A CONSTRUÇÃO DA IDENTIDADE UNIVERSITÁRIA E SUA...

15
Universidade Federal de Campina Grande Programa de Pós-Graduação em Linguagem e Ensino 1 ANAIS ELETRÔNICOS ISSN 235709765 A CONSTRUÇÃO DA IDENTIDADE UNIVERSITÁRIA E SUA RELAÇÃO COM A PRODUÇÃO DO GÊNERO-DISCURSIVO MONOGRAFIA NO CONTEXTO ACADÊMICO Rosemary Evaristo Barbosa - UEPB RESUMO Este trabalho é decorrente de reflexões realizadas a respeito dos processos discursivos produzidos no contexto acadêmico, principalmente relacionados à escrita acadêmica, cujo objetivo é tecer considerações a respeito da construção identitária do sujeito- aluno universitário e sua relação com o gênero textual/discursivo monografia, além de se problematizar a ordem discursiva em que tal sujeito se encontra e/ou deve se encontrar. Para o desenvolvimento dessas discussões, seguiremos os pressupostos teóricos da AD e referenciais que tratam do gênero monografia, a fim de promover o diálogo entre estas áreas do saber, trazendo contribuições para os estudos sobre a discursividade e a produção acadêmica do sujeito-aluno universitário. Em virtude dos vários anos de docência na educação superior e mediando a escrita de monografias, percebeu-se que a complexidade derivada desse contexto está dificultando o registro do conhecimento adquirido, uma vez que a maioria dos sujeitos-alunos não consegue apreender, de forma satisfatória, uma série de regras de funcionamento da comunicação acadêmica para a produção de monografias. Deduz-se, portanto, que essas regras institucionalizadas que legitimam o dizer, inserindo o sujeito-aluno nas condições de produção e valoração da comunidade acadêmica, não são assimiladas a contento, ao longo da formação - o que aponta para problemáticas voltadas para o ensino, a estrutura curricular e o processo de comunicação estabelecido entre os sujeitos que compõem o contexto científico-acadêmico. Palavras-chaves: Construção identitária. Comunicação acadêmica. Discursividade. Monografia. A necessidade da comunicação é algo inerente à condição humana, pois através dela é possível estabelecer inúmeras formas de interação e de percepção das pessoas

Transcript of A CONSTRUÇÃO DA IDENTIDADE UNIVERSITÁRIA E SUA...

[Digite texto]

Universidade Federal de Campina Grande

Programa de Pós-Graduação em Linguagem e Ensino 1

ANAIS ELETRÔNICOS ISSN 235709765

A CONSTRUÇÃO DA IDENTIDADE UNIVERSITÁRIA E SUA RELAÇÃO COM A PRODUÇÃO DO GÊNERO-DISCURSIVO

MONOGRAFIA NO CONTEXTO ACADÊMICO

Rosemary Evaristo Barbosa - UEPB

RESUMO

Este trabalho é decorrente de reflexões realizadas a respeito dos processos discursivos produzidos no contexto acadêmico, principalmente relacionados à escrita acadêmica, cujo objetivo é tecer considerações a respeito da construção identitária do sujeito-aluno universitário e sua relação com o gênero textual/discursivo monografia, além de se problematizar a ordem discursiva em que tal sujeito se encontra e/ou deve se encontrar. Para o desenvolvimento dessas discussões, seguiremos os pressupostos teóricos da AD e referenciais que tratam do gênero monografia, a fim de promover o diálogo entre estas áreas do saber, trazendo contribuições para os estudos sobre a discursividade e a produção acadêmica do sujeito-aluno universitário. Em virtude dos vários anos de docência na educação superior e mediando a escrita de monografias, percebeu-se que a complexidade derivada desse contexto está dificultando o registro do conhecimento adquirido, uma vez que a maioria dos sujeitos-alunos não consegue apreender, de forma satisfatória, uma série de regras de funcionamento da comunicação acadêmica para a produção de monografias. Deduz-se, portanto, que essas regras institucionalizadas que legitimam o dizer, inserindo o sujeito-aluno nas condições de produção e valoração da comunidade acadêmica, não são assimiladas a contento, ao longo da formação - o que aponta para problemáticas voltadas para o ensino, a estrutura curricular e o processo de comunicação estabelecido entre os sujeitos que compõem o contexto científico-acadêmico.

Palavras-chaves: Construção identitária. Comunicação acadêmica. Discursividade. Monografia.

A necessidade da comunicação é algo inerente à condição humana, pois através

dela é possível estabelecer inúmeras formas de interação e de percepção das pessoas

[Digite texto]

Universidade Federal de Campina Grande

Programa de Pós-Graduação em Linguagem e Ensino 2

ANAIS ELETRÔNICOS ISSN 235709765

em seus agrupamentos sociais, como também do mundo. Assim, cada contexto

comunicativo determinará as relações humanas, ao mesmo tempo em que será

influenciado por tais ações, à medida que os produtos desta comunicação criem e

recriem práticas sociais e institucionais, bem como valores sócio-discursivos.

Para nos debruçar mais detidamente sobre tais práticas, especificaremos o

contexto científico de produção acadêmica, no qual situaremos o objetivo maior deste

artigo, propondo aos leitores refletir sobre o processo comunicativo que ancora e

constrói conhecimentos científicos e institucionalizados, como também um dos

produtos decorrentes deste processo: o gênero textual monografia.

A fim de que se compreenda a dinâmica da produção acadêmica, é preciso,

antes de tudo, pensar-se na universidade enquanto instituição educativa e concebê-la

como espaço sócio-discursivo, onde circulam sujeitos sociais, disseminadores de

conhecimento. Esse espaço, enquanto contexto de interlocução teórica, legitima a

produção de discursos por meio de um conjunto de regras institucionalizadas. Neste

lugar, como qualquer outro da sociedade, “a produção do discurso é ao mesmo tempo

controlada, selecionada, organizada e redistribuída por certo número de

procedimentos que têm por função conjurar seus poderes e perigos, dominar seu

acontecimento aleatório, esquivar sua pesada e temível materialidade.” (FOUCAULT,

1999, p.8-9)

Para se atender às exigências de comunicação, neste contexto de “temível

materialidade”, não basta saber ler e escrever; é preciso ter habilidade de leitura e de

escrita do texto acadêmico – ou seja, é preciso ser letrado em diferentes domínios

linguísticos do campo científico. Além disso, a comunicação científica “surge como

uma necessidade básica para o progresso da ciência e, consequentemente, para o

pesquisador que, historicamente, tem se utilizado dessa prática para viabilizar

discussões e provocar outras pesquisas.” (OLIVEIRA, 2007, p.47)

Como se sabe, o contexto da comunicação é constituído por seis elementos.

Diante da perspectiva teórica aqui tomada, é necessário concebê-los a partir da

relação estabelecida entre sujeito histórico/ideológico, discurso institucionalizado e

[Digite texto]

Universidade Federal de Campina Grande

Programa de Pós-Graduação em Linguagem e Ensino 3

ANAIS ELETRÔNICOS ISSN 235709765

relações de poder para se entender esse processo comunicativo na esfera acadêmica.

Dessa forma, os seis elementos da comunicação têm a seguinte configuração: os

emissores e receptores são professor/aluno, aluno/professor, aluno/aluno,

professor/professor e autor/leitor – os sujeitos, cujas relações são mediadas pelas

determinações institucionais e relações de poder, e suas respectivas formações sócio-

discursivas. As mensagens são os textos orais e escritos produzidos, veiculadores do

discurso acadêmico; o código utilizado diz respeito à linguagem adotada na produção

do texto, ou seja, a linguagem formal, de base referencial e científica – representam

aqui o processo de formalização e enunciação de discursos legitimados

institucionalmente. Já a veiculação do texto pelo canal dependerá da validação do

dizer, dada pelo sujeito professor e/ou pela instituição; por fim, o referente trata do

conteúdo abordado no texto e deve ser partilhado entre os interlocutores – o que

remete às regras de funcionamento discursivo e de divulgação de saberes, resultado

da produção de conhecimento científico e da retomada e ressignificação dos já-ditos.

Vê-se o quanto é complexa a configuração e o funcionamento do contexto

comunicativo nas instituições acadêmicas. Por esta razão, a constituição da identidade

acadêmica se dá igualmente de forma complexa, considerando-se também uma série

de fatores, que podem interferir neste processo, a exemplo das habilidades

comunicativas – nem sempre compatíveis e desenvolvidas o suficiente para que o

sujeito-aluno consiga dar conta das exigências comunicativas estabelecidas pela

academia.

Partindo-se dessas considerações, entendemos que, para o sujeito-aluno se

comunicar bem no contexto acadêmico, faz-se necessário adquirir a competência

linguística para usar o discurso científico adequadamente e em conformidade com as

regras institucionalizadas – isto só acontece quando as práticas discursivas tornam-se

cada vez mais frequentes e aprimoradas, quando os textos orais e escritos se

fundamentam nos dizeres científicos e na metodologia científica aplicada ao gênero

acadêmico produzido, conforme necessidade da comunicação. Portanto, a

comunicação assim estabelecida será produto dos modos de interlocução acadêmica,

[Digite texto]

Universidade Federal de Campina Grande

Programa de Pós-Graduação em Linguagem e Ensino 4

ANAIS ELETRÔNICOS ISSN 235709765

seja na modalidade presencial ou a distância. A eficácia dessa comunicação depende

da apreensão das regras de funcionamento dos gêneros textuais/discursivos, que

fazem parte deste contexto de interlocução – é a necessidade da comunicação, em

diferentes situações, que vai conduzir o acadêmico a saber usar e a aprimorar os

textos, produzindo determinados gêneros.

Como a produção do conhecimento não faz parte de um processo isolado,

tendo em vista a própria dinâmica investigativa que sustenta e constitui esta produção

– ora complementando ora questionando contribuições de pesquisas anteriores – o

discurso científico se estrutura na retomada e na (des)construção do já-dito.

É, pois, nesse contexto comunicativo, que as relações discursivas estabelecidas

tornam legítimos os dizeres, produtos dessa comunicação, a partir dos já-ditos e das

ressignificações constituídas pelos sujeitos discursivos envolvidos neste processo.

Assim, para que o discurso produzido seja legitimado pela academia, precisa,

então, inscrever-se nas condições de produção e valoração da comunidade acadêmica,

isto é, precisa estar de acordo com o processo de comunicação estabelecido conforme

a ordem do discurso científico-acadêmico.

Para fazer parte desta ordem discursiva, é imprescindível conhecer e participar

ativamente do contexto de comunicação acadêmica. Esta participação dependerá da

apreensão de uma série de regras de funcionamento bastante específicas, colocadas

em uso conforme necessidade de comunicação. Tais regras, ao serem apreendidas e

postas em prática, criam o perfil identitário do graduando, inserindo-o na ordem do

dizer científico-acadêmico: ou seja, para ser um universitário, é preciso construir uma

identidade social correspondente ao perfil legitimado pela instituição universidade.

Portanto, considera-se acadêmico o sujeito que se comunica e interage com outros

sujeitos, utilizando-se dos gêneros textuais/discursivos pertencentes à esfera

científica.

Conforme Machado (2005, p.79), “os textos acadêmicos apresentam uma

organização geral, que é mais comum, embora não seja única. Essa organização não é

aleatória. Na verdade, há uma razão lógica de ser assim.” Tomando-se por base essa

[Digite texto]

Universidade Federal de Campina Grande

Programa de Pós-Graduação em Linguagem e Ensino 5

ANAIS ELETRÔNICOS ISSN 235709765

organização geral, fica mais fácil de trabalhar e desenvolver as especificidades de cada

gênero pertencente à esfera de comunicação acadêmica. É o que se deduz. No

entanto, a realidade das produções acadêmicas mostra lacunas e falhas nessa

produção escrita. A constituição da identidade acadêmica tem-se dado de forma muito

lenta, e, por vezes, bastante precária.

O que tenho presenciado e constatado na minha experiência docente, comunga

e dialoga com outros dizeres, outros discursos que remetem à problemática da

produção escrita de alunos universitários, que sentem grandes dificuldades na

produção de gêneros acadêmicos. O que normalmente ocorre é que esses alunos, na

maioria dos casos, são conduzidos (e obrigados) a escrever determinados gêneros,

desde o primeiro período, sem antes ter havido orientações e produção escrita

analisada, corrigida e refeita, para se saber se houve compreensão e assimilação das

especificidades de função, conteúdo, forma e estilo do gênero determinado. Como as

especificidades dos gêneros acadêmicos são determinadas pelo campo da

comunicação em que se situam (por esta razão, só podem ser constituídos e

veiculados na e pela instituição acadêmica), não faz sentido se cobrar dos sujeitos-

alunos um conhecimento estruturado e fundamentado sobre a escrita acadêmica,

quando ele não existe.

Com relação à produção de monografia, situada no contexto de finalização de

curso, esta produção não é menos problemática. Apesar de existirem as disciplinas

Metodologia Científica, Seminário de Pesquisa, Metodologia do Trabalho Acadêmico,

Português I e II, Português Instrumental, Pesquisa Aplicada, entre outras, que

constituem o currículo de diferentes áreas do saber e tratam, numa dimensão maior

ou menor, do registro da produção do conhecimento, seus respectivos programas não

conseguem dar conta, ao longo do curso, das necessidades dos alunos em desenvolver

a produção escrita em conformidade com as exigências acadêmicas.

Não se trata aqui de se questionar disciplina e método adotado pelo docente,

mas a falta de sistematização de produções escritas que perpassam tais disciplinas,

uma vez que a comunicação acadêmica se dá por meio fala (representada pelos

[Digite texto]

Universidade Federal de Campina Grande

Programa de Pós-Graduação em Linguagem e Ensino 6

ANAIS ELETRÔNICOS ISSN 235709765

gêneros orais – aula, debates, seminário, palestra, comunicações, relato de

experiência, entrevista, etc.) e da escrita (representado pelos gêneros escritos -

fichamentos, resumos, resenhas, ensaios, memorial, projeto, artigo, relatório, etc.),

durante todo o período da graduação.

A complexidade das produções textuais acadêmicas, a exemplo da monografia,

exige de quem fala e de quem escreve uma competência linguística e comunicativa

capaz de agregar diferentes habilidades para a composição textual, adequada ao

objetivo da produção, ou seja, em conformidade com a função comunicativa que

determinado gênero exerce – o que só poderá ser alcançado mediante exercício,

prática, orientação e refacção do material escrito. Caberia, então, às instituições

acadêmicas adotarem um currículo diferenciado, abrangendo disciplinas que

oferecessem, de forma didática, o estudo dos gêneros acadêmicos.

Diante dessa complexidade, pontuaremos aqui duas questões problemáticas

referentes à produção da monografia. A primeira está atrelada às questões associadas

à escrita acadêmica e estruturação textual; a segunda diz respeito às suas fases

constituintes, pouco abordadas pela instituição e pouco conhecidas pelo graduando –

o que traz prejuízo para a pesquisa, em termos de qualidade; e desgaste físico e

mental ao sujeito-aluno.

Conforme os manuais e os autores que sistematizaram os conhecimentos sobre

a escrita acadêmica, o termo monografia designa um gênero científico, exigido ao

aluno concluinte para a obtenção do diploma acadêmico1.

É, pois, a última etapa a ser realizada, para a finalização da formação inicial do

profissional que fará parte do mercado de trabalho, contribuindo para o

desenvolvimento e funcionamento da sociedade, no campo em que for atuar. Resulta

de estudos sobre determinado tema, cujos objetivos (geral e específico) precisam dar

conta (ou buscam dar conta) do problema da pesquisa.

1 Muitas instituições têm exigido a produção de artigos científicos, no lugar de monografias. No entanto, estes também seguem similarmente as fases de escrita monográfica.

[Digite texto]

Universidade Federal de Campina Grande

Programa de Pós-Graduação em Linguagem e Ensino 7

ANAIS ELETRÔNICOS ISSN 235709765

A redação da monografia é caracterizada, em termos gerais, com a utilização de

linguagem padrão, objetivada, cujos enunciados demarcam a relação intertextual e

interdiscursiva estabelecida através do uso de citação direta e indireta, advindas de

diferentes fontes de pesquisa, além da utilização de termos e conceitos científicos que

respaldam a pesquisa. A indicação correta das fontes de pesquisa também se faz

necessária para legitimar a produção, assim como garantir coerência argumentativa ao

que se diz. O dizer científico precisa fundamentar-se e se estruturar seguindo

determinadas normas institucionalizadas, tanto no que se refere à forma quanto ao

conteúdo – deve-se saber seguir esta ordem discursiva.

Estas normas são estabelecidas pela Associação Brasileira de Normas Técnicas –

ABNT – que determinam “regras, diretrizes ou características para atividades ou seus

resultados, visando à obtenção de um grau ótimo de ordenação em um dado

contexto.” (ABNT, 2015). Portanto, a normalização destinada ao contexto acadêmico

serve para padronizar a produção científica, a fim de garantir a boa apresentação

gráfica dos gêneros produzidos. Por isto, a ABNT é tida como um instrumento de

lapidação, de aperfeiçoamento dos textos acadêmicos e técnicos (OLIVEIRA, 2007),

pois discrimina, objetivamente, as formas mais apropriadas para registrar a

sistematização do conhecimento científico – o que se demarca pelo modo como a

escrita se processa.

No caso da produção de monografia, as normas a serem pesquisadas e

adotadas são as seguintes2:

Projetos (NBR 15287/2011)

Monografias (NBR 14724/2011)

Lombada (NBR 12225/2004)

Resumo (NBR 6028/2003)

Sumário (NBR 6027/2003)

2 Algumas destas normas também orientam a escrita dos demais gêneros acadêmicos, conforme as suas

especificidades.

[Digite texto]

Universidade Federal de Campina Grande

Programa de Pós-Graduação em Linguagem e Ensino 8

ANAIS ELETRÔNICOS ISSN 235709765

Numeração Progressiva (NBR 6024/2003)

Ilustrações (NBR 14724/2011)

Tabelas (NBR 14724/2011)

Citações (NBR 10520/2002)

Notas de Rodapé (NBR 10520/2002)

Referências (NBR 6023/2002)

Elas organizam o texto, de modo que a escrita e a formatação seguida, de fato,

caracterize e estruture o gênero monográfico. Desconhecer tal processo é negar a

identidade acadêmica; é não inserir-se na ordem do discurso institucional. Este saber

fazer deve ser anterior à escrita da monografia.

Com relação a todo o processo que envolve a elaboração do trabalho

monográfico, é importante frisar que a escrita da monografia é uma atividade

complexa, embora não seja uma pesquisa muito aprofundada, tendo em vista a

natureza deste gênero. É constituída em cinco fases, que exigem do produtor

determinada postura e habilidade escrita.

A primeira fase constitui o planejamento, a construção do projeto de pesquisa

a ser executado, que culminará na monografia, com a delimitação temática e a

descrição de métodos e ações que serão colocados em prática na etapa seguinte.

Nesta fase, o pré-requisito é saber construir um projeto de pesquisa; já ter definido

que marco teórico será utilizado e em que perspectiva; ter noções sobre o método que

melhor se adeque à pesquisa.

Na segunda fase importantes ações passarão a ser concretizadas – 1. Pesquisa

(bibliográfica, empírica, documental, pesquisa-ação, experimental, etc). 2. Coleta de

dados. É o momento de iniciar a pesquisa, seguindo-se as diretrizes apresentadas no

projeto. Independentemente do tipo de pesquisa a ser implementado, é

importantíssimo estabelecer o elo com o referencial teórico pré-definido e realizar os

estudos e os registros (notas, grifos, comentários, resumos, citações, resenhas, lista de

[Digite texto]

Universidade Federal de Campina Grande

Programa de Pós-Graduação em Linguagem e Ensino 9

ANAIS ELETRÔNICOS ISSN 235709765

referências), a fim de se discutir e apresentar os resultados da pesquisa de forma

coerente com o tema e os objetivos da pesquisa.

A terceira fase corresponde ao da escrita da monografia, de acordo com as

especificidades científico-metodológicas. São produzidas as partes pré-textual, textual

e pós-textual. Nesta fase, a escrita da monografia passa por várias etapas de reescrita,

tendo em vista o contexto da orientação e refacção textual, naturais neste processo,

bem como a revisão das normas da ABNT e de aspectos gramaticais; e, em alguns

casos, do modelo adotado pela instituição. Nela, o gênero monografia se constitui na

dimensão da forma, do conteúdo e do estilo, apresentando o desenvolvimento da

fundamentação teórica específica e referente ao objeto de pesquisa e aos seus

objetivos; estabelecimento da relação entre tema, título, texto e teoria que subsidia a

pesquisa; análise e interpretação de dados, resultados obtidos e considerações finais.

Utilizando-se da linguagem formal e objetiva, a argumentação deverá ser baseada no

discurso de autoridade e em provas concretas.

A quarta fase é a da apresentação, momento de defesa da monografia em que

a oralidade passa a ser evidenciada; modo de arguir e de tratar de particularidades da

pesquisa, mediante perguntas, críticas e sugestões realizadas pela banca avaliativa, a

qual representa as normas institucionais.

Na quinta fase é o momento destinado aos ajustes tanto com relação ao

conteúdo/análise como na formatação textual, seguindo-se, com a anuência do(a)

orientador(a), as sugestões e críticas da banca avaliativa, pois trazem para o contexto

da produção monográfica outros olhares e importantes contribuições de especialistas

para o objeto de estudo, que enriquecerão a pesquisa. Esta é a fase da sistematização

de conhecimento advindo de pesquisa teórica, documental ou empírica;

estabelecimento da comunicação no contexto acadêmico, cuja mensagem veicula o

resultado de um estudo, fundamentado em determinada teoria e/ou teóricos, como

requisito avaliativo para a obtenção da graduação ou titulação de especialista.

Cada uma dessas fases representa uma forma de submissão à ordem discursiva

institucionalizada, pois remete a um processo preestabelecido e legitimado. Por essa

[Digite texto]

Universidade Federal de Campina Grande

Programa de Pós-Graduação em Linguagem e Ensino 10

ANAIS ELETRÔNICOS ISSN 235709765

razão, devem ser seguidas a fim de que o produto final esteja de acordo com as

exigências normativas e avaliativas da academia – pré-requisito para que se obtenha a

aprovação final no curso. Elas, também, configuram relações de poder, pois tanto o

contexto como os sujeitos nele inseridos estabelecem sua comunicação permeada pela

relação de forças e as formações imaginárias. (ORLANDI, 1999)

Para Orlandi (1999, p.39-40),

o lugar a partir do qual fala o sujeito é constitutivo do que ele diz. (...)

Como nossa sociedade é constituída por relações hierarquizadas, são

relações de força, sustentadas no poder desses diferentes lugares,

que fazem valer na ‘comunicação’. A fala do professor vale (significa)

mais do que a do aluno.

Além disso, a autora acrescenta que devemos considerar o tipo de projeção

social atribuído nas relações sócio-discursivas, para compreender melhor o

funcionamento discursivo. Assim endossa:

(...) Não são os sujeitos físicos nem os seus lugares empíricos como

tal, isto é, como estão inscritos na sociedade, e que poderiam ser

sociologicamente descritos, que funcionam no discurso, mas suas

imagens que resultam de projeções. São essas projeções que

permitem passar das situações empíricas – os lugares dos sujeitos –

para as posições dos sujeitos no discurso.

Em toda a língua há regras de projeção que permitem ao sujeito

passar da situação (empírica) para a posição (discursiva). O que

significa no discurso são essas posições. E elas significam em relação

ao contexto sócio-histórico e à memória (o saber discursivo, o já-

dito). (ORLANDI, 1999, p. 40)

São, pois, essas projeções que demarcam o trajeto que a materialidade

discursiva deverá seguir. Portanto, entender como as relações discursivas são

estabelecidas e como o já-dito é retomado, ressignificado, é imprescindível para que a

produção acadêmica realizada pelo sujeito-aluno seja aprovada.

[Digite texto]

Universidade Federal de Campina Grande

Programa de Pós-Graduação em Linguagem e Ensino 11

ANAIS ELETRÔNICOS ISSN 235709765

Machado (2005, p.55) também trata dessa questão, dizendo o seguinte:

Todo texto, acadêmico ou não, é escrito tendo em vista um

leitor/destinatário potencial. Além disso, sempre há um autor que

tem um determinado objetivo a alcançar com a produção do texto

(isto é, ele sempre quer produzir um efeito qualquer sobre seu

destinatário). Esse autor se guia pela imagem que tem de seu

leitor/destinatário privilegiado (persona), pela imagem que quer

passar de si mesmo (persona do autor), o veículo em que circulará e a

situação em que é produzido, etc.

Este leitor/destinatário (sujeito institucional) espera (e porque não dizer –

exige), inclusive, que a persona do autor:

1. Organize e gerencie bem o tempo destinado tanto à pesquisa quanto à escrita do

gênero monográfico;

2. Empregue técnicas de pesquisa e de estudo do texto acadêmico, bem como do

campo empírico, conforme o caso;

3. Faça previamente o levantamento de bibliografias pertinentes ao tema;

4. Delimite a questão-problema norteadora do estudo. Crie hipóteses. Tenha clareza

dos objetivos que precisam ser alcançados, relacionando-os corretamente e em

conformidade com o tema e o objeto de estudo;

5. Relacione os tópicos do sumário com o tema, objeto e objetivos, para que os

capítulos, de fato, possam desenvolver o conteúdo temático coerentemente com a

proposta estabelecida pelo pesquisador;

6. Faça uso de citações coerentes com o tema e a argumentação desenvolvida ao

longo do texto;

7. Utilize corretamente a linguagem padrão;

8. Mantenha uma relação harmoniosa e produtiva com seu(sua) orientador(a).

9. Encaminhe a pesquisa ao Conselho de Ética da instituição.

10. Realize boa apresentação e arguição, assim como a revisão final do texto, após as

sugestões da banca avaliativa.

[Digite texto]

Universidade Federal de Campina Grande

Programa de Pós-Graduação em Linguagem e Ensino 12

ANAIS ELETRÔNICOS ISSN 235709765

Tais ações refletem a autonomia, a técnica, a responsabilidade e o

conhecimento adquiridos no decorrer da vida acadêmica, associadas ao emprego

correto das normas desenvolvidas pela ABNT, mas também reforça um discurso

institucionalizado a respeito da projeção da imagem do “bom pesquisador” e do “bom

estudante universitário” – o que, a meu ver, traduz um discurso contraditório diante

da realidade que se tem vivenciado.

Continuando este raciocínio, refletimos sobre o seguinte: se na relação

estabelecida entre o leitor virtual e o real nem sempre haverá cumplicidade, do

mesmo modo pode-se cogitar sobre o que ocorre no âmbito da escrita: a concepção

de “bom escritor” é associada à imagem do escritor ideal – configurado no e pelo

discurso institucionalizado da academia – o que, em muitos casos, não reflete as

práticas comunicativas do escritor real. Ou seja, o que se espera e se almeja é

diferente do que se tem em termos de produção escrita, pois há grande diferença

entre o escritor virtual e o real.

Isto decorre, por um lado, de o sujeito-aluno não conseguir ler e escrever

conforme as exigências acadêmicas, e não constituir sua autonomia ao estudar – o que

é consequência de sua vida escolar e de sua história de leitura; e por outro, de a

instituição não estruturar o currículo e a dinâmica de trabalho docente de modo que

houvesse uma sistematização de conteúdos e atividades voltadas à escrita de gêneros

acadêmicos, preparando os alunos para exercerem com mais qualidade e maturidade

a escrita acadêmica, o que se refletiria na produção monográfica.

Enquanto essa sistematização e didatização da produção acadêmica não

ocorrem, problemas de diferentes ordens estarão presentes durante todo o processo

que envolve tanto a configuração da escrita quanto as fases de desenvolvimento da

monografia.

O quadro abaixo topicaliza os principais e recorrentes problemas relacionados

ao uso da metodologia científica e da ABNT (normas e orientações técnicas

importantes para a apresentação/formatação do texto e uso da escrita); ao plano de

[Digite texto]

Universidade Federal de Campina Grande

Programa de Pós-Graduação em Linguagem e Ensino 13

ANAIS ELETRÔNICOS ISSN 235709765

leitura (modo de ler, estudar e de registrar as fontes de pesquisa); ao plano de escrita

(modo de escrever e estruturar o gênero acadêmico, conforme suas especificidades) e

ao entendimento do contexto de produção (compreensão do processo de pesquisa,

orientação e avaliação da produção escrita).

As constatações a que chegamos, diante das problemáticas envolvendo o

contexto de produção monográfica, são as seguintes:

Quadro 1 – Indicação das problemáticas envolvendo a produção de monografias

USO DA

METODOLOGIA

CIENTÍFICA E DA

ABNT

• Desconhecimento das normas metodológicas

e da ABNT – não se pesquisa/ não se estuda.

• Falhas na aplicação das normas da ABNT –

não se revisa.

PLANO DE LEITURA

• Dificuldade em traçar o plano de estudo.

• Desmotivação em realizar leituras e

atividades de ordem mais técnica, a respeito

da metodologia científica.

• Pesquisa e leitura predominantemente de

fontes de ordem secundária e basicamente

de internet.

PLANO DE ESCRITA

• Geralmente não se faz os fichamentos,

resumos e comentários.

• Dificuldade em escrever resumos

acadêmicos.

• Muitos fazem a monografia sem projeto de

pesquisa.

• Construção de paráfrases mal feitas.

• Casos de plágio.

• Problemas no processo de referenciação

científica, nas citações diretas e indiretas.

• Dificuldade em relacionar os objetivos da

monografia aos seus respectivos capítulos.

[Digite texto]

Universidade Federal de Campina Grande

Programa de Pós-Graduação em Linguagem e Ensino 14

ANAIS ELETRÔNICOS ISSN 235709765

ENTENDIMENTO

DO CONTEXTO DE

PRODUÇÃO

Normalmente, os sujeitos acadêmicos não

dimencionam a complexidade e a

inter-relação das fases de constituição da

monografia, tampouco as relações de forças

e formações imaginárias presentes neste

contexto.

(Fonte: a autora)

Então, diante dessas considerações, concluímos que é preciso se problematizar

a produção escrita acadêmica, e, em particular, a da monografia, pois não se trata

apenas de se seguir o rigor técnico-científico e de aplicação das normas da ABNT.

Deve-se considerar todo o contexto comunicativo, os sujeitos envolvidos, formas de

estudar e pesquisar, a coerência temática e sua relação com o discurso científico, a

condução ética da pesquisa, as especificidades do gênero, além da normatização

acadêmica.

Sabemos que as habilidades para ler e escrever no contexto acadêmico serão

diferenciadas e diferenciantes, considerando-se as especificidades e singularidades de

cada área de saber, assim como as potencialidades e fragilidades de cada sujeito-

aluno. No entanto, a instituição de ensino superior precisa promover o ensino

sistemático dos gêneros acadêmicos, com material didático apropriado para este fim,

para que torne os sujeitos-alunos aptos a registrarem seus conhecimentos, de modo

condizente à ordem discursiva acadêmica – o que vai sendo melhorado e aprofundado

ao longo da formação inicial desses alunos, culminando na etapa final de conclusão de

curso, além de dar-lhes condições de prosseguir em cursos de pós-graduação, caso

queiram seguir os estudos.

[Digite texto]

Universidade Federal de Campina Grande

Programa de Pós-Graduação em Linguagem e Ensino 15

ANAIS ELETRÔNICOS ISSN 235709765

REFERÊNCIAS

BAKHTIN, Mikhail. Os gêneros do Discurso. In: ____. Estética da criação verbal. Tradução de Paulo Bezerra. 4 ed. São Paulo: Martins Fontes, 2003. FOUCAULT, Michel. A ordem do discurso. Tradução de Laura Fraga de Almeida Sampaio. 5 ed. São Paulo: Loyola, 1999. MACHADO, Anna Raquel (org.). Planejar gêneros acadêmicos. 3 ed. São Paulo, Parábola, 2005. OLIVEIRA, Bernardina Maria J. F. de. Conversa sobre normalização de textos acadêmicos. João Pessoa: Editora Universitária da UFPB, 2007. ORLANDI, Eni P. Análise do discurso: princípios e procedimentos. São Paulo: Pontes, 1999. NORMALIZAÇÃO. Disponível em: <http://www.abnt.org.br/>. Acesso 10 nov 2015.