a construção de cidades saudáveis - uma estratégia viável para a melhoria da qualidade de vida

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ARTIGO ARTICLE 53 A construção de cidades saudáveis: uma estratégia viável para a melhoria da qualidade de vida? Building healthy cities: a strategy to improve the quality of life? 1 Escola de Saúde de Minas Gerais – Fundação Ezequiel Dias (ESMIG/FUNED) Núcleo Cidade Saudável. Av. Augusto de Lima 2061, Barro Preto, 30190-002 Belo Horizonte, MG. [email protected] 2 Universidade Federal de Minas Gerais – Núcleo de Estudos em Saúde Coletiva e Nutrição – UFMG/ NESCON 3 Universidade Federal de Minas Gerais – Núcleo de Investigação Social e Epidemiológica 4 Escola de Saúde de Minas Gerais – Fundação Ezequiel Dias (ESMIG/FUNED). Núcleo Cidade Saudável Jaime Rabelo Adriano 1 Gustavo Azeredo Furquim Werneck 2 Max André dos Santos 3 Rita de Cássia Souza 4 Abstract This paper aims at discussing the im- portance of the Healthy City Movement as a strategy to improve the quality of life of the population. From the movement’s present con- text both in the Brazil and in the world, a pilot experiment carried out in 1996-1998, in the cities of Dionísio and São José do Goiabal, in the Brazilian state of Minas Gerais, is presented and analyzed. Taking interdisciplinarity, inter- sectorality and participation as basic assump- tions, the strategic planning methodology pro- posed by Carlos Matus was used to develop an action plan to face priority problems in the mu- nicipalities. The active participation of commu- nity groups was encouraged so that at the end of the process this methodology could be assimi- lated by and incorporated to the routine of mu- nicipal administrations. This paper shows some preliminary results and discusses the advan- tages and constraints of this process. Key words Healthy Municipality/City; Health Promotion; Quality of Life Resumo Este artigo pretende discutir a impor- tância do Movimento Cidades Saudáveis como uma estratégia para melhoria da qualidade de vida da população. A partir da contextualiza- ção do movimento no mundo e no Brasil, uma experiência-piloto desenvolvida no período de 1996-1998, nos municípios mineiros de Dioní- sio e São José do Goiabal é apresentada e anali- sada. Tomando como pressupostos básicos a in- terdisciplinaridade, intersetorialidade e a par- ticipação, foi utilizada a metodologia de plane- jamento estratégico situacional (PES), proposta por Carlos Matus, para elaborar um plano de ação para o enfrentamento de problemas prio- ritários nos municípios. A participação ativa de grupos da comunidade foi estimulada de modo a permitir que ao final do processo essa meto- dologia pudesse ser assimilada e incorporada ao cotidiano das administrações municipais. O ar- tigo apresenta alguns resultados preliminares e discute os aspectos facilitadores e dificultadores desse processo. Palavras-chave Município/Cidade Saudável; Promoção da Saúde; Qualidade de Vida

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A construção de cidades saudáveis:uma estratégia viável para a melhoria da qualidade de vida?

Building healthy cities: a strategy to improve the quality of life?

1 Escola de Saúde de MinasGerais – Fundação EzequielDias (ESMIG/FUNED)Núcleo Cidade Saudável.Av. Augusto de Lima 2061,Barro Preto, 30190-002 Belo Horizonte, [email protected] Universidade Federal deMinas Gerais – Núcleo deEstudos em Saúde Coletivae Nutrição – UFMG/NESCON3 Universidade Federal de Minas Gerais – Núcleode Investigação Social e Epidemiológica4 Escola de Saúde de MinasGerais – Fundação EzequielDias (ESMIG/FUNED).Núcleo Cidade Saudável

Jaime Rabelo Adriano 1

Gustavo Azeredo Furquim Werneck 2

Max André dos Santos 3

Rita de Cássia Souza 4

Abstract This paper aims at discussing the im-portance of the Healthy City Movement as astrategy to improve the quality of life of thepopulation. From the movement’s present con-text both in the Brazil and in the world, a pilotexperiment carried out in 1996-1998, in thecities of Dionísio and São José do Goiabal, inthe Brazilian state of Minas Gerais, is presentedand analyzed. Taking interdisciplinarity, inter-sectorality and participation as basic assump-tions, the strategic planning methodology pro-posed by Carlos Matus was used to develop anaction plan to face priority problems in the mu-nicipalities. The active participation of commu-nity groups was encouraged so that at the endof the process this methodology could be assimi-lated by and incorporated to the routine of mu-nicipal administrations. This paper shows somepreliminary results and discusses the advan-tages and constraints of this process.Key words Healthy Municipality/City; HealthPromotion; Quality of Life

Resumo Este artigo pretende discutir a impor-tância do Movimento Cidades Saudáveis comouma estratégia para melhoria da qualidade devida da população. A partir da contextualiza-ção do movimento no mundo e no Brasil, umaexperiência-piloto desenvolvida no período de1996-1998, nos municípios mineiros de Dioní-sio e São José do Goiabal é apresentada e anali-sada. Tomando como pressupostos básicos a in-terdisciplinaridade, intersetorialidade e a par-ticipação, foi utilizada a metodologia de plane-jamento estratégico situacional (PES), propostapor Carlos Matus, para elaborar um plano deação para o enfrentamento de problemas prio-ritários nos municípios. A participação ativa degrupos da comunidade foi estimulada de modoa permitir que ao final do processo essa meto-dologia pudesse ser assimilada e incorporada aocotidiano das administrações municipais. O ar-tigo apresenta alguns resultados preliminares ediscute os aspectos facilitadores e dificultadoresdesse processo.Palavras-chave Município/Cidade Saudável;Promoção da Saúde; Qualidade de Vida

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Introdução

A qualidade de vida de uma população depen-de de suas condições de existência, do seu aces-so a certos bens e serviços econômicos e so-ciais: emprego e renda, educação básica, ali-mentação adequada, acesso a bons serviços desaúde, saneamento básico, habitação, trans-porte de boa qualidade etc. É bom lembrar queo conceito de bem-estar, de qualidade de vi-da, varia de sociedade para sociedade, de acor-do com cada cultura

Qualidade de vida e saúde são dois concei-tos muito ligados. Em uma concepção moder-na, saúde é o resultado de um processo de pro-dução social que expressa a qualidade de vidade uma população. A saúde é considerada pro-duto social, isto é, resultado das relações en-tre os processos biológicos, ecológicos, cultu-rais e econômico-sociais que acontecem emdeterminada sociedade e que geram as condi-ções de vida das populações (Mendes, 1996). Aabordagem desse novo conceito de saúde foireforçado pela Carta de Ottawa, elaborada naI Conferência Internacional de Promoção daSaúde realizada no Canadá, em 1986, quandoafirma que as condições e os requisitos para asaúde são a paz, a educação, a moradia, a ali-mentação, a renda, um ecossistema estável, ajustiça social e a eqüidade.

A saúde, nessa concepção mais ampla, maisdo que ausência de doença é um estado adequa-do de bem-estar físico, mental e social que per-mite aos indivíduos identificar e realizar suasaspirações e satisfazer suas necessidades. À idéiade assistência, de cura, é, então, incorporadoo aspecto da promoção da saúde.

A promoção da saúde é um processo, atra-vés do qual a população se capacita e busca osmeios para conseguir controlar os fatores quefavorecem seu bem-estar e o da comunidade ouque a podem estar pondo em risco, tornando-avulnerável ao adoecimento e prejudicando suaqualidade de vida (Ottawa, 1986). Nas açõesde promoção as pessoas são consideradas co-mo sendo sujeitos do processo e potencial-mente capazes de vir a controlar os fatores de-terminantes de sua saúde.

Na Carta de Ottawa são definidas cincoáreas operacionais para implementar a estra-tégia de promoção da saúde:

1) elaboração de políticas públicas saudá-veis;

2) criação de ambientes favoráveis;3) fortalecimento da ação comunitária;

4) desenvolvimento de habilidades pessoaise mudanças nos estilos de vida e

5) reorientação dos serviços de saúde.Para operacionalizar os fundamentos da

promoção da saúde no contexto local, surge oMovimento Cidades Saudáveis.

A estratégia das cidades saudáveis

O Movimento Cidade Saudável, mais que umconceito, é uma estratégia de promoção dasaúde e tem como objetivo maior a melhoriada qualidade de vida da população.

A proposta de construção de cidades sau-dáveis surgiu em Toronto, Canadá, em 1978,quando um comitê de planejamento publicouo informe A saúde pública nos anos 80, ondeforam estabelecidas linhas de ação política, so-cial e de desenvolvimento comunitário no ní-vel local, como resposta aos problemas maisprevalecentes de saúde pública naquele mo-mento. Esses delineamentos tiveram origemno Informe Lalonde (1996), que propunha umnovo enfoque para a saúde pública do Cana-dá. Segundo esta nova concepção, a saúde es-taria constituída por quatro elementos prin-cipais: a biologia humana, o meio ambiente,os hábitos ou estilos de vida e a organizaçãodos serviços de saúde. Sob esta visão, era pos-sível uma análise mais integral da saúde da po-pulação.

A constatação da importância dos deter-minantes mais gerais da saúde serviu de panode fundo para a OMS, o governo canadense ea Associação Canadense de Saúde Pública or-ganizarem, em 1986, a I Conferência Interna-cional pela Promoção da Saúde. Essa confe-rência teve como produto a Carta de Ottawa,que foi subscrita por 38 países.

A promoção da saúde, a partir daí, passoua ser considerada, cada vez mais, nas políticasde saúde de grande número de países, inclu-sive na América Latina, onde foi adotada pe-la Organização Mundial de Saúde/Organiza-ção Pan-Americana de Saúde – OMS/OPAS,como uma das estratégias para orientar os tra-balhos de cooperação técnica na década de1990. O Movimento Cidade Saudável surge pa-ra operacionalizar os fundamentos da promo-ção da saúde no contexto local.

Um município saudável, de acordo com aOPAS, é aquele em que as autoridades políti-cas e civis, as instituições e organizações públi-cas e privadas, os proprietários, empresários,

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trabalhadores e a sociedade dedicam constan-tes esforços para melhorar as condições de vida,trabalho e cultura da população; estabelecemuma relação harmoniosa com o meio ambientefísico e natural e expandem os recursos comu-nitários para melhorar a convivência, desenvol-ver a solidariedade, a co-gestão e a democracia(OPAS, 1996).

Segundo a OMS (1995), para que uma ci-dade se torne saudável ela deve esforçar-se pa-ra proporcionar:

1) um ambiente físico limpo e seguro;2) um ecossistema estável e sustentável;3) alto suporte social, sem exploração;4) alto grau de participação social;5) necessidades básicas satisfeitas;6) acesso a experiências, recursos, conta-

tos, interações e comunicações;7) economia local diversificada e inovativa;8) orgulho e respeito pela herança bioló-

gica e cultural;9) serviços de saúde acessíveis a todos e10) alto nível de saúdeA implantação e implementação de uma

proposta de cidades saudáveis pressupõe umcompromisso das autoridades locais com aqualidade de vida. Sem uma decisão formal deadesão e comprometimento do prefeito, res-ponsável pela condução do processo, não épossível avançar. Além disso, o prefeito é a pes-soa com maior capacidade de conseguir a co-municação e a integração entre os diversos se-tores locais, ponto imprescindível nesse pro-cesso.

O Movimento Cidades Saudáveis deve serum processo permanente, não podendo estarsujeito às mudanças de governo, dependendoda vontade do prefeito de plantão. Para garan-tir a continuidade do movimento é preciso in-vestir em um pressuposto básico: a participa-ção social.

No processo de construção de uma cidadesaudável, a participação significa uma postu-ra ativa de envolvimento e co-responsabilida-de dos diversos saberes, setores técnicos e seg-mentos sociais da população na discussão dosproblemas da cidade e na tomada de decisãosobre as formas de enfrentamento dos mes-mos, construindo, dessa forma, um projetomais ampliado e real para a cidade. Além dis-so, é a participação que dá legitimidade polí-tica e social a esse projeto.

Através da participação, pretende-se au-mentar a consciência das pessoas acerca des-ses problemas, em um contínuo exercício de

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construção de cidadania. Ao se democratizara decisão e a gestão da cidade, está-se constru-indo uma nova forma de governar a cidade.

Para que o Movimento Cidade Saudável setorne efetivo é preciso que todos os setores esegmentos sociais assumam um compromis-so em torno de problemas e soluções, estabe-lecendo-se um pacto ou contrato social emprol da melhoria da qualidade da vida.

A proposta de cidades saudáveis, como di-to anteriormente, é uma estratégia de opera-cionalização da promoção da saúde no nívellocal. O seu objetivo maior é a melhoria daqualidade de vida da população. Assim, a con-quista de uma vida com qualidade não passaapenas pela saúde, mas pela interação das di-versas políticas sociais. Isso só é possível atra-vés da intersetorialidade.

A ação intersetorial no gerenciamento dascidades, busca superar a fragmentação das po-líticas, considerando o cidadão na sua totalida-de. Isso exige um planejamento articulado dasações e serviços. Mas é necessário também umnovo saber e um novo fazer que envolva mu-danças de valores, de cultura, dentro e fora daadministração municipal.

O processo de construção de municípiossaudáveis, segundo a OPAS (1996), dá-se atra-vés das seguintes fases:

1) declaração pública de compromisso dogoverno local por avançar para a meta de serum município saudável;

2) criação e funcionamento de um comitêintersetorial;

3) elaboração de um diagnóstico com aparticipação dos cidadãos e instituições locais;

4) implementação de um plano consensualestabelecendo prioridades e recursos;

5) estabelecimento de um sistema de in-formação para o monitoramento e a avaliaçãono nível local.

A cidade é o local mais apropriado para odesenvolvimento dessa proposta, apresentan-do vários aspectos facilitadores, ao destacar-se como um espaço (a) propício para promo-ver a participação social e a integração dos di-ferentes setores (governamentais e não-gover-namentais); e (b) onde o impacto das açõesgovernamentais sobre as condições de vida émais claramente percebido pela população,propiciando que esta participe do processo detomada de decisões, de um modo mais cons-ciente e direto, colocando-se como sujeito econcretizando avanços no exercício da cida-dania.

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O Movimento Cidades Saudáveis no mundo e no Brasil

O Movimento Cidade Saudável começou noCanadá em 1986 e desde então se difundiu ra-pidamente. Nos Estados Unidos seu desenvol-vimento foi posterior. Em meados de 1990existiam 17 redes nacionais de cidades saudá-veis e uma rede internacional de língua france-sa. Em seis países havia, além disso, redes sub-nacionais: a França tinha 7; a Espanha 2; osEstados Unidos 2, uma na Califórnia e outraem Indiana. No Canadá também existiam re-des sub-nacionais: a rede de Quebec, no finalde 1991, compreendia 70 municípios, deno-minados Villes et villages en santé, que abarca-ram 40% da população total dessa província(Sotelo e Rocabalo, 1994).

No princípio dos anos 90, a OMS/OPAS to-mou para si a tarefa de impulsionar o movi-mento na América Latina, que hoje acumulauma rica experiência. No México, em novem-bro de 1993, se constituiu a primeira Rede Na-cional de Municípios pela Saúde, que conse-guiu estender a idéia a 11 municípios em 1993,e a uns 150 municípios no final de 1994. Cubainiciou com a experiência de Cienfuegos e seestendeu a outros 11 municípios, constituindouma rede nacional de municípios saudáveis.Ainda podemos citar: Colômbia (Manizales,Cali e Versalles); Venezuela (Zamora); Chile(Valdivia); Costa Rica (Cantón de San Carlos);Panamá (San Miguelito); Guatemala (Cuilco);El Salvador (Santa Ana, Metapán e Ciudad Bar-rios); Honduras (Comayagua e Choluteca) eNicarágua (León e Nandaime) – (OPAS, 1996).

A disseminação da estratégia de cidadessaudáveis foi acelerada pela criação de redes,que hoje já estão estabelecidas em diversos paí-ses. Estas redes têm quatro funções básicas(Sotelo e Rocabalo, 1994):

1) difundir os conteúdos do projeto entreas autoridades municipais, os promotores po-tenciais e a própria comunidade, estimulandodesta maneira a criação e a ampliação do mo-vimento;

2) ser uma instância de credenciamento ede incorporação dos municípios à rede;

3) acumular e trocar experiências e infor-mações mediante reuniões periódicas e atra-vés da utilização de diferentes meios de comu-nicação;

4) reconhecer e estimular aos municípiosque executem seus projetos com eficiência eeficácia.

As diferentes propostas de construção decidades saudáveis têm como características co-muns o compromisso com a saúde, a tomadade decisões políticas em prol da saúde, a açãointersetorial, a participação comunitária e abusca de inovação das políticas públicas. Ape-sar dessas semelhanças, existem diferenças sig-nificativas entre os projetos desenvolvidos nospaíses de primeiro e terceiro mundo. Eles dife-rem-se basicamente pelo seu conteúdo pro-gramático e objetivos imediatos. Nos paísesdesenvolvidos, a preocupação com a melho-ria da qualidade de vida concentra-se em in-tervenções que buscam mudanças do estilo devida, traduzidas em hábitos mais saudáveis.Enquanto que nos outros países, têm sidopriorizados aspectos quantitativos de melho-ria dos níveis de saúde e dos serviços, do aces-so ao saneamento básico, moradia etc., aindaque sem perder de vista outras variáveis cor-relacionadas à qualidade de vida e à preserva-ção do meio ambiente.

No Brasil, ainda são poucos os projetos emdesenvolvimento. Motta (1998) considera aexistência de 19 experiências, entretanto, setetiveram seus processos interrompidos devidoa mudança no governo municipal. São elas:São Paulo, Santos, Campinas e Diadema (SP),Céu Azul e Palmeiras (PR) e Itaguara (BA).

Outros municípios foram citados por te-rem participado do I Fórum Brasileiro de Mu-nicípios Saudáveis (Sobral/CE, agosto de 1998),onde foram apresentadas algumas ações queincluem orçamento participativo, ações inte-gradas de governo, programas de saúde da fa-mília, programas de geração de emprego e ren-da, planos de desenvolvimento sustentável, en-tre outros. São eles: Belém do Pará; Niterói eVolta Redonda no Rio de Janeiro; Porto Alegreno Rio Grande do Sul; Palmas no Tocantins;Aracaju no Sergipe; Porto Seguro na Bahia eFortaleza no Ceará. Esses municípios não de-senvolvem ações direcionadas para a constru-ção de municípios saudáveis, no entanto, es-sas iniciativas podem ser consideradas comoprefiguradoras do Movimento.

Segundo Motta, os municípios que reali-zam ações direcionadas para município sau-dável são Crateús no Ceará e Arapiraca, Ma-ceió e Flexeiras nas Alagoas. Podemos citarainda Sobral e Maracanaú, no Ceará; Iraqua-ra, na Bahia; Anadia nas Alagoas; São Paulo eJundiaí que participaram de encontros como oV Congresso Brasileiro de Saúde Coletiva rea-lizado em agosto de 1997 e o I Fórum Brasi-

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leiro de Municípios Saudáveis realizado emagosto de 1998.

No Estado de São Paulo, mais 23 municí-pios são apontados por Motta (1998) comotendo potencial para integrarem o Movimen-to Municípios Saudáveis, por estarem desen-volvendo trabalhos integrados, ou em rede.Essa rede de parcerias das administrações mu-nicipais entre si e com a sociedade civil come-çou a se estruturar, em 1997, a partir de umaproposta de Planejamento Intersetorial de Po-líticas Sociais feita pela Direção Regional deSaúde XX de São João da Boa Vista.

A maior dificuldade encontrada no enqua-dramento de municípios em uma experiênciade Municípios/Cidades Saudáveis, no Brasil,é a falta de critérios ou parâmetros para a apli-cabilidade do termo. Sendo assim, como apon-ta Motta, cada cidade tem se declarado per-tencente ao movimento na medida que desen-volvem iniciativas de implementação de polí-ticas públicas que incorporam alguns dos pres-supostos delineados pelo movimento, tais co-mo participação popular e intersetorialidade.

As poucas experiências identificadas sãoainda incipientes e podem desaparecer em fun-ção da descontinuidade administrativa e dafrágil participação da sociedade civil.

Essas iniciativas carecem de suporte políti-co para se perpetuarem ao longo do tempo jáque o movimento se propõe permanente. Pa-ra tal, o I Fórum Brasileiro de Municípios Sau-dáveis propôs a criação de uma Rede Nacio-nal de Municípios Saudáveis como uma estra-tégia que possibilite apoio e troca de experiên-cias, dando suporte aos municípios para a con-solidação do movimento.

Como forma de discutir a operacionaliza-ção e a viabilidade da proposta, é apresentadaa seguir uma síntese da experiência conduzidapelo grupo da Escola de Saúde de Minas Ge-rais – ESMIG em duas cidades de pequeno por-te no período 1996-1998.

Cidades saudáveis:a experiência da ESMIG

A Escola de Saúde de Minas Gerais criou háquase três anos um núcleo técnico que se pro-pôs a estudar e implementar projetos ou ini-ciativas de cidades saudáveis em Minas Gerais.A fonte de inspiração para implantação dessaproposta foi a experiência vivida por algunstécnicos na implementação deste tipo de pro-

jeto em Campinas, ainda na primeira metadeda década de 1990.

Em 1994, a prefeitura de Campinas fez umconvênio com a OPAS para implantar nestemunicípio o Programa da Cidade Saudável.Como parte do programa, havia um projetoespecífico para uma favela conhecida comoComplexo São Marcos, onde seria elaborado,da forma mais participativa possível, um pla-no de ação intersetorial, envolvendo os dife-rentes setores da Secretaria Regional Norte(Educação, Saúde, Urbanismo, Ação Social,Cultura, Esporte, Lazer etc.)

Foi elaborado um plano de ação para oComplexo São Marcos, visando enfrentar doisgrandes problemas apontados como prioritá-rios pela população: a deficiência de infra-es-trutura e saneamento e a questão das criançase adolescentes em situação de rua. De acordocom o plano, a completa reurbanização doComplexo São Marcos seria possível a partirda remoção de cerca de dois terços das 1.500famílias ali residentes e sua realocação em umnovo loteamento a ser implantado em área vi-zinha. Para o problema das crianças e adoles-centes foi planejado e executado um progra-ma envolvendo atividades nas áreas de lazer,cultura, educação, geração de renda, trabalhocom a família, recuperação de dependentes dedrogas, entre outros.

O processo vivido no período de 1994 a1996 foi bastante rico, na medida que possi-bilitou o desenvolvimento de um projeto real-mente integrado, com ampla participação dapopulação e dos organismos de governo e não-governamentais, impactando de forma posi-tiva a qualidade de vida nessa região de Cam-pinas. Infelizmente a implementação desseprojeto foi alterada de maneira fundamentalapós a mudança na administração municipal.

Referencial metodológico

Para o desenvolvimento desse trabalho, to-mou-se como referência o Planejamento Es-tratégico Situacional – PES desenvolvido pe-lo economista Carlos Matus. Essa metodolo-gia de planejamento foi considerada o instru-mento mais adequado para a construção deum processo de gestão democrática e partici-pativa, pois enfatiza a complexidade da reali-dade abordando, além da dimensão econômi-ca, outras dimensões como poder, organiza-ção e conhecimento.

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O conceito de situação introduzido porMatus abre o processo de planejamento a par-tir de novas possibilidades de compreensão darealidade, pois nos atenta para a diversidadede visões sobre os problemas e suas formas desolução, além dos conflitos que poderão exis-tir no enfrentamento destes.

A partir da compreensão que o autor temsobre a realidade, ele propõe o método PEScomo um instrumento para indivíduos ou gru-pos conduzirem suas ações, buscando alcan-çar seus objetivos. Nesse processo é fundamen-tal analisar e construir viabilidade para as pro-postas de ação, considerando-se os atores en-volvidos no problema, os recursos que con-trolam e sua motivação com relação às solu-ções apontadas. O PES parte do pressupostode que um dos desafios do planejamento éconstruir governabilidade para viabilizar pro-jetos. As situações de baixa governabilidadenão devem constituir obstáculos para o atorque planeja, pelo contrário, devem servir comodesafio a ser enfrentado.

Considera-se ainda que um outro eixo me-todológico importante é o enfoque educacio-nal que permeia todo o processo de constru-ção da cidade saudável. Desde o início houve apreocupação de que todo o trabalho desenvol-vido junto aos diferentes atores pudesse levarao aprendizado e apropriação das tecnologiasde planejamento e gestão das políticas públi-cas, de modo a torná-los autônomos.

Tomou-se como referência a MetodologiaProblematizadora do Ensino que, mesmo nãosendo dominada em profundidade, teve mui-tos de seus pressupostos utilizados pela equi-pe. Nesse método, os técnicos locais e a popu-lação são colocados como protagonistas doprocesso, devendo assim, ser estimulados, atodo momento, a problematizar sua realidadee instigados a buscar os conhecimentos e ins-trumentos necessários para intervir nos pro-blemas levantados. Cada oficina de trabalho,cada encontro ou reunião foi cuidadosamen-te preparada, no sentido de propiciar ummaior aprendizado e crescimento do grupo,considerando sempre, pelo menos, três aspec-tos básicos: o motivacional, a sua estruturacognitiva e os seus valores.

A experiência em Dionísio e São José do Goiabal

Como mencionado anteriormente, a experiên-cia vivida no Complexo São Marcos, em Cam-pinas, foi a motivação para o desenvolvimen-to de um projeto piloto de construção de ci-dades saudáveis, implementada pela Escola deSaúde de Minas Gerais, em dois pequenos mu-nicípios mineiros no período de 1996 a 1998.

Para operacionalizar essa iniciativa, tomou-se como pressuposto básico a idéia de que asintervenções sobre os problemas da cidade de-vem ser formuladas a partir de uma aborda-gem interdisciplinar e intersetorial, com efeti-va participação da população. Além de gerarcomo produto um plano de ação para o enfren-tamento dos problemas prioritários, a meto-dologia proposta seria a mais adequada, parafacilitar a sua assimilação e incorporação ao co-tidiano das administrações destes municípios.

A escolha dos municípios fez-se com baseem critérios políticos definidos pela direçãoda FUNED; fato que, como veremos maisadiante, acabou trazendo dificuldades para aequipe no transcurso do projeto. Foram con-vidados a participar os municípios de Dioní-sio (9.800 habitantes) e São José do Goiabal(7.200 habitantes), situados na área de entor-no do Parque Florestal do Rio Doce, na regiãodo Vale do Aço. Nas duas cidades, vem sendoobservado um decréscimo progressivo da po-pulação nas últimas três décadas, motivadosobretudo, pela falta de perspectivas de desen-volvimento econômico e social. A atividadeagropecuária, vocação tradicional da região,foi perdendo espaço na medida que as terrasmais férteis foram sendo adquiridas pela Com-panhia Belgo Mineira e ocupadas por flores-tas de eucaliptos. A mão-de-obra foi sendoprogressivamente absorvida pela companhia,atraída pela garantia de salários regulares eoutras vantagens empregatícias. Com o declí-nio do uso do carvão vegetal na indústria si-derúrgica verificado nos últimos anos, o nívelde desemprego foi crescendo e atingiu níveisalarmantes em toda a região. Atualmente, asáreas de reflorestamento ocupam quase doisterços do território desses dois municípios,deixando improdutivas as áreas férteis de bai-xada. Além do desemprego, persistem aindaproblemas estruturais básicos, como a falta desaneamento no meio urbano e rural e as pre-cárias condições das vias de acesso na regiãocomo um todo.

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O contato inicial para sensibilização deprefeitos, vereadores e representantes dos di-versos setores municipais para a proposta decidades saudáveis foi feito pelos escalões dire-tivos da ESMIG/FUNED, através da realizaçãode grande reunião nos municípios, sem a par-ticipação da equipe técnica do projeto. O malplanejamento dessa atividade e o pouco en-tendimento da proposta por parte da direçãoda FUNED acabaram gerando nos participan-tes a falsa expectativa de que, ao projeto, esta-ria agregada uma grande quantidade de recur-sos financeiros, fato que influiu negativamen-te no seu desenvolvimento.

Algumas semanas após esse primeiro en-contro, uma oficina de sensibilização foi en-tão programada e realizada pela equipe técni-ca, com o intuito de discutir as possibilidadesde melhoria das condições de vida na regiãocom a implantação do projeto e os conceitosnucleadores do Movimento Cidades Saudá-veis, quais sejam, qualidade de vida, interdis-ciplinaridade, intersetorialidade, participaçãoe contrato social.

Para favorecer a ação interdisciplinar e in-tersetorial, o processo de participação e oscompromissos políticos para sustentação doprojeto, foram constituídos dois grupos co-munitários em cada uma das cidades. O pri-meiro deles, denominado Grupo Decisório In-tersetorial (GDI), tinha composição ampla erepresentativa dos diferentes segmentos da so-ciedade, podendo ser considerado a instânciamáxima de tomada de decisões relativas ao pro-jeto. Já o Grupo Técnico Intersetorial (GTI),de caráter mais executivo, foi formado comosubgrupo do GDI, com a responsabilidade derealizar diversas tarefas exigidas no processo,ou seja, participar das oficinas de trabalho, or-ganizar e conduzir reuniões, coletar e analisardados, elaborar relatórios etc. A condução doprocesso foi feita pelo chamado Grupo Asses-sor (GA), formado pelos técnicos da ESMIG,que foram os responsáveis pela sustentaçãoteórico-metodológica.

A dinâmica dos trabalhos foi desenvolvi-da em um processo, onde se alternavam perío-dos de concentração e de dispersão. Os perío-dos de concentração, geralmente dois dias pormês, eram destinados à realização de encon-tros, seminários, oficinas e reuniões de traba-lho dos grupos locais, com a presença do GA.Nesses períodos eram definidas as tarefas a se-rem realizadas nos períodos de dispersão, taiscomo trabalhos de campo, elaboração de re-

latórios, preparação de seminários e desenhode projetos.

A primeira tarefa do grupo seria fazer umdiagnóstico da situação dos municípios paraidentificação dos problemas existentes. Paraesta etapa, foi utilizada a técnica da Estimati-va Rápida, desenvolvida pela OrganizaçãoMundial de Saúde, que consiste em um levan-tamento rápido de informação, através de do-cumentos e dados já existentes, observação ati-va e entrevista com pessoas estratégicas resi-dentes na área estudada. Essa técnica permitechegar a um diagnóstico inicial, ainda queaproximado, tendo como principais vantagenso fato de ser rápido, de baixo custo e de pro-mover o envolvimento da população e de ou-tros setores da região.

Em Dionísio e São José do Goiabal, os mem-bros dos grupos locais se sentiram extrema-mente motivados a participar dessa etapa e,assim, elaboraram os roteiros de entrevista eobservação, percorreram toda a área dos mu-nicípios, identificando e entrevistando os in-formantes-chave e levantaram as informaçõesnecessárias junto aos diversos órgãos em cadacidade. Em ambas, o produto foi um diagnós-tico de boa qualidade, feito de forma partici-pativa, onde foram apontados os principaisproblemas vividos pela população.

Diante da quantidade e diversidade de pro-blemas levantados e da falta de recursos para oenfrentamento de todos eles, o passo seguinte

foi realizar um processo de discussão e priori-zação desses problemas juntamente com o GDI.A falta de saneamento básico foi apontada co-mo problema prioritário nos dois municípios,especialmente a coleta e destinação inadequa-da do lixo e esgoto. A má qualidade da águapara consumo humano, tanto no meio urbanoquanto rural, também apareceu como um gran-de problema para a população. No municípiode Dionísio foram priorizados ainda: o desem-prego, a insuficiência e desorganização dos ser-viços de saúde e as precárias condições das viasde acesso, tanto internas como externas.

Na etapa seguinte, cada problema foi estu-dado com mais profundidade, buscando en-tender melhor as suas causas e conseqüências.Assim, foram organizados seminários sobre á-gua, lixo e esgoto, contando com ampla par-ticipação da população, e com a presença deespecialistas que trouxeram sua experiência,ajudando na discussão dos problemas e nabusca das soluções mais adequadas de acordocom a realidade de cada cidade.

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A construção de estações simplificadas pa-ra tratamento de água, central de tratamentoe compostagem de lixo, banheiros e fossas sép-ticas nas residências da zona rural, proteçãode cisternas, preservação de mananciais deágua, desenvolvimento de atividades de edu-cação sanitária e ambiental junto à populaçãoforam algumas das soluções apontadas nos se-minários. A partir daí, foram elaborados osprojetos, que exigiram sempre a participaçãode profissional especializado para fazer o de-talhamento técnico da proposta.

Seguindo a metodologia proposta no PES,o próximo passo consistiu em analisar a via-bilidade dos projetos elaborados do ponto devista dos recursos necessários para a sua imple-mentação e da motivação dos atores que con-trolavam cada um desses recursos. Ao se fazeressa análise, percebeu-se que o recurso finan-ceiro era um dos mais críticos, já que os muni-cípios não dispunham do montante necessáriopara a implementação dos projetos. Além des-se, também a capacidade gerencial dos muni-cípios foi identificada como um recurso críticofundamental para o andamento dos projetos.

Para viabilizar os recursos financeiros ne-cessários para a implementação do plano, osprojetos elaborados foram enviados ao Minis-tério do Planejamento/Secretaria de PolíticasUrbanas, sendo aprovados e financiados comrecursos do Programa de Ação Social em Sa-neamento – PASS. O órgão financiador esti-pulou uma contrapartida da ordem de 40%,considerada alta para os municípios.

Como forma de compatibilizar os proje-tos do Movimento Cidade Saudável com as ati-vidades desenvolvidas pelas prefeituras e me-lhorar a capacidade gerencial e financeira dasadministrações municipais, foi demandada as-sessoria de técnicos da Fundação João Pinhei-ro, órgão ligado à Secretaria Estadual de Plane-jamento, para avaliar aspectos relativos à or-ganização da administração municipal.

A partir de um diagnóstico realizado pe-los técnicos, chegou-se à conclusão de que, demodo geral, as prefeituras dispunham de or-ganização formal e de perfil do quadro de re-cursos humanos adequados ao porte dos mu-nicípios. Seria necessário apenas trabalhar nosentido de mudar o funcionamento, o proces-so de trabalho dentro das prefeituras, intro-duzindo uma prática de descentralização e deintegração intersetorial, compatibilizando omodelo de gestão municipal aos pressupostosdo Projeto Cidade Saudável.

Para tanto, foi proposta a elaboração doorçamento municipal para 1999, realizado deforma intersetorial e participativa, de modo atornar esse instrumento não uma peça de fic-ção e sim, um instrumento para viabilizaçãode projetos apontados como prioritários paramelhoria da qualidade da vida nessas cidades.

Foram realizados seminários setoriais coma participação do quadro de servidores muni-cipais e do GDI, discutindo os seguintes te-mas: Desenvolvimento Econômico e Meio Am-biente; Educação e Cultura; Saúde e Assistên-cia Social; Obras e Serviços Urbanos; Admi-nistração e Fazenda. Nesses seminários foramapresentadas as diretrizes de ação de governoe discutidas as alternativas de planos, proje-tos e atividades para cada uma dessas áreas.Em um seminário final de compatibilização,algumas dessas alternativas foram priorizadas,através de votação, conforme disponibilidadedos recursos, para estarem contempladas noorçamento municipal de 1999.

Os seminários foram momentos muito ri-cos pois, além de poder conhecer as propos-tas da prefeitura e dar sugestões para cada umadessas áreas, os participantes puderam enten-der um pouco mais sobre o processo de ela-boração orçamentária, receitas e despesas, le-gislação tributária, enfim, puderam abrir e co-nhecer a caixa preta da prefeitura.

Ponto fundamental no processo, foi a dis-cussão e definição de um sistema de gerencia-mento do plano. Neste caso, optou-se por ummodelo coerente com a concepção de plane-jamento adotada, ou seja, um modelo de ges-tão estratégico, participativo e intersetorial.Isto significa que o gerenciamento seria feitode forma coletiva e democrática, através de co-legiados.

No modelo de gestão inicialmente propos-to, para cada operação seria definida umaequipe responsável e um coordenador que res-pondesse pela equipe. Sendo cada projeto umconjunto de operações, seria formado um co-legiado composto pelos coordenadores de ope-ração. E, por fim, o gerenciamento do plano –entendido como um conjunto de projetos –seria feito por um colegiado constituído pe-los coordenadores de projeto. Nesse sistema,os seguintes aspectos seriam de fundamentalimportância: a responsabilidade, a disponibi-lidade de tempo e os sistemas de acompanha-mento, de avaliação e de comunicação.

Essa nova forma de governar se fundamen-ta na efetiva delegação de poder aos coorde-

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nadores por parte dos prefeitos e na totaltransparência na gestão dos recursos relativosaos projetos, sem o que, esse processo pode-ria ser inviabilizado. A proposta busca rom-per com uma cultura política centralizadorae clientelista, que impera há séculos nessa re-gião e no país de forma geral, sendo, por issomesmo, alvo de grandes resistências por partedas elites locais.

A montagem dessa estrutura gerencial en-controu alguns entraves importantes, como afalta de recursos humanos capacitados, o tra-balho voluntário da maior parte dos membrosdas equipes locais e o distanciamento da má-quina administrativa das prefeituras em rela-ção aos projetos elaborados.

A postura dos prefeitos em relação ao pro-jeto como um todo apresentou grandes varia-ções no decorrer do processo. A expectativainicial era de que pudesse trazer uma grandequantidade de recursos financeiros e outrosbenefícios aos municípios. Com o passar dotempo foi ficando mais claro que o projeto nãoprevia a transferência desse tipo de recursos,mas sim de uma cooperação técnica paratransferência de metodologia de planejamen-to intersetorial e participativo, que permitiriaelaborar projetos e captar recursos junto a ou-tros órgãos de financiamento.

A partir da liberação dos recursos por par-te da Caixa Econômica Federal, a postura trans-parente e descentralizada dos prefeitos voltouà sua tradicional opacidade e centralização.

O acompanhamento sistemático das ativi-dades nos municípios foi finalizado em de-zembro de 1998. Pretende-se realizar, aindano primeiro semestre de 1999, uma avaliaçãosobre o projeto, abordando aspectos como es-trutura, processo, resultados e satisfação dapopulação. Sabe-se que é prematuro avaliar oimpacto dos projetos neste momento, sendoassim, esse aspecto deverá ser analisado no fi-nal de 1999.

Conclusão

Embora os projetos tenham alcançado algunsresultados objetivos como a usina de recicla-gem de lixo, estação de tratamento de águaetc., com relação à mobilização social e ao mo-do de gestão da cidade os resultados não fo-ram satisfatórios. Estes são os dois aspectosmais importantes a serem aprimorados doponto de vista metodológico.

Quanto à mobilização social, o objetivo foidesencadear nos municípios um amplo movi-mento que se traduziria em um pacto de todaa sociedade e administração pública pela me-lhoria da qualidade de vida. Entretanto, o en-volvimento da comunidade não se deu de for-ma engajada, massiva e atuante como espera-do. A explicação para isso talvez esteja na insu-ficiência das estratégias adotadas e na formaem que historicamente se dão as relações entreestado e sociedade.

Do ponto de vista das estratégias adotadasno desenvolvimento do projeto, acreditava-seque um processo de planejamento estratégicodesencadeado de forma participativa, envol-vendo o maior número possível de pessoas dacomunidade nos diversos momentos do pro-cesso, por si só, fosse capaz de produzir mo-bilização social. A prática mostrou que não.Pelo contrário, o excesso de formalismo na ela-boração do plano de ação, pode levar a umadesmobilização em torno do projeto. É preci-so pensar continuamente estratégias de comu-nicação que levem à mobilização.

Por outro lado, a relação entre o poder pú-blico e sociedade, nos dois municípios, é ca-racterizada fortemente pelo clientelismo po-lítico, levando a população a uma postura pas-siva e desconfiada. Ela não se considera capazde provocar e construir mudanças, não acre-dita na efetividade de sua participação.

Do ponto de vista da transformação domodo de gestão da cidade, os resultados fo-ram bastante insatisfatórios. A possibilidadede implementar com sucesso a estratégia decidade saudável pressupõe, fundamentalmen-te, uma mudança no modo de governar a ci-dade, ou seja, uma gestão democrática, trans-parente, integradora e que busque, junto coma população, definir e implementar políticase atitudes saudáveis.

Os municípios de Dionísio e São José doGoiabal não fogem à tradição política brasi-leira, que se funda no clientelismo político, nacentralização e opacidade administrativa, nafragmentação das ações e na inexistência detradição em planejamento integrado e parti-cipativo, fatores que dificultam a implemen-tação desse tipo de iniciativa.

Em São José do Goiabal, a administraçãopública, representada pelo prefeito e funcio-nários, esteve durante a maior parte do pro-cesso pouco integrada ao movimento, dificul-tando assim a incorporação dos valores fun-damentais do movimento.

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Também em Dionísio, apesar da presençaconstante do prefeito durante todo o processo,os ideais do movimento também não conta-giaram a administração a ponto de transfor-mar a gestão municipal. Os técnicos da pre-feitura somente se integraram ao projeto apósa elaboração do orçamento de 1999. Com a li-beração de recursos para as obras priorizadas,aumentou ainda mais a distância entre o mo-vimento e a administração municipal, o queacabou levando ao rompimento da coordena-ção do GTI com o prefeito.

O fato da iniciativa do projeto ter sido daFundação Ezequiel Dias, sem nenhuma de-manda nas cidades que apontasse no sentidoda proposta de cidade saudável, favoreceu odescompromisso das prefeituras com essa no-va proposta de governo. Os prefeitos aceita-ram prontamente o projeto visando apenas osrecursos financeiros que o projeto poderia tra-zer e, obviamente, os votos que poderiam ca-pitalizar com as obras que seriam feitas. O re-sultado foi um total descompasso entre a ad-ministração e a coordenação do GTI, gerandograndes conflitos de interesses.

Mas, certamente, essa iniciativa produziualguns bons frutos. A mobilização das pessoasno sentido de identificar e buscar soluções pa-ra os seus problemas prioritários, como nodiagnóstico (Estimativa Rápida), nos seminá-rios para discussão dos problemas e nos semi-nários do orçamento participativo, foi um mo-mento muito fecundo para resgatar a cidada-nia e possibilitar a reflexão sobre a qualidadeda vida nessas cidades.

A experiência na elaboração de projetos emobilização de recursos financeiros, políticos,cognitivos e organizativos para construir viabi-lidade, vivenciada por alguns técnicos e lide-ranças locais, certamente são habilidades que,uma vez adquiridas, poderão ser úteis na ela-boração de futuros projetos da comunidade.

Da mesma forma, a abertura da caixa pre-ta da prefeitura municipal durante o proces-so de discussão do orçamento foi um momen-to ímpar para que as lideranças comunitáriase a população em geral pudessem entender ofuncionamento da máquina administrativa,decifrar o significado do orçamento, conhe-cer as fontes de recursos disponíveis e a natu-reza das despesas da prefeitura.

Embora o projeto não tenha alcançado osresultados desejados, acredita-se que com asuperação dos problemas metodológicos apon-tados, a proposta Cidade Saudável tenha seconfigurado numa estratégia capaz de opera-cionalizar a promoção da saúde, tirando-a donível apenas do discurso e das intenções.

Acima das questões metodológicas coloca-das, o ponto fundamental para o êxito destaproposição é a existência de uma efetiva co-munhão de valores entre a administração mu-nicipal e a sociedade, uma disposição e umavontade política para superar os problemas emelhorar a qualidade de vida nas cidades. Semisso, provavelmente, esta estratégia fracassará.

A realização de uma avaliação sistematiza-da da experiência permitirá uma análise maisprofunda dos aspectos metodológicos e con-junturais que permearam o desenvolvimentodestas experiências.

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