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A constituição como locus hermenêutico e a superação de um conflito epistemológico aparente Rodolfo Viana Pereira 1 1. Doutor em Ciências Jurídico-Políticas pela Universidade de Coimbra, Portugal; coordenador dos Cursos de Especialização em Direito Constitucional e em Direito Eleitoral da PUC-Minas, Belo Horizonte; professor no Curso de Direito da UFMG e da PUC-Minas. RESUMO: O artigo visa discutir o embate entre a Hermenêutica Jurídica Clássica e a Hermenêutica Constitutional, bem como a relação possível entre os métodos interpretativos clássicos e os princípios de interpretação da nova hermenêutica. No cami- nho, discute o surgimento e as principais caracterís- ticas de ambas as tradições no Direito. Palavras-chave: hermenêutica, epistemologia, cons- tituição. RESUMEN: La constitución como lócus hermenéutico y la superación de un conflicto epistemológico aparente. El artículo discute el embate entre la Hermenéutica Jurídica Clásica y la Hermenéutica Constitucional, así como la posible relación entre los métodos interpretativos clásicos y los principios de interpretación de la nueva hermenéutica. En esta dirección, se discute el surgimiento y las principales características de ambas tradiciones en el Derecho. Palabras llaves: hermenéutica, epistemología, constitución.

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A constituição como locus hermenêuticoe a superação

de um conflito epistemológico aparente

Rodolfo Viana Pereira1

1. Doutor em Ciências Jurídico-Políticas pela Universidade de Coimbra, Portugal;coordenador dos Cursos de Especialização em Direito Constitucional e em DireitoEleitoral da PUC-Minas, Belo Horizonte; professor no Curso de Direito da UFMGe da PUC-Minas.

RESUMO: O artigo visa discutir o embate entre aHermenêutica Jurídica Clássica e a HermenêuticaConstitutional, bem como a relação possível entreos métodos interpretativos clássicos e os princípiosde interpretação da nova hermenêutica. No cami-nho, discute o surgimento e as principais caracterís-ticas de ambas as tradições no Direito.Palavras-chave: hermenêutica, epistemologia, cons-tituição.

RESUMEN: La constitución como lócushermenéutico y la superación de un conflictoepistemológico aparente. El artículo discute elembate entre la Hermenéutica Jurídica Clásica y laHermenéutica Constitucional, así como la posiblerelación entre los métodos interpretativos clásicos ylos principios de interpretación de la nuevahermenéutica. En esta dirección, se discute elsurgimiento y las principales características de ambastradiciones en el Derecho.Palabras llaves: hermenéutica, epistemología,constitución.

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ABSTRACT: The hermeneutic constitution as locusand the overcoming of an apparentepistemological conflict. The article argues theshock between the Classic Legal Hermeneutics andthe Constitutional Hermeneutics, as well as thepossible relation between the classic interpretationmethods and the principles of interpretation of thenew hermeneutics. In the way, it argues thesprouting argues and main characteristics of bothtraditions in the Right.Keywords: hermeneutics, epistemology,constitution.

Introdução

A temática abrangida, neste artigo, apesar de já ter sido objeto deanálise anterior (PEREIRA, 2006), vinha recorrentemente à memória reclaman-do um destaque especial, menos em virtude do tratamento que a ele dedica-mos e mais em função da sua própria relevância e das perplexidades que suge-re. Trata-se, em síntese, do papel a ser ocupado hoje pela teoria e pela praxishermenêutica no Direito, à luz das renovadas contribuições ao tema fornecidaspelos estudos empreendidos na seara da interpretação constitucional.

Mais especificamente, tal questão tange a análise do confronto nãodeclarado entre ramos da própria Teoria Hermenêutica, entre visões acerca desuas finalidades, de seus contornos, de suas justificativas. Um conflito silente eainda razoavelmente inconsciente de si empreendido por dois atores principaisque resumidamente – e com um certo intuito expresso de alimentar a polêmi-ca – nomearíamos: constitucionalistas versus privatistas.

Perguntariam ambos: a quem cabe a direção e o papel de justificar oespaço a ser ocupado pela Hermenêutica no mundo jurídico? A quem cabe afunção de definir os caracteres fundamentais da disciplina com vistas a umacompreensão, interpretação e aplicação1 normativas mais adequadas, sobretu-

1 A distinção desses termos aqui feita não significa que sejam os mesmos compre-endidos como movimentos estanques e independentes, mas como momentosinterrelacionados do processo hermenêutico. Fundamentado em Gadamer, ainterpretação nada mais é do que a forma explícita da compreensão e não ummomento distinto desta. Igualmente, a aplicação não se realiza posteriormente aessas, mas integra o próprio ato de compreender. Desse modo, não se compre-ende primeiramente para depois aplicar o compreendido a algo, mas compre-ende-se aplicando. Ver GADAMER, Hans-Georg. Verdade e método: traços fun-damentais de uma hermenêutica filosófica. 2. ed. Petrópolis: Vozes, 1998, p.459, 493, 502; PEREIRA, ob. cit., p. 37 e 38.

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do em um ambiente marcado pelo contraste entre o “antigo” (privatismo) e o“novo” (constitucionalismo)?

O eixo basilar através do qual apoiaremos nosso caminhar será centradona descrição do nascimento pós-maturo da disciplina denominada HermenêuticaConstitucional e sua busca por autonomia enquanto ramo de conhecimento rigo-roso, dotado de um rol peculiar de métodos e princípios de interpretação e susce-tível igualmente à outorga do selo de “autenticidade científica”.

Na tentativa de melhor situar esse processo, o resgate do elo com oprincípio da supremacia constitucional se faz absolutamente necessário, princí-pio esse que atinge seu ápice a partir do assentamento mundial dos sistemas decontrole da constitucionalidade. Paralela e anterior à trajetória de exultação doconstitucionalismo como meio apropriado à regência da convivência política namodernidade encontra-se o que aqui denominaremos Hermenêutica JurídicaClássica, construída no âmbito do Direito Privado e fortificada por décadas desedimentação em torno da sistematização e da propagação dos tão famososprincípios, métodos e técnicas clássicas de interpretação, notadamente os mé-todos literal, lógico, sistemático, histórico e teleológico.2

Na medida em que ambas se situam no mesmo campo de interesse– compreensão, interpretação e aplicação normativas – o relacionamento entreelas passa a ser de uma animosidade subliminar e não declarada, dando azo aalgumas interrogações: será possível algum tipo de partilha? Haverá algumaprevalência? Como aplicar os desenvolvimentos de cada disciplina no que tan-ge, sobretudo, aos tais métodos particulares de interpretação? A questão éainda mais delicada quando se percebe que, no quadro geral da teoria, poucosse deram conta desse contraste e menos ainda se aventuraram a enfrentá-lo.

Apesar das desvantagens advindas do fato de não se lidar com umembate expresso e público acerca dos espaços atribuídos à Hermenêutica Jurí-dica Clássica e à Hermenêutica Constitucional, urge reconstruí-lo a fim de apu-rar a análise do problema e propor algumas diretrizes reguladoras. Como severá, muito dessa polêmica reconstituída é baseada em um pano de fundo quese revelará fluido, quando não equivocado: em uma compreensão antiquadado próprio conceito de hermenêutica, enquanto teoria e praxis, atrelada a umaforte racionalidade iluminista. Na medida em que a maior parte dos autores éainda influenciada por uma concepção, digamos, cientificista dos contornos e

2 Ver uma das sistematizações originais efetuada por Savigny em SAVIGNY, FriedrichC. von. Los fundamentos de la ciencia jurídica. In: SAVIGNY, Friedrich C. von etal. La ciencia del derecho. Buenos Aires: Losada, 1949, p. 83 e ss. DitaHermenêutica Jurídica Clássica não será objeto de maior explanação neste arti-go, por se pressupor o conhecimento ao menos superficial dos seus elementosprincipais, dada sua familiaridade e reputação.

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do papel da disciplina, a essência da questão é desvirtuada, quando, em verda-de, o conflito não é mais do que aparente.

Ao fim, apresenta-se para debate uma proposta de realocação doproblema e de seu tratamento para além da mera discussão da aplicabilidadeou não de métodos de interpretação, sejam clássicos ou constitucionais. Visa-secom isso contribuir para uma mais adequada reconstrução da moldura científicada disciplina Hermenêutica (seu status epistemológico), em que a Constituiçãose apresente como o locus hermenêutico no Direito.

I – A consagração do princípio da supremacia daConstituição: origem da discussão sobre o fundamentoda Hermenêutica Constitucional

Em função da nova compreensão sobre os padrões de regulamenta-ção do modo de convivência política implementados pela adoção doconstitucionalismo na modernidade, a noção de que a Constituição deveria serprotegida contra abusos a ela cometidos impulsionou a criação de um conjuntode técnicas e instrumentos normativos voltados à realização prática do princípioda supremacia constitucional. Como esclarece Queiroz (2000, p. 15), a Cons-tituição outorga a si mesma a primazia e fixa a fronteira entre o constitucional eo inconstitucional, entre o lícito e o ilícito.3

3 Márcio Augusto Vasconcelos Diniz sustenta dois sentidos do princípio, um polí-tico e um jurídico: “O sentido político do princípio da supremacia constitucio-nal implica que todo o exercício do poder do Estado encontra seus limites naConstituição e deve se realizar de acordo com os parâmetros formais e materiaisnela estabelecidos. Por sua vez, o sentido jurídico outorga à Constituição ocaráter jurídico de norma suprema do ordenamento jurídico, diferenciando-a,formalmente, das normas provenientes da legislação ordinária, editadas em fun-ção das competências, procedimentos e conteúdos nela estabelecidos. A supre-macia constitucional, portanto, resulta do fato de que ao transformar Direito epolítica em fenômenos de mútua implicação, a Constituição representa umaestrutura normativa superior a toda as demais no interior da ordem jurídica, queestrutura juridicamente o Estado por meio das funções pelas quais ele atua eestabelece solenemente os fundamentos para a realização dos direitos funda-mentais” (DINIZ, Márcio Augusto Vasconcelos. Constituição hermenêutica cons-titucional. Belo Horizonte: Mandamentos, 1998, p. 100).

A partir desse princípio, Canotilho vai derivar as seguintes relevantes conseqüên-cias: a) vinculação do legislador à Constituição; b) vinculação de todos os atosdo Estado à Constituição; c) o princípio da reserva da Constituição que implicaa exclusão do tratamento de determinadas questões por leis infraconstitucionais;e d) a força normativa da Constituição. CANOTILHO, J. J. Gomes. Direito cons-titucional e teoria da constituição. 3. ed. Coimbra: Almedina, 1999, p. 242 e ss.

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Não se pode esquecer, no entanto, que esse princípio, basilar à idéiade Estado Constitucional, teve, em um primeiro momento, recepções distintasno Novo e no Velho Mundo em virtude de características culturais e políticasdiferentes. A discussão original nos Estados Unidos da América sobre o podergeral dos juízes de interpretar as leis e julgar a sua compatibilidade perante aConstituição – a judicial review, a forma mais tradicional de garantia da supre-macia desta última – foi suscitada desde os primórdios de seu constitucionalismoe se mantém até os dias recentes como um de seus aspectos principais(SÁNCHEZ, 1998, p. 149).4

Na Europa, cujo primeiro tronco constitucional vinha da inspiraçãofrancesa, houve uma prática diferenciada, atribuindo originariamente o concei-to de supremacia não à Constituição – fruto da Assembléia Constituinte – masà Lei – obra do Parlamento, do Poder Legislativo –, em virtude da idéia de queo “governo das leis” impediria a criação de uma Lei suprema cujo objetivo fosselimitar o Poder Legislativo (SÁNCHEZ, 1998, p. 148; CANOTILHO, 1999, p.92). Por isso, a afirmação de José Acosta Sánchez de que no direito europeuteria havido um fenômeno primeiro de constitucionalismo sem Constituição(SÁNCHEZ, 1998, p. 149). Domingo García Belaúnde também comunga damesma opinião, ainda que semanticamente inverta a importância dos termos:“Por outro lado, si bien en el siglo XIX aparecen las primeras Constituciones, noes éste precisamente el siglo del constitucionalismo, sino por el contrario, de sunegación, y más aún, de la lucha por implantarlo” (1993, p. 651).

Como se sabe, só se adotou uma forma concreta e eficaz de jurisdi-ção constitucional na Europa, como garantia da Constituição em face dos desvi-os contra ela praticados, no período entre as Grandes Guerras, a partir da cria-ção austríaca do sistema concentrado de controle de constitucionalidade, preci-samente em sua Constituição de 1º de outubro de 1920.5 Alguns anos mais

4 Ver, também, KAY, Richard S. American Constitutionalism. In: ALEXANDER, Larry(Ed.). Constitutionalism: philosophical foundations. Cambridge:CambridgeUniversity Press, 1998.

5 Ver BARACHO, José Alfredo de Oliveira. Processo constitucional. Rio de Janei-ro: Forense, 1984, p. 230; CAPPELLETTI, Mauro. O controle judicial deconstitucionalidade das leis no direito comparado. Trad. Aroldo Plínio Gonçal-ves. 2. ed. Porto Alegre: Fabris, 1992, p. 104. JAYME, Fernando G. Tribunalconstitucional: exigência democrática. Belo Horizonte: Del Rey, 2000, p. 38;SÁNCHEZ, ob. cit., p. 176. Mesmo assim, urge sublinhar que o princípio inspiradordireto do controle concentrado de constitucionalidade, matriz doconstitucionalismo europeu, foi ainda a tese da separação de poderes, justifi-cando a exclusão da possibilidade de controle por parte do Poder Judiciáriocomum, criando, em conseqüência, um Tribunal especializado com reserva decompetência para julgamento das questões de constitucionalidade e garantia dasupremacia da Constituição. Ver, nesse sentido, CAPPELLETTI, ob. cit., p. 84.

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tarde, a criação do Tribunal Constitucional alemão inaugura o ciclo de assenta-mento dos pilares da “nova hermenêutica” ao assumir uma postura interpretativaostensiva de proteção dos valores constitucionais pós-holocausto, em grandeparte através do que ficou conhecido como “jurisprudência dos valores”. Aocompreender a constituição como Werttafel (“tábua de valores”) ou Wertordnung(“ordem de valores”), essencialmente a partir do julgamento do caso Lüth de15 de janeiro de 1958 (SCHAPP, 1998, p. 913), o Tribunal assume uma fortepostura metodológica acerca da correlação de forças entre os diplomas jurídicose coloca a constituição efetivamente no ápice do ordenamento. O chamado“efeito de irradiação” (Ausstrahlungswirkung) da Lei Fundamental passa então adirigir não apenas a jurisprudência dos tribunais superiores (MAIER, 1979, p.111), como todo o mundo do direito, desde a legislação, a administração e ajurisdição, atuando inclusive sobre o direito privado (SCHAPP, 1998, p. 913).6

São essas as razões imediatas da escassez de estudos e de discussõesrelativos à Hermenêutica Constitucional durante todo o século XIX. As rarasexceções da época são tributárias à prática norte-americana, em razão da men-cionada consagração primeva do princípio da supremacia constitucional, sobre-tudo derivadas do famoso debate travado no caso Marbury vs. Madison de1803, com a consolidação da tese da judicial review pela força dos argumentosdo juiz John Marshall.7 Todavia, mesmo nos Estado Unidos, essas discussõestiveram um caráter meramente acidental e marcadamente conservador, justifi-cando a tese geral de que o grande interesse – portanto o maior número de

6 Robert Alexy chega a mencionar expressamente: “Lo que hoy son los derechosfundamentales es definido, principalmente, sobre la base de la jurisprudenciadel Tribunal Constitucional Federal. La ciencia de los derechos fundamentales(...) se há convertido, en una apreciable medida, en una ciencia de lajurisprudencia constitucional.” (ALEXY, Robert. Teoria de los derechosfundamentales. Trad. Ernesto Garzón Valdés. Madrid: Centro de EstudosConstitucionales, 1993, p. 23).

7 Ver WOLFE, Christopher. La transformación de la interpretación constitucio-nal. Trad. María Gracia Rubio de Casas et Sonsoles Valcárcel. Madrid: Civitas,1991, p. 115. Ver às ps. 64 e ss. da mesma obra a interessante reconstruçãosistemática das regras de interpretação recolhidas dos distintos julgamentos deMarshall. Inocêncio Mártires Coelho situa o surgimento do debate sobre oproblema da especificidade da interpretação constitucional no ativismo judicialnorte-americano. COELHO, Inocêncio Mártires. Interpretação constitucional.Porto Alegre: Fabris, 1997, p. 98.

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trabalhos especializados – pelos problemas da interpretação constitucional sóveio a lume no curso da última metade do século XX.8

Por isso, Domingo García Belaúnde, ao traçar o panorama geral dosurgimento das discussões sobre a interpretação constitucional, mostra que seudesenvolvimento seguiu linhas paralelas também na Europa e na América Lati-na, indicando a década de 70 como um período em que ainda se dá conta dopouco interesse pelo tema.9

A conclusão a ser tirada é a de que, faticamente, apenas após aconsagração pragmática do princípio da supremacia da Constituição, isto é, apóso assentamento generalizado dos sistemas de controle da constitucionalidade,é que foram despertados os interesses gerais sobre os mais variados problemasatinentes ao grande espectro de temas envolvidos na Hermenêutica Constituci-onal.10 Isso justifica, por exemplo, na expressão de José Juan Moreso, “un enfásis

8 É o que Domingo García Belaúnde faz questão de ressaltar: “Pero há habidoexageración al apreciar la labor de Marshall, que aquí no se trata de cuestionar.Pero la Corte Suprema de Estados Unidos, a través de las dos cortes que llenaronprácticamente el siglo XIX, la presidida por Marshall (1801-1836) y luego porTanney (1836-1857), fue muy cuidadosa en su accionar y en su labor deinterpretación, que puede considerarse restrictiva y conservadora. En cierto sen-tido, fueron cautos, para no tropezar com el poder público, si bien moldearon– sobre todo bajo Marshall – lo que sería el Derecho Público norteamericanodel futuro. Pero Marshall, quien además era hombre de fina sensibilidad políti-ca, después de declarar inconstitucional una ley en 1803, no volvió a inaplicaroutra norma en los treinta y tres años restantes que le quedaron en la Corte. Ycuando dijo, en frase célebre, que era necesario tener cuidado, pues lo queestaban haciendo era interpretar (o exponer) una Constitución (We must neverforget that is a Constitution we are expounding, en McCulloch vs. Maryland, 4Wheat 316, 1819), lo que hacía en realidad era llamar la atención sobre lafidelidad que había que guardar al texto constitucional y a los padres fundado-res. No hay pues en la jurisprudencia norteamericana del siglo XIX, algo resonantey orgánico que dé cuenta, en forma ordenada y metódica, de lo que es lainterpretación constitucional y sus problemas, sino tan sólo algunospronunciamientos aislados.” (BELAÚNDE, ob. cit., p. 652)

9 Cumpre citar a referência que Belaúnde faz a José Alfredo de Oliveira Barachocomo um dos autores precursores no estudo da temática na América Latina emvirtude da publicação do trabalho Hermenêutica constitucional. Ver BARACHO,José Alfredo de Oliveira. Hermenêutica Constitucional. Revista da Faculdade deDireito da UFMG (Nova fase), Belo Horizonte, v. 25, ps. 175-216, maio 1977.

10 Ver, e. g., ENTERRIA, Eduardo Garcia. Hermeneutica y supremacía constitucional:el principio de la interpretación conforme a la constitución de todo el ordenamiento.Revista de Direito Público, Londrina, ano XIX, n. 77, p. 33, jan./mar. 1986.

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casi obsesivo” (1997, p. 213) da doutrina norte-americana pelo estudo da inter-pretação da constituição no âmbito restrito do processo judicial (mais especifi-camente na seara do judicial review), como teoria geral de justificativa do rela-cionamento funcional entre os poderes públicos no seio do Estado de Direito.

Como conseqüência desse conjunto de fatores, um dos grandes de-bates acerca do tema se dá na tentativa de compreender o relacionamento Lei/Constituição, relacionamento esse que está na base da discussão acerca danatureza, extensão e limites da Hermenêutica Constitucional em face daHermenêutica Jurídica Clássica, tradicionalmente construída na seara do Direi-to Privado.

O que se verá abaixo é que a consagração do princípio da supremaciada Constituição justifica uma visão renovada dessa discussão, refundando ostatus epistemológico da Hermenêutica no Direito, mas tomando sempre ocuidado de não nos deixarmos envolver por perspectivas metodológicasestruturadas em modelos de racionalidade científica contestados.

II – Acerca do problema epistemológico da hermenêuticano Direito

2.1 – A situação geral da discussão

A consagração do princípio da supremacia da Constituição, em de-corrência, como visto, do surgimento dos sistemas de controle deconstitucionalidade dos atos normativos, implicou uma verdadeira revolução naTeoria do Direito, sobretudo no campo da interpretação. Como decorrêncialógica das discussões inéditas promovidas na seara do Direito Constitucional,influenciadas por essa nova concepção quanto ao relacionamento Lei/Constitui-ção, um dos principais desafios foi – e ainda é – o de tentar compreender eidentificar a natureza da norma constitucional por comparação à natureza da leiordinária. A indagação primordial advinda dessa inquietação teórica pode serassim resumida: é a natureza da Constituição idêntica à da normainfraconstitucional, radicalmente diferente, ou equiparável, porém com algu-mas particularidades?

O fato é que, dependendo da resposta a essa pergunta, haverá igual-mente efeitos distintos na definição do modo de compreensão e aplicaçãodesses padrões normativos. Ou seja, cada resposta suscitará conseqüências di-ferenciadas para a fixação dos contornos da Teoria Hermenêutica, o que impul-

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sionou autores da Teoria da Constituição rumo à busca frenética pelo funda-mento científico da disciplina Hermenêutica Constitucional.11

Sendo assim, três foram as correntes doutrinárias que buscaram fir-mar o status epistemológico da Hermenêutica Constitucional em uma relação

11 Um dos exemplos paradigmáticos dessa discussão é o debate travado na doutri-na norte-americana entre os que consideram a Constituição uma “lei dura”(Constitution as a hard law) e os chamados “perfeccionistas”, que consideram anatureza da Constituição diferente da lei ordinária, eis que concederia ao intér-prete um mandato para a realização da justiça (Constitution as a mandate forjustice). Para uma excelente visão desse debate, ver os seguintes artigos reunidosna revista Constitutional Commentary, publicada no inverno de 1989:ALEXANDER, Larry. The Constitution as Law. Constitutional Commentary,University of Minnesota Law School, n. 1, v. 6, winter, ps. 103-113, 1989; BALKIN,J. M. The Rule of Law as a Source of Constitutional Change. ConstitutionalCommentary, University of Minnesota Law School, n. 1, v. 6, winter, ps. 21-27.CHEMERINSKY, Erwin. The Constitution is Not ‘Hard Law’: The Bork Rejectionand the Future of Constitution Jurisprudence”. Constitutional Commentary,University of Minnesota Law School, n. 1, v. 6, winter, ps. 29-38; MOORE,Michal S. The Constitution as Hard Law. Constitutional Commentary, Universityof Minnesota Law School, n. 1, v. 6, winter, ps. 51-67; KAY, Richard S. OriginalIntentions, Standard Meanings, and the Legal Character of the Constitution.Constitutional Commentary, University of Minnesota Law School, n. 1, v. 6,winter, ps. 39-50; SCHAUER, Frederick. Rule, The Rule of Law, and theConstitution. Constitutional Commentary. University of Minnesota Law School,n. 1, v. 6, winter, ps. 69-85; SCHWARZSCHILD, Maimon. Hard Law and Mandatefor Justice. Constitutional Commentary, University of Minnesota Law School, n.1, v. 6, winter, ps. 91-96; TUSH NET, Mark. The Constitution as Law.Constitutional Commentary, University of Minnesota Law School, n. 1, v. 6,winter, ps. 97-101. Uma das tentativas mais conhecidas de renovação dessadiscussão é a empreendida por Ronald Dworkin. Ver, principalmente, DWORKIN,Ronald. Los derechos en serio. Trad. Maria Guastavino. 2. ed. Barcelona: Ariel,1989 e Idem. O império do direito. Trad. Jefferson Luiz Camargo. São Paulo:Martins Fontes, 1999. Ver também outra reunião de debates acerca dos variadosmeios de interpretação constitucional na doutrina norte-americana em GARVEY,John H.; ALEINIKOFF, T. Alexander. Modern constitutional theory: a reader. 3.ed. St. Paul: West Publishing Co., 1994, sobretudo às ps. 94 e ss.

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analítico-comparativa com a Hermenêutica Jurídica Clássica.12 Sendo essaconstruída a partir dos questionamentos tradicionais sobre a interpretação noDireito Privado,13 uma das principais questões era, justamente, saber se a suadoutrina a respeito das regras e princípios clássicos de interpretação se aplicavaou não ao domínio constitucional. Ou seja, se tudo o que fora construído pelateoria privatista de interpretação poderia igualmente referir-se à interpretaçãoda Constituição. Em outras palavras, aqui já se verifica, de modo tangente, oconflito a que se fez referência na Introdução: qual o espaço ocupado por tais“ramos” da Teoria Hermenêutica e qual a seu relacionamento (exclusão, subor-dinação, coordenação, subsidiariedade, etc.)? Vejamos tais vertentes teóricas.

a) Tese da diferença intrínseca

Há duas disciplinas hermenêuticas, pois a Hermenêutica Constituci-onal possui problemas interpretativos que a diferenciam essencialmente daHermenêutica Jurídica clássica. A justificativa principal é a da existência deproblemas exclusivos de interpretação em função da originariedade, hierarquia,supremacia da Constituição e o fato dessa ser fonte normativa (norma normarum),ou seja, regulamentar a criação das outras leis. Na análise geral da doutrina,poucos são os autores que sustentam essa posição, do qual é exemplo LuisCarlos Sáchica (1988, p. 1).

12 Ver, em sentido conexo, QUINTERO, César. Método y Técnica de laInterpretación Constitucional. Simposio Internacional sobre Derecho delEstado (Homenaje a Carlos Restrepo Piedrahita). Santafé de Bogotá:Universidad Externado de Colombia, t. II, p. 605, 1993; ZAKRZEWSKI, Witold.De l’interprétation de la Constitution. Jahrbuch des Öffentlichen Rechts derGegenwart (Neue Folge). Tübingen: J. C. B. Mohr (Paul Siebeck), Band 26,1997, p. 427. Uma observação necessária: a classificação que será feita nãopretende esquecer as importantes diferenças existentes entre os autores cita-dos, no desenvolvimento de suas análises.

13 Curioso é o ponto de vista de José Zafra Valverde, para quem a confusãogerada pelos variados pontos de vista pertinentes ao estudo da interpretaçãoé culpa dos privatistas! “Es este un inconveniente de que hay que culpar, endefinitiva, a los tradicionales estudios sobre interpretación jurídica en general,debidos, principalmente, a los tratadistas del Derecho privado.” VALVERDE,José Zafra. La Interpretación de las Constituciones. Revista de Estudios Políti-cos, Madrid, n. 180, noviembre-deciembre, 1971.

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b) Tese da igualdade total

Há apenas uma hermenêutica, pois a interpretação da Constituiçãonão se diferencia da interpretação das demais leis. O argumento genérico éque, sendo a Constituição norma jurídica, não há justificativa para criar umadisciplina hermenêutica autônoma. Nesse sentido, os problemas suscitados tantona interpretação da Constituição, como na das leis infraconstitucionais, são pro-blemas jurídicos e, portanto, idênticos.

Todavia, há certo nuance entre determinados teóricos que sustentamessa posição. Para alguns, não há diferença substancial entre a Constituição e aLei, como o caso dos autores Maimon Schwarzschild (1989, p. 89), Michael S.Moore (1989, p. 61) e Mark Tushnet (1989, p. 98). Para outros, há diferençasentre as duas espécies normativas, mas as características específicas da normaconstitucional em face da norma ordinária (principalmente o caráter hierárquicoe o de fonte das outras normas) não justificam a criação de uma hermenêuticadiferenciada. Essa é a posição de autores como Uadi Lammêgo Bulos (1997, p.14, 20, 21) e María Luisa Balaguer Callejón (1997, p. 17, 25 e 152).

c) Tese da igualdade com particularidades

Há apenas uma Hermenêutica Jurídica geral, muito embora se possajustificar a existência de uma Hermenêutica Constitucional específica, apta aoestudo de princípios interpretativos próprios, em função das características pe-culiares da Constituição. A tese é justamente essa: o gênero HermenêuticaJurídica convive com a espécie Hermenêutica Constitucional, cujo principalobjetivo é traçar novos critérios de interpretação que advenham da especificidadeda natureza da Constituição. O principal autor dessa concepção, que influen-ciou praticamente todo restante da doutrina da peculiaridade dos princípios deinterpretação constitucional, foi sem dúvida Konrad Hesse (1998, p. 65 e ss). Aforça e originalidade de Hesse pode ser percebida nas obras de autores quecomungam a mesma tese, tais como José Alfredo de Oliveira Baracho (1977, p.181), Luís Roberto Barroso (1996, p. 149 e ss.), Inocêncio Mártires Coelho(1997, p. 17, 25, 53, 75 e ss.), Lenio Luiz Streck (1999, p. 227), Raúl CanosaUsera (1988, p. 55 e ss.), Antonio E. Pérez Luño (1995, p. 271 e ss.), SegundoV. Linares Quintana (1997, p. 115 e ss.), Luis Prieto Sanchís (1991, p. 176 ess.), Witold Zakrzewski (1997, p. 434), Teresa Freixes Sanjuán (1993, p. 37, 42e ss.), César Quintero (1993), Juan José Solozábal Echavarria (1990, p. 175 e180), Mariano García Canales (1997, p. 309), Torsten Stein (1996, p. 137), F. deBorja Lopez-Jurado Escribano (1992, p. 101 e ss.), Sandra Morelli Rico (1993, p.237-38), Yann Aguila (1995, p. 10-4), Domingo García Belaúnde (1993, p. 667e ss.), e Manrique Jiménez Meza (1997, p. 93 e ss).

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Da análise dessa corrente, pode-se dizer que os mais destacadosprincípios de interpretação constitucional por ela sustentados são os formuladosoriginalmente por Hesse, quais sejam:

a) Unidade da Constituição: implica a necessidade de conexão dosvariados elementos individuais da Constituição, como critério para prevençãode contradições entre as normas constitucionais. Nesse sentido, a interpretaçãodeve evitar os conflitos constitucionais por meio de um labor de harmonização,preservando a unidade das decisões fundamentais da Constituição (p. 65);

b) Concordância prática: verificado o conflito ou a concorrência en-tre bens constitucionalmente protegidos, o resultado de sua interpretação nãopode significa, no momento de aplicação, a prevalência de um em prejuízo dooutro. Eles devem ser coordenados “de tal modo que cada um deles ganherealidade” (p. 66);

c) Exatidão funcional: em virtude da distribuição constitucional decompetências entre órgãos públicos, corolária do princípio da separação depoderes, a interpretação efetuada por qualquer deles não pode implicar usurpaçãoda função dos outros (p. 66);

d) Efeito integrador: a interpretação deve, em função da ocorrênciade problemas jurídico-constitucionais, privilegiar todos os elementos que con-duzam à preservação da “unidade política”. A função interpretativa é, portanto,vetor de manutenção dessa unidade (p. 68);

e) Força normativa da Constituição: há o pressuposto de uma “von-tade” da Constituição em se tornar atualizada e efetiva. Assim, a interpretaçãoconstitucional deve ter como objetivo proporcionar “às normas da Constituiçãoforça de efeito ótima” (p. 68);14

f) Interpretação conforme: na análise de compatibilidade entre umanorma infraconstitucional face à Constituição, deve-se escolher o sentido danorma que esteja em consonância com o padrão constitucional, descartando-se

14 Ver também, o importante (e igualmente famoso) artigo do mesmo autor, escritooito anos antes da fixação de tais princípios constitucionais, em que já postulavaa existência da vontade da Constituição contra a vontade do Poder em ataqueexpresso à concepção de Ferdinand Lasalle sobre a essência da Constituição.HESSE, Konrad. A força normativa da constituição. Trad. Gilmar Ferreira Men-des. Porto Alegre: Fabris, 1991.

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os demais sentidos porventura inconstitucionais, ambíguos ou indeterminados(HESSE, 1991, p. 71 e ss., COELHO, 1997, p. 92).15

Consoante se percebe na exposição dessa doutrina, o pressupostogenérico que fundamenta a construção teórica dos mencionados princípios deinterpretação constitucional baseia-se, normalmente, na sustentação da tese daexistência de certas particularidades que diferenciariam a natureza da Constitui-ção em relação à da Lei comum. Vejamos a posição de alguns autores.

Na doutrina estrangeira, são sensíveis as seguintes posições: KonradHesse, ainda que não teorize claramente sobre tais diferenças, menciona con-ceitos como incompletude, abertura e amplitude da norma constitucional (1998,p. 39-40); Raúl Canosa Usera (1988, p. 59-61) faz referência à funcionalidadediversa (“funda un Estado y establece, ex novo, las pautas de funcionamientodel ordem jurídico”), conteúdo material específico (“prevén un sistema de garantíaspara los derechos y libertades”), inclusão em um corpo legislativo superprotegidoe necessária ambigüidade e esquematismo. Linares Quintana faz alusão ao quepode ser denominado politicidade pelo fato da norma constitucional se referirao problema fundamental da organização política de um povo.

Na doutrina pátria, Luís Roberto Barroso (1990, p. 101 e ss.) sistema-tizou ditas características singulares, aduzindo quatro peculiaridades da normaconstitucional, a saber:

a) a superioridade hierárquica: a superlegalidade proveniente da su-premacia da Constituição, confirmada pelos mecanismos de controle deconstitucionalidade;

b) a natureza da linguagem: as normas constitucionais apresentamuma linguagem própria à veiculação de normas principiológicas e esquemáticas,possuindo uma maior abstração e um maior grau de abertura, com menor den-sidade jurídica;

15 Ver também, o artigo de Enterria (ENTERRIA, ob. cit.) e o livro de Ramon Peralta(PERALTA, Ramon. La interpretación del ordenamiento jurídico conforme a lanorma fundamental del estado. Madrid: Universidad Complutense, 1994) de-dicados a esse princípio. Há referência na doutrina a outros princípios de inter-pretação constitucional; ver, e. g., os conceitos de evolutividade, politicidade erealização da fórmula política em Raúl Canosa Usera (USERA, ob. cit., ps. 106,115 e 249), os de respeito ao espírito da Constituição e enfoques progressista erealista em Linares Quintana (LINARES QUINTANA, Tratado..., ps. 289, 429 e549). Ver igualmente, as obras: VIETO, Aurélio Agostinho Verdade. Dahermenêutica constitucional. Belo Horizonte: Del Rey, 2000 e BARROSO, In-terpretação..., ob. cit.

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c) o conteúdo específico: as normas constitucionais abrangem tam-bém normas programáticas que não especificam qualquer conduta a ser segui-da pelo Estado, apenas estabelecem diretrizes e programas contendo valores aserem preservados e fins sociais a serem atingidos;

d) o caráter político: as normas constitucionais oriundas do PoderConstituinte originário, representam a juridicização dos valores políticos essen-ciais da sociedade. São, portanto, políticas quanto à sua origem, objeto e aplica-ção.16

Também Paulo Bonavides (1996, p. 419-420) anota as especificidadesdas normas constitucionais, afirmando que, primeiramente, elas possuem cate-goria hierárquica superior em face da legislação ordinária, seja em virtude desua natureza, seja em razão de sua forma. Em segundo lugar, à norma, segundoo autor, também é atribuída natureza política, na medida em que “rege a estru-tura fundamental do Estado, atribui competência aos poderes, dispõe sobre osdireitos humanos básicos, fixa o comportamento dos órgãos estatais e serve,enfim, de pauta à ação dos governos, visto que no exercício de suas atribuiçõesnão podem eles evidentemente ignorá-la.”

Em direção contrária, como prova da inexistência de uniformidadeteórica quanto ao assunto, outros autores – geralmente os que sustentam a teseda igualdade total – vão delinear críticas contundentes à maioria dos critériosque supostamente dão azo às diferenças existentes entre a natureza da Consti-tuição em face da natureza da Lei. Vejamos o que afirma María Luisa BalaguerCallejó (1997, p. 39-41):

Las posiciones favorables a una interpretacíon constitucionalespecífica, parten generalmente de la singularidad de lasnormas constitucionales en relación com el ordenamientojurídico. En especial, se destaca la ambigüedad, el carácterabierto, incluso incompleto de las normas constitucionales,frente a las normas que integran los sectores jurídicosparticulares. Esta argumentación olvida, por un lado, ladiversidad propia de las normas contenidas en los textosconstitucionales, que presentan un grado de concreciónvariable y, por outro, la existencia de una diversidad similaren las otras normas del sistema jurídico. [...]

16 Ver também do mesmo autor: O direito constitucional e a efetividade de suasnormas: limites e possibilidades da Constituição brasileira. Rio de Janeiro: Reno-var, 1990.

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Igualmente discutibles son los planteamientos que hacendescansar esa singularidad del Derecho Constitucional ensu consideración como un “Derecho Político” que se oponepor ello, en cuanto político, a los otros sectores delordenamiento, donde la cualidad política estaría totalmenteausente y el carácter jurídico, sería, por tanto, componenteexclusivo de las normas. [...] El círculo se cierra y de unasola vez se consiguen (o se pretenden conseguir) dosefectos acumulados: negar sentido político al Derechovigente, como si por el solo hecho de ser vigente dejara deexpresar opciones políticas, y afirmar a la vez la cualidaddifícilmente jurídica de la Constitución por entrañar suinterpretación y aplicación, riesgos de parcialidad política.La orientación claramente anti-democrática a que puedenconducir tales planteamientos, se compagina com suconfrontación inevitable com la normatividad de laConstitución que, por esta vía, se pude reducir a merodocumento programático.

17

Cumpre registrar também que, independente da posição teórica ado-tada, grande parte dos autores vai sustentar, ainda que com funções meramen-te auxiliares, a aplicabilidade dos métodos clássicos de interpretação jurídica naHermenêutica Constitucional (literal, lógico, sistemático, histórico e teleológico),construídos, como mencionado, na seara do Direito Privado e que fazem partedo alicerce da Hermenêutica Jurídica Clássica.

Ora, uma das mais fortes sensações que se tem após esse conjuntoamplo de informações, debates e conclusões diferenciadas é um sentimentode perplexidade e, por que não, de desilusão pela ausência de uniformidadeteórica. Uma sensação de “frustración o amargura”, na expressão de Luis PrietoSanchís (1991, p. 197), que não conseguiu ser evitada pela enorme quantidadede trabalhos publicados a respeito da interpretação constitucional.

Por detrás dessa fluidez, paira o conflito não declarado(constitucionalistas vs. privatistas) quanto à definição da prevalência de uma dasversões do desenho dos contornos da Teoria Hermenêutica no Direito. Muito

17 Em sentido similar, BULOS, ob. cit., p. 14-15.

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embora alguns pontos essenciais sejam compartilhados – sobretudo a importân-cia concedida aos princípios, métodos e técnicas de interpretação, seja no cam-po privado ou no constitucional –, o relacionamento entre ambas continuamarcado pela já mencionada animosidade subliminar.

Entretanto, o que se pretende ver, no item subseqüente, é que, noque tange ao status epistemológico da Teoria Hermenêutica (bem como no desua praxis), grande parte dessa perplexidade advém de um desvio de foco.Deve-se primordialmente a uma apropriação equivocada da concepção acercade qual seja dito fundamento científico da disciplina, apropriação essa tipica-mente influenciada pela tradição iluminista.

Assim, a realocação do problema poderá significar, para além do alí-vio, uma concepção mais adequada do envolvimento Lei/Constituição e, atocontínuo, dos grandes temas hermenêuticos, demonstrando igualmente que omencionado conflito (constitucionalistas vs. privatistas) não é mais do que apa-rente e infrutífero.

2.2 – Crítica à concepção cientificista

O maior problema pertinente a pretensões de grandes setores daTeoria Hermenêutica ainda é o da descoberta de métodos e princípios de inter-pretação que proporcionem a trilha segura para a conquista de um resultadoverdadeiro, objetivamente certo e preexistente ao próprio momento de com-preensão, muito próximo das “verdades matemáticas” sustentadas pelas anti-gas teorias científicas no campo do estudo da natureza. Nesse sentido, continu-ará sendo, sempre, um problema insolúvel.

É essa a dificuldade geral que subsiste por detrás da maioria das dis-cussões acerca do fundamento “científico” da Hermenêutica Jurídica, seja noque se convencionou chamar de Teoria da Interpretação Jurídica Clássica ou deTeoria de Interpretação Constitucional.

A origem direta dessas concepções, envolvidas pela força do concei-to clássico de ciência, é a compreensão da hermenêutica como disciplina cien-tífica apta, justamente, a desvendar a trilha metodológica inabalável para osresultados certos. No Brasil, a construção doutrinária original, inspirada em grandeparte nesse tipo de racionalidade e que influenciou (e ainda influencia) gera-ções de operadores jurídicos nacionais e estrangeiros,18 foi a diferenciação efe-

18 Assumida explicitamente, e. g., em LINARES QUINTANA, Tratado..., p. 41 econtestada, e.g., em BELAÚNDE, ob. cit., p. 650, mencionando ser dita diferen-ciação interessante, porém artificiosa.

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tuada por Carlos Maximiliano entre Hermenêutica Jurídica e Interpretação Jurí-dica, na edição original de 1924 da obra Hermenêutica e aplicação do Direi-to. Segundo o autor (1994, p. 1):

A Hermenêutica Jurídica tem por objeto o estudo e asistematização dos processos aplicáveis para determinar osentido e o alcance das expressões do Direito. [...].Do exposto ressalta o erro dos que pretendem substituiruma palavra pela outra; almejam, ao invés de Hermenêutica,– Interpretação. Essa é aplicação daquela; a primeiradescobre e fixa os princípios que regem a segunda. AHermenêutica é a teoria científica da arte de interpretar.

A marca cientificista dessa concepção de hermenêutica fica aindamais clara quando se discute qual a finalidade da interpretação jurídica. Nosdizeres de Maximiliano (1994, p. 1):

Em resumo: o executor extrai da norma tudo o que namesma se contém: é o que se chama interpretar, isto é,determinar o sentido e o alcance das expressões do Direito.

Como resta claro, o labor interpretativo está associado à função dedescoberta de um sentido claro, prévio e objetivável, cuja teoria é tributária daclássica separação das correntes de interpretação em objetivistas e subjetivistas.Ou seja, na separação entre os autores que consideram que o objetivo dainterpretação é desvendar o sentido (“vontade”) original subjetivamente em-pregado pelo autor da norma – a mens legislatoris, com o mito do legisladorracional – e os autores que consideram ser pertinente à tarefa interpretativadesvendar o sentido (“vontade”) objetivo da norma – a mens legis, com o mitodo sentido prévio e unívoco.

Como sopesado várias vezes pela doutrina mais recente, essa classi-ficação tradicional não encontra qualquer alicerce teórico (científico, em umaacepção esclarecida do termo). Com apoio em Lenio Luiz Streck, pode-se afir-mar que essa discussão está ultrapassada e que, inclusive, “na grande maioriadas vezes a adesão a uma corrente ou a outra é feita de maneira ad hoc,ocorrendo, não raras vezes, uma imbricação entre ambas” (1999, p. 78). Ou,segundo a autoridade constitucional de Hesse:

O objetivo da interpretação pode só limitadamente estarna averiguação de uma ‘vontade’ objetiva ou subjetiva

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determinada na Constituição. Prescindindo totalmente daduvidosidade das bases dessa tese – ela assenta, ao fim eao cabo, sobre o dogma da vontade no direito, formado naCiência das Pandectas do século XIX e assumido pelaCiência do Direito Estatal daquele tempo, que sozinho nãomais possibilita uma compreensão apropriada daConstituição moderna – um tal ponto de partida significanada mais que um encobrimento da situação de fato real.[...] Considerar a averiguação da vontade objetivadeterminada da Constituição ou da vontade subjetiva doconstituinte como ‘objetivo’ da interpretação significa, pois,querer assimilar algo que não é preexistente realmente e,com isso, desacertar a problemática da interpretaçãoconstitucional já no início (1998, p. 57-58).

Sustentar o contrário, ao menos da forma como tradicionalmente aquestão é colocada pela doutrina afim, é vendar os olhos para relevantes contri-buições trazidas à lume pela Filosofia, desconhecendo tanto o denominado girolingüístico, localizado sobretudo na obra de Wittgenstein (1994), como o cha-mado giro hermenêutico empreendido por Gadamer (1999).

Palavras, frutos de convenções lingüísticas, não possuem um signifi-cado unívoco e preexistente. Em verdade, textos cobram sentidos diferencia-dos conforme o uso empregado, conforme os distintos jogos de linguagem, naacepção de Wittgenstein (1994, em vários itens, e. g., p. 21, 27, 53). Ladooutro, é impossível acercar-se das palavras com uma consciência ahistórica,hábil a “encontrar” a vontade normativa que repousaria estaticamente impreg-nada no texto. Consoante Gadamer (1999), a possibilidade de compreensãonunca se dá como um movimento unilateral do intérprete que, com sua razãoabsoluta, lançaria luzes no fenômeno observado para que suposta vontade ocultapudesse resplandecer em luminosidade.19

Se o termo Hermenêutica Jurídica (ou mesmo Constitucional), nessessetores clássicos da doutrina, significa Ciência da Interpretação – com um senti-do, ressalte-se, cientificista tradicional –, os chamados métodos, princípios e

19 Ver, também, PEREIRA, ob. cit., capítulo I.20 Ver a já mencionada teoria da interpretação constitucional em LINARES

QUINTANA, Tratado..., ob. cit. e idem, Regla..., ob. cit.

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regras de interpretação são concebidos como o instrumental metodológicodo fazer científico. Há, inclusive, a nítida influência dessa concepção mes-mo em alguns setores da Hermenêutica Constitucional que sustentam, porexemplo, a acima referenciada tese da igualdade com particularidades.20

Importa concluir que a propalada apologia dos métodos de interpre-tação está, do início ao fim, impregnada da ilusão iluminista. São eles concebi-dos, geralmente, como trunfos – quase mágicos – que, à disposição do intér-prete, conduzem o labor interpretativo à conclusão perfeita, evitando que oprocesso seja “contaminado” pelos momentos subjetivos daquele que interpre-ta. Em geral, concebe-se a atividade de interpretação como tão-somente cognitiva,sem qualquer traço de voluntarismo. De novo, como exemplo, a lição originalde Maximiliano:

Não basta conhecer as regras aplicáves para determinar osentido e o alcance dos textos. Parece necessário reuni-lase, num todo harmônico, oferecê-las ao estudo, em umencadeamento lógico. [...].Descobertos os métodos de interpretação, examinados emseparado, um por um; nada resultaria de orgânico, deconstrutor, se os não enfeixássemos em um todo lógico,em um complexo harmônico. À análise suceda a síntese.Intervenha a Hermenêutica, a fim de proceder àsistematização dos processos aplicáveis para determinar osentido e o alcance das expressões do Direito (1994, p. 5).

O risco é ainda maior quando se imagina as possibilidades abertaspara decisões jurídicas que escapam a uma fundamentação rigorosa e extensi-va, sustentando sua suposta correção com base na utilização manipulada de taismétodos. Ao fim, o que nada mais é do que uma opção decisória subjetiva esem lastro rigoroso, acaba portando uma falsa capa de legitimidade.

Consoante se percebe na análise tanto da doutrina como da jurispru-dência, esse tipo de concepção influencia ainda a maioria dos operadores jurí-dicos, conformando o sentido comum teórico na expressão de Streck (1999, p.51 e ss.) ou, na acepção de Thomas Kuhn (1975, p. 67 e ss.), formando umconjunto de pré-compreensões compartilhadas que marca um determinadoparadigma.

Contudo, é preciso criticar essa tradição iluminista que nos chegapelo influxo da história do Direito e que nos envolve, tanto na teoria, como naprática jurídica e, por sinal, tanto na chamada Hermenêutica Jurídica Clássica,como em alguns setores da Hermenêutica Constitucional. Vários autores ado-

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tam expressamente a crítica a tais métodos, sobretudo os concebidos no Direi-to Privado. Luis prieto Sanchís (1993, p. 103-104) faz uma crítica ampla e con-tundente, demonstrando que a escolha metodológica não está a salvo devalorações:

Ahora bien, dada la libertad para elegir entre unas u otrastécnicas, en la decisión que adopte el juez es evidenteque pesará su opinión sobre aspectos tales como lalegitimidad del legislador, la oportunidad o justicia de lanorma, la importancia o sentido axiológico de lastransformaciones sociales operadas desde la promulgaciónde la ley, etc. [...]Pero tras la valoración y elección del método o directiva deinterpretación no se abre paso tampoco una operaciónlógica que dé como resultado una decisión cierta ocompletamente previsible. Para empezar, y pese a unaterminología extendida entre los juristas, ninguno de talesmétodos se ajusta a reglas de estricta lógica; como vimosal tratar de la analogía, se trata de esquemas de persuasióny justificación, no de inferencia lógica. [...]De ahí que los métodos de interpretación, elegidos ya sobrela base de una valoración, no conduzcan tampoco aresultados siempre iguales y seguros; entre otros motivosya indicados, un repaso a la literatura teórica y dogmática,así como a la jurisprudencia, pone de relieve que una mismadirectiva pude ser entendida de diferente manera y que,en último término, su procedencia en el caso examinadoresulta siempre susceptible de ser debatida. Además, enocasiones su aplicación obedece a una cierta ambigüedady representa una especie de cobertura técnica de decisionesmás o menos plausibles pero que difícilmente pudensometerse a un control de racionalidad.”

21

Nesse sentido, veja-se a imagem contundente relatada por CristinaQueiroz ao criticar essa concepção metodológica estreita através da interessan-

21 Em sentido conexo, ver ESSER, Josef. La Interpretación. Anuario de Filosofia delDerecho (Nueva Epoca). Madrid, 1986, t. III, p. 54 e 56; BALAGUER CALLEJÓN,ob. cit., p. 24, 43, 165; STRECK, ob. cit., p. 75 e ss.; USERA, ob. cit., p. 85.

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te recapitulação do exemplo literário sobre a discussão, entre rabinos, acercade qual a interpretação correta de um trecho bíblico. Pelas suas palavras:

Quando num debate havido numa sinagoga, a propósitode uma passagem do Deuteronómio, os vários rabinosintervenientes não puderam chegar a acordo, devido adivergências interpretativas irreconciliáveis, o rabino Eleazar,reconhecido pelos seus reputados dotes interpretativos,levanta-se e diz: “Se a minha interpretação é a correcta,então a árvore que se encontra diante desta sinagogadeslocar-se-á”. E a árvore deslocou-se. Falando pela maioria,o rabino Josué ergue-se e replica: “O deslocamento deuma árvore não constitui meio de prova bastante”.Inconformado, Eleazar, levanta-se, de novo, e diz: “Se aminha interpretação é a correcta, então que aumente ocaudal das águas até que verguem as paredes destasinagoga”. E as águas subiram e as paredes vergaram.Indiferente a todos estes acontecimentos, Josué, levanta-se, de novo, e diz: “O aumento do caudal das águas e oderrubamento de paredes não constituem meios de provabastante”. Exasperado e não sabendo mais o que fazer,Eleazar apela directamente para Deus: “Se a minhainterpretação é a correcta, então que seja o céu a comprová-lo”. De súbito uma voz ecoa: “Para que discutis com orabino Eleazar? Para todos os efeitos a lei é como ele diz”.E Josué erguendo-se, de novo, diz: “Não nos demos contade nenhuma voz divina, já que Tu próprio escreveste naTorá, no Monte Sinai, ser necessário precavermo-nos contrao poder das maiorias”. E rindo, rindo sempre, Deusexclama: “Os meus filhos venceram-me, os meus filhosvenceram-me” (2000, p. 51-52).

A autora, então, fazendo alusão expressa a Gunther Teubner, concluique “o direito não vem determinado nem por uma autoridade externa, nempela autoridade dos textos, nem pela revelação divina” (2000, p. 52). Assim,inexiste qualquer pretensa lista de regras, princípios e métodos que dê contapor si só da interpretação do Direito e que fique à margem da crítica e danecessidade de argumentação. Não basta, nem mesmo, a mera afirmação dapluralidade metodológica contra a pretensão de unicidade na aplicação dospropalados métodos de interpretação. Essa posição foi, sem dúvida, importan-

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te, mas restará, todavia, discutível caso ainda conceba dita pluralidade como oinstrumental “científico” que, em uma ilusão metodológica, conduziria à abala-da concepção iluminista de resultado previamente determinado.

Essa crítica, obviamente, não se reduz ao campo da chamadaHermenêutica Jurídica Clássica, mas deve ser, obrigatoriamente, estendida paraa seara teórica do que se tem denominado Hermenêutica Constitucional, paraque não se caia no mesmo equívoco. Não se pode, por isso, atribuir aos chama-dos métodos, regras e princípios de interpretação constitucional o mesmo con-dão de fórmulas incorruptíveis, como tradicionalmente se tem feito na seara doDireito Privado. Na esteira das críticas já levantadas, e com apoio em LaurenceTribe e Michael Dorf (1991, p. 5), o operador jurídico que espera encontrarferramentas decodificadoras que resolverão todos os quebra-cabeças constitu-cionais ficará sempre desapontado.

Interessante é que, em uma análise mais precisa, pode-se afirmarque a maioria desses “consagrados” métodos, princípios e regras interpretativasrepresentam tão-somente verdadeiras obviedades, variantes à luz da Teoria doDireito e da Teoria da Constituição que os sustentam. Dizer, por exemplo, quea atividade interpretativa deva ser sistemática significa, geralmente, apenas res-saltar algo que deriva da própria estrutura da compreensão, notadamente doconceito de círculo hermenêutico. Por outro lado, se se concebe a Constituiçãocomo um repositório das intenções dos constituintes, o efeito será uma apropri-ação do método histórico como caminho para descoberta da vontade original.

Em verdade, há uma conclusão fundamental: o conceito e o uso detais métodos, regras e princípios de interpretação variam conforme a concep-ção prévia que se tem de Direito e de Constituição. Ou seja, a TeoriaHermenêutica está indissociavelmente ligada à Teoria do Direito e à Teoria daConstituição. Nas palavras de Cristina Queiroz:

O recurso a um conceito pressuposto de ‘constituição’ noquadro de um sistema constitucional individual e concreto(ordem jurídico-constitucional) coloca-se como questãoprévia de toda a interpretação constitucional. Só depois defixada essa vinculação a uma ‘teoria da constituição’ noconstitucionalimo [sic] é que se poderá partir para a questãoda delimitação dos princípios próprios de interpretaçãoconstitucional [...] (2000, p. 335-336).

De tudo o que foi dito, não significa abandonar o problemaepistemológico da Hermenêutica na Teoria do Direito, sobretudo em virtudedas contribuições mais recentes da Hermenêutica Constitucional, mas certa-mente tal objetivo não pode tropeçar nas ilusões de uma racionalidade tãoestreita e tão criticada. Essa conclusão nos abre um questionamento: repensar a

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relação entre Hermenêutica Jurídica e Hermenêutica Constitucional em funçãode uma compreensão mais ampla do princípio da supremacia da Constituição,refundando seu status epistemológico na medida em que esta possa ser consi-derada (o que se chamará de) locus hermenêutico e segundo um âmbito reno-vado do próprio fazer hermenêutico.

III – A unidade da hermenêutica no Direito: a Constituiçãocomo locus hermenêutico

A opção contemporânea pelo constitucionalismo como modo de re-gulamentação do pacto de convivência política, aliado ao assentamento do prin-cípio da supremacia da Constituição em face de todos os demais atos normativos,importa, certamente, reconsiderar o relacionamento entre a Hermenêutica Ju-rídica Clássica e a Hermenêutica Constitucional, resolvendo de forma menostortuosa tal embate aparente.

Como complemento ao argumento, cabe-nos indagar: reduzir a teo-ria hermenêutica ao papel de disciplina sistematizadora de métodos de inter-pretação, bem como reduzir a praxis hermenêutica à aplicação “científica” detais métodos com vistas a “desvendar” o sentido da norma não seria desprezara importância, a coerência e própria credibilidade de ambas?

Certamente. Ainda mais se compartilharmos a noção de que ditahermenêutica pode ser definida como “o processo de reconstrução do Direitoaplicável ao caso, à luz do padrão constitucional e através de um procedimentoargumentativo e racionalmente controlável” (PEREIRA, 2006, p. 164). Não maisatividade cognitiva com vistas a descoberta de uma voluntas normativapreexistente assistida por um rol de ferramentas metodológicas supostamenteobjetivas e neutras.

Por outro lado, resta definir o relacionamento entre os tais ramoshermenêuticos, posicionando o status epistemológico da disciplina no Direito.Tendo recusado a perspectiva reducionista – confinar a discussão sobre os espa-ços da Interpretação Jurídica Clássica e da Interpretação Constitucional à viabi-lidade e oportunidade da aplicação de seus respectivos métodos – a tarefa setorna mais agradável e menos obtusa.

Pergunta-se, então: dito processo hermenêutico de compreensão,interpretação e aplicação de preceitos normativos para a solução de casos con-cretos é dúplice, comportando um tratamento diferenciado conforme se tratede normas de direito infraconstitucional ou constitucional, ou é unitário, justifi-cando um tratamento idêntico e não dicotômico? A solução, como se verá,pode e deve ser pautada no referido princípio da supremacia constitucional,mas, para melhor fundamentar o argumento, permitam-me um pequeno recuotemático.

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Como conseqüência do grande arroubo analítico empreendido pelamodernidade, foram consagrados, no Direito, fenômenos como o surgimento ea expansão dos movimentos de codificação típicos do início do século XIX, doqual é produto mais famoso o Código Civil de Napoleão de 1804. Inspirada poresse novo desafio, a doutrina se empenhou na imensa tarefa de separar e, atocontínuo, definir os limites e a extensão dos diversos ramos jurídicos.

Todavia, a principal desvantagem advinda desse movimento foi a perdado sentimento da unidade do Direito, sobretudo no que tange à interpretação,compreensão e aplicação dos preceitos normativos, que ficaram “confinados”nos distintos campos temáticos, gerando a impressão do compartilhamento dofenômeno jurídico. Somente após a consagração de efetivos sistemas de con-trole da constitucionalidade dos atos infraconstitucionais é que, como visto,pôde-se garantir a situação de primazia da Constituição em face das demais leise, como conseqüência direta, o resgate da “unidade” do Direito sob o pálio daconstitucionalidade.

Por força dessa característica, a Constituição vai, então, “refundar”todo o direito, implicando uma incisão compreensiva nos limites e na extensãodas possibilidades significativas de todo o resto do ordenamento. Ela passa arepresentar, portanto, o que aqui se tem denominado Locus Hermenêutico: o‘lugar’ a partir do qual há uma conformação das possibilidades de sentido detodas as normas inferiores, não tendo como, pois, compreender, interpretar eaplicar o Direito independentemente do padrão constitucional.22

Tal abordagem é conexa ao sentido empregado por Ramón Peralta(1994, p. 57) quando afirma ser a Constituição a norma interpretativa, o critériohermenêutico fundamental de todo o ordenamento jurídico. Ela exerce, assim,dita função de irradiação sobre o Direito, tal qual apresentado por María LuizaBalaguer Callejón:

La Constitución ocupa una posición central en elordenamiento jurídico, en virtud de la cual puede decirseque la relación entre Constitución y normasinfraconstitucionales no es de mera jerarquía sino desupremacía. Esta diferenciación nos manifiesta cómo,además de su condición jerárquicamente superior sobre el

22 O tema assume, ainda, um viés mais aprofundado quando o fenômeno consti-tucional é associado ao fenômeno democrático. Para maiores detalhes, ver PE-REIRA, Rodolfo Viana. Direito constitucional democrático. Rio de Janeiro: LumenJuris, 2008.

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resto de las normas, la Constitución desarrolla una funciónde irradiación sobre el resto del ordenamiento jurídico(1997, p. 42).

Em uma direção similar, Lenio Luiz Streck:

Conseqüentemente, a Constituição passa a ser, em toda asua substancialidade, o topos hermenêutico que conformaráa interpretação jurídica do restante do sistema jurídico. AConstituição é, assim, a materialização da ordem jurídicado contrato social, apontando para a realização da ordempolítica e social de uma comunidade, colocando à disposiçãoos mecanismos para a concretização do conjunto de objetivostraçados no seu texto normativo deontológica (1999, p.215).

23

Desse modo, o debate acerca das diferenças entre a HermenêuticaConstitucional e a Hermenêutica Jurídica perde sua razão de ser. Ora, se não épossível tratar os fenômenos jurídicos de forma compartimentada, se não épossível compreender o texto da lei sem a pré-compreensão constitucional,não é possível haver duas teorias e práticas hermenêuticas distintas. Ainda quepossam ser sustentadas certas diferenças entre a norma constitucional e a nor-ma infraconstitucional (sobretudo a situação hierárquica e a condição de fontenormativa), isso também não é motivo para a suposta dicotomia, eis que oprocesso de interpretação do Direito é, nesse sentido, sempre unitário. Ouseja, para cada problema (real ou imaginário), em todo e qualquer ramo jurídi-co, o Direito concorre integralmente para sua solução, através do filtro constitu-cional.24

23 Essa posição é refletida também na afirmação de Peter Häberle de que a “Cons-tituição é, nesse sentido, um espelho da publicidade e da realidade. Ela não é,porém, apenas o espelho. Ela é, se se permite uma metáfora, a própria fonte deluz. Ela tem, portanto, uma função diretiva eminente”. HÄBERLE, Peter.Hermenêutica constitucional: a sociedade aberta dos intérpretes da constitui-ção – contribuição para a interpretação pluralista e ‘procedimental’ da consti-tuição. Trad. Gilmar Ferreira Mendes. Porto Alegre: Fabris, 1997, p. 34.

24 Obviamente, não se quer dizer com isso que todo o Direito ou toda a Constitui-ção é diretamente aplicável ao caso, na medida em que alguns preceitosnormativos o são e outros não, em função da pertinência temática e da chamadacoerência normativa.

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Por outro lado, isso significa sublinhar igualmente o caráter normativoda Constituição. A importância dessa assertiva está em nos precavermos contrao perigo da dissolução constitucional promovido por determinadas concepçõesque sustentam uma diferença em essência entre a Lei e a Constituição, basean-do-se, geralmente, na afirmação do caráter fundamentalmente político destapor contraposição ao caráter jurídico daquela.

Por isso, deve-se afirmar que existe apenas uma hermenêutica (comcerta ressalva quanto aos termos): a Hermenêutica Constitucional promove,por assim dizer, uma verdadeira “absorção” da chamada Hermenêutica JurídicaClássica. Ou de um modo ainda mais rigoroso: trata-se, em verdade, daconstitucionalização de toda hermenêutica jurídica.

Ato contínuo, é possível sustentar igualmente que toda jurisdição énecessariamente jurisdição constitucional. Mesmo nos países que adotam o sis-tema concentrado de controle de constitucionalidade, há tão-somente umacláusula de reserva para determinados juízes – os do Tribunal Constitucional –para o exercício do juízo de compatibilidade da lei em face da Constituição.25

Os denominados juízes ordinários fazem, ou pelo menos deveriam fazer, atodo momento, uma compreensão e aplicação dos atos infraconstitucionais àluz do padrão constitucional, apenas excetuando-se de sua competência, poruma característica intrínseca ao sistema, o julgamento sobre a vigência ou nãode preceito normativo cuja abertura semântica seja vazia por completo de sen-tido constitucionalmente adequado em tese ou mesmo no caso concreto. Ouseja, confunde-se em geral a peculiaridade do intérprete – Tribunal Constituci-onal – com a peculiaridade da jurisdição.

25 O raciocínio se aplica mesmo para países que optaram por sistemas políticos decontrole de constitucionalidade desde que, obviamente, o princípio da supre-macia da Constituição se imponha de uma forma ou de outra. A França seria ocaso aplicável: mesmo que o controle da regularidade constitucional das leisseja feito a priori por um órgão fora da estrutura jurisdicional (o Conselho Cons-titucional), dito Conselho mudou o primado da legalidade pelo primado daconstitucionalidade a partir de sua famosa decisão de 16/07/1971 (criação dobloco de constitucionalidade). Ver FAVOREU, Louis; PHILIP, Loïc. Les grandesdécisions du conseil constitutionnel. 7. ed. Paris: Dalloz, 1993, p. 243.

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Quanto aos denominados métodos, regras e princípios de interpreta-ção, sejam os tradicionalmente construídos na seara privatista ou os derivadosdas discussões no Direito Constitucional, deve-se dizer que não poderão jamaisser utilizados como portadores de verdades intrínsecas. No máximo, cumpri-rão, apenas, funções auxiliares no processo hermenêutico, desde queargumentativamente justificados à luz de todas as características desse processo,que demanda, como demonstrado, uma determinada Teoria do Direito e daConstituição.26 Todavia, essa é uma discussão a ser aprofundada em outrosmomentos.27

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26 Um exemplo importante ilustra essa assertiva: o princípio da interpretação con-forme, acima referenciado, só passou a ser justificável após a existência dosmecanismos de controle de constitucionalidade. Em outras palavras, só se justi-fica em virtude do princípio da supremacia da Constituição. Ver, e. g., ENTERRIA,ob. cit., p. 33.

27 Ver, por exemplo, em PEREIRA, ob. cit., capítulo II, item 2.

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