A controvérsia dos fenômenos elétricos e magnéticos

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A monografia refere-se ao estudo do experimento de Orsted.

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    UNIVERSIDADE ESTADUAL DE MARING CENTRO DE CINCIAS EXATAS

    DEPARTAMENTO DE FSICA

    MAYARA RICARDO DE OLIVEIRA

    UMA PROPOSTA DE ABORDAGEM DA RELAO ENTRE OS FENMENOS ELTRICOS E MAGNTICOS E SUA CONTROVRSIA EM

    SALA DE AULA

    MARING, 2014

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    MAYARA RICARDO DE OLIVEIRA

    UMA PROPOSTA DE ABORDAGEM DA RELAO ENTRE OS FENMENOS ELTRICOS E MAGNTICOS E SUA CONTROVRSIA EM

    SALA DE AULA

    Monografia apresentada ao Departamento de Fsica da Universidade Estadual de Maring como requisito parcial para obteno do ttulo de Licenciada em Fsica.

    Orientador: Prof. Dr. Daniel Gardelli

    MARING, 2014

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    EPGRAFE

    Se a histria fosse vista como um repositrio para algo mais do que anedotas ou cronologias, poderia produzir uma transformao decisiva na imagem de cincia que atualmente nos domina.

    (Thomas S. Kuhn)

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    RESUMO

    Os temas relacionados Histria da Cincia e sua importncia para a aprendizagem do aluno so pouco discutidos em sala de aula. Com isso, a viso fechada que os alunos tm sobre a cincia fica mais evidenciada, os alunos vem a cincia como uma verdade linear e absoluta. Um dos exemplos do uso da Histria da Cincia que pode ocorrer em sala de aula a abordagem sobre a controvrsia existente por trs do experimento de Orsted, 1820, onde h uma divergncia na explicao de vrios cientistas sobre a relao existente entre os fenmenos eltricos e magnticos, que comearam a ser estudados a partir deste experimento. Neste trabalho pretende-se analisar essa controvrsia, destacando-se os estudos feitos por Ampre, Orsted e Faraday e tambm sugerir uma proposta de aplicao deste tema em sala de aula. Para tal compreenso far-se- a utilizao de anlise bibliogrfica para embasamento terico, que culmine na explicao sobre a controvrsia e tambm sobre a importncia do uso da Histria da Cincia em sala de aula.

    Palavras-chaves: Ensino de Fsica. Histria da Cincia. Experimento de Orsted. Controvrsia.

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    SUMRIO INTRODUO .............................................................................................................. 6 1. A RELAO ENTRE OS FENMENOS ELTRICOS E MAGNTICOS .............. 9

    1.1. Interaes Fsicas: O que significa ao a distncia e ao por contato? ........ 9 1.2 Hans Christian Orsted O experiment de Orsted e sua repercusso .................. 11 1.3 O experimento de Orsted: Interpretao do prprio Orsted ................................... 15

    1.4 Andr-Marie Ampre e sua interpretao para o experimento de Orsted .............. 20 1.5 Michael Faraday e sua interpretao para o experimento de Orsted .................... 26 2. CONCEPES DE ENSINO E SEU DESENVOLVIMENTO: UM ENFOQUE NA ABORDAGEM DO ENSINO TRADICIONAL E CONSTRUTIVISTA ............................ 30 3. HISTRIA DA CINCIA.......................................................................................... 39

    3.1 A importncia da utilizao em sala de aula ............................................................. 39 3.2 Dificuldades na abordagem em sala de aula ............................................................ 42

    4. O EXPERIMENTO DE ORSTED E OS LIVROS DIDTICOS ................................. 53 5. UMA PROPOSTA DE ABORDAGEM DO EXPERIMENTO DE ORSTED EM SALA DE AULA .................................................................................................................... 55 6. INDICAES DE CONCEPES SEMELHANTES .............................................. 57 CONSIDERAES FINAIS ........................................................................................ 65 REFERNCIAS .......................................................................................................... 67

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    INTRODUO

    Podemos observar que nas escolas dificilmente temas relacionados Histria da Cincia e sua importncia so abordados. Isso ocorre, muitas vezes, pela falta de conhecimento e preparao do professor que, em sua formao, no teve o devido contato com essa linha de pesquisa. Esse um dos principais problemas relacionados Histria da Cincia, a carncia de professores com formao adequada para pesquisar e ensin-la corretamente, alm da falta de material didtico adequado para se usar no ensino (MARTINS, 2006). Com isso os alunos no tomam conhecimento dos caminhos que levaram aceitao das teorias estudadas hoje em dia.

    Na maioria das vezes os alunos acabam tendo uma viso fechada sobre Cincia e a tomam como verdade absoluta, linear e imutvel, o que os afastam do estudo das cincias, por no verem sentido em estudar algo que j est definido e determinado. Por isso, de suma importncia a

    [] contextualizao sociocultural, pois permite, por exemplo, compreender a construo do conhecimento fsico como um processo histrico, em estreita relao com as condies sociais, polticas e econmicas de uma determinada poca (BRASIL, 2006, p. 64).

    O uso adequado de episdios histricos em sala de aula permite ao aluno compreender que a Cincia est relacionada com a tecnologia e sociedade, mostrando que a Cincia no algo isolado e que faz parte de um desenvolvimento histrico, cultural, humano e que sofre influncias e influencia vrios aspectos da sociedade (MARTINS, 2006).

    A utilizao adequada da Histria da Cincia e a abordagem de seus temas em sala de aula poderia aproximar os alunos das disciplinas que so to rejeitadas, como a Fsica, Qumica e Biologia, ajudando os alunos a perceberem que a Cincia uma construo social, mostrando que as aulas podem ser mais desafiadoras e reflexivas, alm de proporcionar ao aluno uma participao mais ativa em sala, favorecendo a discusso e propiciando assim um pensamento mais crtico (MATTHEWS, 1995). Alm de [] enriquecer o ensino de Fsica e tornar mais interessante seu aprendizado, aproximando os aspectos cientficos dos acontecimentos histricos, possibilita a viso da cincia como uma construo humana (BRASIL, 2006, p. 64).

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    Um dos exemplos do uso da Histria da Cincia que pode ser levado para a sala de aula a abordagem sobre a controvrsia existente por trs do experimento de Orsted, de 1820, em que h uma divergncia na explicao de vrios cientistas sobre a relao entre os fenmenos eltricos e magnticos, que comearam a ser estudados a partir deste experimento.

    Essas divergncias nas explicaes dos fenmenos observados podem ser atribudas em parte pelas concepes filosficas que orientavam os argumentos de cada cientista. Vrios trabalhos que foram desenvolvidos na poca eram baseados na viso mecanicista, que defendia a Cincia newtoniana e entendia a natureza como um conjunto de corpsculos e de fluidos em movimento, sendo que a configurao e o movimento desses elementos que seriam os responsveis pela explicao dos fenmenos. A todos os efeitos encontrados na natureza haveria um sistema de partculas ou de fluidos que relacionavam-se entre si por foras que eram passivas de ao e reao (GUERRA et al, 2004).

    Contudo, no final do sculo XVIII surgiu um movimento conhecido por Naturphilosophie, que teve Schelling (1775-1854) como um dos maiores representantes em termos epistemolgicos e filosficos. Ele defendia que a essncia da natureza era a permanente atividade de oposio de foras de atrao e repulso. O mundo estaria em eterno conflito, no qual sempre uma das foras iria se sobrepor outra. Para os adeptos dessa filosofia, a natureza era um todo orgnico, a matria e os fenmenos naturais seriam resultados da polaridade e dualidade de foras de atrao e repulso, alm disso que seria possvel uma manifestao especfica se converter em outra manifestao (GUERRA et al, 2004).

    Ao analisar as concepes filosficas e o contexto cientfico da poca possvel discutir com os alunos como esse contexto influencia no desenvolvimento de uma teoria e tambm a complexidade de estabelecer uma explicao que engloba todos os fenmenos observados.

    Nesse contexto, o objetivo deste trabalho foi analisar a controvrsia entre as explicaes dadas aos fenmenos envolvendo o experimento feito por

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    Orsted, em 1820, destacando os estudos feitos por Ampre, Orsted e Faraday. Com a anlise, pretendemos mostrar as vrias explicaes do fenmeno e elaborar uma sugesto de proposta de abordagem em sala de aula, com o intuito de alertar os professores da importncia de se abordar o assunto com seus alunos colocar depois essa parte, pois

    [] com o auxlio da histria e da filosofia da cincia, as aulas de cincias poderiam se tornar mais desafiadoras e reflexivas, permitindo, deste modo, o desenvolvimento do pensamento crtico; poderiam permitir um entendimento mais integral da matria cientfica, contribuindo para superar a falta de significado dos conceitos ensinados [] (MATTHEWS, 1995, p. 165. In: GARDELLI, 2004, p. 1-2).

    Este trabalho pode contribuir como possvel referncia de apoio aos professores, para que esses possam se familiarizar com o tema e aproveit-lo como fonte de posterior aplicao didtico-pedaggico em sala de aula. Afinal, [] o estudo histrico poderia permitir aos professores, portanto, compreender melhor o assunto, entender as dvidas de seus alunos, respeitar as dificuldades do assunto e tentar abordar o problema com cuidado [] (MARTINS, 1988, p. 56).

    Com esse propsito, dividimos o trabalho em oito sees. Nesta primeira, apresentamos linhas gerais do tema abordado, nosso objetivo e justificativa. Na segunda seo fizemos uma introduo sobre as interaes fsicas, para familiarizar os leitores com as possveis abordagens na explicao deste o fenmeno e, por fim, fizemos a anlise do experimento de Orsted e as explicaes segundo Ampre, Orsted e Faraday. Na terceira seo, fizemos uma descrio sintetizada de como ocorreu o desenvolvimento do ensino e as concepes de vrios pesquisadores sobre as pedagogias desenvolvidas, focando nosso interesse na pedagogia tradicional e na construtivista. Na quarta seo, fizemos uma anlise das contribuies do uso da Histria da Cincia em sala de aula, em todos os seus aspectos e dificuldades, discutindo tambm a sua utilidade na abordagem da controvrsia em sala de aula. Na quinta seo fizemos uma breve anlise de como o experimento abordado nos livros didticos. Na sexta seo elaboramos e sugerimos uma proposta de abordagem da controvrsia em sala de aula. Na stima seo categorizamos e analisamos as indicaes de concepes semelhantes entre os alunos e os

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    cientistas da poca. Na oitava e ltima seo, apresentamos as consideraes finais do trabalho.

    1. A RELAO ENTRE OS FENMENOS ELTRICOS E MAGNTICOS

    Neste captulo abordaremos sobre os conceitos de ao a distncia e o por contato, citando exemplos para ajudar o leitor a entender as diferenas entre eles e tambm sobre as concepes de cada cientista analisado, segundo a utilizao desses conceitos.

    1.1. Interaes Fsicas: O que significa ao a distncia e ao por contato?

    A explicao de como ocorre a transmisso da fora entre dois corpos e como ocorre essa interao sempre foi um problema estudado na Fsica. Essa dvida motivou os trabalhos de muitos cientistas, entre eles Maxwell:

    A questo refere-se transmisso da fora. Sabe-se que dois corpos separados por uma certa distncia exercem influncia mtua sobre os movimentos um do outro. Depender esta ao da existncia de uma terceira coisa, um agente de transmisso que ocupa o espao entre os corpos, ou ser que os corpos agem uns sobre os outros imediatamente, sem a interveno de nada mais? (MAXWELL, Scientific Papers, v. 2, On Action at a Distance, p. 311. In: SILVA; KRAPAS, 2007, p. 471).

    A discusso sobre essas interaes levantaram duas possibilidades para explicar como a fora transmitida entre corpos afastados entre si. Uma delas dizia que [] essa transmisso ocorre atravs de um mediador, que segundo Maxwell seria o meio circundante aos corpos que interagem [] (SILVA; KRAPAS, 2007, p.472). A outra que [] essa ao se transmite a distncia sem a necessidade de existncia de qualquer mediador, ou seja, sem a participao do meio [] (SILVA; KRAPAS, 2007, p.472). Portanto, deveria ocorrer de forma instantnea e sem a interveno do meio circunjacente aos corpos em interao.

    Para maior entendimento, podemos analisar algumas situaes onde ocorrem a ao a distncia e a ao por contato. Alguns dos exemplos a seguir podem ser interpretados sob os dois olhares. Mas vamos descrev-los de maneiras separadas para distinguir as duas explicaes.

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    Um dos exemplos que pode ser explicado como sendo devido a uma ao a distncia o fenmeno interpretado por Newton da queda dos corpos em direo Terra, lembrando que essa ao mtua, ou seja, a Terra tambm sofre influncia do corpo em queda. Outro exemplo o da interao entre dois ms, que ocorre mesmo quando existe um vidro ou um material no magntico entre os dois. Alm disso, a interao entre corpos carregados ou polarizados eletricamente e o efeito da atrao e repulso de fios percorridos por correntes eltricas tambm so exemplos de ao a distncia, respeitando a reciprocidade de ao entre os corpos (ASSIS, 2006).

    As interaes por contato, por exemplo, podem ser observadas em casos mais simples do nosso dia-a-dia, como quando levantamos uma pedra e a seguramos, quando h uma coliso entre carros ou duas bolas de bilhar e at mesmo aqueles que ocorrem em fluidos, como o som que transmitido no ar ou gua atravs de condensaes e vibraes desse fluido, entre outros exemplos (ASSIS, 2006). Mas tambm podemos usar os exemplos citados para a ao a distncia, e explic-los como devido a uma ao por contato, desde que a interao seja interpretada como sendo devido a um agente intermedirio. Ou seja, no haveria contato direto entre os corpos, mas sim o contato do agente mediador com os dois corpos interagentes.

    No caso da fora gravitacional, a interao entre dois corpos que possuem massa seria explicada devido a um campo que gerado ao redor desses corpos, esse campo chamado de gravitacional. No caso das interaes eltricas e magnticas, h o conceito de linhas de fora, que transmitem a fora entre os dois corpos, ou seja, essas linhas de fora seriam o agente intermedirio mediando a fora entre os corpos. J no eletromagnetismo as interaes seriam explicadas a partir do conceito de campo eltrico e magntico, como sendo o mediador da interao.

    Atualmente no ensino das interaes eltricas e magnticas, apenas a discusso sobre campos eltricos e magnticos so abordados em sala de aula, contudo essas interaes podem ser explicadas sem a utilizao do conceito de um agente intermediador, apenas por ao a distncia. A no abordagem dessas diferentes explicaes causa um prejuzo ao aluno, que no

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    fica ciente das discusses que enredaram a elaborao das teorias estudadas em sala, deixando-o com uma viso da cincia como algo linear e definido, no entendendo que a Cincia uma construo humana e social. Apoiamo-nos na ideia de que

    [] Estudar a evoluo de um conceito expe a cincia a um olhar mais humano - portanto, mais falho -, que mostra suas idas e vindas, suas contradies, disputas e incertezas. Expe o conceito a uma anlise crtica, desnudando alguns caminhos da cincia na busca do conhecimento, caminhos que mostram que possvel que duas concepes sobre o mesmo tema coexistirem e se desenvolverem. A cincia admite a pluralidade terica (SILVA; KRAPAS, 2007, p.476).

    E mais, o estudo dessa controvrsia ao longo da histria tem sido de grande valor para repensar o ensino das interaes fsicas [] (SILVA; KRAPAS, 2007, p. 472), alm de favorecer um maior entendimento do aluno em relao s interaes fsicas:

    [] Ao se extrapolar as concepes dos estudantes quanto transmisso da ao, possvel introduzir essa contraposio de idias o que, sem dvida, constitui um excelente instrumento de discusso sobre um tema to instigante como a natureza da interao fsica (SILVA; KRAPAS, 2007, p. 476).

    Com o intuito de melhorar essa interpretao que os alunos tm da construo cientfica e favorecer um entendimento maior sobre as interaes fsicas, faremos uma abordagem das divergncias existentes entre as explicaes da relao entre os fenmenos eltricos e magnticos. Para isso, veremos adiante como Faraday, Orsted e Ampre explicaram essas interaes.

    1.2 Hans Christian Orsted O experimento de Orsted e sua repercusso

    As investigaes que culminaram na primeira observao experimental da interao entre a eletricidade e o magnetismo so geralmente designadas ao dinamarqus Hans Christian Orsted (1777-1851). Contudo, muitos estudiosos da poca no atribuiram ele grande valor e achavam que essa observao havia sido feita de forma casual, diminuindo seu trabalho.

    Atravs de alguns estudos mais cuidadosos possvel perceber que necessrio muito mais do que sorte ou acaso para realizar essas observaes. Mesmo que as descries quantitativas no tenham sido descritas por ele, necessrio valorizar seu trabalho e entender os estudos que foram feitos e as

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    dificuldades que ele enfrentou em sua descrio qualitativa. Por ser um fenmeno totalmente novo havia muitas ideias pr-concebidas sobre o assunto e alm disso as propriedades de simetria que estavam envolvidas eram extremamente revolucionrias para a poca, o que causavam maiores dificuldades ao analisar o fenmeno.

    Orsted sempre esteve em contato com estudos, mesmo em reas diferentes da Fsica. Trabalhou primeiramente como farmacutico, adquirindo conhecimentos sobre Qumica e Fsica. Teve oportunidade de viajar e conhecer outros pases, possibilitando maior compreenso sobre vrios assuntos alm de adquirir contatos com estudiosos importantes.

    Em 1804, comeou a lecionar Fsica na Universidade da Dinamarca, o que lhe proporcionou, alm de seus antigos contatos, publicar vrios artigos cientficos. Orsted sempre esteve em contato com estudos e pesquisas e mesmo no sendo muito reconhecido antes de sua contribuio no eletromagnetismo, no podemos atribuir sua descoberta a um mero caso de sorte (MARTINS, 1986).

    A relao entre os fenmenos eltricos e magnticos j era observada muito antes do experimento de Orsted em 1820. No sculo XVI, muito antes de Orsted, j havia conhecimento de que as bssolas sofriam perturbaes durante uma tempestade. Mesmo que esses fenmenos no fossem explicados de forma clara, j se tinha alguma ideia dessa relao. A busca por respostas estimulava a realizao de experincias buscando novas interaes entre eletricidade e magnetismo, [] mas a procura no era totalmente cega: guiava-a uma suposio sobre as semelhanas entre as simetrias dos fenmenos eltricos e magnticos (MARTINS, 1986, p. 93).

    Com a inveno da pilha de volta por Alessandro Volta em 1800, Orsted reconheceu sua importncia para entender melhor a relao entre o galvanismo e a Qumica. Junto com Johann Wilhelm Ritter, conseguiu demostrar a relao entre fenmenos eltricos, o calor, a luz e os efeitos qumicos, mas ainda no havia conseguido estabelecer relaes entre a

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    eletricidade e magnetismo (GARDELLI, 2004). Contudo, esse era um problema que ainda afligia vrios cientistas da poca e no somente Orsted.

    A melhoria dos aparelhos devido a inveno da pilha de Volta, possibilitou o surgimento de uma fonte de corrente constante e isso fez com que ocorresse uma revoluo tanto tecnolgica para poca quanto nos estudos da eletricidade em movimento. Esse novo fator instigou ainda mais os cientistas a tentarem achar explicaes para a relao entre os fenmenos: eles se

    [..] orientavam basicamente atravs das semelhanas e simetrias entre os fenmenos eltricos e magnticos. Era natural estabelecer-se uma analogia entre os plos norte e sul de um m e cargas eltricas positivas e negativas, o que lhes permitia associar um m a um dipolo eltrico e a procurar no s interaes entre os mesmos, mas tambm gerar com um deles os efeitos produzidos pelo outro (GARDELLI, 2004, p. 55).

    Em seus estudos, Orsted descobriu que de alguma forma a corrente eltrica atuava sobre um m. A partir disso, comeou a fazer mais experincias a fim de tentar determinar as propriedades desse fenmeno, antes de divulg-lo. Em julho de 1820 ele decidiu divulgar seus estudos pois do seu ponto de vista [] Agora ele sabia como uma corrente eltrica atuava sobre uma agulha magntica, em todas as posies e direes imaginveis, e tambm formulara uma explicao dos efeitos observados (MARTINS, 1986, p. 101).

    Foi ento que seu trabalho sobre essas interaes foi divulgado e seu experimento ganhou propores gigantescas no mundo dos pesquisadores, em que observou a deflexo de uma agulha imantada, sendo causada por um fio conduzindo corrente constante. Essa divulgao marca o incio do que chamamos de eletromagnetismo, que se refere ao estudo da relao entre os fenmenos eltricos e magnticos. Temos que ter em mente que o termo eletromagnetismo surgiu, pela primeira vez, em artigos publicados por Orsted, assim como a palavra eletromagntico. Ele criou essas duas novas palavras para caracterizar sua descoberta da interao entre a corrente eltrica e uma agulha magntica (ASSIS; CHAIB, 2011).

    Em sua experincia, Orsted observou e descreveu o seguinte:

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    [] Os terminais opostos do aparelho galvnico so unidos por um fio metlico, que, por conciso, chamaremos de condutor de concexo ou fio de conexo. Atribuiremos o nome de conflito eltrico ao efeito que se manifesta nesse condutor e no espao que o cerca. A parte retilnea desse fio colocada em posio horizontal, suspensa acima da agulha magntica, e paralela a ela. Se for necessrio, o fio de conexo pode ser dobrado para que uma parte dele assuma a posio correta necessria experincia. Nessa siituao, a agulha magntica ser movida, e a sua extremidade que est sob a parte do fio de conexo mais prxima ao terminal negativo do aparelho galvnico ser desviada para oeste. Se a distncia entre o fio de conexo e a agulha magntica no exceder de polegada, o desvio da agulha far um ngulo de cerca de 45. Se a distncia variar, o ngulo diminuir medida que a distncia cresa. Alm disso, o desvio depende da eficcia do aparelho []. [] Se o fio de conexo colocado em um plano horizontal sob a agulha magntica, todos os efeitos so como no plano acima da agulha, mas em direo inversa. Pois o polo da agulha magntica sob o qual est a parte do fio de conexo que est prximo ao terminal negativo do aparelho galvnico desvia-se para leste. Para tornar mais fcil a memorizao disso, pode-se usar a frmula: O polo sobre o qual entra a eletricidade negativa gira para oeste, ou para leste se entra abaixo []. (ORSTED, (1820), Experincias sobre o efeito do conflito eltrico sobre a agulha magntica, 1986, p. 116-120).

    Orsted no chegou a publicar seu trabalho em peridicos cientficos, mas o enviou em forma de folheto para vrios cientistas da poca. Dominique Franois Jean Arago (1786 1853) ento descreveu seu trabalho para a Academia de Cincias de Paris em 4 de setembro de 1820. O experimento causou muita descrena Academia, o que fez com que Arago repetisse o experimento no dia 11 de setembro. A causa de tanta descrena e espanto pela comunidade cientfica era porque o experimento contrariava as ideias de simetria da poca.

    No experimento, inicialmente o fio e a agulha definem um plano vertical e os dois encontram-se paralelos um ao outro. Quando o fio percorrido por uma corrente um dos polos da agulha imantada deixa o plano vertical inicial, como representado na figura a seguir:

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    Esse fato chamou ateno dos cientistas da poca, pois aparentemente h uma quebra de simetria, j que

    [] Seria mais natural se o polo [] da agulha fosse atrado ou repelido pelo fio, mantendo-se no mesmo plano vertical. Esse desvio do polo [] da agulha para um dos lados do plano vertical no era algo esperado [] (ASSIS; CHAIB, 2011, p. 26).

    Como esse era um fenmeno muito intrigante e totalmente novo, muitos cientistas comearam a estudar mais sobre o assunto e buscar, por si prprios, explicaes para esse acontecimento. A seguir, vamos analisar com mais detalhes, as explicaes dadas pelo prprio Orsted, Ampre e Faraday.

    1.3 O experimento de Orsted: Interpretao do prprio Orsted

    Orsted explicou o fenmeno observado em seu experimento, defendendo [] a ideia de um fluxo de partculas ao redor de um fio com corrente, sendo que seria esse fluxo o responsvel pela deflexo de uma agulha imantada colocada prxima ao fio [] (ASSIS; CHAIB, 2011, p. 263). Em sua concepo, esse fluxo em torno do fio era explicado supondo que []

    Figura 1: Representao da experincia de Orsted com o fio sobre a agulha imantada. Em

    (a) e em (b), a agulha aponta ao longo do meridiano magntico, sendo que no h

    corrente no fio. A parte retilnea do fio e a agulha esto ao longo de direes horizontais

    paralelas, com os dois formando um plano vertical. Em (c) temos o desvio da agulha com

    seu polo Norte indo para Oeste, quando flui uma corrente no fio do Sul para o Norte.

    Fonte: ASSIS, Andr. Koch. Torres.; CHAIB, Joo. Paulo. Martins. de Castro. Eletrodinmica

    de Ampre Anlise do significado e da evoluo da fora de Ampre, juntamente com a

    traduo comentada de sua principal obra sobre eletrodinmica. Campinas: Editora da

    UNICAMP, 2011.

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    o conflito eltrico se manifesta sob a forma de dois turbilhes que circulam em torno do fio, em sentidos opostos [] (MARTINS, 1986, p. 101). Para ele, cada turbilho atuava sobre um polo da agulha imantada. Como j foi citado anteriormente, para Orsted o conceito de conflito eltrico era devido ao efeito que se manifesta no condutor e no espao que o cerca, alm disso, esse termo vinha de sua concepo da natureza da corrente eltrica.

    Segundo Orsted [] o efeito magntico de uma corrente eltrica no paralelo corrente [] (MARTINS, 1986, p. 101). Esse era o aspecto mais revolucionrio de seu trabalho porque embora a corrente eltrica fosse pensada como um fenmeno longitudinal dentro do fio condutor, o efeito produzido por essa corrente apresentava um aspecto de rotao em torno desse fio.

    Nas palavras de Orsted: [] O conflito eltrico apenas atua sobre as partculas magnticas da matria. Todos os corpos no-magnticos parecem ser permeveis ao conflito eltrico; mas os [corpos] magnticos, ou suas partculas magnticas, resistem passagem desse conflito magntico, o que faz com que possam ser movidas pelo mpeto das foras em luta. As observaes expostas mostram que o conflito eltrico no est confinado ao fio condutor, mas est amplamente disperso no espao circunjacente a ele. Tambm se pode concluir das observaes que esse conflito age por rotaes [gyros], pois parece que essa a condio sem a qual no se pode compreender que a mesma parte do fio de conexo, colocado abaixo do polo magntico o leve para leste, e colocado acima dele o mova para oeste; pois tal a natureza da rotao, que movimentos em partes opostas possuem direes opostas. Alm disso, pareceria que um movimento de rotao, unido a um movimento progressivo dirigido segundo o comprimento do condutor, deveria formar uma linha conchoidal ou espiral ou seja, em hlice, mas isso, se no me engano, no contribui para a explicao dos fenmenos explicados at agora. Todos os efeitos aqui expostos, relativamente ao polo norte, so facilmente compreendidos, supondo-se que a fora ou matria eltrica negativa percorre uma linha espiral dobrada para a direita, e empurra o polo norte, mas no age sobre o [polo] sul. Pode-se explicar de forma semelhante os efeitos sobre o polo sul, se atribuirmos fora ou matria eltrica positiva um movimento contrrio, e o poder de agir sobre o polo sul e no sobre o norte. Compreender-se- melhor a concordncia dessa lei com a natureza pela repetio das experincias do que atravs de uma longa explicao. A avaliao das experincias ser muito facilitada, se for indicado o sentido das foras eltricas no fio de conexo por sinais pintados ou gravados. Ao que foi dito adiciono apenas: Demonstrei em um livro publicado sete anos atrs, que o calor e a luz so constitudos pelo conflito eltrico. vlido concluir, das observaes descritas, que em seus

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    efeitos ocorrem movimentos giratrios; acredito que isso contribuir para esclarecer os fenmenos chamados de polarizao da luz. Copenhagen, 21 de julho de 1820. (ORSTED (1820), Experincias sobre o efeito do conflito eltrico sobre a agulha magntica, 1986, p. 121-122).

    Orsted a princpio no explicou os fenmenos ocorridos por meio da ao a distncia pois a simetria do fenmeno dificultaria sua explicao usando essa concepo. Ento ele utiliza a ideia de que o conflito eltrico ocorre tambm fora do condutor em forma de dois turbilhes cujas rotaes so opostas, em torno do fio e cada turbilho estaria associado a um tipo de eletricidade e cada uma delas agiria apenas sobre um dos tipos de polo.

    Segundo Orsted a matria eltrica negativa s iria agir sobre o polo norte do m, empurrando-o. Enquanto que a positiva agiria somente no polo sul, empurrando-o tambm. Um fator que podemos destacar de sua primeira interpretao que Orsted inicialmente atribua o desvio da agulha apenas ao do fio com corrente.

    Outros pesquisadores estavam tentando formular suas prprias explicaes para o fenmeno e Ampre em setembro de 1820, publicou um trabalho na Academia de Cincias mostrando que [] esse desvio era devido

    Figura 2: (a) experincia de Orsted; (b) sua interpretao dessa observao supondo cargas

    eltricas descrevendo trajetrias helicoidais ao redor do fio e empurrando os polos do m.

    As setas indicam os sentidos dos movimentos das supostas cargas positivas e negativas

    dentro e fora do fio. Fonte: ASSIS, Andr. Koch. Torres.; CHAIB, Joo. Paulo. Martins. de

    Castro. Eletrodinmica de Ampre Anlise do significado e da evoluo da fora de

    Ampre, juntamente com a traduo comentada de sua principal obra sobre

    eletrodinmica. Campinas: Editora da UNICAMP, 2011.

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    s aes conjuntas do fio e da Terra sobre a agulha [] (ASSIS; CHAIB, 2011, p. 210). E que, se fosse eliminada a ao magntica da Terra, a agulha passaria a se orientar ortogonalmente a um fio com corrente.

    Aps o trabalho de Ampre, Orsted mudou sua a interpretao de como ocorria essa interao, dizendo em um artigo de 1821, o seguinte:

    [] Apresentarei aqui, de forma bem mais detalhada do que fiz na minha primeira publicao, a regra pela qual penso serem governados todos os efeitos eletromagnticos. esta: Quando potncias eltricas opostas encontram-se em circunstncias que oferecem resistncia, elas ficam sujeitas a uma nova forma de ao, e neste estado elas agem sobre a agulha magntica de tal forma que a eletricidade positiva repele o [polo] Sul [da agulha imantada], e atrai o polo Norte da bssola; e a eletricidade negativa repele o Norte, e atrai o Sul; mas a direo seguida pelas potncias eltricas neste estado no a de uma linha reta, mas uma linha espiral, girando da esquerda para a direita. (ASSIS; CHAIB, 2011, p. 210).

    Na primeira interpretao em 1820, Orsted tinha a ideia de que a matria eltrica empurrava o polo do m. Em um texto de 1821 ele fala em [] atraes e repulses entre as eletricidades positiva e negativa que estariam fluindo de forma helicoidal no exterior do fio e os polos do m [] (ASSIS; CHAIB, 2011, p. 211). Isto mostra uma mudana na viso de como ocorre a interao, antes era devido a ao por contato, quando a ideia remetia empurres, agora trata-se de ao distncia, ocorrendo por atrao ou repulso. Em outra citao, Orsted remete novamente atraes e repulses:

    [] Dado tudo isto, o polo Norte de uma agulha magntica repelido pela eletricidade negativa e atrado pela positiva. Naturalmente, o polo Sul da agulha magntica tem a mesma relao com a eletricidade positiva [] (ORSTED (1821). In:ASSIS; CHAIB, 2011, p. 211).

    Alguns anos depois, Orsted tambm passou a falar em crculos e no em espiras ou hlices ao redor do fio, como no incio de sua hiptese. Essa ideia pode ser vista no seu artigo de 1830 sobre termoeletricidade, em que ele chamou de magnetismo austral o polo Norte da agulha imantada, ou seja, o polo que aponta aproximadamente para o Norte geogrfico terrestre. Para Orsted, a direo do magnetismo austral era circular em torno do fio, em que ocorre a circulao magntica, em um plano perpendicular ao condutor (ASSIS; CHAIB, 2011).

  • 19

    Uma concepo que sempre guiou os estudos de Orsted foi de [] que os efeitos magnticos so produzidos pelos mesmos poderes que os eltricos. Ele no foi levado a isso pelas razes comumente alegadas a favor dessa opinio, mas por um princpio filosfico, o de que todos os fenmenos so produzidos pelo mesmo poder original [] (MARTINS, 1986, p. 95).

    Orsted havia sido inspirado pelas leituras sobre Kant e sobre a Naturphilosophie. As ideias de Kant eram de que

    [] a fora se manifesta na matria basicamente de duas formas: como fora de atrao ao definir os limites de um corpo e como fora de repulso quando atribui ao corpo a propriedade de impenetrabilidade. Estas duas foras, Kant chamara de Grundkrfte (foras fundamentais) e outras foras, tais como eletricidade, magnetismo, calor e luz, ele sugeriu que fossem meramente modificaes das foras bsicas sob diferentes condies (GARDELLI, 2004, p. 54-53).

    E essas ideias kantianas, sobre a transformao de um tipo de fora em outra foram desenvolvidas pelos pensadores da escola filosfica alem Naturphilosophie, dentre eles Frederick Wilhelm Joseph Schelling (175-1854) e Friedrich Schlegel (1772-1829), que acreditavam na unidade de todas as foras e procuravam estabelecer relaes entre elas (GARDELLI, 2004). Essas ideias acabaram direcionando fortemente o trabalho de Orsted, pois ele [] acreditava que o universo era um todo orgnico, como um ser vivo, e dotado de uma alma viva, geradora das foras naturais [] (MARTINS, 1986, p. 95). Essa concepo fazia com que ele acreditasse [] profundamente na unicidade e na possibilidade de converso das foras naturais [] (GARDELLI, 2004, p. 55).

    Figura 3: Esta uma figura de Orsted representando a ao magntica da corrente

    eltrica. Fonte: ASSIS, Andr. Koch. Torres.; CHAIB, Joo. Paulo. Martins. de Castro.

    Eletrodinmica de Ampre Anlise do significado e da evoluo da fora de Ampre,

    juntamente com a traduo comentada de sua principal obra sobre eletrodinmica.

    Campinas: Editora da UNICAMP, 2011.

  • 20

    A explicao dada por Orsted ao seu prprio experimento no convenceu a todos os cientistas. Muitos deles tentaram explicar o fenmeno de outras maneiras, como veremos a seguir.

    1.4 Andr-Marie Ampre e sua interpretao para o experimento de Orsted

    Andr-Marie Ampre nasceu em Lyon, na Frana, em 20 de janeiro de 1775. Posteriormente, foi morar em um pequeno vilarejo chamado Poleymieux, prximo Lyon. Seu pai lhe proporcionou contato com uma vasta biblioteca durante toda sua infncia e adolescncia, Ampre no frequentou escolas e sempre foi autodidata (ASSIS; CHAIB, 2011, p. 20). Na biblioteca de seu pai, leu tantos livros quanto quis, aprendendo tambm outras lnguas. Ampre se interessava tambm por livros sobre matemtica e outros assuntos.

    Aos 17 anos, Ampre sofre vrios conflitos emocionais, primeiro com a morte de sua irm em 1792. Depois em 1793, seu pai guilhotinado. Esses acontecimentos fazem com que Ampre entre em depresso profunda e passe um ano inativo em seus estudos (ASSIS; CHAIB, 2011). Aos 21 anos, conhece Julie Caron, com quem se casa trs anos depois, em 1799.

    Alm do abalo emocional que sofreu aps a morte de seu pai, Ampre tambm se viu com seus rendimentos diminuindo consideravelmente, tendo que trabalhar para se sustentar, principalmente quando em 1800 nasce seu filho. Graas sua facilidade com matemtica, comeou a lecionar aulas particulares. Depois, em 1802, com o reconhecimento de seu trabalho como professor particular, foi aceito na Bourg cole Centrale, na cidade de Ain, onde comeou a lecionar Matemtica, Qumica e Fsica (ASSIS; CHAIB, 2011).

    Em 1803 sua esposa falece. Com esse novo abalo, Ampre decide-se mudar de Lyon e em 1804, assume o cargo de tutor na cole Polytechnique em Paris, onde depois passa a ser professor. E em 1819, dada sua habilitada no s nas cincias exatas, torna-se professor de filosofia na Faculdade de Letras de Paris. Contudo, no perodo de 1820 a 1826, dedica-se aos estudos sobre eletrodinmica e em 1824 torna-se professor de fsica no Collge de France (ASSIS; CHAIB, 2011).

  • 21

    A obra de Ampre muito ampla e comporta vrios tipos de conhecimento. Apesar de seu reconhecimento em trabalhos matemticos, esses no eram de sua prioridade. Seu interesse maior estava na fsica, qumica e filosofia. Passou vrios anos dedicando-se a pesquisas em qumica, chegando a publicar trabalhos na rea. No perodo de 1820 a 1826 fez vrias publicaes sobre eletrodinmica. Depois desse perodo, dedicou-se a escrever uma obra filosfica sobre a classificao das cincias. Ampre no tinha a filosofia como aspecto contemplativo, pois para ele a Matemtica, Fsica, Qumica e Filosofia faziam parte do conhecimento humano como um todo. (ASSIS; CHAIB, 2011). Contudo, foi em seus estudos sobre a eletrodinmica que ele se destacou. Segundo Williams:

    Ao redor de 1820 Ampre tinha alcanado uma certa reputao como um matemtico e como qumico de certa forma heterodoxo. Se ele tivesse morrido antes de setembro deste ano, seria uma figura menor na histria da cincia. Foi a descoberta do eletromagnetismo por Hans Christian Oersted na primavera de 1820 que abriu um novo mundo para Ampre e lhe deu oportunidade de mostrar toda a potncia de seu mtodo de descoberta (AMPRE, 1843. In: ASSIS; CHAIB, 2011, p.24).

    Desde a demonstrao feita por Arago diante da Academia de Paris, sobre o trabalho de Orsted, Ampre [] interpretou a experincia de Orsted e todos os fenmenos magnticos j conhecidos em termos de uma interao entre elementos de corrente [] (ASSIS; CHAIB, 2011, p. 26). Na semana seguinte demonstrao de Arago, Ampre apresentou um trabalho intitulado Memria relativa aos novos fenmenos galvanoeltricos, em que [] descreveu um aparelho que utilizava o efeito eletromagntico para a medida de corrente eltrica, atribuindo-lhe o nome de galvanmetro [] (MARTINS, 1986, p. 106). Depois ele apresentou outro trabalho, Memria sobre os efeitos da pilha, em que [] mostra a existncia de uma interao entre duas correntes eltricas, que se atraem quando so paralelas e de mesmo sentido, e se repelem quando de sentidos opostos [] (MARTINS, 1986, p. 106).

    Todo o trabalho de Ampre foi guiado pela ideia de que o fenmeno fundamental do que chamamos de eletromagnetismo era devido a uma ao entre correntes eltricas, ou seja, que os efeitos magnticos eram apenas secundrios e precisavam ser explicados por modelos adequados. Para isso, teve de supor a existncia de correntes eltricas no interior da Terra e dos ms

  • 22

    usuais. Os efeitos magnticos poderiam estar sendo gerados simplesmente por correntes eltricas fechadas.

    Com essa hiptese, Ampre esperava explicar vrios fenmenos j conhecidos, sobre a interao entre ms, alm de explicar o fenmeno descoberto por Orsted, do torque exercido por um fio com corrente sobre a agulha imantada (ASSIS; CHAIB, 2011). Mas alm disso, Ampre ainda conseguiu prever um fenmeno, que ele mesmo observou, de interao direta entre dois condutores com corrente. Para Ampre, tinha-se [] essencialmente interaes diretas a distncia atuando entre condutores com corrente. Estas foras eram centrais e satisfaziam ao princpio de ao e reao. (ASSIS; CHAIB, 2011, p. 233).

    Do ponto de vista da eletrodinmica de Ampre, no h o problema da aparente quebra de simetria.

    [] o plano vertical que contm a agulha magntica e o fio condutor. [] um plano de simetria para o fio percorrido pela corrente eltrica; mas no o em relao agulha imantada, que correspondente a um solenide percorrido por uma corrente eltrica que circula em um sentido e no no outro. Na viso de Ampre, exatamente esta a fonte da aparente quebra de simetria: havia uma rotao oculta (dentro da agulha imantada) que vai permitir explicar porque a bssola gira em um sentido e no para o outro. Se no houvesse essa rotao, no poderiam surgir efeitos perpendiculares ao plano. Note-se, alis, que se vrios condutores coplanares, de formas quaisquer, interagirem eletrodinamicamente, jamais surgiro efeitos fsicos (foras) perpendiculares a esse plano comum, que um plano de simetria. Esse resultado geral no bvio, se pensarmos que em

    Figura 4: Ilustrao de como seriam as correntes fechadas. Fonte: Prpria.

  • 23

    torno desses condutores existem campos magnticos perpendiculares ao plano. (MARTINS, 1988, p. 52).

    A explicao de Ampre no contrariava a Fsica newtoniana. Segundo ele,

    [] guiado pelos princpios da filosofia newtoniana, reduzi o fenmeno observado por Orsted a foras que agem sempre ao longo da reta que une as duas partculas entre as quais so exercidas essas foras [] (AMPRE, 1825. In: MARTINS, 1986, p. 106).

    Ou seja, em seu modelo, Ampre transporta a rotao do campo magntico do fio condutor, para as correntes invisveis dentro do m. Assim,

    [] Em vez de supor a existncia real de polos magnticos na agulha imantada, Ampre props que houvesse correntes microscpicas ao redor das partculas da agulha imantada. Essas correntes moleculares se cancelariam no interior do m, sobrando apenas uma corrente efetiva na superfcie do m. O torque exercido pelo fio com corrente sobre a agulha imantada seria ocasionado por foras entre elementos de corrente [] (ASSIS; CHAIB, 2011, p. 237).

    Para Ampre essa abordagem traria vantagens porque as foras entre as correntes eltricas seriam de simples atrao e repulso. Com isso no teria mais o problema da aparente quebra de simetria, pois o fenmeno de rotao que explicaria o sentido do deslocamento da bssola, iria ocorrer no prprio m.

    No entanto, [] Na concepo moderna, no se aceitam a ao e a reao entre cargas, ou a ao e a reao entre elementos de corrente. Em vez disto, adota-se o ponto de vista de que cada carga em movimento gera um campo magntico. Esse campo se propaga atravs do espao e, ao chegar na posio de uma segunda carga em movimento, ele exerce uma fora sobre ela. Ampre no aceitaria a ideia de uma certa grandeza exercer uma ao sobre outra grandeza de natureza diferente da primeira []. (ASSIS; CHAIB, 2011, p. 260).

    Para ele, as interaes deveriam ocorrer em elementos de mesma natureza e essa interao era por meio da ao a distncia e no por contato, como aceitamos hoje em dia. Ampre tambm negou a existncia de polos magnticos. Sua explicao para os fenmenos voltaicos oferecia duas vantagens:

    1 De no supor que estes condutores atuam sobre as partculas magnticas das quais ningum demonstra a existncia, mas de consider-los [os condutores] como exercendo suas aes sobre as disposies da eletricidade [existentes nos ms], de forma semelhante quela [disposio] que se estabelece nos fios de lato quando so colocados em comunicao com as duas extremidades de uma pilha voltaica, e isto precisamente da mesma maneira que

  • 24

    eles agem sobre os fios onde ela [esta ao] existe nas experincias em que no h qualquer m. 2 De admitir apenas foras atrativas ou repulsivas entre dois pontos que esto ao longo da linha que liga estes dois pontos (AMPRE, 1820. In: ASSIS; CHAIB, 2011, p. 257).

    Com isso, refora que [] as interaes fundamentais ocorrem apenas entre grandezas de mesma natureza (entre duas massas no caso da gravitao, entre duas cargas eltricas no caso da eletrosttica, ou ento entre dois elementos de corrente no caso da eletrodinmica). [] (ASSIS; CHAIB, 2011, p. 259).

    Suas crticas as explicaes de Faraday e Orsted se basearam nessa concepo, j que ambos acreditavam que as interaes poderiam ocorrer entre grandezas de naturezas diferentes. Podemos dizer que para Orsted as interaes eram entre uma carga eltrica (que ele supunha fluir para fora do condutor) e um polo magntico. Para Faraday havia uma ao revolutiva que tambm ocorria entre grandezas de natureza diferente (como um fio com corrente e um m). Mesmo Faraday e Orsted acreditando nessa concepo de interao, nenhum deles foi capaz de explicar como essa interao de grandezas diferentes poderia acontecer.

    Para justificar sua hiptese da interao entre dois fios com corrente, diz que

    [] o fato primitivo no pode ser aqui a ao entre um condutor voltaico e um m, j que, sendo essas duas coisas heterogneas, a ao mtua entre elas necessariamente mais complicada do que aquela [ao mtua] que ocorre entre dois ms, ou aquela [ao mtua] que descobri entre dois fios condutores; [] (ASSIS; CHAIB, 2011, p. 259).

    E foi em busca de explicar esses efeitos, analisando o fator primitivo do qual poderia derivar todos os fenmenos, que ele considerou como no fundamental a interao entre um fio com corrente e uma agulha imantada, mas props a interao entre dois fios com corrente para basear sua teoria.

    Buscando a comprovao de que os efeitos magnticos podiam ser gerados apenas por correntes eltricas fechadas, realizou um experimento em colocou duas espiras achatadas em planos paralelos e verticais, mantendo seus centros mesma altura. Enquanto uma corrente constante percorria as espiras, Ampre observou uma atrao ou repulso entre elas, que dependia dos sentidos das correntes nessas espiras. Com isso ele conseguiu reproduzir

  • 25

    a atrao e repulso que pode ser observada entre duas barras imantadas alinhadas utilizando apenas duas espiras paralelas e concntricas. Com essa experincia pode-se observar que as correntes paralelas iro se atrair quando flurem no mesmo sentido e se repelir quando flurem em sentidos contrrios (ASSIS; CHAIB, 2011). Abaixo uma imagem ilustrando a atrao quando as correntes esto no mesmo sentido.

    preciso notar que com a concepo de Ampre, do fenmeno de atrao e repulso entre condutores com corrente, ele criou dois nomes novos para diferenciar seus estudos dos de Orsted, designando-os como fenmenos eletrostticos e eletrodinmicos. Os fenmenos eletrostticos incluam as atraes e repulses entre cargas eltricas em repouso relativo e os fenmenos eletrodinmicos incluam as atraes e repulses entre os fios com corrente, sem que houvesse a necessidade de qualquer m na interao (ASSIS; CHAIB, 2011). Assim,

    [] devo utilizar a denominao de eletrodinmico, para combinar em um nico nome comum todos estes fenmenos e, especialmente, para designar os fenmenos que observei entre dois condutores voltaicos. Este nome expressa a propriedade caracterstica destes fenmenos, a saber, de serem produzidos pela eletricidade em movimento; enquanto as atraes e repulses conhecidas h muito tempo so fenmenos eletrostticos produzidos pela distribuio desigual da eletricidade em

    Figura 5: Atrao entre duas espiras com corrente. Fonte: ASSIS, Andr. Koch. Torres.;

    CHAIB, Joo. Paulo. Martins. de Castro. Eletrodinmica de Ampre Anlise do significado

    e da evoluo da fora de Ampre, juntamente com a traduo comentada de sua principal

    obra sobre eletrodinmica. Campinas: Editora da UNICAMP, 2011.

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    repouso sobre os corpos nos quais so observados estes fenmenos. (AMPRE, 1822. In: ASSIS; CHAIB, 2011, p. 28).

    Mencionou ainda, que nas aes eletrodinmicas no h necessidade da presena de qualquer m:

    Depois que descobri a ao mtua entre dois condutores voltaicos, que evidentemente da mesma natureza que aquela [ao] de um condutor sobre uma barra imantada, e que age sem a presena de qualquer m, o nome de ao eletromagntica, que utilizo aqui apenas para me conformar ao uso comum, no mais ficaria bem para designar este tipo de ao. Penso que ela deve ser [conhecida] sob o nome de ao eletrodinmica (AMPRE, 1822. Publicado apenas em 1823. In: ASSIS; CHAIB, 2011, p. 28).

    Mesmo resolvendo o problema da aparente quebra de simetria que tanto alarmou os pesquisadores da poca, sua explicao para esses fenmenos no se difundiu. Muitos estudiosos concordavam com sua viso e at ampliaram sua teoria. Mas isso no foi suficiente para essa teoria ser estudada e abordada nos dias atuais. O conceito de campo magntico e as interaes por contato tornaram-se as explicaes mais aceitas para o fenmeno.

    1.5 Michael Faraday e sua interpretao para o experimento de Orsted

    Michael Faraday nasceu em 22 de setembro de 1791, em Newington Butts, Surrey. Quando tinha cinco anos, sua famlia se mudou para Londres. A situao financeira de sua famlia era precria e sua formao bsica foi apenas o necessrio para aprender ler, escrever e um pouco de Matemtica (DIAS; MARTINS, 2004).

    Aos 13 anos teve oportunidade de aprimorar seus conhecimentos, quando comeou a trabalhar em uma livraria, j que podia ler os livros que o interessavam. Em 1812, com a ajuda de um cliente da livraria assistiu uma conferncia com o qumico Humphry Davy, na Royal Institution. Mais tarde, Faraday enviou suas anotaes das conferncias para Davy e pediu-lhe um emprego, desde que fosse relacionado Cincia. Aos 22 anos, tornou-se auxiliar de laboratrio de Davy (DIAS; MARTINS, 2004).

    Como ajudante de Davy, Faraday adquiriu grande habilidade matemtica e o auxiliou em vrias pesquisas na rea da Qumica. At 1820, Faraday no havia se dedicado em pesquisas na rea da Fsica. Mas foi neste ano que

  • 27

    Orsted divulgou seu experimento e descoberta do eletromagnetismo, fato que chamou ateno de vrios pesquisadores, inclusive de Davy que realizou vrios experimentos tendo Faraday como seu assistente. Foi ento que Faraday teve seus primeiros contatos com o eletromagnetismo. Motivado por isso, Faraday aos 29 anos comea uma srie de estudos independentes sobre eletromagnetismo, mas sem deixar as pesquisas qumicas de lado.

    Entre os anos de 1821 e 1822, publicou um artigo em que apresentou um apanhado histrico do eletromagnetismo, que dividiu em trs partes (ASSIS; CHAIB, 2011). Nesse artigo fez um resumo do trabalho de Orsted, suas consideraes e hipteses e tambm escreveu a contribuio dos pesquisadores posteriores a Orsted e os fenmenos descobertos por eles. Mas nesses primeiros artigos, Faraday no apresentou nenhuma contribuio original (DIAS; MARTINS, 2004).

    Nas suas primeiras experincias, Faraday acreditava que um fio conduzindo corrente deveria atrair ou repelir polos magnticos de uma agulha magntica, interpretao que a princpio no condizia com a descrita por Orsted. Colocando o fio condutor em uma posio vertical e aproximando uma agulha para verificar as posies de repulso e atrao, Faraday concluiu que esses polos no estavam na extremidade da agulha mas que para cada polo existiam duas posies de atrao e duas de repulso, permitindo assim, que a agulha tomasse sua posio original em relao ao fio (DIAS; MARTINS, 2004). Na descrio dos resultados, Faraday escreve que

    Aproximando o fio, perpendicularmente, na direo de um plo de uma agulha, este se desviar para um lado, segundo a atrao ou repulso dada na extremidade do plo; mas, se o fio continuamente aproximado do centro do movimento [o meio da agulha magntica], por um lado ou pelo outro da agulha, a tendncia da agulha de mover-se na direo anterior diminui at anular-se, de forma que a agulha torna-se indiferente ao fio. Finalmente, o movimento se inverte e a agulha fortemente forada a passar pelo caminho oposto. (FARADAY, 1821, p.74. In: DIAS; MARTINS, 2004, p. 522).

    Com esses experimentos, Faraday passou a acreditar que esses polos no estavam localizados na extremidade da agulha (ASSIS; CHAIB, 2011), mas a uma certa distncia das extremidades, localizadas no eixo da agulha (DIAS; MARTINS, 2004). E mais, [] as foras exercidas pelo fio sobre o polo

  • 28

    no apontavam para o fio, mas sim ortogonalmente ao fio e reta unido o polo ao fio [] (ASSIS; CHAIB, 2011, p. 219).

    Posteriormente, para ele, [] no eram foras atrativas ou repulsivas, mas sim foras revolutivas [] (ASSIS; CHAIB, 2011, p. 219). Assim, [...] o plo magntico da agulha tendia a girar em torno do fio condutor (DIAS; MARTINS, 2004, p. 522). De certa forma, essa nova interpretao de Faraday era compatvel com a interpretao de Orsted, que descrevia um movimento de rotao da agulha magntica.

    Faraday acreditava que foras opostas, exercidas pelo m sobre o fio, tambm deveriam existir, mesmo que em suas experincias ainda no tivesse observado esse movimento do fio (ASSIS; CHAIB, 2011). Descrevendo suas experincias, que de certa forma, eram anlogas experincia original de Orsted, Faraday relata

    Disto evidente que o centro da poro ativa de cada perna da agulha [imantada], ou o polo verdadeiro, como pode ser chamado, no est na extremidade da agulha, mas pode ser geralmente representado por um ponto no eixo da agulha, a uma certa distncia da extremidade. Tambm era evidente que este ponto tinha uma tendncia a girar ao redor do fio [com corrente] e portanto, necessariamente, o fio [tinha uma tendncia a girar] ao redor do ponto. E como os mesmos efeitos aconteciam na direo oposta com o outro polo, era evidente que cada polo tinha o poder de agir sobre o fio por ele mesmo, e no como qualquer parte da agulha, ou como estando conectado com o polo oposto [] Vrias concluses importantes seguem destes fatos; tais como no haver atrao entre o fio e qualquer polo de um m; que o fio tem de girar ao redor de um polo magntico e um polo magntico [tem de girar] ao redor de um fio; [] Tentaram-se vrias maneiras de produzir a revoluo de um fio e de um polo um ao redor do outro, sendo [esta] a primeira coisa importante necessria para provar a natureza da fora exercida mutuamente entre eles (FARADAY, 1821. In: ASSIS; CHAIB, 2011, p. 219).

    Em setembro de 1821, Faraday teve sucesso nas experincias de [] rotao contnua da extremidade de um fio com corrente ao redor de um m fixo, ou da extremidade de um m ao redor de um fio fixo com corrente [] (ASSIS; CHAIB, 2011, p. 129).

  • Faraday enviou esse expAmpre, que puderam testar a experincia. Foi observado que o sentido de rotao nesses instrumentos sofria alterao quando se invertia a polaridade do m, ou quando se invertia o sentido da corrente. Caso se invertessem simultaneamente a polaridade do m e o sentido da corrente, o sentido de rotao da parte mvel permaneceria o mesmo. (ASSIS; CHAIB, 2011).

    Novamente, Faraday descreveu suas experincias [] em termos da existncia de polos magnticos e das foras atratipolos e o fio com corrente [] (ASSIS; CHAIB, 2011, p. 220). Segundo ele, essas foras obedeciam o princpio de ao e reao, mas ocorria na sua forma fraca, pois [] no estavam direcionadas ao longo da menor reta unindo cada polo a um longo fio retilneo com corrente [] (ASSIS; CHAIB, 2011, p. 220). Para Faraday, [] essas foras eram normais a esta reta e ao

    Figura 6: Aparelhos de Faraday demonstrando a rotao contnua de um fio com corrente

    ao redor de um m fixo, ou da extremidade de um m ao redor de um fio com corrente.

    Fonte: ASSIS, Andr. Koch. Torres.; CHAIB, Joo. Paulo. Martins. de

    de Ampre Anlise do significado e da evoluo da fora de Ampre, juntamente com a

    traduo comentada de sua principal obra sobre eletrodinmica

    UNICAMP, 2011.

    Faraday enviou esse experimento para alguns pesquisadores, incluindo Ampre, que puderam testar a experincia. Foi observado que o sentido de rotao nesses instrumentos sofria alterao quando se invertia a polaridade do m, ou quando se invertia o sentido da corrente. Caso se invertessem imultaneamente a polaridade do m e o sentido da corrente, o sentido de

    rotao da parte mvel permaneceria o mesmo. (ASSIS; CHAIB, 2011).

    Novamente, Faraday descreveu suas experincias [] em termos da existncia de polos magnticos e das foras atrativas e repulsivas entre esses polos e o fio com corrente [] (ASSIS; CHAIB, 2011, p. 220). Segundo ele, essas foras obedeciam o princpio de ao e reao, mas ocorria na sua forma fraca, pois [] no estavam direcionadas ao longo da menor reta

    da polo a um longo fio retilneo com corrente [] (ASSIS; CHAIB, 2011, p. 220). Para Faraday, [] essas foras eram normais a esta reta e ao

    Aparelhos de Faraday demonstrando a rotao contnua de um fio com corrente

    ao redor de um m fixo, ou da extremidade de um m ao redor de um fio com corrente.

    ASSIS, Andr. Koch. Torres.; CHAIB, Joo. Paulo. Martins. de Castro.

    Anlise do significado e da evoluo da fora de Ampre, juntamente com a

    traduo comentada de sua principal obra sobre eletrodinmica. Campinas: Editora da

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    alguns pesquisadores, incluindo Ampre, que puderam testar a experincia. Foi observado que o sentido de rotao nesses instrumentos sofria alterao quando se invertia a polaridade do m, ou quando se invertia o sentido da corrente. Caso se invertessem imultaneamente a polaridade do m e o sentido da corrente, o sentido de

    rotao da parte mvel permaneceria o mesmo. (ASSIS; CHAIB, 2011).

    Novamente, Faraday descreveu suas experincias [] em termos da vas e repulsivas entre esses

    polos e o fio com corrente [] (ASSIS; CHAIB, 2011, p. 220). Segundo ele, essas foras obedeciam o princpio de ao e reao, mas ocorria na sua forma fraca, pois [] no estavam direcionadas ao longo da menor reta

    da polo a um longo fio retilneo com corrente [] (ASSIS; CHAIB, 2011, p. 220). Para Faraday, [] essas foras eram normais a esta reta e ao

    Aparelhos de Faraday demonstrando a rotao contnua de um fio com corrente

    ao redor de um m fixo, ou da extremidade de um m ao redor de um fio com corrente.

    Castro. Eletrodinmica

    Anlise do significado e da evoluo da fora de Ampre, juntamente com a

    Campinas: Editora da

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    fio, ou seja, eram foras que causavam o giro ou revoluo mtua entre o suposto polo magntico e o fio [] (ASSIS; CHAIB, 2011, p. 220).

    Para Faraday a rotao do m em torno do seu prprio eixo era explicada devido a interao entre a corrente eltrica que passa por ele e os polos magnticos do prprio m e no pela existncia de correntes circulares no seu interior, como acreditava Ampre.

    2. CONCEPES DE ENSINO E SEU DESENVOLVIMENTO: UM ENFOQUE NA ABORDAGEM DO ENSINO TRADICIONAL E CONSTRUTIVISTA

    O estudo das diferentes pedagogias trouxe, ao longo do tempo, vrios esclarecimentos sobre a organizao da prtica docente. Alguns estudiosos merecem destaque, entre eles Joo Ams Comnio (1592-1670) que escreveu a primeira obra clssica sobre Didtica, a Didacta Magna. Comnio foi o primeiro a propor uma ideia de difuso dos conhecimentos a todos e tambm criou regras e princpios para o ensino, alm de desenvolver propostas avanadas para a prtica de educar nas escolas. Mesmo ainda estando no seu comeo, o sistema de produo capitalista j influenciava a organizao da vida social, poltica e cultural (LIBNEO, 1994).

    Conforme foram ocorrendo mudanas no sistema de produo, o poder da nobreza e do clero foi diminuindo e o da burguesia aumentando, isso fez

    Figura 7: Um longo fio retilneo normal ao plano do papel, com a corrente i saindo do

    papel. As setas indicam as foras exercidas entre um polo Norte p da agulha imantada e o

    fio com corrente, de acordo com as concepes de Faraday. Fonte: ASSIS, Andr. Koch.

    Torres.; CHAIB, Joo. Paulo. Martins. de Castro. Eletrodinmica de Ampre Anlise do

    significado e da evoluo da fora de Ampre, juntamente com a traduo comentada de

    sua principal obra sobre eletrodinmica. Campinas: Editora da UNICAMP, 2011.

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    com que crescesse tambm a necessidade de um ensino que fosse ligado s exigncias desse novo mundo de produo, e tambm um ensino que deveria contemplar o livre desenvolvimento das capacidades e interesses individuais. Jean Jacques Rousseau (1712-1778) procurou [] interpretar essas aspiraes, propondo uma concepo nova de ensino, baseada nas necessidades e interesses imediatos da criana (LIBNEO, 1994, p. 58). Porm, Rousseau no colocou em prtica suas ideias, isso coube ao pedagogo suo, Henrique Pestalozzi (1746-1827) que dedicou sua vida para a educao de crianas pobres.

    Pestalozzi deu grande importncia ao mtodo intuitivo, o que possibilitava aos alunos desenvolver um senso de observao, anlise dos objetos e dos fenmenos da natureza e tambm a capacidade da linguagem. Atribuiu psicologia da criana uma importncia fundamental para o desenvolvimento do ensino.

    As ideias desses estudiosos influenciaram vrios outros pedagogos. Mas um deles precisa ser estudado, devido a sua presena constante nas salas de aulas brasileiras. Pedagogo alemo, Johann Friedrich Herbart (1766-1841) desenvolveu [] uma anlise do processo psicolgico-didtico de aquisio de conhecimentos, sob a direo do professor [] (LIBNEO, 1994, p. 60). Para ele cabe ao professor introduzir ideias corretas na mente dos alunos e controlar os interesses dos alunos para construir uma massa de ideias na mente, que vo favorecer a assimilao de novas ideias. Seu mtodo de ensino consiste em acumular ideias na mente da criana (LIBNEO, 1994).

    As ideias desses pensadores, e de muitos outros, deram base ao pensamento pedaggico europeu, que difundiram-se por todo o mundo, demarcando vrias pedagogias, entre elas a que conhecemos hoje como Pedagogia Tradicional.

    A Pedagogia Tradicional caracteriza-se pelas concepes de educao [] onde prepondera a ao de agentes externos na formao do aluno, o primado do objeto de conhecimento, a transmisso do saber constitudo na tradio e nas grandes verdades acumuladas pela humanidade e uma concepo de ensino como impresso de imagens propiciadas ora pela palavra do professor ora pela observao sensorial [] (LIBNEO, 1994, p. 61).

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    No seu incio, a escola tradicional seguia alguns passos que permanecem at hoje:

    Como as iniciativas cabiam ao professor, o essencial era contar com um professor razoavelmente bem preparado. Assim, as escolas eram organizadas em forma de classes, cada uma contando com um professor que expunha as lies que os alunos seguiam atentamente e aplicava os exerccios que os alunos deveriam realizar disciplinadamente (SAVIANI, 1991. p.18. In: LEO, 1999, p. 189).

    Nesta concepo de aprendizagem as aulas eram essencialmente expositivas e cabia ao professor repassar os conhecimentos que foram acumulados ao longo do tempo pela humanidade, exigindo dos seus alunos a reproduo literal dos contedos desenvolvidos. Para isso

    [....] A teoria era apresentada aos estudantes sob a forma oral e/ou escrita, e as poucas atividades prticas/experimentais desenvolvidas nas disciplinas de Cincias eram demonstrativas, sem envolver diretamente a participao dos alunos. A qualidade das aulas era mensurada pela quantidade de contedos desenvolvidos, apresentando o questionrio como um instrumento de avaliao da eficcia do trabalho realizado [] (ROSA; ROSA, 2012, p. 13).

    Ao se utilizar os pressupostos tradicionais do ensino, consideramos [] que a inteligncia uma faculdade que torna o homem capaz de armazenar informaes, das mais simples s mais complexas [] (LEO, 1999, p. 190). Assim, na perspectiva tradicional o conhecimento humano tratado como sendo de carter cumulativo e que o ser humano precisa adquiri-lo pela transmisso dos conhecimentos, que deve ocorrer na escola. fcil perceber que nessa perspectiva, o papel do indivduo no processo de aprendizagem meramente de passividade, pois

    [...] atribui-se ao sujeito um papel irrelevante na elaborao e aquisio do conhecimento. Ao indivduo que est adquirindo conhecimento compete memorizar definies, enunciados de leis, snteses e resumos que lhe so oferecidos no processo de educao formal a partir de um esquema atomstico (MIZUKAMI, 1986. p.11. In: LEO, 1999, p. 190).

    Na perspectiva tradicional o aluno uma tbula rasa onde bastaria o professor transmitir seus conhecimentos para que o aluno aprendesse. Podemos relacionar com essa perspectiva duas concepes: uma em que o aluno aprende os contedos escolares porque portador de uma inteligncia inata e outra em que sua aprendizagem est diretamente relacionada quantidade ou qualidade da experincia escolar em determinado contedo (LEO, 1999).

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    Assim, supe-se que apenas ouvindo o professor e fazendo exerccios repetitivos os alunos sejam capazes de aprender a matria para reproduzi-la depois, seja atravs dos questionamentos do professor ou em provas. Mas saber reproduzir contedos no pode ser considerado aprender esse contedo. A aprendizagem deve estar relacionada com a capacidade de aplicar esse conhecimento em situaes novas. Portanto, na viso tradicional o aluno apenas um recebedor das matrias e sua tarefa apenas decor-la. Com isso,

    [] Os objetivos, explcitos ou implcitos, referem-se formao de um aluno ideal, desvinculado da sua realidade concreta. O professor tende a encaixar os alunos num modelo idealizado de homem que nada tem a ver com a vida presente e futura. A matria de ensino tratada isoladamente, isto , desvinculada dos interesses dos alunos e dos problemas reais da sociedade e da vida [] (LIBNEO, 1994, p. 64).

    A ideia que a atividade de ensinar deve ser centrada no professor e que este deve transmitir seus conhecimentos, sobrecarregar os alunos de conhecimentos que devem ser decorados sem questionamentos, fornecer exerccios para que os alunos memorizem os contedos por meio de repetio, alm de poder impor a disciplina e usar de castigos (LIBNEO, 1994).

    Para que os contedos pudessem ser transmitidos, eles deveriam ser previamente sintetizados e incorporados ao acervo cultural da humanidade e caberia ao professor dominar esses contedos para serem transmitidos aos alunos.

    O que vemos atualmente que os pressupostos tradicionais resistiram ao tempo e continuam prevalecendo no ensino, reafirmando um carter meramente conteudista ao ensino, sem a preocupao de contextualizao, tornando-se cada vez mais distante de uma aprendizagem significativa. E segundo Libneo

    [] trata-se de uma prtica escolar que empobrece at as boas intenes da Pedagogia Tradicional que pretendia, com seus mtodos, a transmisso da cultura geral, isto , das grandes descobertas da humanidade, e a formao do raciocnio, o treino da mente e da vontade [] (LIBNEO, 19994, p. 65).

    Sendo assim, ao longo dos anos possvel perceber que os conhecimentos foram ficando estereotipados e insossos, sem um valor educativo, ficando desprovidos de significados sociais e de certa maneira, inteis para uma formao intelectual. Alm no favorecer aos alunos uma

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    compreenso crtica da realidade e do contexto em que vivem. Assim [] o intento de formao mental, de desenvolvimento do raciocnio, ficou reduzido a prticas de memorizao (LIBNEO, 1994, p. 65).

    As ideias tradicionais trazem tambm, para os professores, uma viso geral de [] que basta conhecer um pouco o contedo e ter jogo de cintura para mantermos os alunos nos olhando e supondo que enquanto prestam ateno eles estejam aprendendo [...] (CARVALHO, 2004, p. 1). Porm, preciso muito mais que isso para garantir uma aprendizagem por partes dos alunos. preciso pensar as metodologias utilizadas em sala e entender que o ensino muito mais do que apenas trabalhar com conceitos e ideias cientficas:

    [...] a escola precisa tambm ensinar os alunos a perceber os fenmenos da natureza e a examin-los na busca por explicaes, tornando-os capazes de construir suas prprias hipteses, elaborar suas prprias idias, organizando-as de modo a construir conhecimento (CARVALHO; SASSERON, 2010, p. 107).

    Analisando sob essa perspectiva, fcil notar que o ensino tradicional tem sido falho, pois

    [...] a escola tem sido criticada pela baixa qualidade de seu ensino, por sua incapacidade em preparar os estudantes para ingressar no mercado de trabalho ou na universidade, por no cumprir adequadamente seu papel de formao das crianas e adolescentes, e pelo fato de que o conhecimento que os estudantes exibem ao deixar a escola fragmentado e de aplicao limitada [...] (BORGES, 2002, p. 292-293).

    Com isso, os alunos no conseguem relacionar os conhecimentos adquiridos em sala com sua vida cotidiana e consequentemente no conseguem atuar consciente e racionalmente fora do contexto escolar. A aprendizagem ficou limitada a ocorrer de maneira receptiva e automtica, sendo assim, o aluno no precisa ser instigado a pensar e refletir sobre o que lhe ensinado. importante ressaltar que

    [...] no se aprende a aprender ouvindo, escrevendo, memorizando e reproduzindo conhecimentos em provas, preciso algo mais dinmico, que ative os alunos, no apenas fisicamente, mas acima de tudo, intelectualmente. necessrio que ele, o aprendiz, ponha em funcionamento toda a sua estrutura cognitiva durante o ato de aprender, e consiga ir alm dela, refletindo e retomando cada ao efetivada em busca do conhecimento (ROSA; ROSA, 2012, p. 12).

    Assim, precisamos superar o modo como se abordado Fsica nas escolas, onde o ensino [] recheado por conceitos, leis e frmulas tratados de forma desarticulada em relao ao mundo vivido pelo aluno e pelo

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    professor, com insistncia na automatizao em resoluo de exerccios e na memorizao [] (ROSA; ROSA, 2012, p. 11).

    O modo como se ensina Fsica atualmente faz com que os alunos tenham uma averso a essa disciplina, que evidenciada pela evaso dos alunos e professores das salas de aula e tambm pelos ndices elevados de analfabetismo cientfico.

    Com isso, ensinar Fsica tm se tornado um grande desafio para aqueles professores que realmente se preocupam com a aprendizagem de seus alunos e que no querem simplesmente que eles memorizem frmulas e saibam resolver problemas padronizados, que na maioria das vezes, no possuem vnculo com a realidade (GARDELLI, 2004).

    O ensino de Fsica nas escolas tornou-se algo meramente matemtico, descrito por frmulas e macetes, em que o aluno no precisa aprender como resolver o exerccio, basta memorizar o algoritmo necessrio para resolv-lo. Contudo, existem diferentes pedagogias que podem ser utilizadas em sala para confrontar essa concepo de que a Fsica est vinculada apenas memorizao de frmulas e que buscam tornar o aluno ativo em seu processo de ensino-aprendizagem.

    Um grande diferencial entre essas pedagogias est na considerao ou no, de que o aluno um indivduo com sua histria de vida e uma realidade prpria, ambas fruto de sua interao social (FILHO, 2000). Quando desconsideramos esse fato, estamos optando pelo tradicional, reprodutivista e conservador modelo de transmisso e recepo de informaes, em que o aluno considerado uma tbula rasa. No entanto, se considerarmos esses conhecimentos prvios que so adquiridos pelo senso comum e pela sua vivncia fora de sala de aula, estamos optando por uma concepo de educao que considera o aluno como construtor do conhecimento e que esse conhecimento fruto de sua interao com o meio. Portanto [] o aluno um construtor ativo de seu prprio conhecimento, tanto no sentido da evoluo de uma estrutura mental, quanto de revoluo e ruptura de uma forma de pensamento [] (ROSA; ROSA, 2012, p. 15).

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    Essa ltima opo epistemolgica recebeu uma forte adeso por boa parte dos educadores, nos ltimos anos. Quando passamos a considerar o senso comum e todo o conhecimento vulgar ou espontneo que o aluno pode trazer de suas experincias do cotidiano, para sala de aula, precisamos adotar uma nova opo epistemolgica e de ensino, o construtivismo (FILHO, 2000), que est pautado no pressuposto de que

    [...] nada, a rigor, est pronto, acabado, e de que, especificamente, o conhecimento no dado, em nenhuma instncia como algo terminado. Ele se constitui pela interao do indivduo com o meio fsico e social, com o simbolismo humano, com o mundo das relaes sociais [...] (BECKER, 1993, p. 88).

    Buscando essa relao com questes sociais importante ressaltar que devemos possibilitar aos estudantes conhecimentos que os preparem para a vida em sociedade, precisamos torn-los aptos para saberem tomar suas prprias decises. Para isso, muito importante o papel do professor como mediador de conhecimento. Alm disso o professor tambm

    [] precisa saber fazer com que seus alunos aprendam a argumentar, isto , que eles sejam capazes de reconhecer s afirmaes contraditrias, as evidncias que do ou no suporte s afirmaes, alm da capacidade de integrao dos mritos de uma afirmao. Eles precisam saber criar um ambiente propcio para que os alunos passem a refletir sobre seus pensamentos, aprendendo a reformul-los por meio da contribuio dos colegas, mediando conflitos pelo dilogo e tomando decises coletivas (CARVALHO, 2004, p. 9).

    Ou seja, o papel do professor no mais de mera transmisso e ao contrrio do que muitos pensam, na perspectiva construtivista, o professor sim, parte fundamental do processo. Seu papel em sala de aula torna-se primordial, pois

    [] o professor que prope problemas a serem resolvidos, que iro gerar idias que, sendo discutidas, permitiro a ampliao dos conhecimentos prvios; promove oportunidades para a reflexo, indo alm das atividades puramente prticas; estabelece mtodos de trabalho colaborativo e um ambiente na sala de aula em que todas as idias so respeitadas. (CARVALHO et al, 1998. In: AZEVEDO, 2004, p.25).

    Alm disso, ele quem deve propiciar a interao entre os prprios alunos e tambm entre ele e os alunos, pensando suas aulas de modo a elaborar situaes problemas que permitam

    [] o surgimento de momentos de conflito para o alfabetizando e, conseqentemente, o avano cognitivo; estar considerando o aprendiz como um ser ativo, aquele que no espera passivamente que algum venha lhe ensinar alguma coisa para comear a

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    aprender, uma vez que por si s compara, ordena, classifica, reformula e elabora hipteses, reorganizando sua ao em direo construo do conhecimento (ELIAS, 1992, p. 50. In: LEO, 1999, p. 201).

    Numa proposta construtivista, o professor precisa levar em conta alguns fatores fundamentais,

    Primeiro: importante para o professor tomar conscincia do que faz ou pensa a respeito de sua prtica pedaggica. Segundo, ter uma viso crtica das atividades e procedimentos na sala de aula e dos valores culturais de sua funo docente. Terceiro, adotar uma postura de pesquisador e no apenas de transmissor. Quarto, ter um melhor conhecimento dos contedos escolares e das caractersticas de aprendizagem de seus alunos (MACEDO, 1994. p.59. In: LEO, 1999, p. 201).

    Um professor que adote a concepo construtivista deve ser reflexivo e crtico sobre seus atos em sala de aula, sobre o modo como est trabalhando e sobre como pode melhorar essa abordagem para propiciar aos alunos uma aprendizagem mais significativa. Alm disso, deve estar sempre pesquisando novas formas de abordagem em sala e tambm sobre os conhecimentos que pretende ensinar. O professor no pode se acomodar nem quanto ao contedo a ser ensino e nem em suas estratgias em sala.

    Sendo assim, o professor precisa aceitar que no mais o centro do ensino e aprendizagem e favorecer trabalhos em grupos para que o aluno possa aprender com essa interao, alm de criar situaes problemas que provoquem o raciocnio dos alunos. Preocupados com a verdadeira aprendizagem dos alunos. vlido ressaltar

    [] a importncia da interao entre os grupos como uma etapa fundamental do trabalho dos alunos, na medida em que a limitao das hipteses e dos resultados obtidos por um nico grupo e a necessidade de confrontao com outros grupos constitui-se em um aspecto marcante da pesquisa cientfica [] (BARROS; CARVALHO, 1998, p. 84-85).

    E tambm destacar que [] no se trata simplesmente de fazer do mtodo cientfico o objetivo nico do ensino, mas de exigir a participao ativa dos alunos na construo dos conhecimentos [] (BARROS; CARVALHO, 1998, p. 85).

    Contudo, o professor tambm deve entender que no existe uma nica metodologia adequada e que sua funo verificar qual delas melhor se encaixa no seu plano de trabalho e possibilitam o melhor aprendizado dos

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    alunos. Assim como no existe uma nica ferramenta para auxili-lo nesse processo, sendo possvel utilizar diversas ferramentas como os laboratrios abertos, questes abertas, problemas abertos, laboratrios demonstrativos, histria da cincia e at mesmo aulas expositivas. Portanto,

    [...] as aulas expositivas podem ser modos maravilhosamente eficientes para transmitir novas informaes para a aprendizagem, para estimular a imaginao e para aguar as faculdades crticas dos estudantes; mas escolheramos outros tipos de atividade para extrair as idias preconcebidas e o nvel de compreenso dos alunos, ou para ajud-los a perceber o poder de utilizar estratgias metacognitivas para monitorar sua aprendizagem. As experincias prticas podem ser uma maneira eficiente de fundamentar o conhecimento emergente, mas sozinhas no evocam a compreenso conceitual subjacente que ajuda a generalizao. No existe nenhuma prtica de ensino que seja universalmente melhor (BRANSFORD; BROWN; COCKING, 2007, p. 41).

    Portanto o professor deve ter um amplo conhecimento e utilizar o maior nmero de artifcios para ter xito em seu papel de [...] construir com os alunos essa passagem do saber cotidiano para o saber cientfico, por meio da investigao e do prprio questionamento acerca do fenmeno [...] (AZEVEDO, 2004, p. 26).

    Uma ferramenta muito importante que o professor pode fazer uso no ensino de Fsica a abordagem de alguns episdios da Histria da Cincia em suas aulas, pois seu uso [] abre um leque de possibilidades e estratgias de ensino para construir uma concepo de mundo integradora, trazendo algumas caractersticas da cincia que no so abordadas no ensino tradicional (SILVA; TEIXEIRA, 2009, p. 3). Alm de [] enriquecer o ensino de Fsica e tornar mais interessante seu aprendizado, aproximando os aspectos cientficos dos acontecimentos histricos, possibilita a viso da cincia como uma construo humana (BRASIL, 2006, p. 64). Alm disso, utilizando a Histria da Cincia possvel analisar os casos de controvrsias e divergncias entre as explicaes dos fenmenos de cada poca. Ao abordar as controvrsias com os alunos, eles podem compreender melhor a construo de determinada teoria e argumentar sobre essas divergncias.

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    3. HISTRIA DA CINCIA Neste captulo falaremos sobre a Histria da Cincia no ensino de Fsica, sobre seus benefcios e sobre a dificuldade em ser utilizada em sala de aula.

    3.1 A importncia da utilizao em sala de aula

    Muitos pesquisadores apontam a Histria da Cincia como uma ferramenta de grande potencial, quando abordada em sala de aula, para propiciar uma construo mais apropriada das Cincias (CARVALHO E SASSERON, 2010; MARTINS, 2006; GARDELLI, 2004; MATTHEWS, 1995; BARROS E CARVALHO, 1998; SILVA E TEIXEIRA, 2009; NEVES, 1998). Com ela possvel apresentar uma viso da natureza da pesquisa e do desenvolvimento cientfico que no costumamos encontrar apenas analisando os resultados cientficos (MARTINS, 2006).

    Seu estudo [] se torna importante para o planejamento do ensino, apresentando-se como uma forma de associar os conhecimentos cientficos com os problemas que originaram sua construo [] (CARVALHO, 1992, p. 13) e tambm para [] contribuir para o esclarecimento conceitual de certos pontos bsicos da Fsica [] (MARTINS, 1988, p. 49). Com a abordagem histrica os alunos podem compreender a construo e os meios que levaram a aceitao de determinada teoria, compreendendo os argumentos para que isso ocorresse.

    Atualmente sabe-se da importncia de se considerar os conhecimentos prvios que os alunos trazem para a sala, devido s suas experincias e ao senso comum, pois [] recentemente, tomou-se conscincia de que o aprendizado das cincias , as vezes, dificultado por concepes de senso comum que, de um modo geral, coincidem com as concepes abandonadas ao longo da histria [] (MARTINS, 1990, p. 4). Sabe-se tambm que o professor precisa preparar atividades que possam fazer com que o aluno passe por conflitos cognitivos para ento modificar essas concepes, possibilitando que o aluno tenha uma aprendizagem significativa.

    O uso adequado da Histria da Cincia permite ao professor entender melhor essas concepes alternativas e buscar meios para que essa

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    aprendizagem ocorra. Afinal, quando o professor tem conhecimento da Histria da Cincia ele pode compreender melhor quais so as dificuldades dos alunos, pois entende que ao longo da histria esse conceito tambm sofreu dificuldades para ser aceito pela sociedade. Compreende que quando prope-se alguma atividade que possibilite o conflito cognitivo [] os raciocnios apresentados por eles, apesar de no serem iguais a de nenhum cientista, assemelham-se, numa viso geral, s idias j registradas na Histria [] (CARVALHO, 1992, p. 13). Assim, [] o professor ter maior facilidade em compreender as dificuldades e resistncias de seus alunos e poder mais facilmente respeitar suas concepes e fazer uma transio destas para as doutrinas atuais [] (MARTINS, 1990, p. 4).

    Segundo Martins, [] o estudo adequado de alguns episdios histricos permite compreender as interrelaes entre cincia, tecnologia e sociedade, mostrando que a cincia no uma coisa isolada de todas as outras mas sim faz parte de um desenvolvimento histrico, de uma cultura, de um mundo humano sofrendo influncias e influenciando por sua vez muitos aspectos da sociedade []. [] tambm permite perceber o processo social (coletivo) e gradativo de construo do conhecimento, permitindo formar uma viso mais concreta e correta da real natureza da cincia, seus procedimentos e suas limitaes o que contribui para a formao de um esprito crtico e desmitificao do conhecimento cientfico, sem no entanto negar seu valor [] (MARTINS, 2006, p. XXI e XXII).

    Alm disso, pode [] permitir o conhecimento das idias, temas, problemas, argumentos, exemplos e aparelhos hoje esquecidos e que podem ser extremamente teis na prtica do ensino [] (MARTINS, 1990, p. 4) e consequentemente, propiciar aulas mais estimulantes aos alunos e que fugam da rotina dos livros didticos, usando materiais que podem ser adequados aos estudantes e que possibilitem enriquecer a aula.

    Ao abordar a Histria da Cincia em sala de aula possvel mostrar aos alunos a construo histrica da Cincia, minimizando a viso deformada que existe sobre a cincia, de que ela algo sem a relao com a sociedade ou com a vida do aluno. Essa viso ocorre pois [] o conhecimento apresentado como um produto acabado, fruto da genialidade de algumas mentes privilegiadas [] (GARDELLI, 2004, p. 1), diminuindo tambm a viso

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    errnea de que o conhecimento inato e atinge apenas alguns escolhidos. Esta viso leva

    [] os alunos a conclurem que so incapazes de fazer cincia ou que nada mais existe a ser descoberto ou inventado. Isto contribui para a elevao dos ndices de analfabetismo cientfico dos alunos, mesmo que frequentem normalmente as aulas de cincias, j que no conseguem se interessar pelo que esto estudando (GARDELLI, 2004, p. 1).

    Alm disso, proporciona aos alunos entenderem que o ensino de Fsica pode ir muito alm de memorizao de frmulas e resultados prontos, o que pode favorecer para aumentar o interesse dos alunos em sala. Portanto,

    [] mais de que um recurso didtico, a Histria da Cincia fundamentalmente um ambiente interdisciplinar, capaz de fazer com que os alunos realmente compreendam o significado, a importncia e o contexto no qual a cincia foi desenvolvida, no limitando o seu ensino somente a nomes, frmulas e resoluo de exerccios [] (SILVA; TEIXEIRA, 2009, p. 2).

    Porm, as aulas como so ministradas atualmente, no fazendo uso dos episdios da Histria da Cincia, do ao aluno [] a falsa impresso de que a cincia algo atemporal, que surge de forma mgica e que est parte de outras atividades humanas [] (MARTINS, 2006, p. XXII), fazendo com que alguns alunos concebam

    [] a cincia como a verdade, aquilo que foi provado algo imutvel, eterno, descoberto por gnios que no podem errar. uma viso falsa, j que a cincia muda ao longo do tempo, s vezes de um modo radical, sendo na verdade um conhecimento provisrio, construdo por seres humanos falveis e que, por seu esforo comum (social), tendem a aperfeioar esse conhecimento, sem nunca possuir a garantia de poder chegar a algo definitivo [] (MARTINS, 2006, p. XXIII).

    Assim, o estudo da Histria da Cincia se torna [] insubstituvel, na formao de uma concepo adequada sobre a natureza das cincias, suas limitaes, suas relaes com outros domnios [] (MARTINS, 2006, p. XXIV), facilitando para que os alunos compreendam a natureza da cincia, seus processos e discusses, favorecendo para mostrar que a cincia no est livre do contexto social da poca, nem de sofrer influncias de aspectos econmicos, culturais e religiosos. O que possibilita aos alunos conhecerem os sucessos e tambm os fracassos do esforo humano para compreender a natureza. Perceber que, mesmo aqueles grandes cientistas cometeram erros ou equvocos; entender a contribuio de vrios cientistas, mesmo que seus

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    nomes no sejam geralmente citados em livros (MARTINS, 2006). Alm, claro, mostrar

    [] o processo gradual de formao de teorias, modelos, conceitos e do prprio mtodo cientfico; a existncia de teorias alternativas, de controvrsias, de revolues que lanam por terra concepes que eram aceitas (por bons motivos) durante muito tempo; a permanncia de dvidas mesmo com relao a teorias bem corroboradas; a influncia de concepes filosficas, religiosas e o papel da tradio e de preconceitos injustificados no desenvolvimento das cincias; e muitos outros aspectos da dinmica da cincia (MARTINS, 2006, p. XXIV).

    Quando esse estudo no acontece, acabamos por favorecer ainda mais as vises equivocadas em sala de aula. Os alunos no tm oportunidades para discutir como esse conhecimento foi construdo e por isso ficam com a viso de que a cincia rgida e linear e no de que

    [] nosso conhecimento foi sendo formado lentamente, atravs de contribuies de muitas pessoas sobre as quais nem ouvimos falar e que tiveram importante papel na discusso e aprimoramento das idias dos cientistas mais famosos, cujos nomes conhecemos (MARTINS, p. XXII, 2006).

    E que apenas atravs de muitos debates e crticas que as nossas ideias vo gradualmente sendo aperfeioadas, muitas vezes, transformando totalmente os conceitos inicialmente propostos.

    3.2 Dificuldades na abordagem em sala de aula

    Um fator que impede que o aluno conhea verdadeiramente a construo do conhecimento, abordar a Histria da Cincia apenas de modo, pontual e simplista. Um exemplo de equvoco que ocorre frequentemente a abordagem da Histria da Cincia como sendo um pouco de cronologia e um pouco de nomes (CASTRO, 2009). Contudo

    [] essa cronologia pouco informativa e pouco til. Serve, apenas, para que o estudante fique conhecendo os nomes de alguns cientistas famosos e tenha uma idia sobre as pocas (e sobre as sequncias) de determinadas descobertas; mas no facilita o ensino da prpria cincia [] (MARTINS, 1990, p. 4).

    Ou usar uma histria do tipo anedtica, em que so abordados casos reais ou inventados sobre os cientistas, servindo apenas para amenizar a aridez das aulas (CASTRO, 2009) e tambm para tenta manter a ateno dos alunos. Mas esse tipo de abordagem [] pode apresentar uma viso distorcida e mistificada da cincia e dos cientistas (MARTINS, 1990, p. 4).

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    O uso que pode ser considerado o mais perverso deles o que se faz como forma de persuaso e intimidao, fazendo apelo ao argumento da autoridade (CASTRO, 2009). Ento,

    [] nesses casos, invoca-se a autoridade de um grande nome para reprimir dvidas e impor doutrinas, invertendo assim a prpria natureza do pensamento cientfico, que, longe de se apoiar em nomes de autoridades, procuram se basear em fatos e argumentos (MARTINS, 1990, p. 4).

    Esse argumento de autoridade contribui para que o aluno se afaste dos conhecimentos cientficos pois ele no se sente confortvel em questionar o porqu dos acontecimentos que o professor descreve em sala. J que quem elaborou a teoria um grande nome da cincia, exaltado pelo professor, o aluno no considera aquela teoria questionvel e nem imagina que podem existir outras teorias que confrontem a primeira. Muito menos, se sente confortvel para levantar hipteses diferentes das discorridas pois elas so baseadas em um grande cientista, o que favorece para barrar as dvidas dos alunos.

    Uma ideia que pode contribuir para uma viso distorcida defender que todo conhecimento no passa de uma mera opinio e que todas elas so equivalentes e por isso, no h motivo para aceitar as concepes cientficas. Mas essa uma viso equivocada, pois

    [] embora nada garanta que os cientistas tomem decises acertadas, suas escolhas no so totalmente cegas: h evidncias a favor ou contra cada posio e possvel pesar cada lado e preferir um ao outro, com base nos conhecimentos de cada poca. tambm o estudo cuidadoso da histria da cincia que pode mostrar-nos isso (MARTINS, 2006, p. XXIII).

    Por isso preciso muita ateno por parte dos professores, ao se abordar episdios histricos, para que na sua tentativa de transpor o conhecimento para o aluno, o professor no acabe distorcendo esses episdios ou simplificando demais.

    Outro aspecto importante da Histria da Cincia, quando utilizada de modo adequado, que ela pode contribuir para que os alunos entendam que a cincia no apenas a aplicao de um mtodo cientfico que permite chegar a uma verdade, p