASIL

MAURÍCIO DE ANDRADE ORIENTADOR: PROF. DR. EVERALDO TADEU QUILICI GONZALEZ

Dissertação apresentada à Banca

Examinadora do Programa de Pós

Graduação em Direito da

Faculdade de Direito - UNIMEP como exigência parcial para obtenção do título de Mestre em

Direito. Área de Concentração:

Filosofia e História das Idéias Jurídicas.

PIRACICABA – SP FEVEREIRO - 2007

3

“O que afeta diretamente uma pessoa, afeta a todos indiretamente.” Martin Luther King

“Um ser humano tem o direito de viver com dignidade, igualdade e

segurança. Não pode haver segurança sem uma paz verdadeira, e a

paz precisa ser construída sobre a base firme dos Direitos Humanos”. Sérgio Vieira de Mello

4

BANCA EXAMINADORA

Prof. Dr. Everaldo Tadeu Quilici Gonzalez

___________________________________

___________________________________

AGRADECIMENTOS

5

A CAPES – Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior,

pelo financiamento da pesquisa.

Ao Prof. Dr. Everaldo Tadeu Quilici Gonzalez, pela orientação, dedicação e

paciência durante o desenvolvimento do trabalho, cujos atributos ajudaram na

pesquisa e na elaboração da presente dissertação.

Ao Prof. Dr. Cassiano Ricardo Martines Bovo, pela valiosa colaboração no

fornecimento de dados, bibliografias e contatos realizados com membros da Anistia

Internacional.

Aos colegas e professores do curso de mestrado em Direito da Universidade

Metodista de Piracicaba, pelos ensinamentos, cooperação e amizade surgidos ao

longo da convivência.

Aos funcionários da Universidade Metodista de Piracicaba, pelo apoio e

gentileza sempre que solicitados.

A minha família, em especial a minha mãe, Sra. Marizia e minha irmã, Maria

Letícia, e também aos amigos Frederico, Eduardo Leite, Yolanda, Renato, Dr.

Gustavo, entre muitos outros, pelo incentivo, apoio e compreensão nos momentos

difíceis dessa longa jornada.

Aos amigos do Setor de Telecomunicações da Delegacia Seccional de Polícia

de Rio Claro, pela valiosa ajuda prestada durante o curso.

Aos amigos “virtuais” Mary La Rosa, Marcelo Freire, Thais Veras e Renata

Soares Pessoa, pelas informações fornecidas, as quais contribuíram na elaboração

do trabalho.

6

A todos os militantes dos Direitos Humanos e, conseqüentemente, aos

militantes da Anistia Internacional, pela árdua tarefa de lutar pela dignidade humana,

em um mundo que cada vez mais segue em direção oposta.

A todos que lutam por um mundo mais justo e humano. A eles o meu eterno

reconhecimento e agradecimento.

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RESUMO

Ao longo dos anos de atuação no Brasil, a Anistia Internacional salvou

centenas de vidas, denunciou casos de torturas e desaparecimentos, bem como

adotou prisioneiros políticos que estavam em situação de risco. O trabalho no Brasil

teve início durante a ditadura militar, período caracterizado pelas violações aos

Direitos Humanos e repressão do “estado de exceção” contra a sociedade civil. Este

período foi de grande importância, pois nele deu-se a criação das Redes de Ações

Urgentes, surgidas com a prisão arbitrária do Professor Luiz Basílio Rossi e que

posteriormente se tornariam a base do trabalho da Anistia Internacional na sua

atuação mundial. Aplicaremos a metodologia gramsciana quando tratarmos do

conceito de sociedade civil, entendendo-o como um conceito composto não apenas

pelo conjunto de organismos tradicionais (sindicatos, igrejas, partidos, etc.), mas

também pelos movimentos sociais, meios de comunicação, pelas ONGs, entre

outros, o que nos leva a acreditar que a teoria gramsciana é a que melhor explica o

propósito de nosso trabalho: analisar a luta da Anistia Internacional pelos Direitos

Humanos, tendo como pano de fundo a sociedade civil em seu conjunto amplo de

organismos. Ao trazermos sua teoria para o contexto atual podemos verificar que os

sistemas modernos de políticas democráticas são medidos pela capacidade de

desenvolver uma ampla e dinâmica sociedade civil, a qual permita que suas

instituições possam expressar as suas aspirações e dinamizar a participação dos

diferentes setores da coletividade, o que se constitui numa das filosofias de trabalho

da Anistia Internacional. Com o advento da anistia política e, consequentemente,

com o processo de redemocratização do país, a Anistia Internacional lançou em

1985 o Programa Nacional de Educação em Direitos Humanos. Este, embora já não

existissem mais presos políticos, mas havia ainda a “herança cultural da ditadura

militar”, do desrespeito aos Direitos Humanos (tortura e violência policial, execuções

extrajudiciais e sistema prisional falido), contribuiu com a luta pela afirmação dos

direitos humanos no Brasil, no pós-ditadura.

Palavras-chaves: Direitos Humanos, Anistia Internacional, Sociedade Civil

8

RESUMEN Em el transcurso de los años de actuación en Brasil, Amnistía Internacional

salvó centenas de vidas, denunció casos de torturas y desaparecidos, y a su vez,

protegió prisioneros políticos que estaban en situación de riesgo. Su trabajo en

Brasil se inició durante la dictadura militar, período que se caracterizó por la

violación a los Derechos Humanos, y la represión del “estado de excepción” contra

la sociedad civil. Este período, aunque trágico, fue de gran importancia, pues en su

intermedio, se dio la creación de las Redes de Acciones Urgentes, que surgieron por

la prisión arbitraria del Profesor Luiz Basílio Rossi, y que posteriormente, se

convertirían en la base del trabajo de Amnistía Internacional en su actuación

mundial. Aplicaremos la metodología gramsciana cuando tratemos el concepto de la

sociedad civil, entendiéndolo como un concepto compuesto no apenas por el

conjunto de organismos tradicionales (sindicatos, iglesias, partidos políticos, etc.),

sino que también, por los movimientos sociales, medios de comunicación, por las

ONGs, entre otros, lo que nos lleva a creer que la teoría gramsciana es la que mejor

explica, el propósito de nuestro trabajo: analisar la lucha da Amnistía Internacional

por los Derechos Humanos, y como plano de fondo, la sociedad civil en su conjunto

amplio de organismos. Al traer su teoría para el contexto actual, podemos verificar

que los sistemas modernos de políticas democráticas, se miden por la capacidad de

desenvolver una amplia y dinámica sociedad civil, la cual permite que sus

instituciones puedan expresar sus aspiraciones, y así dinamizar la participación de

los diferentes sectores de la colectividad, que constituye una de las filosofías del

trabajo de Amnistía Internacional. Con la llegada de la amnistía política, y por

consecuencia, con el proceso de redemocratización del país. Amnistía Internacional

lanzó en 1985 el Programa Nacional de Educación de los Derechos Humanos. Éste,

aunque ya no existiesen más presos políticos, pero existía todavía la “herancia

cultural de la dictadura militar”, el desrespeto a los Derechtos Humanos (tortura y

violencia policial, ejecuciones extrajudiciales y un sistema prisional fallo), contribuí

con la lucha por la afirmación de los derechos humanos en Brasil, después de la

dictadura militar.

Palabras-llaves: Derechos Humanos, Amnistia Internacional, Sociedad Civil.

9

ABSTRACT Over the years of acting in Brazil, the International Amnesty saved, hundreds

of lives, denounced cases of tortures, disappearances, and adopted politicians

prisoners politicians that were in situation of risk. The work in Brazil have been

started during the the dictatorship military, period that was, characterised by the

infringements to the Human rights and repression from the “state of exception” civil

society. This period was of a big importing, because in it was created the Urgent

Action network, that appeared with the arrested of the Teacher Luiz Basilio Rossi

and, after it will be the basis of the work from International Amnesty in its actuation

on the world. We applied the gramscian methodology when approach the concept of

civil society, when we understanding it like a concept not composed by the traditional

organisms (syndicates, churche, parties etc.), but too from social movements,

mediums of communication, by the Governmental Not Organization, and lots of

others, that take us to believe the gramscian theory is the better way to explain the

purpose of our work: to analyze the fights from International Amnesty by the Human

Rights, having like in a picture, the civil society in it ample set of organisms. When we

bring his theory to the actual context, we can verify that the modern systems of

democratics policies are measuring by their capacities of developing a democratic

civil society that permits institutions may be to express their aspirations and can to

increase the participation from the different sectors the collectivity, what it’s one of

the philosophies of work the International Amnesty. With the advent from policy

amnesty policy, and with the end of military dictatorship at the country, International

Amnesty started in 1985 the National Program of education in Human Rights. This,

even there weren’t anymore politicians prisoners, but there was the cultural “legacy

from the dictatorship military” of disregard to the Human Rights (torture and police

violence, extrajudicial executions and prisoner system totally broked) what

contributed whit the fight of Human Rights in Brazil, after the dictatorship.

Key Words: Human Rights, International Amnesty, Civil Society

10

SUMÁRIO

RESUMO....................................................................................................................07

RESUMEN..................................................................................................................08

ABSTRACT................................................................................................................09

INTRODUÇAO...........................................................................................................11

CAPÍTULO 1 – CONCEITOS BÁSICOS

1.1 Sociedade Civil e proposta metodológica em Gramsci........................................15

1.2 Organizações não Governamentais – ONGs......................................................18

1.2.1 ONGs no Brasil: um breve histórico..................................................................22

1.3 Direitos Humanos.................................................................................................28

CAPÍTULO 2 -ANISTIA INTERNACIONAL: HISTÓRIA, TRAJETÓRIA E TRABALHO

2.1 A História da Anistia Internacional........................................................................40

2.2 Filosofia de Trabalho............................................................................................49

2.3 Estrutura Organizacional......................................................................................56

2.4 Redes de Trabalho...............................................................................................59

2.4.1 Redes de Ação Urgente – RAUs.......................................................................61

CAPÍTULO 3 – ANISTIA INTERNACIONAL E SUA ATUAÇÃO NO BRASIL

3.1 1964-1985: Direitos Humanos, Ditadura Militar e a presença da Anistia

Internacional no Brasil................................................................................................70

3.1.1 1973: o caso Luiz Basílio Rossi e o surgimento das Ações Urgentes..............84

3.2 Seção Brasileira da Anistia Internacional – SBAI.................................................87

3.3 Educar para os Direitos Humanos. Educar para a vida......................................92

CONSIDERAÇÕES FINAIS.......................................................................................95

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS..........................................................................98

11

INTRODUÇÃO

O tema Direitos Humanos é de importância capital no panorama nacional e

internacional nos últimos 50 anos, principalmente após a Segunda Grande Guerra

Mundial, com o advento da Declaração Universal dos Direitos Humanos e

posteriormente outros documentos internacionais e nacionais que versam sobre a

afirmação e proteção dos Direitos Humanos. Nesse período também surgem

inúmeras ONGs que irão trabalhar com os Direitos Humanos, entre elas a Anistia

Internacional1.

Conhecer o trabalho da A.I. e a sua luta contra as violações de Direitos

Humanos que acontecem no mundo e, consequentemente, o papel que

desempenhou e continua desempenhando no Brasil, no que diz respeito muitas

vezes a seres humanos que vivem em situações-limite, privados de sua liberdade,

condenados de forma injusta, vítimas de castigos físicos, psíquicos e morais; é

também conhecer a luta pela afirmação dos Direitos Humanos no Brasil.

Só pelo fato da A.I. ser uma organização diferenciada da maioria, devido a

sua atuação mundial e complexidade funcional-estrutural que isso exige, pela

reputação conquistada ao longo da sua existência e também pelo relevante trabalho

desenvolvido no Brasil, onde por intermédio da mesma muitas vidas foram salvas,

ela já se mostra merecedora de uma pesquisa mais aprofundada.

A A.I. é uma Organização Não Governamental-ONG e como grande parte

delas, através de seus atos, nos permite entrever avanços em termos de cidadania.

Esse, seguramente, deve ser o caso da A.I., devido a sua atuação na luta contra as

violações e pelas atividades de promoção dos Direitos Humanos. Para tanto, antes

de nos atermos ao tema específico do trabalho, ou seja, a atuação da A.I. na luta

pelos Direitos Humanos no Brasil, trabalharemos com alguns conceitos básicos

(sociedade civil, ONGs e Direitos Humanos), os quais nos fornecerão subsídios para

uma melhor compreensão do trabalho da A.I.

No que diz respeito ao conceito de sociedade civil nos baseamos em Gramsci

e Marx, assim como também utilizamos conceitos tratados por Bovo, uma das

poucas obras que trata especificamente da A.I. Sobre o conceito de ONGs, nos

baseamos em Landim, Martins e Gohn. Sobre o conceito de Direitos Humanos nos

1 A Anistia Internacional será designada por A.I.

12

apoiamos em Bobbio e Piovesan, embora autores como Locke e documentos como

a Declaração de Viena, nos forneceram valiosas informações acerca do tema

tratado.

Com relação a educação em Direitos Humanos utilizamos material da própria

A.I., coletado em folhetos, folders e boletins informativos.

O material empírico utilizado para a comprovação de como a A.I. atuou e atua

no Brasil, na defesa dos Direitos Humanos, divide-se em:

a) relatórios, revistas, materiais de campanha e documentos da A.I.;

b) revistas, boletins, folders, etc;

c) livros;

d) sites da internet.

Quanto aos relatórios e demais tipos de documentos da A.I. (manuais,

compêndios, relatórios de reuniões, encontros, etc.), estes nos foram valiosos e

serviram principalmente para obtenção de informações e dados sobre a estrutura

organizacional, o funcionamento, o mandato e ação da A.I., tópicos que constam do

Capítulo II, no qual tratamos da história e da estrutura organizacional da A.I.

Posteriormente, tais documentos foram reavaliados para deles extrairmos dados que

nos ajudaram na elaboração do Capítulo III, o qual versa sobre o trabalho da A.I. no

Brasil, com ênfase no período da ditadura militar. Também foi obtido junto a um

membro da A.I., em São Paulo, importante material, o qual nos auxiliou na

elaboração do Capítulo III.

A internet também nos ajudou bastante, em primeiro lugar em função da

possibilidade de podermos contactar membros da A.I. através das inúmeras

comunidades virtuais sobre Direitos Humanos, em segundo pela possibilidade de

acessar sites no âmbito da A.I., das Seções e do Secretariado Internacional, além de

outros sites fora do âmbito da A.I., conseguindo assim informação sobre a

organização e os Direitos Humanos, além dos depoimentos de vítimas e casos

sobre a Rede de Ações Urgentes-RAUs. Para ficarmos num exemplo, acessando o

site da Seção Espanhola da A.I., pudemos obter várias Ações Urgentes com casos

brasileiros, bem como depoimentos de alguns brasileiros cujos casos foram

adotados pela A.I.

Porém, ressaltamos a dificuldade encontrada com relação à coleta de

material, especificamente sobre o trabalho da A.I. no Brasil, tendo em vista a

existência de pouca bibliografia a respeito do tema e também pelo fato dos

13

escritórios da seção brasileira da A.I. terem sido fechados no Brasil, e todo material

enviado para a sede em Londres.

Desse modo, o trabalho foi dividido em 3 capítulos. No Capítulo I, conforme

salientamos anteriormente, abordamos, privilegiando o processo histórico, alguns

conceitos norteadores em nosso trabalho, tais como: sociedade civil (enfatizando-a

com a proposta metodológica de Gramsci), ONGs e Direitos Humanos. Assim,

entendemos que se evita a necessidade de explicar tais conceitos no decorrer do

trabalho.

No Capítulo II, mostramos a A.I., do ponto de vista histórico, seu surgimento e

desenvolvimento, sua filosofia de trabalho bem como toda a sua estrutura

organizacional de maneira geral, não analisando especificamente a história e a

atuação desta no Brasil. Também foi dado destaque para as Redes de Ações

Urgentes-RAUs, as quais mereceram um subitem a parte, apenas do ponto de vista

administrativo-organizacional, haja vista que o ponto de vista histórico, como deu-se

o seu surgimento, foi assunto abordado no Capítulo III.

No Capítulo III focalizamos a atuação da A.I. na luta contra as violações de

Direitos Humanos no Brasil, desde a ditadura militar implantada em 1964 até a

redemocratização do país, iniciada em 1985. Objetivou-se dessa forma, mostrar o

recrudescimento dos Direitos Humanos no país durante esse período e como se dá

o trabalho da A.I. no mesmo. Para tanto, demonstramos uma visão panorâmica

dessas violações e todo o empenho que veio se desenvolvendo contra elas através

de pessoas, organizações, movimentos, etc. Em seguida, revelamos como os

membros da A.I. tiveram uma participação significativa nesse combate.

Concomitantemente com a análise das ações da A.I. durante a ditadura militar, foi

dado ênfase a um dos casos que resultou no surgimento das RAUs, o do professor

Luiz Basílio Rossi. Paralelamente também foi analisado a criação da Seção

Brasileira da Anistia Internacional-SBAI, a sua história e estrutura organizacional.

Neste mesmo capítulo também abordamos as atividades de educação em

Direitos Humanos realizadas pela A.I., e que mostraram ser de extrema importância,

haja vista a preocupante passividade popular frente às históricas violações de

Direitos Humanos e a falta de consciência democrática da população pelo fato do

país ter convivido por tanto tempo com um regime ditatorial.

Nas Considerações Finais apresentamos a articulação dos 3 capítulos, de

modo a evidenciar os objetivos aqui propostos.

14

Nas Referências Bibliográficas constam, além dos livros utilizados para a

elaboração dos capítulos, todo o material empírico que foi utilizado na elaboração

dos demais capítulos, bem como o material que foi apenas consultado, mas não

citado.

Por fim, entende-se que, sem pretender esgotar o assunto, é possível refletir

sobre os meandros de uma ONG, como a A.I. e revisar conceitos relevantes como

sociedade civil e Direitos Humanos, para assim compreendermos seus caminhos e

aspirações. Tal reflexão possibilita, também, ressaltar a importância das ONGs e de

seus membros na luta pelos Direitos Humanos.

Esperou-se, desse modo, haver assinalado o quanto a A.I. representou e

ainda representa na larga e árdua tarefa que é enfrentar um governo (regime),

principalmente nos períodos de exceção, marcados pela intolerância e pelo pouco

comprometimento de seu governo com o respeito aos Direitos Humanos, mas nunca

perdendo a esperança de lutar por um mundo mais justo e igualitário, como se

formasse uma conspiração, a conspiração pela solidariedade2.

2 O título do presente trabalho advém de uma frase atribuída pelo Presidente da República, General Ernesto Geisel. Em uma entrevista o mesmo referiu-se a A.I. e seus militantes como “conspiradores” contra os interesses do Brasil, acusando-os de ingerência nos assuntos internos do Brasil. Em resposta, a A.I. lançou uma nota afirmando que de fato a organização e seus militantes eram conspiradores: “os conspiradores da solidariedade”.

15

CAPÍTULO 1

CONCEITOS BÁSICOS

Com o objetivo de evitarmos, ao longo do trabalho, recorrer às explicações

dos mais variados tipos de conceitos que serão abordados, temos por objetivo neste

primeiro capítulo apresentar os conceitos fundamentais que norteiam nosso

trabalho. Para isso, além dos próprios desdobramentos teóricos que os mesmos

trazem, iremos mostrar o aspecto histórico, ou seja, quando se dá o surgimento de

tal conceito, bem como suas inovações e interpretações. Como afirma Cassiano

Ricardo Martines Bovo3, “...cada conceito é uma construção paulatina, em que

muitos pensamentos e idéias se cruzam, se batem, se contradizem e se reafirmam.”

Assim sendo, nosso trabalho é resultado de todas essas ações “conceituais”.

1.1 Sociedade Civil e proposta metodológica em Gramsci

Constantemente, ao lermos um jornal, assistirmos a um programa de tv ou

então navegando pela Internet, nos deparamos com a expressão “sociedade civil

organizada”, em cujo conceito estão incluídas as ONGs. Ou seja, sociedade civil tem

muita relação com as ONGs e com os Direitos Humanos, os quais por sua vez

relacionam-se com a A.I., objeto de estudo de nosso trabalho e por isso entendemos

ser relevante a sua abordagem.

O conceito é bastante polêmico e ao longo da história foi objeto das mais

variadas interpretações. Dentre essas interpretações, os primeiros a usarem o termo

sociedade civil foram John Locke, Jean Jacques Rousseau e Immanuel Kant, todos

integrantes da corrente jusnaturalista (a qual iremos tratar no item relacionado aos

Direitos Humanos), com o significado de Estado contrário a um estágio pré-estatal

da humanidade, ao qual, Norberto Bobbio4 classificou como sendo o “estado de

natureza”.

Antes de adentrarmos a teoria de Antonio Gramsci5 a respeito de sociedade

civil, torna-se necessário tratarmos de alguns conceitos desenvolvidos por Marx, os

3 BOVO, Cassiano Ricardo Martines. Anistia Internacional: roteiros de cidadania em construção, 2002, p. 25. 4 BOBBIO, Norberto. A era dos direitos, 1992. p. 27. 5 Antonio Gramsci foi um dos grandes pensadores marxistas. Foi fundador do Partido Comunista Italiano, através do qual foi bastante atuante no movimento operário e elegeu-se deputado. Com a ascensão do fascismo, Gramsci foi preso e condenado a 20 anos de prisão, dos quais cumpriu 11

16

quais foram também estudados pelo próprio Gramsci, o qual os interpretou de forma

diferente daquela de Marx. Marx, como veremos adiante sofre grande influência da

teoria de Hegel, e por sua vez, Gramsci, constrói sua teoria sob os pilares do

marxismo.

Karl Marx, por exemplo, analisava o conceito de sociedade civil sob outro

prisma: referia-se a ele como sendo às relações materiais da vida”. Para ele,

“...as relações jurídicas, tais como formas de Estado, não podem ser compreendidas nem a partir de si mesmas, nem a partir do assim chamado desenvolvimento geral do espírito humano, mas pelo contrário, elas se enraízam nas relações materiais da vida, cuja totalidade foi resumida por Hegel, sob o nome de sociedade civil.”6

Com a citação acima, podemos tirar algumas considerações: primeiro, a

grande influência que Hegel tem sobre a obra de Marx, pois como percebemos com

a citação, o conceito de sociedade civil de Marx, deriva de Hegel e, segundo, a

importância que Marx dá a respeito das relações materiais, relações econômicas no

processo social. Isso fica bastante claro na seguinte passagem:

“...na produção social da própria vida, os homens contraem relações determinadas, necessárias e independentes de sua vontade, relações de produção estas que correspondem a uma etapa determinada de desenvolvimento das suas forças produtivas materiais. A totalidade destas relações de produção forma a estrutura econômica da sociedade, a base real sobre a qual se levanta uma superestrutura política e jurídica, e à qual correspondem formas sociais determinadas de consciência. O modo de produção da vida material condiciona o processo em geral de vida social, político e espiritual. Não é a consciência dos homens que determina o seu ser, mas, ao contrário, é o seu ser social que determina sua consciência.”7

Da citação acima feita por Marx, dois conceitos tornam-se fundamentais para

trabalharmos com relação a sociedade civil: a estrutura e a superestrutura. A

estrutura, como podemos observar, para Marx, corresponde a sociedade civil, ou

seja, é o plano no qual se dá as relações materiais da vida. Já a superestrutura

corresponde ao plano das idéias, da consciência, estando nesse plano também as

relações jurídicas e políticas.

Já o conceito de sociedade civil, como é utilizado nos dias de hoje, foi

praticamente moldado por Gramsci, o qual irá realizar importantes mudanças na

abordagem do conceito estabelecido por aqueles que o precederam.

anos, vindo a falecer em 1937. Na prisão escreveu sua obra mais famosa, os célebres “Cadernos do Cárcere”. 6 MARX, Karl, apud BOVO, Cassiano Ricardo Martines. Anistia Internacional: roteiros de cidadania em construção, 2002, p. 36.

17

Gramsci, ao contrário de Marx e Hegel, afirmava que a sociedade civil estava

melhor identificada na plano da superestrutura, embora não negasse a importância

da estrutura e das íntimas relações que esta possuía com a estrutura. Isso pode ser

identificado no texto abaixo:

“Por enquanto, pode-se fixar dois grandes “planos” superestruturais: o que pode ser chamado de “sociedade civil” (isto é, o conjunto de organismos chamados comumente de “privados”) e o da “sociedade política ou Estado”, que correspondem a função de hegemonia que o grupo dominante exerce em toda a sociedade e àquela de “domínio direto” ou de comando, que se expressa no Estado e no governo “jurídico”.8

Podemos perceber, conforme o pensamento de Gramsci, acima descrito, que

o mesmo, além da ênfase dada a superestrutura, a divide em duas partes: a

sociedade política e a sociedade civil. Por sociedade política Gramsci afirmava que

esta era o Estado e todas as suas instâncias, e por sociedade civil, um conjunto de

organismos que não pertencem ao Estado (partidos, sindicatos, igrejas e escolas).

Esse conceito de sociedade civil é utilizado atualmente não apenas para nos

referirmos aos organismos citados acima, mas também por aqueles9 compostos

pelos movimentos sociais, ONGs10, meios de comunicação, etc.

Outro conceito fundamental do qual Gramsci trata quando analisa a

sociedade civil é o de “hegemonia”, entendida como o poder de fato. Gramsci

afirmava que a característica que define uma sociedade civil não está basicamente

nos tipos de organismos que a compõem, mas sim no fato deles poderem irradiar,

inclusive para reforçar ou então para tentar derrubar o poder constituído (idéias,

ideologias, concepções de mundo, valores, etc.), operando-se assim, a dominação

de fato nesse plano.

Com tal questionamento, Gramsci dá a sua contribuição ao Marxismo: ele

enxerga na superestrutura (ao contrário de Marx, o qual valorizava a estrutura) e

dentro dela a sociedade civil, a questão chave para a dominação. Para Gramsci o

poder se faz no plano das idéias (ao qual deu o nome de direção cultural), o qual é

7 Ibid. p. 37. 8 GRAMSCI, Antonio apud SEMERARO, Giovanni. Da sociedade de massas à sociedade civil: a concepção de subjetividade em Gramsci. http://www.artnet.com.br/gramsci/arquiv65.htm. Acesso em 17/05/05. 9 Nesta mesma linha Bobbio afirma que “...dos jornais à escola, das editoras aos institutos culturais, instituições essas que têm por fim a transmissão dos valores dominantes e através das quais a classe dominante exerce a própria hegemonia”. In BOBBIO, Norberto et allii. Op. Cit. 1999, p. 1210. 10 É neste sentido que iremos utilizar o conceito de Gramsci em nosso trabalho, associando-o com a Anistia Internacional.

18

operado por todos os organismos que compõem a sociedade civil, os quais possuem

a capacidade de irradiação das mesmas.

Trabalhamos com o conceito de sociedade civil neste tópico por entendermos

que o mesmo é primordial e será bastante utilizado ao longo do trabalho, na medida

em que a A.I. faz parte de um conjunto amplo de organismos (aqueles que nos

referimos anteriormente: sindicatos, ONGs, alguns partidos políticos, escolas,

faculdades, professores, uma parcela dos meios de comunicação, etc.) da

sociedade civil não apenas brasileira, mas a planetária, que lutam pelos Direitos

Humanos.

Assim como em outros países, devemos ressaltar que na sociedade civil

brasileira também existe uma outra parcela (a qual conta com amplo apoio de parte

da mídia) que busca estimular e defender as violações dos Direitos Humanos,

contando inclusive com o respaldo de uma parcela bastante considerável da

sociedade brasileira.

A A.I. atua nas sociedades civis da maioria dos países do mundo com o

objetivo de promover, ou seja, conscientizar, ensinar, informar e divulgar os Direitos

Humanos e no embate com as suas sociedades políticas, quando questiona,

pressiona, denuncia e fiscaliza governos que cometem violações contra os Direitos

Humanos.

1.2 Organizações Não Governamentais – ONGs

Quando perguntamos a grande maioria das pessoas, sejam elas militantes

dos Direitos Humanos ou não, o que vem a ser a A.I., grande parte destas

responderão que a mesma é uma ONG, embora sequer saibam direito do que se

trata. ONG é um termo bastante impreciso e assim como outros (cidadania,

globalização, etc.) caíram no gosto da mídia e da população. Nosso objetivo nesse

subitem é avaliar o papel da A.I. como uma ONG e com as suas particularidades,

haja vista que a mesma por atuar em quase todos os países do mundo, está sujeita

as mais variadas formas de legislação.

No Brasil, por exemplo, de acordo com uma pesquisa realizada pela

Associação Brasileira de Organizações Não Governamentais – ABONG, as ONGs

não existem juridicamente pois cerca de 95% delas são registradas como

associações civis sem fins lucrativos, sendo que do total de ONGs existentes no

Brasil, apenas 3% são tidas como fundações.

19

Segundo a pesquisadora Leilah Landim, em trabalho desenvolvido para a

ABONG, a mesma constatou que apenas uma parte bastante inexpressiva das

ONGs associadas a ABONG buscam o reconhecimento legal11 através das

Declarações de Utilidade Pública e/ou Registro no Conselho Nacional de Ação

Social-CNAS.

Em 1999, através da Lei 9.709/99 cria-se a figura jurídica da Organização da

Sociedade Civil de Interesse Público – OSCIP, a qual tem por objetivo o

reconhecimento legal das ONGs. Mas tal lei está longe de sanar os problemas do

setor, uma vez que a mesma não concede incentivos fiscais, benefícios iguais às

ONGs e por isso, esse reconhecimento é buscado principalmente por aquelas que

atuam junto aos governos, na medida em que um dos seus principais avanços está

na criação do termo de parceria, questão crucial para muitas ONGs. O artigo 9º da

respectiva lei comprova tal análise:

“Art. 9º - Fica instituído o Termo de parceria, assim considerado o instrumento passível de ser firmado entre o Poder Público e as entidades qualificadas como Organização da Sociedade Civil de Interesse Público destinado à formação de vínculo de cooperação entre as partes, para o fomento e a execução das atividades de interesse público previstas no artigo 3º desta lei.”12

O objeto da lei talvez seja o de busca a transparência e eficiência na atuação

das ONGs, além da tentativa de evitar práticas que infelizmente tem sido bastante

comuns, como por exemplo, a utilização da organização em proveito próprio ou para

fins escusos. Nesse sentido, a nova lei exige que os estatutos das OSCIP

disponham sobre os seguintes princípios: impessoalidade, moralidade, publicidade,

economicidade e eficiência.13

No caso do tema específico do nosso trabalho, a A.I., seu reconhecimento

jurídico é bem mais complexo, pois como salientamos no início deste subitem, trata-

se de um ONG que atua em todo mundo, mas que também envolve algum grau de

representação jurídica em nível local.

No Brasil, a A.I. esteve registrada como Seção Brasileira da Anistia

Internacional – SBAI, de março de 1985 até julho de 2001, quando foi extinta. Em

11 Inclusive para a obtenção de benefícios, como por exemplo, incentivos fiscais 12http://www.fazenda.gov.br/spe/publicacoes/reformasinstitucionais/sintesedalegislacao/leis/LEI%2009.790.99.pdf. Acesso em 22/10/206. 13 MARTINS, Paulo Haus. Tema do mês de maio de 2000: Quais são as vantagens da qualificação como OSCIP? http://www.rits.org.br/legislacao_teste/lg_testes/lg_tmes_maio2000.cfm. Acesso em 18/09/206.

20

seu registro constava tratar-se de uma associação civil de utilidade pública, sem fins

lucrativos, de acordo com o artigo I do seu Estatuto Social. No artigo III desse

mesmo estatuto, a SBAI era denominada da seguinte forma:

“A associação é filiada a ANISTIA INTERNACIONAL (Amnesty International), sendo suas atividades externas reguladas pelo estatuto dessa organização, com as modificações que lhe são feitas periodicamente, e, ainda, pelas decisões, normas internas e de conduta aprovadas pelo Conselho Internacional ou pelo Comitê Executivo Internacional.”14

Sendo assim a SBAI, durante o tempo de sua existência, viveu uma situação

bastante particular em relação à maioria das ONGs, na medida em que ela obedecia

as duas ordens, ou seja, a da lei brasileira e a das determinações dos sistemas de

representação da A.I. em nível mundial (os quais são abordados no capítulo

seguinte). Isso é característica de uma organização que ao mesmo tempo é local e

mundial, o que demonstra a riqueza e complexidade do seu trabalho. A sua atuação

internacionalizada se faz através dos desdobramentos em Seções, grupos15 de

atuação local e membros individuais, espalhados pelo mundo todo.

Porém, observamos que mesmo com a lei da criação das OSCIPs, as ONGs

continuam a não existir como figura jurídica16 e estatutária, porém, devido a atuação

de muitas destas na sociedade civil, continuam a ser chamadas de ONGs, ocupando

um papel relevante na história atual do Brasil, principalmente no que diz respeito às

conquistas em termos de direitos. Assim, podemos afirmar que a sua “marca” está

muito mais por aquilo que as ONGs são e realmente fazem do que o seu status

jurídico e estatutário.

Landim afirma:

“Sabemos que ONG – Organização Não Governamental – não é um termo definido em lei, mas sim uma categoria que vem sendo socialmente construída e usada para designar um conjunto de entidades com características peculiares, reconhecidas pelos seus agentes, pelo senso comum ou pela opinião pública.”17

14 BOVO, Cassiano Ricardo Martines. Op. Cit, 2002. p. 27. 15 Importante ressaltar que embora os grupos da A.I. não possuam a legitimidade jurídica de uma Seção, muitos delesatuam como ONGs e gozam de respeito e reconhecimento por parte da sociedade civil dos países nos quais atuam. É como se uma ONG se estendesse em várias outras ONGs. 16 Segundo disponibilizado no site da ABONG (www.abong.org.br), atualmente tramitam no Congresso Nacional vários Projetos de Lei sobre as Ongs, alguns objetivam o fortalecimento das organizações da sociedade civil brasileira,contudo, muitos propõem um verdadeiro controle político e restrições à autonomia dessas organizações. 17 LANDIM, Leilah. ONGs: Um perfil – cadastro das filiadas à Associação Brasileira de ONGs (ABONG), 1996. p. 19.

21

De acordo com as palavras acima elencadas, é nesse sentido que

pretendemos trabalhar com a idéia de ONG: uma construção social, haja vista que a

força que o termo possui na sociedade é bastante significativa, tratando-se de uma

construção histórico-social e nesse sentido, como mostraremos mais adiante, iremos

realizar um resgate histórico das lutas das ONGs na sociedade brasileira,

principalmente dentro do nosso tema, os Direitos Humanos.

Vários autores estabelecem critérios (os quais nem sempre são fáceis devido

a complexidade do tema) para que possamos designar um ator social como ONG.

São eles:

- ONGs (como o próprio nome salienta) não pertencem aos governos (de

qualquer instância), o que embora, não impeça de que estas atuem em conjunto

com eles;

- pelo fato de não serem governo, alguns autores incluem as ONGs no setor

privado, o que causa uma série de problemas relacionados a definição destas, pois

as mesmas não são empresas e tampouco fazem parte do setor privado tradicional,

porém isso abre uma perspectiva das mesmas serem consideradas parte integrante

de um possível Terceiro Setor. Porém, ao fazermos referência ao Terceiro Setor, nos

deparamos com um tema de pouca receptividade para aqueles que trabalham com a

teoria de Gramsci com relação a sociedade civil, hegemonia e por conseqüência os

órgãos que compõem essa sociedade, como no nosso caso, as ONGs. Carlos

Nelson Coutinho em entrevista ao Jornal Folha de São Paulo afirma o seguinte:

“Gramsci percebeu que, a partir da segunda metade do século 19, havia surgido uma nova esfera do ser social capitalista: o mundo das auto-organizações, do que ele chamou de "aparelhos privados de hegemonia". São os partidos de massa, os sindicatos, as diferentes associações — tudo aquilo que resulta de uma crescente "socialização da política". Ele deu a essa nova esfera o nome de "sociedade civil" e insistiu em que ela faz parte do Estado em sentido amplo, já que nela têm lugar evidentes relações de poder. A "sociedade civil" em Gramsci é uma importante arena da luta de classes: é nela que as classes lutam para conquistar hegemonia, ou seja, direção política, capacitando-se para a conquista e o exercício do governo. Ela nada tem a ver com essa coisa amorfa que hoje chamam de "terceiro setor", pretensamente situado para além do Estado e do mercado.”18 (grifo nosso)

- as ONGs não possuem fins lucrativos e seus recursos são empregados nas

atividades as quais propõem-se a desenvolver, assim como na remuneração dos

funcionários e profissionais relacionados as suas atividades;

22

- as ONGs são formais, ou seja, além de necessitarem de algum tipo de

registro legal, também possuem uma racionalidade baseada em documentos,

estatutos, assembléias, etc.;

- mesmo que possuam funcionários, as ONGs devem ter algum nível de

trabalho voluntário;

- as ONGs possuem caráter público.

Porém, alguns desses critérios devem ser tratados com bastante cuidado.

Afirmar, por exemplo, que as ONGs não possuem fins lucrativos as distinguem das

empresas privadas, na medida em que não se tem por objetivo a retirada de

recursos, mas isso não quer dizer que as ONGs não pratiquem alguma forma de

arrecadar fundos visando seus investimentos.

O último item, o qual afirma que as ONGs possuem um caráter público,

acompanhando a idéia de utilidade pública que consta em seu registro legal, é

bastante impreciso, pois qualquer organismo da sociedade, com os mais variados

fins, pode se dizer de utilidade pública, aliás, é muito difícil saber o que é utilidade

pública ou caráter público.

Outros autores apontam a enorme dificuldade em se tentar agregar um

universo tão amplo, dinâmico, complexo e multifacetado que é o das ONGs em um

único conceito. Dessa forma, o reconhecimento de uma ONG se faz mais pela

vinculação dos seus fins/objetivos com a sua prática, na atuação de seus membros

(grande parte de voluntários) que na sua concepção legal. Por isso, procuraremos

destacar no subitem seguinte a história das ONGs na sociedade brasileira,

considerando, de fato, como ONGs aquelas que estão envolvidas na luta por

direitos, por uma sociedade mais justa e tudo aquilo que se relaciona com cidadania.

1.2.1 ONGs no Brasil: um breve histórico

É bastante difícil precisar uma data de surgimento das ONGs no Brasil, pois

embora o termo exista desde 194019, antes disso já existiam organismos com estilos

semelhantes a uma ONG, que no início estavam mais vinculados a atividades de

filantropia, instituições de caridades, beneficientes e que de uma certa forma

18 Entrevista concedida por Carlos Nelson Coutinho ao Caderno Mais!, do Jornal Folha de São Paulo, em 21/11/1999, juntamente com outros intelectuais (Michael Löwy, Guido Liguori e Sérgio Paulo Rouanet) a respeito do pensamento de Gramsci, tendo por título “O pensador hegemônico”.

23

estavam relacionadas a instituições religiosas. Aliás, a filantropia é um campo bem

mais antigo que as ONGs. No Brasil, por exemplo, durante a Primeira República,

quando a questão social era questão de polícia ou então vinculadas ao sanitarismo,

o assistencialismo foi a forma apresentada como solução para o atendimento a

setores carentes da Previdência Social que não existia. Com o advento das leis

trabalhistas da década de 30, o assistencialismo ultrapassa as barreiras do privado e

passa a ter bastante espaço nas políticas públicas, com o objetivo de suprir

carências. Nessa época, o próprio Estado cria as instituições que seriam

intermediárias com as ONGs que praticavam caridade, como por exemplo, a Legião

Brasileira de Assistência – LBA.

A própria ditadura militar de 1964 e toda a séria de violações contra os

Direitos Humanos que esta trouxe consigo foram um marco para que as ONGs no

Brasil tivessem as feições que possuem hoje. Embora estejamos tratando

especificamente do Brasil, cabe ressaltar que não apenas a ditadura militar

brasileira, mas em termos externos, o ambiente político que o mundo vivia nos anos

60 com o advento da Guerra Fria, foram fatores para que nascesse nesse período

um tipo de ONG que vem crescendo consideravelmente: aquelas que lutam contra

violações dos chamados direitos civis e políticos, preocupação central do trabalho da

A.I., a qual também surge nessa época, como veremos no capítulo 2.

Essas ONGs surgem, já na década de 60 e mais ainda nos anos 70,

vinculadas de alguma forma com a Igreja Católica – principalmente a ala

progressista da Igreja, cujo trabalho nessa época já se pautava na filosofia da

Teologia da Libertação, a qual estava em efervescência política nesta época. Mas é

importante ressaltar que as ONGs que surgem nesse período são diferentes das

anteriores, as quais possuem uma característica puramente filantrópica. Essas

ONGs, aproveitando-se da força da Igreja, passaram a questionar e lutar contra o

governo, denunciando as graves violações contra os Direitos Humanos que ocorriam

na época e também atuavam a favor de presos políticos, refugiados, perseguidos,

seus familiares, além de realizarem um intenso trabalho de conscientização política.

Landim traça o seguinte contexto das ONGs nesse período:

19 A expressão ONG como a conhecemos hoje foi criada pela ONU na década de 40 para designar as entidades não oficiais que recebiam ajuda financeira de órgãos públicos para executar projetos de interesse social, dentro de uma filosofia de trabalho denominada “desenvolvimento de comunidade”.

24

“Fim dos anos 60, início da década de 70: o período consagrado como o do auge do endurecimento do regime militar coincide com o marco que vem sendo oficializado inaugurando a era da “opção preferencial pelos pobres” da Igreja Católica, onde pastorais populares e organizações comunitárias de todo tipo colocarão na cena política do país novos atores e novas práticas sociais. As Comunidades Eclesiais de Base – CEBs são apenas a face mais visível de toda uma multiplicidade de “grupos” reativados ou criados por toda parte, com caráter e finalidades diversos, ligados de formas diferentes à estrutura hierárquica eclesial, junto a setores do campesinato e de camadas empobrecidas das grandes cidades. São os “clubes de mães”, “círculos bíblicos”, “grupos de jovens”, “grupos de reflexão”, associações para atividades de cunho econômico localizadas como as de “compra e venda”, as “roças comunitárias”...Um sem número de iniciativas que, em sua maioria já preexistentes, vão então assumir novas roupas e novas posições no campo político e religioso, em um novo momento.”20

De acordo com os critérios que citamos anteriormente, esses organismos,

retratados acima por Landim, poderiam ser denominados ONGs, os quais, inclusive

atuam na luta pelos Direitos Humanos em algum nível, podendo-se agregar,

também, outros organismos da Igreja: Juventude Operária Católica-JOC, Juventude

Universitária Católica-JUC, Comissão Justiça e Paz de São Paulo, Conselho

Indigenista Missionário-CIMI, Centros de Educação Popular, as diversas Pastorais,

entre outras.

Muitas dessas ONGs hoje já não existem mais, outras permanecem bastante

atuantes e se agregam aos Centros de Defesa dos Direitos Humanos e aos Centros

de Defesa dos Direitos da Criança e do Adolescente, os quais são ONGs bastante

importantes e com um trabalho relevante na área dos Direitos Humanos no Brasil

nos dias de hoje. Assim, percebe-se que o apoio dado pela Igreja, nesse período,

constituiu-se em um elemento bastante importante para a formação e também para

a viabilização das ONGs no Brasil.

Embora seja objeto de estudos no capítulo 3, cabe aqui ressaltar o grande

trabalho desenvolvido pela A.I. em conjunto com algumas dessas ONGs nascidas no

seio da Igreja Católica. A frente desse trabalho destaca-se o de Dom Paulo Evaristo

Arns, então Arcebispo de São Paulo que através da Comissão de Justiça e Paz e a

A.I., conseguiu minimizar o sofrimento daqueles que foram vítimas da ditadura

militar.

Podemos apontar as seguintes características das ONGs desse período:

- trabalho voluntário;

20 LANDIN, Leilah apud BOVO, Cassiano Ricardo Martines. Op. Cit., 2002. p. 32.

25

- a maioria de seus membros eram cristãos com algum tipo de vinculação

com a Igreja e/ou com a esquerda;

- comprometimento com a transformação social.

A redemocratização21 do Brasil apresentou-se como um momento crucial para

o crescimento e também para a consolidação das ONGs no Brasil, assim como dos

novos movimentos sociais, muitos dos quais com forte vínculo com a Igreja

Católica22.

Muitas ONGs surgem dos vínculos que possuíam com esses movimentos, na

medida em que assessoravam, através de pesquisas, estudos, atividades de

educação, sistemas de organização, etc. Daí surge uma característica marcante em

parte da grande maioria das ONGs brasileiras: o uso de voluntários e funcionários

altamente qualificados, muitos deles vinculados as universidades. Outra

característica é que várias dessas ONGs possuem caráter político-partidário, até

pelo fato de que algumas passam a assessorar partidos políticos.

Na década de 80 há um crescimento bastante acentuado das ONGs, as quais

passam assim a se autodenominar, ao menos no Brasil. Os novos movimentos

sociais se foram, porém as ONGs continuaram, cresceram e se fortaleceram, muitas

delas, inclusive acabaram substituindo os próprios movimentos sociais, pois

deixaram ser meros apoios e passam a ter mais centralidade, haja visto que o novo

período que se inaugurava no Brasil, o processo de redemocratização, exigiria

novas relações sociais entre o Estado e a sociedade civil.

Assim, as ONGs passaram a assumir a liderança de vários processos sociais,

que antes estavam sob o domínio das lideranças dos movimentos sociais.

Os anos 90 irão provocar significativas mudanças no conceito das ONGs. A

começar pelo fato do Estado brasileiro que, seguindo uma tendência mundial, passa

a transferir para as ONGs uma série de atividades que antes eram realizadas pelos

governos, daí surgindo a importância da lei das OSCIPs, a qual instituiu o contrato

de parceria entre Estado e ONGs.

Para Maria da Glória Gohn:

“Nos anos 90, o estabelecimento de novas formas de relação com a sociedade civil corresponde, por um lado, ao processo de reorganização do Estado face às necessidades criadas pela nova etapa do processo de

21 Estamos nos referindo ao período que vai do final da década de 70 e durante toda a década de 80. 22 Até hoje parcela bastante significativa das ONGs brasileiras é de alguma forma vinculada direta, ou indiretamente, a Igreja, tanto a católica como as demais.

26

acumulação capitalista, o que faz com que o Estado transfira parte da responsabilidade de suas ações para a iniciativa privada e reforme seus quadros e sua estrutura de funcionamento. Por outro lado, essas novas relações são fruto das lutas empreendidas por movimentos e organizações sociais das décadas anteriores, que reivindicavam direitos e espaços de maior participação social Na relação Estado-sociedade, passa a ser construído um espaço ocupado por uma série de instituições entre o mercado e o Estado, denominado de esfera pública não-estatal, que abarca um conjunto de organizações da sociedade civil, entre elas ONGs, que vêm atuando no desenvolvimento de projetos, na prestação de serviços sociais e assessoria a organizações populares de defesa de direitos, e está relacionado à desregulamentação do papel do Estado na economia e na sociedade. O Estado transfere parcelas de responsabilidades para as comunidades organizadas, em ações de parceria com as ONGs.23”

Como afirmamos acima, os anos 90 provocaram mudanças significativas no

conceito das ONGs, tratando-se de uma década muito rica, a começar pelo

fantástico crescimento: acredita-se que 50% das ONGs que atuam hoje no Brasil

nasceram nesse período. Segundo dados da ABONG, em 1994 existiam mais de

5.000 ONGs no Brasil, as quais movimentavam um volume muito grande de

dinheiro, algo em torno de 700 milhões de dólares ao ano.

Outra mudança significativa foi na forma das ONGs atuarem. Uma das

principais características do período, por exemplo, foi a atuação cada vez mais

intensa dessas ONGs através de redes, as quais reúnem um grande número de

ONGs com os mesmos objetivos e áreas de atuação, tais como: Movimento

Nacional dos Direitos Humanos, Movimento Ação da Cidadania Contra a Fome,

Fórum de ONGs para a ECO 92, entre muitos outros.

A segunda característica desse período foi o avanço no processo de

especialização das ONGs, as quais passaram a atuar em temas até então pouco

trabalhados: preconceito, discriminação e violação de direitos associados a gênero,

raça, opção sexual, etc. Nessa mesma tendência presenciamos o boom das ONGs

do setor ambientalista, muitas delas surgidas também nesse período.

Uma terceira característica seria a grande preocupação que essas ONGs

passam a ter com eficiência, qualificação, capacidade de organização (ou então o

termo que muitos passam a utilizar, “profissionalização”), o que torna muitas delas

altamente técnicas. Todo esse processo se dá em função da necessidade de

23 GOHN, Maria da Glória. Teorias dos movimentos sociais: paradigmas clássicos e contemporâneos, 2000. p. 10.

27

captação24 de recursos no exterior, via projetos, e também parte das exigências das

instâncias governamentais para firmar parcerias, além do crescimento e da

diversificação das demandas.

Podemos então, após esse breve esboço sobre a trajetórias das ONGs no

Brasil, destacar a existência de ONGs de quatro tipos distintos:

- ONGs que lutam pelos direitos civis e políticos, muitas das quais surgidas no

período da ditadura militar, tais como: Pastorais, Centros de Defesa dos Direitos

Humanos, etc.;

- ONGs vinculadas às lutas pelos direitos econômicos e sociais, as quais

tiveram origem no trabalho de assessoria aos movimentos sociais. Exemplo: ONGs

vinculadas ao combate à pobreza;

- ONGs especializadas em gênero, raça, opção sexual, tais como as ONGs

feministas, do movimento negro, defesa de gays, lésbicas, travestis, etc;

- ONGs ambientalistas.

Como percebemos, as ONGs atuam de forma bastante generalizada,

cobrindo as mais diversas áreas da sociedade, reivindicando, pressionando

governos e autoridades, denunciando, investigando, negociando, realizando

atividades de assistência (jurídica, técnica, de saúde, etc.), educando, formando e

capacitando jovens para o mercado de trabalho, realizando campanhas, eventos,

projetos, etc.

Atualmente, as ONGs no Brasil enfrentam muitos desafios, pois atravessam

um período bastante difícil e também desafiador, pois necessitam se reinventarem e

se ajustarem politicamente e financeiramente perante a sociedade brasileira.

Infelizmente a sobrevivência de muitas ONGs está ameaçada, pois tanto o

governo brasileiro diminuiu o seu orçamento para ONGs, da mesma forma os

financiamentos externos estão diminuindo, haja vista que agências e ONGs

européias e norte-americanas estão passando por dificuldades. Assim sendo, as

ONGs estão sendo obrigadas, cada vez mais, a melhorarem seus sistemas de

gestão, administrativos, financeiros e estratégicos.

Aquelas ONGs pequenas ou então que dependem de poucas ou de uma

única fonte de financiamento (seja ele nacional ou internacional) estão passando por

24 Existem ONGs que são especializadas apenas na realização de projetos para captação de recursos. Neste período também observa-se um processo de competição por parte de muitas ONGs

28

sérias dificuldades para sobreviver. Muitas delas fecharam suas portas já no final da

década de 90 ou então foram obrigadas a reduzirem suas atividades, o que também

aconteceu com ONGs médias e grandes, as quais diminuíram seu tamanho e por

conseqüência sua escala de trabalho.

Infelizmente esse quadro se mostra em um período onde a ajuda das ONGs

torna-se extremamente necessária, pois o processo de globalização que embora

saibamos não se iniciou na década de 90, foi a partir desta década que seus efeitos

tornaram visíveis, onde a concentração de riquezas nas mãos das grandes

instituições econômicas e poderosas corporações, provocaram um aumento da

pobreza no mundo, sendo que o Brasil não escapou de tal processo.

Tal fato é reconhecido pelo ex-Secretário Geral da A.I., o senegalês Pierre

Sane:

“A globalização trouxe indiscutivelmente um enorme crescimento econômico. O mundo está mais rico do que nunca, avançando tecnologicamente cada vez mais depressa. Existe um potencial sem precedentes para erradicar a pobreza e para cumprir as aspirações da Declaração Universal dos Direitos Humanos – libertação do medo e libertação da necessidade. Mas a globalização também trouxe volatilidade e instabilidade econômicas. A crise financeira asiática de 1997 trouxe desemprego em massa e deslocamento de milhões de trabalhadores migrantes. Os efeitos incluíram a diminuição dos gastos com segurança social em países da América Latina sem ligação aparente, e um súbito aumento do custo de importação para a África, de bens essenciais. A globalização foi acompanhada por pobreza e dívidas. Mais de 80 países tiveram em 2000 um rendimento per capta inferior ao de 1990. Pelo menos 1,3 bilhões de pessoas lutavam para sobreviver com menos de um dólar por dia. A desregulamentação, as privatizações e o desmantelamento dos sistemas de segurança social, conduziram , em muitos países, ao aumento das desigualdades. A corrupção aumentou em grandes zonas do mundo, tendo a insegurança pessoal, social e política sido espalhada. Como conseqüência previsível e quase inevitável este aumento da pobreza foi acompanhado por uma escalada nas violações de todos os Direitos Humanos. O Muro de Berlim pode ter sido derrubado, mas os muros da pobreza, intolerância e hipocrisia mantêm-se de pé. Os novos desafios aos Direitos Humanos que a globalização acarretou estimularam a AI a adotar novas áreas de trabalho, nomeadamente dos direitos sócios econômicos e dos agentes econômicos.”25

Diante desse quadro, a grande incógnita que fica é como se comportarão as

ONGs na presente década e se continuarão a retrair ou iniciarão um processo de

crescimento.

pelo acesso a recursos-de organismos estrangeiros ou governamentais-assim como a competição também por espaços de visibilidade na sociedade. 25ANISTIA INTERNACIONAL. Revista da Anistia Internacional, 2001. nº 51. p. 18.

29

1.3 Direitos Humanos

Assim como é bastante difícil conceitualizar as ONGs, pelo fato de serem

organismos tão diferentes entre si e com atividades bastante distintas, o mesmo

ocorre com relação aos Direitos Humanos, sendo impossível defini-los em poucas

palavras ou conceitualizarmos em apenas uma frase.

Tanto o significado como a importância dos Direitos Humanos variam muito

de acordo com a época. Isso fica bastante evidente quando tomamos por exemplo

as declarações abaixo:

“Todos os homens nascem igualmente livres e independentes, têm direitos certos,

essenciais e naturais dos quais não podem, por nenhum contrato, privar nem despojar sua

posteridade: tais são o direito de gozar a vida e a liberdade com os meios de adquirir e

possuir propriedades, de procurar obter a felicidade e a segurança.” (Seção 1 da Declaração

de Direitos da Virgínia de 12 de junho de 1776, Independência Americana)

“Os homens nascem e permanecem livres e iguais em direitos (...). Esses direitos

são a liberdade, a propriedade, a segurança e a resistência à opressão.” (artigos 1 e 2 da

Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão da Revolução Francesa de 1789)

“Todos os homens nascem livres e iguais em dignidade e direitos (...). Todo homem

tem capacidade para gozar os direitos e as liberdades estabelecidos nesta Declaração sem

distinção de qualquer espécie, seja de raça, cor, sexo, língua, religião, opinião política ou de

outra natureza, origem nacional ou social, riqueza, nascimento, ou qualquer outra condição

(...).

Todo o homem tem direito à vida, à liberdade e à segurança pessoal.” (artigos I, II e III da

Declaração Universal dos Direitos do Homem, proclamada a 10 de dezembro de 1948 pela

Assembléia das Nações Unidas)

Ou seja, diferentes declarações, diferentes textos e diferentes momentos

históricos. Os trechos acima nos mostram como inúmeros outros documentos,

declarações, textos, cartas, etc., os últimos duzentos anos da história humana. São

apenas fragmentos que representam não ideais, mas muito mais que isso pois são o

resultado de grandes lutas travadas pelos povos para se livrarem da opressão, da

exploração, do preconceito e também da violência. Ai reside o objetivo da luta pelos

Direitos Humanos.

30

Hoje, em pleno início de século XXI, quando estamos prestes a comemorar os

60 anos da Declaração Universal da ONU ao ouvirmos alguém falar a respeito de

Direitos Humanos, nos passa pela cabeça muitas idéias: Revolução Francesa,

Declaração da ONU, Independência Americana, ditaduras militares, pena de morte,

torturas, etc.

Embora o tema esteja relacionado a tudo isso, é necessário começarmos “do

início” para entender como surgiu e se desenvolveu o que hoje chamamos de

Direitos Humanos e como podemos analisá-lo do ponto de vista do papel que a A.I.

desempenha na sua luta pela afirmação desses Direitos Humanos.

Para alguns trata-se dos direitos inerentes à vida, à segurança individual, aos

bens que preservam a humanidade. Para outros, Direitos Humanos trata-se de

valores superiores que se encarnam nos homens. Outros, dado uma conotação

positiva ao termo, entendem que Direitos Humanos são o produto da competência

legislativa do Estado ao reconhecer direitos e estabelecer um equilíbrio na

sociedade.

Enfim, o tema é bastante complexo, como salientamos anteriormente, e assim

como também ocorre com outros tema - democracia, liberdade e a justiça - Direitos

Humanos tem recebido uma série de significados e interpretações as mais

contraditórias possíveis.

Para se compreender o significado dos Direitos Humanos é importante

entendê-los, antes de qualquer coisa, como sendo um tema com claro conteúdo

político. Assim, quando um ditador se declara “defensor dos Direitos Humanos”, ele

nos deixa bem claro que enorme diferença de conteúdo político e ideológico que

existe da sua concepção com relação, por exemplo, aquela defendida por familiares

de desaparecidos políticos de ditaduras militares, dos presos de consciência que

existem ao redor do mundo, da dura censura imposta a imprensa em muitos países

do mundo, do cerceamento da liberdade de expressão, etc.

Interessante notar que sempre ao nos referirmos aos Direitos Humanos, outro

tema que ouvimos com bastante freqüência, desde pequenos, é o fato de que “todos

nascem iguais ou livres”, ou então que “todos são iguais perante a lei”. Mas uma

pergunta que nos fica ao conhecermos a realidade que se mostra a nossa frente:

isso realmente é verdade ou não passa de expressões bonitas em documentos que

ganharam importância histórica?

31

Na realidade, as idéias que constam em tais documentos que nos foram

passadas ao longo dos tempos foram enunciadas de forma solene em algumas

declarações que passaram para a história dos povos. A pergunta que deve ser feita

é se os direitos enunciados em tais declarações são realmente verdadeiros ou os

únicos direitos do homem. E se tais direitos são ou não verdades eternas, naturais.

Cada uma dessas idéias e concepções representam diferentes momentos da

história do pensamento e das sociedades humanas, construindo um conjunto de

argumentos de caráter filosófico que passa a justificar a escolha de um elenco de

direitos, em detrimento a outros, como os verdadeiros e absolutos Direitos Humanos.

Na impossibilidade de fazermos uma abordagem histórica dos Direitos

Humanos, a partir da sua construção histórica desde os tempos da Idade Antiga,

enfocaremos o tema a partir do advendo do Jusnaturalismo, e seus teóricos.

Começamos com o processo histórico de expansão do status de cidadão, o

qual está relacionado com a luta da burguesia contra as restrições imposta pela

monarquia, pelo Estado absolutista, o qual garantia regalias para o clero e a nobreza

e impedia o fortalecimento da burguesia como classe social.

Assim, a burguesia possuía porta-vozes no meio filosófico, para defender

seus interesses, sendo que um deles era John Locke, o qual estava filiado a

corrente do jusnaturalismo, a qual também era composta26 por Thomas Hobbes,

Jean Jacques Rousseau e Immanuel Kant.

O livro de Locke intitulado “Segundo Tratado sobre o Governo”, de 1690,

encontramos as justificativas para os primeiros Direitos Humanos, ainda que estes

servissem como respaldo para a luta da burguesia, ou seja, de uma parcela bastante

pequena da sociedade, contra o Absolutismo.

O ponto de partida de Locke é o "estado de natureza seguido de um

"contrato" entre os homens, que criou a sociedade e o governo civil. Sustenta que,

mesmo no estado de natureza, o homem é dotado de razão. Dessa forma, cada

indivíduo pode conservar sua liberdade pessoal e gozar do fruto de seu trabalho.

Entretanto, nesse estado natural faltam leis estabelecidas e aprovadas por todos e

um poder capaz de fazer cumprir essas leis. Os indivíduos, então consentem em

abrir mão de uma parte de seus direitos individuais, concedendo ao Estado a

faculdade de julgar, punir e fazer a defesa externa. Entretanto, se a autoridade

26 Embora fizessem parte da mesma corrente filosófica, o jusnaturalismo, havia muitas diferenças entre seus pensamentos.

32

pública, a quem foi confiada a tarefa de a todos proteger, abusar de seu poder, o

povo tem o direito de romper o contrato e recuperar a sua soberania original. Assim,

Locke defendia o direito do povo de se sublevar contra o governo e justificativa a

derrubada e a substituição de um soberano legítimo por outro. Para ele:

“O poder absoluto arbitrário ou o governo sem leis fixas estabelecidas não se podem harmonizar com os fins da sociedade e do governo pelo qual os homens abandonassem a liberdade do estado de natureza para sob ele viverem, se não fosse para preservar-lhes a vida, a liberdade e a propriedade e para garantir-lhes por meio de regras estabelecidas de direito e de propriedade, a paz e a tranqüilidade.”27

Ou seja, a passagem do "estado natural" para o "estado social" só pode ser

feita pelo consentimento (e não pela conquista) dos homens.

Entre os direitos que, segundo Locke, o homem possuía quando no estado de

natureza, está o da propriedade privada que é fruto de seu trabalho. O Estado deve,

portanto, reconhecer e proteger a propriedade. Locke defende também que a

religião seja livre e não dependa do Estado.

Assim, temos a justificativa, segundo Locke, dos primeiros direitos, os direitos

civis, constantes nas Declarações de Direitos até os dias de hoje: o direito à vida, à

propriedade, à liberdade e à igualdade perante a lei.

Através da argumentação de Locke, temos a raiz da concepção liberal do

Estado, observando-se que até então a concepção dos direitos era dominada pela

ideologia da Igreja Católica, a qual justificava todos os direitos em função da vontade

de Deus. A teoria do jusnaturalismo fornece uma justificativa humana e portanto não

religiosa aos direitos do homem, substituindo a vontade divina pelo estado da

natureza.

Em várias passagens de seu livro, “Segundo Tratado sobre o Governo”,

Locke dá ênfase especial a propriedade, como pudemos observar acima, afirmando

sua defesa em prol da burguesia nascente. Isso se deve pelo fato que a

regulamentação e o reconhecimento da propriedade burguesa eram extremamente

necessários para o fortalecimento da burguesia como classe. Assim, fica claro que a

liberdade e a igualdade que os filósofos jusnaturalistas pregavam, eram para um

parcela bastante restrita da população, se subordinando ao direito à propriedade.

27 LOCKE, John. Segundo Tratado sobre o Governo, 2002. p. 89.

33

Mas se o jusnaturalismo teve considerável influência sobre a abordagem dos

Direitos Humanos, entendemos que se trata de uma construção histórica. Todos os

avanços conceituais e documentais ao longo do tempo, inclusive com a

incorporação de novos direitos, comprovam a historicidade dos Direitos Humanos,

tese essa defendida por Norberto Bobbio, na medida em que esses direitos vão se

alternando de acordo com as necessidades da humanidade em cada momento

histórico. O próprio Bobbio afirma que “os Direitos Humanos nascem quando devem

ou podem nascer.”28

Podemos afirmar que tais direitos não são direitos inerentes aos seres

humanos, mas sim aqueles que advém das necessidades e das lutas concretas, ou

seja, os Direitos Humanos são o produto não da natureza, mas sim da civilização

humana. Bobbio afirma que “enquanto direitos históricos, eles são mutáveis, ou seja,

suscetíveis de transformação e de ampliação.”29

Assim, justamente essa transformação e principalmente a ampliação e

afirmação dos direitos é o processo histórico fundamental, o qual afirma a

necessidade de afirmar e proteger os Direitos Humanos e levá-los a parcelas cada

vez maiores da população, o que vem de encontro ao trabalho da A.I.

Alguns dos documentos mostrados no início deste subitem, tais como a

Declaração de Direitos do Estado da Virgínia, de 1776, a Declaração dos Direitos do

Homem, da Revolução Francesa de 1789 irão se constituir nos primeiros

documentos na linha das atuais declarações de direitos, sendo que muitos de seus

artigos vêm sendo incorporados nas Constituições e códigos de leis de um número

cada vez maior de países.

Ressaltamos, porém, que na verdade o embrião dos documentos a respeito

dos Direitos Humanos foi a Magna Carta, do rei inglês João Sem Terra, de 1215, na

qual os senhores feudais, descontentes com os abusos na taxação de impostos e

pelas sucessivas derrotas da Inglaterra frente à França, impuseram ao rei João

Sem-Terra esse documento, que determinava que a partir de então os reis ingleses

só poderiam aumentar impostos ou alterar leis com a aprovação do Grande

Conselho, composto por membros do clero, condes e barões; ou seja, tinha por

objetivo impor preceitos compulsórios, os quais nem mesmo o soberano poderia

28 BOBBIO, Norberto. A era dos direitos, 1992. p. 06. 29 Ibid. p. 32.

34

violar. Vemos na Carta Magna o nascimento do princípio básico de que há direitos

individuais, os quais, o Estado, por mais soberano que seja, não pode infringi-los.

Já no século XIX, embora de maneira bastante lenta e gradual, verificamos o

reconhecimento dos direitos chamados de “civis e políticos”, naqueles países

considerados de Primeiro Mundo. Isso foi conseguido de forma bastante paulatina30,

a medida que os povos foram conquistando o direito ao voto, a expor suas idéias, a

liberdade de expressão, o direito de greve, etc.

Em 1966, por exemplo, a Assembléia Geral da ONU adota e proclama

simultaneamente, dois documentos bastante significativos no campo dos Direitos

Humanos, tratando-se do Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos e o Pacto

Internacional dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais. Embora sejam

documentos diferentes, podemos dizer que os mesmos constituem-se em uma

continuação da Declaração Universal dos Direitos do Homem, na medida em que

pela generalidade de suas propostas reafirmam e expandem os direitos contidos na

declaração. Devemos observar que se por um lado, um dos documentos agrega no

mesmo plano os direitos civis e políticos, por outro lado, os direitos sociais são

colocados juntamente com os direitos econômicos e culturais.

Se tal subdivisão31 dos Direitos Humanos é largamente utilizada, outra

subdivisão da qual também muito se utiliza atualmente é aquela que separa os

Direitos Humanos por gerações32, sendo os de “primeira geração”, também

chamados de “direitos individuais”, correspondem aos direitos civis e políticos,

aqueles obtidos pelo resultado da independência das colônias inglesas na América

do Norte e também da Revolução Francesa. Os direitos de “segunda geração”, os

chamados “direitos coletivos”, são aqueles que surgem no século XX, reivindicando

a igualdade para além da lei, correspondendo aos “direitos econômicos e sociais”.

Os direitos de “terceira geração” surgem a partir da Segunda Guerra Mundial e

30 Tais conquistas foram intensificadas apenas no século XX, juntamente com a emergência dos chamados “direitos sociais”. 31 Direitos humanos em civis, políticos e sociais (e nos dias de hoje, agrega-se aos sociais os direitos econômicos e culturais) 32 O termo “gerações de direitos humanos” foi cunhado pelo jurista francês Karel Vasak, na aula inaugural que proferiu em 1979 no Instituto Internacional dos Direitos Humanos, em Estrasburgo, sob o título "Pelos direitos do homem da terceira geração: os direitos de solidariedade”. Na época Vasak era Diretor da Divisão de Direitos do Homem e da Paz da UNESCO. Aí nasceu a idéia de que os direitos do homem chegam a uma terceira geração: os direitos de solidariedade. A inspiração para Vasak dividir os direitos humanos em três gerações de direitos veio dos três temas da Revolução Francesa: a liberdade-relacionada aos direitos de primeira geração, a igualdade-relacionada aos direitos de segunda geração e finalmente a fraternidade-relacionada aos direitos de terceira geração.

35

também são conhecidos como os “direitos dos povos ou direitos de solidariedade”,

como por exemplo, o direito à paz, ao desenvolvimento e à autodeterminação dos

povos, preservação ambiental, entre outros.

Apesar dos avanços obtidos com tal abordagem dos Direitos Humanos

entendemos não ser correta a subdivisão e hierarquização de direitos pois isso

acaba obscurecendo a indivisibilidade e interdependência dos Direitos Humanos,

tese essa reforçada por documentos posteriores, bem como por diversos autores.

Como, por exemplo, afirma Valério de Oliveira Mazzuoli:

“Firma-se, então, a concepção contemporânea de Direitos Humanos, fundada nos pilares da universalidade, indivisibilidade e interdependência desses direitos. Diz-se universal, "porque a condição de pessoa há de ser o requisito único para a titularidade de direitos, afastada qualquer outra condição"; e indivisível, "porque os direitos civis e políticos hão de ser somados aos direitos sociais, econômicos e culturais, já que não há verdadeira liberdade sem igualdade e nem tampouco há verdadeira igualdade sem liberdade", como pontifica a Prof.ª Flávia Piovesan"33

A indivisibilidade e interdependência dos Direitos Humanos também é

reforçada no artigo 5º da Declaração de Viena34, conforme segue:

“Todos os Direitos Humanos são universais, indivisíveis, interdependentes e inter-relacionados. A comunidade internacional deve tratar os Direitos Humanos globalmente de maneira justa e eqüitativa, em pé de igualdade e com a mesma ênfase.”

Estudiosos e militantes dos Direitos Humanos entendem que as violações

contra os Direitos Humanos estão interligadas, ou seja, a violação de um direito

sempre acarreta em violação contra outro(s) direito(s). Algumas situações podem

ser citadas para exemplificar esse acarretamento de violações: a ausência de

liberdade de expressão geralmente acaba em prisões arbitrárias; a ausência do

direito de greve acarreta em piores condições sociais, como salários baixos,

condições de trabalho inadequadas, a eleição indireta de nossos governantes (a

ausência do voto popular) geralmente acarreta na falta de liberdade de expressão,

etc.

Dentre o assunto tratado até o presente momento, há duas questões bastante

importantes para a atuação da A.I., as quais emergem com a Declaração Universal e

33 MAZZUOLI, Valério de Oliveira. Direitos humanos e cidadania à luz do novo direito internacional. Disponível em: <http://www.ambito-juridico.com.br> (in "Seminário Virtual Ambito-jurídico: Temas Atuais do Direito Constitucional"). Acesso em: 23 de abril de 2003 34 A Declaração de Viena, fruto da 2ª Conferência Mundial de Direitos Humanos, realizada em Viena, em 1993, reafirmou os princípios da universalidade, indivisibilidade e interdependência dos direitos humanos, consagrando-os como um tema de abrangência global.

36

é reforçada pelos documentos posteriores, principalmente aquele que nos referimos

anteriormente, a Declaração de Viena: a universalização e a internacionalização dos

Direitos Humanos.

A universalidade dos Direitos Humanos implica em dignidade inerente a todo

ser humano, o que faz com que todos sejam portadores de direitos, independente de

país, religião, posição política, sexo, etc. Nesse aspecto a Declaração de Viena teve

uma importância fundamental pois conseguiu superar o relativismo cultural ou

religioso ao afirmar que “a natureza universal de tais direitos e liberdades não admite

dúvidas”.35

Para tanto, as diferenças36 existentes entre cada cultura foram tratadas de

forma bastante adequada, fazendo jus as particularidades históricas, culturais e

religiosas que devem ser sempre levadas em consideração. A A.I. entende,

baseando-se na Declaração de Viena, que os Estados têm o dever de promover e

proteger todos os Direitos Humanos, independentemente dos respectivos sistemas.

Mas, infelizmente a questão da universalização dos Direitos Humanos ainda

não é unanimidade. Vários Estados não aceitam-na, pois reivindicam o chamado

relativismo cultural37, o que geralmente é uma desculpa para violar os Direitos

Humanos de forma impune. A desculpa completa-se com a argumentação que

acima dos Direitos Humanos estão a cultura, a religião e o código moral vigente de

cada país, ou então o velho argumento de que os Direitos Humanos “são uma

ideologia ocidental e imperialista, associando seus princípios a interesses norte-

americanos.”38

A atuação universal da A.I. constitui uma de suas marcas, ressaltada aliás

pelos seus membros, vítimas, membros de outras ONGs devido a riqueza de uma

organização que luta pelos Direitos Humanos e que simultaneamente defende um

preso torturado no Timor Leste, mulheres condenadas à morte no Irã, posiciona-se

35 Artigo 1º da Declaração de Viena 36 Esse tema foi tratado no artigo 5º da Declaração de Viena 37 O relativismo cultural constitui-se, atualmente, em um dos mais complexos problemas enfrentados pela A.I. Um dos melhores exemplos a respeito é a campanha da A.I. contra a mutilação genital feminina, a MGF, que significa a total extirpação, ou parte, do clitóris de crianças e adolescentes, em algumas sociedades, chegando até a extirpação dos lábios vaginais, com o objetivo de eliminar o prazer sexual das mulheres. A prática é bastante comum em países africanos e asiáticos (regiões do Oriente Médio e algumas regiões da Indonésia, por exemplo). Tal prática é realizada há milênios, misturando-se a religião o papel submisso que muitas dessas sociedades reservam à mulher. De acordo com a A.I., as conseqüências da MGP para a saúde da mulher são nefastas, pois aproximadamente 30% das mulheres submetidas a prática acabam falecendo, vítimas de sangramentos, tétano, hemorragias, etc., decorrentes da extirpação do clitóris.

37

contra a tortura policial no Brasil, exige punição dos responsáveis por um extermínio

de camponeses no México, luta por refugiados africanos na Europa vitimizados pelo

preconceito, por um prisioneiro curdo no Iraque, etc.

Mas surge um questionamento: se os Direitos Humanos são universais,

pressupõe-se então que eles sejam respeitados no mundo inteiro, mas como fazer

com que esse “respeito” seja cumprido, dada a dimensão e a diversidade do

mundo? Tenta-se então a observação, o controle, o monitoramento e, o que é mais

difícil, a punição dos responsáveis e a indenização e reparos às vítimas, através de

instâncias e organizações supranacionais. Apesar do freqüente questionamento feito

com relação à soberania e a resistência de vários Estados, ao longo do tempo têm

ocorrido significativos avanços nessa área. Todo esse processo é chamado de

internacionalização dos Direitos Humanos, o qual foi reafirmado e revigorado pela

Declaração de Viena.

Flávia Piovesan ao analisar os antecedentes do processo de

internacionalização dos Direitos Humanos, ressalta que suas origens estão no

Direito Humanitário, da Liga da Nações e da Organização Internacional do Trabalho-

OIT, no século XX, antes, portanto, da Segunda Guerra Mundial. Mas foi a

Declaração Universal dos Direitos do Homem que, de uma vez por todas, abriu o

caminho para esse processo. Para Piovesan,

“Os Direitos Humanos tornam-se numa legítima preocupação internacional com o fim da Segunda Guerra Mundial, com a criação das Nações Unidas, com a adoção da Declaração Universal dos Direitos do Humanos pela Assembléia Geral da ONU, em 1948 e, como conseqüência, passam a ocupar um espaço central na agenda das instituições internacionais. No período do pós-guerra, os indivíduos tornam-se foco de atenção internacional. A estrutura do contemporâneo Direito Internacional dos Direitos Humanos começa a consolidar. Não mais poder-se-ia afirmar, no fim do século XX, que o Estado pode tratar de seus cidadãos da forma que quiser, não sofrendo qualquer responsabilização na área internacional.”39

A citação de Piovesan nos aponta para uma questão fundamental para uma

organização como a A.I.que atua em relação a casos individualizados de violações

de Direitos Humanos; trata-se da emergência do sujeito como portador de direitos

não só no âmbito do território nacional, mas também no internacional, no que diz

respeito à reivindicação dos direitos por parte das vítimas.

38 É o caso, por exemplo, do Irã 39 PIOVESAN, Flávia. Direitos Humanos e o Direito Constitucional Internacional, 1997. p. 141.

38

Os Estados que violam os Direitos Humanos questionam o processo de

internacionalização de tais direitos através da cláusulas de não-ingerência nos

assuntos internos dos países (ou seja, a soberania ou a autodeterminação dos

povos), de acordo com documentos internacionais, como por exemplo, o Pacto

Internacional de Direitos Civis e Políticos, de 1966. Porém, esses mesmos

documentos ressaltam que acima da soberania estão os direitos da população

independentemente do Estado, o que evidencia a emergência do sujeito como

portador de direitos, acima da noção de soberania.

Porém, o processo descrito anteriormente por Piovesan somente pode

acontecer se houver instituições que estejam acima dos Estados nacionais, que

possam questionar as violações e possivelmente puni-las. Porém, deve-se estar

muito atento a questão que o Direito Internacional dos Direitos Humanos , assim

como todos os seus instrumentos, não têm por objetivo substituir o sistema nacional,

mas sim ser um direito paralelo e suplementar ao direito nacional, no sentido de que

sejam superadas as omissões e as deficiências do direito nacional.

No sistema internacional de proteção aos Direitos Humanos, Piovesan alega

que o “Estado tem responsabilidade primária pela proteção desses direitos, ao

passo que a comunidade internacional tem a responsabilidade subsidiária.”40 Assim

sendo, os procedimentos internacionais têm natureza subsidiária, fazendo com que

possuam um papel adicional de proteção aos Direitos Humanos no caso das

instituições nacionais falharem.

A ONU, por exemplo, é uma organização que tem assumido esse papel, de

forma concomitante com os sistemas regionais, basicamente o americano (o qual

tem como principal instrumento a Convenção Americana de Direitos Humanos de

1969, que estabelece a Comissão Interamericana de Direitos Humanos e a Corte

Interamericana), o europeu (o qual conta com a Convenção Européia de Direitos

Humanos de 1950, que estabelece a Comissão e a Corte Européia de Direitos

Humanos) e o africano (apresentando como principal instrumento a Carta Africana

de Direitos Humanos de 1981, que por sua vez estabelece a Comissão Africana de

Direitos Humanos), os quais são reforçados por ONGs, sendo uma delas a A.I., uma

vez que, conforme já salientado anteriormente, a A.I. é uma organização que se

baseia na universalização e internacionalização dos Direitos Humanos, na medida

40 Ibid. p. 177.

39

em que tem uma atuação planetária que questiona, denuncia e exige providências,

de acordo com os documentos e sistemas de proteção (ONU e regionais).

Um exemplo bastante ilustrativo seria o caso do ditador chileno General

Augusto Pinochet, pois, embora não se tenha conseguido o seu julgamento por um

tribunal espanhol, pelo precedente que se abriu, há um certo consenso que houve

significativo avanço na luta pelos Direitos Humanos e isso, em alguma medida,

também se deve à pressão da A.I., dentre outras organizações.

Tanto no âmbito da ONU, como dos regionais, os documentos internacionais

de Direitos Humanos têm se constituído em normas com força da lei (o que os

juristas chamam de garantia dos Direitos Humanos), a evidenciar um processo de

“juridicização dos Direitos Humanos”41.

O ápice desse processo seria a criação de um Tribunal Penal Internacional

para julgar principalmente os autores de genocídio, casos nos quais a A.I. tem se

envolvido profundamente nessa questão. Um dos maiores desafios na área dos

Direitos Humanos atualmente, e motivo de intensos debates, é fazer com que os

documentos internacionais de Direitos Humanos tenham força de lei, a ponto dos

governos e governantes de países que os violam serem julgados e punidos por

tribunais que estejam acima dos próprios países.

Portanto, entendemos que quando a A.I. consegue fazer cessar uma violação

de Direitos Humanos ou então consegue evitá-la (através de atividades de

promoção dos Direitos Humanos, como por exemplo, o trabalho da A.I. com relação

à educação e os direitos humanos como será abordado no Capítulo III) dá-se um

enorme avanço com relação a afirmação dos Direitos Humanos e também em

termos de cidadania, sendo esta última baseada nos direitos abordados até aqui.

40

CAPÍTULO 2

ANISTIA INTERNACIONAL: HISTÓRIA, TRAJETÓRIA E TRABALHO

O objetivo deste capítulo é apresentar a Anistia Internacional ao leitor,

mostrando seu processo de evolução histórica, sua organização administrativa,

filosofia de trabalho e métodos utilizados na luta pelos Direitos Humanos. Será dada

ênfase nos trabalhos e projetos desenvolvidos pela Anistia no contexto externo, sem

qualquer correlação quanto a sua atuação no Brasil, pois este será o tema do

capítulo seguinte.

2.1 A História da Anistia Internacional

Antes de tratarmos especificamente da história da Anistia Internacional, é

necessário analisarmos o contexto da época em que esta surgiu.

Após a Segunda Guerra Mundial, diante do cenário do holocausto e do

repúdio internacional às atrocidades cometidas pelas forças nazistas e fascistas, o

processo de internacionalização dos Direitos Humanos obteve impulso, ou seja, a

consolidação do direito internacional dos Direitos Humanos surge como um

fenômeno pós-guerra. A reconstrução dos Direitos Humanos como referencial e

paradigma ético, mostra-se imprescindível e para essa reconstrução tomar impulso,

a melhor forma é o processo de internacionalização.

A Declaração dos Direitos Humanos42, promulgada em 1948 pelos países que

faziam parte da Organização das Nações Unidas-ONU, idealizada como uma

espécie de código comum e universal dos Direitos Humanos, contribuiu para a

consolidação de uma ética universal e um parâmetro internacional para a proteção

destes direitos, e tinha por objetivo promover o reconhecimento universal dos

Direitos Humanos e das liberdades fundamentais.

41 Ibid. p. 191. 42 O trabalho da Anistia Internacional se apóia na Declaração Universal dos Direitos Humanos, e os direitos contidos em tal Declaração incluem o direito à liberdade de expressão, consciência e religião,

41

Mesmo com a promulgação dessa declaração por vários países da ONU, a

situação dos Direitos Humanos no pós-guerra ainda encontrava diversas

dificuldades. O mundo caminhava para a guerra fria, na qual havia uma corrida

armamentista entre as principais potências da época: EUA e URSS, cujo ápice foi a

crise dos mísseis em Cuba.

Nos países do chamado Terceiro Mundo, as violações dos Direitos Humanos,

foram frutos das lutas pela independência, revoluções, golpes, ditaduras,

movimentos guerrilheiros, etc, sendo exemplos, a descolonização da maior parte da

África, em geral de forma violenta43, e também o avanço dos EUA sobre a América

Latina, principalmente nas décadas de 60 e 70, com intervenções armadas e apoio

logístico a ditaduras militares que claramente violavam os Direitos Humanos.

Para Cassiano Ricardo Martines Bovo:

“Nos países de Primeiro e Segundo Mundo essas violações ocorreram no contexto da propaganda do sistema e do combate a quaisquer idéias e pessoas simpatizantes do sistema contrário. Nos EUA – caça às bruxas – e URSS, por exemplo, assistimos a uma verdadeira caçada aos suspeitos de simpatizar com o sistema adversário.”44

Ou seja, boa parte da população mundial vivia nos anos 50, 60 e 70 sob

ditaduras, fossem elas de esquerda ou de direita, as quais se mantinham no poder

pelo fato de violarem, sistematicamente, os Direitos Humanos.

É neste cenário que surge a Anistia Internacional, a qual foi criada para lutar

pelas pessoas que estavam presas ou então eram perseguidas pelas várias

ditaduras surgidas no contexto da Guerra Fria.

Uma dessas ditaduras, a de Salazar45, em Portugal, foi indiretamente

responsável pelo surgimento da Anistia Internacional.

No início dos anos 60, Portugal vivia sob um regime ditatorial, naquilo que foi

chamado por muitos de “as trevas do salazarismo”, a qual infernizava a vida dos

portugueses, calando suas vozes e tolhendo a liberdade de expressão. Mas diante

o direito a não ser submetido a prisão ou detenção arbitrárias, o direito a um julgamento imparcial, o direito à vida, à liberdade e à segurança pessoais e o direito a não ser torturado. 43 Principalmente nos países adeptos do Pan-Africanismo, envolvendo a luta pelas forças apoiadas pela URSS e EUA. 44 BOVO, Cassiano Ricardo Martines. Anistia Internacional: roteiros de cidadania em construção, 2002, p. 72. 45 Antonio de Oliveira Salazar foi o chefe do golpe militar que depôs o Regime Parlamentar em 1926 e instaurou a partir de 1933, o Estado Novo, a ditadura que governou Portugal até 1974, constituindo-se na mais longa da história da Europa Ocidental.

42

desse quadro, em um bar de Lisboa, no início de 1961, dois estudantes

portugueses, diante de uma platéia perplexa, ousaram com coragem desafiar a

ditadura salazarista: ergueram suas taças e fizeram um brinde à liberdade. De

imediato foram presos, processados e condenados a 07 anos de prisão por

“conspirarem” contra o Estado Português.

Na parte norte do continente europeu, na Inglaterra, o advogado Peter

Benenson, como fazia cotidianamente, lia o jornal no metrô, a caminho do seu

escritório, quando deparou-se com uma pequena nota publicada a respeito dos

estudantes portugueses. Ficou indignado e por algum tempo pensou no que poderia

fazer para tentar impedir que fatos como o dos estudantes portugueses

continuassem acontecendo.

A indignação sempre fez parte da vida desse advogado inglês. Aos 16 anos

realizou a sua primeira campanha para obter apoio da escola onde estudava para a

causa dos órfãos republicanos da Guerra Civil Espanhola. Segundo seus amigos

mais próximos, Benenson sempre achava que poderia ter feito mais e dizia: “se há

coisa de que me arrependo na vida é de não ter ido à Espanha participar da Guerra

Civil.”46

Assim, Benenson imaginou uma nova forma de pressão sobre as ditaduras e

os governos em geral: o envio de milhares de cartas, telegramas e protestos por

escrito. Inicialmente várias pessoas mostravam-se céticas com o objetivo desse

trabalho. Achavam que seria ingenuidade imaginar que cartas ou telegramas

destinados aos governantes pudessem libertar prisioneiros ou mesmo livrá-los da

tortura. Mas Benenson teve a idéia de levar essa pressão sobre os governos para a

grande imprensa, com o objetivo de chamar a atenção pública mundial sobre as

constantes violações contra os Direitos Humanos.

Dessa forma, juntamente com os advogados Sean Mac Bride47, Erick Backer

e Louis Blom-Cooper organizou um núcleo de trabalho sobre o tema, o qual foi

ampliado e acabou atraindo as adesões de importantes advogados, jornalistas,

políticos e intelectuais. O núcleo contava com a valiosa ajuda de seu amigo David

46 KONDER, Rodolfo. Anistia Internacional: uma porta para o futuro, 1988, p. 67. 47 Sean Mac Bride ficaria conhecido no Brasil, como veremos adiante, quando foi presidente da A.l., por interpelar o governo militar brasileiro a respeito das violações dos direitos humanos e da prática de tortura com presos políticos, cujas denúncias eram freqüentes nos relatórios da A.I. na década de 70.

43

Astor, jornalista editor do jornal londrino The Observer, o qual lhe abriu espaço para

o lançamento da campanha.

Como resposta ao acontecimento envolvendo os estudantes portugueses,

Benenson publicou em 28 de maio de 1961 o artigo intitulado The Forgotten

Prisioners (Os prisioneiros esquecidos), no qual fazia o lançamento da campanha de

âmbito mundial, intitulada Appeals for Amnesty (Apelos para Anistia), apelando aos

governos no sentido de que libertassem as pessoas que haviam sido detidas por

discordarem das opiniões oficiais, ou lhes garantissem um julgamento justo. O artigo

marca o surgimento da Anistia Internacional:

“ON BOTH SIDES of the Iron Curtain, thousands of men and women are being held in gaol whithout trial bec

ause their political or religious views differ from those of their Governments. Peter Benenson, a London lawyer, conceived the idea of a world campaign, APPEAL FOR AMNESTY, 1961, to urge Governments to release these peoples or a least give them a fair trial. The campaign opens today, and The Observer is glad to offer it a platform.”48

Neste artigo Benenson não tratou apenas do caso dos estudantes

portugueses presos pela ditadura salazarista, mas também relatou outros a respeito

de prisioneiros e prisioneiras em vários países, presos apenas por defenderem ou

expressarem suas idéias, ideologias, crenças e convicções. Entre eles se destacava

o caso de um médico e poeta angolano, o qual fora preso sem processo e que se

encontrava encarcerado nas Ilhas Cabo Verde, pois nessa época Angola e Cabo

Verde ainda eram colônias portuguesas. Tratava-se de Agostinho Neto, o político

que anos mais tarde seria o primeiro presidente de Angola após a sua

independência de Portugal. Essas pessoas desde que não tivessem utilizado ou

então feito apologia a violência como forma de protesto, foram chamadas por

Benenson como prisioneiros de consciência e a mobilização por eles acabou sendo

o motor propulsor da A.I., mobilizando a ação popular de inúmeras pessoas.

48 The Observer, 28 de maio de 1961, p.24 apud BOVO, Cassiano Ricardo Martines. Anistia Internacional: roteiros de cidadania em construção, 2002, p. 72.

44

Este primeiro artigo juntamente com a campanha teve grande repercussão,

principalmente em importantes jornais49, os quais deram ampla cobertura à

campanha, ajudando a ampliar a iniciativa.

O resultado foi bastante expressivo: o núcleo de trabalho que contava com

Benenson, Bride, Baker e Cooper recebeu uma quantidade expressiva de cartas as

quais continham denúncias e informações a respeito dos prisioneiros de consciência

espalhados pelo mundo, revelando uma quantidade bem superior aquela que

imaginavam existir. Com isso, os grupos de ação multiplicaram-se, estimulando

escolas e igrejas a participarem da campanha.

Essa fórmula proposta para a ação de cada grupo de colaboradores da

campanha, viria a ser a marca registrada da A.I.: cada grupo seria responsável por

três prisioneiros de consciência, ou seja, iria “adotá-los” e iniciaria a campanha para

pressionar o governo que fosse responsável pelas suas prisões. Para não haver

privilégios a países ou continentes, o esquema traçado seria que dentre os

prisioneiros um teria que pertencer a algum país socialista, outro a qualquer nação

do Ocidente e o último ao Terceiro Mundo. Esse esquema de equilíbrio geográfico é

mantido até hoje pela A.I.

Ao longo da sua caminhada, a A.I. Obteve sucesso, vitórias, enfrentou vários

desafios e passou por inúmeras crises, até se firmar como uma das maiores

organizações na luta pela defesa garantia e proteção dos Direitos Humanos.

Um dos primeiros obstáculos enfrentados pela A.I., o qual gerou inúmeras

controvérsias foi com relação ao caso de Nelson Mandela, na época prisioneiro do

regime de segregação racial da África do Sul, o apartheid. Mandela já havia sido

adotado como prisioneiro de consciência quando fora preso em 1962, acusado de

organizar uma greve de trabalhadores africanos e de tentar sair do país sem

passaporte. Até então, com relação a militância política, Mandela liderava

campanhas não violentas contra a política racista do governo da África do Sul.

Em 1964 foi preso por sabotagem, sendo condenado a prisão perpétua.

Nessa época, o grupo britânico da A.I., o qual adotara Mandela e trabalhava no seu

caso, decidiu que a adesão do mesmo a métodos violentos fazia com que Mandela

perdesse a condição de preso de consciência.

49 Entre eles destacam-se o Le Monde (França), o The New York Herald Tribune (EUA), o Corriere della Sera (Itália), além de jornais da Holanda, Alemanha, Bélgica, Índia e até um jornal de Barcelona, pois nessa época a Espanha vivia sob a ditadura de Franco.

45

Tal posicionamento deflagrou um intenso debate, o qual somente teve fim

quando a A.I. resolveu fazer uma consulta a todos os membros. O resultado foi que

a maioria decidiu manter que a norma básica de que a A.I. não deveria adotar como

prisioneiros de consciência as pessoas que usam a violência ou então advogam o

seu emprego. Apesar dessa decisão, muitos militantes se sentiram insatisfeitos pois

acreditavam que a mesma refletia um abandono de Mandela justamente na hora em

que era condenado, correndo o risco de não sair vivo da prisão.

A solução encontrada foi a de não considerar mais Mandela como preso de

consciência, mas a A.I. continuaria pressionando as autoridades da África do Sul e

divulgando ao mundo o caso Mandela, considerando injusto seu julgamento, severas

demais as condições de encarceramento, bem como denunciando os sinais de

torturas que fossem encontrados contra o prisioneiro.

Outro caso de grande repercussão e gerador de intensa polêmica dentro da

A.I. foi a denúncia, em um relatório divulgado em 1966, que o exército britânico

praticava tortura em Aden50, onde a administração colonial inglesa declarara estado

de emergência, após um atentado contra o Alto Comissionário do Governo da

Inglaterra.

Através da Seção Sueca da A.I., realizou-se rigorosa investigação para se

apurar denúncias de prisões em massa de suspeitos de praticarem atos de

terrorismo, as quais eram realizadas sem qualquer acusação formal. Constatou-se a

existência de tortura e violência, por parte dos soldados britânicos, contra

prisioneiros árabes, concluindo que o estado de emergência violava a Declaração

dos Direitos Humanos, da ONU. O responsável pela investigação, o sueco

Selahaddin Rastgeldi afirmou que o governo britânico havia impedido sua visita a

campos de internamento de presos. Benenson, não se dando por satisfeito foi

pessoalmente a Aden para verificar a história relatada por Rastgeldi, publicando logo

em seguida o relatório da missão de investigação na imprensa sueca.

A reação na Inglaterra foi violenta pois grande parte da impresa acusava

Rastgeldi de agir preconceituosamente e de forma parcial, em razão da sua origem

turco-curda.

Segundo Rodolfo Konder o episódio foi o estopim para vir a tona divergências

que existiam no interior da A.I.. Para ele,

50 Cidade do Iêmen, país que foi colônia inglesa de 1839 a 1967, quando declarou-se independente.

46

“Benenson continuava a suspeitar de que alguém dentro da Anistia se deixara pressionar pelo Foreign Office51, desconfiando de Swann52 em primeiro lugar. Chegou a crer que Swann e alguns de seus colegas eram parte de uma conspiração da inteligência britânica para desvirtuar e subverter a Anistia Internacional. Propôs, inclusive que a sede do movimento fosse transferida para outro país.”53

Benenson foi acusado, através da imprensa britânica, de manter relações

ambíguas com o governo inglês. Isso fez com que a executiva da A.I. realizasse

uma reunião na Dinamarca, sem a presença de Benenson, o qual recusou-se a

comparecer. Após muita discussão e acusado por Sean MacBride de ser o

responsável pela crise devido as suas ações erráticas e iniciativas unilaterais,

Benenson renunciou à presidência da A.I., a qual reformulou o estatuto, abolindo o

posto de presidente e criando o cargo de diretor-geral (depois mudado para

secretário-geral), entregue a Erik Baker.

O afastamento de Benenson (o qual voltaria anos mais tarde) trouxe grandes

prejuízos para a A.I., a qual encontrava-se em uma profunda crise. Mas felizmente, o

trabalho e a dedicação incansáveis de Baker foram decisivos para que a A.I.

recuperasse seu prestígio no cenário internacional, tanto que no final de 1968 a

mesma contava com “550 grupos ativos e conseguira, através de seus núcleos, a

libertação de quase 300 dos quase 2 mil presos de consciência adotados.”54

Em 1968 assume a secretaria-geral, cargo que ocuparia por doze anos,

Martin Ennals, um competente administrador e homem de visão política moderna e

progressista, bastante relacionado com os movimentos sociais. Nesse período a A.I.

conheceu a sua maior expansão, crescendo, ampliando-se além das suas fronteiras.

Com o auge da Guerra Fria e o recrudescimento de regime democráticos ao redor

do mundo, a A.I. recebeu e acompanhou milhares de casos de pessoas vítimas de

perseguições políticas. Pessoas que mostravam-se indignadas e perseguidas, por

exemplo, pelos golpes militares do Brasil, que nessa época endurecia o regime com

censura, torturas e perseguições, do Chile, em 1973 e da Argentina, em 1976.

Em 1977, a A.I. teve seu trabalho reconhecido com o Prêmio Nobel da Paz,

por garantir “as bases para a construção de um mundo de liberdade, de justiça, e,

51 Ministério Britânico das Relações Exteriores 52 Robert Swann era o Secretário-Geral da Anistia Internacional quando do episódio de Aden. Quando Rastgeldi afirmara que o governo britânico havia impedido sua visita a campos de prisioneiros em Aden, Swann respondera que tudo fora feito no sentido de pressionar o governo a agir. 53 KONDER, Rodolfo. Op.cit. 1988. p. 70

47

consequentemente, de paz.”55 Também no aniversário de 30 anos da Declaração

Universal dos Direitos Humanos, em 1978, recebeu o Prêmio de Direitos Humanos

das Nações Unidas por “notáveis realizações no campo dos Direitos Humanos.”56

Em 1980 o sueco Thomas Hammarberg assume como secretário-geral no

lugar de Ennals. Thomas era um jornalista, que militava na social-democracia, e deu

seqüência ao brilhante trabalho desempenhado por Ennals, impulsionando a A.I.

para novos patamares e expandido ainda mais seu trabalho.

Foi durante a permanência de Thomas no secretariado-geral que a A.I.

intensificou suas ações no Brasil, fundando em 1985 a Seção Brasileira da Anistia

Internacional – SBAI. Antes, em 1984 a A.I. já havia lançado o Programa Nacional

de Educação em Direitos Humanos, quando teve início o processo de

redemocratização do Brasil, assunto do qual trataremos no Capítulo III.

Em 1986, ainda como secretário-geral, Thomas esteve em missão no Brasil,

mantendo contatos com membros da SBAI e também autoridades políticas. Em

visita ao Senado Federal foi homenageado, em sessão especial da Comissão de

Relações Exteriores.

Ainda em 1986, o advogado britânico Ian Martin toma posse como secretário-

geral, no lugar de Thomas. Martin dá continuidade ao projeto de expansão e

divulgação das ações da A.I., realizadas na gestão de Thomas e para tanto lança a

campanha “Direitos Humanos Já”, na qual artistas famosos realizam concertos em

19 cidades, de 15 países, para a comemoração do 40º aniversário da Declaração

Universal dos Direitos Humanos, bem como para a divulgação dos trabalhos da A.I.

Em 1992 Pierre Sane, um economista senegalês, doutor em ciência política

pela Universidade de Ottawa assume o cargo de secretário-geral, tornando-se assim

o primeiro africano a ocupá-lo. Sane dá continuidade ao trabalho de expansão de

Martin, sendo que durante a sua permanência a frente do cargo de secretário-geral

da A.I., esta esteve envolvida em várias campanhas e denúncias contra violações

contra os Direitos Humanos. Entre as campanhas estão as seguintes:

1994 - Os direitos das mulheres são Direitos Humanos;

1995 – Erradicando o Comércio da Tortura;

54 Ibid. p. 71. 55 ROSSI, Flávia Cristina. ONG’S Internacionais de Direitos Humanos: o impacto de atuação da Anistia Internacional e Human Rights Watch no Brasil e nas instituições do sistema interamericano, 2005, p.46 56 Ibid. p. 46.

48

1996 – a A.I. faz campanha a favor da criação do Tribunal Penal Internacional

permanente,

1998 – é lançada a campanha “Levante-se e Assine” para comemorar o 50º

aniversário da Declaração Universal dos Direitos Humanos, cujo resultado foi a

coleta de 13 milhões de assinaturas de apoio a declaração.

Neste mesmo ano a A.I. apóia os procedimentos de extradição do General

Pinochet, o qual é preso em Londres em 16 de outubro. A ordem de prisão vinda da

Espanha, pede a sua extradição. Embora Pinochet tenha conseguido não ser

extraditado e retornado ao Chile, a A.I. considera que a decisão judicial do

magistrado do Reino Unido, Ronald Bartle, para quem o processo de extradição

judicial de Pinochet deveria continuar, representou um avanço histórico no que se

refere a aceitação da jurisdição universal em casos de violação contra os Direitos

Humanos.

Em 1999 é realizada a reunião do Conselho Internacional, em Lisboa,

Portugal. Entre as decisões tomadas estão as seguintes:

- atuar com mais intensidade na avaliação do impacto das relações

econômicas sobre os Direitos Humanos;

- capacitar pessoas para trabalharem como defensores dos Direitos

Humanos;

- fazer campanha contra a impunidade;

- enfatizar a proteção aos refugiados;

- fortalecer o ativismo de base.

Dando seqüência ao lançamento de campanhas, em 2000 a A.I. para dar

suporte técnico a campanha “Somos contra a tortura” publica uma cartilha em 7

idiomas, intitulada: “Faça a sua parte – vamos acabar com a tortura”. Este programa

foi adotado em outubro de 2000 como um programa de medidas para eliminar a

tortura e os maus tratos de pessoas que estão sob custódia governamental ou, de

outra forma nas mãos de agentes do Estado. Segundo José Alexandre Ferreira

Guedes, algumas dessas medidas eram:

“1. Condenação da tortura;

2. Assegurar acesso ao prisioneiro;

3. Nenhuma detenção secreta;

4. Dar garantias durante a detenção e o interrogatório;

49

5. Proibir a tortura em lei;

6. Investigar;

7. Processar;

8. Nenhum uso de declarações extraídas sob tortura;

9. Dar treinamento eficiente;

10. Reparar danos;

11. Ratificar os tratados internacionais;

12. Exercer a responsabilidade internacional.” 57

Atualmente a A.I. tem como secretária-geral, a advogada paquistanesa Irene

Khan, a qual assumiu ao cargo em setembro de 2001, ano em que a A.I. completou

quarenta anos de sua fundação. Sua chegada ao cargo é marcada por uma série de

simbolismos, pois Khan é a primeira mulher, a primeira asiática e também a primeira

muçulmana a comandar a A.I. Anteriormente havia trabalhado por quase vinte anos

na ONU, no Alto Comissariado das Nações Unidas para Refugiados, tendo atuado,

por exemplo, como representante da ONU na crise de Kosovo, em 1999. Ao

assumir, pregou a modernização da A.I., bem como a ampliação das suas

atividades.

De início, seu mandato foi marcado pelos atentados terroristas de 11 de

Setembro, nos EUA e o trabalho da A.I. em denunciar o governo americano pelas

violações cometidas contra os Direitos Humanos, que se seguiram após tais

atentados.

2.2 Filosofia de Trabalho da Anistia Internacional

A A.I. é um movimento democrático e auto-regulado, em que as decisões

políticas principais são tomadas por um Conselho Internacional composto por

representantes de todas as seções nacionais. As seções nacionais da A.I., bem

como os grupos locais de voluntários, são os principais responsáveis pelo sustento

do movimento. Não são pedidos, nem aceitos por parte da A.I. fundos de governos

para os trabalhos de investigação e campanha. O trabalho da A.I. é impulsionado

57 ANISTIA INTERNACIONAL. Faça sua parte-vamos acabar com a tortura, 2000. p.126 apud GUEDES, J. Alexandre F. Anistia Internacional e a globalização dos Direitos Humanos: um olhar de militante e dirigente- 1961 a 2001, 2002. p. 28.

50

pela realização de uma investigação cuidadosa e direcionada para a visibilidade das

violações dos Direitos Humanos.

A atuação da A.I. é baseada nos princípios da imparcialidade, independência

e autonomia, em respeito aos direitos expressos na Declaração Universal dos

Direitos Humanos, a qual nos referimos anteriormente, sempre com independência

de qualquer governo, ideologia política, interesses políticos ou religião. Não apóia e

também não se opõe aos pontos de vista das vítimas, cujos direitos tenta proteger.

Para manter a lisura em seus trabalhos, a A.I. faz com que os membros e

voluntários de um país não trabalhem diretamente com prisioneiros e Ações

Urgentes (como veremos no tópico 2.4) daquele mesmo país, destacando o

internacionalismo do movimento. Para Kelli Anne Kremer e Priscila Alice Unfer, tal

postura tem a “pretensão de garantir a segurança pessoal dos seus militantes e a

imparcialidade necessária para a sua ação. O movimento, portanto, exerce pressão

de fora para dentro de um país.”58

Os membros e voluntários, no entanto, são bastante atuantes em seu próprio

país, divulgando o movimento, conscientizando as pessoas, recebendo e

encaminhando as denúncias de violações, promovendo programas de educação

para os Direitos Humanos, realizando campanhas contra a pena de morte, propondo

uma legislação mais avançada no campo da cidadania e pressionando os seus

governos a ratificar tratados e convenções internacionais de Direitos Humanos.

Embora dedique-se especialmente à luta pela libertação dos prisioneiros de

consciência, procurando garantir julgamentos rápidos e justos para os presos

políticos, exigindo o fim da tortura e da pena de morte, isso não significa que a A.I.

tenha criado qualquer tipo de hierarquia entre os Direitos Humanos consagrados na

Declaração da ONU. Ao contrário, a A.I. está convencida que há uma completa

indivisiblilidade entre todos os Direitos Humanos, os quais são interdependentes.

Essa especialização, por assim dizer, em determinados direitos tem como objetivo

se tornar mais eficiente, empregando seus limitados recursos de modo a obter os

melhores resultados possíveis.

Com relação aos presos de consciência, a A.I. prepara um dossiê de cada

caso e distribui cópias aos seus grupos, os quais iniciam suas atividades: começam

a escrever cartas e enviar e-mails às autoridades do país onde a pessoa se acha

58 KREMER, Kelli Anne; UNFER, Priscila Alice. Anistia Internacional e Direitos Humanos: novos desafios, 1997. pp. 71-72.

51

detida, solicitando a libertação imediata e incondicional desta. Ministros e demais

responsáveis por tais prisões, entre outras autoridades, passam a receber centenas

e até milhares de cartas e e-mails. Ao mesmo tempo os militantes da A.I. procuram

ganhar espaço na imprensa local, com o objetivo de dar a opinião pública

informações a respeito dos presos que estão tentando libertar.

Quando não dispõe de informações suficientes, mas há indícios para se

acreditar que uma pessoa detida é um preso de consciência, o caso é registrado

para ser investigado. Geralmente, um ou mais grupos recebem a incumbência de

escrever para as autoridades do país, solicitando maiores detalhes a respeito da

pessoa encarcerada. Caso não haja processo contra ela, ou seja, não exista

nenhum tipo de acusação formal, a A.I. solicita ao governo que formule a acusação

ou então libere imediatamente a pessoa presa. A A.I. somente age quando há

provas que mostrem tratar de um prisioneiro de consciência.

Nos casos de presos que, por motivos políticos, recorrem ao uso da violência

ou pregam seu uso (um exemplo é o caso de Nelson Mandela, citado

anteriormente), a A.I. não mais os considera presos de consciência. Segundo

Konder, “não há qualquer julgamento de ordem moral nisso. Na verdade, a entidade

não se envolve na discussão do tema violência, nem adota partido, em qualquer

conflito. Ela atua sempre dentro dos limites do seu mandato...”59

A interpretação dada pela A.I. com relação aos presos políticos, é bastante

ampla, de modo que a expressão enfoque todos os casos com algum componente

político. Há os delitos, claramente políticos, como, por exemplo, pertencer a uma

organização proscrita. Em outros casos, entretanto, a pessoa pode ser acusada de

um crime comum, embora ele tenha sido cometido em um contexto político, como

uma manifestação pública, ou de um crime comum que resulta de uma

movimentação de natureza política. Outro grave problema é que as autoridades

frequentemente formulam acusações falsas contra seus adversários políticos, tendo

por objetivo castigá-los devido a militância política ou então impor um estado de

medo contra os adversário do governo.

A A.I. é contrária a reclusão de qualquer prisioneiro político, sem que este

seja submetido a processo, em tempo hábil. Está sempre denunciando, por

exemplo, os julgamentos secretos, a falta de acesso a um advogado de defesa

59 KONDER, Rodolfo. Op.cit. 1988. p. 58.

52

escolhido pelo detido, a impossibilidade da defesa apresentar provas ou convocar

testemunhas e assim por diante.

Com a experiência acumulada em quatro décadas e meia de trabalho, a A.I.

destaca alguns fatores que devem ser levados em consideração para avaliar o grau

de imparcialidade de um processo, elaborando um pequeno roteiro para seus

membros. Nem todos têm a mesma importância e, mesmo que o processo seja

considerado parcial, pelo fato das normas terem sido violadas, não significa

necessariamente que o réu seja inocente, da mesma forma que uma condenação do

acusado nem sempre significa que ele seja realmente culpado. Dentre os abordados

pela A.I., os seguintes fatores merecem destaque:

“1. Todos os procedimentos devem cumprir as normas nacionais e internacionais estabelecidas para a proteção dos Direitos Humanos, tais como as estipuladas, por exemplo, no Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos;

2. Os encarregados de aplicar e interpretar a lei, formular regras e ditar sentenças devem ser completamente independentes de outras autoridades governamentais, especialmente daquelas que formulam acusações. Devem estar protegidos de pressões indevidas, no cumprimento de suas funções. É preciso que se garanta a competência, incorruptibilidade e a imparcialidade dos juízes. Os juízes devem ter preparação jurídica. O comparecimento de civis perante tribunais militares pode constituir motivo de preocupação;

3. Se uma pessoa é privada de sua liberdade, isso só pode ocorrer por razões específicas, que serão conhecidas pela pessoa no momento de sua detenção. Ela deve ser logo informada das acusações que lhe são feitas, sendo levada perante um juiz ou outro funcionário competente;

4. O acusado deve ter acesso rápido e adequado à assistência letrada independente – que pode ser um advogado de sua escolha – gratuita ou subsidiada adequadamente, de acordo com os meios do acusado;

5. A regra geral deve ser que as pessoas que aguardam processo não sejam mantidas em reclusão. Os acusados, ou seus representantes, deveriam estar em condições de questionar a legalidade de qualquer reclusão deste tipo perante um juiz ou outra autoridade pertinente, independente e imparcial;

53

6. As pessoas sob custódia devem ter acesso a familiares, advogados e atenção médica independente. A correspondência e a comunicação não devem ser mais limitadas que o necessário para a administração de justiça e a segurança da instituição carcerária;

7. Ninguém deve ser submetido a torturas e a outros tratamentos ou penas cruéis, desumanos ou degradantes;

8. Quando existem procedimentos como tribunais especiais, ou novas normas de acusação entram em vigor retroativamente, corre-se o risco de se cometer injustiças. As penas não devem ser mais severas do que as estipuladas na época em que o delito foi cometido;

9. Os julgamentos devem acontecer dentro de um período razoável de tempo, transcorrido a partir do momento em que o acusado compareceu pela primeira vez diante de um juiz, e normalmente devem ser realizados em público;

10. Um acusado deve ser considerado inocente até que se demonstre sua culpabilidade. Não deve ser forçado a se declarar culpado ou a testemunhar contra si mesmo. Um tribunal não deve admitir qualquer declaração que tenha sido obtida pela força;

11. Um acusado deve ter o direito a uma defesa adequada, a citar e interrogar testemunhas e a conduzir os procedimentos de defesa nas mesmas condições aplicadas na condução da acusação;

12. As condenações e as sentenças devem ser suscetíveis de revisão perante um tribunal superior (a A.I. considera que esta revisão deve incluir direitos amplos de representação e não um mero exame de andamento do processo). Em casos que envolvem a pena de morte, deve haver o direito a se solicitar indulto, comutação ou suspensão temporária da pena. A A.I. se opõe a pena de morte em todos os casos, mas considera fundamental a importância de todos os procedimentos que permitem aos tribunais ou a outras autoridades reconsiderar a condenação.”60

Mesmo se estas normas forem respeitadas, a A.I. entende que seu trabalho

não termina aqui, pois se a pessoa, por exemplo, for detida em virtude de uma lei

que seja considerada ilegal por ferir as normas internacionais de proteção aos

54

Direitos Humanos, ela também poderá ser adotada como preso de consciência.

Neste caso, a A.I. irá alegar que a pessoa foi presa devido as suas convicções

políticas, religiosas, filosóficas ou qualquer outro motivo que esteja relacionado a

consciência, ou então em razão de sua origem étnica, sexo, cor ou idioma. Aqui

neste caso também vale a mesma regra válida para os demais: a pessoa terá ajuda

da A.I. desde que não tenha recorrida a violência ou feito apologia ao seu uso.

Outro ponto a ser salientado é com relação a ajuda financeira que a A.I.

fornece aos presos de consciência aos quais assiste e suas famílias. Uma família

que teve o principal responsável pelo sustento da casa preso, em muitos dos casos

por anos, passa por severas dificuldades econômicas, o que faz com que a ajuda

prestada pela A.I. seja um alívio imediato. Em alguns casos, a A.I. também presta

ajuda financeira ao prisioneiro, fornecendo-lhe roupas ou mesmo comida. Mas o fato

de proporcionar esse tipo de ajuda, não significa que a A.I. aceita as práticas do

governo envolvido na prisão.

As razões pelas quais a A.I. fornece esse tipo de ajuda a prisioneiros de

consciência e seus familiares, são exclusivamente humanitárias. De acordo com a

linha de trabalho estabelecida, tais ajudas não envolvem compromisso ou

aprovação, com respeito às opiniões ou atos de quem recebe a ajuda. Os

beneficiários são os seguintes:

“1. Presos de consciência que tenham ou não sido adotados pela Anistia, e presos que poderiam ser prisioneiros de consciência, mas sobre os quais a organização não possui a informação necessária para chegar a uma conclusão definitiva;

2. Pessoas que foram recentemente prisioneiras de consciência, ou que é razoável presumir que poderiam ter sido presas de consciência (tenham ou não sido adotadas pela Anistia Internacional);

3. Presos à espera de processo, a respeito dos quais é razoável supor que se converteriam em presos de consciência, caso fossem condenados;

4. Pessoas ameaçadas de transferência forçada de um país para outro, onde é razoável presumir que se transformariam em presas de consciência, ou que

60 IDOETA, Carlos Alberto. Direitos Humanos e Anistia Internacional, 1989. pp. 60-61.

55

seriam submetidas a torturas, execuções extrajudiciais de motivação política, ou que seriam condenadas à morte;

5. Os dependentes de todas as categorias anteriores;

6. Os dependentes de pessoas desaparecidas e de vítimas de homicídios políticos, que, pode-se supor, tornar-se-iam prisioneiras de consciência, caso tivessem sido detidas e encarceradas, em vez de seqüestradas e assassinadas;

7. Pessoas que sofrem problemas de saúde devido à tortura e cujas necessidades médicas estão diretamente relacionadas com sua experiência de torturadas;

8. Pessoas que recebem ajuda da Anistia para emigrar, com o objetivo de evitar que se transformem em presas de consciência ou para impedir que sejam submetidas à tortura ou a execuções extrajudiciais por motivos políticos.61

Para tanto, para que não haja irregularidades no fornecimento desse tipo de

ajuda, o mesmo é coordenado por um comitê internacional e coordenadores das

seções nacionais da entidade. Este programa prevê inclusive a ajuda a pessoas já

liberadas da prisão, seja através do envio de dinheiro, ou então através da

manutenção da correspondência com o ex-preso e sua família.

A defesa de tais programas, além da luta pelo respeito aos direitos

fundamentais, é feita com a atuação de mais de um milhão de membros e

voluntários, distribuídos por 140 países, os quais são de origens diferentes, com

crenças políticas e religiosas bastante diversificadas, mas unidos pela luta por um

mundo no qual todos gozem dos Direitos Humanos. Anualmente, durante o mês de

julho, a A.I. apresenta relatórios anuais sobre violações contra os Direitos Humanos

ao redor do mundo, bem como faz uma avaliação das atividades desenvolvidas

durante o ano anterior, com o objetivo de dar visibilidade à promoção dos Direitos

Humanos e as campanhas contra abusos específicos desses direitos.

O núcleo central desses relatórios é geralmente composto por registros sobre

países ou territórios individuais, listados por ordem alfabética. Cada um destes

56

registros fornece um resumo da situação dos Direitos Humanos no país ou território,

descrevendo situações específicas, relativas aos Direitos Humanos. Segundo J.

Alexandre F. Guedes,

“a ausência de um registro de um país ou território em particular, não implica a inexistência de violações de Direitos Humanos, nesse local durante o ano. Nem o tamanho de cada registro individual serve como termo de comparação da dimensão ou grau das preocupações da A.I.” 62

Houve uma inovação no relatório do ano 2000, com a inclusão pela primeira

vez de um mapa mundial para indicar a localização dos países e territórios, onde

cada registro começa com uma informação básica a respeito do país, durante o ano

de 2000. Nem o mapa e tampouco a informação sobre o país podem ser

interpretados como sendo o ponto de vista da A.I. em questões como o estatuto de

territórios em disputa, população ou língua. A A.I.,por exemplo, não toma posição

sobre nenhuma questão para além das preocupações com os Direitos Humanos.

O relatório é dividido por seções internacionais apresentando o trabalho

desenvolvido por cada uma. As últimas seções contém informação acerca da A.I. e

do seu trabalho ao longo do ano, concentrando-se no trabalho da A.I. como ONG,

incluindo quais países e territórios estão comprometidos com os principais tratados

sobre Direitos Humanos, tanto no aspecto regional, como no internacional.

Assim, a A.I. mostra-se uma organização diferente das outras que atuam na

mesma área, não apenas pela sua atuação mundial e o que isso decorre em termos

de complexidade funcional-estrutural, não apenas pela sua reputação junto a sua

luta pela afirmação dos Direitos Humanos, mas sim aos desdobramentos que

podemos vislumbrar para além dos seus aspectos estruturais-funcionais. Isto se

deve pelo fato que a luta empreendida pela A.I. cativa seus militantes e voluntários,

emergindo dessa luta outros significados. Para Flávia Piovesan, “o papel da Anistia

Internacional é o de agenciadora da subjetividade, o que aponta para o seu papel no

processo de construção de uma dupla cidadania: a cidadania interna (subjetiva) e a

cidadania externa (pública).”63 Ou seja, ao analisarmos a questão da cidadania

interna, ou subjetiva, com relação a atuação da A.I. na relação membro/vítima esta

traz um impacto, seja na pessoa do militante, seja na pessoa da vítima. O primeiro

61 KONDER, Rodolfo. Op.Cit. 1988. pp. 63-64. 62 GUEDES, J. Alexandre F. Op. Cit. , 2002. p. 41.

57

pelo ato de cuidar, por causa do exercício da solidariedade, e a segunda pelo ato de

ser cuidada fazendo com que aumento sua auto-estima e a possibilidade de

praticamente “renascer” na sociedade.

Com relação à cidadania externa, ou pública, a atuação da A.I. fortalece a

fiscalização e o monitoramento internacional do modo como os Direitos Humanos

são respeitados ou violados, denunciando desta forma o arbítrio e a violência

impetrados pelos Estados.

2.3 Estrutura Organizacional da Anistia Internacional

Sendo uma ONG que atua em praticamente todo o planeta, a A.I. necessita

de uma estrutura que lhe dê condições de realizar um bom trabalho e alcançar seus

objetivos. Suas muitas instâncias (seções, grupos, membros individuais, redes e

comitês) espalham-se pelo mundo, onde o local e universal se encontram e

interagem.

Muitos são os desafios. Como, por exemplo, fazer funcionar de forma

integrada uma ONG de grandes proporções como a A.I., com mais de 1.500.000

membros espalhados pelo mundo, de culturas bastante diferentes, onde cada

minuto torna-se importante haja vista que vidas estão em jogo?

Assim sendo, neste subitem demonstraremos como a A.I. está organizada e

estruturada de modo a atender a sua demanda. É importante salientar que os

aspectos organizacionais e as linhas gerais de atuação da A.I. estão contidos no seu

Estatuto. Este é modificado a cada dois anos, na “Reunião do Conselho

Internacional”64, composto por representantes das Seções da A.I. O atual estatuto foi

elaborado na XXVII Reunião do Conselho Internacional, ocorrida em Morelos,

México, de 14 a 20 de agosto de 2005. A quantidade de membros enviados por cada

Seção, a essa reunião, depende do número de grupos existentes dentro do país, na

seguinte proporção:

10 a 49 grupos – 1 representante

50 a 99 grupos – 2 representantes

100 a 199 grupos – 3 representantes

200 a 399 grupos – 4 representantes

63 PIOVESAN, Flávia apud BOVO, Cassiano Ricardo Martines. Anistia Internacional: roteiros da cidadania-em-construção, 2002. p. 14. 64 A qual iremos nos referir como RCI

58

400 para mais grupos – 5 representantes

Além da elaboração do estatuto também na RCI são escolhidos os nove

membros que irão compor o “Comitê Executivo Internacional”65, órgão máximo de

poder da A.I., sendo que um desses membros será designado o Secretário-Geral, o

qual coordenará o órgão administrativo que operacionaliza todas as ações da A.I. ao

redor do mundo – o “Secretariado Internacional”66, supervisionado pelo CEI.

O SI tem sede em Londres e divide-se nos seguintes departamentos:

- Investigações (o qual subdivide-se em continentes e dentro dos continentes,

em países);

- Membros e Campanhas;

- Administração;

- Imprensa e Publicações.

Há ainda dois gabinetes (o Jurídico e o do Secretário-Geral) e um Centro de

Documentação. Para se ter uma idéia da importância que o Secretariado

Internacional exerce sobre as ações da A.I., Bovo afirma que “a espinha dorsal da

organização é o Secretariado Internacional, em Londres, com mais de 320

funcionários e cerca de 10 voluntários vindos de mais de 50 países de todo o

mundo.”67

Tal importância deve-se ao fato que o SI é dentre as instâncias

organizacionais da A.I., aquela que mais aparece pelo fato de realizar um trabalho

bastante amplo e complexo de interligação de membros, grupos, dirigentes, seções,

etc, pelo mundo, o que exige uma grande eficiência administrativa. Praticamente o

SI é que faz a A.I. andar, pois de lá parte todo o processo de apelos que caracteriza

a A.I. e que lhe dão uma característica bastante peculiar, lá esse material é

elaborado e enviado aos membros, grupos e seções no mundo inteiro, além de

também produzirem documentos (relatórios, folders, boletins, etc.), a qual costuma

ser dividida por países e temas, realizando assim, um extenso trabalho de pesquisa.

Com relação a CEI, seus membros realizam quantas reuniões acharem

necessárias para tomar as decisões e o órgão possui vários comitês para estudar,

analisar e assessorar os mais variados assuntos.

65 O qual iremos nos referir como CEI 66 O qual iremos nos referir como SI

59

Embora tenha toda essa estrutura organizacional, a A.I. pouco representaria

sem os seus membros, os quais formam a sua base e encontram-se espalhados

pelo mundo, atuando seja individualmente ou em grupos. Importante ressaltar que o

membro individual atua, principalmente, enviando apelos, ou seja, cartas, e-mails ou

telegramas para autoridades dos países que violam os Direitos Humanos, com o

objetivo de fazer cessar tais violações. Os membros participantes dos grupos realizam mais atividades e vivenciam a

A.I. de forma mais ativa em relação a maioria dos membros individuais. Eles podem

atuar em atividades de promoção dos Direitos Humanos (principalmente aquelas

relacionadas a educação), luta pela libertação de um prisioneiro adotado pela A.I.,

participar de uma rede específica (as redes que compõem a A.I. será analisadas no

item seguinte) ou então realizar atividades de arrecadação de fundos.

Para que um grupo de membros da A.I. seja criado não se exige a existência

de uma Seção no país, existem, por exemplo, vários países que não possuem seção

mas com um número considerável de grupos. Um grupo pode ser criado a partir de

cinco membros e existe um trabalho de assessoria aos grupos no SI, no entanto,

quando o país possui uma seção, costuma existir uma Diretoria diretamente

envolvida com os grupos. Exige-se do futuro grupo um plano de ação, contendo o

tipo de trabalho que deseja desenvolver e posteriormente existe um processo de

reconhecimento por parte da Seção, ou no caso dessa inexistir, por parte do SI.

Os membros de determinado país, uma vez preenchidas algumas condições,

podem criar uma Seção. As exigências para a criação de uma Seção são as

seguintes, de acordo com o artigo 11º do atual estatuto da A.I.:

- organizar e manter as atividades básicas da A.I.;

- o país deve possuir, no mínimo, dois grupos e vinte membros;

- submeter o estatuto ao CEI para aprovação;

- pagar a quantia monetária determinada pelo Conselho Internacional.

O processo de criação de uma Seção passa por vistoria de membros do CEI

e acompanhamento do SI, após atendidas as exigências, acima elencadas, o CEI

autoriza a criação e submete à aprovação final na Reunião do Conselho

Internacional. A seguinte citação aponta a importância da criação de uma Seção:

67 ANISTIA INTERNACIONAL apud BOVO, Cassiano Ricardo Martines. Anistia Internacional: roteiros da cidadania-em-construção, 2002. p. 41.

60

“...a criação de uma Seção facilita sobremaneira a atuação dos membros,

assim como fortalece a própria Anistia Internacional. O status jurídico da

Seção dá mais respeito e concretude nessa luta, assim como facilita sua

participação em instâncias estratégicas no espaço público de cada país,

possibilitando legitimidade e reconhecimento, inclusive por parte das ONGs

locais. Além disso, os membros de cada país passam a estabelecer canais

mais profundos com o Secretariado Internacional, contando com o apoio dos

mais variados tipos, envolvendo informações, assessorias, recursos

financeiros, dentre outros; os membros podem contar, também com a base

física (instalações e equipamentos) que se cria, dado que uma Seção deva

possuir ao menos um escritório. A Seção se constitui, então, em base de

atuação e referência significativa para os membros de determinado país.”68

As seções vivenciam as leis e exigências dos países em que estão inseridas

(inclusive acostumando reproduzir no seu Estatuto várias partes do Estatuto da A.I.,

por questões de coerência), os seus membros estão envolvidos com as questões

locais (mesmo que indiretamente) e inseridos na cultura do seu país, mas, ao

mesmo tempo, têm o desafio de praticar os valores e atuarem da forma

universalizada pregada pela AI, num exercício muito importante de imparcialidade e

coerência. Mas tudo isso nem sempre é fácil e muito menos entendido pelas

sociedades civis locais e se trata de um desafio inerente a uma ONG com atuação

planetária que vivencia o local e o universal simultaneamente.

2.4 Redes de Trabalho

Antes de adentrarmos ao tema das redes de trabalho que atuam na A.I. torna-

se necessário conhecermos o procedimento a respeito das denúncias e

investigações sobre os casos de violações dos Direitos Humanos e como se dá o

envolvimento dessas redes de trabalho com relação a tais fatos.

Toda ação da AI inicia-se através de uma denúncia (trata-se de uma das

formas de tornar visíveis as violações de Direitos Humanos que, em muitos casos,

permanecem escondidas) que deve chegar até ao SI, das mais variadas formas,

como por exemplo: cartas de presos ou de familiares, advogados, instituições

religiosas, trabalhadores, sindicatos, informes na imprensa, periódicos, literatura

68 BOVO, Cassiano Ricardo Martins. As dimensões da Seção no universo de atuação dos membros da Anistia Internacional. Boletim da Anistia Internacional, Janeiro/fevereiro de 2001. p. 10.

61

clandestina, informes de refugiados, organizações de pessoas no exílio,

organizações em geral, boletins governamentais, diplomatas, políticos, viajantes,

documentos de grupos de Direitos Humanos no país, investigações de campo,

telefonemas, telegramas, fax, etc.

O próximo procedimento é o encaminhamento da denúncia ao Departamento

de Investigação, o qual é subdividido pelas seguintes regiões continentes: África,

Américas, Ásia, Europa e Oriente Médio, que conta com os funcionários e

voluntários especializados sobre a situação dos Direitos Humanos em todo o mundo.

Em seguida verifica-se o enquadramento da denúncia no mandato da AI. Em caso

positivo tem-se início o trabalho de investigação, envolvendo especialistas,

informantes, contatos com outras organizações, visitas, contatos com os governos,

meios de comunicação, etc. A AI somente defenderá a pessoa e levará o caso

adiante depois da comprovação dos fatos, passando pela assessoria jurídica dos

especialistas do SI.

Os procedimentos utilizados no processo de investigação podem ser

entendidos da seguinte maneira:

“Antes de emitira uma declaración, el texto es sometido al veto y a la aprobación de diferentes niveles dentro del Secretariado Internacional, para segurarse de que la declaración es exacta, de que está comprendida en el mandato de AI y de que es politicamente imparcial.”69

A citação acima nos faz reportar aos valores da A.I. com relação à

imparcialidade e seriedade, dado que o nome da organização e todo o seu trabalho

está em jogo e em se tratando de confrontar-se com governos violadores dos

Direitos Humanos, esses valores são fundamentais para fortalecer a instituição e

também consolidar seu trabalho.

O SI vai escolher o caminho considerado mais eficaz para a vítima que pode

ser: a adoção por parte de um grupo, Rede de Ação Urgente (RAU), Rede de Ação

Regional, Rede WARM, Rede Extra e apelos do mês no jornal da AI. Os critérios

utilizados para essa escolha são: urgência, situação específica de cada país, tipo de

violação e precauções para não piorar mais ainda a situação da vítima.

No tópico seguinte iremos tratar a respeito da Rede de Ação Urgente (RAUs),

por ser a mais utilizadas dentro do trabalho da AI.

69 Anistia Internacional. Manual, 1992. p. 57.

62

2.4.1 Redes de Ação Urgente – RAUs

A Rede de Ação Urgente70 constitui-se na mais utilizada forma de ação da A.I.

Foi criada em 19/03/1973, tendo como primeiro caso um brasileiro, ex-preso político,

o professor Luiz Basílio Rossi, vítima da ditadura militar, o qual é hoje um

testemunho vivo do resultado dos apelos. No início, a RAU atuava em casos de

tortura, maus-tratos ou sua possibilidade iminente, necessitando, portanto, de

rapidez. Com o passar do tempo, a RAU foi abarcando os seguintes casos:

prisioneiros de consciência, desaparecimentos, intimidação, preocupação médica,

preocupação jurídica, greve de fome, pena de morte, exceções extrajudiciais e

devolução de refugiados ao país de origem quando existe a possibilidade de que

direitos constantes do mandato da AI sejam desrespeitados.

O SI prepara uma Ação Urgente contendo as informações necessárias sobre

o país da vítima (principalmente no aspecto político), uma descrição sumária do

caso, a ação recomendada e os endereços das autoridades que deverão receber os

apelos.

As Seções escolhidas receberão as Ações Urgentes, traduzirão e repassarão

aos seus membros inscritos na RAU. Quando o país não tem Seção os membros

recebem (via correio, fax ou e-mail) a Ação Urgente diretamente do SI, ou de uma

coordenação da RAU no país, como ocorre no Brasil atualmente71. Os membros ao

receberem as Ações Urgentes enviam os apelos, que são cartas redigidas, de

acordo com as instruções, para as autoridades do país da vítima (ministros,

presidente, juízes, etc.), com cópias para organizações de Direitos Humanos e

imprensa do país da vítima e para embaixadas do país. Existe uma data limite para

o envio dos apelos (tem-se por objetivo concentrar o maior número de cartas em um

determinado período de tempo). Os apelos geralmente são enviados pelo correio,

mas em alguns casos há a possibilidade de serem enviados também por fax ou e-

mail. Os apelos podem ser redigidos em qualquer língua, mas o ideal é que seja em

inglês. Os apelos são aquilo que chamamos de matéria-prima de todas as redes de

organização, mostrando ser um elo na relação que se estabelece entre os sujeitos

envolvidos na prática social, ou seja, entre vítima e membro, relacionando-se com o

exercício pleno da cidadania, como ressaltamos no capítulo anterior. Diolinda Alves

70 A qual iremos nos referir como RAU 71 O escritório da Seção Brasileira da Anistia Internacional foi fechado em 2001, assunto do qual trataremos no capítulo 3.

63

de Souza, uma das líderes do Movimento dos Sem Terra no Brasil, foi uma das

pessoas beneficiadas pelos apelos das Ações Urgentes, quando da sua prisão. A

respeito disso, a mesma diz em uma carta enviada a AI:

“Durante a minha detenção, seu apoio me deu forças para enfrentar momentos difíceis e facilitou obter a minha liberação, jamais esquecerei essa demonstração de amor e preocupação pela minha situação.

Em muitas ocasiões, pessoas que lutam pela justiça são presas, estou certa de que seu apoio estará sempre presente.

Mais uma vez, obrigado.

Atenciosamente,

Diolinda Alves de Souza (Brasil)”72

Para se ter uma idéia quantitativa da importância da RAU, em 1973 a AI

expediu onze apelos desse tipo. De acordo com o a Seção Brasileira da Anistia

Internacional73, em 1997 o número foi de 1200, o que dá uma média de 5 apelos por

dia. Cada caso gera entre 3.500 e 5.000 respostas, o que torna-se uma quantidade

difícil de ser ignorada até mesmo pelos governos mais tiranos e insensíveis.

Atualmente cerca de 89 países trabalham, diariamente, por pessoas que têm seus

Direitos Humanos violados em silêncio. Desde a primeira ação, em 1973 até o ano

de 2005, a AI havia expedido mais de 18000 Ações Urgentes.

Os membros também podem atuar na Rede de Ação Regional (RAR), a qual

trata de casos exclusivos de determinada região, que de resto segue as mesmas

características da RAU.

Existem também outras formas de ação rápida que a AI desenvolveu: as

Ações Extra-Rápidas (EXTRA) e a Rede Mundial de Resposta Rápida (WARN). As

informações das ações EXTRA são enviadas às seções de países nos quais existem

membros que podem, rapidamente, enviar apelos por fax ou e-mail. Em geral, dizem

respeito a situações de crises nacionais, nas quais existe grande possibilidade de

uma rápida deterioração dos Direitos Humanos, com inúmeras vítimas. Para os

casos críticos, que ocorrem durante o horário em que o escritório da RAU em

Londres está fechado (período noturno e finais de semana) foi criada a rede WARN,

72 Red de Acciones Urgentes. Disponível em: http://www.es.amnesty.org/rau/> Acesso em 10/08/2006

64

ela é formada por membros da AI em todo o mundo que se dispõem a serem

acionados a qualquer momento, em seus países, para trabalharem em tais casos.

Existem ainda redes em que os membros só recebem Ações Urgentes

referentes as questões de seu interesse, como veremos adiante. Há rede para todos

os tipos de violações (pena de morte, por exemplo), grupos de vítimas (defensores

dos Direitos Humanos, mulheres, crianças, etc.), redes de especialistas (médicos,

advogados, militares e seguranças, etc.), além das redes regionais, abordadas

anteriormente. São elas74:

- Rede Médica: Possui cerca de dez mil membros, organizados em grupos e

redes médicas em trinta e cinco países. Várias visitas internacionais da AI possuem

médicos;

- Rede Jurídica: É formada por juristas e estudantes de Direito, que se

mobilizam rapidamente para apelar por vítimas de violações dos Direitos Humanos

relacionados com o não atendimento das normas do Direito Internacional ou das

próprias leis do país violador. Esta rede foi responsável pela sistematização da

Campanha pela instalação da Corte Penal Internacional e pela assinatura do

Protocolo Facultativo da Convenção Contra a Tortura e outros tratamentos e Penas

Cruéis Desumanas ou Degradantes;

- Rede de Jovens: É integrada por estudantes do primeiro ao terceiro grau.

Recebem mensalmente uma Ação para apelo urgente, em que a vítima em geral é

também jovem ou criança, ou uma pessoa que tenha um vínculo especial com a

juventude. Este tipo de rede é a base da Seção Americana. Em dados de 1998 havia

cerca de 4.000 grupos de jovens e estudantes em todo o mundo que atuavam com

responsáveis em 45 Seções;

- Rede de Ação Regional (RAR): Existem atualmente 23 Redes de Ação

Regional (RAR) – Os membros da RAR concentram seu trabalho e uma certa região

do mundo para lutar contra uma ampla diversidade de violação de Direitos

Humanos;

- Rede Contra a Pena de Morte (RPM): Seus membros participam de uma

Rede de Ação Urgente que tratam exclusivamente de casos em que o prisioneiro

está prestes a ser executado, o que requer do membro da AI uma ação imediata;

73 SEÇÃO BRASILEIRA DA ANISTIA INTERNACIONAL-SBAI, Quando não há tempo a perder-Rede de Ação Urgente, 1998. p. 2.

65

- Rede Internacional para os Contatos com Empresas75: ao menos 30 seções

dispõem já de um responsável para os contatos com empresas. Os grupos

empresariais da AI tem conseguido desenvolver contatos com empresas com sede

em seus respectivos países através de seminários, mesas redondas, debates e

reuniões bilaterais, em que a AI tem apresentado para as empresas sua

responsabilidade para que com sua prática empresarial cumpram os princípios de

Direitos Humanos;

- Rede Interseccional de Mulheres: esta rede é integrada por membros e

pessoal das Seções da Anistia Internacional, assim como suas estruturas e grupos

que participaram em trabalhos em favor dos Direitos Humanos das mulheres;

- Rede de Grupos Internacionais de Trabalho em favor da Infância: Al neste

tipo de trabalho possui menos de 30 seções que contam com coordenadores,

porém, há uma preocupação crescente com as crianças refugiadas e que vivem nas

ruas abandonadas pelas famílias e pelos governos;

- Rede de Membros da AI em Apoio aos interesses de Gays e Lésbicas: ao

menos 20 seções contam com pessoas responsáveis pelo trabalho nesta rede, e em

alguns países esses contatos representam um grande número de membros ativos

que empreendem campanhas contra as violações de Direitos Humanos perpetrados

contra pessoas ou grupos devido à sua orientação sexual;

- Rede de Contatos Militares e de Segurança e Policiais: pelo menos 20

seções tem se encarregado deste trabalho sobre transferências militares, de

segurança e policiais quando essas transferências têm alguma relação com os

Direitos Humanos. São tarefas desta rede: a) evitar as transferências que

razoavelmente se pode supor que contribuirá com violações de Direitos Humanos, b)

74 AMNISTIA INTERNACIONAL. España. Datos y Cifras sobre Amnistía Internacional y su Labor em Defensa de Los Derechos Humanos, Madrid: Seccion de España, jun/1998, pp. 04-06. 75 A Seção Espanhola da AI produziu importante documento no Boletín de la Amnistía Internacional de Agosto-Setembro 1998, em seu nº 32, intitulado: Empresas & Derechos Humanos – La función de Las Empresas em La Defensa de Los Derechos Humanos. Neste artigo são apresentados os princípios sobre Direitos Humanos para Empresas, principalmente as Multinacionais que podem melhorar sua capacidade de promover tais direitos mediante as seguintes medidas: a) elaboração de uma política de empresa explícita sobre direitos humanos, b) Informação efetiva para os diretores e quadro de pessoal sobre as normas internacionais de direitos humanos, preferencialmente com a colaboração e ajuda de ONG’s competentes, c) O Assessoramento de ONG’s, incluída a AI, sobre a extensão e o caráter dos abusos contra os Direitos Humanos em distintos países, d) Criação de um marco claro para avaliar os possíveis efeitos sobre os direitos humanos de todas as atividades desenvolvidas pela empresa e suas sub-contratadas – (franquias).

66

identificar a participação internacional que contribua com os abusos contra os

Direitos Humanos e fortalecer a pressão para que se atue internacionalmente para

evitar esses abusos, c) exercer pressões diretamente sobre as forças militares, de

segurança e policiais responsáveis pela comissão de abusos contra os Direitos

Humanos. Esta rede se reuniu em 1997 e organizou atividades conjuntas com

organismos governamentais para a promoção de mecanismos de controle regionais

e internacionais sobre essa atividade, utilizando-se o Código de Conduta sobre a

Transferência de Armas dos Prêmios Nobel da Paz e O Código de Conduta da

União Européia.

Os apelos podem ser enviados, também, via Apelos do Mês do Boletim

Mensal da A.I. São 3 casos escolhidos minuciosamente pelo SI: os membros enviam

os apelos em função das informações contidas no boletim, trata-se de uma Ação

Urgente resumida. Outra possibilidade de envio, a qual vêm ganhando bastante

força com a difusão da internet, é a de enviar os apelos através dos casos

constantes dos sites da AI na internet. Neste caso, os apelos são enviados não só

por membros da AI, mas por qualquer pessoa que tenha acesso a esse material e

assim deseja fazê-lo. O site www.amnesty.org, assim como os sites das Seções de

cada país, tem pedidos de Ação Urgente para vários casos, com descrição

detalhada.

Além da possível salvação da vítima que se encontra em situação de risco, as

Ações Urgentes também possibilitam um aprendizado em relação aos outros países,

enriquecendo o cotidiano do militante pois muitas vezes o mesmo fica conhecendo

um país do qual pouco se sabia, além dos variados tipos de violações dos Direitos

Humanos. É importante salientar que antes de abordar o caso, o membro tem uma

idéia da situação política, econômica e cultural, sua história, etc., do país ao qual

envia o apelo. Isso faz com que o membro passe a valorizar, ou então até reforce,

determinadas questões nas quais não havia pensado até então (ou às vezes havia

esquecido) para além do país em que vive, fazendo com que tal ato acaba sendo um

exercício para melhor se pensar no ser humano independente da sigla em que atua,

da ideologia, etc.

Abaixo, reproduzimos um exemplo do início de uma Ação Urgente76. Pelo fato

de se tratar de um caso brasileiro, não iremos constar os dados geográficos do país,

76 Este caso foi retirado do site da Seção Espanhola da A.I. (www.es.amnesty.org). Por se tratar de um caso brasileiro, a Ação Urgente sobre o mesmo foi lançada por uma Seção Estrangeira, haja

67

os quais costumam fazer parte do relatório: área, população, capital, território,

governo, situação política, partidos políticos, etc., os quais, em nosso caso,

mostram-se desnecessários:

Fernando VI, 8, 1º izda. 28004 Madrid Telf. + 91 310 12 77 Fax + 91 319 53 34 [email protected] http://www.es.amnesty.org

Acción Urgente

Público Índice AI: AMR 19/022/2006 16 de mayo de 2006 AU 133/06 Temor de persecución BRASIL Conceição Paganele, defensora de los derechos humanos La policía ha iniciado investigaciones sobre una serie de denuncias de motivación aparentemente política contra Conceição Paganele, que dirige una organización de madres que vigila las condiciones existentes dentro de los centros de detención de menores de Brasil y visita a los detenidos. El trabajo de Conceição Paganele, que es una de las principales detractoras del sistema de detención de menores de São Paulo, conocido como Fundación Estatal para el Bienestar del Menor (Fundação Estadual do Bem-Estar do Menor, FEBEM), ha sido crucial para sacar a la luz las violaciones graves de derechos humanos asociadas desde hace mucho tiempo a los centros. Conceição Paganele es la presidenta y fundadora de la Asociación de Madres y Amigos de Niños y Adolescentes en Riesgo (Associação de Mães e Amigos de Crianças e Adolescentes em Risco, AMAR). La Policía Civil la está investigando por una serie de delitos entre los que se incluyen: delito de daños, incitación a revueltas dentro de los centros de detención, conspiración, formación de bandas de delincuentes e inducción a la fuga de un centro de detención de menores. En total, vista, como nos referimos anteriormente (subitem 2.2), para manter a lisura em seus trabalhos, a A.I. faz com que os membros e voluntários de um país não trabalhem diretamente com prisioneiros ou Ações Urgentes daquele mesmo país, destacando o internacionalismo do movimento. Assim sendo, o caso da brasileira Conceição Paganele foi lançado pela A.I. – Seção da Espanha

68

Conceição Paganele está siendo objeto de tres investigaciones policiales diferentes que vinculan su trabajo con revueltas que han tenido lugar recientemente en la FEBEM. Conceição Paganele visita periódicamente las unidades de la FEBEM y ha expresado sus críticas contra el sistema, el cual ha sido condenado tanto dentro como fuera de Brasil por malos tratos, tortura y condiciones inhumanas. No se han presentado datos concluyentes que respalden las acusaciones formuladas en su contra. Tampoco se han expresado las razones por las que Conceição Paganele ha sido señalada individualmente, cuando siempre ha visitado las unidades de la FEBEM acompañada de personas representantes de otras ONG. Amnistía Internacional considera que esos cargos tienen motivación política y que su propósito es menoscabar su trabajo como defensora de los derechos humanos. A lo largo del año pasado, las autoridades han pretendido convertir a AMAR y al movimiento de derechos humanos en el chivo expiatorio de los fracasos sistémicos de la FEBEM. En octubre de 2005, el entonces gobernador de São Paulo, Geraldo Alckmin, criticó públicamente a Conceição Paganele y su organización por “actuar siempre en contra del gobierno” y “causar problemas”. Conceição Paganele respondió que nunca había esperado del gobierno una postura hostil hacia su organización y que “deberíamos ser compañeros”. Desde que denunció casos de tortura en el complejo de la FEBEM en Vila Maria, en enero de 2005, Conceição Paganele ha recibido amenazas de muerte anónimas y su familia ha sido amenazada. A pesar de la intimidación y de los intentos de desacreditar su trabajo, Conceição Paganele continúa siendo uma activista incansable en favor de los derechos de los adolescentes recluidos en la FEBEM. INFORMACIÓN COMPLEMENTARIA La superpoblada FEBEM de São Paulo posee un largo historial de abusos graves contra los derechos humanos, incluidos malos tratos y tortura de internos. Ha sido objeto de informes condenatorios del relator especial de las Naciones Unidas sobre la cuestión de la tortura (2000), el relator especial de la Comisión de Derechos Humanos sobre ejecuciones extrajudiciales, sumarias o arbitrarias (2003), Human Rights Watch y Amnistía Internacional. AMAR y otras ONG locales han trabajado activamente para condenar las condiciones existentes en las unidades de la FEBEM e instar a las autoridades a que introduzcan uma reforma integral. En noviembre de 2005, la Corte Interamericana de Derechos Humanos ordenó a Brasil “que adopte sin dilación las medidas necesarias para impedir que los jóvenes internos sean sometidos a tratos crueles, inhumanos o degradantes”. Conceição Paganele creó AMAR en 1998, junto con otras madres que deseaban defender los derechos de sus hijos detenidos en la FEBEM. En 2001, Conceição Paganele recibió el Premio Nacional de los Derechos Humanos del presidente Fernando Henrique Cardoso. Dos años después, AMAR recibió el mismo galardón. Las autoridades han fracasado totalmente a la hora de abordar los problemas sistémicos de la FEBEM. Este año, han estado sometidas a una intensa presión dado que las revueltas y los disturbios se han extendido por todo el sistema.

69

ACCIONES RECOMENDADAS: Envíen llamamientos, de manera que lleguen lo antes posible, em portugués o en su propio idioma: - expresando preocupación por las acusaciones dirigidas contra Conceição Paganele ya que parecen tener motivación política y carecer de fundamento; - afirmando que, en caso de que se presenten cargos en su contra, Amnistía Internacional la declarará probablemente presa de conciencia; - expresando honda preocupación porque cada vez es más difícil para Conceição Paganele llevar a cabo su trabajo legítimo a favor de los internos de la FEBEM a causa del hostigamiento de la policía; - pidiendo a las autoridades que investiguen exhaustivamente las amenazas y la intimidación que sufre Conceição Paganele en relación con su trabajo como defensora de los derechos humanos, y que los responsables comparezcan ante la justicia; - pidiendo a las autoridades que presenten propuestas de políticas concretas para la aplicación de los principios de la Declaración sobre los Defensores de los Derechos Humanos de la ONU y que estas propuestas se hagan públicas; - instando a las autoridades a que, en cumplimiento de las recomendaciones de las Naciones Unidas y de las sentencias de la Corte Interamericana de Derechos Humanos, investiguen las denuncias de tortura dentro de la FEBEM e introduzcan reformas urgentes, incluida la mejora de las condiciones de detención para adecuarlas a las normas internacionales. LLAMAMIENTOS A: Gobernador de São Paulo Sr. Cláudio Lembo, Governador do Estado de São Paulo Palácio dos Bandeirantes, Av. Morumbi, 4500, CEP 05650-905 - São Paulo, Brasil Fax: +55 11 2193 8908 Tratamiento: Vossa Excelência / Señor Gobernador Presidenta de la FEBEM Sra. Berenice Maria Giannella, Presidente da Fundação Estadual do Bem-Estar do Menor Rua Florêncio de Abreu, 848 – Luz, CEP 01030-001 - São Paulo – SP, Brasil Fax: 55 11 6846 9024 Tratamiento: Vossa Excelência / Señora Presidenta Secretario Especial de los Derechos Humanos Ministro Paulo Vannuchi, Secretaria Especial de Direitos Humanos Esplanada dos Ministérios - Bloco T - Sala 420 - Edifício Sede do Ministério da Justiça CEP 70064-900 - Brasília – DF, Brasil Fax: +55 61 32267980 Tratamiento: Vossa Excelência/ Señor Secretario COPIAS A: Organización de las madres de internos AMAR (Associação de Mães e Amigos de Crianças e Adolescentes em Risco) R. Pedro Américo, 32 – 13o andar, Centro – São Paulo – SP, Cep 01045-010, Brasil y a los representantes diplomáticos de Brasil acreditados en su país.

70

ENVÍEN LOS LLAMAMIENTOS INMEDIATAMENTE. Consulten con el Secretariado Internacional o con la oficina de su Sección si van a enviarlos después del 27 de junio de 2006.

Isso mostra que as redes da AI se integram à rede mundial de ONGs,

pessoas, órgãos de meios de comunicação, etc., que também enviam seus apelos

através da organização. Trata-se, portanto, de uma rede mundial, igual a uma rede

de redes que abrange o mundo inteiro. Essa rede também envolve troca de

informações nos processos de investigação (por exemplo, a investigação do SI

conta com informações obtidas através de contatos, no Brasil, por exemplo, com

Pastorais do Menor, Carcerária, etc., Grupo Tortura Nunca Mais, MST, jornais, etc.).

CAPÍTULO 3 ANISTIA INTERNACIONAL E SUA ATUAÇÃO NO BRASIL

71

Nosso objetivo neste capítulo é mostrar as violações contra os Direitos

Humanos no Brasil, desde 1964, bem como ressaltar os personagens, movimentos,

as organizações que lutaram contra elas, ressaltando ai o papel da A.I. neste

processo. Não pretendemos fazer uma análise exaustiva dessas violações, pois isto

demandaria uma pesquisa mais aprofundada que acabaria fugindo de nossos

propósitos. Pretendemos apenas construir um pequeno panorama para entender

como a A.I. marcou a história recente do Brasil com suas ações, da ditadura militar a

redemocratização do país. Também será enfatizada a criação da seção brasileira da

A.I., os trabalhos desenvolvidos por esta, seus avanços e retrocessos. Finalizando,

mostraremos a importância que a A.I. dispensa para a Educação em Direitos

Humanos.

3.1 1964-1985: Direitos Humanos, Ditadura Militar e a presença da

Anistia Internacional no Brasil

Embora o período por nós abordado seja o da ditadura militar, cabe-nos

ressaltar que esse não foi o único a cometer violações contra os Direitos Humanos.

Governos anteriores, como o Estado Novo de Getúlio Vargas, já sustentavam uma

estrutura repressora e brutal, também vista, há muito, no âmbito das polícias e no

sistema prisional.

Entretanto, é na ditadura militar de 1964 que os Direitos Humanos são

esquecidos e escamoteados, principalmente por tratar-se da primeira vez na história

do Brasil que o Estado cria um aparato repressivo e violador desses Direitos, numa

magnitude até então nunca vista na sociedade brasileira. Assim, entendemos ser de

fundamental importância analisar os governos da época em sua ordem cronológica,

os quais tiveram posturas diferentes com relação as atrocidades cometidas neste

período.

Logo no início da ditadura militar, no governo do General Humberto de

Alencar Castello Branco (1964-1967) milhares de pessoas foram arbitrariamente

presas e, embora funcionando, o Congresso Nacional foi “expurgado” dos políticos

considerado inconvenientes ao novo regime, dando início a perseguição política a

oposição, sendo que já em abril de 1964 são cassados 41 deputados federais.

Também surgem as primeiras denúncias de tortura77. Mas a repressão não pára por

77 Durante o governo de Castello Branco foram torturados e mortes 34 opositores da ditadura. Sabe-se até quem foi o primeiro torturado: o líder comunista pernambucano Gregório Bezerra, que no dia 2

72

ai: também são cassados 29 líderes sindicais, 122 oficiais das Forças Armadas

simpáticos a João Goulart são colocados na reserva e várias personalidades

públicas, como o antropólogo Darcy Ribeiro-então reitor da Universidade de Brasília,

o economista Celso Furtado e os ex-presidentes Jânio Quadros e Juscelino

Kubitschek também foram cassados, tendo seus direitos políticos suspensos por 10

anos, assim como o direito de ocupar cargo público, votar e ser eleito. Os

funcionários públicos considerados ameaça à “segurança do país” foram demitidos.

Tal perseguição política estava amparada no Ato Institucional nº 1 (AI-1), o

primeiro de uma série de Atos Institucionais78 editados por Castello Branco e que se

completaram com seu sucessor, embasando juridicamente as atrocidades cometidas

pela ditadura militar. Embora Castello Branco fosse identificado com a ala moderada

da ditadura militar, 04 dias antes de terminar seu governo ele editou a Lei de

Segurança Nacional-LSN, que abriu terreno para o endurecimento da repressão que

seria colocada em prática pelos seus sucessores.

Como afirma Elio Gaspari,

“A verdade é que a semente da ditadura violenta que se instalaria em 1968 foi plantada em 1964 e germinadas nos anos seguintes. Uma frase do preâmbulo do AI-1 é reveladora desse processo: “A revolução legitima-se a si própria.”79

O Marechal Arthur da Costa e Silva, sucessor de Castello Branco e que

governou o país de 1967 a 1969 operou o endurecimento da repressão,

consolidando o aparato de violações de Direitos Humanos. A justificativa do governo

de abril foi preso, arrastado pelas ruas de Recife, amarrado em um jipe e depois espancado por um oficial do Exército com uma barra de ferro. Como ainda havia alguma liberdade de imprensa, os jornais trataram de denunciar tais torturas, em reportagens sobre o caso de Bezerra e outros semelhantes. Incomodado com as denúncias, Castelo Branco envia seu chefe do Gabinete Militar, o General Ernesto Geisel, em viagem de averiguação a vários estados brasileiros. Embora a viagem tivesse o mérito de paralisar temporariamente as torturas, ela de nada adiantou, pois os torturadores não foram punidos e por conta disso sentiram-se apoiados por seus superiores. 78 No total foram editados 17 Atos Institucionais durante a ditadura militar. Os mais famosos foram os 5 primeiros Atos, os quais moldaram a feição da ditadura militar. Foram eles: AI-1, o qual cassava os direitos políticos, colocava militares na reserva, demitia funcionários públicos e determinava a eleição indireta para o novo Presidente da República; AI-2, instituía que os processos políticos passariam a ser julgados pela Justiça Militar, acabava com os partidos instituindo o bipartidarismo; AI-3, estipulava eleições indiretas também para governadores, prefeitos de capitais e cidades localizadas em áreas de segurança nacional; AI-4, feito para obrigar os parlamentares a se reunirem às pressas, até janeiro de 1965 para que fosse aprovada uma nova Constituição, e finalmente o AI-5, o qual cassava mandatos eletivos, suspendia direitos políticos dos cidadãos, demitia ou aposentava juízes e outros funcionários públicos, proibia manifestações sobre assuntos políticos e suspendia o habeas corpus em crimes contra a segurança nacional. 79 GASPARI, Elio. A ditadura envergonhada, 2002. p. 359.

73

para agir dessa forma foi, dentre outras, as manifestações estudantis, algumas

greves trabalhistas e o crescimento das operações das organizações armadas de

oposição aos militares. O clima de radicalização cresceu durante o ano de 1968,

mas a justificativa que os chefes militares radicais precisavam para endurecer o

cerco do regime a sociedade com a edição do AI-5 foi um discurso de apenas 5

minutos na Câmara Federal, no dia 2 de setembro de 1968, do deputado Márcio

Moreira Alves, do MDB, o qual criticava ferozmente os militares e ainda perguntava

se o exército não era um antro de torturadores.

Seu discurso foi mimeografado e distribuído em todos os quartéis. O grupo de

generais radicais encabeçado pelo ministro Aurélio de Lyra Tavares80 encaminhou

um ofício ao Presidente, mostrando-se indignado diante dos fatos. O governo

aceitou as provocações e solicitou à Câmara dos Deputados uma licença para

processar o deputado Moreira Alves-que como deputado tinha a imunidade

parlamentar.

Mas tudo não passava de manobra do governo militar, com o objetivo de

colocar governo e Câmara em choque. Alega-se que nos bastidores os militares

incentivavam os deputados a votarem contra a autorização para o processo,

conforme alegava o General Golbery do Couto e Silva: “Quanto mais as coisas

piorarem, melhor para nós e nossos objetivos.”81

Como a Câmara manteve a imunidade do deputado Moreira Alves, negando o

pedido de licença para processá-lo, o governo resolveu endurecer. Na mesma noite

o Presidente Costa e Silva foi procurado por vários generais, os quais pediam

retaliação. Na manhã do dia seguinte, dia 13 de dezembro de 1968, em uma

solenidade na Escola Naval, que ocorreu antes da reunião do Conselho de

Segurança Nacional, órgão comandado pelo Presidente da República e que viria a

aprovar o AI-5, soubera-se que o Presidente havia cedido a linha dura do governo e

o país iria viver os seus anos de chumbo. O AI-5 já estava decidido.

Era um texto curto porque, pelo seu espírito, nem precisaria entrar em

detalhes. Na prática, o mesmo deu carta branca aos dirigentes militares e atropelou

o direito dos cidadãos. Com ele, o governo cassou mandatos eletivos, suspendeu

80 Ministro do Exército do Governo Costa e Silva. Participa da Junta Militar que assumiu o Governo em 1969, assumindo a Chefia do Governo por força do Ato Institucional nº 12/69, durante o impedimento temporário do Presidente da República 81 MEIGUINS, Alessandro. Licença para matar. Revista Aventuras na História, São Paulo, Série Dossiê Brasil, abril/2005. p. 26.

74

direitos políticos dos cidadãos (atingindo principalmente estudantes, militares,

professores, diplomatas e jornalistas), demitiu ou aposentou juízes e outros

funcionários públicos, suspendeu o habeas corpus82 em crimes contra a segurança

nacional, fechou o Congresso Nacional, onde 04 senadores e 95 deputados federais

foram cassados, decretou-se o estado de sítio, a censura passou a vigorar nos

meios de comunicação e o banimento de personas non gratas ao regime foi

amplamente utilizado, com a expulsão do país de tais pessoas.

Segundo o ex-ministro Jarbas Passarinho, o AI-5 foi um “mal necessário, uma

licença jurídica apenas para a linha dura conseguir seu objetivo, o de prender os

comunistas”.83 Um exemplo disso era como a ordem legal dificultava o combate aos

grupos armados de esquerda. Em abril de 1964, a polícia prendeu Carlos Marighella,

integrante do Partido Comunista Brasileiro, o PCB. Dias depois o mesmo foi solto

pois Marighella conseguiu um habeas corpus. A partir do AI-5 Marighella viveria na

clandestinidade, sendo um dos adversários mais temidos da ditadura militar.

O aparato repressivo criado no governo do Marechal Costa e Silva vai ser

largamente utilizado, e de forma bastante cruel, no governo do General Emílio

Garrastazu Médici (1969 a 1974). Tal aparatou contou com estrutura física, pessoas,

instituições e um corpo de leis as quais estavam embasadas ideologicamente pela

Doutrina de Segurança Nacional. Entretanto, tal aparato não apresentava um padrão

comum, homogêneo, sendo formado por correntes internas que se diferenciavam

entre si quanto ao procedimento. Dos linha-dura aos chamados sorbonistas84 (ou

moderados) das Forças Armadas, muitas instâncias fugiram ao controle do

Presidente da República e dos escalões do poder.

A desorganização era o fundamento da lógica da repressão. O capitão

torturador passava por cima das ordens do major, o delegado trabalhava contra o

governador, e assim por diante. Nesse sentido, a repressão subvertia a ordem mais

do que os próprios guerrilheiros. Isso não quer dizer que não houvesse cadeias de

comando, mas a repressão linha dura havia criado a sua própria hierarquia,

clandestina, com ramificações nos altos escalões e com a sua total conivência.

82 Mandado judicial que beneficia alguém que esteja sob ameaça de sofrer coação ou detenção de forma ilegal ou abusiva. 83 Ibid. p. 27. 84 D’ARAÚJO, Maria Celina; SOARES, Gláucio Ary Dillon; CASTRO, Celso. Visões do golpe: a memória militar sobre 64. 1994. p. 191.

75

Um personagem que bem ilustra essa época é o Delegado Sérgio Paranhos

Fleury, o qual era conhecido por sua brutalidade e seu sadismo nas práticas de

tortura. Fleury inicialmente chefiava a temida Operação Bandeirantes-OBAN85,

sendo posteriormente nomeado para chefiar um dos mais brutais órgãos de

repressão governamental, o Departamento de Ordem Política e Social-DOPS86, da

Polícia Civil de São Paulo.

Segundo Gaspari, “...os comandantes militares sabiam que tinham colocado

um delinqüente na engrenagem policial do regime”87, referindo-se ao Delegado

Fleury.

Com respeito as instituições participantes, destacam-se as Forças Armadas,

com o poder e a influência da Escola Superior de Guerra – ESG88 e do Serviço

Nacional de Informações – SNI.

Porém, apenas as instâncias das Forças Armadas não conseguiram realizar o

trabalho de perseguição e investigação dos “inimigos” da ditadura militar, contavam

para isso com os órgãos que mencionamos anteriormente e também os

Destacamentos de Operações Internas e Comandos Operacionais de Defesa

Interna, conhecidos como DOI-CODI89. Com relação a Polícia Militar destaca-se uma

mudança realizada pelo General Médici, a qual até os dias de hoje tem profundas

repercussões com relação aos Direitos Humanos: a partir de julho de 1969, as

85 A missão da OBAN era bastante estratégica: criar um organismo que reunisse elementos das Forças Armadas, da polícia estadual e da Polícia Federal, para o trabalho específico de combate à subversão. Segundo Alessandro Meiguins, “...na prática, o núcleo reuniu os elementos mais radicais, corruptos e violentos dessas organizações. O delegado Fleury e sua trajetória são um retrato do que se passou nos porões da ditadura brasileira. Contra o terro, investiu-se no horror.” MEIGUINS, Alessandro. O horror. Revista Aventuras na História, Série Dossiê Brasil, abril/2005. p. 32. 86 Embora o Departamento de Ordem Política e Social-DOPS, órgão subordinado ao Departamento Estadual de Ordem Política e Social, existisse desde os anos 20, somente com o AI-5 ele passou a agir como um centro de tortura. As autoridades entenderam que o mesmo era como uma licença para torturar e matar e, de fato, quem torturou e matou em nome do combate à subversão não foi incomodado por seus superiores. 87 GASPARI, Elio. A ditadura escancarada, 2002. p. 187. 88 Quando da fundação da Escola Superior de Guerra, em 1954, até os primeiros dias do golpe militar, em 1964, a ESG desenvolveu uma teoria de direita com o objetivo de intervir no processo político nacional. A partir de 1964 a ESG foi a grande formadora de quadros para ocupar funções nos sucessivos governos militares.Além de ter gerado a ideologia oficial que prevaleceu durante a ditadura militar, a ESG também criou outros “subprodutos” que foram essenciais para a implantação do aparato repressivo, entre os quais o Serviço Nacional de Informações-SNI, criado por Golbery do Couto e Silva. 89 Cada região militar tinha um Comando Operacional de Defesa Interna-CODI, um órgão interserviços sob comando militar, ou seja, na prática sob as ordens dos exércitos regionais que formavam a região militar geográfica. Em um nível abaixo estava o Destacamento de Operações Internas-DOI, que era uma unidade operacional ao nível local. Era uma força de ataque de militares e policiais, todos sempre atuando em trajes civis.

76

polícias militares, antes subordinadas aos governos estaduais, ficaram subordinadas

ao Estado Maior do Exército, e aos comandos militares regionais.

Com relação a estrutura física desse aparato repressivo eram utilizados os

recintos de todos os órgãos envolvidos: os quartéis das Forças Armadas, delegacias

e presídios da Polícia Civil e seu sistema prisional, os DOPS, etc. Ainda destaca-se

todos os instrumentos e métodos utilizados para torturar e matar, desde os

instrumentos mais simples, como o pau-de-arara, fios para dar choque, um tanque

com água para afogamentos, etc., até instrumentos sofisticados, envolvendo som,

imagens, mudanças de temperatura, etc.

Outro ponto a ser destacado é com relação as prisões realizadas. Existiam 2

tipos de prisões: uma, na qual a vítima sequer era considerada presa, mas sim

desaparecida, e que se torturava e matava; e outra, em que a prisão era formalizada

e que muitas vezes acontecia após a vítima sofrer os suplícios do primeiro tipo de

prisão.

A busca das pessoas envolvidas com a luta armada era realizada por policiais

militares e civis (delegados e investigadores), que em geral já praticavam a tortura, e

às vezes extermínio, no próprio ato da captura. Era bastante comum, o preso

começar a apanhar já a caminho da prisão. Chegando ao local, a tortura também era

realizada por policiais civis e militares de várias patentes, contando ainda com a

ajuda de outros funcionários: carcereiros, médicos que avaliavam até quando o

detido iria suportar a tortura, médicos legistas que emitiam laudos falsos, olheiros

que se espalhavam pela sociedade, analistas que examinavam as informações

obtidas à base de tortura, etc.

Como já enfatizamos anteriormente, o conjunto de atos institucionais e a Lei

de Segurança Nacional deram o suporte jurídico necessário para que todo o tipo de

violação pudesse ocorrer impunemente, trata-se das leis que tiveram as violações

de Direitos Humanos como ponto principal. Órgãos de censura e seus censores, os

tribunais militares, dentre outros componentes, foram também peças fundamentais

desse aparato.

Foi durante o mandato do General Médici que a A.I. inicia a sua atuação no

Brasil, decorrente das graves notícias a respeito das violações dos Direitos

Humanos que ocorreram nessa época no Brasil.

77

Uma das primeiras situações foi a respeito da cobrança realizada pelo então

diretor da A.I., o sr. Sean MacBride, a respeito das denúncias envolvendo torturas e

assassinatos de presos políticos.

Sean MacBride era ex-ministro das Relações Exteriores da Irlanda e

Secretário Internacional da Comissão Internacional de Juristas e estava há 2anos no

comando da A.I., período no qual havia denunciado o governo de vários países por

violações contra os Direitos Humanos, ajudando a soltar o arcebispo de Praga e

também 152 presos políticos de Gana. Colecionava havia meses denúncias vindas

do Brasil (segundo apurou-se mais tarde, um de seus fornecedores tinha sido a rede

de diplomatas e funcionários do Itamaraty, enquanto a mesma funcionou). Para o

governo brasileiro e em especial ao ministro da Justiça da época, Alfredo Buzaid, a

Comissão Internacional de Juristas, presidida por MacBride, era uma instituição

bastante respeitável, o que fez com que o relatório emitido pela mesma, com o aval

da A.I., fosse recebido de forma dolorosa pelo governo brasileiro. Ele dizia:

“Hoje, no Brasil, a tortura não é mais um simples ingrediente nos interrogatórios judiciários. Ela se tornou uma arma política [...] A tortura é sistematicamente aplicada, às vezes antes mesmo que o interrogatório propriamente dito seja iniciado.”90

O ministro Alfredo Buzaid respondeu, atacando “a grande imaginação da

comissão”, segundo telegrama da Agência France Presse, datado de 23 de junho de

1970. Como resposta, MacBride enviou-lhe uma carta pedindo que o governo

permitisse a verificação de seu desmentido. O ministro da Justiça, catedrático da

Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, deu a comissão uma confiança

que não dava a outras instituições e respondeu que estava surpreso pelo fato da

mesma não confiar nas palavras do governo brasileiro. MacBride não se fez por

vencido e rebateu:

“Recebi seu telegrama e o agradeço. Nós mantemos a nossa posição original. Isto é: para esclarecer a situação, são necessárias uma investigação da Comissão Interamericana de Direitos Humanos e a inspeção das prisões por uma comissão da Cruz Vermelha Internacional.”91

Obviamente que o pedido de MacBride nunca foi atendido. Posteriormente,

em setembro de 1972, a A.I. lança o Relatório Anual de 1971-1972, o qual menciona

que a mesma estava atuando em 160 casos e investigando mais de 50 deles, no

90 Departamento de Documentação da Editora Abril apud GASPARI, Elio. A ditadura escancarada. 2002. p. 297. 91 Ibid. p. 298.

78

Brasil. O Relatório sobre as acusações de tortura no Brasil é considerado por

especialistas e militantes da área dos Direitos Humanos como o primeiro grande

documento a denunciar essas violações. Esse relatório é a prova cabal dos efeitos

do endurecimento do regime, no que diz respeito às violações contra os Direitos

Humanos já no governo do Marechal Costa e Silva e enfocando principalmente o

governo do General Médici. Embora o relatório fosse baseado em depoimentos e

denúncias, apresentava uma riqueza de dados, mapeando bem a situação dos

Direitos Humanos no Brasil da época. No final do relatório são arroladas 1081

vítimas do regime e 422 torturadores são mencionados ao longo do mesmo.

As violações denunciadas no relatório eram as seguintes:

1. existência de prisioneiros de consciência, na medida em que muitas

pessoas estavam sendo presas, sem terem feito o uso de violência, apenas pelo fato

de serem contrárias (em alguns casos nem isso) ao regime militar. Com relação aos

prisioneiros que usaram a violência, o posicionamento do governo brasileiro ia

contra às normas internacionais de Direitos Humanos. Por exemplo: direito a

julgamento, tratamento médico, advogado, etc;

2. prática generalizada de torturas, e em vários casos até a morte do

prisioneiro;

3. execuções extrajudiciais, demonstrava que um número significativo de

pessoas morreram sob a custódia governamental, seja dentro ou fora das

dependências dos organismos de repressão;

4. desaparecimentos, pois muitos prisioneiros não eram dados como presos,

fator esse que facilitaria a sua eliminação pelos órgãos repressivos. Esse foi o caso

do Prof. Luiz Basílio Rossi, preso em 1972, originando as Redes de Ações Urgentes,

que será abordado mais adiante.

Outro ponto destacado pelo relatório foi a introdução da pena de morte no

Brasil, com o advento da Lei de Segurança Nacional, através do Decreto 898. De

acordo com a A.I.:

“A pena de morte é dificilmente aplicável do ponto de vista legal, pois à condenação seguem gritos de protesto no mundo inteiro. Desta forma, a primeira condenação, anunciada em março de 1971, contra o jovem Teodomiro Romeiro dos Santos, foi transformada em prisão perpétua (que, aliás também não mais existia e foi introduzida pelo Decreto-lei 838). Em novembro de 1971 três novas condenações à morte foram anunciadas. Os condenados são: Ariston Oliveira Lucena, Diógenes Sobrosa de Souza e Gilberto Faria de Lima. Em princípios do mês de julho deste ano, o Supremo

79

Tribunal Militar também transformou essas condenações em prisão perpétua, talvez em virtude dos apelos internacionais.”92

A reação do Ministério da Justiça brasileiro não iria tardar. O mesmo deu

ordens para que a imprensa rechaçasse o relatório, difamando a A.I. e suas relações

com o Brasil. A revista O Cruzeiro, que apoiava a ditadura militar, publicou o

seguinte:

“...a famosa ‘Anistia Internacional’...instrumento do comunismo terrorista que, de Londres apóia as guerrilhas do mundo inteiro. Essa ‘Anistia Internacional’ promove campanhas nos centros mundiais para anistiar a criminosos terroristas, baseando-se sempre em mentiras e difamações contra os governos democráticos. Vem desenvolvendo uma campanha sistemática contra o Brasil, inventando torturas, assassinatos e atos de violência, como parte integrante de uma técnica difamatória que serve aos objetivos do comunismo.”93

Segundo Dom Paulo Evaristo Arns, personagem bastante importante no

combate às violações dos Direitos Humanos no Brasil, todos os documentos

governamentais que chegavam às suas mãos faziam críticas pesadas com

referência a A.I., mostrando a força que a mesma possuía, a qual incomodava um

governo violador de direitos.

Dom Paulo sabia o que estava dizendo pois não escaparam da prisão, tortura,

execuções e perseguição, padres e freiras, isso sem contar os leigos vinculados às

organizações da Igreja Católica, como a Juventude Operária Católica, Comunidades

Eclesiais de Base, etc., uma vez que a igreja progressista era a principal fonte de

contestações às violações contra os Direitos Humanos, durante a ditadura militar,

tendo em vista que o governo Médici aprofundara o aniquilamento de parcela

considerável da sociedade civil, algo que já havia sido iniciado nos governos

militares anteriores, restando a igreja o papel de contestadora da ordem vigente.

Outro aspecto da ditadura militar foi o funcionamento, de meados da década

de 60 a início da década de 70 e que enfocava não mais o preso político, mas sim o

preso ou cidadão comum, do Esquadrão da Morte. Era um grupo constituído por

policiais civis que inicialmente tinham por objetivo de vingar a morte de policiais.

Calcula-se que para cada policial morto 10 presos (ou não) eram executados, sendo

que a grande maioria dos casos apresentava sinais de tortura. Grande parte dos

92 ANISTIA INTERNACIONAL apud BOVO, Cassiano Ricardo Martines. Anistia Internacional: roteiros da cidadania-em-construção, 2002. p. 139. 93 O Cruzeiro apud Amnesty International. AI en citas. 1986. p. 12

80

executados eram presos retirados de dentro das celas, principalmente dos grandes

presídios, como por exemplo, o Presídio Tiradentes em São Paulo.

Uma das poucas pessoas que ousaram desafiar o Esquadrão da Morte,

denunciando-o e combatendo, foi o Procurador de Justiça do Estado de São Paulo,

Hélio Pereira Bicudo, o qual sofreu, juntamente com sua família, inúmeras ameaças

devido as denúncias.

Mas Bicudo teve sérias dificuldades para combater o Esquadrão pois foi

percebendo aos poucos que o mesmo era acobertado por autoridades policiais,

militares, membros do judiciário e governamentais, tanto na esfera estadual e

federal. Poucos foram os punidos, geralmente os integrantes menores dentro da

organização, sendo que a maior parte de seus membros saiu ilesa. Como afirma

Bovo:

“Na verdade, os caminhos do Esquadrão da Morte vão se cruzar com a luta contra a subversão. Justamente o seu líder, delegado Sérgio Paranhos Fleury, junto com outros integrantes, ao invés de ser punido, como se esperava, será agraciado e aclamado pelas autoridades estaduais e federais e passa a comandar a luta contra a subversão, atuando como delegado no DOPS.”94

O General Ernesto Geisel, que governou o Brasil de 1974 a 1979, ao assumir

o poder promete uma abertura lenta e gradual, prometendo diminuir a repressão.

Embora tivesse um discurso moderado, sabe-se que no seu governo a linha dura

das Forças Armadas ainda continuava torturando, matando e cometendo vários tipos

de violações contra os Direitos Humanos, naqueles aparelhos citados anteriormente

(DOI-CODI, por exemplo), os quais ainda continuavam em pleno funcionamento.

Mesmo com o discurso da distensão, o governo Geisel utiliza-se da mão de

ferro para atacar a oposição, bem como para tecer críticas contra a A.I. e qualquer

outra organização que denunciasse as violações contra os Direitos Humanos no

Brasil.

O caso que ilustra tal procedimento foi quando o do MDB, o partido de

oposição a ditadura militar, resolveu convocar Armando Falcão, o ministro da Justiça

do governo Geisel, ao plenário da Câmara para prestar esclarecimentos a respeito

das denúncias sobre tortura e também sobre os desaparecidos políticos. O MDB foi

além: também propunha de uma Comissão Parlamentar de Inquérito para investigar

94 BOVO, Cassiano Ricardo Martines. Anistia Internacional: roteiros da cidadania-em-construção, 2002. p. 144.

81

os casos de violações de Direitos Humanos, assim como a lista com 130 nomes dos

desaparecidos políticos da Guerrilha do Araguaia.

O líder do governo na Câmara rebateu, acusando mais de 20 deputados da

oposição de terem recebido o apoio do PCB, ou seja, a resposta não foi compatível

com o que se estava pleiteando, mostrando que o governo fugia de suas respostas

quando acuado.

Na semana seguinte a reunião do Alto Comando, Geisel deu sinais que

enfrentaria o problema dos desaparecidos políticos. Disse ao General Golbery do

Couto e Silva, Chefe do Gabinete Civil, que escrevesse uma nota oficial a respeito

do assunto. Mas quem esperava algo na linha da distenção, enganou-se. Nela,

Golbery atacava a imprensa nacional e estrangeira, a igreja, o intelectual

esquerdista inglês Bertrand Russel e as organizações defensoras dos Direitos

Humanos, como a A.I95. Assim como fizera o governo do General Médici, Geisel

também afirmava que tais denúncias “não passavam de uma campanha difamatória

contra o Brasil no exterior, como parte integrante da guerra psicológica planejada

pelo movimento comunista.”96

E foi além: lançava suspeitas sobre os desaparecimentos políticos, afirmando

que muitos deles haviam desertados de suas organizações ou então foram

executados pelas mesmas.

Porém, o discurso de Geisel mudou em vista de alguns acontecimentos em

seu governo, que levariam-no a tomar uma atitude de força contra um dos principais

representantes da linha dura do Exército, o General Sylvio Frota, Comandante do II

Exército e que já havia sido cogitado como o nome para substituir Geisel. Esses

acontecimentos foram:

95 Posteriormente, durante uma entrevista concedida a Maria Celina D’Araújo e Celso Castro, Geisel, já afastado da vida pública, quando perguntado o que achava a respeito da pressão que a imprensa estrangeira e a A.I. fizeram em seu governo, com relação as denúncias de violações contra os Direitos Humanos, respondeu o seguinte:“O que o governo achava, e eu também achei, era que essa imprensa e essas questões da Anistia eram muito tendenciosas. Em primeiro lugar, porque esse problema existia em todos os países. O que fez a Inglaterra com o problema da Irlanda? O que é nos Estados Unidos o problema com os negros e os porto-riquenhos? Há pouco tempo, nos Estados Unidos, cercaram uma seita religiosa, incendiaram o prédio onde estavam os fiéis, e morreram todos. A Anistia não explorou isso. Para mim, no meu conceito, a Anistia é um organismo tendencioso e infiltrado pela esquerda, destinado a explorar essas questões. Não dou à Anistia a credibilidade que se lhe procura dar como organismo internacional. Não aceito que eles queiram influir nesses problemas. Isso é uma questão de independência, de autonomia nacional.” D’ARAÚJO, Maria Celina; CASTRO, Celso. Ernesto Geisel. 1997. pp. 231-232. 96 GASPARI, Elio. A ditadura encurralada. 2004. p. 37.

82

- a morte, sob tortura, do jornalista Vladimir Herzog, nas dependências do

DOI-CODI de São Paulo, em 1975, causando comoção na sociedade;

- a morte, também sob tortura, do operário metalúrgico Manoel Fiel Filho, em

1976;

- a visita do Presidente dos EUA, Jimmy Carter ao Brasil, em 1978.

Este último acontecimento, particularmente, é visto como um marco no que se

diz respeito a luta pelos Direitos Humanos no Brasil, haja vista que muitas denúncias

foram feitas. Aqui deve-se observar a importância da pressão externa, visto que os

EUA, na época começou a mudar a sua postura em relação aos regimes militares

latino-americanos que apoiara, pois o tema Direitos Humanos passou a fazer parte

do discurso da diplomacia norte-americana durante do governo Carter. O próprio

Carter reuniu-se com personalidades ligadas97 à luta pelos Direitos Humanos no

Brasil, com o objetivo de captar denúncias de violações.

O último presidente militar do Brasil foi o General João Batista Figueiredo,

governando de 1979 a 1985, sendo um general que se alinhava também com a ala

moderada da ditadura militar. Continuou o discurso de distensão e abertura do

governo Geisel. A repressão agora tinha um outro foco: concentrou-se sobre os

movimentos sociais98 que explodem no final da década de 70 e se expandem pela

década de 80.

Com relação aos Direitos Humanos ocorreu nesse período uma mudança

bastante significativa em relação às violações: o alvo não era mais exclusivamente

aquelas pessoas associadas aos opositores da ditadura militar, passou a focar

também e em muitos casos centralizou suas ações na população pobre e

marginalizada das grandes cidades e no preso comum. Embora essa população

sempre fora alvo da repressão (como citamos anteriormente o exemplo do

Esquadrão da Morte), a diferença foi que nesse período todo o artefato repressivo

voltou-se contra ela.

Quanto ao aparato repressivo de violações de Direitos Humanos relacionados

aos crimes políticos, nessa época as polícias militares, embora operadas no âmbito

dos governos estaduais, continuaram sob o comando das Forças Armadas, mesmo

após as eleições diretas para governador, em 1982, o que lhes tirava a autonomia

97 A primeira pessoa com quem Carter esteve tratando a respeito do tema foi Dom Paulo Evaristo Arns.

83

no que diz respeito a utilização da polícia militar. Ou seja, a polícia militar continuou

impregnada da cultura repressiva do regime militar. Quanto aos policiais civis, muitos

deles passaram, ou então voltaram a atuar em relação ao criminoso ou suspeito

comum, e como temos conhecimento, até hoje, através da divulgação dos meios de

comunicação, ainda utilizam muitos dos processos de tortura empregados durante a

ditadura militar (espancamento, choques, pau-de-arara, etc.). Assim, o que mudou

foi o foco, o aparato, de forma descentralizada e difusa, permaneceu, principalmente

nas delegacias e prisões.

A linha dura do exército também deu as caras durante o governo Figueiredo,

no caso das bombas no RioCentro, mostrando que ainda respirava dentro do

prometido governo de abertura. Em 30 de abril de 1981, militares da linha dura do

exército planejaram explodir bombas durante um show de MPB em homenagem ao

Dia do Trabalho, no RioCentro. Em poucas horas as bombas causaram mortes e

pânico entre a multidão. Porém, uma delas explodiu antes da hora, no automóvel em

que estava sendo transportada. Dentro do Puma estavam o capitão do Exército

Wilson Machado e o sargento Guilherme do Rosário. A explosão feriu o capitão e

matou o sargento, desencadeando uma das últimas crises da ditadura militar.

A versão oficial divulgada era de que os militares haviam sido “vítimas de um

atentado”, a qual seria corroborada por um Inquérito da Polícia Militar, montado para

sustentar a versão inconsistente dos fatos. O governo Figueiredo sabia que o

atentado fora obra da ala mais truculenta do Exército, formada por militares que

praticavam atentados terroristas com o objetivo de tumultuar o processo de abertura

política da ditadura militar.

O RioCentro não havia sido a primeira vítima. Antes, bombas já haviam sido

explodidas em jornais de oposição, na Câmara Municipal do Rio de Janeiro e dentro

de uma carta endereçada ao presidente da Ordem dos Advogados do Brasil-OAB,

que matou uma secretária. O governo Figueiredo entretanto, não quis descontentar

os militares que apoiavam os atentados e deixou que as investigações continuassem

sendo obstruídas, a ponto de um laudo da autópsia do sargento morto ter sido

confiscado pelo Exército99.

98 Movimentos que surgem em defesa dos Direitos Humanos, dos direitos das mulheres, dos negros, a favor da anistia política, da reforma agrária, contra a carestia, etc. 99 CAVALCANTE, Rodrigo. No meio do caminho tinha uma bomba. Revista Aventuras na História. Série Dossiê Brasil. Abril/2005. p. 56.

84

Enquanto isso, líderes da oposição no Congresso protestavam contra o

silêncio e os procedimentos do governo, temendo que esse episódio fosse um sinal

de que a abertura estava ameaçada. De certa forma, a farsa em torno das

investigações revelou, mais uma vez que a linha que separava o governo dos

radicais linha dura era bastante tênue.

Na época foi feito uma espécie de acordo: o governo prometia que a

investigação não daria em nada e os radicais garantiram brecar o ímpeto terrorista

dos colegas. Assim, o caminho para a abertura democrática estava livre, desde que

ninguém quisesse remexer nesse passado, ou punir alguém.

Além do caso RioCentro, o governo Figueiredo também enfrentou no início da

década de 80 o crescimento assustador da violência policial, principalmente da

Polícia Militar, na chamada Rondas Ostensivas Tobias de Aguiar-ROTA, em São

Paulo. Como salientamos anteriormente, a tortura ainda é utilizada, seja no âmbito

dos policiais militares ou então nos interrogatórios nas delegacias de polícia, ou

ainda nas prisões, quando não em todos esses lugares, para uma única pessoa. O

aparato repressivo que agora volta-se para o pobre, faz com que os

desaparecimentos e as execuções extrajudiciais aumentem de forma assustadora,

envolvendo principalmente os pobres das periferias das grandes cidades. Proliferam

assim os matadores de aluguel, bem como os linchamentos.

Nessa época, os relatórios da Comissão de Paz e Justiça da Arquidiocese de

São Paulo mostram o agravamento da situação com relação ao aumento da

violência policial, denotando também uma mudança da chamada igreja progressista

na década de 80, já que o eixo da sua atuação desloca-se do preso político para a

população carente.

Acompanhando essa mudança de foco, a A.I. também passa a priorizar em

seus relatórios anuais, denúncias contra o aumento da violência policial no Brasil e o

aparato repressivo utilizado contra a população carente. Durante o governo

Figueiredo a A.I. intensifica sua atuação no Brasil com a abertura do seu primeiro

escritório, em 1982, na cidade de Porto Alegre, e posteriormente, em 1984, é aberto

o escritório em São Paulo da Seção Brasileira da Anistia Internacional-SBAI, como

veremos a seguir. Nesse período há um incremento nas atividades da A.I., com o

aumento de voluntários engajados na luta pelos Direitos Humanos, as parcerias

com outras ONGs, haja vista a necessidade de conscientizar uma sociedade que

85

durante 21 anos viveu sob o aparato repressivo e mostrava-se apática diante de tais

violações.

A eleição (ainda indireta) do civil José Sarney100, em 1985, pôs fim a 21 anos

de ditadura militar, mas praticamente não houve mudanças com relação às

violações mencionadas anteriormente. Mesmo com todo o movimento de

redemocratização do país, iniciado com o Movimento das Diretas Já, com a adesão

do governo brasileiro a importantes documentos internacionais de Direitos Humanos,

alguns fatos como o Massacre do Carandiru, de Eldorado dos Carajás, FEBEM, a

Chacina da Candelária, entre outros, mostram que ainda há um forte traço de

autoritarismo nos aparatos estatais de segurança, herança dos tempos da ditadura

militar. Outro ponto negativo é o fato de considerável parcela da população, muito

influenciada pela mídia, apóia as violações desses direitos, como a tortura, o

tratamento cruel aos prisioneiros, a pena de morte, etc.,

Embora seja difícil precisar a atuação da A.I. durante o período sugerido

(1964 a 1985), ou seja, do Golpe Militar até o início do processo de

redemocratização, procurou-se mostrar que mesmo de forma tímida, ela existiu. A

A.I. atuou intensamente em relação ao Brasil, não apenas em casos individuais,

adotando prisioneiros políticos, mas também no que diz respeito as atividades de

promoção dos Direitos Humanos, como por exemplo o lançamento dos relatórios

sobre o país.

O que vale ressaltar em toda essa atuação é o fato da A.I. ter tido influência

significativa em relação a avanços na cidadania, no seio da sociedade civil, assim

como pelos seus embates com o governo brasileiro, ou seja, no plano da sociedade

política também.

3.1.1 1973: o caso Luiz Basílio Rossi e o surgimento das Redes de Ações

Urgentes – RAUs

Como nos referimos anteriormente, uma das formas de violações contra os

Direitos Humanos bastante utilizada durante a ditadura militar era o

desaparecimento de presos políticos. Esse tipo de violência foi denunciada pela A.I.

100 José Sarney, senador pelo Maranhão, durante toda a sua vida política esteve ao lado dos militares, tendo sido líder da ARENA, o partido dos militares, na Câmara Federal. Por divergências internas, desfiliou-se do PDS (o herdeiro da ARENA) e filiou-se ao PMDB, sendo escolhido o candidato a vice-presidente na chapa de Tancredo Neves. Eleitos, ainda de forma indireta, e com a morte de Tancredo Neves antes de assumir, Sarney toma posse em seu lugar.

86

em seu relatório anual de 1971-1972, o qual continha dados a respeito dos presos

políticos desaparecidos. Entre os vários casos constantes no relatório, um era

bastante especial: o do Prof. Luiz Basílio Rossi, a partir do qual surgiram as Redes

de Ações Urgentes – RAUs, um dos principais instrumentos de luta da A.I.

A prisão do Prof. Rossi aconteceu em 14 de fevereiro de 1973, na cidade de

Araçatuba, no interior de São Paulo. A família encontrava-se reunida para o jantar,

sendo que naquele momento também estava presente um amigo da família, membro

da mesma organização política a qual o professor pertencia. De repente, a casa foi

toda cercada pela polícia e tanto o professor como seu amigo foram presos. A

esposa não o foi porque os policiais civis que efetuaram a prisão não eram

profissionais da repressão política e portanto não quiseram deixar as três crianças

sozinhas em casa.

Nessa época, muitas prisões não tinham mandado judicial que as

respaldasse, o que era bastante comum durante o governo do General Médici. A

ditadura militar impusera suas regras ao Congresso expurgado, a um judiciário

silenciado, aos sindicatos e entidades democráticas, cujos dirigentes foram

perseguidos, reprimidos, desaparecidos e mortos. Segundo Rossi:

“A regra básica da Justiça Militar dessa época era que você era culpado enquanto não provar sua culpa, quando o direito universal afirma que você é inocente enquanto a justiça não comprovar sua culpa. Essa política abria espaço para toda sorte de arbitrariedade, desde a repressão psicológica até a física, chegando à morte.”101

Na mesma noite de 14 de fevereiro, Rossi e seu amigo foram levados ao

quartel do Exército em Lins, cidade distante 80 quilômetros de Araçatuba. No dia 19,

foram encaminhados ao DOI-CODI em São Paulo, organismo vinculado ao Exército

ao qual nos referimos no início deste capítulo. Permaneceram lá aproximadamente

02 meses, onde a tortura era a regra e realizava-se de maneira metódica: os

torturadores, oficiais oriundos de todas as forças militares e delegados da polícia

civil usavam métodos variados para obter as informações que julgavam necessárias.

O fustigamento psicológico, o desmantelamento dos laços culturais e a dor física

eram empregados conforme a personalidade do preso e as circunstâncias do

momento. Para muitos, a morte foi o fim do suplício.

101 ANISTIA INTERNACIONAL. Boletim Informativo. Março/1998, nº03. p. 06.

87

Rossi passou mais 01 mês nas dependências do DOPS para que

legalizassem seu processo. Somente depois disso pode ser considerado “um preso

político” sob a responsabilidade da Justiça Militar. Como ele mesmo afirma:

“Nesse momento, e nos quase 06 meses que passei no Presídio do Hipódromo, senti-me gente de novo. No DOI-CODI não tinha autonomia, nem independência. Era o sistema militar que se ocupava da minha pessoa, longe dos familiares, amigos e advogados. Era o mundo do imponderável, da insegurança, do arbítrio e da violência. O preso talvez conservasse seu passado, mas presente e futuro embaralhavam-se, confundiam-se como se não existissem. Estava em mãos alheias, inimigas, as quais o destruiriam se tal conviesse aos objetivos da ditadura.”102

Um mês após ter dado entrado no DOI-CODI, Rossi foi surpreendido com a

visita da esposa, o que era um fato extraordinário, pelo fato de visitas naquelas

dependências serem bastante difíceis de acontecerem. Sua esposa fora convocada

pelo Comando do DOI-CODI para comprovar que ele estava vivo e bem de saúde. O

telegrama que recebera dava a dimensão, contudo, do caráter e das intenções do

regime militar: fora chamada para reconhecer o corpo de Rossi.

Imediatamente após a prisão, a esposa de Rossi conseguiu fazer contatos

com o Bispado de Lins, com o qual a família mantinha relações profissionais,

políticas e de amizade. O padre José Oscar Beozzo e o bispo Pedro Paulo tomaram

as primeiras medidas para que Rossi fosse localizado, assim como para que sua

prisão chegasse ao conhecimento do público para que sua vida fosse preservada.

Para isso foram mobilizados amigos e outras pessoas preocupadas em

defender os Direitos Humanos; notificaram-se os jornais de grande circulação, o

cardeal Dom Paulo Evaristo Arns foi informado a respeito da prisão e acionou-se a

A.I.

Foi a iniciativa da Igreja Católica, por intermédio da Diocese de Lins e

Arcebispado de São Paulo que possibilitou, no caso, a ação rápida e eficaz da A.I.

Em poucos dias, telegramas e cartas da Holanda, Bélgica, Suíça, França e outros

países foram remetidos para as autoridades brasileiras, solicitando informações

sobre o paradeiro do professor, as condições de saúde e exigindo que respeitassem

sua vida.

Foram esses pedidos e denúncias, em nível nacional e internacional, que

provocaram a ida da esposa de Rossi ao DOI-CODI, ocasião em que as cartas lhe

foram mostradas e lhe solicitaram respondê-las, dizendo que o mesmo estava bem

102 Ibid. p. 07.

88

de saúde. Essas cartas continuaram a chegar ao longo dos meses em que Rossi

esteve preso, denunciando, pressionando a ditadura militar brasileira e

solidarizando-se com Rossi e sua família.

Em outubro de 1973 Rossi é libertado para aguardar o julgamento em

liberdade pois pela jurisprudência da Justiça Militar, ninguém podia permanecer na

prisão uma vez esgotado o período igual à pena mínima prevista pela Lei de

Segurança Nacional, naquele momento em vigência. Como ele estava incurso no

artigo 14, cujas penas iam de 06 meses a 05 anos, foi colocado em liberdade após

permanecer quase 09 meses preso.

Em julho de 1974, antes do julgamento, deixa o Brasil com a família, via

Argentina, rumando daí para a Bélgica, após ter recebido autorização para residir

naquele país na condição de refugiado político, sob a proteção da ONU. Durante

esse período a ditadura militar condenou-o, à revelia, a 4 anos de prisão.

A solidariedade dispensada quando da prisão perdurou nos 7 anos de exílio

na Bélgica, quando membros europeus da Igreja Católica e da A.I. ofereceram-lhe

ajuda material para reiniciar a vida na Europa. Segundo Rossi, “essa presença

cotidiana teve impacto em nossa família, auxiliando-nos a enfrentar com êxito os

desafios impostos pelas novas condições ambientais e culturais.”103

As iniciativas da A.I. foram decisivas, pois além de preservar a vida do

professor, proporcionou à sua família tranqüilidade e confiança para enfrentar

dificuldades e desafios, no Brasil e no exterior. Ao longo de mais de 20 anos ele

ainda se recorda dessa presença solidária. Em dezembro de 1995, Rossi e sua

esposa são convidados para participar, em São Paulo, do Encontro Regional para a

América Latina sobre as “Ações Urgentes”, onde ele fica sabendo que a sua prisão

dera início a um novo tipo de atividade entre os militantes da A.I., justamente as

denominadas “ações urgentes”, que são hoje as mais importantes iniciativas da A.I.

em nível internacional.

Quando o padre Oscar Beozzo enviou as informações a Londres, a A.I. tomou

as primeiras providências e elaborou o relatório que tornou pública a prisão do Prof.

Rossi e pressionou o governo militar brasileiro. Foi a partir daí que se organizou a

“Rede de Ações Urgentes”.

103 Ibid. p. 09.

89

3.2 A Seção Brasileira da Anistia Internacional – SBAI

Para que uma pessoa ingresse nas fileiras da A.I. não é necessário que seu

país possua uma seção. Como vimos anteriormente, a A.I. já atuava no Brasil na

década de 70 sem possuir uma seção sequer. O trabalho era única e

exclusivamente realizado por membros individuais104, os quais em sua maioria

encontravam-se em São Paulo, Curitiba e Belo Horizonte.

Nessa época a A.I. contava com aproximadamente 30 membros, os quais

trabalhavam incansavelmente com o objetivo de tornar a organização conhecida,

divulgar a causa dos Direitos Humanos e denunciar as violações que ocorreram

durante a ditadura militar. Interessante notar que nesta época, de pseudo-abertura e

redemocratização do país, houve um aumento no número de membros, aumento

esse proporcional ao final da ditadura militar. Isso se deve pelo fato de muitos

membros estarem indignados com relação a violação dos Direitos Humanos durante

a fase mais sombria da ditadura militar, e dessa forma sentiram-se mais a vontade

para trabalharem pela causa.

O primeiro evento oficial que, estrategicamente, projetou a A.I. para a mídia

brasileira foi uma exposição de vários artistas no Museu da Imagem e do Som de

São Paulo, no final de 1982, com o objetivo de comemorar o Dia Universal dos

Direitos Humanos. Aproveitou-se a ocasião para lançar uma edição da Declaração

Universal dos Direitos Humanos ilustrada por 30 cartunistas brasileiros. O evento foi

um sucesso, causou boa impressão na mídia brasileira e contribuiu também para o

aumento no número de membros, conquistando também muitos simpatizantes.

Neste mesmo ano cria-se um grupo em Porto Alegre, sendo aberto o primeiro

escritório da A.I. no país, no Rio de Janeiro.

Em 1984 havia 6 grupos de adoção trabalhando no Brasil (3 destes em São

Paulo, 01 no Rio de Janeiro, 01 em Porto Alegre e outro em Santa Maria/RS).

Também havia 01 grupo médico, 40 membros ativos, 01 conselho em São Paulo, 02

escritórios e 01 funcionário exclusivo, o qual trabalhava no escritório de São Paulo.

Ainda em 1984 é convocada uma reunião entre esses grupos com o objetivo de

discutir a estrutura e a criação de uma plano nacional para a atuação da A.I. no país.

Surge também nesta reunião a idéia de requerer ao CEI a criação de uma Seção no

Brasil.

104O membro individual atua isoladamente, embora possa se encontrar e trabalhar com outros membros individuais em algumas ocasiões. Outra forma de atuação é através de grupos.

90

Tal atitude contou com o apoio e entusiasmo do SI, sendo que em 1985 o

escritório de São Paulo recebe a visita do Coordenador das Américas do SI, com o

objetivo de estruturar a futura Seção. Segundo Bovo,

“...os membros criaram uma sede em São Paulo, localizada à Rua Fidalga, na Vila Madalena, a qual foi destruída por incêndio criminoso alguns dias após a inauguração. Se os autores do atentado tinham por objetivo intimidar a AI no Brasil, ocorreu o contrário, pois o fato foi amplamente coberto pela mídia, criou-se uma rede de solidariedade e a organização projetou-se ainda mais.”105

O reconhecimento da Seção Brasileira da Anistia Internacional – SBAI, pelo

SI, deu-se em março de 1985, quando a seção já possuía, aproximadamente, 15

grupos. Em 1986 a SBAI contava com 3 escritórios no Brasil, localizados em São

Paulo, Rio de Janeiro e Porto Alegre e 2 funcionários exclusivos, os quais eram

remunerados pela AI. Nesse ano acontece o primeiro contratempo com relação aos

escritórios, pois se descobriu que um membro do conselho do Rio de Janeiro era um

consultor de segurança argentino, o que infringia o estatuto da AI. Os grupos

cariocas foram dissolvidos e o escritório foi fechado.

Particularmente, a segunda metade da década de 80 foi uma época de

intenso crescimento para a AI. Como citamos anteriormente, quando da inauguração

da SBAI em São Paulo, em 1985, havia aproximadamente 15 grupos atuando no

Brasil. Já em 1989 havia 28 grupos, outros 6 em formação, 2 escritórios e

aproximadamente 300 membros espalhados por 20 estados brasileiros.

Houve também avanços significativos nas áreas de mídia, publicidade,

Educação em Direitos Humanos, além da produção do primeiro vídeo da AI em

português. Durante o ano de 1988, por exemplo, são realizadas várias atividades: a

discussão sobre a inclusão da disciplina de Direitos Humanos no currículo escolar,

programas de treinamento para policiais e pessoal carcerário e um workshop de

treinamento para capacitadores, o que contribuiu para que a SBAI adquirisse um

certo grau de respeitabilidade no país.

Porém, no início da década de 90 a SBAI entra em declínio, havendo uma

queda no número de grupos. Em 1990 o número caíra para 24 e em 1992, a queda

é mais acentuada, apenas 15 grupos estavam em atuação. Nesse mesmo ano

também ocorrem várias divergências internas, as quais junta-se a insuficiência de

fundos, o que faz com que vários membros deixem a AI.

91

A SBAI foi submetida a tensões internas e pareceu fragmentar-se com visões

contrastantes sobre o próprio desenvolvimento, projetos futuros, sendo que pelos

menos 3 centros decisórios (São Paulo, Porto Alegre e Passo Fundo/RS) não

entendiam entre si. Devido a essa situação, a ação e as atividades dos grupos

declinaram acentuadamente.

Em 1993 tornou-se evidente que o desenvolvimento sustentável e consistente

das ações da AI no Brasil iria requerer uma abordagem e um planejamento a longo

prazo, um nível estável de financiamento e também o reconhecimento dos grandes

desafios referentes a luta pelos Direitos Humanos em um país com as dimensões do

Brasil e com uma sociedade complexa e tão desigual. Porém, nesse mesmo ano o

escritório de Porto Alegre foi fechado, reabrindo somente em 1995.106

A partir de 1995 há uma melhora na organização da Seção, refletindo em um

crescimento dos membros individuais, os quais passam de 293 em 1996, para 1094

em 1999. Há também uma abordagem mais profissionalizada do levantamento de

fundos, refletindo na produção de melhores resultados.107

Porém, em dezembro de 1999 a SBAI sofre intervenção, com perda108 do

status de Seção, após a visita de missão de membros do CEI e do SI, no mesmo

mês. O status de sessão somente viria a ser restabelecido a partir da Assembléia

Geral, realizada em Campinas, em abril de 2000. No entanto, essa assembléia teve

a sua legitimidade questionada pelo Comitê Executivo109, que fora destituído quando

da intervenção, em 1999. Ambos os lados refutam as acusações.

Márcio Gontijo, militante histórico da AI e que havia sido eleito em 1999 para

dirigir a SBAI, juntamente com membros da sua diretoria, entraram com 11 ações na

Justiça, sendo que a principal delas contestava a eleição do advogado Alexandre

105 BOVO, Cassiano Ricardo Martines. Anistia Internacional: roteiros da cidadania-em-construção, 2002. p. 175. 106 Em reunião extraordinária do Diretório Nacional, Ricardo Brisolla Ballestieri, ex-presidente da SBAI explica as conseqüências do fechamento do escritório de Porto Alegre: queda acentuada do número de grupos e membros individuais na cidade. 107 Uma das grandes queixas dos membros da AI no Brasil é que a SBAI não desenvolveu uma cultura de planejamento e apenas nos últimos anos da década de 90 estabeleceu sistemas administrativos internos básicos. O apoio financeiro do movimento internacional, durante muitos anos sem planos da SBAI, contribuiu para uma cultura de dependência e não proporcionou condições para mais desenvolvimento. A falta de planos e estratégias de desenvolvimento não afetou apenas o desenvolvimento e a ação da própria SBAI, como também a maneira pela qual o movimento internacional compreendia os desafios impostos pelo próprio país ao desenvolvimento da AI. 108 A perda de status deu-se devido a suspeitas de irregularidades, tais como falta de transparência na prestação de contas, bem como o recebimento de verbas do Governo Federal, o que é proibido pelo estatuto da AI. 109 O Comitê Executivo é o órgão máximo de poder da Seção.

92

Guedes na Assembléia Geral de 2000, em Campinas, impedindo-o de tomar posse.

Havia também processo por difamação. O grupo liderado por Guedes e que contava

com o apoio do CEI e também do SI, apontavam uma série de irregularidades na

gestão de Gontijo: falta de transparência na prestação de contas, utilização do nome

da Ai para obter facilidades em um convênio firmado com o Ministério da Justiça,

sendo que quando da renovação, esta foi feita por uma ONG pertencente a

membros e ex-membros da AI.

Ricardo Balestieri, que antecedeu Gontijo na presidência da SBAI e fazia

parte da diretoria eleita em 1999, juntamente com Gontijo, era consultor da ONG que

prestou assessoria a AI. De acordo com Hans Landolf, representante do CEI para a

América Latina, “o fato de membros da Anistia Internacional trabalharem com

governos, mesmo em outra entidade, prejudica a independência da organização.”110

A partir desse episódio, a SBAI viveu uma situação inusitada, além de dúbia:

a Assembléia Geral de Campinas foi reconhecida pelo CEI e SI ( ou seja, no âmbito

da AI), mas foi considerada inexistente pela lei brasileira, a qual a anulou. O

reconhecimento da Seção pela lei brasileira somente se deu em julho de 2001, as

vésperas da Assembléia de Belo Horizonte, a qual decidiu pela extinção da SBAI.

Embora a alegação utilizada para a extinção da SBAI tenha sido as

constantes e desgastantes batalhas jurídicas travadas pelos grupos que disputavam-

na, havendo a necessidade de criar uma nova SBAI, começando do “zero”, nada foi

realizado nesse sentido.

A extinção da SBAI não impediu o funcionamento da AI no Brasil, a qual

continua com membros individuais e grupos, além da Rede de Ação Urgente e do

Serviço de Notícias. Mas é do entendimento de todos, que sem uma seção

constituída, o país perde muito pelo fato da Seção facilitar a atuação dos membros,

fortalecendo a própria AI. O status jurídico da Seção dá mais respeito e concretude

na luta pelos Direitos Humanos, assim como facilita a atuação de seus membros em

instâncias estratégicas no espaço público, possibilitando legitimidade e

reconhecimento, o que nos remete a concepção metodológica de Gramsci, a qual foi

descrita no início da presente dissertação, com relação a sociedade civil e

hegemonia.

110 AVANCINI, Marta. Brigas na Justiça paralisam seção brasileira da Anistia. 2000. p. 09.

93

Esperamos que a Seção volte a funcionar no Brasil para que a AI recupere

todo o trabalho aqui desenvolvido, fortalecendo ainda mais a sua crença na

construção de uma sociedade mais igualitária, onde prevaleça os direitos humanos

para todos, sem distinção.

3.3 Educar para os Direitos Humanos. Educar para a vida.

A Declaração Universal dos Direitos Humanos garante a todas as pessoas a

liberdade, a justiça e a igualdade. Um dos objetivos da AI é conseguir que todas as

pessoas, de todas as idades, sejam conscientes dos direitos e responsabilidades

fundamentais que cada indivíduo possui e, criar a longo prazo, uma cultura de

prevenção dos abusos contra os Direitos Humanos.

Quando a AI cita a educação em Direitos Humanos, não apenas se refere aos

direitos específicos que abarca seu mandato, senão a toda uma gama de Direitos

Humanos consagrados na Declaração Universal. A educação em Direitos Humanos

é uma área em que a AI está bastante interessada em colaborar com outras

organizações, como veremos adiante no caso brasileiro, cursos ministrados para

policiais e agentes penitenciários.

O trabalho da AI no Brasil, na área de Educação em Direitos Humanos tem

início em 1984, com o lançamento do Programa Nacional de Educação em Direitos

Humanos, na esteira do processo de redemocratização do país. Assim, era

profundamente preocupante (persistindo tal preocupação ainda nos dias de hoje) a

passividade popular frente às históricas violações contra os Direitos Humanos e a

falta de consciência democrática da população, frutos de um país que estivera

durante 21 anos sob a égide de uma ditadura militar.

A AI entende que a partir da convicção de que a consciência cidadã só pode

ser alcançada através de um delicado e competente esforço educacional, foi iniciado

no Brasil um processo de formação sistemática de crianças e jovens, que na maioria

das vezes reuniam-se em ruas e parques para pintar seus direitos, assistir peças de

teatro, cantar e jogar em nome da justiça.

Essas atividades resultaram em formas mais sistemática de trabalho e várias

escolas adotaram a temática dos Direitos Humanos como núcleo integrador de sua

organização curricular e de suas práticas pedagógicas. O respeito e a proteção aos

Direitos Humanos converteram-se em fator de motivação de disciplinas tão diversas

94

como a matemática, a língua portuguesa, a educação artística, a educação física e

várias outras.

Muitas das atividades de capacitação de formação de professores foram e

ainda são realizadas através de tarefas extra-classe. Em 3 cidades do país (Porto

Alegre, Uberlândia e Juiz de Fora)111 foram implementadas, com o apoio da AI, as

chamadas “Escolas da cidadania” para trabalhar em regime especial extra classe a

formação de uma nova geração de líderes estudantis.

Outro projeto interessante, o qual teve a participação da AI, foi aquele voltado

para a capacitação de policiais e agentes do sistema penitenciário na área de

Direitos Humanos, em 1988. Depois de 04 anos de estudos com especialistas, a

SBAI conseguiu que a Assembléia Legislativa do Estado do Rio Grande do Sul e as

autoridades governamentais aprovassem por unanimidade uma lei inédita, que

estipulou como obrigatória a disciplina de Educação para os Direitos Humanos na

Academia de Polícia Gaúcha.112

Essa lei definiu como a carga horária mínima e a participação direta de ONGs

(entre elas a AI) na elaboração de conteúdos programáticos, além da definição de

critérios de seleção e permanência do pessoal docente para lecionar a

disciplina.Durante muito, a partir de 1989, realizou-se um eficiente trabalho naquela

academia, com a supervisão e o apoio didático-pedagógico da AI.

Em 1993, por exemplo, foram organizadas oficinas de trabalho na cidade de

Porto Alegre com 250 lideranças da Polícia Civil e com professores de todas as

disciplinas da Academia. Nesse espaço de tempo estabeleceu-se um vínculo de

respeito mútuo: a AI foi convidada de honra em todos os encontros da academia e

seus alunos freqüentaram o escritório da SBAI em Porto Alegre, para realizar vídeos

e entrevistas.

Foi ai incluído o critério de respeito e promoção dos Direitos Humanos como

um dos fundamentos básicos para a seleção do policial do ano e uma comissão de

alunos viajou à Holanda para intercambiar experiências com policiais europeus.

Cerca de 7000 policiais estavam diretamente envolvidos com o programa. A

avaliação realizada em 1992 pela presidência da Comissão de Direitos Humanos da

Ordem dos Advogados do Brasil-OAB, seccional do Rio Grande do Sul, informou a

111 ANISTIA INTERNACIONAL. Boletim Informativo. Outubro/1998. p. 10. 112 Ibid. p. 11.

95

existência de uma significativa redução dos índices de violência da polícia civil

gaúcha, correspondente aos anos de trabalho conjunto com a AI.

Infelizmente, com o fechamento do escritório da AI em Porto Alegre, grande

parte desses projetos não puderam ser continuados, o que causou enorme prejuízo

aos Direitos Humanos e também a sociedade gaúcha.

Outro projeto educacional na área de Direitos Humanos que não teve a

participação direta da AI, mas foi influenciado pelos trabalhos da mesma, foi a

implantação da disciplina de Direitos Humanos nas escolas municipais de Ribeirão

Preto, interior de São Paulo, em 1995.

Conforme o projeto, o ensino de Direitos Humanos, não deveria ser

transformado em uma única disciplina, mas tornar-se atividade extracurricular

obrigatória. O então vereador pelo Partido dos Trabalhadores-PT, José Alfredo de

Carvalho, disse que teve a idéia de apresentar a proposta depois da divulgação,

naquele ano, do último relatório da AI, que constatara o aumento de casos de

violação contra os Direitos Humanos no país. O vereador justificava o projeto

afirmando que

“precisamos resgatar os valores humanos na sociedade e nada melhor, para isso, do que plantarmos esta semente na educação de nossos filhos em casa e também nas escolas”. Somente assim é que poderemos ter no futuro, cidadãos mais conscientes de seus direitos e deveres.113

A AI entende que a educação em Direitos Humanos é em si um direito

fundamental e também uma responsabilidade. O artigo 26 da Declaração Universal

dos Direitos Humanos diz que todas as pessoas têm direito à educação, e que a

educação deve reforçar o respeito aos Direitos Humanos. Mediante o trabalho

realizado em educação em Direitos Humanos, os membros da AI fizeram e

continuam fazendo o quanto podem para que seja convertido em realidade aquilo

que está escrito na Declaração Universal, conforme mencionamos anteriormente.

A AI entende que se as pessoas não conhecem seus direitos, não podem

defendê-los, nem lutar por eles. A educação em Direitos Humanos ensina não

apenas o que são os Direitos Humanos, mas também o que deve ser feito para

defendê-los. O objetivo é ajudar as pessoas a compreender os Direitos Humanos, a

valorizá-los e assumir a responsabilidade de respeitar, defender e promover tanto

seus Direitos Humanos como os das outras pessoas.

113 Idem, Boletim Informativo. Outubro/1995. p. 12.

96

CONSIDERAÇÕES FINAIS A ONG Anistia Internacional desenvolveu e ainda desenvolve um amplo leque

de ações em prol dos Direitos Humanos, abarcados na sua plenitude, atingindo o

seio da sociedade civil. Para isso, se vale dos mais variados instrumentos, tais como

cursos, palestras, campanhas, panfletagem, produção de farto material (relatórios,

folders, livros, etc.), dentre outros.

As atividades de promoção possibilitam avanços em termos de construção de

uma melhor cidadania pelo fato de se lutar pelos Direitos Humanos, uma vez que a

AI busca incutir em seus membros, valores e sentimentos que podem levar a novas

atitudes, assim como possibilitar uma sensação de realização no cotidiano dos

sujeitos envolvidos.

Mas a tarefa não é fácil. Pelo contrário, mostra-se bastante árdua. Desde

quando Peter Benenson leu nos jornais londrinos a respeito da prisão arbitrária de

dois estudantes portugueses, até os dias de hoje com a atrocidade de governos

ditatoriais e o horror das guerras modernas, os Direitos Humanos são

sistematicamente violados, o que demonstra a importância e a necessidade do

trabalho desenvolvido pela AI.

A atuação da AI vai além dessas atividades de promoção, porque ela luta pelo

fim das violações de direitos em relação a casos concretos, isto é, vítimas

individualizadas, em que, a partir de denúncias, se investiga os acontecimentos e aí

se evidência um valor da organização, que é a seriedade, reconhecida por

organizações e militantes de Direitos Humanos no mundo inteiro. Mas a AI não atua

em relação a todos os tipos de violações, e sim aquelas que estão contidas no seu

mandato, ou seja, os chamados prisioneiros de consciência, os prisioneiros

condenados à morte, os casos de tortura, execuções extrajudiciais e

desaparecimentos.

97

Isso porém, não impede que a AI atue no âmbito dos Direitos Humanos em

outras questões, através de campanhas de pressão aos governos, elaboração de

relatórios, folders, além da educação em Direitos Humanos, etc.

Quem luta efetivamente pelo fim das violações contra os Direitos Humanos

são os seus membros, os quais se constituem no suporte organizacional da AI. No

caso brasileiro, conforme descrito ao longo do trabalho, ficou evidente que as

influências relacionadas ao desejo de atuar pelos Direitos Humanos, combatendo as

violações contra estes, e como decorrência a luta na SBAI, estão relacionadas com

o período da ditadura militar (1964-1985), o qual se caracterizou por graves

violações contra os Direitos Humanos e que deixou marcas profundas no processo

de conscientização dos membros que atuaram naquela época, bem como das

vítimas que foram salvas. A partir daí, mesmo que irradiando suas idéias para uma

parcela ainda pequena, a AI fez com que esta sentisse em seu meio a necessidade

emergente de lutar pelos Direitos Humanos na sociedade civil brasileira, a qual

mostrava-se desmobilizada e amordaçada por uma brutal ditadura.

Outro detalhe a respeito da AI no Brasil foi a estratégia de luta traçada no

início da atuação da SBAI. Convencida de que tão cedo não poderia desenvolver um

trabalho de massas aqui no Brasil, a executiva optou por tentar atingir o grande

público através dos veículos de comunicação e de massas, estabelecendo relações

com importantes jornais como a Folha de São Paulo, Correio Braziliense, entre

outros, os quais publicavam colunas semanais a respeito do trabalho desenvolvido

pela AI no Brasil e também no mundo, enfocando casos que seriam adotados pela

RAU.

Outro ponto de atuação foi na área de educação em Direitos Humanos, com o

objetivo de formar pessoas que pudessem colaborar na luta pelos Direitos Humanos

e tentar reverter o conceito errado da sociedade brasileira sobre o mesmo, conceito

esse fruto de uma sociedade que viveu durante muito tempo impedida de se

expressar por uma ditadura militar.

Essa necessidade em lutar pelos Direitos Humanos, durante o período da

ditadura, fez com que no Brasil surgisse uma das principais ferramentas de luta da

AI e uma das mais eficazes, a Rede de Ação Urgente-RAU, que teve origem na

prisão arbitrária do Prof. Luiz Basílio Rossi, em 1973. A partir da RAU surge uma

série de redes na AI, entre as quais a RAU possui a maior amplitude, pois abarca o

98

globo terrestre, todas as violações de Direitos Humanos constantes no mandato e

possui o maior número de integrantes.

A matéria-prima dessas redes são os apelos enviados para as autoridades

governamentais pedindo o fim das violações contra os Direitos Humanos sobre as

vítimas defendidas pela AI. O avanço se dá pelo fato de que vários apelos enviados

às autoridades, devido a sua visibilidade e transparência, transformam-se na

pressão que acaba, em muitos casos, levando à cessação ou abrandamento das

violações contra os Direitos Humanos.

No que diz respeito à cidadania, fica evidente a repercussão do trabalho dos

membros da AI, por aquilo que os mesmos propiciam em termos de cessação de

violações contra os Direitos Humanos sobre as vítimas. Aqui ressalta-se que essa

repercussão também é importante para os membros, no plano pessoal, uma vez que

os mesmos, através da AI buscam a realização de um ideal; o de ajudar o outro, o

de se sentir útil, o de melhorar o mundo e fazer algo para isso, e o fazem lutando

pelos Direitos Humanos.

Nesse sentido a AI possibilita para que seus membros expressem seus

sentimentos e pratiquem os valores nos quais acreditam e que sabem que estão

contidos nos objetivos da AI, embora, como vimos com relação a SBAI, nem todos

os membros os pratiquem de forma coerente. São os seguintes valores:

universalismo, imparcialidade, solidariedade, paciência, seriedade e pacifismo.

Observamos que esses valores estão contidos no mandato, na estrutura

organizacional e no funcionamento da AI; o universalismo pela atualização

mundializada, o que leva a militantes brasileiros, por exemplo, lutarem por pessoas

que se encontram em situação de risco nos mais diversos cantos do planeta, em

realidades bastante distintas daquela que vivemos aqui, a imparcialidade pelo fato

de se tratar da dignidade humana, independentemente da ideologia, raça, religião,

orientação sexual, etc.; a solidariedade pela união de pessoas que atuam

conjuntamente no mundo inteiro, paciência pelo fato de que muitos resultados em se

tratando de Direitos Humanos não são obtidos do dia para a noite, ou então às

vezes nunca vêm; seriedade pelo rigor no processo de investigação e elaboração do

material que irá subsidiar a luta contra as violações, e o pacifismo, porque ao lutar

pelo fim das violações contra os Direitos Humanos, luta-se também pelo fim de

formas de violência, mas também pelo fato da AI não defender prisioneiros de

consciência que fazem uso ou apologia da mesma.

99

Assim, acreditamos que o trabalho desenvolvido pela AI no Brasil, o objeto de

estudo de nosso trabalho, seja em períodos de ditadura ou de abertura democrática

provocou e ainda provoca uma internacionalização das mentes e uma

universalização dos corações, ajudando a criar criaturas humanamente mais ricas

em sentimentos, mais generosas e mais solidárias, aptas a lutar pelos Direitos

Humanos em um mundo que se mostra hostil aos mesmos e em uma sociedade que

ainda grande parte de seus membros cultua o bordão “direitos humanos somente

serve para proteger bandidos.” REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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