A construção do discurso na aula - zeadistancia.webnode.com · em sala de aula é um processo...

46
A construção do discurso na aula José Artur B. Fernandes Junho de 2016

Transcript of A construção do discurso na aula - zeadistancia.webnode.com · em sala de aula é um processo...

A construção do discurso na aula

José Artur B. Fernandes

Junho de 2016

Vygotsky e a Perspectiva Sócio-cultural

• Aprender é um fenômeno social.

• A origem social dos signos usados na

. comunicação.

• Internalização

• Referencialidade

• A construção das narrativas

• O controle do discurso

• Multimodalidade

A construção do discurso

“O conhecimento e a comunicação são dois

processos inseparáveis com um

funcionamento interdependente e, portanto,

conhecer é construir significados

compartilhados”

Ignasi Vila

Aprender é um fenômeno social

"As crianças não escolhem o

significado de uma palavra, já lhes vem

dado no processo de interação verbal

com os adultos. As crianças não

constroem seus próprios complexos

livremente.“

(VYGOTSKY, 1934: 133 apud WERTSCH, 1988)

Aprender é um fenômeno social.

“Os significados são construídos. É um

engano dizer, como as pessoas

freqüentemente dizem, que alguma coisa

tem significado, como se significado fosse

uma coisa inerente. Uma palavra, um

diagrama, um gesto, não têm significado.

Um significado tem que ser construído

para isso, por alguém, de acordo com um

conjunto de convenções para dar sentido a

palavras, diagramas ou gestos"

(LEMKE, 1990: 186)

Aprender é um fenômeno social.

E o que isso tem a ver com educação?

"Na perspectiva sócio-cultural, a educação

em sala de aula é um processo discursivo

sócio-histórico no qual os resultados, do

ponto de vista da aprendizagem, são

determinados conjuntamente pelos esforços

de professores e alunos.

A contextualização contínua e cumulativa

de eventos e a criação de um conhecimento

comum através do discurso são, portanto, a

própria essência da educação como

processo psicológico e cultural.”Mercer, 1998:14

Aprender é um fenômeno social.

“A aprendizagem escolar pode ser

interpretada como um processo de

construção progressiva de sistemas

de significados compartilhados em

relação a tarefas, situações ou

conteúdos em torno dos quais se

organiza a atividade conjunta dos

participantes”

Coll et al.(1992: 196)

Aprender é um fenômeno social.

Vygotsky usa um exemplo para a origem

dos gestos:

Uma criança pequena vê um copo de água ao

lado do berço e estende a mão para tentar

alcançá-lo.

Um adulto, ao seu lado, pega a água para a

criança, ao perceber o gesto.

A reação do adulto transforma a tentativa de

alcançar a água, feita pela criança, em um

gesto que será utilizado nas próximas

ocasiões.

A origem social dos signos usados na comunicação.

LEI GENÉTICA GERAL DE

DESENVOLVIMENTO CULTURAL

"Qualquer função no desenvolvimento cultural

da criança aparece duas vezes, ou em dois

planos.

Primeiro ela aparece no plano social, e depois

no plano psicológico. Primeiro ela aparece entre

pessoas como uma categoria interpsicológica, e

depois dentro da criança como uma categoria

intrapsicológica.

Isto é igualmente verdadeiro para a atenção

voluntária, memória lógica, a formação de

conceitos e o desenvolvimento da vontade"

A origem social dos signos usados na comunicação.

interpsicológico = social

A origem social dos signos usados na comunicação.

intrapsicológico = mental

No exemplo, o significado comunicativo do

comportamento não existe até que seja criado

na interação adulto-criança.

A combinação do comportamento da criança

com a resposta do adulto transforma um

comportamento não comunicativo em um

signo do plano interpsicológico.

A forma do signo se transforma de um

movimento que consistia em uma tentativa de

alcançar um objeto em um gesto de

indicação.

A origem social dos signos usados na comunicação.

Mais adiante, a criança irá adquirir controle

voluntário no plano intrapsicológico sobre o

que anteriormente só havia existido na

interação social.

Vygotsky

A origem social dos signos usados na comunicação.

Internalização:

Como ocorre a passagem das funções

psicológicas desde o plano da interação social

(interpsicológico) para o plano individual,

interno da criança (intrapsicológico)?

Internalização:

Processo em que certos aspectos da

estrutura da atividade que se realiza no

plano externo passam a ser executados

em um plano interno

Vygotsky afirmava que as estruturas da

atividade interna não seriam simples

cópias da atividade externa, mas

defendia

"uma relação inerente entre a atividade

externa e interna,

em forma de uma relação genética na qual

o ponto principal seria como são criados

os processos psicológicos internos

como resultado da exposição da criança

ao que ele chamava 'formas culturais

maduras de comportamento„”

Internalização:

Internalização é um processo implicado na

transformação dos fenômenos sociais em

fenômenos psicológicos.

Portanto, Vygotsky concebia a realidade

social como determinante fundamental da

natureza do funcionamento

intrapsicológico"

(WERTSCH, 1998: 80)

Internalização:

(1) as funções psicológicas externas

não são simplesmente copiadas

transformando-se em processos

internos, mas re-trabalhadas pela

criança que irá adquirir controle

sobre estes;

(2) tal controle depende da capacidade

da criança de manejar as formas de

comunicação que estão envolvidas

na interação social.

Internalização:

A Construção do

Discurso

• Referencialidade

• Explicação: A narrativa científica

• O controle do discurso

Referencialidade:

"Educação é melhor entendida como um

processo comunicativo que consiste

largamente no desenvolvimento de

contextos mentais e termos de referência

compartilhados, por meio dos quais os

vários discursos da educação (os vários

'conteúdos' e suas habilidades acadêmicas

associadas) se tornam inteligíveis para

aqueles que deles se utilizam"

(EDWARDS; MERCER, 1993: 63).

A construção social do conhecimento

Como criamos esses contextos

referenciais?

Na sala de aula, o professor terá que criar

uma contextualização entre signos que só

existem no plano abstrato, conectando os

sentidos que ele atribui a uma palavra,

por exemplo, aos sentidos que sua

audiência poderá atribuir-lhe.

Para criar essa intersubjetividade, poderá

utilizar diferentes formas de

referencialidade:

A construção social do conhecimento

Para criar tais contextos, precisamos

criar relações entre os signos que

utilizamos e outros signos cujo

significado seja compartilhado com as

pessoas com quem dialogamos.

Podemos, também, criar relações entre

um signo novo que lançamos no diálogo

e outros signos que já foram utilizados

anteriormente.

A construção social do conhecimento

O marco referencial específico inclui

referências a conteúdos que o professor

dá por suposto que seus interlocutores já

os compartilham porque foram

trabalhados em momentos anteriores

COLL et al., 1992

O marco de referência específico se refere a

intersubjetividades que já foram construídas

em momentos anteriores, se refere a itens

temáticos da interação que já têm seus

significados compartilhados.

A construção social do conhecimento

O marco referencial social inclui referências

ao mundo extra-escolar. A hipótese aqui é de

que professor e alunos compartilham

vivências e aprendizagens prévias não por

terem passado por elas juntos, mas por

viverem em um mesmo grupo social e que,

por isso, devem ter referências parecidas.

COLL et al., 1992

O marco de referência social diz respeito aos

significados compartilhados porque os caras são

do mesmo grupo social; não se refere diretamente

a um conteúdo já presente na atividade conjunta

(item temático) mas atua como ferramenta para

criar intersubjetividades.

A construção social do conhecimento

A narrativa científica

Uma característica fundamental da

maneira como o professor desenvolve

a narrativa científica é que ela tem que

ser de caráter „persuasivo‟ na medida

em que o professor tenta convencer

os alunos de que a narrativa científica

que está sendo representada no plano

social da classe é razoável"

(MORTIMER; SCOTT 2003: 19).

Coll e Onrubia caracterizam os

processos escolares de ensino e de

aprendizagem como “processos

interativos e comunicativos nos quais

um dos participantes - o professor -

ajuda de maneira sistemática e

planejada os outros - os alunos - a

elaborar uma série de conhecimentos

relativos a determinadas parcelas da

realidade física e social, ...

A narrativa científica

... envolvendo-se para isso em um

processo de construção de sistemas

de significados progressivamente

compartilhados cada vez mais ricos,

complexos e adequados sobre a

realidade em questão“

(COLL; ONRUBIA, 1998: 80)

A narrativa científica

"... ficamos surpresos com a extensão

em que as relativamente

'progressivas' formas de ensino que

estudamos são caracterizadas pela

avassaladora dominância do professor

sobre tudo que é feito, dito e

considerado correto"

(EDWARDS; MERCER, 1993: 2).

A narrativa científica

A explicação científica é muito próxima

de um relato. características do relato:

• tem um elenco em que cada um dos

atores tem suas aptidões que o definem

• os membros desse elenco interpretam

as numerosas séries de acontecimentos

para os quais estão capacitados

• esses acontecimentos têm uma

conseqüência, que deriva da natureza

dos protagonistas e dos fenômenos que

têm a casualidade de representar.

OGBORN J., KRESS, G., MARTINS, I.

& McGILLICUDDY, K. (1996).

A narrativa científica

Explicações científicas diferem dehistórias porque precisam ter umacoerência com o mundo externo ao relato,não são fechadas em si mesmas como ashistórias ficcionais.

OGBORN J., KRESS, G., MARTINS, I.

& McGILLICUDDY, K. (1996).

A narrativa científica

Um relato nos mostra o modo como os

acontecimentos ocorrem de forma que os

resultados não sejam arbitrários; de maneira

que faça sentido, visto que o que acontece

aparece porque as coisas fazem o que fazem

por sua própria natureza.

A “natureza das coisas”, seus significados, para

nós consistem simplesmente no que fazem,

para que servem e de que são feitos.

OGBORN J., KRESS, G., MARTINS, I.

& McGILLICUDDY, K. (1996).

A narrativa científica

KRESS et al (2001), apesar de destacar o

papel central do professor nesse processo,

ressaltam o papel ativo que têm os alunos

tanto no processo de aprendizagem como

no de ensino: na condição de audiência

para o professor eles têm seu impacto na

atividade de ensino enquanto retórica, além

de terem um papel transformador na

construção de conhecimento.

O controle do discurso

Vale lembrar que na perspectiva sócio-

cultural o conhecimento construído no

discurso público não é especular ao

conhecimento que será construído no plano

intrapsicológico: ele se modifica ao ser

internalizado.

O controle do discurso

Para exercer um controle em estabelecer a

pauta, determinar com antecedência que

conhecimentos serão resultantes da

atividade e, em geral, expressar o papel

social de autoridade o professor lança mão

de uma série de estratégias, as táticas

temáticas (LEMKE, 1990) ou regras

básicas1 (Edwards; Mercer, 1993).

O controle do discurso

Marcar a relevância ou a irrelevância de

contribuições dos alunos, por exemplo, é

uma dessas estratégias: usar entonação

especial, dar importância e chamar a

atenção para que todos ouçam a

contribuição, criar chavões ou alertar que o

assunto em andamento é especialmente

importante são exemplos de como o

professor pode marcar a relevância de

temas ou contribuições.

O controle do discurso

Já a irrelevância de um tema é mais

freqüentemente marcada pelo simples ato

de ignorar a contribuição do aluno, ou por

rotular a resposta do aluno como “isso não

é uma resposta”.

O controle do discurso

Parafrasear a contribuição dos alunos, ou

reformular a pergunta que o aluno lançou,

modificando-a para adequá-la ao tópico,

juntamente com as recapitulações em que

se reconstróem os diálogos, são algumas

das estratégias para dirigir o tema da

interação e criar a sensação de

consensualidade em relação ao tema

discutido.

O controle do discurso

Da mesma forma, dar “deixas” para

estimular a contribuição dos alunos, fazer

perguntas diretas ou controlar o tempo de

espera necessário para as respostas, são

estratégias para regular a participação dos

alunos na construção do discurso.

O controle do discurso

A estrutura de atividade conjunta de diálogo

mais comum nas aulas de ciências,

segundo Lemke (1990) é o Diálogo Triádico,

também chamado de padrão IRF.

Esse padrão funciona como uma poderosa

ferramenta para a construção da retórica da

aula, como apontam Edward e Mercer:

O controle do discurso

. "Pelo fato das pessoas suporem que o

professor sabe a resposta para a maioria

das questões que faz, o status de qualquer

resposta oferecida por um aluno é também

afetado pela natureza da relação.

O professor é visto como em posição de

avaliar qualquer resposta (a parte feedback

da IRF), e, portanto, o próximo ato do

professor vai ser tomado por avaliativo...

O controle do discurso

... Então, se o professor coloca a mesma

questão novamente, fica implícito que qualquer

que tenha sido a resposta, esta foi recebida

como incorreta, e uma resposta alternativa está

sendo agora requisitada. Silêncio por parte do

professor implica na mesma coisa; a questão

anterior continua em aberto. Se o professor

ignora uma questão colocada por um aluno,

podemos esperar a interpretação contrária - a

questão não foi colocada na pauta...

O controle do discurso

a. Interativo/dialógico:

professor e estudantes exploram idéias, formularam

perguntas autênticas e oferecem, consideram e

trabalham diferentes pontos de vista .

b. Não-interativo/dialógico:

professor reconsidera, na sua fala, vários pontos de

vista, destacando similaridades e diferenças.

c. Interativo/de autoridade:

professor geralmente conduz os estudantes por meio

de uma seqüência de perguntas e respostas, com o

objetivo de chegar a um ponto de vista específico.

d. Não-interativo/ de autoridade:

professor apresenta um ponto de vista específico.

O controle do discurso

O controle do discurso

Mortimer e Scott

. Mortimer e Scott apontam questões

institucionais que, no nosso entender,

contribuem para que o modelo de construção

de discurso baseado na orquestração retórica

pelo professor acabe sendo privilegiado:

O controle do discurso

"O fato de que um determinado programa curricular

tem que ser ensinado, ou, pelo menos, de que um

conjunto de conceitos e atividades tem que ser

cumprido, leva a um tipo de „dilema do professor‟

(...): como fazer com que o aluno aprenda por si

próprio o que já está planejado para ele com

antecedência.

.

Esses dilemas e essas possibilidades restritas

podem ter um efeito destrutivo na educação, por

colocar a perder a razão essencial do processo

Vygotskyano: ou seja, o processo fica, com

freqüência, incompleto, sem a transmissão final do

controle e do conhecimento para os alunos. Os

alunos ficam, freqüentemente, presos em rituais e

procedimentos, falhando em alcançar o objetivo

principal do que estiveram fazendo, incluindo os

conceitos gerais e princípios que a atividade havia

sido planejada para ensinar" (MORTIMER; SCOTT, 2003: 130 tradução nossa).

O controle do discurso

Multimodalidade: abordagem em que é

igualmente dada séria atenção a uma

multiplicidade de modos de

comunicação que atuam em classe.

Como consequência, a linguagem -

tanto falada como escrita - torna-se

simplesmente um dos vários modos por

meio dos quais alunos e professores

trabalham a ciência."

KRESS et al. 1996

"Várias questões surgem a partir destas premissas (de

multimodalidade): se há um número de distintos modos

em operação ao mesmo tempo (em nossa descrição e

análise focamos fala, imagem, gestos, ação com modelos,

escrita, etc.), então a primeira questão é:

'Será que eles oferecem distintas possibilidades de

representação?'

Para nós, tal questão se coloca da seguinte forma:

'Quais são as possibilidades de cada modo utilizado em

uma aula de ciências; quais são os potenciais e as

limitações de cada modo em relação à representação?' e,

'Serão as modalidades especializadas para certas

funções em particular? A fala é, vamos dizer, melhor

para isso e a imagem é melhor para aquilo?'."

KRESS et al. 1996

O uso da linguagem visual, na sala de aula, está

concentrado no espaço semiótico temático, em

que três modos agem em uma relação de

especialização: a palavra introduz ou identifica

as entidades da natureza; o gesto as localiza,

lhes dá sentido e as dinamiza; e a linguagem

visual apresenta um cenário em que é possível

mostrar espacialmente aquelas entidades e as

relações que entre elas se formam (MÁRQUEZ,

2002).

A grande diferença entre a sala de aula e a aula

de campo está no cenário: enquanto na sala ele

é construído com o uso da linguagem visual, no

campo ele é recortado do próprio mundo

material, a partir da experiência empírica da

observação.