A Construção do discurso: Uma análise de conteúdo sobre a imagem do gênero feminino na Revista...
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UNIVERSIDADE VILA VELHACURSO DE COMUNICAÇÃO SOCIAL
HABILITAÇÃO EM PUBLICIDADE E PROPAGANDA
MARCOS BARBOSA DE ALMEIDA JÚNIORCONTATO: [email protected] / (27) 99980-8006
A CONSTRUÇÃO DO DISCURSO:UMA ANÁLISE DE CONTEÚDO SOBRE A IMAGEM DO GÊNERO FEMININO NA
REVISTA VEJA.
VILA VELHA2014
1
MARCOS BARBOSA DE ALMEIDA JÚNIOR
A CONSTRUÇÃO DO DISCURSO:UMA ANÁLISE DE CONTEÚDO SOBRE A IMAGEM DO GÊNERO FEMININO NA
REVISTA VEJA.
Trabalho de Conclusão apresentado ao Curso de Comunicação Social: Habilitação em Publicidade e Propaganda, como requisito parcial para obtenção do grau de bacharel sob orientação da Prof.ª Ms. Andressa Zoi Nathanailidis.
VILA VELHA2014
2
No fundo da prática cientifica existe um discurso que diz: "nem tudo é verdadeiro; mas em todo lugar e a todo momento existe uma verdade a ser dita e a ser vista, uma verdade talvez adormecida, mas que no entanto está somente à espera de nosso olhar para aparecer, à espera de nossa mão para ser desvelada. A nós cabe achar a boa perspectiva, o ângulo correto, os instrumentos necessários, pois de qualquer maneira ela está presente aqui e em todo lugar (FOUCAULT, 2012, p. 190).
A imagem construída e escolhida por outra pessoa se tornou a principal ligação do indivíduo com o mundo (DEBORD, 1997, p. 188).
3
AGRADECIMENTOS
A minha mãe, irmã e pai, por sempre me apoiarem.
A alguns poucos amigos que tiveram a paciência de ouvir minhas ideias.
A minha eterna mestra e orientadora Andressa Zoi, pelo apoio e pelas indicações de leituras maravilhosas.
4
RESUMO
O presente trabalho faz um breve estudo acerca da mulher presente nas propagandas
veiculadas na Revista Veja, no mês de março, dos anos 1969, 1979, 1989, 1999 e 2009. Para
tanto, fez-se necessário, para melhor compreensão do tema estudado, entender sobre as
identidades e representações. A metodologia adotada foi a análise de conteúdo. Deste modo,
será possível analisar os sentidos presentes nos discursos publicitários em que o gênero
feminino está presente.
Palavras-chave: Mulher. Propaganda. Analise de conteúdo.
5
SUMÁRIO
1 INTRODUÇÃO ............................................................................................... 07
2 A FORMAÇÃO DA IDENTIDADE E A SIGNIFICAÇÃO DO “SER MULHER” PERANTE AS RELAÇÕES SOCIETÁRIAS .......................... 19
3 A MULHER E O FEMINISMO NO BRASIL E NO MUNDO ................... 25
4 A CONDIÇÃO DA MULHER NAS PROPAGANDAS ............................... 32
5 ANÁLISE DE CONTEÚDO ............................................................................ 36
5.1 A pré-análise ...................................................................................................... 37
5.1.1 A escolha das peças ............................................................................................. 42
5.2 A exploração do material ................................................................................. 43
5.2.1 Análise das peças publicitárias selecionadas ...................................................... 45
5.2.1.1 Peças publicitárias do ano de 1969 ..................................................................... 45
5.2.1.2 Peças publicitárias do ano de 1979 ..................................................................... 50
5.2.1.3 Peças publicitárias do ano de 1989 ..................................................................... 56
5.2.1.4 Peças publicitárias do ano de 1999 ..................................................................... 63
5.2.1.5 Peças publicitárias do ano de 2009 ..................................................................... 67
5.3 O tratamento dos resultados, a inferência e a interpretação .......................... 73
5.3.1 Resultados obtidos nas peças analisadas do ano de 1969 ..................................... 74
5.3.2 Resultados obtidos nas peças analisadas do ano de 1979 ..................................... 74
5.3.3 Resultados obtidos nas peças analisadas do ano de 1989 ..................................... 75
5.3.4 Resultados obtidos nas peças analisadas do ano de 1999 ..................................... 76
5.3.5 Resultados obtidos nas peças analisadas do ano de 2009 ..................................... 77
5.4 Explanação dos resultados obtidos .................................................................... 77
6 CONCLUSÃO ...................................................................................................... 82
REFERÊNCIAS .............................................................................................................. 87
APÊNDICES .................................................................................................................... 89
6
1 INTRODUÇÃO
Os significados presentes numa mensagem costumam figurar como alvo de estudos em
diversas áreas. Na publicidade não é diferente. Contemporaneamente, são frequentes os
estudos acerca de peças publicitárias. Alguns se dedicam à verificação de detalhes
relacionados à imagem, a exemplo da cor e tipografia das peças estudadas. Outros se
debruçam sobre questões intertextuais e dialógicas do material pesquisado e há, ainda, os que
trabalham investigando as condições de produção e outros pontos inerentes ao texto
publicitário.
Por meio deste último segmento de pesquisa, surgem vertentes que se propõem a realizar uma
interpretação mais aprofundada da peça publicitária, tentando decifrar os diálogos
estabelecidos entre a propaganda e a sociedade e, mais que isso, desvendar as subjetividades
contidas por trás de um conteúdo específico, avaliando a capacidade deste conteúdo em
endossar e ao mesmo tempo auxiliar na formação de opiniões gerais.
Nesse sentido, tais pesquisas transcendem à significação literal das palavras, contemplando,
além disso, a geração e reverberação de significados, capacidades que, também, podem ser
atribuídas ao conteúdo publicitário.
Assim, em função da importância assumida por esta linha de pesquisa, sobretudo no contexto
contemporâneo – no qual a incidência de informações e discursos é de ordem muito ampla –
optou-se por desenvolver um estudo direcionado à analise da constituição do discurso sobre a
mulher e suas implicações societárias, nas propagandas veiculadas por meio de revistas.
Em função da multiplicidade de objetos de pesquisa, determinou-se adotar como núcleos de
estudo, todas as propagandas veiculadas na Revista Veja. A fim de tornar possível este
trabalho, houve a necessidade do estabelecimento de uma limitação temporal, de modo que as
propagandas analisadas nesta pesquisa foram veiculadas no entre-período que vai de 1969 a
2009, sendo que, apenas o mês de Março será interesse da análise. O entre-período será
analisado por décadas, a saber: 1969, 1979, 1989, 1999 e 2009.
7
A fim de viabilizar o presente trabalho fora adotada, como instrumental metodológico a
análise de conteúdo. De acordo com Bardin, designa-se por análise de conteúdo:
[...] Um conjunto de técnicas de análise das comunicações visando obter por procedimentos sistemáticos e objetivos de descrição do conteúdo das mensagens indicadores (quantitativos ou não) que permitam a inferência de conhecimentos relativos às condições de produção/recepção (variáveis inferidas) dessas mensagens (BARDIN, 2011, p. 48).
Por meio da análise de conteúdo, o presente trabalho descreverá o cerne textual das
mensagens publicitárias e, em seguida, listará as características deste, evocando as condições
de produção necessárias à interpretação aprofundada deste trabalho. Cabe ao trabalho, assim,
colocar-se no lugar do receptor, indivíduo que absorve mensagens textuais, ao mesmo tempo
em que integra o contexto cultural que permeia a elaboração das mesmas.
Deve o trabalho, nesse sentido, inferir também acerca de possíveis fatores sociológicos,
psicológicos e ideológicos implícitos em meio à enunciação textual, estabelecendo deduções
lógicas e justificáveis, em relação ao emissor e ao contexto no qual a mensagem é veiculada.
Através desse procedimento, será possível acessar as informações sobre as mensagens
emitidas e recebidas (KIENTZ, 1973), acerca do gênero feminino nas propagandas da revista
Veja.
A partir da análise de conteúdo, consegue-se “seguir a evolução da moral da nossa época, por
meio de anúncios de uma revista” (BARDIN, 2011, p. 37). Portanto, numa interpretação um
pouco mais ampla, entende-se que esse procedimento se mostra pertinente ao objeto de estudo
desta pesquisa, a mulher.
Desta forma, este trabalho propõe a compreensão do texto publicitário presente nas peças
acima citadas, de modo a avaliar a presença de possíveis estereótipos implícitos à enunciação
do gênero textual tratado; que pode conduzir á reflexões em torno do papel societário da
mulher e, ao mesmo tempo, das razões que fomentam um conteúdo publicitário desta
natureza. É importante destacar também que, embora seja competência da análise de conteúdo
a atenção ao texto, em alguns momentos, este trabalho recorrerá também à imagem, como
forma de contextualizar o conteúdo verbal proferido.
O período escolhido para a análise deve-se à necessidade de haver segurança na pesquisa, a
fim de credibilizar o estudo. Ou seja, de 111 peças extraídas da revista, sendo que, 11 (onze)
8
peças publicitárias serão analisadas. Já a escolha pela revista Veja, deu-se por razões factuais,
pois, a revista Veja, é um dos periódicos de maior circulação nacional.
Por ser uma revista que publica várias edições durante o mês, optou-se pela seleção de
edições veiculadas em diferentes quinzenas, com a finalidade de haver uma maior diversidade
temporal. De acordo com os critérios para uma boa análise, 11 (onze) peças é um número
considerável para confiabilidade dos resultados obtidos, pois a amostragem se reflete
enquanto uma parte representativa do universo inicial. “Neste caso, os resultados obtidos para
a amostra serão generalizados ao todo” (BARDIN, 2011, p. 127).
Ao inserir a mulher como objeto de estudo, o trabalho pretende entender de que forma a
publicidade destas duas redes bancárias a representa e o que isto significa perante a sociedade
brasileira contemporânea. Dessa forma, o trabalho se reverte na tentativa de trazer à superfície
as nuances que acompanham esses objetos de pesquisa. Nuances estas, que, inseridas na
publicidade, são capazes de “[...] ‘influenciar’, ‘aumentar o consumo’, ‘transformar hábitos’,
‘educar’, e ‘informar’, pretendendo-se ainda capaz de atingir a sociedade” (ROCHA, 1995, p.
26).
Quando o consumidor compra um determinado produto, na verdade, está também
“adquirindo” uma identidade disfarçada em forma de mercadoria, de maneira que, por vezes,
torna-se mais importante a aquisição desta identidade do que o próprio potencial utilitário
daquilo que comprou. (CATHELAT apud GRUPO MARCUSE, 2012). O questionamento
neste ponto não é o potencial publicitário em vender seus produtos através de representações
sociais. Mas sim, compreender as consequências e origens dessas representações identitárias.
Julga-se, portanto, necessária a avaliação da identidade presente no produto, além de possíveis
construções de sentido em âmbito societário, que tanto podem anteceder, quanto podem
decorrer desse processo.
Segundo Kellner (2007), o meio publicitário cria uma associação entre os produtos e certas
características socialmente desejáveis ou aceitáveis. Através dessas associações,
acompanhada pela linguagem da sedução, a publicidade passou a modelar as relações pessoais
e a interferir no modo de ser da sociedade, da comunicação e da cultura.
9
De certa maneira, o autor também vai destacar a influência da publicidade sobre as pessoas.
Atesta que o meio publicitário cria uma associação entre os produtos e certas características
socialmente desejáveis ou aceitáveis. Por meio dessas associações, a publicidade passa a
delinear as relações pessoais e a interferir diretamente no modo de ser da sociedade, da
comunicação e da cultura (CASTRO, 2006).
Assim como Kellner, o grupo Marcuse também afirma que a publicidade possui o poder de
influenciar as pessoas. Para os autores do grupo, tem-se que:
O consumo tende a se tornar o lugar em que os indivíduos são sujeitos, segundo o princípio: “Consumo, logo sou”, e sua particularização: “Dize-me o que compras e te direi quem és”. É claro que, em vez de ser a expressão de uma personalidade autônoma, essa identidade é completamente alienada (GRUPO MARCUSE, 2012, p. 124).
Ao contrário dessa corrente, há teóricos que negam esta ideia, tais como David Olgivyy e
Sant’Anna. De acordo com Olgivvy (apud CARVALHO, 2006), a publicidade não é capaz de
influenciar nos costumes sociais, porém reconhece a aptidão da publicidade em refletir os
valores sociais.
Seguindo a mesma linha, Sant’Anna (1999) dispõe que, é necessário incutir a ideia da publicidade
na mente das pessoas; criar desejo pelo o que é anunciado e levar o maior número de pessoas possíveis
a comprar.
Como se percebe não há consenso a respeito deste assunto. Diante desse fato, o presente
trabalho se propõe a compreender como os discursos das peças publicitárias se organizam em
torno da imagem feminina e captar, assim, quais são os papeis sociais representados e
endossados por meio da publicidade. Portanto, a hipótese defendida é que, as propagandas
veiculadas no mês de março na revista Veja, reforçam o papel social atribuído à mulher:
embora independente, à ela ainda se atribuem características específicas que condicionam o
seu papel às atividades “do lar” ou mesmo tarefas profissionais tidas pelo senso comum como
sendo de “menor” importância. Acredita-se que, publicidades voltadas à demarcação de
papeis de gênero podem gerar um desprestígio para o gênero feminino, pois, normalmente, as
publicidades voltadas para este gênero reforçam papeis que, por vezes, não estão consonantes
com os anseios de muitas mulheres.
10
É de conhecimento histórico que a mulher, na maior parte das sociedades, quase sempre
esteve submissa à figura masculina. Grande parte do contexto histórico conhecido sobre a
mulher revela um posicionamento submisso a favor dos anseios masculinos. As atividades
mais relevantes na sociedade, geralmente são atribuídas ao homem. Este é um funcionamento
social da dominância masculina pela qual, segundo Beauvoir: “Os homens a querem – a
mulher – como um objeto, uma inferior, um ser sem vontade. Estimulam a fraqueza dela,
punem sua auto-afirmação, tornam-na dependente, atormentam-na com o “gancho farpado”
da cortesia ou adoração.” (BEAUVOIR apud NYE, 1995, p. 108). Além de ocupar o segundo
plano, as mulheres possuíam/possuem demasiada subserviência para com o universo
masculino. Desta forma, de acordo com Nye (1995, p. 106), a mulher “[...] naturalmente se
via como passiva, e não ativa”.
Neste contexto, a subserviência feminina corrobora para o seu emudecimento perante a
sociedade. As mulheres, por sua vez, complementa Nye, não veem o mundo como
pertencentes a elas, não assumem responsabilidade por ele, e suas energias se esvaem em
valores banais, tais como: narcisismo, romantismo excessivo e, por vezes, religião. Há, aqui, o
aparecimento do desprestígio feminino.
Recentemente, de acordo com pesquisa da DataSenado¹, realizada em Março de 2013, 54,4%
das mulheres entrevistadas, acham que, às vezes, são tratadas com respeito no Brasil. Outros
35,5%, negam serem respeitadas. Ao fracionar os 54,4% que responderam “às vezes”, tem-se,
por hora, 27,2% afirmando o respeito e 27,2 o não-respeito, totalizando 62,7% que
concordam que a mulher não é tratada com respeito no Brasil.² Quando questionadas em
qual segmento da vida da mulher intercorre a falta de respeito, as opiniões se dividem. Para
44,7%, a mulher é desrespeitada na sociedade. Em outros números, 31,3% identifica o
desrespeito na família. E, 21,6% acredita haver desrespeito no trabalho.
Em outra questão, 50,9% concordam totalmente com a afirmação que “toda mulher sonha em
se casar”, e 27,8% concorda parcialmente, que totaliza em 79% da população que possui uma
visão um tanto quanto estereotipada, acreditando em um ideal para a realização plena da
mulher.
11
¹ Disponível em: <http://goo.gl/BSWtwf>. Acesso em 3 mar 2014.² Grifo nosso.Outra pesquisa, realizada pela DataPopular³ em maio de 2013, revela que mais da metade dos
entrevistados, em torno de 56%, acredita que “a mulher” mostrada nas publicidades não
reproduz a verdadeira imagem da mulher. Para 58% dos entrevistados, a mulher que é posta
na publicidade é reduzida a um mero objeto sexual.
Um novo dado importante é a distância entre a mulher da publicidade e a mulher da vida real.
Mais do que 60% dos entrevistados afirmaram acreditar que as mulheres se sentem frustradas
por nunca conseguirem alcançar o nível de beleza realçada a todo o momento na publicidade.
Ao final da pesquisa, um dado importante deve ser evidenciado. Cerca de 70% dos
entrevistados defendem algum tipo de punição para os autores de peças publicitárias que
desvalorizam, inferiorizam ou colocam a mulher de forma ofensiva em seus anúncios.
As informações coletadas parecem refletir a presença de ideias conservadoras, sobre as quais
o funcionamento da sociedade gravita: ou seja, ideias que supostamente evidenciam a
supremacia masculina, promovendo, talvez, uma visão singular a respeito da mulher. Desta
forma, os números sugerem uma investigação mais aprofundada acerca do assunto.
Mais da metade das entrevistadas confirmam o desrespeito contra o gênero feminino. Seja em
âmbito social ou nas relações interpessoais, tal desrespeito sempre pressupõe a presença dos
discursos.
Compete neste momento lembrar que a publicidade é uma ferramenta capaz de construir
discursos, sendo relevante averiguar se o meio publicitário viabiliza formas para difundir esse
desrespeito. Muitas vezes, o desrespeito com o gênero feminino não será encontrado de modo
explícito, mas sim de uma maneira velada que, numa leitura desatenta, passa despercebido.
Entretanto, os resquícios da sua mensagem, continuam a circular pela sociedade.
Sabe-se que compete ao Conselho Nacional de Autorregulamentação Publicitária (CONAR),
regulamentar as propagandas infratoras. Nesse sentido, de acordo com os princípios gerais de
respeitabilidade, presentes no Capítulo II, Seção 1, artigo 19, do CONAR:
12
³ Disponível em <http://migre.me/iLs0b>. Acesso em 28 set 2013.
“Toda atividade publicitária deve caracterizar-se pelo respeito à dignidade da pessoa humana,
à intimidade, ao interesse social, às instituições e símbolos nacionais, às autoridades
constituídas e ao núcleo familiar”.
Sendo assim, à veiculação da propaganda deve ser precedida, sempre, pela responsabilidade
social. Mesmo que alguns teóricos afirmem que propaganda não é capaz de produzir novas
identidades, ela possui o dever de respeitar as características individuais, com o intuito de não
fomentar ainda mais as divisões estabelecidas pela sociedade.
Sabe-se que grande parte da trajetória da mulher na sociedade foi marcada pela
predominância masculina. Até meados do século XIX, a vida da mulher era resumida em
cuidar dos filhos, dos afazeres domésticos e satisfazer os desejos do seu marido. Tornou-se,
assim, prisioneira da sua própria feminilidade. Nader (1997) relata que, nesse período, o
gênero feminino era constantemente vigiado não só pelos pais/responsáveis, mas por todos
que circundassem a existência de uma mulher. Havia uma preocupação em se preservar a
honra feminina. No quesito de participação social, a mulher era praticamente invisível. Nas
poucas vezes em que saía de casa, estava acompanhada de seus pais ou de alguma outra
mulher. A vida amorosa/afetiva era também reduzida a escolhas de terceiros.
Hoje, apesar da mulher adentrar o século XXI com direitos e deveres semelhantes aos do
homens, ela ainda enfrenta os resquícios da sociedade patriarcal e machista. Segundo
Castañeda (2006), hoje, embora muitas pessoas pensem que o feminismo tenha alcançado os
seus objetivos, é nítida a presença do machismo. Ela ainda permanece,
[...] sob formas mais sutis, porém igualmente perniciosas. O fato de que um número crescente de mulheres estude e trabalhe fora de casa não eliminou a dupla jornada de trabalho, os discursos duplos, as formas cotidianas da dominação masculina (CASTAÑEDA, 2006, p. 185).
Diante dessas informações, fica perceptível a posição ocupada pela mulher num sociedade
que, desde os primeiros registros históricos é marcada pela subjugação masculina, deixando a
mulher em segundo plano.13
Nesse sentido, continua-se a observar a veiculação textual de conteúdos que trabalham a
questão da mulher de maneira estereotipada, inclusive, na publicidade. Mesmo diante desse
fato, algumas publicidades insistem em utilizar características socialmente aceitáveis para
promover e divulgar com discursos publicitários separatistas, capazes de delimitar papeis
societários. Assim, de acordo com Maingueneau:
[...] procuram persuadir associando os produtos que promovem a um corpo em movimento, a uma maneira de habitar o mundo; como o discurso religioso, em particular, é por meio de sua própria enunciação que uma propaganda, apoiando-se em estereótipos avaliados, deve encarnar o que ela prescreve (MAINGUENEAU, apud GONÇALVES; NISHIDA, p. 58, 2009).
Cria-se então, uma associação perigosa. Faz-se uso dos estereótipos para a venda de um
determinado produto. No caso das mulheres, as particularidades próprias que detém são
deixadas em segundo plano. Prioriza-se um padrão, uma identidade fixa, como se houvesse
apenas uma única forma de ser e pensar as questões relacionadas ao gênero feminino, em
sociedade.
Para tentar compreender textos dessa natureza – suas razões motivadoras e consequências –
faz-se necessário adentrar no universo da discursividade. Etimologicamente, a palavra
discurso, dá a ideia de curso, de percurso, de algo sempre em movimento, que corre por algo.
Em resumo, o discurso é a palavra em movimento, a partir dele, assiste-se o homem falando.
É o lugar onde se pode observar a relação entre língua e ideologia. Sendo assim, em linhas
gerais, de acordo com a professora Orlandi: “A linguagem serve para comunicar e para não
comunicar. As relações de linguagem são relações de sujeitos e de sentidos e seus efeitos são
múltiplos e variados. Daí a definição de discurso: o discurso é efeito de sentidos entre
locutores” (ORLANDI, 2013, p. 21).
Como se pode observar, o discurso está associado à ideologia, ao homem, ao movimento.
Portanto, cabe a este trabalho fazer o uso deste, para compreender qual o trajeto trilhado por
este discurso; entender as suas relações com os sujeitos e como os discursos publicitários se
significam entre os sujeitos.
Neste caso, é satisfatório pensar no discurso na perspectiva de Bakhtin (1992). Segundo o
autor,
14
Tudo o que me diz respeito, a começar por meu nome, e que penetra em minha consciência, vem-me do mundo exterior, da boca dos outros (da mãe, etc.), e me é dado com a entonação, com o tom emotivo dos valores deles. Tomo consciência de mim, originalmente, através dos outros: deles recebo a palavra, a forma e o tom que servirão para a formação original da representação que terei de mim mesmo (BAKHTIN, 1992, p. 378).
Nesse sentido, nada é absolutamente original. Tudo decorre da sociedade e para sociedade.
Daí tem-se discursos de aceitação ou de repúdio, de amor ou de ódio, de inclusão ou de
exclusão. A publicidade, nesta concepção, serve como referência para que o indivíduo – neste
caso a mulher – tome consciência de si, fazendo com que ela se represente para o mundo de
acordo com a forma em que se viu representada.
Contudo, ao fazer referência ao discurso, inevitavelmente, o presente trabalho aproxima-se
das forças que controlam, distribuem e selecionam os discursos.
De acordo com Foucault,
em toda sociedade a produção de discurso é ao mesmo tempo controlada, selecionada, organizada e redistribuída por certo número de procedimentos que tem por função conjurar seus poderes e perigos, dominar seu acontecimento aleatório, esquivar sua pesada e temível materialidade (FOUCAULT, 2006, p. 9).
O autor refere-se ao conceito de biopoder. Para Foucault, o biopoder é invisível, é exercido
por classes dominantes, permitindo assim, controle de populações inteiras. É o poder sobre a
vida; a organização do poder em torno da vida, a fim de regularizar e normalizar os
indivíduos. Um dos mecanismos para regularizar a vida é a produção de discursos por classes
dominantes, sendo estes, aqueles que possuem o poder de organizar e controlar os discursos.
O biopoder pertencente às classes dominantes, como foi pontificado anteriormente, é capaz de
controlar, selecionar, organizar e redistribuir os discursos. É sabido que o discurso vem
acompanhado de ideologias, que podem ser entendidas como identidades. Desta forma, é
aceitável dizer que este biopoder produz rostos/identidades através do discurso. Vinculado a
este jogo de poderes proposto por Foucault, encontra-se o conceito de Rosto, trabalhado por
Deleuze e Guattari no livro “Mil Platôs” (2012).
Ao se referirem ao conceito de rosto, os autores o relacionam aos processos de subjetivação.
Trata-se de um grande acometimento na produção de signos, códigos e territórios
15
milimetricamente demarcados, com o intuito de imprimir e perpetuar os rostos fabricados nos
homens. Porém, não se trata de uma produção individualizada, concernente aos anseios
individuais, mas sim de uma grande engrenagem, capaz de fazer uma leitura social e
proporcionar as condições para que milhões de rostos, múltiplos em suas essências, possam se
tornar um único rosto. De acordo com os autores:
Os rostos não são primeiramente individuais, eles definem zonas de frequência ou de probabilidade, delimitam um campo que neutraliza antecipadamente as expressões e conexões rebeldes às significações conformes. Do mesmo modo, a forma da subjetividade, consciência ou paixão, permaneceria absolutamente vazia se os rostos não formassem lugares de ressonância que selecionam o real mental ou sentido, tornando-o antecipadamente conforme a uma realidade dominante. O rosto é, ele mesmo, redundância. E faz ele mesmo redundância com as redundâncias de significância ou frequência, e também com as de ressonância ou de subjetividade (DELEUZE; GUATTARI, 2012, p. 29).
Muitas vezes, esta produção de rostos é refletida nas peças publicitárias. No caso do recorte
estabelecido para o desenvolvimento do presente estudo, é notável que as mulheres são
milimetricamente posicionadas, Dificilmente se sobressaem à figura masculina ou mesmo
assumem papéis sociais diferenciados entre si. Tem-se, então, territórios demarcados.
Mulheres representadas, normalmente, com as mesmas características sociais atribuídas ao
gênero, refletindo uma realidade dominante que, a todo momento, impõe o que devem ser,
como agir, como falar, se comportar. A representação produz um rosto, uma identidade, e a
veicula para as mulheres como um ideal feminino.
Nesse sentido, cabe atentarmos para o que seria a identidade, conceito abordado por Silva
(2000), que está diretamente conectado à produção social e cultural promovida, também, pela
publicidade.
Em conformidade com o autor, “A identidade é simplesmente aquilo que se é: “sou
brasileiro”, “sou negro”, “sou heterossexual”, “sou jovem”, “sou homem” (SILVA, 2000, p.
74). Uma atitude aparentemente autônoma. Entretanto, para a existência da identidade é
necessário haver diferença. Sem diferença não há identidade. Um indivíduo só possui
identidade com a existência do outro, se diferencia a partir do outro. Assim sendo, “A
identidade e a diferença se traduzem, assim, em declarações sobre quem pertence, e sobre
quem não pertence, sobre quem está incluído e sobre quem está excluído” (SILVA, 2000, p.
82). São posições de sujeito fortemente marcadas por relações de poder.
16
Os processos de subjetivação, como já foram explicados anteriormente, indicam uma suposta
fixação de identidades, capaz de privilegiar alguns indivíduos e excluir outros. Dentro desses
critérios de triagem um mecanismo de reorganização se instala, ficando clara a manifestação
de poder no campo da identidade e da diferença.
As normalizações das identidades e diferenças são dadas através da representação. Quando
uma identidade é representada, de certa forma, torna-se engessada, padrão, fixa. E é
justamente nessa não rigidez que a representação se esbarra com os sistemas de poder. Assim
acredita-se que, “quem tem o poder de representar tem o poder de definir e determinar a
identidade” (SILVA, 2000, p. 91).
Indo um pouco mais além, é possível distinguir alguns mecanismos capacitados a representar
a figura feminina; a produzir rostos e, junto a eles, gerar identidades. “Onde há poder, ele se
exerce” (FOUCAULT, 2012, p. 138). Como já foi dito anteriormente, para representar é
preciso ‘ter’ poder, quem tem poder é capaz de definir a identidade. Assim, a publicidade
pode ser tratada como um desses mecanismos, sendo eficaz na produção de identidades.
Acredita-se que este é mais um trabalho que poderá contribuir para uma nova perspectiva a
respeito da mulher na propaganda. Conseguirá vislumbrar o contexto no qual o gênero
feminino encontra-se inserido, e a partir disto compreender a construção da mulher na
publicidade. Em síntese, a proposta deste trabalho servirá de alerta para a sociedade,
advertindo supostas construções femininas, demarcado pelo meio publicitário.
Mais do que isso, o presente trabalho, assim como centenas de outros, compromete-se a
chamar a atenção do meio acadêmico para uma nova construção publicitária. Uma construção
consciente e não alicerçada em supostos estereótipos que pouco contribuirão à existência de
uma sociedade mais igualitária.
Para fins de organização, o presente trabalho foi dividido em 06 (seis) capítulos, a começar
por: 2) A formação da identidade e a significação do “Ser mulher” perante as relações
societárias; 3) A mulher e o feminismo no Brasil e no mundo; 4) A condição da mulher nas
propagandas; 5) Analise de Conteúdo das Peças Publicitárias; 6) Considerações Finais.
17
No capítulo 2, será abordada a formação da identidade na sociedade, como os indivíduos se
diferenciam uns dos outros e se classificam a fim de formar grupos de afinidades. Para ser
mais específico, boa parte do capítulo, irá se dedicar as identidades femininas e masculinas,
ocupando-se da binaridade entre os gênero. Mais do que isso, visa compreender a fixação da
identidade feminina no âmbito societário.
Consecutivamente, o segundo capítulo tratará do movimento feminista no Brasil e no mundo,
trazendo toda a sua trajetória histórica e a evolução das reivindicações feministas.
O capítulo 4, “A condição da mulher na publicidade”, como o próprio nome já diz, discutirá
as formas de como a mulher é representada na publicidade, perpassando pelos valores
atribuídos a ela e a posição ocupada por elas.
Em seguida, o quinto capítulo irá conceber a análise de conteúdo das peças publicitárias,
veiculadas na Revista Veja.
Por fim, no último capítulo, as considerações finais serão apresentadas a fim de avaliar os
dados obtidos através da análise de conteúdo. Mais do que isso, será proposto um debate
acerca do objeto de estudo, expondo suas principais representações à sociedade e como isso
contribui para a construção do gênero feminino.
18
2 A FORMAÇÃO DA IDENTIDADE E A SIGNIFICAÇÃO DO “SER MULHER”
PERANTE AS RELAÇÕES SOCIETÁRIAS
Entender a formação identitária dos indivíduos é entender como estes se relacionam no
âmbito societário. Na pós-modernidade, tornou-se rotina no campo teórico, falar em
identidades: suas formações, construções entre os sujeitos, e como uma população se
representa por meio delas.
Ao se discutir identidades, duas correntes são analisadas, a do essencialismo e a do não
essencialismo. Segundo Woodward (1997), a primeira refere-se aos fatores biológicos e
históricos. Aqui, quem a defende, recorre às verdades biológicas a fim de justificar e
fundamentar a identidade. Na segunda corrente, movimentos religiosos, étnicos e
nacionalistas se reportam a uma cultura específica, com o intuito de encontrar uma cultura e
história comum ao grupo. Ambas as correntes relatam uma suposta fixação de identidades,
excluindo assim outras características que constituem a identidade individual e coletiva.
Paul du Gay (1997), propôs um circuito cultural, no qual a identidade é um dos cinco pontos
que o compõe. Além da identidade, o circuito é constituído pela produção, consumo,
regulação e representação, sendo este último, um dos pontos centrais em que a identidade irá
se relacionar de forma mais intensa. O autor explica o circuito da seguinte forma:
Como se trata de um circuito, é possível começar em qualquer ponto; não se trata de um processo linear, sequencial. Cada momento do circuito está também intextricavelmente ligado a cada um dos outros, mas, no esquema, eles aparecem como separados para que possamos nos concentrar em momentos específicos. A representação, refere-se a sistema simbólicos (textos ou imagens visuais, por exemplo) [...] (Paul du Gay apud Woodward, 1997, p. 16).
Com isto, du Gay propõe que esses sistemas produzem significados que, por consequência,
serão frutificados em identidades. As identidades aqui, são produzidas por meios culturais e
técnicos, representando elementos no qual os indivíduos podem se identificar. Assim, as
identidades produzidas culturalmente possuem um efeito regulador sobre a vida das pessoas,
através das formas pelas quais a identidade é representada.
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Não obstante, só será impossível entender os sistemas de representação ao analisar a relação
entre cultura e significado. Para compreender os significados envolvidos nesses sistemas, é
necessário possuir uma breve ideia sobre quais posições-de-sujeito são produzidas por eles, e
como estamos inseridos nesses sistemas. Neste ponto, trata-se da etapa em que os sistemas de
representação deslocam-se para as identidades produzidas no circuito.
De acordo com Woodward (1997, p. 18), “A representação inclui práticas de significação e os
sistemas simbólicos por meio dos quais os significados são produzidos, posicionando-nos
como sujeito”. Sendo assim, os significados produzidos pelas representações dão sentido a
experiência dos indivíduos, tornando-os aquilo que são. Em outras palavras, a representação é
capaz de demarcar identidades, produzi-las e torná-las aplicáveis na sociedade. Os sistemas
simbólicos, por sua vez, fornecem delimitações classificando os indivíduos que podem ou não
ocupar determinada posição.
As delimitações, ainda de acordo com a autora, são dadas a partir de mecanismos habilitados
a representarem. Entre eles, encontra-se a publicidade e as promoções de marketing.
Woodward afirma que a semiótica da publicidade serve como apoio para a construção das
identidades de gênero. Refere-se à representação, tanto imagética quanto textual. Por entre
essas representações identitárias, a mídia nos diz o lugar que devemos ocupar, prescreve
posições-de-sujeito. Isto posto, a cultura, formada pelas relações sociais e influências da
mídia, molda a identidade, dá sentido as experiências colocando à disposição uma gama de
identidades produzidas por ela. Nesta perspectiva, Rutherford delibera:
[...] a identidade marca o encontro de nosso passado com as relações sociais, culturais e econômicas nas quais vivemos agora [...] a identidade é a intersecção de nossas vidas cotidianas com as relações econômicas e políticas de subordinação e dominação (Rutherford apud Woodward, 2000, p.19).
Assim, as identidades passam a ser contestadas. Toda a discussão em torno das identidades
sugere a ocorrência de novas identidades entorno de circunstâncias sociais e econômicas
relativas. Esta contestação, entretanto, está diretamente ligada à construção cultural das
identidades.
A maior dificuldade nesta problemática é a fixação de identidades, causando uma suposta
crise de identidades. A filósofa Judith Butler, em seu livro “Problemas de gênero” (2013),
questiona: “O que pode então significar “identidade”, e o que alicerça a pressuposição de que
as identidades são idênticas a si mesmas, persistentes ao longo do tempo, unificantes e 20
internamente coerentes?” (Butler, 2013, p. 37). A filósofa refere-se também a fixação de
identidades representadas por sistemas simbólicos.
Como já se sabe, as identidades surgem em diversos momentos históricos, sendo fixadas por
diversos fatores, principalmente, pelo essencialismo. Contundo, alguns movimentos sociais
surgem para desestabilizá-las, subvertem as certezas mantidas pelo essencialismo.
Neste sentido, percebe-se a importância do estudo acerca das identidades, pois, segundo
Woodward, os movimentos sociais estão desestabilizando as identidades. Apesar das
inúmeras identidades representadas pela cultura, algumas pessoas não se encaixam nas opções
oferecidas, decorrendo assim, uma crise identitária.
Dentro do contexto apresentado, calha a falar sobre a fabricação da identidade. Em outras
palavras, julga-se importante, para melhor entendimento deste trabalho, elucidar a formação
da identidade no âmbito societário, como também suas relações com a mulher.
Silva (2000) dispõe a identidade como uma denominação aparentemente autônoma. Quando
um indivíduo se auto-denomina brasileiro, está atribuindo a ele mesmo uma identidade,
tomando a si próprio como referência. Tem-se aqui, uma identidade reduzida a um único
indivíduo. Todavia, não há como dialogar com a identidade desprezando o conceito de
diferença.
O autor trata identidade e diferença como dependentes. Ambos os conceitos estão
interligados, não havendo a possibilidade de uma subsistir na ausência do outra. Um sujeito só
se afirma brasileiro porque o outro existe, porque o outro que não é brasileiro. Sem a
existência do outro, não haveria a necessidade de sistemas classificatórios. Esses sistemas são
consensos entre os membros do corpo social, a fim de manter uma organização societária. A
autora recorre ao antropólogo Lévi-Strauss. Relata que em uma sociedade, através das
convenções estabelecidas, é possível dizer o que pode e o que não deve ser comido. Neste
sentido, alude-se as identidades. Assim como a comida, a sociedade decreta quem está
incluído e excluído. A diferença atua (HALL, 1997; SILVA, 2000).
Como já foi explicitada anteriormente, a identidade é marcada pela diferença. Dirigindo-se
um pouco mais além, Hall (apud Woodward, 1997) problematiza a teoria saussreana junto à
diferenciação. O autor afirma que as identidades, geralmente, são marcadas por rígidas
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oposições binárias, normalmente relacionadas ao gênero: homem/mulher;
feminino/masculino; fêmea/macho, e assim por diante. Contudo, uma das posições irá receber
uma importância, um privilégio. No caso do exemplo, a posição identitária masculina,
contextualizada numa sociedade patriarcal, sempre será a privilegiada. As oposições binárias,
segundo Cixous (apud Woodward, 1997, p. 52), derivam de “[...] uma rede história de
determinações culturais”. É por meio desses dualismos que as mulheres são construídas e
representadas para o mundo. A construção do gênero feminino baseia-se na posição de
“outro”. A mulher é aquilo que os homens não são.
Nos estudos antropológicos, a desigualdade entre os gêneros tem sido tratada de duas formas.
Na primeira, há uma tendência de identificar as mulheres com a natureza e o homem com a
cultura. A outra corrente fixa-se nas estruturas sociais: a mulher é vinculada à arena privada, e
com o homem fica a arena pública. Neste sentido, por motivos óbvios, percebe-se a
importância assumida pela figura masculina, enquanto a feminina resta o âmbito privado,
aquele que possui menos importância. Tratando esta corrente na perspectiva de Freud e Lacan
(apud Woodward, 1997, p. 67), “[...] parece também verdade que as mulheres não são, nunca,
plenamente aceitas ou incluídas como sujeitos falantes”.
Assim como a identidade está ligada inexoravelmente a diferença, as duas, também, estão
interligadas aos sistemas de representações. “A identidade é um significado – cultural e
socialmente atribuído” (SILVA, 2000, p. 89), implicando em significações para os sujeitos. É
por meio da representação que as identidades adquirem um real sentido, mostram para o
mundo aquilo que as constituem e como são constituídas. Pode ser expressa por qualquer
meio que leve algum tipo de significado aos sujeitos: pintura, filme, publicidade, etc. É
sempre um traço visível, capaz de ser assimilado por todos. Ao representar, fronteiras são
demarcadas e delimitadas fazendo uso das diferenças. Em outras palavras, representar
significa dizer o que é ou não uma identidade. Quem representa tem o poder de definir
(SILVA, 2000). Portanto, as palavras representação, significado, identidade e diferenças,
estão estreitamente interligadas.
Inevitavelmente, por consequência das representações identitárias, as identidades passam a ser
hierarquizadas, classificando-as como incluídas e excluídas. Em conformidade com Silva,
Normalizar significa eleger – arbitrariamente – uma identidade específica como o parâmetro em relação ao qual as outras identidades são avaliadas e hierarquizadas.
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Normalizar significa atribuir a essa identidade todas as características positivas possíveis, em relação às quais as outras identidades só podem ser avaliadas de forma negativa (SILVA, 2000, p. 83).
Ao aproximar este texto do nosso objeto de estudo, fica perceptível a capacidade dos sistemas
de representações excluírem as mulheres que não se adequam as identidades produzidas
culturalmente. Sabe-se que os gêneros também são construções culturais, por isso são
enquadrados nos sistemas de representações, capazes de normalizar, indicando as mulheres
que estão fora ou dentro do padrão identitário.
Ainda que no decorrer dos anos a identidade feminina tenha sido representada de formas
variáveis, ainda hoje, a mulher está intimamente relacionada ao papel de mãe, dona-de-casa, a
serviço do lar. Teles (2003, p. 157) ainda reitera que “[...] a condição da mulher permaneceu
imutável no seu papel de mãe, esposa e dona-de-casa”. Ao decorrer do tempo, alguns papeis
foram agregados ao universo feminino, entre eles a sensualidade, a imagem da mulher
trabalhadora, bonita, sexy, etc. Diante dessas especificações, cabe a indagação de Butler: “Em
que medida é a “identidade” um ideal normativo, ao invés de uma característica descritiva da
experiência?” (BUTLER, 2012, p. 38). Posteriormente a autora complementa:
Em sendo a “identidade” assegura por conceitos estabilizadores do sexo, gênero e sexualidade, a própria noção de “pessoa” se veria questionada pela emergência cultural daqueles seres cujo gênero é “incoerente” ou “descontínuo”, os quais parecem ser pessoas, mas não se conformam às normas de gênero da inteligibilidade cultural pelas quais as pessoas são definidas (IDEM, p. 38).
Neste ponto, a filósofa faz referência às fixações de identidades proposta por Silva (2000). Se
por um lado há uma tendência a fixação de identidades, por outro lado, mulheres insatisfeitas
por não se enquadrarem em nenhuma das identidades, desestabilizam as representações,
gerando assim uma crise identitária. Reafirmando assim, a ideia de que as identidades
representadas na sociedade ainda que múltiplas, não atendem a todas as particularidades.
De acordo com Pizzinatto e Acevedo (2010), as publicidades, geralmente, representam
significados distorcidos da mulher, excluem-se a ideia da mulher como integrante social. O
que é representado, sugestiona as maneiras de pensar, aquilo que é aceitável, a identidade
transforma-se em algo normativo, dificilmente de ser alcançado. Por meio das representações,
valores são deslocados para o imaginário do sujeito. O que à primeira vista simula apenas
uma representação, numa visão mais apurada, encontra-se valores inspirados em
determinações sociais. Sendo assim “[...] cada vez que o expectador se depara com um
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anúncio, desenvolve uma nova série de significados, representações e valores; que refletirão
em sua conduta social” (HIRSCHMAN; THOMPSON apud PIZZINATTO; ACEVEDO,
2010).
A abstração de Hirschman e Thompson solidifica a ideia que as significações do “ser mulher”,
não são isentas de representações livres de valores, pelo contrário, só se representam por
transportarem relevâncias consonantes com o que é esperado pela sociedade. Além disso, as
autoras concluem com Furlani (apud PIZZINATTO; ACEVEDO, 2010), que as propagandas
podem tanto endossar as significações atribuídas ao gênero feminino, ao equipar-se de
identidades fixas, quanto desestabilizá-las e empenhar-se na representação de identidades não
fixas e plurais, gerando assim, significações inclusivas. Assim, “[...] o discurso publicitário,
tem a finalidade de construir, afirmar e re-significar valores e condutas” (FURLANI apud
IDEM, p. 3).
Em resumo, neste capítulo, foi explicitado um breve contexto sobre a significação da mulher
no âmbito societário, e como as publicidades fazem uso dessa significação para repassar e
endossar valores sociais, reproduzindo representações/identidades fixas e não cambiantes.
Tem-se também a forte indagação de Butler, questionando se as identidades representadas –
no caso deste trabalho, representações publicitárias – devem ser um ideal normativo ao invés
de uma característica descritiva do sujeito.
Diante deste questionamento, força-se a aproximar a questão do processo de produção de
identidade. Silva (2000) admite que existem dois movimentos que produzem as identidades.
No primeiro lado, encontram-se procedimentos que se empenham na fixação de identidades.
Por outro lado constata-se a existência de procedimentos com o fim de desestabilizar a
identidade, de subvertê-la. “A fixação é uma tendência, e ao mesmo tempo uma
impossibilidade” (SILVA, 2000, p. 84). É justamente desse último movimento que o segundo
capítulo irá tratar, os movimentos sociais que desestabilizam as predisposições fixas das
identidades.
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3 A MULHER E O FEMINISMO NO BRASIL E NO MUNDO
Como já foi explicitado anteriormente, um dos movimentos produtores de identidade
desempenha o papel de desintegrar e desterritorializar as identidades consolidadas por
movimentos opostos, que visam normalizar e fixar as construções identitárias.
Na tentativa de subverter a identidade, os movimentos que investem nesse processo, passam a
ser reconhecidos e nomeados. Assim, a luta feminista pode ser entendida e reconhecida como
integrante desse processo de desestabilização identitária. Desta forma, para o feminismo ser
compreendido como um movimento de subversão da identidade é preciso distinguir suas
características para que assim possa ser legitimado como tal.
Segundo Alves e Pitanguy (1985, p. 7), “É difícil estabelecer uma definição precisa do que
seja feminismo, pois este termo traduz todo um processo que tem raízes no passado, que se
constrói no cotidiano, e que não tem um ponto predeterminado de chegada”. Neste sentido, da
mesma forma que a identidade, é incerto afirmar em qual lugar, efetivamente, o feminismo
eclodiu. O que se sabe é que o feminismo ressurge juntamente com movimentos que
denunciam a classe dominante como autora/opressora das classes inferiores, tais como os
movimentos negros, ecologistas, homossexuais, etc. Todas essas lutas resumem-se em
combater a opressão do movimento que tenta estabilizar as identidades. Apesar de esses
movimentos lutarem por algo em comum, cada um deles possui a sua especificidade e um
objetivo de luta.
No caso específico do feminismo, o movimento afirma que o sexo é categoricamente político,
portanto, comporta relações de poder intrinsicamente ligadas à dualidade feminino/masculino.
Por meio desta queixa, o feminismo investe em desintegrar os modelos políticos tradicionais,
a fim de subverter a ordem vigente.
Sendo assim, é evidente o papel subversivo do movimento feminista. Alves e Pitanguy (1985,
p. 8) reiteram esta ideia ao dizer que: “[...] o feminismo procurou, em sua prática enquanto
movimento, superar as formas de organizações tradicionais, permeada pela assimetria e pelo
autoritarismo”. Tem-se aqui, o processo de rompimento com as ideias tradicionais do que se é
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ou não mulher. Caracteriza-se, então, um forte movimento de desestabilização dos papeis
atribuídos ao gênero feminino.
As autoras ainda complementam que o movimento feminista possui várias vertentes, onde
cada mulher se adequa ao grupo que melhor lhe convir. Conseguinte, os grupos feministas
organizam-se por experiências vividas, são frutos de exercícios, práticas e conhecimentos, não
havendo nenhum grupo se apodera da verdade, pelo contrário, são verdades construídas
através de vivências femininas.
Em linhas gerais, de acordo com Alves e Pitanguy,
O feminismo busca repensar a recriar a identidade de sexo sob uma ótica em que o indivíduo, seja ele homem ou mulher, não tenha que adaptar-se a modelos hierarquizados, e onde as qualidades “femininas” e “masculinas” seja atributos do ser humano em sua globalidade. Que a afetividade, a emoção, a ternura possam aflorar sem constrangimentos nos homens e serem vivenciadas, nas mulheres, como atributos não desvalorizados. Que as diferenças entre os sexos não se traduzam em relações de poder que permeiam a vida de homens e mulheres em todas as duas dimensões: no trabalho, na participação política, na esfera familiar, etc... (ALVES; PITANGUY, 1986, p. 9-10).
A afirmação corrobora para a ideia de que o feminismo possui o papel de desestabilizar as
identidades femininas. Vislumbra um novo horizonte para as mulheres ocuparem, sem
predeterminações e fixações identitárias. Em outras palavras, por meio do movimento
feminista, as mulheres passam a contestar a ordem vigente e consequentemente subvertem os
valores socialmente impostos.
Frente a isto, o feminismo é sistematizado por meio de atos de resistência e conquistas, cujo
os métodos para resistir a supremacia masculina e conquistar uma superfície solida capaz de
comportar homens e mulheres num mesmo patamar, é reafirmado a todo momento por um
intenso processo de criação e reinvenção das lutas. Sendo todo este processo parte constituinte
da História da mulher. Isto posto, nota-se a importância da historização do gênero feminino
como protagonista do movimento feminista.
Desde os primeiros registros históricos que problematizam a mulher no âmbito social, é
possível obter notícias de grupos compostos por mulheres que se rebelaram contra as normas
vigentes (PINTO, 2010).
Para uma melhor sistematização da luta das mulheres e por motivos metodológicos, o ponto
de partida para a historização do gênero feminino neste trabalho, será em 1850, ano em que a
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Igreja Católica dispunha de um resistente poder sobre a vida da sociedade, em especial sobre
a vida da mulher.
A professora Rachel Soihet remonta a história da opressão feminina, também, a partir de
1850. Neste período, as mulheres eram categoricamente inferiorizadas. Por motivos
religiosos, aludiam à imagem de Maria, mãe de Jesus. Nela, colhiam o modelo do que
supostamente seria “ser” mulher. Os valores encontrados na sua personalidade eram tidos
como universais, sendo um padrão a ser seguido por todas as mulheres.
O Apóstolo4, periódico representante da Igreja Católica, argumentava sobre a inutilidade da
discussão do posicionamento da mulher na sociedade, visto que, a mulher dispunha de papéis
pré-estabelecidos pela própria natureza, não havendo a necessidade de se discutir algo
“naturalizado”. Ratificavam esta ideia ao mencionar que as mulheres “[...] gozavam já de
tantas outras vantagens naturais”. Soihet (2013, p. 19), por sua vez, alega que: “a
desigualdade entre os sexos era um imperativo da natureza, que, de uma lado, colocou a força
e a majestade, a coragem e a razão, e, de outro, as graças e a beleza, a fineza e o sentimento”.
Percebe-se aqui uma forte divisão das atribuições de sentimentos e modos de agir para cada
gênero.
Com as diferenças reconhecidas nos genitais (homens com genitálias aparentes e mulheres
com genitálias ocultas), nos séculos XVIII e XIX, eclodiu um novo argumento para tratar as
mulheres como submissas ao homem. Por meio dessas diferenças, foram atribuídos papeis aos
gêneros. Às mulheres, ficam reservado o meio doméstico, e aos homens a esfera pública.
Além desta diferenciação aparentemente insensata, as mulheres neste período são tratadas
como incapazes, seres desprovidos de genialidade e produção literária.
Ao final do século XIX, surge um novo saber, a medicina social, robustecendo a idealização
da mulher ser naturalmente inferior ao homem. Segundo Soihet:
A medicina social assegura constituírem-se como características femininas, por razões biológicas, a fragilidade, o recato, o predomínio das faculdades afetivas sobre as intelectuais, a subordinação da sexualidade à vocação materna. Em oposição, o homem conjugava a sua força física a uma natureza autoritária, empreendedora, racional e uma sexualidade sem freios. (SOIHET, 2013, p. 21).
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4 “Conselhos Prudentes às Senhoras”. O Apóstolo, 07/04/1880 (apud SOHEIT, 2013).
Face a isto, fica explícito a subjugação feminina. Todos os valores exaltados pela sociedade,
tanto por homens, quanto por mulheres, estão diretamente ligados ao terreno masculino. As
posições de maior prestígio, novamente, são atribuídas aos homens. E à mulher, outra vez,
resta a subordinação. Também por meio deste discurso, as leis contra o adultério atingia tão
somente a mulher, pois segundo o médico Cesare Lombroso (IDEM, 2013), a natureza
feminina não possuía pré-disposições para este tipo de delito, portanto, o adultério no
ambiente feminino era tratado como conduta.
A divisão de papeis perpassaram os séculos. No século XIX, está divisão é firmada, as
delimitações ficam ainda mais fortificadas por discursos opressores. Entretanto, em meados
de 1850, já na metade do século, algumas vozes femininas iniciaram uma série de
contestações sobre a dominância masculina. Vieram à tona contrariedades sobre as posições
sociais ocupadas pelo gênero feminino. As mulheres passam a rejeitar a sua exclusão do meio
público que, consequentemente, “[...] contribuem na emergência de movimentos feministas na
Europa Ocidental e nos Estados Unidos, com vistas à modificação desse quadro” (SOIHET,
2013, p. 25). Neste momento os primeiro indícios de organizações feministas são percebidos.
No primeiro momento lutam por seus direitos, inclusive no âmbito da sexualidade.
Diante deste panorama, algumas mulheres corriam contra a concepção de que os homens e
mulheres deveriam ocupar esferas distintas, não podendo um invadir o espaço do outro.
Sutilmente, exigiam também, espaços que eram dispostos somente ao gênero masculino.
Algumas mulheres rebelavam-se mais abertamente, outras, com medo de serem taxadas como
rebeldes ou até mesmo revolucionárias, contrariavam as imposições masculinas de forma
mais sutil. “Lançavam mãos de táticas que lhe permitiam reempregar os signos de dominação,
marcando uma resistência” (IDEM, 2013, p. 26).
No Brasil não foi diferente. Cada vez mais as mulheres levantavam-se contra a opressão
masculina, questionavam os discursos que privilegiavam os homens e rebaixavam as
mulheres. Assim como no caso anterior, grande parte dessas reinvindicações eram mais
silenciosas e menos liberais.
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Todo esse sentimento percorreu o século XIX. Era reafirmado pela educação dada a cada um
dos gêneros. As escolas para as meninas limitavam-se a ensinamentos ditos “essenciais” para
que as meninas se tornassem boas donas de casa ao executar as tarefas básicas do lar, bem
como cuidar dos filhos, fazer almoço, etc. Mesmo diante dessas afirmações, algumas vozes
voltam ao se levantar questionando o tipo de educação dado as mulheres. Maria Clementina
da Cruz, com 14 anos de idades questiona a educação separatista. A menina diz não entender
que “[...] uma mulher por saber música, tocar piano, coser, bordar, marcar e escrever, tenha
completado a sua educação” (CAIUBY, apud SOHEIT, 2013, p. 29).
Soheit (2013) observa que todo esse discurso sobre o comportamento ideal feminino foi
construído e sancionado por mecanismos detentores de saberes. A subjugação da mulher era
difundido em conferências de estudiosos, em grandes debates sobre o posicionamento ideal do
gênero feminino. Assustadoramente, tal ideia era protegida por saberes médicos. Doutores
dedicavam-se a escrever teses sobre a relevância da mulher manter-se inferior ao homem.
Mais do que isso, a inferiorização da mulher era exposta na literatura, folhetins e até mesmo
na imprensa, sempre sendo retratada por meio de piadas e chacotas.
Um fato chama atenção neste sentido. Na Europa Ocidental, algumas mulheres aventuravam-
se em ofícios nitidamente masculinos, tal como a escrita, a literatura. As que ousavam a
escrever eram taxadas como mulheres vulgares, tratadas com demasiada maledicência.
Outras, ainda mais afoitas, concebiam escritos literários eróticos e, mais uma vez, eram
vítimas de comentários maldosos, nitidamente alicerçados na supremacia masculina. A
pressão eram tantas que algumas autoras decidiram esconder a sua real condição. Escondiam-
se com identidades masculinas.
Porém, apesar de muitas mulheres emergirem juntamente com o feminismo, outras fazem o
movimento contrário: defendem as delimitações estabelecidas pela sociedade. Chrysanthême,
pseudônimo usado por uma mulher, combatia fortemente a ascensão feminina. Cogitava que
as mulheres pudessem perder algumas “vantagens” com a sua independência. “Em sendo tal
discurso produzido por uma mulher, trata-se de um excelente exemplo de incorporação das
representações dominantes, que garantes as diferenças entre os sexos” (SOHEIT, 2013, p. 5).
Portanto, o discurso da opositora, corrobora com as “condições tradicionalmente atribuídas as
mulheres”.
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No século XX, surge um dos nomes proeminentes da história do feminismo mundial: Simone
de Beauvoir. Filósofa e escritora, lança um novo pensar sobre a existência feminina. Segundo
Nye (1995), Beauvoir, encorajada por Sartre, traça um longo histórico sobre a situação das
mulheres.
Mesmo que as mulheres tenham conquistado o direito ao voto, a propriedade, e sendo
juridicamente iguais aos homens, outros aspectos continuavam a incomodar Beauvoir. Ainda
nesta perspectiva, a autora apropria-se do existencialismo de Sartre para discorrer sobre a
situação da mulher perante a sociedade. Para tanto, Beauvoir aplica as ideias de Sartre na
historização da mulher.
O homem é necessariamente livre, livre para escolher suas próprias ações, seu próprio projeto no mundo, opções que ele deve fazer sem guias. Nenhum deus, nenhuma lei moral, nem partido político, nenhuma autoridade externa podem fazer essas opções por ele. (NYE, 1988, p. 102).
Por meio desta concepção tem-se a liberdade da mulher anunciada na voz de Beauvoir. A
autora, como foi dito anteriormente, refere-se ao gênero feminino de forma existencialista
com o intuito de propiciar as mulheres a sua verdadeira liberdade.
Uma das primeiras proposições de Beauvoir trata-se da célebre pergunta: “O que é ser
mulher”?
Ser mulher seria ser o objeto, o Outro, e o Outro permanece sujeito no seio de sua demissão. O verdadeiro problema para a mulher está, em recusando essas fugas, realizar-se como transcendência; trata-se de ver, então, que possibilidades lhe abrem o que se chama atitude viril e atitude feminina; quando uma criança segue o caminho indicado por tal ou qual de seus pais, é talvez porque retoma livremente os projetos deles (BEAUVOIR, 1949, p. 71).
A autora afirma que, a todo o momento, a mulher é determinada e diferenciada em relação ao
homem. Em contrapartida, o homem “[...] define a mulher não em si, mas relativamente a ele”
(BEAUVOUIR, 1949, p. 10). Neste ponto, assim como os primeiros questionamentos que
surgiram por meio das mulheres questionando a sua posição na sociedade, Beauvoir estende
esta concepção para tratar da dominância masculina. Beauvoir explica que a desvalorização
atribuída ao gênero feminino no âmbito profissional, pessoal e emocional, deu-se porque,
“[...] a sociedade sempre foi masculina; o poder político sempre esteve nas mãos dos
homens”. Para Beauvoir, a mulher nunca teve uma relação direta e autônoma com os homens.
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Desta forma, a autora sugere um feminismo radical. Na interpretação de Nye (1988) sobre
Beauvoir, a mulher deve rebelar-se contra a dominação masculina. O exercício para com os
homens é o de romper imposições, romper com as ideias masculinas e femininas.
A perspectiva de Beauvoir, tendo as mulheres como escravas e os homens como seus
senhores, foi herdada por muitas feministas em todo o mundo. No Brasil, um nome se
destacou por empreender na luta contra a opressão: Bertha Lutz.
Em conformidade com Soheit (2013), o nome de uma das maiores ativistas feministas no
Brasil, normalmente, é associada ao sufragismo. Lutz empreendeu-se em lutar a favor da
integração da mulher no meio social. Juntamente com grupos de ativismos feministas,
reivindicava questões relacionadas à força de trabalho, à educação, e o direitos civis que,
apesar de alguns avanços, deparava-se com alguns atrasos e até mesmo retrocessos.
Foi em 1918 que Bertha Lutz, efetivamente, institui a sua campanha contra as desigualdades
de gênero. Todo este interesse surgiu na Inglaterra, quando manifestou a sua vontade em
participar do movimento feminista. Ao final deste mesmo ano, Bertha envia uma carta à uma
revista criticando o tratamento dado as mulheres. Indaga a infantilização da mulher, sempre
subserviente ao homem. Mais do que isso, a feminista brada por respeito. Determina que as
mulheres parem de ser tratadas como objeto de luxo, excluindo-se assim, todas as suas
qualidades. Entretanto, Bertha, também, responsabiliza as mulheres por protagonizarem esse
cenário de indiferenças. Assinalava que cabia as mulheres a lutarem por sua emancipação.
Diante disto, Bertha propunha que algumas associações feministas fossem criadas para
pressionar a sociedade patriarcal. Por meio dessas associações, Lutz atestava que os tabus
relacionados ao universo feminino entrariam em colapso, fazendo com que as determinações
para o gênero feminino fossem fragilizadas, gerando uma ascensão feminina. Assim, vê o
trabalho como um dos propulsores para a independência da mulher. Em 1919, coloca em
debate as condições de vida ligada aos trabalhos que a mulher exerce.
Além da condição de trabalho reivindicada por Bertha, outra questão considerada de grande
importância também foi alvo de discussões e luta para a ascensão das mulheres: a educação.
Bertha lutava por uma educação para as mulheres igual ao dos homens. Uma educação com as
mesmas disciplinas e exercícios dados aos homens que, consequentemente, geraria uma
igualdade no mercado de trabalho, tendo homens e mulheres as mesmas bases educacionais.
31
Em suma,
Passavam as mulheres a garantir a sua transcendência, pois o espaço público [...] não pode ser construído apenas para uma geração e planejado somente para os que estão vivos: deve transcender a duração da vida dos homens mortais, aos quais acrescentamos, também, a das mulheres mortais (SOHEIT, 2013, p. 122).
Desta perspectiva, o feminismo pode ser pensado como um ideal que transcende o hoje. O
movimento feminista é um movimento em longo prazo que, assim como Soheit afirmou, deve
ser pensado levando em consideração todas as gerações de mulheres.
Entre idas e vindas, o feminismo se fortificou. Se antes lutavam contra os direitos legais e
trabalhistas, hoje, configura-se como um movimento que visa destruir a dominância
masculina. Não no sentido de tomar o poder e se colocar no lugar do homem, mas sim de
haver igualdade entres os gêneros. Para tanto, o movimento combate qualquer forma de
machismo e distribuições societárias de papeis de gênero, endossados pelas relações sociais e,
principalmente, papeis que são legitimados e veiculados nos meios de comunicação.
4 A CONDIÇÃO DA MULHER NAS PROPAGANDAS
Atualmente, discute-se muito sobre a condição da mulher nas peças publicitárias. A
importância de entender um pouco mais de que forma a mulher é inserida nas peças
publicitárias, deu-se porque, como já foi explicitado anteriormente, as mulheres começaram a
se incomodar com o que era visto nas revistas. Argumentavam que o que estava representado
nas publicidades veiculadas tanto em revistas quanto em outros meios de comunicação, não
era o retrato da mulher brasileira.
Deste modo, alguns autores, se debruçaram para entender como esta mulher é percebida nas
publicidades, de que forma ela esta representada, qual a sua verdadeira condição nas milhões
de publicidades que circundam a vida de milhões de brasileiros. Entre eles, encontra-se
Vestergaard e Schrøder (1994).
32
De acordo com os autores, tradicionalmente, é possível encontrar nas publicidades anúncios
que posicionam a mulher no âmbito doméstico. Mães, esposas, responsáveis por filhos, além
de outras inúmeros afazeres relacionados ao âmbito doméstico, são explicitados nas
propagandas. Além disso, produtos “do lar”, também são associados ao feminino. O autor
retrata tais aspectos com um simples exemplo:
“Certo anúncio de refrigerante retrata uma festinha de aniversário infantil, com as crianças felizes em volta do irrigador do jardim, uma delas junto de uma ‘super mamãe de quem os meninos dependem para ter dias alegres’” (VESTERGAARD; SCHRØDER, 1994, p. 81).
Com este exemplo, aparentemente desconectado de qualquer demarcação de papeis
societários feminino, nota-se que, numa leitura mais apurada, alguns valores permeiam a
construção publicitária, constituída por imagem ou texto, ou ambos os elementos. Por meio
deste modelo, alguns valores são perpassados aos seus receptores, criando assim percepções
do mundo feminino.
Anúncios como o exemplo acima, remetem a modelos de vida prontos. Tudo leva a crer que
os receptores do gênero masculino, entenderão o modelo ali apresentado, como uma
representação do universo feminino. As receptoras, por sua vez, poderão basear suas vidas
naquilo que foi apresentado, considerando a peça publicitária um modelo a ser seguido em
suas vidas.
Entretanto, seria errôneo dizer que todas as propagandas veiculadas ou não ao público
feminino, fazem referência ao âmbito doméstico, relacionando o gênero feminino com
eletrodomésticos, produtos de limpeza, etc. Apesar de ainda muito haver propagandas deste
teor, a mulher ao longo dos anos tem se modificado, deste modo, novos papeis são atribuídos
a ela.
Para tanto, Vestergaard e Schrøder (1994, p 82), voltam a exemplificar com um texto
publicitário: “Se você trabalha o dia inteiro e não tem tempo para fazer compras, um freezer
pode ser a salvação!”. De acordo com os autores, se antes a mulher era reservada somente ao
âmbito doméstico, hoje, ela tem uma jornada dupla: está tanto presente no lar quanto ativa no
trabalho. A propaganda em si, faz com que seus receptores experimentem certa satisfação por
esta mulher não ser somente mais uma “dona-de-casa”, agora ela pode trabalhar. Isto, claro,
sem deixar as responsabilidades no ar.
33
Além das atribuições dos papeis que devem ser exercidos pelo gênero feminino, presentes nas
peças publicitárias. Os autores chamam a atenção para um aspecto que parece estar
intrinsicamente ligado ao gênero feminino: a beleza.
Mais um valor é atribuído às mulheres. A beleza passa a estar presente nas propagandas com
mulheres belas, impecáveis. Mesmo quando são contextualizadas em tarefas corriqueiras do
cotidiano, percebe-se uma mulher com demasiada beleza, sempre arrumada com vestimentas
da moda. A pele, impecável. Enfim, a mulher passa a ser representada como um mero objeto a
ser apreciado por homens e por mulheres. Nesse sentido, Berger afirma:
Os homens agem e as mulheres aparecem. Os homens olham para as mulheres. As mulheres percebem que estão sendo olhadas. Isso não só determina a maioria das relações entre homens e mulheres, mas ainda a relação delas entre si. O observador da mulher em si mesmo é masculino: a observada, feminina Assim, ela própria se transforma num objeto – mais particularmente, num objeto de percepção visual: numa visão. (BERGER apud VESTEERGARD; SCHRØDER, 1994, p. 83).
Tendo esta afirmação como base, o ideal de beleza apresentado nas propagandas parece ser
voltado para os homens, sendo a mulher um mero objeto a ser apreciado. Ainda que na
atualidade a mulher seja mais ativa e dinâmica, ela continua sendo refém dos estigmas postos
nas publicidades, assim como dispõe Baudrillard (1995, p. 140): “A beleza tornou-se para a
mulher, imperativo absoluto e religioso. Ser bela deixou de ser efeito da natureza e
suplemento das qualidades morais”.
Deste modo, a beleza passa a ser vendida e conquistada por produtos ou estilos de vidas
equiparados ao que estão sendo expostos nas peças publicitarias. Fazem da beleza “[...] um
ícone místico, e sua compra, em ato mágico de identificação com os valores incorporados a
ela” (MARCUSE, 2012, p. 122).
Algumas pessoas podem questionar o que há de tão errado no culto a beleza dispostos em
milhares de peças publicitárias. Vestergaard e Schrøder (1994), admitem que não há nada de
mal nisto. Entretanto, advertem que o maior problema nesta exaltação da beleza, encontra-se
no engessamento das mulheres. Quando homens e mulheres entram em contato com
propagandas de teor estético, há a possibilidade de suscitar em determinações estéticas,
excluindo-se assim, possibilidades de um ideal de beleza mais razoável e que se encaixe aos
anseios de cada pessoa.
34
Até aqui foi possível notar que a beleza permeia as propagandas em que a mulher está
presente tanto imageticamente quanto textualmente. Todavia, outra condição dada a mulher
na publicidade, é a relação que se estabelece entre os gêneros feminino e masculino nas peças
publicitárias.
Vestergaard e Schrøder (1994) propõe uma diferenciação do posicionamento da mulher nas
propagandas que tem com público alvo o público masculino, e outras, o feminino. Os autores
sinalizaram que dificilmente, homens estão presentes nas publicidades dirigidas ao público
feminino. Quando estão presentes, demonstram gentileza e compreensão, que, segundo os
autores, indica um processo de afeminação. Por serem anúncios direcionados ao público
feminino, o homem parece absorver as características socialmente atribuídas às mulheres
(meiga, dócil, amável...).
Inversamente, assim como na proposta anterior, os autores afirmam que raramente as
mulheres estão presentes nas peças publicitárias dirigidas ao público masculino. Quando
surgem nessas peças, estão sempre ligadas as características apreciadas pelo público
masculino, bem como: sensual, dependente, bela, etc. Além disso, figuram de forma passiva,
não possuem voz ativa na propaganda, dando a entender que está ali apenas como um
ornamento para embelezar a produção publicitária. O que chama atenção nesta disposição do
gênero feminino é o ar de servil que esta mulher aparece na propaganda, sempre à disposição
em servir as demandas masculinas.
Em resumo, Vestergaard e Schrøder (1994) concluem que, apesar da mulher ter sofrido
modificações em suas representações na publicidade, a sua condição nessas propagandas não
possuem grandes variações. A beleza e vinculação do gênero feminino com a domesticidade
continuam a imperar nas construções textuais e imagéticas. Tem-se, portanto, uma mulher
“passiva e suave”, incapaz de ser expressar em diferentes peças publicitárias, a pluralidade do
ser humano e, principalmente a pluralidade do gênero feminino.
Neste sentido, Baudrillard (1995, p. 98) afirma que: “No plano da publicidade moderna,
persiste, pois, a segregação dos dois modelos, masculino e feminino, e a sobrevivência
hierárquica da preeminência masculina [...]”. Com esta afirmação, o autor propõe que na
publicidade moderna existem alguns mecanismos de segregação, todos estes, baseados na
dominância do gênero masculino. Ou seja, quem predomina é detentor das características que
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possuem prestígio social, entre elas: ser forte, ativo, ter voz de comando, ocupar uma posição
importante, etc.
Tendo em vista os autores citados, é possível concluir que, basicamente, a mulher na
propaganda, resume-se ao papel doméstico e, geralmente, aparece sempre submissa quando o
a figura masculina está ao seu lado. Tudo isto acompanhado do ideal de beleza.
É claro que haverá propagandas que fugirão deste modelo, porém, o que os teóricos expostos
aqui sugerem é que em sua grande maioria, as publicidades posicionam o gênero feminino de
forma submissa e doméstica, sem se esquecer da beleza associada às mulheres.
5 ANÁLISE DE CONTEÚDO
Como já foi exposto, o presente trabalho tem como objetivo investigar uma possível
construção do gênero feminino por meio da publicidade, sendo esta baseada em prováveis
embasamentos ideológicos, construídos a partir de uma visão masculina acerca do assunto. Os
objetos estudados são publicidades veiculadas por diversos anunciantes, na Revista Veja, que
tenham em comum o fato de propagarem em seus discursos imagéticos e textuais, questões
que versam acerca da imagem e do papel assumido pela mulher, em sociedade.
De acordo com o que fora explicado anteriormente nesta pesquisa, a base metodológica que
irá possibilitar o estudo desses objetos é a análise de conteúdo. Segundo Bardin (2013), a
análise de conteúdo organiza-se em três pontos: a pré-análise; a exploração do material e a
interpretação estabelecida sobre o mesmo.
Nesse sentido, o primeiro momento foi dedicado à reunião do material, para compor o corpus
da pesquisa. As peças publicitária – veiculadas no mês de março dos anos 1969, 1979, 1989,
1999 e 2009 – foram organizadas por ano para estabelecer uma melhor visão de todas as
propagandas. Entretanto, vale ainda ressaltar que a escolha do material a ser analisado não foi
feita de forma aleatória. Todo o conteúdo publicitário extraído das revistas “[...] decorre do
problema estudado” e deve ser analisado [...] em função de todas as categorias retidas para
fins de pesquisa” (KIENTZ, 1973, p. 156). Este procedimento alveja evitar que apenas
conteúdos que colaborem com as hipóteses do analista sejam retidos. Sendo assim, Kientz
(1973, p. 157) é conclusivo: “Mesmo que o investigador se depare, no decurso da análise,
36
com elementos que prejudicam suas hipóteses, esta exigência o proíbe de ignorar a existência
dos mesmos”.
Por vezes, algumas pessoas podem indagar sobre as multiplicidades de peças envolvidas, os
diversos anunciantes e, a partir disto, questionar a autenticidade da pesquisa. Não obstante,
Bardin (2013, p. 127) assegura que “Um universo heterogêneo requer uma amostra maior do
que um universo homogêneo”. A publicidade, assim como Bardin sugere, é um universo
heterogêneo, composto de diversos anunciantes, com vertentes, posicionamentos sociais,
ideológicos e éticos distintos. Neste sentido, recorre-se a uma análise que abarque um número
maior de peças publicitárias, a fim de retirar uma amostra considerável de informações sobre
o assunto abordado.
Apesar de haver uma heterogeneidade em relação aos anunciantes e produtos em evidência
nas propagandas adotadas enquanto objeto de estudo, há também indícios de que o discurso
presente nessas propagandas reflete certa homogeneidade no que tange à constituição da
imagem e do papel social assumido pela mulher ao longo dos tempos. Moles (apud Kientz,
1973, p. 118) classifica essa singularidade como uma “cultura de mosaico”. Substancialmente,
o autor propõe que tudo aquilo que é veiculado nos meios de comunicação, em especial nas
revistas, é o verdadeiro reflexo da sociedade.
Deste modo, ainda que os conteúdos analisados sejam de anunciantes diferentes, de acordo
com Kientz (1973, p. 119), esses conteúdos estão sistematicamente organizados, e gravitam
“[...] em torno de alguns grandes eixos que refletem as aspirações, as angústias, as alienações,
os tabus do homem moderno”.
Em síntese, o universo a ser explorado se mostra vasto e complexo, portanto, torna-se
necessário a análise de conteúdo dessas peças que, apesar de serem formuladas de diferentes
autores, o conteúdo de cada uma dela se aproximam de alguma forma, cabendo ao autor deste
trabalho encaminhar-se para a pré-análise e constituir o corpus da investigação.
5.1 A PRÉ-ANÁLISE
Nesta fase, mais conhecida como organização do material a ser estudado, foram reunidas
edições da Revista Veja veiculadas entre os seguintes anos: 1969, 1979, 1989, 1999 e 2009.
37
Feito isso, estabeleceu-se o recorte temporal de análise, o mês de março, conhecido como
“mês da mulher” e, por isso, época na qual evidencia-se uma maior probabilidade em relação
à presença de propagandas referentes ao objeto de estudo disposto nesta pesquisa: o gênero
feminino.
O recorte das propagandas foi feito com o auxílio do Acervo Digital da Revista Veja,
disponível na Internet. A escolha dos anos se deve ao fato de Kientz (1973, p. 163) afirmar
que o intervalo de tempo entre os materiais analisados, deve ser tempo suficientemente
extenso para “[...] evitar os efeitos de viações periódicas de conteúdo”.
Para dar inicio à Pré-análise, é indispensável retomar a presença dos objetivos e hipóteses. A
partir disto, critérios são elaborados pelo próprio analista com o intuito de selecionar
criteriosamente as peças publicitárias que sustentarão os objetivos e hipóteses iniciais. Sendo
assim, toda construção da análise se baseia em indicadores que serão “[...] construídos em
função das hipóteses, ou, pelo contrário, as hipóteses serão criadas na presença de certos
índices” (BARDIN, 2013, p. 125).
Diante deste cenário, esta análise tem como objetivo: a) analisar algumas características
textuais relacionadas ao gênero feminino; b) examinar a construção textual acerca do gênero
feminino. Com isto, têm-se a hipótese de que existem estereótipos reforçados pela enunciação
do gênero textual, podendo endossar o papel societário exercido pela mulher e inferir nas
significações sobre ela.
Já então com o universo demarcado, houve a necessidade de constituir o corpus do conteúdo a
ser analisado. “O corpus é o conjunto dos documentos tidos em conta para serem submetidos
aos procedimentos analíticos” (BARDIN, 2013, p. 126). Kientz também testifica a
importância de estreitar um pouco mais os objetos a serem submetidos aos procedimentos
analíticos. O autor afirma que os meios de comunicação de massa possuem números
exorbitantes de mensagens, portanto, é mais do que justificável reter apenas parte dessas
mensagens por meio da seleção e assim dar continuidade a exploração do material. Nas
palavras do autor: “O analista é forçado a fazer uma escolha. Não podendo analisar tudo,
retirará uma amostra” (KIENTZ, 1973, p. 162).
Para a retirada desta amostra, o autor optou por criar categorias – podendo também ser
chamados conceitos-chaves –, a fim de extrair das peças publicitárias inicialmente
38
selecionadas, a frequência dos temas/assuntos mais presentes em cada ano (1969, 1979, 1989,
1999 e 2009) nas propagandas com a presença do gênero feminino. Desta forma, ao medir a
frequência de cada tema presente em seus referidos anos, pode-se avaliar a importância de
cada um deles (KIENTZ, 1973). Para obter as porcentagens da média, multiplicou-se a
frequência que determinada peça apareceu pelo total de peças publicitárias que fizeram uso da
imagem da mulher.
Isto posto, para a retirada da amostra foi usada a metodologia quantitativa, como pode ser
visto nas tabelas abaixo.
Tabela 1. Frequência de anúncios por categoria (1969)SEGMENTOS/CATEGORIAS F %Tecidos 1 11,11Cigarros 3 33,33Revistas Femininas 3 33,33Automóveis 1 11,11Aviação 1 11,11TOTAL 9 100MÉDIA PONDERADA 1,8
Fonte: Elaborado pelo autor.
No ano de 1969, como pode ser observado, tem-se uma frequência maior em propagandas de
Cigarros e Revistas femininas, ambos sendo representados na importância de 33,33%.
Tabela 2. Frequência de anúncios por categoria (1979)SEGMENTOS/CATEGORIAS F %Canetas 2 11,11Governo 1 5,56Divisórias 1 5,56Finanças 4 22,22Cigarros 3 16,67Eletrodomésticos 1 5,56Automóveis 3 16,67Joias 2 11,11Revistas Femininas 1 5,56TOTAL 18 100,00MÉDIA PONDERADA 2
Fonte: Elaborado pelo autor.
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A recorrência de maior frequência em 1979 se encontra na categoria de Finanças, na qual a
mulher aparece mais vezes, tanto imageticamente como textualmente. Entretanto, com
16,67% de frequência nos anúncios, o cigarro mais uma vez volta a aparecer na década de 70.
Tabela 3. Frequência de anúncios por categoria (1989)SEGMENTOS/CATEGORIAS F %Alimentícios 4 15,38Bebida Alcoólica 1 3,85Conar 1 3,85Cosméticos 3 11,54Eletrodomésticos 3 11,54Finanças 5 19,23Joias 1 3,85Moda 3 11,54Revistas Eróticas 2 7,69Revistas Femininas 2 7,69Teatro 1 3,85TOTAL 26 100,00MÉDIA PONDERADA 2,36
Fonte: Elaborado pelo autor.
Mais uma vez, na década de 89, as propagandas com teor Financeiro, voltam a ser veiculadas
com a presença da mulher, na importância de 15,38%. Em seguida, mais 3 frequências de
relevância podem ser notadas. Peças publicitárias ligadas ao setor de moda começam a surgir, o
que até agora não foi visto. E produtos relacionados à mulher são veiculados por meio de
eletrodomésticos e cosméticos. Todas estas com 11,54% cada.
Tabela 4. Frequência de anúncios por categoria (1999)SEGMENTOS/CATEGORIAS %Alimentícios 2 8,70Aviação 1 4,35Bebidas Alcoólica 4 17,39Cigarros 2 8,70Cosméticos 4 17,39Faculdade 1 4,35Finanças 3 13,04Moda íntima 2 8,70Moda íntima 2 8,70Telefonia 1 4,35TV paga 1 4,35TOTAL 23 100,00MÉDIAPONDERADA 2,09
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Fonte: Elaborado pelo autor.
Quase na virada do milênio, em 1999, as mulheres aparecem com mais frequência em
propagandas relacionadas aos cosméticos. Mas ainda assim, vale ressaltar que ainda em 1999
as mulheres ocupam 13,04% de frequência nas peças publicitárias relacionadas ao meio financeiro.
Tabela 5. Frequência de anúncios por categoria (2009)SEGMENTOS/CATEGORIAS F %Alimentícios 2 5,41Automóveis 2 5,41Bebidas Alcoólicas 2 5,41Conselho 1 2,70Cosméticos 5 13,51Eletrodomésticos 3 8,11Finanças 7 18,92Governo 2 5,41Moda 2 5,41Moda íntima 1 2,70Saúde 1 2,70Telefonia 4 10,81TV 1 2,70Viagens 4 10,81TOTAL 37 100,00MÉDIA PONDERADA 2,64
Fonte: Elaborado pelo autor.
Por fim, já no segundo milênio, século XXI, a mulher volta a ocupar com uma grande
frequência as peças publicitárias que vendem produtos do meio Financeiro. Todavia, assim
como em 1999, a mulher também possui uma grande frequência em propagandas de
Cosméticos, somando 13,51% de frequência.
A partir desta ‘análise’ inicial a média ponderada foi retirada. A média consiste em extrair
parte das peças publicitárias para refletir aquilo que obteve mais frequência durante o mês de
março de cada ano. O número de publicações é contabilizado e em seguida o total deste valor
é divido pelo número de categorias especificadas pelo autor, sendo concebido assim, o
número de peças a ser analisado no período em questão. A partir dessa média (às vezes
arredondada a critério do autor), verificou-se quais as categorias do periódico obtiveram
maior frequência publicitária no período e a elas aplicou-se a média ponderada, fator que,
associado à visão crítica do autor, definiu a escolha do material analisado.
41
5.1.1 A escolha das peças
No ano de 1969, as peças publicitárias com maior frequência na Revista estão no segmento de
Revista feminina e Cigarros. Ambas são representadas com 33,33% de frequência. Como a
média ponderada resultou em 1,8, neste caso, serão analisadas duas peças, sendo que, uma
peça será do segmento Cigarros, e outra do segmento Revistas femininas. A peça referente ao
segmento de Revistas Femininas pode ser encontrada na Edição 76, página 76. Por
conseguinte, as propagandas do segmento Cigarros pode ser encontrada na Edição 27, página
63.
Em 1979, o segmento em que a mulher esteve com mais frequência foi o de Finanças,
representado com 22,22%. Todavia, outros valores, na visão crítica do autor, mostraram-se
relevantes, portanto, foram considerados como parte da análise. O outro segmento que
também será analisado é o de Automóveis, representado por 16,67%. A peça escolhida para o
segmento Finanças foi a Edição 549, página 81. Já no segmento Automóveis foi a Edição
550, página 136 e 137.
Já no ano de 1989, a mulher volta a aparecer com mais assiduidade nas propagandas de cunho
Financeiro, com 19,23% de frequência. Assim como em 1979, fica a critério do analista,
inserir novas importâncias de analíticas. Neste caso, 3 segmentos aparecem na importância de
11,54%, entretanto, para não desvirtuar da média ponderada, o autor decidiu acatar dois
segmentos, sendo eles: Eletrodomésticos e Moda. A propaganda escolhida no segmento de
Finanças foi: Edição 1072, Página 56 e 57. Nos segmentos Eletrodomésticos e Moda foram:
Edição 1073, página 122 e 123 e Edição 1070, páginas 80 e 81.
No ano de 1999, a imagem da mulher passa a ter 17,39% de frequência nas propagandas do
segmento Cosméticos e Bebidas Alcóolicas. As propagandas escolhidas para análise podem
ser vistas na Edição 158, páginas 59, 60 e 61 e Edição 1588, páginas 163.
Por último, em 2009, o gênero feminino retorna com uma frequência de 18,92% nas
propagandas do segmento de Finanças e 13,51% de frequência no segmento de Cosméticos.
Para serem submetidas à análise, a edição escolhida no segmento Finanças foi a Edição 2102,
42
página 10 e 11. Já no segmento Cosméticos, a peça escolhida para ser submetida à análise,
está disposta na Edição 2103, páginas 63, 65, 67, 68 e 89.
5.2 A EXPLORAÇÃO DO MATERIAL
Nesta fase, assim como explicita o título deste capítulo, há a exploração sistemática do
material reunido. Desta forma, Bardin (2013, p. 131) trata esse ponto da análise de conteúdo,
como um longo processo fastidioso de decomposição dos textos a serem analisados. Nas
palavras da própria autora, o processo respalda-se em “[...] operações de codificação,
decomposição ou enumeração, em função de regras previamente formuladas”. A operação de
codificação é, de acordo com Holsti (apud BARDIN, 2013) fundamentada na transformação
de dados brutos em unidades sistematicamente agregadas, com o propósito de permitir uma
visão mais ampla acerca do material analisado.
Para proceder com a decomposição do material, tem-se a necessidade de recortar, dos textos
publicitários escolhidos, as unidades de registro. Para tanto, “efetivamente, executam-se
certos recortes a nível semântico, por exemplo, o ‘tema’, enquanto que outros são feitos a um
nível aparentemente linguístico, como a ‘palavra’ ou ‘frase’” (BARDIN, 2013, p. 134). No
caso da análise feita neste trabalho, a unidade para análise será a palavra.
Segundo a autora, “todas as palavras do texto podem ser levadas em consideração”; sendo
assim, o autor desta pesquisa adotou como recorte semântico da categoria ‘palavra’, os
substantivos e adjetivos presentes nos textos publicitários selecionados para a pesquisa.
Tal escolha ocorreu porque, de acordo com Kientz (1973, p. 164-165), para uma análise
fidedigna, o corpus da análise teve ser decomposto em unidades cada vez menores. A
‘palavra’, por sua vez, “[...] são as menores unidades utilizadas na análise de conteúdo”.
Ainda que a palavra seja a menor unidade a ser analisada, cabe também contextualizar os
personagens que se encontram na peça. Bardin (2013, p. 136) afirma que os personagens
podem ser analisados em toda a sua extensão, afinal, eles também fazem parte do conteúdo a
ser analisado. Sendo assim, é apropriado a esta pesquisa fazer uso desta unidade de registro e
contexto, indagando os personagens e suas personificações acerca do papel social auferido ao
gênero abordado na publicidade em análise, bem como sobre as supostas ocasiões nas quais
este papel aparece.
43
Por fim, outra unidade de registro a ser abarcada é a de contexto. Esta unidade é necessária
neste trabalho, pois o assunto tratado é vasto e necessita de uma contextualização para ser
melhor compreendido e posicionado numa determinada época. Como a ‘palavra’ será usada
enquanto uma das unidades de registros, é necessário contextualizá-la a nível social, de modo
a identificar o sentido intencionado por esta, quando proferida em sociedade e,
consequentemente, também compreender como se dá a absorção da mesma por parte de seus
interlocutores.
Nas palavras de Bardin (2013, p. 137), as unidades de contexto “[...] são ótimas para que se
possa compreender a significação exata da unidade de registro [...] Com efeito, em muitos
casos, torna-se necessário fazer (conscientemente) referência ao contexto próximo ou
longínquo da unidade a ser registrada”.
Há, portanto, certa discussão acerca das metodologias adotadas para a leitura dos dados
disponíveis. Alguns autores preferem tratá-los como quantitativos, outros, como qualitativos.
Para sanar este impasse, Bardin propõe que a abordagem quantitativa esteja diretamente
ligada às frequências retiradas dos textos. Acrescenta também que esta abordagem é mais
objetiva e dispõe de uma maior credibilidade. Já a análise qualitativa é constituída de
procedimentos mais intuitivos. Por meio dela, o analista é capaz de propor algumas
inferências sobre alguns acontecimentos relacionados ao texto. Assim, tem-se como exemplo
alguns questionamentos, sugeridos por Bardin (2013, p. 145), a respeito da metodologia
qualitativa: “Quais serão as condições de produção, ou seja, quem é que fala a quem e em que
circunstâncias? Qual será o montante e o lugar da comunicação? Quais os acontecimentos
anteriores ou paralelos?”.
Assim, neste trabalho adotaram-se as duas metodologias, tanto a quantitativa, quanto a
qualitativa. A primeira justifica-se pelo fato de que para a realização da análise do conteúdo, é
obrigatória a presença de elementos quantitativos. Já a segunda, fica a critério do analista.
Sabe-se, entretanto, que, em se tratando de trabalhos que envolvem o estudo das mídias, a
multiplicidade dos agentes de imprensa demanda, naturalmente, a aplicabilidade da
metodologia qualitativa (BARDIN, 2013). Sendo assim, optou-se por utilizá-la e esta se
mostrou de grande relevância, em função das diversas mensagens emitidas, por diferentes
anunciantes.
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Em síntese, no primeiro momento da análise, será feita a frequência de palavras masculinas e
femininas, considerando apenas os substantivos e adjetivos, sendo tratados de forma
quantitativa. No próximo momento, os personagens das peças publicitárias serão situados, em
relação ao lugar ocupado na situação simulada pelo próprio anúncio. Por último, a peça
publicitária, em seus aspectos imagéticos e textuais, será contextualizada em relação à
sociedade da qual fazia parte à época de sua veiculação. Desta forma, pretende-se realizar
uma leitura sobre os anúncios, por meio da qual seus personagens sejam situados e
devidamente contextualizados, o que compõe, portanto, uma análise de ordem qualitativa.
5.2.1 Análise das peças publicitárias selecionadas
Passaremos ao procedimento das análises das peças publicitárias com a maior frequência por
segmento em cada ano no mês de março, sendo estes: 1969, 1979, 1989, 1999 e 2009. As
escolhas das peças a serem submetidas á análise, como já foi explicitado anteriormente,
baseiam-se nos segmentos que obtiveram mais frequência no ano em questão. Em seguida,
tirou-se a média ponderada para demarcar quantas peças serão submetidas à análise.
Para viabilizar a leitura da peça em questão, foram realizadas transcrições relativas ao
componente textual das peças, estando estas dispostas, na íntegra, nos apêndices deste
trabalho. Diante disto, a análise será iniciada a partir da abordagem das propagandas,
constantes do primeiro ano/mês a ser analisado: 1969.
5.2.1.1 Peças publicitárias do ano de 1969
No ano de 1969, as publicidades com a presença da mulher obtiveram maior destaque em dois
segmentos: revistas femininas e cigarros. Ambos representados pela importância de 33,33%,
em relação às demais abordagens publicitárias presentes no período. Seguimos agora à análise
da primeira peça, disposta no segmento “Revistas Femininas”.
Figura 1 – Peça publicitária categoria “Revistas Femininas” (1969) – Edição 27, página 67.
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Fonte: Acervo Digital da Revista Veja
Conforme demonstrado na Tabela 6, abaixo disposta, nota-se a predominância das palavras
femininas na construção do texto publicitário, sendo estas um grupo que representa 57,78%
do total do conteúdo anunciado na referida peça. Em contraste a isto, os termos masculinos
possuem frequência de 27,78%, em relação ao restante das palavras dispostas na propaganda.
Entretanto, numa primeira leitura das frequências, em decorrência da motivação causada pela
predominância das palavras femininas do anuncio, foi possível constatar que a constituição do
texto é voltada ao feminino. Inicialmente, o anúncio demonstra não trabalhar com estereótipos
relacionados ao gênero feminino. As palavras indeterminadas, que podem ser usadas tanto
para homens quanto para mulheres, ocuparam a importância de 14,44% do conteúdo disposto
na peça. Para uma interpretação mais aprofundada, seguiremos a análise das palavras e seus
sentidos.
Tabela 6. Gênero das palavras (1969) – Revista edição 27, página 67CATEGORIA F % PALAVRAS
Femininas 52 57,78
apresentação; beleza; boas; bossas; camas; Cláudia (8x); coleções; colorida; consultas; correspondência; criança; culinária; frustrações; gestantes; ginástica; ideias; indicações; informação; leia; liberdade; máscara; moda; mulheres; nova (2x); novas (2x); orientação; páscoa; pele; praticas; psicóloga; responsabilidades; revista; revistinha; seção (2x); serie; silhueta; sobremesas; sofás; toda; vida (3x)
Masculinas 25 27,78 anos; artigo (2x); bons; desenvolvimento; dirigido; discos; exemplo; filhos (3x); filme; frangos; grátis; hóspedes; jornal; livros; longa-metragem; março; medo; melhor; mundo; paris;
46
ponto; vestibulares
Indeterminadas 13 14,44 dentista; inteligentes; jovem (7x); repetentes; responsáveis; sensacionais; sobre
TOTAL 90 100,00 Fonte: Elaborado pelo autor.
A chamada da peça publicitária: “As sensacionais coleções de Paris”, relaciona-se
nitidamente com o estrangeiro, com a moda estrangeira. Neste título, encontra-se a primeira
característica atribuída à mulher: a moda. O estrangeirismo aqui parece exercer alguma força
ao decorrer do texto. Diante deste indício, parece que para a época, uma das “preocupações”
das mulheres seria a moda.
Contudo, é preciso analisar as palavras femininas e masculinas para tentar captar as
atribuições de significado dadas a elas, por parte dos receptores aos quais se destinam.
As palavras classificadas como gênero feminino possuem algumas particularidades. Sabe-se
que “Beleza, colorida, culinárias, frustrações, gestantes, ginástica, moda, mulheres,
orientação, responsabilidade, silhueta e sofás”, são palavras que normalmente estão
associadas ao universo feminino. Desta forma, podemos notar que todas as palavras femininas
reforçam algumas noções que temos das mulheres, bem como relacioná-las com a beleza,
culinária, gestação, etc.
Dentre essas palavras, uma nos chama atenção. A palavra “frustrações” se mostra como uma
palavra feminina, uma emoção. Sendo este termo feminino e estando numa revista
direcionada ao público, parece que a palavra é experimentada por mulheres que não
conseguem atingir os objetivos de vida explicitados na revista, bem como passar no
vestibular, estar na moda, ser gestante, criar os filhos, ter prática na cozinha, e, além disso,
cuidar da beleza.
Outro termo que também chama a atenção é o adjetivo “nova” e seu derivado “novas”. O
termo é citado quatro vezes durante o decorrer do texto. De acordo com o Dicionário Aurélio
a palavra nova é um adjetivo feminino e refere-se a uma notícia, uma novidade. Sendo assim,
a insistência da palavra na construção do texto sugere o nascimento de uma nova mulher.
Todavia, o nascimento dessa nova mulher parece ser já formatado, não dando chance das
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mulheres escolherem aquilo que desejam. Ou seja, o nascimento desta mulher está exposto na
revista, em sua publicidade.
Para corroborar com esta hipótese, podemos notar a palavra “jovem”, que apesar de ser usada
para homens e para mulheres, é insistentemente citada por sete vezes. Numa visão associativa,
vemos a palavra “jovem” ligada à “nova”. Temos aqui o nascimento de uma nova mulher,
uma mulher jovem, capaz de reestruturar a sua vida para ser reconhecida como tal.
Os termos masculinos também podem nos dar algumas pistas sobre a construção da mulher.
Trataremos aqui, do termo “filhos”, citado por três vezes durante o texto. Como pode ser
visto, o termo em questão é genuinamente masculino. Neste caso, é importante questionarmos
a insistência em usar o substantivo filho somente no masculino. É sabido que as chances de
uma mulher gerar um menino são de 50%, deixando outros 50% para gerar uma menina.
Assim, ao que parece, a revista deixa indícios de que a utilização insistente da palavra
“filhos” pode estar ligado ao fato de um contexto no qual se preza pelo nascimento de um
homem, um herdeiro para a família .O nascimento de uma menina fica em segundo plano.
Portanto, apesar do público alvo da revista ser o feminino, a construção textual aponta para
certa predominância masculina. Algumas características femininas são endossadas, papéis de
gênero, bem como cuidar e educar dos filhos, são reafirmados pelo texto. Por fim, a
construção do texto baseia-se em estereótipos da época: o lugar da mulher é no âmbito
doméstico, cuidando dos filhos, e afazeres domésticos.
Após a leitura desta primeira peça, segue a análise da segunda, do segmento “Cigarros”. A
peça pode ser encontrada na Edição 27 da Revista Veja, página 67.
Figura 2 – Peça publicitária categoria “Cigarros” (1969) – Edição 27, página 67.
48
Fonte: Acervo Digital da Revista Veja
A Tabela número 7 de frequências do gênero das palavras, notifica que no texto da peça
publicitária existem oito palavras femininas, representado por 47,06% de frequência na
propaganda do segmento Cigarros. Já as palavras masculinas obtiveram uma frequência de
37,5% em relação às outras palavras, sendo constituídas por seis palavras do gênero. Por fim,
houve apenas duas palavras indeterminadas, na importância de 12,50% comparando aos
outros termos.
Tabela 7. Gênero das palavras (1969) – Revista edição 27, página 67CATEGORIA F % PALAVRAS
Femininas 08 50,00 admirada; brasileira; encantadora; histórica; partes; referência; todas; veneza
Masculinas 06 37,50 agrado; cigarro; incantatore; minister; mundo; recife.
Indeterminadas 02 12,50 Internacional; visitantesTOTAL 16 100,00
Fonte: Elaborado pelo autor.
Assim como na propaganda anterior, o estrangeirismo novamente esta presente no título da
peça. É interessante notar que este estrangeirismo está marcado com uma exclamação, dando
ainda mais ênfase ao seu sentido. “Incantatore” é um adjetivo italiano e masculino que em
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tradução livre significa: encantador. Por meio deste estrangeirismo, o anúncio é apresentado
ao leitor.
No Brasil, temos a cultura de adotarmos palavras estrangeiras para nomear coisas, e, a elas,
dar certo grau de importância. Nesta peça publicitária, não foi diferente. Enquanto a palavra
“incantatore” foi empregada no masculino, os termos femininos “admirada” e “encantadora”
foram escritos em português. Se unirmos a importância dada às palavras estrangeiras,
juntamente com as posições dadas a estas palavras, podemos concluir que a palavra
“incantatore”, genuinamente masculina, possui um maior destaque. Primeiro por estar em
negrito e letras maiores, e, segundo, por ser estrangeira.
Além disso, o próprio nome do cigarro “Minister” corrobora com a visão de importância dada
às palavras masculinas. Isso porque, também, é um substantivo inglês, masculino e
estrangeiro. Através dessas duas palavras – “incantatore” e “minister” –, temos alguns
indícios de grandeza atribuídos ao gênero masculino.
Os termos que indicam grandeza podem ser exemplificados com as palavras “mundo” e
“recife”. Todas essas palavras, na visão crítica do autor, dão ideia de algo grande. “Mundo”
por si só, apresenta-se como algo extenso, pleno, local no qual vivemos. A palavra “Recife”
faz referência a um local que, apesar de demarcado, é amplo. Tal formulação pode ser
entendida como o homem ocupando o espaço público. Em questão de dimensão, a palavra
“Recife” é um pouco mais limitada do que “mundo”, entretanto, trataremos da palavra recife
por ela conter uma particularidade: as reticências presentes após o emprego da palavra.
De acordo com Orlandi (2012), a pontuação serve para delimitar espaços, separar os sentidos
e formações discursivas. Através da pontuação os sujeitos são posicionados na superfície
textual. No caso em questão, as reticências foram usadas como signos de silêncio, algo que foi
suprimido e, portanto, pode ser interpretado. O emprego das reticências após “recife” separa o
gênero masculino (“recife”) do gênero feminino (“a encantadora Veneza brasileira”). Tem-se
aqui uma divisão simbólica entre os gêneros.
Ainda neste sentido, outro ponto que chama atenção é a seguinte formação discursiva:
“admirada por visitantes de todas as partes do mundo”. Ao indagarmos a formação a quem ela
se refere, a resposta nos levará a “Veneza brasileira”, termo feminino. Apesar de o texto fazer
referência a cidade de Recife, não é possível notar na parte imagética da imagem a beleza de
50
Recife. O que se destaca, é um casal fumando seus cigarros, um homem e uma mulher. A
“Veneza brasileira”, então, não é mais a cidade, e sim a figura da mulher (branca, na moda,
independente, casada/namorada) que é admirada por todos que também apreciam “Minister”.
Em resumo, a mulher branca, na moda, independente por fumar e casada, torna-se um agrado
internacional, assim como sugere o final do texto publicitário.
Finalizada esta análise, partiremos para as análises das peças que obtiveram maior frequência
no mês de março de 1979.
5.2.1.2 Peças publicitárias do ano de 1979
No ano de 1979, as peças publicitárias que alcançaram a maior frequência no mês de março
deste mesmo ano, foram as do segmento de “Finanças” e “Automóveis”. A primeira teve
frequência de 22,22%, a segunda, 16,67%. Portanto, será retirada uma peça de cada segmento
para ser submetida à análise. Partiremos agora para a análise da primeira peça do ano de 1979.
Figura 3 – Peça publicitária categoria “Finanças” (1979) – Edição 549, página 81.
Fonte: Acervo Digital da Revista Veja
Podemos observar na Tabela 8 que as palavras com maior frequência no anúncio do Bradesco,
são do gênero feminino, representada por 48,98% em relação aos outros termos. As palavras
masculinas, por sua vez, representam a importância de 42,86% de frequência no anúncio,
contra 8,16% de palavras indeterminadas.
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Tabela 8. Gênero das palavras (1979) – Revista edição 549, página 81CATEGORIA F % PALAVRAS
Femininas 24 48,98agência; agências; cada; declaração (4X); dobra; equipe; espalhadas; esquina; moça (5x); renda (2x); rua; vezes (4x); vida
Masculinas 21 42,86bem (2x); bradesco (3x); carro; mil (5x); pertinho; porque; pronto; rápido (3x); resolvido; trabalho; tranquilo; tudo
Indeterminadas 04 8,16 entregue; especialmente; fácil (2x)
TOTAL 49 100,00
Tecnicamente, as palavras femininas voltam a predominar no texto publicitário de 1979. Na
edição 549 da Revista Veja, podemos observar isto claramente. Entremeios a várias palavras,
uma chama atenção por sua frequência excessiva na construção do texto. O termo “moça” é
mencionado no decorrer do texto por cinco vezes. Todavia, antes da palavra começar a ser
mencionado o texto é marcado por uma construção discursiva totalmente impositiva.
Ao dizer que “No Bradesco é assim”, o autor do texto propõe obediência e também
imposição. Bradesco, por ser um banco, é uma palavra masculina, ou seja, é o masculino
determinando algo. De acordo com Orlandi (2012, p. 121), “a pontuação marca, no texto, um
divisão dos sentidos e dos sujeitos”, sendo o sujeito o gênero masculino, e em seguida, os dois
pontos [:] marcam uma divisão no texto, sendo que, o que vem após a pontuação é o objeto
que se sujeita ao banco: a moça.
O que vem a seguir dos dois pontos (“você estaciona o carro, fala com a moça e pronto.
Dobra a esquina, fala com a moça e tudo bem. Atravessa a rua, fala com a moça e está
resolvido. Sai do trabalho, fala com a moça e fica tranquilo”) é uma construção textual de
servidão. Em todo momento na discursividade, a mulher é posta como força de trabalho,
servindo a alguém. Mais do que isso, a construção deste período demonstra a mulher sempre
disposta a servir.
Por vezes, a “moça” especificada no texto, parece ser um corpo sem vontades, sem desejos,
apenas se sujeitando ao que é pedido. Logo no início da construção da frase, fatos corriqueiros
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do cotidiano são usados como pretexto para o surgimento da “moça”, sempre prestativa e
disposta a resolver problemas que, inicialmente, não precisaria de ninguém para resolvê-los.
Outro fator importante para compor esta análise, é a palavra “rápido” ser do gênero
masculino, característica esta, que parece estar ligada a agilidade da moça em sempre estar
disposta atender as demandas dos homens, afinal, o homem precisa da sua rapidez. Algumas
pessoas poderão questionar o fato de que essas demandas também poderão surgir das
mulheres, entretanto, cabe ressaltar que em 1979, poucas mulheres possuíam renda o
suficiente para declararem. Eram dependentes de seus pais ou maridos (SOHEIT, 2013).
Além disso, outro fator que indica para está visão é a posição ocupada pela mulher na peça
publicitária em questão. A mulher encontra-se com um número na camisa, indicando o
número da agência, sendo assim, é está a “moça” que atende as demandas recebidas. A
“moça” está presente não como produtora da renda que será declarada, mas sim como mera
serva, uma subalterna. O lembrete ao final do texto “Não se esqueça: 264 é o número Código
do Fundo Bradesco”, está fortemente associado à imagem da mulher que está vestindo uma
camisa com o mesmo número explicitado na frase final.
Mais um ponto que dá indícios dessa servidão, pode ser notado ao final da construção do texto
inicial. “Sai do trabalho, fala com a moça e fica tranquilo”. O termo “tranquilo” é uma palavra
do gênero masculino, por isso, neste contexto, a palavra está nitidamente se referindo ao
homem como o sujeito que irá declarar sua renda para a “moça”.
Já com a devida análise finalizada, seguiremos então para a segunda análise do ano de 1979,
presente no segmento “Automóveis”.
Figura 4 – Peça publicitária categoria “Automóveis” (1979) – Edição 550, página 136, 137.
53
Fonte: Acervo Digital da Revista Veja
Neste último anúncio a ser analisado no ano de 1979, evidencia uma diferença no gênero das
palavras. Mais do que a metade das palavras extraídas do texto, são masculina, com 60% de
frequência durante o decorrer do texto. Já as palavras femininas, ocuparam a importância de
32,86%, sendo representados por 23 palavras femininas no texto publicitário da marca Ford.
Na visão crítica do autor, as palavras de gêneros indeterminados, que podem ser usadas tanto
para homens quanto para mulheres, não apresentam grandes relevâncias para a
contextualização, exceto a palavra segurança, que será contextualizada logo mais.
Tabela 9. Gênero das palavras (1979) – Revista edição 550, página 136, 137CATEGORIA F % PALAVRAS
Femininas 23 32,86
5ª (2x); aceleração; caixa; categoria; duas; durabilidade; economia (3x); exclusividade; faixa; ignição; inovações; manutenção; marcha (3x); novidades; recalibrada; rotação; suspensão; transistorizada
Masculinas 42 60,00
5 (2x); 16 (2x); agora; aperfeiçoamentos; automático; bravo; câmbio; campeão; carro; conforto; corcel II GT (7x); custo; dele; desempenho (2x); econômico; equipado; faróis; ford; lavador; litros (2x); marchas; máximo; menor; mesmo; motor (3x); passageiro; tempo; toque; único; verdadeiro
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Indeterminadas 05 7,14 especialmente; maior; over-drive; segurança (2x)
TOTAL 70 100,00
A peça publicitária em questão está visivelmente dirigida ao público masculino. Podemos
afirmar isto, ao observamos as frequências das palavras masculinas e femininas. Os
substantivos e adjetivos masculinos usados no decorrer do texto, a todo o momento apontam
para meios tecnológicos, industriais e técnicos. Em outras palavras, temos uma construção
discursiva basicamente descritiva, indicando os melhores aspectos do produto a ser vendido.
Normalmente, os anúncios dirigidos ao público masculino são anúncios que discursam sobre a
cultura, a tecnologia, dispõe de mecanismos para convencê-lo racionalmente de que a compra
será consciente e boa. Em contrapartida, as propagandas voltadas para as mulheres,
dificilmente jogam pelo lado mais racional, preferem divagar pelos sentimentos, emoções,
referindo-se a elementos da natureza. Assim, o anúncio em questão corrobora com a ideia de
que anúncios dirigidos ao público feminino são muito mais racionais e menos emotivos,
buscam o lado racional e tecnológico.
As palavras masculinas, bem como: “câmbio, conforto, máximo, motor e equipado”, remetem
a questão de grandeza e potência. Tudo isto aplicado no contexto social, resulta numa visão
do homem como um ser forte, potente, racional. A palavra “motor”, citada duas vezes, alude
esta ideia. Quando falamos em motor, nos leva a algo que move alguma coisa, algo potente.
Neste caso, o público alvo do anúncio.
Ao final da peça publicitária, uma frase chama atenção: “Finalmente economia e desempenho
estão andando juntos”. Cabe indagar quem é a economia? E o desempenho? Estariam essas
duas palavras chamando por seus gêneros? Sendo economia, a mulher e desempenho, o
homem?
Podemos responder a essas questões recorrendo às frequências extraídas do anúncio. De
acordo com o dicionário Aurélio, a palavra “desempenho” é um substantivo masculino. Duas
definições dadas pelo autor servirão como base. Elas são: “1. Ato ou efeito de desempenhar”.
E outra nos leva a sua variação da palavra, “desempenhar”: “4. Exercer, executar [...] 5.
Representar, interpretar”.
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A palavra “economia”, Aurélio define como um substantivo feminino que significa: “1. A arte
de bem administrar uma casa ou um estabelecimento particular, ou público [...] 5.
Organização dos diversos elementos num todo”.
A partir destas duas definições, caminhamos para a resposta de quem é o desempenho, e quem
é a economia. Morfologicamente, teremos a palavra “economia” representando a figura
feminina, e o termo “desempenho” representando o homem. A “economia” é um dos papéis
da mulher, organizar o âmbito doméstico, colocar os elementos em ordem. O “desempenho”,
por sua vez, é exercido pelo homem, é ele quem executa e possui o poder de mando. Podemos
ter a liberdade para fazer tal associação, pois, a própria imagem do anúncio faz referência a
um homem e a uma mulher, nitidamente formando um casal.
O termo “finalmente” nos conduz para algo que tem fim, à uma conclusão, um arremate.
Desta forma, parece que o “desempenho” e a “economia”, antes, andavam separados, e após o
anúncio do Corcell, ambos estão andando juntos. Vale ainda ressalvar que o verbo “estão” é
determinista, afirmativo e até mesmo imperativo, não havendo sombra para contestação.
Após as duas análises do ano de 1979, partiremos agora para as análises do ano de 1989 que
obtiveram a maior frequência no mês de março.
5.2.1.3 Peças publicitárias do ano de 1989
Assim como em 1979, a presença da mulher nas peças publicitárias volta a ser mais frequente
em 1989 nas propagandas de cunho financeiro, representada por 19,23% de frequência. Neste
ano, há uma especificidade. Notou-se que, além das peças do segmento Finanças que
voltaram a aparecer em 1989, outros dois segmentos se mostraram relevantes para o analista.
Os segmentos Eletrodomésticos e Moda empataram em suas frequências, 11,54% cada. Deste
modo, o autor preferiu investigar as duas peças, já que as duas tiveram a mesma importância
em cada ano. Assim, segue a análise da primeira peça do ano de 1989, incluída no segmento
Finanças.
Figura 5 – Peça publicitária categoria “Finanças” (1989) – Edição 1072, página 56, 57.
56
Fonte: Acervo Digital da Revista Veja
No ano de 1989, as palavras femininas parecem estar ausentes dos anúncios financeiros que
contém a figura da mulher. A tabela 10, como pode ser visto logo abaixo, nos da uma
frequência de 82,35% de palavras masculinas, contra apenas 14,71% de palavras femininas.
Apenas uma palavra com o gênero indeterminado foi extraída do texto, ocupando 2,94% de
frequência.
Tabela 10. Gênero das palavras (1989) – Revista edição 1072, página 56, 57CATEGORIA F % PALAVRAS
Femininas 05 14,71 compras; gasolina; primeira; tecnologia; viagens
Masculinas 28 82,35
bamerindus (4x); bem; bom; cartão (4x); cheques; cliente; despercebido; ele; financeiro; garantido; hotéis; lugar (2x); melhor; mercado; postos; primeiro; recebido; restaurantes; supermercados; trocados; tudo
Indeterminadas 1 2,94 cliente
TOTAL 34 100,00
57
O nome do banco é citado quatro vezes, nome este, classificado como masculino. Todas as
características atribuídas ao cartão são boas: “bem, bom, melhor, primeiro”, sendo assim, as
características que incialmente foram atribuídas ao cartão, podem ser também associadas as
particularidades do universo masculino.
Outras palavras também merecem a nossa atenção: “Financeiro, mercado e cheques” são
atividades que por si só, são correlacionados com os homens. É o homem que está fora
(BORDIEU, 2002), é ele que se encontra fora do âmbito do doméstico, é o provedor do lar.
Quem move o mercado, assim como as palavras, é o masculino. O homem é o responsável
pela geração do dinheiro. À mulher, ficam reservadas as “compras”, as “viagens”, os gastos
com a “gasolina”.
Mais um ponto que vale SER ressaltado é o título do anúncio: “O cliente em primeiro lugar”.
Temos aqui uma referência clara às questões de prioridade encontradas em nossa sociedade.
A palavra cliente, apesar de ser classificada como indeterminada, no anúncio está se referindo
ao homem, e não a mulher. Desta forma, podemos compreender tal enunciado, como uma
ordem de prioridade. Quem está em primeiro lugar é “o” cliente, e não “a” cliente.
Ainda que o anúncio pareça ser dirigido aos dois públicos (feminino e masculino), podemos
fazer uso da imagem para que este impasse seja resolvido. O homem está presenteando a
mulher, logo, a renda provém dele, a mulher é apenas uma receptora da renda do
marido/namorado.
Algumas construções discursivas servem para alguns questionamentos, entre elas: “Porque ele
é bem recebido onde quer que você esteja” e “[...] com ele você acessa a mais completa
tecnologia do mercado financeiro”. Da mesma maneira dos outros anúncios, o texto busca
reforçar (conscientemente) a importância do “ele”, do masculino. Sugere que tudo gira em
torno da construção masculina, não havendo a possibilidade de romper com o gênero
masculino.
Com “ele”, como sugere o texto, as coisas são garantidas. Com “ele”, “você não passa
despercebido”. Apesar de o texto estar se referindo ao cartão, temos nitidamente a presença
do masculino na construção discursiva. Mesmo que a referência ao homem não esteja
explicitado na construção discursiva, o masculino se materializa no não-dito (ORLANDI,
2012). Diante de mais uma evidencia da predominância masculina no texto, fica perceptível
58
que a figura masculina é o personagem principal, é ele que atua durante toda a peça. A
mulher, por sua vez, apenas está na peça como coadjuvante, e mais uma vez de uma forma
passiva.
Feito isto, prosseguiremos para as próximas duas análises de conteúdo das peças publicitáras
do ano de 1989.
Figura 6 – Peça publicitária categoria “Moda” (1989) – Edição 1070, página 80, 81.
Fonte: Acervo Digital da Revista Veja
Como pode ser visto na Tabela 11, as palavras femininas voltaram a ter uma maior
frequências nas publicitárias de 1989, no segmento Moda. Os substantivos e adjetivos
femininos ocuparam 50,00% de frequência no decorrer da peça, contra 43,75%. Já as palavras
de gênero indeterminado, somaram a importância de 6,25%;
Tabela 11. Gênero das palavras (1989) – Revista edição 1070, página 80, 81CATEGORIA F % PALAVRAS
Femininas 24 50,00
arrow (3X); camisas (3X); coleção; curtas(2X); elas (2X); elegância; foras; mangas (3x); manguinhas; nova; novas; roupa; temperatura; toda; vantagem; vez
59
Masculinas 21 43,7525; acabamento; agora; aliado; bem; bom; caimento; calor (2x); caminho (3x); cm; curto; negócios; país; poder (3x); rápido; tropical
Indeterminadas 03 6,25 confortável; impecável; melhoresTOTAL 48 100,00
Mais uma vez, as palavras femininas voltam a manter uma forte ligação com as características
socialmente atribuídas as mulheres. “Camisas, coleção, mangas, manguinhas, roupa”, todos
esses substantivos tomam como referência a peça de roupa que, aparentemente, remetem a
relação que as mulheres possuem com as vestimentas, com a moda.
Outro ponto que chama atenção é a manifestação verbo “poder”. Inicialmente os verbos foram
desconsiderados para a análise das peças, entretanto, o autor percebeu ser indispensável a
contextualização deste verbo para o entendimento da construção textual, visto que, o verbo
“poder” foi citado por três vezes. Além de estar em destaque (negrito) na frase final do texto.
Consensualmente o termo chama atenção por apontar para alguns sentimentos de
autoritarismo, e a ideia de um sujeito que governa outra pessoa. Numa rápida consulta ao
dicionário Aurélio, podemos observar um vasto texto sobre tudo o que está relacionado ao
poder, entre elas:
1. Ter a faculdade de [...] 2. Ter a possibilidade de, ou autorização para [...] 8. Ter o direito, a razão, o motivo de [...] 13. Ter força física ou moral, ter influência, valimento [...] 14. Ter força, robustez, capacidade, para suspender, aguentar, suportar [...] 19. Autoridade, soberania, império. 20. Domínio influência, força (FERREIRA, 1975, p. 1104).
Além dessas tantas definições, é possível encontrar no dicionário mais de vinte tipos de poder,
todos também relacionados a um controle, a uma supremacia. Os significados para poder são
inúmeros, diversificados, apontam para uma infinidade de áreas que “o” poder é capaz de
inferir. Por ser um termo masculino, somos forçados a atribuir estas características também ao
homem. E, além disso, a construção discursiva do texto é voltada para o homem, ou seja, o
poder citado incessantemente por três vezes está no homem, e não na mulher que está ao seu
lado.
Retornando aos significados da palavra “Poder”, fica claro que todas as definições aqui
transcritas representam o modo de o homem atuar no mundo, neste caso, na época de 1989.
60
Assim como Bordieu afirma em seu livro “A dominação Masculina”, é homem que possui a
possibilidade de fazer algo, que autoriza algo. Numa discussão, assim como postula
“Castañeda”, o homem sempre possui a razão, o direito de fala. Em se tratando de moralidade,
é o homem que a constrói, sempre baseada na supremacia do seu gênero (BORDIEU, 2002;
CASTAÑEDA, 2012).
A construção discursiva: “[...] um aliado no seu caminho para conquistar o poder”, causa
certo incômodo, pois parece que através de uma vestimenta o homem pode alcançar o poder,
enquanto a mulher, ao seu lado, esta apenas como uma espectadora, vendo-o conquistando o
poder. Esta ideia pode ser atestada pelo desfecho do texto: “[...] elas não são apenas o
caminho mais rápido para o poder. São também o mais confortável”. Ao contrário do conforto
sugerido pelo autor da peça, o discurso final causa certo desconforto. Ainda que o autor esteja
se referindo nitidamente às camisas Arrow, não podemos desconsiderar o gênero da palavra
“camisas”, sendo este, feminino. Sendo assim, ao substituirmos a camisa pelo gênero
feminino, além de espectadora do sucesso do homem, como já foi explicitado anteriormente,
teremos a mulher como uma ponte para o sucesso do homem, para a conquista do poder.
Por fim, para reiterar esta ideia, o texto é concluído com a seguinte frase: “O caminho para o
poder está 25 cm mais curto”. Ao analisarmos o lado imagético da peça, percebemos uma
certeza proximidade entre o homem e a mulher, podendo ser este, um indício de que a mulher
é uma ponte para o sucesso do homem.
Finalizada esta análise, seguiremos a análise da última peça do ano de 1989, encontrada no
segmento Eletrodomésticos.
Figura 7 – Peça publicitária categoria “Eletrodomésticos” (1989) – Edição 1073, página 122, 123.
61
Fonte: Acervo Digital da Revista Veja
Os substantivos e adjetivos mais frequentes na última peça publicitária do ano de 1989 a ser
analisada, são os do gênero masculino, representados com 52,73% de frequência no anúncio.
Como pode ser observada na Tabela 12, a frequência de palavras femininas ocupa a
porcentagem de 36,36%, com apenas 20 palavras ao decorrer do texto. Já as palavras
indeterminadas, estão representadas na importância de 10,91%.
Tabela 12. Gênero das palavras (1989) – Revista edição 1073, página 122, 123CATEGORIA F % PALAVRAS
Femininas 20 36,36
comentadas; embalagem; lavagem (2X); lavalouça (2X); lavalouça; limpinhas; louças (3X); manchas; máquina; novas; outras; perfeita; plastificada; próxima; tranquila; vantagens
Masculinas 29 52,73
abrilhantador; cheirinho; dosador; experimente; fino; limão; muito; pó(2x); prático; produto(2x); rápido; recomendado; resultado; resultados; secador; segredo; sun (8x); tempo; todos; único
Indeterminadas 06 10,91 agradável; brilhando (2x); fabricantes; garante; melhor
TOTAL 55 100,00
Das palavras que foram extraídas do texto e classificadas como do gênero feminino, algumas
devem ser destacadas: “lavagem, lavalouça, limpinhas, louças, manchas e tranquila”. Todas
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essas palavras associam-se ao universo doméstico, ao que podemos encontrar dentro das
casas, lugar este, ocupado, normalmente, por mulheres. A lavagem de louças socialmente está
atribuída as mulheres, ou seja, é uma atividade genuinamente do lar, feminina.
É interessante notar que a imagem da mulher aponta para um ar de elegância. Mesmo que os
elementos associados a mulher seja do âmbito doméstico, na imagem a mulher transparece ter
tempo para várias coisas. Além de cuidar dos afazeres domésticos atribuídos a ela, o gênero
ainda é capaz de ter um pouco de tempo para si. Talvez, seria arriscado afirmar que a mulher
presente na peja esteja chegando do trabalho, entretanto, na visão do autor, está suposição
pode sim ser válida, afinal, os sentidos contidos no texto não terminam na vírgula ou no ponto
final, ele se estendem para além do texto, além da imagem. Desta forma, a mulher tem uma
dupla jornada: além de cuidar da casa, essa mulher ainda tem tempo para trabalhar e se
arrumar.
“Produto” é uma palavra masculina, portanto, associada ao homem. A mulher faz uso desse
produto para efetivar os afazeres domésticos. Assim, temos o produto como o “provedor” para
algo ser efetivado.
Algumas construções discursivas, novamente voltam a incomodar. A primeira refere-se que
os produtos são recomendados “[...] por todos os fabricantes de lavalouça”. Ainda que a
palavra fabricante sirva tanto para o gênero masculino quanto para o feminino, o autor do
texto preferiu coloca-lo no gênero masculino. Seria possível trocar “os fabricantes” por “as
fabricantes”, tendo em vista que lavalouça é uma palavra feminina, logo, haveria mais
concordância na construção da frase. Não obstante, por ser uma recomendação “do”
fabricante e não “da fabricante”, a formulação da frase, com a palavra sendo aplicada no
gênero masculino, parece dar certa importância ao que foi recomendado. Talvez se a frase o
fabricante estivesse empregado no gênero feminino, haveria menos credibilidade.
Sendo o anúncio voltado para a mulher, outro aspecto que chama atenção é a construção da
frase: “Sun pó tem um agradável cheirinho de limão [...]”. Ao invés de descreverem aspectos
técnicos do produto, preferiu-se usar um elemento da natureza (limão) para a descrição do
produto. Esta ideia comprova a visão de que os elementos da natureza, nesta peça, foram
usados para atingir o seu público-alvo, a mulher, partindo do pressuposto que a linguagem
mais adequada para o seu público, é uma linguagem que envolva elementos naturais.
63
Finalizada esta análise, seguiremos para as peças analisadas no ano de 1999.
5.2.1.4 Peças publicitárias do ano de 1999
Nas propagandas referentes ao ano de 1999, os segmentos que mais estiveram presente foram
os de Cosmético de Bebidas Alcoólicas. Ambos ocuparam uma frequência de 17,39% no mês
de março do referido ano. Seguiremos agora para a análise da primeira peça do ano.
Figura 8 – Peça publicitária categoria “Cosméticos” (1999) – Edição 1588, página 59, 60, 61.
64
Fonte: Acervo Digital da Revista Veja
No presente anúncio, as palavras masculinas e
femininas tiveram frequências parecidas. A
Tabela 13, nos mostra que 46,15% de
frequências são palavras femininas, e
50,00% da construção publicitária foi
baseada em termos genuinamente
masculinos.
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Tabela 13. Gênero das palavras (1999) – Revista edição 1588, página 59, 60, 61CATEGORIA F % PALAVRAS
Femininas 12 46,15 ação (3x); beleza; hidratada; macia; pele (5x); prolongada
Masculinas 13 50,00 absorvidos; encontro; hidratante (2x); lux (4x); luxo (4x); programa
Indeterminadas 01 3,85 profundamenteTOTAL 26 100,00
Neste anúncio, na visão do autor, a maioria das palavras, si tratadas separadamente, não
apresentaram nenhuma particularidade ou algo a ser problematizado. Entretanto, podemos nos
indagar sobre os sentidos presentes nas formulações das frases.
Na primeira parte do anúncio, temos uma mulher deitada, branca e sorrindo. Acompanhada a
ela, encontramos a frase: “Hoje eu não estou pra ninguém”, ao virar a página nos deparamos
com o fragmento que completa a frase “Só pra mim”. Nesta mesma página podemos observar
a mesma mulher da página anterior tomando banho. Está sedutora, aproveitando o dia que foi
reservado somente para ela.
Algumas palavras do gênero feminino podem fornecer indícios da motivação desta mulher em
reservar um tempo reservado só para ela. “Beleza, hidratada e macia”, são alguns dos
adjetivos dirigidos ao corpo feminino para responder o porquê de reservar este tempo só para
ela. Deste modo, essas características parecem ser um dos objetivos das mulheres, alcançarem
a beleza e uma pele macia e hidratada. Ao chegar ao final do texto, confirmamos está
hipótese. O próprio autor confirma que ao usar lux, a beleza será sentida na pele.
É nítido que o anúncio é dirigido ao público feminino. Para tanto, a construção do texto foi
baseada, mais uma vez, em características da natureza, o que tange o corpo humano. Assim
como nas propagandas de carro, o autor da peça poderia usar uma descrição mais técnica do
produto, e não tão “tocante” como se mostra a construção da peça. Essa proximidade com a
natureza/corpo pode ser notada com o uso da palavra feminina “pele”, usada cinco vezes no
decorrer do texto. A repetição da palavra indica para uma valorização do corpo, já que a pele
é o único órgão que cobre toda a extensão do corpo humano.
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Outro aspecto que também chamou atenção é a inferência do autor ao propor que a mulher
deve/pode marcar um encontro com Lux Luxo Ação Hidratante. E complementa dizendo que
a pele da mulher merece este encontro. Temos aqui, algumas propostas feitas ao público
feminino. Propostas que são tentadoras, prometendo uma beleza que, talvez, as mulheres que
a aceitarem não terão.
Terminada esta análise, seguiremos para a próxima análise do referido ano (1999), presente
no segmento de “Bebidas Alcoólicas”.
Figura 9 – Peça publicitária categoria “Bebidas Alcoólicas” (1999) – Edição 1588, página 163.
Fonte: Acervo Digital da Revista Veja
Na última peça a ser analisada, uma particularidade a diferencia de todas as peças que até então já
foram analisada. A ausência de substantivos e adjetivos é nitidamente percebida. O texto é
diminuído drasticamente em comparação aos outros anos. Entretanto, os sentidos das palavras ali
presentes, juntamente com o auxílio da imagem, podem nos dar algumas pistas de qual forma a
mulher é representada para a sociedade.
Tabela 14. Gênero das palavras (1999) – Revista edição 1588, página 163.CATEGORIA F % PALAVRASFemininas 1 100,00 CampariMasculinas 0 0,00 -Indeterminadas 0 0,00 -TOTAL 2 100,00
67
Como pode ser visto na Tabela 11, apenas uma palavra foi reconhecida como substantivo e
adjetivo para esta análise. Entretanto, precisamos do auxílio de uma palavra-chave, um
pronome, que na visão do autor, mostra-se imprescindível para a contextualização da peça. O
pronome: “ele”, está marcado hora por uma tipologia maior, hora destacado em itálico. Por
meio desses destaques percebemos a importância que o pronome desempenha na construção
discursiva da referente peça.
O pronome desempenha um papel fundamental no texto, afinal, é mencionado por duas vezes.
Os sentidos dessas duas menções indicam que “ele” está envolvo a algo de importância. Sem
sombra de dúvidas, o termo como foi empregado para atribuir ao pronome uma áurea
importante, atribuir a “ele” um poder difícil de mensurar.
Tais indícios ainda são poucos para concluirmos alguma coisa sobre a publicidade em
questão. Inevitavelmente, precisamos recorrer à imagem da publicidade que ocupa boa parte
do anúncio. Na imagem podemos observar uma mulher com vestido vermelho, fazendo
referência à bebida Campari. Junto a esta mulher, temos um homem, pegando-a pela cintura.
A mulher está com um copo de bebida em uma das mãos, muito possivelmente, com a bebida
Campari.
O primeiro questionamento ao lermos a frase “Com ele tudo acontece” é sabermos quem é
“ele”. No primeiro momento podemos pensar na bebida Campari, entretanto, o nome
“Campari”, assim como a palavra “bebida”, são do gênero feminino, logo, não há
possibilidade de se referir a bebida Campari com o pronome “ele”. Já em um segundo
momento, seria possível dizer que o “ele” usado na peça, poderia estar se referindo ao
“álcool” e não a bebida alcoólica. Porém, mais uma vez, não há concordância. Ao final do
anúncio a palavra “ele” é empregada na seguinte frase: “Campari, só ele é assim”. Se
substituirmos “ele” pelo termo masculino “álcool”, do ponto de vista mercadológico, não
surtiria muito efeito, pois o produto iria ser só mais um produto com teor alcoólico.
Diante dessas tentativas de atribuir o pronome “ele” a alguma palavra compatível ao seu
gênero, podemos afirmar que o pronome está se referindo ao homem presente na peça
publicitária. Por mais que numa primeira leitura o leitor comum possa entender que o
pronome realmente esteja se referindo a bebida, há alguns problemas de concordância que
descontroem essa ideia. “O autor da peça poderia substituir o pronome “ele” por ela”,
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entretanto, optou-se por reforçar ainda mais a predominância masculina usando o pronome no
masculino.
Em síntese, a peça publicitária sugere uma possível predominância masculina, ou seja, o
homem é capaz de realizar qualquer ato com ou sem a bebida. Vale ressalvar que, apesar da
mulher estar presente imageticamente no anúncio, toda a construção textual e imagética é
voltada para o universo masculino.
Terminada esta análise, passaremos para a virada do milênio e analisaremos as peças de
março do ano de 2009.
5.2.1.5 Peças publicitárias do ano de 2009
Neste último ano a ser analisado, as peças que obtiveram a maior frequência por segmento,
foram os segmentos de “Finanças” e “Cosméticos”. Sendo o primeiro segmento representado
por 18,92%, e o segundo na importância de 13,51% em relação aos outros segmentos.
Seguiremos agora a primeira análise do referido ano.
Figura 10 – Peça publicitária categoria “Finanças” (2009) – Edição 2102, página 10, 11.
Fonte: Acervo Digital da Revista Veja
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Na presente peça publicitária, a presença de palavras femininas, assim como poder ser visualizado na
Tabela 15, possui 48,53% de frequência ao decorrer da peça. Já a frequência de substantivos e
adjetivos masculinos, ocuparam 38,24% no texto publicitário do Banco Real. Por último, os termos de
gênero indeterminado, foram contabilizados na importância de 13,24%.
Tabela 15. Gênero das palavras (2009) – Revista edição 2102, página 10, 11.CATEGORIA F % PALAVRAS
Femininas 33 48,53
asckar; assistência; empresa; família; fatura; florença; fotógrafa; fotografia (2x); gente (2x); gestantes; histórias; isabel (4x); Itália (2x); lua-de-mel; medida; muita; mulher (2x); mulheres; outras; proteção; tranquilidade (2x); universidade; vezes ; vida (6x)
Masculinas 26 38,24
24; 50; amor; anos; banco (2X); barretos; cartão; cheque; crédito; curso; dez; dias; dinheiro; estúdio; futuro; imprevisto; juros; máster; mateus; mensal; oito; parcelamento; plano; problemas; real (4x); redor; seguro; sorteio; tempo; trabalho; tranquilo
Indeterminadas 09 13,24 bebês; cliente (2x); especial; frente; grandes; ideal; nutricional; paixões
TOTAL 68 100,00
Como já foi dito anteriormente, as palavras femininas obtiveram uma maior frequência.
Entretanto, os substantivos e adjetivos deste gênero, na maioria dos casos, são repetidos até
seis vezes ao decorrer do texto. Tais repetições podem nos dar algumas dicas para entender
melhor a contextualização da peça publicitária bancária.
A palavra “fotógrafa”, citada apenas uma vez, e a palavra “fotografia”, citada por duas vezes,
totalizando três palavras relacionadas entre si, compõe a ideia central da peça publicitária:
retratar os caminhos trilhados por uma “mulher”. Palavra que, também, é citada por duas
vezes, incluindo a o plural da palavra. O caminho trilhado por esta mulher, aparentemente,
parece ser de sucesso e superação. Cabe ressaltar também que a mulher citada não é genérica,
não é retratada como qualquer mulher, está mulher possui nome. Chama-se: Isabel, citada por
quatro vezes.
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A pergunta inicial do texto publicitário: “O que você quer para a sua vida? Realize”
demonstra certa independência desta mulher (Isabel). A construção do texto sugere que a
mulher é capaz de realizar aquilo que ela deseja para si. Desta forma, surge nesta propaganda
uma mulher decidida e não dependente de terceiros.
Ainda que esta mulher apareça na propaganda como independente, algumas construções
discursivas incomodam e nos fazem questionar a sua formação. “Compartilhe suas histórias e
conquistas com outras mulheres”. Neste ponto, parece que as conquistas de “Isabel” são
apenas de interesse de outras mulheres, os homens nesta construção não estão incluídos. Tudo
aponta para uma incapacidade do homem em se preocupar com os êxitos femininos. Assim
como propõe Castañeda (2012), as mulheres conversam entre si, dificilmente conseguem
incluir o seu mundo nas conversas dos homens.
Do ponto de vista científico, o ciclo da visa se resume em cinco fases: Nascimento,
crescimento, reprodução, envelhecimento e morte. Essas fases parecem estar representadas
nos cinco degraus da escada disposta no anúncio. Por ser uma escada, podemos fazer
referência a superação, as passagens da vida, sendo que cada degrau é uma conquista na vida
de “Isabel”. No primeiro degrau vemos uma foto representando o seu nascimento. Logo após,
vemos Isabel estudando, construindo a sua formação acadêmica. Já no terceiro degrau,
observamos Isabel casada com um homem, em lua-de-mel na Itália. No penúltimo degrau,
encontramos a foto de seu filho (assim como sugere a legenda). Em seu quinto e último
degrau, vemos Isabel realizada, tanto profissionalmente quanto pessoalmente.
Toda essa referência ao ciclo da vida dá ideia de algo natural, como se este fosse o ciclo da
vida. Nascer, construir uma formação academia, relacionar-se com um homem, casar, ter
filhos e ao final da vida sentir-se satisfeita por suas conquistas. Essa ilustração demonstra
certo padrão a ser seguido pela sociedade. É o tipo de padrão almejado por grande parte da
população, principalmente o sonho feminino. Desta forma, a peça publicitária reforça um
trajeto de vida que, por vezes, nem todas as mulheres desejam trilhá-lo.
Além dessa construção de vida, Isabel ainda pode contar com cheque especial “do” Real
Master. Como pode ser observado, Real Master é um substantivo masculino, logo, o feminino
depende do masculino para obter ajuda nos momentos de “aperto” da vida financeira. O texto
ainda sugere que Isabel possui algumas prioridades na vida, sendo elas: “família, trabalho e
71
suas grandes paixões”. As duas primeiras prioridades estão explicitadas, porém, as suas
grandes paixões parecem estar relacionadas a algo que não foi citado no texto.
As realizações de Isabel também parecem ser aplaudidas: “[...] quando a Isabel se realiza,
realiza também a vida de muita gente ao seu redor”. Ao retornar ao texto, notaremos que suas
realizações estão presentes na escada exposta na peça publicitária. Face a isto, os aplausos de
pessoas que também se sentem realizadas ao ver Isabel trilhando este caminho, parece vir da
sociedade, dos que estão a sua volta.
Em síntese, apesar da mulher presente na peça publicitária ser independente, possuir renda
própria, ter uma jornada dupla: trabalho e família, esta mulher ainda está associada ao lado
afetivo, aos valores louvados pela sociedade e endossados na peça em questão. Portanto,
ainda que Isabela seja independente, ela encaixa-se perfeitamente nos moldes normativos da
sociedade: uma mulher branca, heterossexual, realizada profissionalmente, casada e com
filho.
Feito isto, seguiremos agora para a última análise de 2009, que irá fechar os procedimentos de
análise até então realizados.Figura 11 – Peça publicitária categoria “Finanças” (2009) – Edição 2103, página 63, 65, 67, 68, 69.
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Fonte: Acervo Digital da Revista Veja
Como pode ser visto na Tabela 16, as palavras femininas estão em maior frequência no
anúncio do sabonete íntimo Dermacyd. Os termos femininos estão representados na
frequência de 48,48%, enquanto os substantivos e adjetivos masculinos somam a importância
de 39,39%. Já as palavras indeterminadas, são contabilizadas em 12,12% de frequência.
Tabela 16. Gênero das palavras (2009) – Revista edição 2103, página 63, 65, 67, 68, 69CATEGORIA F % PALAVRAS
Femininas 16 48,48batalhadora (2X); higiene; íntima(2x); mulher (2x); mulheres; produção; proteção; região; romântica; segura; toda; vaidosa (2x)
Masculinas 13 39,39 bem-estar; cuidado; dermacyd (4x); diário; dias; líquido; odores; ph; sabonete; todos
Indeterminadas 4 12,12 confiante; incansável (2x); possíveisTOTAL 33 100,00
Diferentemente das outras peças publicitárias, a Dermacyd optou por dividir a sua publicidade
em seis páginas, sendo que nas duas últimas o texto publicitário é arrematado. Inicialmente,
percebemos que a peça publicidade possui algumas características das mulheres presentes na
propaganda. Um fator relevante é que cada uma desses valores atribuídos a cada uma dessas
mulheres, são citados por duas vezes. “Batalhadora, vaidosa e incansável”, termos estes
usados nas primeiras páginas da publicidade, são retomados na construção do texto.
Desta forma, as características atribuídas a essas mulheres parecem ter alguma conotação
importante, visto que são retomadas no discurso sobre a mulher. Diante deste fato, cabe
recorrermos ao dicionário para tratar essas palavras de acordo com seus significados.
A palavra incansável, de acordo com o dicionário é: “1. Que não se cansa. Assíduo, constante.
3. Ativo, laborioso”. Esta palavra ser um pouco genérica, dando margem a contextualizações
frente ao texto em que ela se encontra. Se incansável é uma mulher que não se cansa,
inevitavelmente nos leva ao questionamento: Que não se cansa do que? De fazer o que? Na
visão do autor, essa mulher é incansável no sentido de possuir uma jornada dupla: obrigações
domésticas e obrigações relacionadas ao trabalho fora de casa que ela exerce.
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Partindo para o segundo momento da peça, temos a palavra “Vaidosa”. Segundo o dicionário
Aurélio, este termo nos leva a palavra vaidade: “1. Qualidade do que é vão, ilusório, instável
ou pouco duradouro. 2. Desejo imoderado de atrair admiração ou homenagens.” Numa
primeira leitura temos a palavra “vaidosa” como uma característica positiva, porém, a sua
significação no dicionário denota algo mesquinho, supérfluo. Nesse sentido, apesar da palavra
socialmente remeter a uma boa característica, no imaginário simbólico dos indivíduos a
palavra pode soar como uma preocupação demasiada com a beleza, com a boa aparência,
sendo estas características associadas ao comportamento das mulheres.
Na última característica atribuída a mulher, temos uma surpresa. A palavra “batalhadora” é
um empréstimo do substantivo masculino “batalhador”. Ou seja, a palavra “batalhadora” não
existe no dicionário, sendo um substantivo e adjetivo genuinamente masculino. As definições
dadas no dicionário são: “1. Que, ou aquele que batalha. 2. Lidador, lutador. 3. Defensor
fervoroso de qualquer ideia, principio, partido, etc.”. É interessante notarmos que,
conceitualmente, as características atribuídas a palavra “batalhador” parecem estar ausentes
na mulher, mesmo assim, o anúncio fez uso desta palavra para subverter o significado desta
palavra, atribuindo, também, as características de uma palavra masculina à mulher.
Em cada característica encontram-se mulheres diferentes. Na primeira, a mulher “incansável”
é branca, possui cabelos longos e é sensual. A segunda mulher, com o título “vaidosa”, é
negra, cabelos crespos e volumosos, também sensual. Na terceira e última mulher em
destaque, associada à “batalhadora”, vemos uma mulher branca, cabelos curtos e um pouco
menos sensuais do que as demais.
Esta última mulher chama atenção por estar com cabelos curtos e associada a uma palavra
que, como já foi exposto anteriormente, deriva de um substantivo/adjetivo genuinamente
masculino. Do ponto de vista social, mulheres possuem cabelos longos e homens, cabelos
curtos. Sendo assim, apesar do autor da peça atribuir uma palavra masculina a uma mulher,
esta palavra veio acompanhada com uma mudança imagética que destoa das outras mulheres:
o cabelo curto.
Nos momentos finais da peça publicitária, o discurso acerca das mulheres apresentadas nas
páginas anteriores é apresentado. O autor retoma as características até então apresentadas e
discursa: “Não importa o tipo de mulher que você é”. Aqui, temos um discurso aparentemente
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livre. A mulher pode ser quem ele quiser, não importando o que ela escolheu ser. Entretanto,
como pode ser visto anteriormente, o autor especifica algumas características das mulheres,
sendo assim, passa a ser contraditório. Pois, primeiro são destacadas algumas características
socialmente aceitáveis para depois ser discursado que elas podem ser o que quiserem.
Em resumo, por essas mulheres estarem presentes na propaganda da Dermacyd, parece que
para uma leitora se tornar uma mulher-Dermacyd (como sugere o texto o início do texto), é
preciso que essa leitora se molde nas quatro características ali presentes: incansável, vaidosa,
batalhadora e romântica. Além disso, não há escapatória, a mulher não possui escolha, pois de
acordo com o texto, a leitora “não tem como não ser” uma mulher Dermacyd.
Neste momento, encerramos a análise do mês de março de todos os anos propostos (1969,
1979, 1989, 1999 e 2009). Passaremos agora ao tratamento dos resultados, inferência e a
interpretação dos dados obtidos.
5.3 O TRATAMENTO DOS RESULTADOS, A INFERÊNCIA E A
INTERPRETAÇÃO
Nesta última fase da análise de conteúdo, de acordo com Bardin (2013, p. 131), “os resultados
brutos são tratados de maneira a serem significativos”. Desta forma, os resultados obtidos a
partir das análises de cada ano, serão detalhados e explicitados, a fim de torna-los
significativos e relevantes para se fazer uma análise social acerca da representação feminina
nas publicidade no mês de março dos anos 1969, 1979, 1989, 1999 e 2009, na Revista Veja.
Neste processo, o analista propõe suas próprias inferências e percepções sobre os resultados
obtidos na análise, e adianta algumas interpretações sobre o objetivo proposto, sendo estes:
analisar características textuais relacionadas ao gênero feminino, e examinar a construção
textual acerca do gênero feminino. Entretanto, cabe também nesta fase, demonstrar algumas
descobertas inesperadas que decorreram a partir da análise.
Sendo assim, segundo Osgood (apud BARDIN, 2013), os indicadores e inferências são de
ordem muito ampla, cabendo ao analista reter as indicações e inferências mais relevantes. No
caso desta pesquisa, optou-se por inferir na construção textual da mulher, cabendo ao analista,
investir se esta construção reforça os papeis socialmente atribuídos ao gênero feminino.
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Isto feito, para melhor estruturação e organização, as inferências e interpretações serão feitos
por ano. Sendo assim, no ano de 1969, as duas propagandas analisadas serão confrontadas, a
fim de encontrar pontos em que elas se aproximam ou se distanciam. Tal procedimento será
repetido nos anos subsequentes. Em outras palavras, as inferências e interpretações serão
feitas por ano, considerando apenas as propagandas que foram alvos da análise.
5.3.1 Resultados obtidos nas peças analisadas do ano de 1969
As análises feitas no ano de 1969 totalizaram em 60 palavras femininas, contra 31 palavras
masculinas. Os termos que podem ser usados tanto para homens quanto para mulheres,
somaram a importância de 15 palavras.
Inicialmente, esses dados podem ir contra a hipótese deste trabalho, que sugere que as
construções textuais das peças publicitárias corroboram com os papéis de gênero encontrados
na nossa sociedade. Porém, no ano em questão, notou-se que apesar de uma predominância
em palavras femininas, essas palavras endossaram os comportamentos femininos vigentes da
época.
Palavras como “beleza, criança, frustações, moda, silhuetas, beleza, encantadora, etc.”, fazem
parte do universo feminino na peça publicitária. Este discurso publicitário nos direciona para
o que Orlandi (2013, p. 33) chama de interdiscurso, sendo este, “[...] todo o conjunto de
formulações feitas e já esquecidas que determinam o que dizem”. Deste modo, as associações
presentes no texto publicitário das duas peças, nada mais são do que a apropriação de dizeres
já mencionados, de associações já aceitas e que fazem sentido para a sociedade.
Em resumo, as palavras usadas para representar a imagem feminina são subjetivas. De acordo
com Castañeda (2002), na maior parte das vezes, atribui-se a mulher valores subjetivos,
relacionados a beleza, moda, ao seu modo de vestir, valores estes, que são menos louvados
pela sociedade. Ao homem fica reservado o âmbito público, as características mais robustas e
bem vistas são associadas ao masculino.
5.3.2 Resultados obtidos nas peças analisadas do ano de 1979
Ao final da década de 70, as palavras que mais predominaram nos anúncios foram as do
gênero masculino, totalizando 63 palavras. Os termos femininos, por sua vez, somaram a
76
importância de 47 substantivos e adjetivos. Restaram, então, nove palavras de gênero
indeterminado.
As palavras masculinas denotam mais potência e força do que os substantivos e adjetivos
femininos. São palavras mais fortes, que se sobressaem ao serem equiparadas as palavras
femininas mencionadas no decorrer do texto. Apesar de essas publicidades conterem imagens
de mulheres, as palavras masculinas ofuscam os termos femininos.
Além disso, nota-se que a mulher é posicionada como serva do homem. O gênero feminino
passa a ser representado como um mero personagem para ilustrar as peças publicitárias.
Incrivelmente, o público alvo das duas publicidades analisadas do ano em questão, não é a
mulher, mas sim o homem. Temos a mulher na publicidade apenas como cuidadora daquilo
que o próprio homem conseguiu com o seu trabalho. A mulher é reduzida a um mero objeto
nas peças do ano em questão. É uma subalterna sem voz e sem vontades.
O que mais surpreende neste posicionamento é o contexto que envolve a publicação desta
peça. Como foi falado anteriormente, as peças foram veiculadas no mês de março, mês este
que é de comemoração ao dia da mulher. Por este motivo, seria esperado publicações voltadas
ao público feminino, que valorizassem o gênero feminino. Entretanto, os anunciantes optaram
por deixar de lado as mulheres e anunciar para quem realmente possui o poder de compra.
5.3.3 Resultados obtidos nas peças analisadas do ano de 1989
Assim como no ano anterior, as palavras que mais predominaram no ano de 1989 foram as
palavras masculinas, totalizando 49 substantivos e adjetivos masculinos. Os termos femininos
foram contabilizados em 29. Apenas 4 palavras de gênero indeterminado foram extraídas dos
textos publicitários.
Mais uma vez, a mulher aparece como receptora dos bens gerados pela figura masculina.
Assim como no ano anterior, além da mulher aparecer em segundo plano nas propagandas
analisadas, a construção discursiva do ano em questão, sugere uma suposta incapacidade da
mulher em adentrar o meio financeiro. Os textos publicitários sugerem passividade da mulher.
Todos os acontecimentos giram em torno do homem. A mulher, além de estar como receptora
(recebendo flores, servindo os homens), está ali como espectadora do sucesso da figura
feminina.
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É interessante notar que assim como no ano anterior, além das propagandas não se dirigirem a
mulher, o autor de cada uma delas, posiciona esta mulher num local inferior ao do homem.
Temos no contexto geral das propagandas, um ser esquecido, que parece não ter vontades,
apenas está ali para ilustrar a peça, não exercendo nenhuma função além desta.
Assim como as palavras femininas estão associadas ao mundo feminino, os termos
masculinos estão também associados à imagem que a sociedade possui do “ser homem”. Para
tanto, basta analisarmos as palavras de cunho masculino, e perceberemos que a maioria delas
possui teor financeiro, ou fazem alusão ao poder e controle que o homem exerce e
representam nessas publicidades.
5.3.4 Resultados obtidos nas peças analisadas do ano de 1999
No mês de março do ano de 1999, tanto as palavras do gênero feminino quanto as do gênero
masculino, ocuparam a mesma frequência, 13 palavras para cada gênero. É importante
salientar, que os textos publicitários deste ano foram diminuídos drasticamente. Nota-se mais
presença de imagética do que textual. Sendo assim, foi preciso recorrer constantemente as
imagens presentes em cada uma das peças.
Em 1999, a mulher passa a ser representada de uma nova forma. Se antes víamos uma mulher
recatada, disposta a atender os serviços de outrem, neste ano podemos observar um ser mais
independente e muito mais ‘sexualizado’, prezando por sua aparente liberdade.
Ainda que haja essa aparente liberdade, a mulher retorna em 1999 com algumas palavras
subjetivas que, inevitavelmente, por serem termos femininos são associados a essa mulher.
Esta subjetividade pode ser vista nas propagandas voltadas para o público feminino, porém,
abarca estereótipos já existentes, bem como uma preocupação excessiva com a beleza,
sugerindo que este é um elemento fundamental na vida da mulher.
Em resumo, no ano de 99, temos uma mulher mais independente e ousada, todavia, é uma
mulher estigmatizada, marcada por preocupações relacionadas a beleza, a eterna jovialidade
imposta pelo texto publicitário.
78
5.3.5 Resultados obtidos nas peças analisadas do ano de 2009
No último ano analisado, as palavras femininas mais uma vez predominaram. Foram extraídos
do texto, 49 termos femininos. Os substantivos e adjetivos masculinos citados nos textos
publicitários foram totalizados em 39.
A mulher presente nas peças publicitárias do ano de 2009, parece estar ainda mais
independente. Pela primeira vez, a mulher possui voz numa propaganda bancária. Temos um
discurso construído exclusivamente para o gênero feminino. Ao contrário das outras peças,
neste ano temos uma mulher aparentemente livre, com desejos e vontades sendo expostos ao
decorrer do texto.
Além disso, numa leitura superficial, notaremos que está mulher é nomeada com palavras
menos subjetivas e mais precisas, engradecendo as suas qualidades e ofícios exercidos por
elas. Contudo, ainda assim, as descrições femininas, os termos usados para descrever ou
caracterizar esta mulher, ainda é percebido como reforçadores de papeis de gênero. Desta
forma, ainda em 2009, temos a mulher livre, porém estigmatizada pela construção discursiva
empregada nos textos publicitários.
Assim, chegando ao ano 2009, percebemos a maioria dos textos publicitários contendo a
imagem da mulher fazem mais uso das palavras femininas do que palavras masculinas.
Contudo, nem toda quantidade que se mostra superior em comparação a outros dados,
revelam resultados otimistas, pelo contrário, podemos notar um suposto reforço de papeis de
gênero, que será exposto tomando como base todos os resultados obtidos em cada peça.
5.4 EXPLANAÇÃO GERAL DOS RESULTADOS OBTIDOS
Em 1969, as propagandas analisadas estão voltadas para homens e para mulheres. No
primeiro anúncio, a mulher é explorada em sua totalidade, frisando aspectos como a beleza,
bem como construções discursivas que se referem ao âmbito doméstico. Seguidamente desta
publicidade, encontra-se um texto voltado ao público masculino, porém, com a presença da
mulher. Mais uma vez, temos um discurso evocando a beleza. Em vários momentos do texto,
o autor chama pela beleza da mulher, dando a ideia de encantamento.
79
No próximo ano, 1979, podemos notar uma mulher “serva” do homem, apta a entender as
demandas masculinas. Nos dois anúncios analisados, a figura feminina está presente tão
somente para embelezar as peças publicitárias. Aparentemente, a mulher não possui nenhuma
função na peça, porém, foi verificado que esta mulher está estigmatizada pela construção
textual. Vale ressalvar que o público alvo de ambos os anúncios, é o público masculino.
A mulher, em 1989, volta a aparecer como um ser ilustrativo, não desempenhando qualquer
função nas peças publicitárias, exceto servir como um instrumento para a composição da peça
publicitária. Mais uma vez, assim como nas peças anteriores, as palavras usadas para a
construção do discurso reforçam ideais femininos impostos durante anos.
Em 1999, as peças publicitárias continuam a usar a beleza da mulher como instrumento para
venda. Entretanto, neste ano há uma particularidade. Uma mulher mais ousada se manifesta
através da imagem, diferenciando-se dos anos anteriores. Além disso, os textos publicitários
desenvolvidos nos direcionam para importância da beleza no corpo feminino.
Por fim, no último ano analisado, ainda podemos encontrar fragmentos da beleza que foi
traçada durante todos os períodos. Apesar de a mulher adentrar a publicidade financeira neste
ano, ainda sim vemos uma mulher preocupada com a aparência, em cuidar de todos os
aspectos da vida doméstica e profissional.
Diante desse breve resumo sobre a condição da mulher na publicidade ao decorrer dos anos, é
possível notar que a imagem da mulher tem sido tomada como empréstimo para ilustrar
anúncios voltados para o publico feminino e masculino. Neste último público, os anúncios
não possuem menções à mulher que está sendo representada, ela apenas se presentifica com
uma análise mais apurada, assim como foi feita neste trabalho.
Nos anos 60, 70 e 80, as propagandas com representações do feminino eram voltadas mais
para o público masculino, portanto, a presença da mulher nessas peças, serviam apenas como
‘colírios’ para os olhos masculinos. Os autores aproveitaram-se da beleza feminina para tornar
algo vendável. Contudo, por meio desta beleza, estereótipos eram reforçados por um texto em
que as palavras femininas contribuíam para inferiorizar a presença da mulher.
Além da beleza, a mulher presente nas propagandas mais recentes (1999 e 2009), parece estar
buscando um equilíbrio entre a vida profissional/financeira e os afazeres domésticos, bem
80
como cuidar dos filhos, das tarefas diárias, entre outros serviços atribuídos a mulher. A dupla
jornada (profissional e doméstica) mostra-se uma nova preocupação feminina.
Como pode ser observada, a beleza permeia grande parte das peças publicitárias, sempre se
relacionando diretamente com a mulher. Sendo a Veja uma revista de grande circulação, e
usada como veículo para peças publicitárias serem anunciadas, temos aqui um meio de atingir
milhões de pessoas com textos publicitários que reforçam a importância da beleza no universo
feminino. Tal reforço pode ser percebido na quantidade de palavras subjetivas relacionadas a
mulher.
De acordo com Wolf (1992, p. 92), “a cultura em geral adota um ponto de vista masculino
com relação a quem vale a pena ser visto”. Desta forma, a autora nos diz que toda a
construção discursiva sobre a mulher é feita do ponto de vista masculino, excluindo-se assim,
possibilidades da mulher ser vista de outra forma, uma forma menos estigmatizada e mais
plural.
A autora ainda complementa que os sentidos das palavras masculina e femininas presentes nas
peças publicitárias, reverberam como uma voz autoritária e invisível, que deve ser admirada e
obedecida por todas as mulheres. A construção discursiva presente nas propagandas
analisadas passa a ter voz ativa na sociedade. Ou seja, não são apenas palavras jogadas ao
vento, são sentidos que interferem diretamente na vida de homens e mulheres.
Frente a isto, é proposto que “o texto organiza (individualiza) a significação em um espaço
material concreto” (ORLANDI, 2012, p. 66). Sendo assim, é por meio das palavras que
constituem o texto que a mulher passa a significar para a sociedade. Para tanto, não é
necessário que as significações estejam aparentes no discurso construído, basta estar incutido
nos sentidos gerados em cada palavra, sentidos que permanecem no imaginário simbólico dos
indivíduos.
Desta forma, é por meio do contexto social que as palavras fazem sentido para os receptores.
Ou seja, quando o autor constrói um texto relacionando mulher com beleza, este texto só faz
sentido porque no imaginário das pessoas mulher e beleza são duas palavras que se
complementam, que fazem sentido. Assim, o discurso publicitário só faz sentido se repetir
aquilo que já significa para os leitores dessa publicidade. A este processo, damos o nome de
interdiscurso. Nas palavras da autora: “o interdiscurso é todo o conjunto de formulações feitas
81
e já esquecidas que determinam o que dizemos. Para que minhas palavras tenham sentido é
preciso que elas já façam sentido” (ORLANDI, 2013, p. 33).
É através da construção do texto que a discursividade posiciona o sujeito, o modo como ele
está significando, a posição a qual ocupa, “[...] como a partir de suas condições
(circunstâncias de enunciação e memória) ele está praticando a relação do mundo com o
simbólico, materializando sentido, textualizando, formulando, breve, ‘falando’” (ORLANDI,
2012, p. 67). Em síntese, é por meio do texto (obviamente, composto por palavras masculinas
e femininas) que a mulher passa a ser significada. Por meio dos substantivos e adjetivos
masculinos e femininos é possível fazer algumas demarcações de gênero que irão interferir
diretamente no imaginário simbólico dos indivíduos.
Inevitavelmente, ao falarmos de discursos nos aproximamos daquilo que formam o texto: as
palavras. Como foi observado nas análises, as palavras femininas e masculinas estão
associadas à seus respectivos universos. Ou seja, palavras femininas são mais subjetivas,
vagas, não há um sujeito ativo por detrás delas. Já os termos masculinos, prezam pela força,
pelo poder, pela atividade, pelo movimento presente nas palavras atribuídas ao masculino.
Aproximamo-nos, portanto, da linguagem, elemento que compõe o discurso e as palavras.
De acordo com Lacan (apud NYE, 1988), o sexismo constitui-se na própria linguagem. A
linguagem é, propriamente dita, masculina. Para a sua construção e reformulação, baseia-se
na supremacia masculina. É por esse motivo que encontramos propagandas com imagens de
mulheres presente, porém, voltadas para o público masculino. Pela linguagem ser masculina,
a construção do discurso tem como referência o homem, mesmo quando a publicidade é
veiculada para a mulher.
Mesmo quando as peças publicitárias são dirigidas ao público feminino, é possível encontrar
inúmeros fragmentos de dominância masculina. Apesar das análises demonstrarem um maior
número de palavras femininas empregadas nos textos, esse número atesta que as palavras são
usadas contra a própria mulher. Assim, por mais que a propaganda voltada para mulher
engradeçam o gênero, ela sempre estará fazendo uso de elementos sexistas presentes na
linguagem.
Desta forma, os dados obtidos nos leva a concluir que: “as diferenças de gênero [...] estão
inscritas nos léxicos, inerentes às próprias discriminações que possibilitam o significado
82
linguístico” (NYE, 1978, p. 206). Por hora, não há, portanto, meios de nos desvencilharmos
das estruturas linguísticas sexistas, pois toda a sua construção é fundamente no homem.
De acordo com Nye (1988), a inferioridade feminina é codificada na linguagem, de tal modo,
que até os termos neutros – que podem ser usados, tanto para homens quanto para mulheres –
apresentam marcas sexistas, sugerindo que a igualdade entre os gêneros seria algo
inconsistente e impossível. A autora anda complementa que há muito mais palavras
pejorativas no feminino do que no masculino e, ainda é mais incisiva ao afirmar que grande
parte do vocabulário feminino termina numa conotação negativa.
Alguns adjetivos femininos aplicam-se somente a mulher. Inicialmente, podemos tomar isso
como um avanço na língua. Nye (1988, p. 208) assevera que esses adjetivos são codificações
que constituem “[...] uma ideologia, um esquema prescritivo para a feminilidade no qual as
mulheres não são ativas, mas fracas, obedientes, agradáveis e desveladas”. Tais palavras
podem ser vistas, também, na discursividade das peças analisadas neste trabalho.
Face aos fatos apresentados, fica nítida a supremacia masculina, a sua dominância na
sociedade. Se o homem é tomado como referência para a construção de uma língua, e por
meio desta, gerar sentidos no imaginário simbólico dos indivíduos, temos, então, uma
comunicação dominada pelo masculino (ARDENER; SHIRLEY, apud NYE, 1988). Sendo
assim, temos uma estrutura organizada para engrandecer a masculinidade e menosprezar a
feminilidade.
83
6 CONCLUSÃO
A pesquisa desenvolvida buscou trabalhar, através da análise de conteúdo, a condição do
gênero feminino nas peças publicitárias referentes ao mês de março, encontradas na revista
Veja. Por meio desta metodologia, buscou-se compreender um pouco sobre a construção
discursiva acerca da figura da mulher.
Tal estudo foi motivado pela observação de peças publicitárias que, numa leitura superficial,
os elementos ali presentes não parecem apontar para nenhuma construção opressiva.
Entretanto, notou-se que entre esses elementos, em especial, os substantivos e adjetivos
masculinos e femininos, escondiam-se alguns valores sociais, éticos e até mesmo valores
relacionados à moralidade.
É sabido que a mulher, durante centenas de anos, foi estigmatizada numa posição inferior ao
do homem (NYE, 1995). A supremacia masculina vem se estendendo por anos e mais anos e
com ela, pode-se perceber mecanismos de opressão e estigmatização do gênero feminino. A
predominância do homem na sociedade faz com que as mulheres ocupem um lugar dado pela
classe dominante, classe esta que é masculina e opressiva. É bom ressalvar que esses
mecanismos, na visão do autor deste trabalho, estão dispostos na sociedade em diversas áreas,
a publicidade, por sua vez, é apenas um dos braços que constituem esse mecanismo.
As publicidades analisadas mostraram-se com uma forte tendência a reforçar estereótipos,
estigmatizar valores femininos e masculinos através da reprodução daquilo que circunda a
sociedade. Mais do que isso, os resultados obtidos apontam para uma suposta relação do
feminino com as subjetividades expostas nas propagandas que foram submetidas às análises.
Ou seja, por meio dos substantivos e adjetivos presentes na construção discursiva, criaram-se
associações com o universo feminino. Por mais que essas associações não estejam explícitas
no decorrer do texto, todas elas ficam armazenadas no imaginário simbólico dos indivíduos
(ORLANDI, 2012), fazendo com que, inconscientemente, se tornem porta-voz do discurso
publicitário que oprime a classe feminina.
Constatamos também, que ao decorrer dos anos (de 1969 a 2009), o posicionamento da
mulher nas peças publicitárias pouco se deslocou. As características femininas ficaram parem
terem ficado estagnadas no tempo, não houve mutações no “pensar feminino”. O gênero
feminino continuou a ser construído, tanto discursivamente quanto textualmente, numa
84
posição inferior ao do homem. É evidente que a mulher ao decorrer do ano foi posicionada de
diferentes formas, a exemplo das propagandas do segmento Finanças, em que, antes, a mulher
era apenas uma receptora da renda, anos depois, passou a ser provedora da renda. Porém, as
palavras voltaram a indicar a mesma construção discursiva, ao fazer referência ao gênero
feminino.
Durante e ao término das análises, percebemos que a construção discursiva, assim como
sugeriu Orlandi (2012), não possui um começo nem um ponto final. Tudo que ali está
presentificado transcende as vírgulas, os pontos finais, e qualquer outro tipo de pontuação
para arrematar o texto. O texto não termina quando seus autores os pontuam, ele continua a
cursar o seu caminho no imaginário simbólico daqueles que o leram, dos seus receptores.
Deste modo tem-se uma cadeia de sentidos, com palavras e formações discursivas fazendo
sentido e demarcando territórios. No caso desta pesquisa, as demarcações de territórios são
feitas pelos gêneros das palavras, que consequentemente, irá se externalizar no modo o qual o
indivíduo percebe e experimenta o mundo a sua volta.
Por meios dessas demarcações, somos levados às fixações de identidades sugeridas por Silva
(2000). As palavras ao agirem no imaginário simbólico deste indivíduo, criam associações
entre aquilo que cada gênero deve exercer e “ser”, fixando assim, as identidades. Desta forma,
as identidades tornam-se não cambiantes. As associações do feminino com determinadas
palavras criam determinações identitárias que impedem a contemplação de todas as mulheres,
visto que, apesar de todas terem algo em comum – o “ser mulher” –, todas possuem vontades
e desejos diferentes.
Neste sentido, podemos concluir que as palavras do gênero feminino dispostas nos discursos
publicitários analisados, não são capazes de envolver todas as identidades femininas
envolvidas. É claro que há uma dificuldade em tratar todas as identidades numa única peça,
entretanto, por se tratar de 11 análises dos textos publicitários, era de se esperar que alguma
identidade se esquivasse dos modelos até então já propostos.
Notou-se também que, assim como Orlandi (2012) postulou, é por meio dos discursos que o
emissor e o receptor estabelecem uma relação em que um fala e depois o outro codifica. Deste
modo, tanto emissor quanto o receptor, fazem parte do processo de construção da
significação. Temos aqui um infinito processo de geração de sentidos.
85
Em contrapartida, os sentidos gerados por meio da construção discursiva e pelos empregos de
termos femininos e masculinos, logicamente, deve possuir um responsável, sendo este, aquele
que produz o texto e o coloca para circular (ORLANDI, 2012).
De fato, na visão do autor deste trabalho, as propagandas corroboraram com os estereótipos
reforçados por suas enunciações de gênero, endossando assim, o papel societário exercido
pela mulher, sendo ainda capaz de inferir nas significações referentes à mulher. Sendo a
publicidade um elemento constituinte do reforço do papel societário da mulher, aproximamo-
nos do que foi explicitado na introdução deste trabalho: a publicidade como uma máquina
habilitada a fabricação de rostos (DELEUZE, 2012).
Contudo, seria reduzir o pensamento de Deleuze, se atribuíssemos apenas a publicidade a
capacidade da produção de rostos. É sabido que, assim como especulou Foucault, os discursos
são distribuídos pelas classes dominantes, grandes corporações e instituições com grande
autoridade na sociedade, denominados biopoderes. Portanto, neste contexto, resta a
publicidade apenas atuar como um dos braços desse biopoder agindo diretamente na
distribuição de discursos com significações capazes de inferiorizar a mulher.
Por mais que a publicidade seja capaz de reforçar os papeis societários e as significações da
mulher, ao término das análises, conclui-se que, aliado à publicidade, encontra-se um
instrumento poderosíssimo deste reforço: a linguagem. Ao classificar as palavras em gêneros
e a ela atribuir uma frequência, notamos que nos léxicos das palavras, encontravam-se
sentidos que permeavam as significações atribuídas a essas palavras que, consequentemente,
refletia na construção discursiva das peças analisadas.
Neste ponto, percebemos que a própria construção da língua brasileira é fundamentada no
homem, na eterna supremacia masculina. Normalmente, as palavras atribuídas às mulheres,
denotam a ideias pejorativas, ou seja, são palavras mais vagas, que recebem menos prestígio
na sociedade. São palavras que quando lançadas na sociedade, recebem significações
diminutivas, refletindo diretamente no gênero feminino.
Em resumo, foi percebido que a máquina publicitária de produção de rostos não opera
solitariamente, age com o auxílio de uma língua que é respaldada na supremacia masculina.
Deste modo, temos uma máquina que fabrica rostos, apoiada numa língua que reduz o gênero
86
feminino a meras palavras vagas e subjetivas (NYE, 1975), enquanto os termos masculinos
são exaltados e admirados pela sociedade.
O início deste trabalho foi motivado partindo da premissa que o mecanismo publicidade
endossa os papéis de gênero por meio de suas veiculações na Revista Veja. Tal hipótese ainda
válida, pois a publicidade reproduz fielmente o sexismo presente na língua brasileira. No
decorrer da pesquisa, todas as evidências apontaram para uma construção discursiva que
inferioriza o gênero feminino. Entretanto, esta construção fundamenta-se na língua, logo, a
publicidade apenas possui o papel de reproduzi-la e fabricar ainda mais identidades
demarcadas.
Em nenhum momento durante as análises das peças foram notados movimentos de
desestabilização de identidades, visando a subversão de uma língua baseada na dominância
masculina. Os textos continuam a ser construídos nas mesmas estruturas sexistas, não
havendo nenhum indício de uma possível textual por parte dos autores das publicidades
submetidas a analises.
Este posicionamento por parte dos anunciantes preocupa, pois, é por meio da linguagem que
as identidades são constituídas, que territórios são demarcados e distribuídos entre o gênero
(NYE, 1985). Deste modo, a publicidade, deveria ter uma responsabilidade social em dar a
abertura a um novo “pensar” discursivo, abrir caminhos para uma construção discursiva que
fuja da língua sexista, que subverta a ordem dando outros posicionamentos às mulheres
(DERRIDA apud NYE, 1985). Tem-se a consciência de que este é um movimento árduo e
fastidioso, entretanto, necessário para a ascensão feminina na sociedade.
A análise do autor deste trabalho leva a crer que dentre os segmentos que se mostraram mais
machistas, o de “Finanças” se sobressai por posicionar a mulher hora como um mero objeto
pronto a servir o gênero masculino, hora como uma mulher com ideais a serem realizados.
Deste modo, há fortes relações com a maternidade, o casamento, sucesso profissional e
servidão. Isto, claro, sem se desvencilhar do âmbito doméstico, o qual a mulher é inserida
desde as primeiras peças analisadas.
Por fim, é importante frisar que os procedimentos analíticos realizados nessa pesquisa
originam-se de um autor que dispõe de ideologias, valores éticos e morais. Desta forma, os
resultados obtidos nessa pesquisa são fundamentados sobre o ponto de vista deste autor que
87
vislumbra uma sociedade em que a mulher possa ser tratada e reconhecida igualmente ao
homem. Há, portanto, outros pontos de vistas que também podem e devem ser considerados,
para que os dados deste trabalho possam ser confrontados com outras pesquisas em diferentes
perspectivas sociológicas.
Ademais, este trabalho anseia um novo horizonte para um “pensar” publicitário consciente.
Um pensar que também entenda o texto como um elemento capaz de reforçar e distribuir
papéis societários. É desejo desse trabalho, também, instigar um olhar mais crítico para a
construção discursiva presentes nas peças publicitárias, a fim de alertar sobre possíveis
construções sexistas que inferiorizam e menosprezam o gênero feminino.
88
REFERÊNCIAS
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VESTERGAARD, Torben; SCHRØDER, Kim. A linguagem da propaganda. São Paulo: Martins Fontes, 1994.
90
APÊNDICE A – Transcrições dos textos das peças analisadas (1969)
Edição 27 – Página 67
Título: As boas novas de Claudia para você: As sensacionais coleções de paris.
Texto: Vestibulares: Um artigo dirigido aos repetentes para se cuidarem das frustrações e aos
que passaram para assumirem devidamente as novas responsabilidades. Jornal Jovem: Claudia
Jovem entrevistou um jovem de 17 anos que fez um filme de longa metragem. Claudia Jovem
informa sobre a vida no mundo jovem e indica os bons livros e discos e Claudia Jovem fala da
moda jovem e suas bossas. E criou uma nova seção de correspondência com uma psicóloga
respondendo consultas. Claudia e seus filhos: Grátis! Mais uma revistinha de Claudia, toda
colorida. Apresentação de uma serie de artigos sobre o desenvolvimento de seus filhos.
Artigo: “Criança não nasce com medo do dentista”. Orientação: “Até que ponto você pode dar
liberdade a seus filhos”. Informação: Uma nova seção com indicações para as gestantes.
Claudia e você: Viva melhor: ideias praticas que simplificam a vida. Ginástica para melhorar
sua silhueta. Máscara de beleza para descansar sua pele. Como transformar sofás em camas de
hóspedes. Culinária: frangos e sobremesas de Páscoa. Em março, leia Claudia, a revista das
mulheres inteligentes e responsáveis. Você, por exemplo.
Edição 26 – Página 76
Título: Incantatore!
Texto: Recife... A encantadora “Veneza brasileira”. Referência histórica, admirada por
visitantes de todas as partes do mundo. Que também, apreciam Minister...
Um cigarro de agrado internacional
91
APÊNDICE B – Transcrições dos textos das peças analisadas (1979)
Edição 549 – Página 81
Título: Mi vezes mais fácil. Mil vezes mais rápido. Para entregar sua declaração, fale coma
moça.
Texto: No Bradesco é assim: você estaciona o carro, fala com a moça e pronto. Dobra a
esquina, fala com a moça e tudo bem. Atravessa a rua, fala com a moça e está resolvido. Sai
do trabalho, fala com a moça e fica tranquilo. Porque o Bradesco tem mais de mil agências
espalhadas pelo País, para receber sua declaração de renda. Um bem pertinho de você. E, em
cada agência, uma equipe especialmente treinada para simplificar sua vida. E receber sua
declaração mais rápido. Entregue sua declaração de renda no Bradesco. É mil vezes mais
fácil, mil vezes mais rápido. É só falar com a moça.
Edição 550 – Página 136-137
Título: Corcel II GT com 5 marchas.
Texto: O Corcell GT 79 tem inovações e aperfeiçoamentos que fazem dele um verdadeiro
campeão de economia e desempenho. Equipado com motor 1,6 litros, o Corcell GT é mais
bravo, tem mais toque, mais aceleração. E como não podia deixar de ser, é o mais econômico.
Para aumentar ainda mais essa economia, o Corcell II GT vem agora com caixa de câmbio de
5 marchas único na sua categoria. Com 5ª marcha (over drive) o motor do Corcell II GT
trabalha numa faixa menor de rotação, o que garante maior durabilidade e conforto para os
passageiro. Além do motor 1,6 litros, 5ª marcha e suspensão recalibrada para se adequar ao so
Corcell I GT oferece mais duas novidades: o lavador automático de faróis (exclusividade
Ford), criado especialmente para aumentar a sua segurança e a ignição transistorizada, para
reduzir o custo de manutenção. Portanto se você quer um carro que ofereça, ao mesmo tempo,
o máximo de economia, desempenho e segurança, você quer o Corcell II GT.
92
APÊNDICE C – Transcrições dos textos das peças analisadas (1989)
Edição 1072 – Página 56-57
Título: O cliente em primeiro lugar.
Texto: O cartão Bamerindus você usa em qualquer lugar. Nas compras, restaurantes, viagens,
hotéis. Tudo do bom e do melhor. Porque ele é bem recebido onde quer que você esteja. Além
de garantir os cheques Bamerindus, que podem ser trocados em supermercados e postos de
gasolina, com ele você acessa a mais completa tecnologia do mercado financeiro. É garantido.
Com o Cartão Bamerindus, você não passa despercebido. E só passar o cartão. Cartão
Bamerindus. Identifica o cliente de primeira.
Edição 1070 – Página 80-81
Título: O caminho para o poder está 25 cm mais curto.
Texto: Pode notar: os melhores negócios sempre são feitos quando você se sente bem na
roupa que está vestindo. Por isso, agora que a temperatura está aumentando, é bom saber que
você tem mais um aliado no seu caminho para conquistar o poder. É a nova coleção de
camisas Arrow de mangas curtas. Elas tem o mesmo caimento e acabamento impecável das
camisas Arroz que você já conhece. Com a vantagem de você não precisar arregaçar as suas
mangas toda vez que o calor puser as manguinhas de foras. Com as novas camisas Arrow de
mangas curtas a sua elegância jamais vai brigar com o calor. Num país tropical como o nosso,
elas não são apenas o caminho mais rápido para o poder. São também o mais confortável.
Edição 1073 – Página 122, 123
Título: Use Sun na sua lavalouça. Você vai brilhar.
Texto: Quando você usa San na sua lavalouça, o resultado logo aparece. As louças ficam
limpinhas, brilhando e muito comentadas. O segredo está no pó mais fino de Sun que garante
uma lavagem perfeita, sem maltratar as louças e a máquina. Além disso, Sun é o único
produto recomendado por todos os fabricantes de lavalouças. E usando Sun, você ainda vê
outras vantagens. Sun pó tem um agradável cheirinho de limão, uma embalagem plastificada
que ajuda a conservar o produto e um prático dosador. Sun secador, abrilhantador evita
93
manchas, seca rápido e deixa as louças brilhando como novas. Experimente Sun na sua
próxima lavagem. Com Sun você fica muito mais tranquila com os resultados. E ainda
aproveita melhor o seu tempo para brilhar.
94
APÊNDICE D – Transcrições dos textos das peças analisadas (1999)
Edição 1588 – Página 59, 60, 61
Título: Hoje eu não estou pra ninguém. Só pra mim.
Texto: Cuidas da pele com Lux Luxo é um programa. Lux Luxo Ação Hidratante cuida da
sua pele deixando-a muito mais hidratada e macia. Seus bio-hidratantes de ação prolongada
são profundamente absorvidos pela pele. Marque um encontro com Lux Luxo Ação
Hidratante. Sua pele merece. Lux Luxo. Beleza que você sente na pele.
Edição 1588 – Página 163
Texto: Com ele tudo acontece. Campari. Só ele é assim.
95
APÊNDICE E – Transcrições dos textos das peças analisadas (2009)
Edição 2102 – pág. 123
Título: O que você quer para a sua vida? Realize.
Texto: Isabel Asckar, fotógrafa e cliente Real. Compartilhe suas histórias e conquistas com
outras mulheres. Aos oito anos, em Barretos. Estudando fotografia em Florença. Lua-de-mel
com o Rô, na Itália. Mateus, o amor da minha vida. No estúdio fotografando. A Isabel é
cliente do BancoReal desde a universidade. Para se especializar, ela fez um curso de
fotografia na Itália. Hoje, ela tem uma empresa para fotografar gestantes e bebês. E, sempre
que aparece algum imprevisto, ela conta com a ajuda dos dez dias sem juros no cheque
especial do Realmaster. Assim, a Isabel pode se dedicar com mais tranquilidade ao trabalho e
à família, suas grandes paixões. Porque a gente acredita que, quando a Isabel se realiza,
realiza também a vida de muita gente ao seu redor.
RealPrev Mulher: Você escolhe por quanto tempo quer contribuir e como quer receber seu
dinheiro lá na frente. Um plano sob medida para você garantir um futuro tranquilo Real Vida
Mulher: É o seguro de vida ideal para dar proteção e tranquilidade a você e a quem você ama.
Além disso, você pode ter assistência nutricional e ainda concorre a um sorteio mensal de R$
50 mil. Cartão de crédito: Agora o parcelamento de Fatura em até 24 vezes, para você não
adiar seus problemas. O banco da sua vida. Reinvente com a gente.
Edição 2103 – pág. 63, 65, 67, 68 e 69
Títulos: Eu sou incansável. Eu sou vaidosa. Eu sou batalhadora. Mulheres Dermacyd. Não
tem como não ser.
Texto: Incansável, romântica, vaidosa, batalhadora. Não importa o tipo de mulher que você é.
Com Dermacyd você se sente segura e confiante todos os dias. Dermacyd é sabonete líquido
diário para a região íntima que ajuda a equilibrar o pH e suavizar possíveis odores, auxiliando
na produção e no cuidado que toda mulher precisa.
Dermacyd para higiene íntima. Proteção e bem-estar diariamente.
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