A construção do mito diabólico de Exu

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    Lo Carrer NogueiraWellington Cardoso de Oliveira

    A construo do mito diablico de ExuDos primeiros contatos na frica ao discurso inquisitorial da IURD.

    Anpolis2006

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    UNIVERSIDADE ESTADUAL DE GOISUNIDADE DE CINCIAS SCIO-ECONMICAS E HUMANAS DE ANPOLIS

    COORDENAO DE PS-GRADUAO EM HISTRIA

    A construo do mito diablico de ExuDos primeiros contatos na frica ao discurso inquisitorial da IURD.

    Lo Carrer NogueiraWellington Cardoso de Oliveira

    Orientadora: Profa. Dr Cristina de Cssia

    Anpolis2006

    Artigo final apresentado Coordenao de Ps-Graduao em Histria da Unidade Universitria deCincias Scio-Econmicas e Humanas de Anpolisda Universidade Estadual de Gois como exignciapara a concluso do curso de Formao Docente emHistria e Cultura Africanas e Afro-Americanas.

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    Sumrio

    Resumo ................................................................................................................................ 0Introduo: A Construo do Mito Diablico Cristo ........................................................ 05Demonizao dos Cultos Africanos .................................................................................... 08Dinmica Cultural no Brasil Colonial ................................................................................. 14De Orix a Egum A presena de Exu na Umbanda ......................................................... 19Concluso: Heranas da Inquisio O discurso inquisitorial da IURD ........................... 27Referncias Bibliogrficas .................................................................................................. 31

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    Resumo

    A figura de Exu presente no imaginrio popular atual permeada por um profundonegativismo. constante sua associao ao diabo cristo, colocando aqueles que lheprestam culto nas religies Afro-Brasileiras como adoradores do demnio. Estademonizao permeia toda a histria destas religies afro, e hoje so perpetuadas pelodiscurso inquisitorial de alguns segmentos neopentecostais. Esta associao se inicia logonos primeiros contatos dos viajantes europeus com o territrio africano onde o culto aosOrixs e Voduns era mais forte, na regio da Iorubalndia. Desde ento, o orix Exu, quena frica tem o papel de ser o responsvel pela intermediao entre os homens e os deusesvai passar por um longo processo de ressignificao no Brasil, onde assumir diferentes

    formas nos diversos tipos de cultos praticados pelas religies Afro-Brasileiras,especialmente no Candombl e na Umbanda. Enquanto no primeiro ele mantm suacondio de Orix, na segunda Exu assume a posio de um esprito de pessoa falecida,uma entidade arquetpica, representante dos marginais, malandros, povos das ruas. Esseartigo, portanto, tem o objetivo de analisar este longo processo de ressignificao sofridapelo Orix Exu e sua associao com o Demnio, e como esta associao mantida vivaainda hoje no discurso da Igreja Universal do Reino de Deus (IURD).

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    Introduo: A construo do Mito Diablico Cristo

    Nos ltimos anos, o crescimento de cultos afro-brasileiros tem sido cada vez maisnotado em nossa sociedade. As religies de matriz africanas vm ganhando visibilidadeprincipalmente pelo fato de terem se popularizado entre as classes mais altas. Aos poucos,estas religies vm deixando pra trs um estado marginal para conquistarem seu lugar entreas classes mdia e alta. Tal crescimento preocupa alguns segmentos religiosos,especialmente as igrejas neopentecostais, que herdaram da Igreja Catlica o papel deinquisidores, e insistem cada vez mais numa discriminao dos cultos de origem afro.

    A Umbanda o principal alvo destas Igrejas. Entre outras coisas, os praticantesdesta religio so acusados de feiticeiros e adoradores do demnio, dando continuidade a

    sculos e sculos de perseguio por parte dos segmentos cristo-catlicos. Em geral, osrituais de incorporao so vistos por estas igrejas como possesso demonaca, e o fato dealguns centros trabalharem com certos tipos de entidades s agravam e contribuem parauma viso distorcida e demonizada destes cultos. Refiro-me aos trabalhos, comuns emvrios centros, da Quimbanda, linha de Umbanda que trabalha com Exus e Pombagiras,personagens, alis, bastante conhecidos do imaginrio popular. Tais entidadescorrespondem, no imaginrio cristo, ao ideal da personificao do mal, e se enquadrambem na imagem que tais Igrejas fazem do demnio. Para entendermos, portanto, a relaoque se faz entre o demnio cristo e a figura do Exu utilizada na Umbanda, necessrioantes analisarmos um pouco do que representa o demnio para o imaginrio cristo.

    A idia do demnio surgiu antes mesmo da prpria Igreja Crist, e sempre foiessencial dentro de sua teologia. Segundo Carlos Roberto Nogueira,

    era necessria para a coletividade crist a existncia e a encarnao do mal. Erapreciso que fosse visto, tateado, tocado, para que o bem surgisse como a graa

    suprema o belo e o divino, em oposio ao horrvel e demonaco (NOGUEIRA,2002, p. 103).

    Assim percebemos que o demnio sempre teve lugar de destaque no imaginriocristo. Sem ele, a figura do Cristo no seria to forte, e a graa oferecida queles queseguem as palavras de Cristo no seria to suprema. Para que a moral crist tivesse sentido

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    era preciso que se oferecesse a seus sditos algo a que temer. No existe o bem sem a idiado mal.

    A necessidade do diabo nasce, portanto, da necessidade do mal e isto fica claro naspginas do Novo Testamento. A iminncia do mal que pode nos fazer reagir embusca do bem (LAPA, 1987, p. 43).

    O cristianismo acaba sendo, ento, infestado por uma avalanche de demnios eespritos malfazejos. Esta consolidao do demnio ocorre por vrios anos e permeia toda ahistria do cristianismo, se iniciando com a tradio hebraica, quando os hebreus comeama associar os deuses dos povos vizinhos a espritos malfazejos. Conforme nos afirma

    Nogueira,

    a principio, os primitivos hebreus no tinham necessidade de corporificar umaentidade maligna. (...) Na opinio que tinham os hebreus dos deuses estrangeiros(...), assimilavam estes deuses aos espritos das trevas (...) e todos os deusespotencialmente adversrios passaram a fazer parte integrante da corte demonaca(NOGUEIRA, 2002, p. 13-14).

    Para os hebreus, Yaweh representava um Deus implacvel, que punia e castigava atodos que cometessem faltas. Portanto, para eles, a idia de um ser que personificasse o malera completamente estranha e intil. Posteriormente, com o advento do cristianismo, Deuspassa a ser concebido como o bem supremo, ser superior de infinita bondade. Mas, se esteDeus todo bondade, e o mundo obra sua, como explicar a existncia de coisas malficasem sua criao? Era preciso uma explicao para o mal, j que este no podia ser atribudoa Deus. ento que a figura do demnio ganha foras dentro da tradio crist. Se natradio hebraica a figura demonaca era associada apenas aos deuses dos povos inimigos,agora ele ganha autonomia dentro da teologia crist. A partir da,

    o universo inteiro passa a ser pintado como dividido entre dois reinos, o de Cristo eo do Diabo. (...) Dessa polarizao resulta que tudo o que afasta os homens de Deus

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    uma manifestao do Diabo. (...) A religio crist, assumida como a verdadeira,exclui e assimila ao Demnio todos os outros credos (NOGUEIRA, 2002, p. 26).

    A partir desta autonomia, a figura de satans ganhar fora ao longo de toda a Idade

    Mdia, poca em que a Igreja busca se afirmar enquanto instituio do poder de Deus naTerra, e utiliza a figura do demnio para se fortalecer. O diabo estava presente em tudo eem todos. Tudo o que desviava os bons cristos do caminho do bem, que eram os caminhosda Igreja, era atribudo ao demnio. A Igreja cria artifcios diversos para identificar,descobrir e expulsar demnios, como podemos citar os tribunais da Inquisio e osexorcismos.

    Para que o fortalecimento do poder da Igreja fosse efetivo, era necessrio no s a

    figura do demnio a tentar os homens para o caminho das trevas, mas tambm que estedemnio fosse associado aos outros cultos, credos e prticas religiosas existentes na pocaAssim, as prticas mgicas das comunidades rurais europias, por exemplo, com suas ervase seus sabs, so logo identificados como demonacos, e seus praticantes perseguidos econdenados s fogueiras da inquisio.

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    Demonizao dos Cultos Africanos

    sob este clima de julgamento e desconfiana propagado pela Inquisio, quandose tenta expurgar a magia do seio da sociedade, que a Igreja se encontra com as prticasreligiosas africanas que se espalhavam pelo Atlntico Negro, no perodo do trfico deescravos. Em geral, os negros africanos provinham de uma tradio religiosa totalmentediferente do imaginrio europeu que a Igreja se esforava por estabelecer nas colniaseuropias nas Amricas. Tal tradio se ligava a crenas e prticas mgicas, que buscavamcompreender e interferir neste mundo a partir de um mundo sobrenatural, composto pordeuses e ancestrais espritos daqueles que j morreram.

    Na maioria das religies tradicionais africanas1, apesar de existirem muitas e das

    peculiaridades de cada uma, o culto aos ancestrais era bastante comum. Acreditavam que apessoa, ao morrer, continuava a viver em outro mundo, paralelo ao mundo visvel, e,portanto continuava a fazer parte do cl, mas sob uma forma divinizada. Eram-lheprestados cultos e oferendas como forma de pedir sua proteo aos vivos, e podiam atmesmo entrar em contato com eles atravs de rituais em que os sacerdotes, pessoasespecializadas neste tipo de rituais, entravam em transe e incorporavam o esprito de deusese antepassados, variando de um povo para outro (PIERUCCI, 2000). Opoku nos relata umpouco sobre a religio tradicional africana:

    Deus no se assemelhava aos seres humanos e era totalmente superior sua criao,mas, ao mesmo tempo, envolvia-se nos negcios dos homens, sustentando a criaoe defendendo a ordem moral. (...) Abaixo de Deus estavam os espritos dosancestrais, sempre tratados com reverncia e temor; depois, vinham as deidades(...), que se acreditava terem o poder de recompensar os seres humanos ou decastig-los com a m sorte, doenas e at a morte. As divindades tinham seuscultos, sacerdotes e altares (OPOKU, 1985, p. 520).

    Verificamos assim que os deuses faziam parte da vida cotidiana destes povos, quese ligavam a eles de forma muito mais efetiva do que na tradio crist. Esta ligao estava

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    assentada na crena da comunicao entre os homens e as divindades atravs de cultosdiversos, como a interpretao de sinais, em que se jogavam objetos para o alto e o modocomo caiam podia ser lido como uma resposta dos deuses; ou atravs da prpria possesso,ato em que um sacerdote entrava em transe e era possudo por um esprito ancestral ou umadivindade, que se comunicava e respondia s perguntas dos outros participantes do culto(PIERUCCI, 2000).

    medida que se intensificam os contatos entre europeus e africanos, a partir dosculo XV, a imagem dos cultos africanos no imaginrio europeu vai se constituindo emuma imagem de barbrie e selvageria. As religiosidades africanas so retratadas, durante operodo medieval, como sendo prticas de bruxaria e aes demonacas (OLIVA, 2005,p. 14). Vemos mais uma vez a associao do outro figura do demnio cristo. Neste

    contexto, vale ressaltar as diversas teorias que foram desenvolvidas neste perodo paraexplicar a inferioridade do negro africano, e sua associao imagem diablica. Entre elaspodemos destacar a da passagem bblica dos descendentes de Cam, que castigado porflagrar seu pai No nu e embriagado, teve sua descendncia condenada a servir aos seusirmos (OLIVA, 2005).

    A frica seria, portanto, a regio habitada pelos descendentes de Cam, quedeveriam servir aos outros homens. Esta apenas uma, das vrias idias existentes noimaginrio medieval para justificar a inferioridade e a escravido dos povos africanos.Estas idias vo ganhando fora ao longo dos sculos XVII e XVIII, e ganham um aliadocientfico no sculo XIX.

    Aos preconceitos elaborados nos sculos anteriores articulam-se, no sculo XIX, ascrenas cientficas, oriundas das concepes do Darwinismo Social e doDeterminismo Racial, que alocaram os africanos nos ltimos degraus da evoluodas raas humanas. (OLIVA, 2005, p. 15).

    A partir do sculo XIX, portanto, a idia bblica ser ratificada pela cincia que,apoiada nas teorias evolucionistas, encaixa o negro no ltimo degrau da escala evolutiva

    1 A discusso sobre as religies tradicionais africanas pode ser encontrada no captulo 6 da obra de KwameAppiah, Na Casa de Meu Pai. Para ele, o termo tradicional significa simplesmente as religies africanas antesda colonizao, e em contraposio ao pensamento religioso ocidental-moderno-cristo.

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    das raas humanas. Esta escala bem representada no sistema classificatrio de Linn, de1778, em que o Homo Sapiens classificado em cinco tipos, a saber, o homem selvagem, oAmericano, o Europeu, o Asitico e o Africano (HERNANDEZ, 2005). A cada tipocorresponderiam caractersticas biolgicas inatas, no s fsicas como tambmpsicolgicas. Podemos perceber a diferena entre as espcies ao analisar os perfis doeuropeu e do africano:

    c) Europeu. Claro, sanguneo, musculoso; cabelo louro, castanho, ondulado; olhosazuis; delicado, perspicaz, inventivo. Coberto por vestes justas. Governado por leis.e) Africano. Negro, fleumtico, relaxado. Cabelos negros, crespos; pele acetinada;nariz achatado, lbios tmidos; engenhoso, indolente, negligente. Unta-se comgordura. Governado pelo capricho (BURKEapud HERNANDEZ, 2005, p. 19).

    A diferena entre o tipo europeu e o africano fica explcito nas imagens produzidaspelo cientificismo racialista no sc. XIX por autores como Linn e Gobineu, e utilizadospor Hegel na anlise do continente africano. Endossando esta imagem do africano comoatrasado e selvagem este autor afirma que a frica

    no tem interesse histrico prprio, seno o de que os homens vivem ali na barbrie

    e selvageria, sem fornecer nenhum elemento civilizao. (...) Nesta parte principalda frica, no pode haver histria. (HEGELapud HERNANDEZ, 2005, p. 20).

    Fica estabelecida assim a gama de ideologias que justifica e endossa a imagem deatraso do continente africano e dos povos que ali vivem. Tal justificao se d tanto nocampo religioso quanto cientfico, e vai aos poucos influenciando o discurso poltico-ideolgico europeu que tenta legitimar o trfico atlntico de escravos (HERNANDEZ,2005). Assim os europeus apareciam como missionrios que deveriam se sacrificar paralevar a civilizao aos africanos brbaros (OLIVA, 2005, p. 17).

    Neste contexto, os rituais religiosos africanos ganham contornos diablicos, epassam a ser perseguidos em nome da f crist. Mas dentre os vrios grupos africanos esuas diferentes religiosidades, interessa-nos especialmente um grupo existente na regio

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    ocidental da frica: os povos iorubs2. Encontramos na religiosidade destes povos umpanteo de divindades diversas, conhecidos como Orixs, divindades ligadas a fenmenosda natureza, como rios, oceanos, matas, cachoeiras, e tambm a qualidades humanas, comofora, maternidade, amor, coragem, etc.

    Entre estas divindades, recebe papel de destaque o orix Exu, responsvel pelaintermediao entre o mundo dos homens e dos deuses. O Prof. Anderson Oliva destacaalgumas das caractersticas atribudas a Exu na tradio iorub:

    Para os sacerdotes e pessoas comuns entre os iorubs a funo principal de Exu derepresentar a oposio criao, sendo o infrator das regras e da ordem. (...)Incumbido por Olodumar3 da tarefa de mudar o que est parado, Exu recebe o

    Ad, uma cabaa na qual se encontra a fora da transformao. (...) Exu destri pararecriar. o principio da desordem, inseparvel da estrutura da ordem; um dependedo outro. (...) Uma outra caracterstica de Exu, que se alia idia da modificao eda recriao da ordem, seu aspecto flico: (...) ele o senhor dos cruzamentos edos caminhos, o que abre, penetra e liga os mundos que formam o universoreligioso iorub. (OLIVA, 2005, p. 19).

    O orix Exu, na cosmologia iorub, possui funes bem definidas. Por ser o

    mensageiro e responsvel pela ligao entre os homens e os demais Orixs, a ele que sedestina a primeira oferenda, antes de todos os outros orixs, pois, sem ele, no h acomunicao com os outros, como se eles no escutassem o chamado dos homens.(OLIVA, 2005).

    Sua importncia era tanta que seu culto se estendia a praticamente todas as regiesda Iorubalndia, marcada por uma grande diversidade de cultos e orixs distintos. Alm

    2 Tal denominao se refere aos povos da regio conhecida como Iorubalndia. Anderson Oliva define aIorubalndia como sendo a rea que corresponde a uma parte da atual Nigria frica Ocidental que seestende de Lagos para o norte, at o rio Nger (Oy) e, do Benin para leste, at a cidade de Benin. No possuifronteiras fsicas e polticas determinadas e nem uma organizao centralizada. Compreende a existncia devrios reinos, como os de Egb, Ketu, Ibeju, Ijex e Ow que tm seus prprios governantes. Ao mesmotempo, esses reinos, por questes de legitimao espiritual, ligao com a mitologia ou heranas de certosperodos histricos nos quais alguns reinos estendiam suas influncias sobre outros, mantm vnculos maisprximos ou distantes, mas sempre existentes, com duas cidades nos aspectos poltico e religioso maisimportantes da regio: Oy e If (OLIVA, 2005, Nota 11, p. 32)3 Deus supremo e criador dos Orixs. No venerado entre os iorubs (OLIVA, 2005, Nota 9, p. 32).

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    disto, Exu se ligava tambm ao comrcio e as atividades econmicas, sendo representadosempre com cauris e bzios, consideradas importantes moedas de troca na frica Ocidental

    Em grande medida, essas caractersticas de Exu o tornaram para os ocidentais, umorix contraditrio e de difcil definio (OLIVA, 2005, p. 20). Por isto mesmo ele serinterpretado, por muitos viajantes, como sendo a personificao do mal, assumindo, assimtoda a carga simblica construda em torno da figura do diabo cristo. Observamos nosrelatos de vrios viajantes esta associao, de forma direta ou indireta. o caso, porexemplo, dos irmos Lander, que pesquisaram o rio Nger no incio do sc. XIX, e lencontraram um sacerdote de Exu, deixando anotado suas impresses sobre o mesmo, ondepercebemos a maneira pejorativa como encaravam as religies dos africanos. (OLIVA,2005). Nestes relatos podemos perceber tambm que

    o cristianismo no era a nica religio monotesta a interpretar de forma negativa asprticas religiosas dos orixs. Unia-se a ele, nesse mister, o Islamismo. (...) Emalguns estudos realizados sobre Exu na frica Ocidental, de fato transparece a idiade que tambm os muulmanos relacionavam o orix com o princpio da maldade eda ao demonaca. (DOPAMU, 1990, p. 34apud OLIVA, 2005, p. 22).

    Outros estudiosos que voltaram sua ateno para a figura do orix Exu-Elegba4

    demonstram fortes traos do pensamento cristo, aliados s teorias racialistas eevolucionistas do sculo XIX. Podemos citar como exemplo dois padres catlicos, umeuropeu e um africano, que demonstram este tipo de pensamento. Nos referimos aoreverendo Noel Baudin e o prof. da Universidade de Ilorin, na Nigria, Ade Dopamu.Ambos escreveram trabalhos sobre as religies dos orixs, onde deixam transparecer a forteinfluncia do pensamento cristo na anlise dos orixs, especialmente de Exu.

    De uma forma geral, o que eles fazem interpretar a religiosidade africana dos

    orixs sob a tica crist, e assim aplicar conceitos e julgamentos que no lhe cabem.Baudin, por exemplo, interpreta que a necessidade ritualstica de os iorubs ofertarem osprimeiros sacrifcios sempre a Exu decorre do medo gerado pelo carter perverso e

    4 Lgba vodum cultuado no Benin e no Togo, que guarda grande similitude funcional e iconogrfica comExu (ver OLIVA, 2005, Nota 15, p. 33).

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    ameaador do orix, em uma bvia aproximao com a figura do Diabo na tradio judaico-crist (BAUDIN, 1884apud OLIVA, 2005, p. 24).

    J Dopamu reala apenas alguns aspectos desta entidade, como o fato de ele ser oagente do desequilbrio e da desordem, e sua personalidade libidinosa, contraventora eperversa, que, para ele, so sintomas de sua maldade. Exu, inserido num mundomaniquesta, onde temos dois plos distintos o bem e o mal passa a ocupar ento o ladomaligno, e passa a representar a personificao da maldade. (DOPAMU, 1990apud OLIVA, 2005, p. 25).

    Podemos concluir ento que

    nos trabalhos dos sacerdotes, de forma geral, houve uma transposio das

    mentalidades e concepes religiosas ocidentais para o entendimento dascosmologias africanas. Como no imaginrio cristo todas as formas de mal e deinfluncias negativas na vida das pessoas e na ordem do mundo so associadas aoDiabo, suas anlises sobre a cosmologia dos orixs passaram a estabelecer a mesmarelao. Percebe-se, portanto, que a relao entre Exu e o Diabo foi uma criao desacerdotes cristos ou muulmanos, seguida e defendida por seus fiis. (OLIVA,2005, p. 26).

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    Dinmica Cultural 5 no Brasil Colonial

    No Brasil, esta imagem demonaca dos cultos africanos ganhar contornos maisprecisos ao longo de todo o perodo colonial. Ao ser trazido pra c como escravo, o negroafricano trar tambm suas crenas e rituais, enfim, sua religiosidade. Mesmo com todas astentativas por parte da Igreja Catlica, atravs da atuao da Inquisio, em reprimir estescultos, eles acabam por proliferar nas senzalas e becos das cidades, praticadas inicialmentepor escravos africanos, e procuradas por pessoas de todas as classes sociais.

    Como a grande maioria dos escravos que eram trazidos para o Brasil provinham daregio da Iorubalndia, o culto s divindades dos grupos desta regio (como oys, ijexsefans, ketos) acabaram predominando nos primeiros templos construdos na Bahia com o

    objetivo de cultuar as divindades iorubs, como os Orixs e Voduns (SILVEIRA, 2006, p.22). Algumas destas divindades ganharo destaque dentro das primeiras casas de Calundussurgidas na Bahia durante o sculo XVIII, como Oxal, Ogum, Xang, Iemanj e, claroExu.

    Este ltimo j contava com prestgio mesmo antes de vir para o Brasil, sendo seuculto estendido a praticamente todos os grupos africanos presentes na Iorubalndia.Segundo Robert Pelton,

    o tradicional nmero de deuses yoruba (orixs) de 401, porm Exu, juntamentecom If, so as divindades universalmente reconhecidas e para as quais todos osfiis yoruba podem recorrer, independentemente de sua filiao a outro culto.(PELTON, 1980, p. 128apud OLIVA, 2005, p. 20).

    Os primeiros terreiros surgidos no Brasil com o intuito de cultuar estes orixssurgiram na Bahia. Fundados por africanos, a caracterstica fundamental destes era unir, em

    um mesmo terreiro, diferentes orixs de diferentes regies. No Terreiro da Barroquinha, porexemplo, um dos primeiros a surgir no Brasil, foram colocados

    5 Sobre o conceito de Dinmica Cultural, S Jnior esclarece que a sociedade vive essa dinmica cultural(HALL, 1997; GEERTZ, 1973; BHABHA, 1998) e atravs do uso da sua utensilagem mental ressignificam ese apropriam desse universo cultural disponvel de acordo com as suas percepes e interesses. (SJNIOR, 2004, p. 52).

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    quatro pilares centrais representando os quatro cantos do pas ioruba, cada pilardedicado a um dos regentes da casa, ao Oxossi de Ketu, ao Xang de Oy, Oxumde Ijex e ao Oxal de Efan. (SILVEIRA, 2005, p. 23).

    Mas paralelamente ao desenvolvimento deste tipo de culto, surgia nas senzalas afigura do feiticeiro negro. Joo Jos Reis nos explica melhor do que se tratavam estesfeiticeiros:

    (Eram) adivinhos e curandeiros (que) atendiam em casa, sem participar dahierarquia dos terreiros de Candombl. Alguns atraiam centenas de consulentes,mesmo de fora da Bahia, at mesmo da frica. (REIS, 2005, p. 25).

    Renato Silveira complementa que:

    Alm de oficiantes religiosos, esses personagens sabiam preparar tisanas,cataplasmas e ungentos que aliviavam os males corriqueiros dos habitantes dacolnia; eram tambm capazes de curar doenas mais graves como a tuberculose, avarola e a lepra, usando os recursos da farmacopia tradicional e participandoinclusive do combate s epidemias que assolaram a Bahia em meados do sculoXIX (SILVEIRA, 2005, p. 19).

    Estes personagens, conhecidos como calunduzeiros, macumbeiros, curandeiros,feiticeiros, e diversos outros nomes, quase sempre de cunho pejorativo, aos poucos vo seproliferando por toda a colnia, perseguidos e ao mesmo tempo procurados, inclusive porpessoas das classes mais altas da sociedade. Sua associao com o demnio era constantepor parte dos segmentos catlicos, e a ao da Inquisio, mesmo que esparsa, legitimavaesta imagem de cultuadores do demnio.

    No Brasil Colonial, porm, a imagem deste demnio vai aos poucos ganhandocontornos menos hostis. A imagem que passada pela Igreja Catlica, de um ser dotado deuma malignidade intrnseca e indiscutvel, nas crenas e rituais das Religies Afro-brasileiras e do Catolicismo Popular acaba se tornando um agente transgressor da ordem,que pode ser curtido ou temido, invocado ou esconjurado, dependendo apenas do interessedaquele que se manifesta (LAPA, 1987).

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    Assim que o diabo se transforma em uma espcie de divindade, e passa a serinvocado com o objetivo de atender a diferentes pedidos. Esta invocao ao diabo buscaatender a uma necessidade imediata, material, na qual a pessoa busca resultados maiseficientes do que aqueles obtidos atravs da adorao ou venerao aos deuses e santoscatlicos. O Diabo, ao contrrio, oferece a oportunidade de se obter benefcios diretamentemediante uma contrapartida, e isto assegura sua eficcia. Ele , assim,

    uma entidade maligna (...) que na verdade presta relevantes servios no atendimentode dificuldades prosaicas ou transcendentais, satisfazendo desejos, atraindo osamigos ou repelindo os inimigos. Quanto sua eficcia, geralmenteinquestionvel (LAPA, 1987, p. 40).

    No imaginrio popular, a presena do diabo se d de forma muito mais direta,desligando-o de uma associao rgida ao mal, e colocando-o como um agente que ofereceaos homens a possibilidade de atingir seus mais ntimos desejos:

    A vivncia popular do diabo no o associa propriamente a uma instncia metafsicado mal, salvaguardando-o como representante e advogado de bens e prazerespessoais e imediatos que, por razes o mais das vezes incompreendidas, so

    proibidos em funo de interesses alheios aos do indivduo (BAIRRO, 2002, p.60).

    Esta imagem relativizada do mal e a constante recorrncia ao diabo, como umagente negociador, est intimamente ligada ao da Inquisio:

    H um cruzamento dialtico entre a prtica exconjuratria e punitiva da Inquisioe o apelamento consciente ou no dos agentes para negociar com o diabo. Em

    ambos os extremos, o diabo se faz necessrio e portanto tem utilidade (LAPA,1987, p. 43).

    Inerente a este processo de reconfigurao do diabo, analisado aqui especialmenteem terras brasileiras, est a relativizao dos conceitos de bem e mal. Enquanto que para aIgreja Catlica estes extremos so bem definidos e personificados nas idias de Deus como

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    o bem absoluto e o Diabo como o mal absoluto, no imaginrio das populaes do BrasilColonial este maniquesmo no existe de forma to extrema. Ao realizar algo em benefcioprprio, a pessoa est fazendo um bem, ainda que para isto tenha que causar o prejuzo deoutrem. Assim que o Diabo (...) no se resume em ser o mal, pois o que pode ser o malpara um ser o bem para outro (LAPA, 1987, p. 41).

    A mensagem catlica da poca vm acompanhada de um juzo de valor que definebem os valores do bem e do mal, e vo alm da prpria teologia catlica. No caso colonialno se trata apenas de resumir as idias de bem e mal ao Deus e ao Diabo. necessriotambm associar a cada um destes personagens um estilo de vida identificvel, um modeloAssim, figura de Deus coube a do homem civilizado, europeu, branco, cristo-catlico,enquanto que ao Diabo restou a figura do atraso, da barbrie, do selvagem, ou seja, das

    raas consideradas inferiores, o ndio, o branco, o mestio, e conseqentemente suasprticas demonacas.

    A relao dominador-dominado, vencedor-vencido que estabelece o que o bem,e o que o mal, quem Deus e quem o Diabo. Portanto, perfeitamente possvel que

    os juzos de valor que identificam o bem e o mal (...) tenham sido gerados pelosdominadores que apontando, condenando e eliminando o que podia ameaar-lhes obem-estar, (...) identificavam o mal que estava inerente ao outro, o dominado(LAPA, 1987, p. 41).

    A contrapartida deste processo que gera a negociao recorrente que se faz com odiabo na sociedade colonial, j que, para o vencido, o mal est no vencedor (LAPA,1987, p. 41). Assim,

    esseser (o diabo) pode assumir ser (...) a resposta que o imaginrio d do ponto

    de vista dos oprimidos a partir da vontade individual e/ou coletiva, para aliviarsuas tenses, violncias, conflitos, satisfazendo necessidades fsicas e mentais.(LAPA, 1987, p. 43).

    assim que ele vai ganhando espao na sociedade, invocado ou no, mas semprepresente, circulando pelas casas e senzalas. Pode ser associado a animais ou personificar-se

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    muitas vezes associado a uma natureza sexual, como um negro ou negrinho capaz deproezas sexuais, mas tambm uma dama generosa que satisfaz o deslumbrado amante(LAPA, 1987, p. 50). Mas na maioria das vezes realado seu carter esttico horripilantee seus defeitos fsicos, como podemos notar nos apelidos que recebe (bicho-preto, porco-sujo, coxo, rabudo, mal-encarado, co-sarnento, etc.)

    Podemos concluir que

    por trs dessas aparncias horripilantes ou por causa delas mesmo, esconde-se umaentidade que d fora aos desesperanados e carentes, aos cticos e desconfiados,sem qualquer tipo de discriminao (LAPA, 1987, p. 42).

    possvel que esta ressignificao do diabo cristo no Brasil Colnia tenha sidoresultado da aproximao deste Diabo com o Exu africano, j que, dentro da lgica dadinmica cultural, as diferentes religiosidades presentes no Brasil colonial se influenciammutuamente. No foi somente a viso catlica que penetrou no pensamento dasreligiosidades Afro-brasileiras, mas o inverso tambm verdadeiro. Esta influncia dasvises africanas e indgenas no catolicismo que deu origem s prticas presentes nocatolicismo popular. Assim, a correspondncia entre Exu e o Demnio fez com que, no so primeiro ganhasse caractersticas do segundo, mas que o Diabo tambm fosse aos poucos

    ganhando caractersticas do Orix Exu.

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    De Orix a Egum A presena de Exu na Umbanda.

    Ao visitarmos um terreiro de Umbanda hoje, quase certo que encontraremos aliuma sala dedicada exclusivamente a Exu, com esttuas que recebem denominaes comoExu Caveira, Sete Encruzilhadas, Giramundo, entre outros. Mas de se notar, tambm, queeste Exu presente na Umbanda j no mais o mesmo Orix que veio da frica e seassentou nos terreiros de Candombl. O Exu que encontramos na Umbanda fruto de umlongo processo de ressignificao, que faz com que Exu aos poucos perca seu carter deOrix para assumir a posio de esprito ancestral, conhecidos como Eguns.

    J na frica existiam o culto aos Eguns, que poderia ser definido como um culto aosmortos. O poder dos ancestrais na frica era grande, e os espritos dos que morreram

    tinham grande prestgio, sendo recorridos sempre que houvesse necessidade, atravs deoferendas e sacrifcios. Pierucci esclarece que

    fazer um sacrifcio a um ancestral pode ser algo bastante simples. Um membro datribo vai at o tmulo de seu pai, por exemplo, oferece uma pequena quantidade decomida e bebida, e pede ajuda para resolver uma situao difcil. (PIERUCCI,2000, p. 93).

    Este culto aos Ancestrais, no Brasil, ir se estabelecer juntamente com o culto aosOrixs, nas casas de Calundus e Candombls que se formam. Mas como as relaesclnicas no Brasil estavam fragmentadas devido a grande diversidade de grupos tnicospresentes, j no existiam mais ancestrais comuns entre os participantes do culto, o queacaba substituindo a figura do ancestral tradicional por um ancestral genrico, arquetpico,comum a todos os cidados. Os primeiros a serem assentados nos terreiros sero osCaboclos, representando os indgenas brasileiros, os donos da terra. Estas entidades se

    apresentam em vrios terreiros de Candombl, e tambm fora deles, juntamente com umaoutra figura que toma forma nestes cultos. Trata-se do pai-velho, ou preto-velho, querepresenta os primeiros escravos a virem para o Brasil, que geralmente eram antigossacerdotes na frica, conhecedores dos segredos da magia e dos feitios.

    Assim, estas duas figuras, Caboclos e Pretos-Velhos, iro cada vez mais aparecernas tendas e terreiros dos feiticeiros dando origem a um conjunto de prticas religiosas

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    diversas, desfragmentadas, que Bastide denomina de Macumba. O termo Macumba aqui empregado academicamente para designar toda esta gama de prticas religiosas difusas esem um corpo doutrinrio definido, que misturam elementos africanos, indgenas ecatlicos, e se espalham por praticamente todo o Brasil. Magnani define a macumba comosendo

    menos do que um culto organizado (a macumba) era um agregado fluido deelementos do Candombl, Cabula, tradies indgenas, Catolicismo Popular,Espiritismo, prticas mgicas, sem o suporte de uma mitologia ou doutrina capaz deintegrar seus vrios pedaos. (MAGNANI, 1986, p. 22).

    Mas no eram s caboclos e pretos-velhos que baixavam nestas casas de Macumba.A figura do Diabo tambm era lembrada, mas na Macumba recebia o nome de Exu. Asduas figuras, j bastante assimiladas, passam a figurar entre as entidades cultuadas nosterreiros de Macumba, mas agora no mais como Orixs, e sim como espritos ancestrais,tambm chamados de Eguns, representando pessoas que, em vida, tiveram umcomportamento abaixo dos padres morais impostos pela Igreja Catlica.

    A passagem de Exu-Orix para Exu-Egum permear toda a histria da Macumbabrasileira, desde os primeiros Calundus, at culminar na organizao da Umbanda carioca.

    Vrios autores identificaram este processo ao estudar as religies africanas no Brasil, comoArthur Ramos, Nina Rodrigues e Roger Bastide. Em suas obras, todos eles atestam ocarter malfico de Exu, mas o identificam como sendo fruto do ensino catlico (COSTA,1980, p. 88).

    Mas Bastide o primeiro a notar que, no incio do sculo XX, j havia emandamento um processo de transformao do Orix Exu em um esprito Ancestral, umEgum. Para ele, inicialmente, Exu vai deixando de ser considerado como um orix,

    descendo categoria de intermedirio, de mensageiro (COSTA, 1980, p. 92). A qualidadede mensageiro do Orix Exu, ento, faz com que ele esteja mais prximo do homem, e aospoucos deixe de ser considerado uma divindade, para ento se transformar num esprito,uma alma de uma pessoa falecida. Para Bastide, essa nova caracterstica que assume opersonagem Exu fruto da difuso das idias espritas:

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    Durante minha viagem ouvi contar, por uma me pequena, a histria de umindivduo, mau filho, mau irmo, mau esposo e mau pai, que depois da morte,descera como Exu. (BASTIDE, 1945, p. 113apud COSTA, 1980, p. 91).

    Percebe-se claramente, portanto, que Exu aqui j no tem mais a caracterstica deOrix, ou seja, de uma divindade superior, acima dos homens. Nos terreiros de Macumbaele associado a espritos de mortos, de pessoas que, em vida, foram ms, e aps a morte setornam Exus e baixam nos terreiros para fazer trabalhos. Isto pode explicar a diferenaexistente entre o Exu-Orix, presente nos Candombls, e o Exu-Egum presente naUmbanda. Enquanto o primeiro conserva, em grande parte, as caractersticas do primitivoOrix Nag Exu, baixando nos terreiros como divindade, acima dos homens, na Umbandaele baixa como um Egum, um esprito ancestral que faz trabalhos a quem o procura.

    Esta diferenciao pode ser notada na prpria fala dos pais-de-santo, como nosdemonstra Valdeli da Costa:

    H oExu-coroadoe oExu-batizado. O primeiro Orix, pois no teve corpo fsico,enquanto que o segundo possuiu corpo, encontrando-se, todavia, com um alto graude esclarecimento e de luz (COSTA, 1980, p. 96).

    E complementa que

    O Exu-orix denominado Exu-coroado. O Exu-alma ou Egum chamado Exu-batizado. (...) Os dois tem uma distino ontolgica. Um Orix, o outro, umEgum. (...) Nesta aglutinao do Egum ao Exu, a caracterstica ladina de Exu seacentuou para malfica, passando do Exu para o Egum: Ao Egum compete aperversidade, no ao Exu. (COSTA, 1980, p. 97).

    A influncia do Espiritismo Kardecista, que chega ao Brasil no final do sculo XIX,acabar fazendo com que sejam separados os cultos de Caboclos e Pretos-Velhos dos cultosde Exu. Conforme j explicamos, todos so entidades arquetpicas, que representampersonagens ancestrais da cultura brasileira, espritos de pessoas que j morreram. Mas,

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    devido carga negativa presente em torno de Exu, este continuar sendo identificado com odemnio, e seu culto ser separado dos demais.

    A partir da a Umbanda se dividir em duas linhas. A linha da direita ser dedicadaao trabalho com os Caboclos, Pretos-Velhos, crianas, e outras entidades cuja caractersticaprincipal serem considerados espritos de luz, iluminados, o que denota sua condio deavano espiritual, dentro da lgica evolucionista do kardecismo, e de terem um cdigomoral bem definido. Na outra linha, da esquerda, ficam os espritos de moral duvidosa,representados pelos Exus e pelas Pombagiras6.

    Esta linha de esquerda, tambm conhecida como Quimbanda, durante muito tempofoi sendo associada prtica da Magia Negra. Os prprios praticantes umbandistas porvezes fazem esta identificao, atribuindo sempre ao outro esta prtica, nunca a si mesmos.

    Eneida Gaspar coloca que

    criou-se o hbito, entre pessoas pouco escrupulosas, de utilizar a Quimbanda parafazer o mal, vingar-se de desafetos e obter vantagens por meios pouco honestos.Entretanto, as pessoas que trabalham a srio com estas entidades sabem que elaspodem ser boas protetoras de seus fiis, como o exu que guarda a porteira da casa(GASPAR, 2002, p. 184).

    Inserido na teoria da evoluo dos espritos kardecista, Exu considerado como umesprito ainda em evoluo, que deve prestar trabalhos de caridade para evoluir e deixar suacondio de esprito inferior. Sua condio de esprito inferior vem de sua prpriaencarnao, marcada sempre pela falta de uma conduta moral rgida, e pelos erros epecados cometidos. Esta ausncia de uma moral definida em vida, permanece aps a mortee responsvel pela neutralidade com que este esprito se apresenta nos terreiros, aceitandofazer tanto trabalhos de caridade, de ajuda espiritual, quanto trabalhos considerados a-

    morais, que visam influenciar na vida de outras pessoas atravs da magia.Nas palavras dos prprios praticantes da Umbanda percebemos estes elementos:

    6 As Pombagiras so espritos femininos, correspondentes de Exu, mas que apresentam caractersticasdiferentes, mais ligadas sexualidade. Apresentam o esteretipo da prostituta, de mulher vulgar. Nos cultoselas riem alto e bebem champanhe. A origem do termo est ligada a um Inquice, divindade dos povos Bantus,correspondente de Exu, o Bombojira ou Pambu Njila, que tem como correspondente feminino a Vangira.

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    Exu um esprito elementar, no tem origem. A gente pensa por ele, por isso eleaceita tanto fazer o bem como o mal. (...) Exus so espritos de pessoas sofredoras.(...) So pessoas que em vida fizeram alguma coisa errada. Exu todo mundo recebe,porque ele uma segurana para ns. (...) So espritos sem doutrina, vieram para

    cumprir misso. Eram espritos rebeldes na outra encarnao (MAGNANI, 1986, p.46-47).

    As noes de evoluo, misso, caridade e doutrina esto fortemente presentes noimaginrio umbandista. Sua misso aqui na Terra seria a de trabalhar atravs da prtica dacaridade, para assim se doutrinarem e conseguirem evoluir. Neste sentido, sua identificaocom o diabo cristo substitudo pela identificao a um esprito atrasado, sem luz, queainda no tem um conhecimento moral definido. Nas palavras da lder de um centroUmbandista, Exu no deve ser identificado com o diabo:

    uma idia muito errada que as pessoas fazem do Exu. Claro que tem alguns queainda no t bem esclarecido, (...) no tem conhecimento de nada, (a) as pessoasusam ele pra fazer essas coisas; ele faz aquilo pra ganhar o que eles prometeram, eleno sabe se t fazendo o bem, se t fazendo o mal, no tem distino.(...), masdepois que ele comea um esclarecimento, ele quer crescer, ele tem compreensoque ele precisa crescer, ele no faz isso mais (NOGUEIRA, 2005, p. 55).

    Percebemos que dentro dos prprios terreiros feita uma distino entre os que seutilizam de Exu para fazer trabalhos srios, para conseguir proteo e atender a pedidosrelacionados problemas diversos, sejam de sade, trabalho, amorosos, entre outros;daqueles que se utilizam dos Exus para fazerem trabalhos malficos, conhecidos comomagia-negra, que visam prejudicar ou influenciar de alguma forma na vida de outraspessoas.

    Assim atestada a neutralidade da entidade Exu, podendo ele fazer tanto o bemquanto o mal, dependendo apenas do pedido que lhe feito. Neste caso, a responsabilidadeno est na entidade ou esprito que realiza o ato mgico, mas sim naquela pessoa que fez opedido. A entidade apenas um instrumento, um agente utilizado, e no se responsabiliza

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    pelo teor do pedido feito. Este carter atestado pela prpria literatura umbandista. RubensSaraceni coloca que:

    Quem conhece a entidade Exu sabe tambm que uma entidade neutra. Para elesno existe a diviso entre bem e mal, apenas objetivos a serem atingidos. Sedirecionados para o bem, fazem-no sua maneira, e se para o mal, tambm.(SARACENI, 2006, p. 87).

    Neste ponto vemos que o Exu na Umbanda se assemelha muito ao diabo presente noimaginrio colonial. Mais do que ser associado ao mal, ele considerado uma entidadeneutra, sem juzo de valor, que pode realizar trabalhos diversos, desde que sejadevidamente pago. A questo do pagamento no caso do Diabo e do Exu, aproxima-os comoagentes de uma negociao com o homem, que se d no campo do simblico. Sobre oDiabo, Jos Roberto Lapa coloca que

    o Mal-encaradono trabalha de graa, como dissemos, cobra pelos seus servios eno deixa at de formalizar esse contrato de trabalho o chamado pacto com odemnio cujo preo nada mais nada menos do que a alma do recorrente. (LAPA,1987, p. 54).

    Uma relao parecida se d com o Exu, que para agir tem de receber um pagamentoem forma de oferenda, que pode ser desde uma simples vela vermelha ou preta at osacrifcio de algum animal, geralmente uma galinha:

    Exu s age se for pago simbolicamente por meio de uma oferenda. Com isso, ele seexime de culpa pela ao. Quem o pagou que o culpado! Um guia de luz ageonde ele acha necessrio; um Exu age quando lhe pedem e pagam. A est sua

    neutralidade. (SARACENI, 2006, Pp. 88).

    Este pagamento uma forma de demonstrar a disposio da pessoa em se sacrificar,ou sacrificar algo seu, que tenha valor pra si (como o alimento ou dinheiro) para ver seupedido atendido.

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    Outra caracterstica que encontramos relacionada ao Exu na Umbanda que, almde realizar trabalhos, eles visto tambm como guardio das casas de Umbanda. Saraceni,por exemplo, coloca que, quando so utilizados como guardies

    o poder de ao dos Exus limitado. No evoluem no trabalho de desmanchardemandas ou magias negras. Sua funo apenas guardar os locais de trabalhos deordem espiritual, e aps o trmino destes, proceder limpeza astral (...)(SARACENI, 2006, p. 89).

    Alm disto, agem tambm como soldados, responsveis por lidar com espritosmalignos, realizando um trabalho que as entidades consideradas superiores no seenvolvem:

    So (tambm) os carcereiros responsveis pela priso dos espritos queafrontaram as Leis Divinas. Uma entidade de Luz no teria coragem de castigar umesprito que s conhece a linguagem do Mal, mas um Exu Guardio tem sua falangepara executar esse trabalho, e o faz com muita disposio. No vamos pedir a ummdico que v prender assassinos perigosos. Os policiais so treinados e pagos paraisto. (SARACENI, 2006, p. 90).

    Percebe-se claramente por esta fala qual o papel a que esto associados cada umadas entidades presentes na Umbanda. Enquanto os espritos de Luz caboclos e pretos-velhos so comparados a mdicos, os Exus so colocados como soldados, policiais doastral, cada um deles, portanto, possuindo seu prprio campo de atuao e caractersticasdefinidas. Bairro em seu texto vai ainda mais longe, alegando que o fato de seremconsiderados soldados do astral tem ligao com o tipo de profisso que tiveram em vida,quase sempre lidando com armas:

    Vrios (Exus) Tranca-Ruas foram soldados. Outros reportam-se ao Egito do tempodos Faras (...). Alguns advogaram e lutaram por causas injustas. As suas histriasimaginais correspondem a este modelo: lidaram com armas. Podem ter sidogenerais sanguinrios, advogados de criminosos ou meros larpios (BAIRRO,2002, p. 64).

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    Percebemos assim que a definio de Exu na Umbanda nem sempre simples. Istoporque a imagem do Orix Nag sofreu um longo processo de ressignificao, que foi lheatribuindo caractersticas diversas ao longo dos vrios anos em que se foram constituindoos Calundus e a Macumba, e que resultaram na organizao dos Candombls e daUmbanda.

    No Candombl, Exu conserva ainda suas caractersticas de Orix, e consideradocomo o intermedirio entre os homens e os Orixs. As primeiras oferendas so semprededicadas a ele, e quando baixa no terreiro, assim como os outros Orixs, no conversa,apenas dana e segue o ritual. J na Umbanda, ele passou a representar a alma de algumque j morreu e, aps a morte, foi condenado a prestar servios de caridade na terra paraevoluir. Assim, ao baixar nos terreiros de Umbanda, os Exus conversam, falam palavres,

    bebem pinga e fumam charuto, aes que caracterizam seu carter de esprito inferior.Na Umbanda eles so procurados para realizar trabalhos e atender pedidos diversos,

    independente de sua procedncia moral. So espritos neutros, que agem conforme lhepedem, e cobram por isto, se eximindo assim de qualquer culpa que o pedido venha lhescausar. Esta relao de neutralidade faz com que sejam procurados tambm para realizaremtrabalhos que visam prejudicar outras pessoas em benefcio prprio, como os conhecidostrabalhos de amarrao, de derrubar algum no trabalho, e diversos outros servios que sodivulgados como realizados nos terreiros.

    Isto os aproxima mais ainda da imagem demonaca, mas no com o demniopintado pela igreja inquisitorial, mas muito mais com o demnio do Catolicismo Popular,aquele presente durante o perodo colonial, que atendia pedidos e realizava trabalhos emtroca de pagamentos. Neste ponto, percebemos que a imagem demonaca presente noimaginrio brasileiro ao longo dos sculos no permanece a mesma, se modificando eassumindo diferentes formas de manifestao.

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    Concluso: Heranas da Inquisio O discurso inquisitorial da IURD.

    A perseguio s religies Afro-Brasileiras so um captulo essencial paraentendermos a histria da constituio e consolidao destas religies. As relaes entre ouniverso cristo e africano sempre foi conflituoso e cheio de discriminaes. Este quadropermanece ainda hoje atravs do discurso de algumas religies fundamentalistas crists,conhecidas como neopentecostais.

    Durante os sculos que precederam organizao dos cultos Afro-Brasileiros, opoder da Igreja Catlica se fez notar atravs da figura da Inquisio. Esta fazia questo dereafirmar os dogmas catlicos perseguindo e condenando fogueira e ao enforcamento ospraticantes de outras fs, consideradas hereges e demonacas. Este discurso permaneceu

    presente no imaginrio catlico mesmo aps o fim da Inquisio, e marcou a histria dasreligiosidades Afro-Brasileiras de forma cabal.

    No caso especfico da Umbanda, so conhecidos da intelectualidade que estuda estareligio os casos de perseguio Umbanda, efetuada pela Igreja Catlica durante os anosde 1950. Sobre isto, Isaia esclarece que

    no af de recobrar uma posio de comodidade no mercado religioso, o discursocatlico dos anos 1950 voltava-se contra a Umbanda, religio que se mostravacomo essencialmente subversora da representao de um Brasil catlico, ao projetara imagem de uma religio tipicamente nacional (ISAIA, S/D, p. 4).

    Fica claro na fala do autor que a Umbanda ameaava ostatus quopertencente religio catlica, ao se espalhar pelos meios populares reivindicando a posio deverdadeira religio brasileira, da sofrer a oposio e perseguio ferrenha da IgrejaCatlica. Neste aspecto, alis, no era s a Umbanda a sofrer com esta perseguio, mas

    toda a gama de religies tidas como de possesso7

    , como o espiritismo kardecista e oCandombl, todos encarados como galhos da mesma rvore.

    7 O conceito de religies de possesso diz respeito a um fenmeno recorrente nestes tipos de religiosidades: apossesso medinica, ou transe medinico, quando se d a intermediao entre os homens e os espritos dosmortos. Neste quadro se encaixam diversos tipos de religiosidades, sendo os mais conhecidos no Brasil aUmbanda, o Candombl e o Espiritismo Kardecista.

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    A figura de Exu, associada ao demnio, recorrente neste discurso catlico. Na falado arcebispo de Porto Alegre, Dom Vicente Scherer, por exemplo, a Umbanda sedistingue pela pretensa evocao dos espritos e pelo culto do demnio, que chamam deExu (Hospital, 46(3), p. 192apud ISAIA, S/D, p. 9). A associao de Exu ao demnio sempre evocada nestes discursos como forma de desclassificar e rotular a Umbanda comodemonaca, denotando assim seu atraso, barbrie e selvageria.

    Este tipo de discurso permaneceu no imaginrio popular brasileiro, e atualmente reforado por alguns segmentos neopentecostais. Um dos mais significativos destes o daIgreja Universal do Reino de Deus (IURD), que combate no s as religies Afro-Brasileiras, como todo um conjunto de religies e seitas medinicas, orientais, mgicas eesotricas. Em sua obraOrixs, Caboclos e Guias deuses ou demnios, o bispo Edir

    Macedo, fundador da IURD, revela a verdade por detrs de seitas como vodu,macumba, quimbanda, candombl e umbanda, (nas quais) os demnios so adorados, econtinua, afirmando que tambm no espiritismo mais sofisticado (kardecista), eles semanifestam mentindo, afirmando serem espritos de pessoas que j morreram (MACEDO2004, p. 14).

    Todas estas religiosidades so tratadas uniformemente como adoradoras do diabo.Exu aqui aparece como um demnio divinizado e adorado por seus fiis nos rituais daQuimbanda:

    Na quimbanda, os deuses (demnios) so os exus, adorados e servidos no intuito dealcanar alguma vantagem sobre um inimigo ou alguma coisa imoral, comoconquistar a mulher ou marido de algum, obter favores por meios ilcitos, etc.(MACEDO, 2004, p. 15).

    Cada Exu ou demnio, como Macedo os concebem, tem uma rea de atuao.

    Assim, Macedo coloca que

    pessoas viciadas em txicos, bebidas alcolicas, cigarros ou jogo, na maioria doscasos, o responsvel o exu Z pelintra ou malandrinho. (...) Prostitutas,homossexuais e lsbicas sempre so possudos por pombagiras. (...) No caso em

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    que as pessoas esto perdendo tudo o que tem e caindo em desgraa, por trs estodemnios chamados exu do lodo, da vala. (MACEDO, 2004, p. 47).

    O remdio contra estes males causados pelos demnios pode ser encontrado na

    prpria Igreja Universal. Somente ela est autorizada a expulsar estes demnios e aproteger seus fiis deles. Macedo conta em seu livro inmeros exemplos de ex-pais-de-santo, mes-de-santo e praticantes de toda sorte de macumbarias e feitiarias, que apsentrarem para a IURD descobriram que seus guias na verdade eram demnios que osmanipulavam, e assim conseguiram a salvao atravs da Igreja. Isto legitima o papelatribudo IURD de salvar seus fiis da opresso demonaca, identificada nas religiesAfro-Brasileiras:

    O bispo Macedo prope como uma sntese de sua pregao plena o que bempentecostal e fundamentalista: Jesus Cristo salva; preciso ser batizado no EspritoSanto e a libertao pelo exorcismo das pessoas que esto oprimidas pelo diabo,para ele, associado Umbanda e Candombl (FRESTON, S/D, p. 135-137,apud ORO, 1996, p. 129).

    Percebemos assim, que grande parte do discurso da IURD est baseado na negao

    e demonizao do outro, aqui representado pelas religies medinicas, especialmente asAfro-Brasileiras, ou seja, o Candombl e a Umbanda. Esta postura, segundo Ivo Pedro Orovem da certeza dos fiis da IURD em possurem a verdade absoluta, contida na Bblia:

    Os outros, a grande maioria, so apstatas, moralmente pervertidos, arrastados pelomundo. Enquanto o ns (fundamentalistas) constitui o resto fiel aos princpiosfundamentais e imutveis (contidos na Bblia.). (...) Osoutros, que no esto nocaminho da salvao e (no) aderem verdade, so o inimigo. (...) Aquelesinimigos so demonizados. No esto com a verdade. Esto sendo seduzidos eguiados pelo demnio. E como Satans est solto, preciso lutar e combater (ORO,1996, p. 128).

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    Assim, o discurso do bispo Macedo d continuidade a sculos e sculos deperseguio e demonizao por parte dos segmentos religiosos cristos s diversas formasde religiosidades Afro-Brasileiras, especialmente a Umbanda, e perpetua a imagemdemonaca dos orixs e guias afro-brasileiros, especialmente da figura do Exu.

    Este, mesmo tendo sua figura ressignificada ao longo dos sculos, passando deOrix, divindade e mensageiro na cultura Nag a Egum, esprito ancestral, alma de pessoafalecida na Quimbanda, no perde seu carter demonaco, lhe atribudo logo nos primeiroscontatos entre europeus e africanos na regio da Iorubalndia, carter que afirmado ereafirmado pelos diversos contatos religiosos a que a Umbanda teve contato ao longo dossculos, desde a Inquisio catlica at o discurso inquisitorial da Igreja Universal.

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    Referncias Bibliogrficas

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