A criança e a mídia Como lidar com as novas tecnologias · isso, como notou Jerry Mander no livro...

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0 A criança e a mídia Como lidar com as novas tecnologias Objetivos Como tratar a tecnologia na educação dos filhos; Como lidar com o excesso de exposição das crianças às novas mídias; Como conduzir a educação dos filhos diante das novas mídias e tecnologias; Como a Doutrina Espírita pode colaborar. 1. Meios Eletrônicos e Educação - pág. 2 Uma visão alternativa Valdemar W. Setzer 2. Textos com abordagens doutrinárias e filosóficas pág. 12 3. Bilbioteca Virtual da Antroposofia pág 17 Artigos selecionados - http://www.antroposofy.com.br

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A criança e a mídia – Como lidar com as novas tecnologias

Objetivos

Como tratar a tecnologia na educação dos filhos; Como lidar com o excesso de exposição das crianças às novas mídias; Como conduzir a educação dos filhos diante das novas mídias e tecnologias; Como a Doutrina Espírita pode colaborar.

1. Meios Eletrônicos e Educação - pág. 2

Uma visão alternativa Valdemar W. Setzer

2. Textos com abordagens doutrinárias e filosóficas pág. 12

3. Bilbioteca Virtual da Antroposofia pág 17

Artigos selecionados - http://www.antroposofy.com.br

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Meios Eletrônicos e Educação:

Uma visão alternativa

Valdemar W. Setzer

São Paulo: Ed. Escrituras, Coleção "Ensaios Transversais", Vol. 10, 2001, 288 pgs.

ÍNDICE

Introdução

1. Os meios eletrônicos e a educação: televisão, jogo eletrônico e

computador

2. TV e violência: um casamento perfeito

3. Os riscos dos jogos eletrônicos nas idades infantil e juvenil

4. Computadores na educação: por quê, quando e como

5. Uma revisão de argumentos a favor do uso de computadores na educação

elementar

6. O computador com instrumento de anti-arte

7. A censura e outras questões da Internet

8. A miséria da computação

9. Homens, mulheres e computadores

10. A missão da tecnologia

11. Dado, informação, conhecimento e competência

Bibliografia, com 93 itens; nos textos, as referências citam a página quando se

trata de livro.

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OS MEIOS ELETRÔNICOS E A EDUCAÇÃO: Televisão, jogo eletrônico e computador

Valdemar W. Setzer [email protected] - www.ime.usp.br/~vwsetzer

1. Introdução

Este artigo foi escrito originalmente em espanhol como texto para um workshop realizado no Festival IDRIART La Educación Encerra un Tesoro, realizado em San Salvador, em março de 1998 (ver essa versão em meu site). Ele foi traduzido para o português por Ana Vieira Pereira e revisto e ampliado por mim. É o primeiro artigo de meu livro sobre meios eletrônicos e educação [Setzer, 2001, p. 15-39].

Neste ensaio descrevo brevemente, de um ponto de vista fenomenológico, os aparelhos de televisão, videogame e computador e a atitude daqueles que os usam. Em seguida, abordo o seu impacto no âmbito educacional. A abordagem conjunta dos três meios permite uma interessante comparação entre eles com relação à sua influência nos seus usuários, percebendo-se que cada um atua primordialmente numa região da atividade interior das pessoas. Artigos publicados em [Setzer, 2001] expandem ou especializam as considerações sobre cada um dos aparelhos (ver também artigos em meu site). As minhas considerações estão baseadas na Pedagogia Waldorf [Lanz, 1998], introduzida por Rudolf Steiner em 1919 e utilizada em mais de 800 escolas espalhadas pelo mundo.

2. A televisão

2.1 O aparelho

A televisão é um aparelho baseado num tubo de raios catódicos. Nele, um filamento é aquecido, formando à sua volta o que se chama de "nuvem de elétrons". Uma diferença muito grande de potencial elétrico (no caso de uma TV a cores, 25.000V) entre o filamento e a tela metalizada arranca os elétrons dessa nuvem, que deixam o filamento sob a forma de um feixe e encontram a tela; é no ponto de contato com ela que o fósforo da tela emite luz. O feixe é deslocado magneticamente, fazendo o que se chama de "varredura" (scanning), um caminho na tela por linha - primeiro as linhas ímpares, depois as pares, diminuindo-se assim o efeito de piscar (flickering). É interessante notar que a imagem nunca se encontra completa na tela, pois, quando o feixe volta para um ponto por onde já passou, este deve estar completamente "apagado", senão haveria sobreposição e a imagem deixaria de ser nítida. Assim, a imagem é formada de fato na retina, pela sua retenção luminosa, contrariamente a objetos observados pela visão. Uma variação na intensidade do raio produz pontos mais ou menos luminosos. No caso da TV a cores, há uma máscara com sequências de três pontos vizinhos: vermelho, verde e azul; a combinação de diferentes intensidades do feixe em cada elemento de um conjunto desses três pontos produz no telespectador uma ilusão de cores. Cada imagem é formada 30 vezes por segundo, dividida em linhas formadas sequencialmente por meio de pontos. No cinema, as imagens são formadas por quadros completos (24 por segundo) e não por linhas de pontos.

A imagem é muito grosseira: são cerca de 300.000 pontos - só para efeito de comparação, a retina tem cerca de 150 milhões de células sensíveis à luz. Assim, não é possível distinguir-se a expressão de uma pessoa se ela está focada por inteiro. Por isso nas novelas e nos telejornais somente o rosto é focado - como será visto adiante, a expressão da pessoa é fundamental na transmissão. Compare-se também nossa acuidade visual ao olharmos uma árvore a certa distância, vendo-se nitidamente as folhas; se ela é focalizada pela câmera de TV por inteiro, as folhas não podem ser distinguidas na tela.

Como no cinema, a televisão pode ser caracterizada como um sistema de imagens consecutivas, dando a impressão de movimento, com som sincronizado. Diferenças fundamentais são os fatos de que o aparelho é muito pequeno, e a tela de cinema é grande (o que exige movimentação dos olhos), e a imagem do cinema é muitíssimo mais fina e projetada por inteiro.

2.2 O telespectador

O telespectador está fisicamente inativo. Dos seus sentidos, trabalham somente a visão e a audição, mas de maneira extremamente parcial - por exemplo, os olhos praticamente não se mexem [Mander, 1978, p. 165]. De fato, a região de maior nitidez da retina, a fóvea, determina um cone de 2 graus de abertura total (dentre os 200 graus abrangidos pela visão, experimente-se com os braços abertos), e o aparelho a uma distância normal cobre 6 graus [Patzlaff, 2000, p. 25]. Daí a fixidez do olhar do telespectador, isto é, os músculos do olho ficam quase inativos. A imagem não se torna mais nítida se o telespectador aproximar-se da tela, contrariamente aos objetos comuns. Ao invés disso, começa-se a ver os pontos que compõem a imagem. A distância do aparelho é constante, portanto não existe necessidade de acomodação (convergência dos eixos ópticos e grossura do cristalino), a luminosidade também é praticamente constante, por conseguinte a pupila não muda de abertura, etc.

Os pensamentos estão praticamente inativos: não há tempo para raciocínio consciente e para fazer as associações mentais, já que os dois são muito lentos. Isso ficou provado nas poucas pesquisas de efeitos neurofisiológicos da TV [Krugman, 1971, Emery&Emery, 1976, Walker, 1980]: o eletroencefalograma e a falta de movimento dos olhos de uma pessoa vendo televisão indicam um estado de desatenção, de sonolência, de semi-

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hipnose (normalmente qualquer telespectador entra nesse estado num tempo de meio minuto). Jane Healy justifica esse estado mental como uma reação neurológica aos estímulos visuais exagerados e contínuos [1990, p. 174]. O piscar da imagem, o ambiente em penumbra e a passividade física do telespectador, especialmente seu olhar fixo, fazem com que o cenário seja semelhante a uma sessão de hipnose.

Ainda há a atividade interior dos sentimentos. É praticamente a única atividade externa e interna do espectador. Por isso os programas tentam sempre causar um impacto nos sentimentos: novelas com conflitos pessoais profundos, esportes perigosos e cheios de ação e a tão falada violência.

Tudo isso significa que o telespectador está num estado de consciência que têm os animais quando não são atraídos por uma atividade exterior como caçar, prestar atenção em um possível perigo, procurar alimento, etc.

O estado de sonolência do telespectador é muito conhecido entre os diretores de imagem. Por isso eles sempre produzem imagens que mudam constantemente: se uma imagem ficasse parada, todos adormeceriam. Jerry Mander disse que nos Estados Unidos as imagens mudam numa média de 8 a 10 por minuto, no que ele denominou de "efeitos técnicos", aí contados efeitos zoom, mudança de câmera, superposição de imagens, aparecimento de palavras na tela, e mesmo mudança não-natural de voz [Mander, 1978, p. 303]. Em transmissão de propaganda, ele detectou 10 a 15 efeitos técnicos. Neil Postman, em seu extraordinário livro sobre TV e discurso público, traz uma razão de 3,5 segundos por tomada de imagem [Postman, 1986, p. 86]. Hoje em dia, na TV brasileira, essas mudanças são muito mais rápidas, como eu pude constatar. Essa mudança constante de imagens e a excitação necessária dos sentimentos (recursos usados para impedir que o telespectador passe do estado de sonolência para o de sono profundo) fazem com que tudo o que a televisão transmite seja transformado em um show. Postman chama a atenção para o fato de que, com isso, quase tudo na vida se transformou num show: a política, a religião, a educação, etc. [p. 87, 114, 125, 142]. As pessoas acostumaram-se de tal forma com a apresentação em formato de show da TV que não aceitam nem aguentam outras formas de atividade cultural, mais simples e calmas, tendo a impressão de que são aborrecidas.

Na leitura, é preciso produzir uma intensa atividade interior: num romance, imaginar o ambiente e os personagens; num texto filosófico ou científico, associar constantemente os conceitos descritos. A TV, pelo contrário, não exige nenhuma atividade mental: as imagens chegam prontas, não há nada para associar. Não há possibilidade de pensar sobre o que está sendo transmitido, porque as velocidades das mudanças de imagem, de som e de assunto impedem que o telespectador se concentre e acompanhe a transmissão conscientemente.

2.3 A TV e a educação

De tudo o que foi visto, pode-se concluir que a TV não tem praticamente nenhum efeito educativo. Educação é um processo muito lento (o que se aprende de forma instantânea não tem valor profundo) e deve acompanhar o processo global da criança ou do jovem, mas na TV tudo é rápido pela necessidade do aparelho. A educação é um processo de caráter contextual (o professor leva em conta o que foi dado no dia ou na semana anterior e, em métodos de educação integrada, como na Pedagogia Waldorf, os professores sabem o que os outros professores da mesma turma estão fazendo e conhecem individualmente muito bem os seus alunos), mas a TV, como meio de comunicação de massa, está quase sempre totalmente fora do contexto do espectador.

O ponto mais negativo, porém, da televisão com relação à educação é que esta exige atenção e atividade do estudante, sobretudo quando se pensa que a educação deveria ter como uma das suas principais metas desenvolver nas crianças e nos jovens a capacidade de imaginar e de criar mentalmente. Mas a televisão faz exatamente o contrário: o constante bombardeio de milhões de imagens faz com que o telespectador perca a habilidade de imaginar e criar. Isso é principalmente preocupante com crianças e jovens, que estão desenvolvendo essas habilidades (num adulto que as tenha, a perda parcial pode ser lamentável, mas muito pior é nunca chegar a desenvolvê-las).

Pode-se concluir que a televisão pode ser empregada como meio de condicionamento, mas não de educação. Por isso, como notou Jerry Mander no livro já citado, existe um casamento perfeito entre TV e propaganda [Mander 1978, p. 134]: para esta, o estado ideal do consumidor é o de absoluta semi-consciência, porque assim não existe a crítica (a propaganda é a arte de convencer pessoas a consumir aquilo que não precisam, o que tem preço maior ou qualidade inferior). Em 2000, foram gastos no Brasil R$12,9 bilhões em propaganda, sendo que 63,5% foram para a TV [Betting, 2001] - por que funciona! Mander cita que nos Estados Unidos o gasto com propaganda na TV na década de 70 era de 60% [Mander, 1978, p. 134]. Marie Winn e Fred e Merrelyn Emery, mostram que a televisão não tem um efeito educativo [Winn, 1979, p. 59, Emery&Emery, 1976, p. 107]. O que ela tem é um efeito condicionador de ações e de imagens interiores.

Assim, a televisão representa em muitos aspectos a antítese da educação. Deve ser somente empregada na educação como ilustração, com vídeos de curta duração, para que o professor possa repetir imagens e discutir com os seus alunos o que eles viram, de preferência somente no ensino médio ou na universidade.

3. Os jogos eletrônicos

3.1 O aparelho

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Vou considerar aqui somente o jogo eletrônico mais típico: aquele que exige velocidade do indivíduo que joga contra a máquina e ganha pontuação quando acerta determinadas ações, o que denomino de jogos tipo "combate".

O aparelho consiste numa tela (grande como um monitor de computador ou TV, ou até mesmo uma tela bem pequena de jogo portátil), um computador e um meio de comunicação entre o jogador e o computador - um teclado, um joystick ou uma pistola que detecte luminosamente a posição apontada por ela na tela.

A tela exibe uma figura em movimento; o jogador tem de fazer alguma ação com seus dedos, como pressionar algumas teclas; o computador detecta que teclas foram pressionadas e produz uma modificação na imagem da tela; e assim por diante.

Como será visto adiante, o computador é uma máquina determinista. Isso tem como consequência que, se há alguma imagem na tela e o jogador pressiona determinada tecla, a mudança de imagem do joguinho será sempre a mesma. Pode-se introduzir algum efeito aleatório, mas tem de ser sempre pré-determinado entre uma coleção de ações pré-programadas.

2.2 O jogador

Diferente do que acontece com a televisão, o conjunto jogo-jogador é um circuito fechado, ou seja, o que acontece na tela - o que a máquina faz , depende parcialmente das ações do jogador. Assim, o jogador não está fisicamente passivo. Mas a sua atividade é muito limitada: usando um teclado, somente os seus dedos se movem com muita rapidez e as suas mãos praticamente nem se movem; com um joystick, em geral somente uma das mãos faz pequenos movimentos.

Como na TV, a visão e a audição (quando há sons) estão parcialmente ativas, mas no jogo eletrônico ainda existe uma pequena atividade do sentido do tato e, para utilizar a classificação dos 12 sentidos introduzida por Rudolf Steiner [Setzer, S.A.L., 2000], o sentido sinestésico, de movimento, também está parcialmente ativo. Esses dois, todavia, assim como a visão e a audição, atuam de maneira extremamente limitada: as teclas não exigem uma diferenciação táctil e o movimento é sempre o mesmo.

Há ainda uma outra semelhança com a TV: o pensamento não está ativo. Como no jogo típico os pontos que o jogador ganha dependem da velocidade da sua reação, e como o pensamento consciente é muito lento, o jogador precisa reagir sem pensar. Na TV, o telespectador estava passivo sem pensar; no jogo eletrônico, o jogador está ativo num espaço extremamente limitado de movimentos, mas também sem pensar. Em outras palavras, os jogos impõem ações automáticas. Com isso, torna-se muito claro por que crianças têm mais facilidade e mais sucessos com essas máquinas: elas não têm ainda o seu pensamento e a sua consciência tão desenvolvidos como os adultos; esse desenvolvimento torna mais difícil a eliminação do pensamento quando é preciso exercitar uma ação.

Finalmente, como na TV, os sentimentos estão ativos, mas são aquilo que eu chamo de "sentimento de desafio" e são o que o que atrai o jogador. Em ambos os casos eles são artificiais, ou seja, não têm relação com a realidade da natureza e são incentivados desde o exterior. Compare-se com sentimentos despertados por leitura de um romance: eles são baseados em uma criação interior (a imagem do personagem ou da situação). Ou com a visão de uma pessoa alegre ou sofrendo, em que existe a realidade da alegria ou do sofrimento alheios. No caso do jogo, o sentimento é enfrentar o desafio, ganhar da máquina.

É interessante notar que reações automáticas são características de animais e não de seres humanos adultos. Em geral, o ser humano pensa antes de fazer algo, examinando, por meio de representações mentais, as consequências de seus atos. Por exemplo, suponha-se que um homem veja na rua uma mulher muito bonita e tenha vontade de beijá-la. Normalmente ele não faria isso, porque pensaria que ela talvez não gostasse, pudesse gritar e aí ele ficaria numa posição no mínimo desconfortável. E, assim pensando, não age segundo os seus impulsos. A mesma coisa não acontece com os animais: eles agem movidos pelos seus impulsos e pelo condicionamento imposto pelo meio ambiente. Um animal não pensa nas consequências dos seus atos. Por isso pode dizer-se que o jogo eletrônico, por um lado, "animaliza" o jogador.

Por outro lado, como o jogo impõe pequenas ações motoras automáticas e essas ações são mecânicas, "maquiniza" o ser humano. É fácil perceber que, se o jogador fosse substituído por uma máquina, com uma câmara para detectar as mudanças na tela e um computador para planejar e efetuar as ações, ela jogaria muito melhor do que qualquer ser humano. Em outras palavras, pode dizer-se que o jogador está sendo reduzido a uma máquina de detectar pequenos e limitados impulsos visuais e fazer pequenos e limitados movimentos com os seus dedos.

3.3 O jogo eletrônico e a educação

Um dos mais importantes objetivos da educação é desenvolver lentamente a capacidade de tomar atitudes conscientes. Como foi visto, os animais agem sempre seguindo seus instintos e condicionamento, mas seres humanos não. Os jogos eletrônicos vão contra esse objetivo da educação e produzem, como vimos, uma "animalização" do ser humano; isso é contrário a um dos objetivos supremos da educação, que é tornar o jovem mais humano e menos animal.

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Como no caso da TV, não há contexto no jogo. Todos os jogadores são tratados da mesma forma. Dessa maneira, o jogo vai contra o ideal da educação de produzir indivíduos diferenciados. Por outro lado, os jogos condicionam o jogador a executar os movimentos limitados, que o fazem ganhar mais pontos. Um dos ideais da educação deveria ser formar indivíduos que possam agir em liberdade, procurando atingir as metas que eles mesmos se propõem, e não agir de maneira condicionada.

O jogador aprende a fazer algo muito especializado. Mas o que aprendeu somente se aplica no jogo, não pode ser utilizado na vida prática diária. No entanto, numa situação de emergência, de estresse, de consciência abafada, o jogador pode reagir como fazia no jogo, mas tratando o real como artificial, o que é um grande perigo, pois são duas coisas completamente diferentes. Nesse sentido ele é muito pior do que a TV. Esta grava no subconsciente do telespectador todas as imagens e situações vistas; o jogo eletrônico, além dessa gravação, ainda treina o jogador a executar certas ações. No artigo sobre jogos eletrônicos de meu livro sobre meios eletrônicos e educação [Setzer, 2001], cito tragédias ocorridas em escolas americanas, em que o condicionamento e o treinamento promovido por eles provocaram ações violentas, trágicas, executadas por jovens jogadores. Estes agiram como animais ou, pior ainda, como máquinas, com fantástica precisão e sem nenhuma compaixão. Isso não significa que todos os jogadores de jogos violentos (95% de todos os jogos) sairão dando tiros por aí; mas em situações de emergência ou de estresse podem reagir como foram condicionados pelos jogos. De qualquer modo, todas as vivências do ser humano ficam gravadas no seu consciente ou subconsciente, de modo que todo esse lixo de imagens e ações violentes acaba forçosamente por influenciar o modo de pensar e o comportamento dos jogadores.

Assim, o jogo eletrônico também não tem efeito educativo. Pelo contrário, prejudica a educação e deseduca.

4. O computador

4.1 O aparelho

O computador é uma máquina completamente diferente de todas as outras. Estas servem para transformar, transportar ou armazenar energia ou matéria, como um torno que transforma matéria; um carro, que transporta pessoas (matéria); uma bateria, que armazena energia elétrica. O computador não faz nada disso: ele transforma, transporta e armazena dados, que são representações simbólicas quantificadas ou quantificáveis e não devem ser confundidos com informações. Estas devem ter sempre um significado para quem as recebe, e podem não ser transmitidas sob forma de dados como, por exemplo, a sensação de calor ou de frio (ver o artigo "Dados, informação, conhecimento e competência" em [Setzer, 2001] e em meu site). Aquela quantificação é essencial para os dados poderem ser introduzidos em um computador, onde tudo deve necessariamente estar quantificado. Note-se que programas também são dados.

Dados não têm consistência física, são produtos do nosso pensar. (Foi justamente o fato de os dados não serem físicos que levou à redução do tamanho dos computadores. Não se pode reduzir o tamanho dos tornos ou dos carros, porque devem estar de acordo com a matéria física que vão transformar ou transportar.)

O computador é uma máquina de simular pensamentos restritos. O programa que ele executa consiste em pensamentos, que são as instruções ou comandos. A execução do programa simula os pensamentos que o programador elaborou para processar os dados, que também foram pensados. Não é correto dizer que o computador pensa, visto que as instruções são pensamentos altamente restritos e limitados às ações que a máquina pode executar. O pensamento humano contém infinitamente mais que o que é utilizado para simular a execução de um programa. Além disso, o computador segue cega e inexoravelmente as instruções de um programa, de modo que ele não pode ter a criatividade de nosso pensamento, fora o fato de obviamente não ter sentimentos. Normalmente os sentimentos sempre acompanham e influenciam os pensamentos e vice-versa.

As instruções ou comandos - mesmo os icônicos - de uma linguagem de programação ou de um software qualquer são entes matemáticos, pois podem ser descritos totalmente de maneira formal, por meio de construções matemáticas. As outras máquinas, que trabalham com matéria ou energia, não estão sujeitas a uma descrição totalmente matemática, somente uma muito aproximada. Isso porque que não se sabe o que é a matéria: não há um modelo matemático exato para ela (é interessante notar que há bons modelos, aproximados, na mecânica quântica, somente para átomos muito simples). Como os dados são símbolos formais, pode dizer-se que a matemática dos computadores é lógico-simbólica. E, dentro da matemática lógico-simbólica, há ainda uma outra restrição: ela deve ser algorítmica. Assim, os programas devem ser compostos de instruções matematicamente bem definidas numa Matemática discreta, e devem terminar a sua execução para qualquer dado de entrada. Além disso, a sequência das instruções é absolutamente fundamental (ao contrário de muitas formulações matemáticas, por exemplo, a axiomática).

Dessa forma, o computador pode ser caracterizado como uma máquina abstrata, matemática (do tipo algorítmico). As máquinas que não são computadores são, ao contrário, concretas. Tudo o que acontece no computador não tem nada a ver com a realidade, a menos que ele controle outra máquina. Por isso, ele representa tudo de uma maneira virtual, ou seja, mental.

Existe uma outra característica muito importante, que o computador tem em comum com muitas outras máquinas como, por exemplo, uma máquina de lavar roupa: o seu funcionamento pode ser autônomo. Um programa pode fazer

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muito processamento de dados sem nenhuma intervenção do operador. De fato, quando um usuário dá um comando a um computador ou ativa um ícone, por exemplo num editor de textos usando um comando para alinhar verticalmente um parágrafo, a máquina executa uma quantidade enorme de instruções de forma autônoma. Nesse exemplo, uma quantidade de cálculos matemáticos e manipulações de símbolos: as palavras podem ser juntadas no lado esquerdo (movimentando cada caractere para uma linha em branco) deixando o espaço mínimo entre cada duas palavras; o número de palavras em cada linha é contado; o número de espaços em branco que sobraram à direita é dividido pelo número de palavras da linha menos um; finalmente um número de espaços em branco igual a esse quociente é inserido entre cada duas palavras, que vão sendo deslocadas para a direita.

No entanto, contrariamente a outras máquinas autônomas, o computador não tem uma função específica: sua função depende do programa que nele é introduzido.

Finalmente, uma característica fundamental dos computadores é que são máquinas deterministas. Isso quer dizer que, se a máquina está num certo estado (e seus estados possíveis são sempre finitos e discretos, quer dizer, não há uma transição contínua entre cada dois estados possíveis), e uma instrução é executada (ou dá-se-lhe um comando como pressionar uma tecla ou uma combinação de teclas, ou até mesmo acionar um ícone numa linguagem icônica, no exemplo de alinhar o texto verticalmente), a máquina vai sempre mudar para o mesmo estado. Se há algo determinado exibido na tela, e a máquina está parada esperando alguma ação do usuário, se este executa uma certa ação com a máquina, a tela vai mudar sempre da mesma maneira.

Todas as máquinas que não são computadores (para ser mais precisos, isso deveria ser generalizado para máquinas "não-digitais") não são deterministas: não se pode prever com exatidão matemática o resultado de uma ação. Por exemplo, um torno. Mesmo que seja automático, produz um eixo com um diâmetro sempre aproximado como, por exemplo, até 0,05 cm a mais ou a menos.

Há muitas outras características próprias dos computadores, mas o que foi exposto é o essencial para considerações do ponto de vista educacional.

4.2 O usuário

Quando se examina a atitude do usuário de computador, vê-se que ele, como no jogo eletrônico, faz parte de um circuito fechado. Também ele olha para uma tela e faz pequenos movimentos com seus dedos - talvez um pouco maiores que no jogo, mas ainda assim bem limitados, mecânicos. Quando utiliza o mouse, necessita de um pouco mais de coordenação motora e sensibilidade, mas estas também são muito restritas e pobres em comparação com, por exemplo, agarrar uma bola, tocar um instrumento musical, etc. Ao contrário do que acontece com o jogo eletrônico, não há, em geral, necessidade de fazer movimentos bruscos e rápidos. Mas percebe-se que o usuário também está, de certa forma, preso à máquina, muitas vezes num estado que vou chamar de "estado do usuário obsessivo". Esta obsessão faz com que o usuário fique durante horas diante do computador, muitas vezes esquecendo-se da sua vida pessoal, das suas obrigações e necessidades. De onde vem essa obsessão tão típica dos usuários de computadores?

Vimos que o computador é uma máquina automática, abstrata e determinista. Isso faz com que o usuário tenha certeza de que o comando pensado e dado à máquina vai ser executado por ela conforme previsto. Muitas vezes, isso não acontece: o comando não é adequado ou existe algum erro no programa. Nesse momento, ocorre uma frustração no usuário, que é diferente de todas as outras frustrações experimentadas pelas pessoas em suas vidas. Por exemplo, um jogo de tênis. Quando o jogador erra um serviço, ele se frustra; mas não sabe se o próximo serviço vai estar certo, fazendo a bola cair naquele maldito pequeno retângulo do outro lado da rede. Mas com o computador tem-se a certeza absoluta de que existe um comando ou uma combinação de comandos que executam a operação desejada. Enquanto não descobre que comando ou combinação são esses, a pessoa é tomada por um estado obsessivo de excitação puramente intelectual - lembremo-nos de que a máquina é abstrata, funcionando ao nível mental; não há uma restrição de coordenação motora inconsciente, como no tênis ou outro jogo de bola.

Por ser uma máquina abstrata, matemática, o usuário é levado a empregar uma linguagem de comandos que também é matemática, lógica-simbólica. Poder-se-ia argumentar que ele está empregando símbolos e formas de maneira completamente diferente dos da matemática usual; mas não deixa de ser um formalismo matemático. Atenção: não me refiro aqui à digitação de um texto - que também envolve um formalismo, já que cada tecla produz sempre a mesma letra da mesma forma -, mas ao ato de emitir qualquer comando, como o de alinhar um texto verticalmente, ou salvar e imprimir o texto, etc. Pode-se digitar ou datilografar um texto sem praticamente pensar, nem mesmo no que ele significa. Isso é impossível no computador: seria como fazer cálculos sem prestar atenção - o resultado seria completamente errado. Qualquer comando recebido pelo computador produz uma ação matemática dentro da máquina. Dessa forma, pode-se dizer que o computador impõe o uso de uma linguagem matemática puramente formal.

É importante enfatizar a questão do pensamento. Para se usar um computador, é necessário dar-lhe comandos, em absolutamente qualquer software. Como foi visto, esses comandos ativam funções matemáticas (de cálculo ou de manipulação de símbolos) dentro da máquina. Ao dar comandos à máquina - mesmo acionando ícones -, o usuário é obrigado a pensar conscientemente neles. Em outras palavras, a máquina força o usuário a formular pensamentos

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com formalismo análogo ao matemático, que podem ser introduzidos dentro dela e por ela interpretados, o que chamo de "pensamentos maquinais".

Uma consequência sobre o usuário é que este é induzido a agir de maneira indisciplinada. De fato, como o espaço de trabalho é puramente mental, pode-se fazer de tudo, sem consequências diretas no mundo real. Isso não ocorre quando se guiar um automóvel ou se operar um torno. Além disso, tudo pode ser corrigido, de maneira que não é preciso seguir-se uma disciplina para fazer coisas corretas ou bem feitas, esteticamente bonitas. Por exemplo, uma pessoa que escreve uma carta à mão tem de exercitar uma tremenda disciplina mental, para que não seja necessário corrigir o que foi escrito (muitas correções deixariam o texto borrado, feio; outras seriam impossíveis, como mudar um parágrafo de lugar). A mesma coisa se passa ao começar-se com um rascunho. No ato de escrever o texto definitivo, será necessário não mudar nada, prestar atenção à estética, etc. Nada disso ocorre ao se usar um editor de textos: pode-se cometer quantos erros se queira, porque tudo poderá ser corrigido, mudado de lugar, etc. Também não há necessidade de prestar atenção à ortografia: um corretor ortográfico pode detectar os erros e ainda sugerir correções. Os corretores gramaticais estão cada vez mais completos e vão exigir cada vez menos atenção à concordância, por exemplo. Muito poucas pessoas apreciam seguir regras fixas e planejar muito bem o que devem fazer. Pode-se concluir que isso leva os usuários e programadores de computadores a assumir uma atitude de indisciplina mental. No caso dos programadores, é sabido que esses raramente projetam e implementam seus programas disciplinadamente, por exemplo documentando tanto a fase de análise quanto os próprios programas. Além disso, os testes e as correções dos programas quase nunca são feitos sistematicamente.

Compare-se essas situações com o uso de uma máquina concreta, como um carro: uma ação indisciplinada pode levar a um acidente. O motorista é obrigado a dirigir disciplinadamente. O mau uso de uma máquina concreta (em oposição à máquina virtual, que é o computador) pode causar acidentes físicos. Os acidentes causados pelos computadores são mentais, psicológicos e psíquicos - daí serem tão ignorados.

4.3 O computador e a educação

Pense-se inicialmente no fato de que o usuário do computador precisa necessariamente exercer um pensamento e uma linguagem formais, lógico-simbólicos. É preciso formular a seguinte pergunta, que normalmente não se faz, quando se fala a respeito de computadores e educação: Qual é a idade adequada para esse tipo de pensamento e linguagem?

Para responder a essa pergunta é absolutamente necessário usar um modelo de desenvolvimento das crianças e dos jovens conforme a idade. Para isso, emprego o modelo introduzido por Rudolf Steiner, que considero muito mais abrangente do que outros modelos, e usado com sucesso nas mais de 800 escolas Waldorf do mundo (sem contar os jardins de infância isolados, provavelmente milhares). Brevemente, segundo o modelo de Steiner, existem três grandes fases no desenvolvimento de cada ser humano, correspondentes a períodos de sete anos, os "setênios" [ver, por exemplo, Lanz, 1998, p. 38 e Steiner, 2000, p. 51].

No primeiro setênio, de até aproximadamente os 7 anos, cujo fim é marcado fisicamente pela troca dos dentes, a criança está aberta ao exterior, não tem consciência de que não está separada do mundo. Para ela tudo tem vida e vive na sua imaginação como se fosse realidade. A criança desenvolve o seu querer (vontade que leva a ações). Os recursos educacionais primordiais deveriam ser a imaginação, o ritmo e a imitação. Não deveria existir um ensino formal, mas somente indireto por meio de histórias, jogos, brincadeiras e trabalhos manuais muito simples. O professor deveria ser o que chamo de professor-mãe. As crianças não deveriam aprender a ler neste período, já que as letras de hoje são abstrações (não eram assim na Antiguidade, como ainda não o são os ideogramas orientais). As forças interiores que seriam gastas nesse processo precisam ser aplicadas ao estabelecimento da base física e o extraordinário esforço de crescimento e aprendizagem (não-formal!) do andar, do falar e da coordenação motora (ver artigo a respeito em meu site).

No segundo setênio, de 7 a 14 anos (ver, por exemplo, o capítulo "A evolução do segundo setênio", em [Steiner, 2000, p. 91, Lanz, 1998, p. 47], o jovem já tem a sua base física essencial formada e pode dedicar as suas forças ao aprendizado. Porém este não deve ser abstrato, e sim sempre relacionado à realidade do mundo. Como neste período se desenvolve primordialmente o sentimento, tudo deve ser apresentado de forma estética, artística. Até mesmo a Matemática deve ser apresentada com conexões que a liguem à realidade e de forma artística, que apele à fantasia. Nas ciências, o mais importante é aprender a observar e descrever os fenômenos, sem explicá-los de forma abstrata. Tudo deve estar cheio de vida. Um contra-exemplo clássico no Brasil é como, por volta dos oito anos, se introduz na escola o que é uma ilha: "uma porção de terra cercada de água por todos os lados" (o que não está correto, já que não há água nem na parte de cima e, geralmente, nem na parte de baixo…). Essa definição é morta e não dá margens à imaginação. Mas se for introduzida a noção de ilha com uma história de uma pessoa cujo barco naufragou, e ela nadou até à praia e depois, para qualquer direção para onde ia, chegava a outra praia ou a pedras sobre o mar, as crianças podem imaginar toda a riqueza que uma ilha com vegetação e animais pode encerrar. Uma definição é sempre a mesma. O ideal seria que a história fosse contada com detalhes diferentes para cada classe, adaptada ao interesse e características de cada aluno dentro da sala. Assim um conceito é criado de forma viva e não morta. Em particular, felizmente nunca uma professorinha definiu o que é uma árvore (um pedaço de pau fincado verticalmente no chão, com ramificações, blablablá), o que jamais impediu as crianças de criar um conceito correto

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da mesma - proveniente de sua própria experiência vendo árvores, tocando-as, cheirando-as, trepando nelas e comendo de seus frutos. O professor adequado para essa idade deve ser generalista, isto é, sabe de tudo um pouco. Deve, porém, ter uma grande sensibilidade social para acompanhar seus alunos, pressentir o que se passa com cada um, e ser um verdadeiro artista para detectar as necessidades de desenvolvimento daqueles seres desabrochando e configurar sua aula dinamicamente.

É interessante notar que existia uma antiga tradição que fazia com que a escola começasse por volta dos sete anos. Havia uma consciência de que para aprender a ler e a fazer contas era necessária uma certa maturidade que vinha com a idade. Quando entrei no antigo Ginásio (5a. a 8a. séries atuais) em 1951, era necessário ter uma idade mínima (11 anos completos até 30 de junho do ano em curso), mostrando ainda essa intuição quanto à maturidade com a idade.

No terceiro setênio, de 14 a 21 anos, com seu início na puberdade (lamentavelmente esta está sendo acelerada, e já por natureza é adiantada em países tropicais e equatoriais, principalmente nas meninas), o jovem desenvolve essencialmente o seu pensamento. É agora o momento de começar a conceituar tudo, de forma que se possa compreender as coisas com o intelecto. Antes, dominava-se o movimento de uma bola instintivamente. Chegou a hora de entender por que a bola descreve uma curva no ar quando é lançada. Os fenômenos físicos, geográficos, biológicos, químicos e históricos devem ser não só descritos ou observados, mas também compreendidos. Na Matemática, é esta a ocasião de começar a provar teoremas (a necessidade de provar um teorema é incompreensível para um jovem antes dos 15 anos: ele vê que a tese é evidente e não pode compreender aquela necessidade). O professor ideal para essa idade é o especialista, aquele que tem formação universitária especializada (um matemático ensina Matemática; um geógrafo Geografia, etc.).

Voltando ao computador, agora estamos prontos para responder à pergunta do "quando?". Lembremo-nos de que o computador é uma máquina abstrata, que impõe pensamentos e linguagens formais, lógico-simbólicas. Segundo o modelo de desenvolvimento de Rudolf Steiner, uma máquina assim não é adequada antes da puberdade, ou antes do ensino médio, a época do desenvolvimento da capacidade de pensar de forma abstrata e formal. Antes desse período, ela iria acelerar o desenvolvimento da criança ou do jovem de maneira inadequada, com sérios prejuízos mais tarde. Steiner disse que o fato de Goethe ainda cometer erros de ortografia aos 17 anos tinha permitido que preservasse uma maleabilidade mental, pois não se tinha prendido cedo demais a regras rígidas [2000, p. 129]. Neil Postman chamou a atenção para o fato de os meios de comunicação estarem acelerando inadequadamente o desenvolvimento de crianças e jovens, fazendo com que eles tenham experiências e ideias de adultos e se comportem como tais [1999, p. 112]. O computador faz exatamente isso, mas direcionado primordialmente ao pensamento.

Recorde-se também de eu ter chamado a atenção para o fato de o computador induzir indisciplina - e a da pior espécie, a mental. As crianças não têm autocontrole suficiente para dominar-se, direcionando e restringindo o uso do computador. Além disso, a indução de indisciplina é exatamente o oposto de algo que a educação quer obter. Isso nos leva ao próximo ponto.

Uma breve consideração sobre a Internet. Uma criança que usa a Internet para procurar informações não tem nenhuma restrição, a menos que os pais instalem os chamados "filtros" para impedir ou permitir o acesso somente a alguns sites - mas se os pais não tentam ou não conseguem geralmente limitar nem o uso da TV, como se pode esperar que o façam ou consigam com o computador? Essas informações não têm nenhum contexto para a criança e representam o que se pode chamar de educação "libertária". Mas isso é justamente o contrário do que deveria ser uma educação: uma orientação constante daquilo que a criança ou o jovem deve aprender, já que ainda não é adulto para decidir o que é melhor para ele! Obviamente, sempre se deve deixar algum espaço para o exercício da liberdade dentro da atividade programada, pois senão mata-se a criatividade. As crianças esperam intuitivamente ser orientadas no seu caminho de desenvolvimento, e a falta de orientação pode provocar sérios distúrbios de comportamento. Tradicionalmente, os pais escolhiam, por exemplo, os livros que seus filhos deveriam ler; os professores, o que deviam ensinar e de que forma, de acordo com o desenvolvimento e conhecimento dos seus alunos. Isso não acontece com a Internet. Uma ferramenta de adulto, completamente descontextualizada, está sendo dada a crianças e jovens, novamente provocando um processo de amadurecimento precoce, permitindo-lhes entrar em contato com informações que não são apropriadas para sua maturidade e ambiente.

Toda aceleração da maturidade de crianças e jovens é altamente prejudicial a eles: em educação não se pode pular etapas. Não se pode ensinar álgebra antes de aritmética, fisiologia antes de anatomia. Outro perigo é desenvolver a capacidade de pensar formalmente sem que os sentimentos e a base física sejam adequados para isso. No livro citado de Jane Healy, ela diz "Eu afirmaria que muito do fracasso da escola resulta de expectativas de aprendizado [academic expectations] para as quais os cérebros das crianças não estavam preparados - mas que, mesmo assim, foram coagidos [bulldozed] a elas." [1990, p. 69].

É muito importante notar, do ponto de vista educacional, que o computador obriga a pensar pensamentos formais muito particulares: os que se podem introduzir na máquina em forma de comandos. Como já foi dito, não é possível utilizar nenhum software sem dar-lhe comandos (o itálico da palavra "nenhum" foi justamente produzido em meu original com um comando Ctrl+I; acionar o ícone correspondente daria no mesmo). Assim, nesse ato o pensamento

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do usuário é reduzido àquele que pode ser interpretado pela máquina. A educação deveria ter como um de seus mais elevados objetivos desenvolver vagarosamente os pensamentos, de maneira que eles se tornem livres e criativos na idade adulta. Isso não acontece se são enquadrados muito cedo em formas rígidas e mortas, como as que exigem todas as máquinas, e muito mais os computadores, que trabalham unicamente ao nível mental estritamente formal.

Em razão dos tipos de pensamento e de linguagem formais impostos pelo computador, à enorme autodisciplina que ele exige, e ainda baseado em experiências com alunos do ensino médio, cheguei à conclusão de que a idade ideal para um jovem começar a usar um computador é 16 anos, preferivelmente 17 anos (para mais detalhes vejam-se [Setzer, 1988] e o artigo sobre computadores na educação em [Setzer, 2001] e vários artigos e entrevistas em meu site). A propósito, já em 1976 eu escrevi contra o uso de computadores na educação [1976].

5. Conclusões

Acredito que não exista lugar para a televisão transmitida e para o jogo eletrônico na educação. O fracasso do ensino audiovisual mostrou isso muito bem no caso da TV. No Brasil, gastam-se milhões de dólares em produção de TV educativa. Jamais encontrei uma estatística que comprove quanto se aprendeu com esses programas. Como foi visto, a TV não é um meio educativo (e nem informativo), mas de condicionamento. Mas admito o uso do gravador de vídeo, no ensino médio, para transmitir ilustrações curtas acompanhadas por discussões.

No caso dos computadores, deve-se considerar que são máquinas úteis para determinadas tarefas. Por exemplo, o original deste artigo foi escrito à mão e depois digitado no computador para revisão, formatação e envio via Internet a San Salvador, para publicação no volume do Festival Idriart, em fevereiro de 1998; a tradução em português, feita em Maceió, também foi recebida via Internet, e foi no computador que fiz a revisão e a presente ampliação. A Internet trouxe novidades, como as listas eletrônicas de discussões, em que uma pessoa envia uma mensagem eletrônica a centenas de indivíduos, estabelecendo um fórum de discussões que pode ser muito vivo devido à rapidez. (No entanto, vi várias dessas listas de discussões fracassar por falta de disciplina dos participantes, que acabavam por exagerar no número de postagens, saíam do assunto, enviavam comentários de uma única linha ou então grandes demais, etc.) Graças à Internet, hoje é possível ter-se acesso a informações que dificilmente estavam disponíveis anteriormente. Assim, sou de opinião de que é necessário introduzir o computador no ensino médio, mas para ensinar a usá-lo e a compreendê-lo. Entretanto, como isso exige uma certa maturidade, proponho que se comece com o estudo do hardware com laboratório de circuitos digitais (começando com relês), que têm uma realidade física, para que se compreenda o funcionamento físico da máquina e depois, nos últimos dois anos, introduzir o software e a Internet, sempre acompanhados por uma visão crítica como, aliás, recomendado no excelente relatório da Alliance for Childhood [Cordes 2000, p. 70]. (Vejam-se os artigos sobre ferramentas educacionais em meu site, inclusive com possibilidade de carregar software desenvolvido para isso.) Por exemplo, mostrar que na Internet o crescimento do lixo informativo é exponencial, e a cada dia fica mais difícil encontrar algo realmente útil sem que se saiba previamente seu endereço; que no correio eletrônico não se deve cair no extremo de enviar cartas telegráficas, sem saudar as pessoas, tratando-as como se fossem máquinas e não seres humanos, etc.

É interessante comparar os três veículos da seguinte forma: o jogo eletrônico dá uma ilusão de ação (exercício da vontade), mas é uma ação de máquina. A TV dá uma ilusão de sentimento, mas é um sentimento irreal, sempre estimulado desde fora em ambiente virtual, e não por imaginações próprias como acontece na leitura, ou pela realidade de uma pessoa, feliz ou sofrendo, à frente de quem sente. O computador dá a ilusão de atividade do pensamento, mas trata-se de um pensamento que pode ser introduzido numa máquina por meio de comandos, e é uma caricatura daquilo que o pensamento humano teria de ser. Assim, os três meios atacam essas três atividades que Steiner chamou de "anímicas", reduzindo-as a um patamar que não é mais humano.

Esse patamar é muito claro: no caso da TV, é a redução do ser humano a uma condição de animal semiconsciente. No caso do computador, é a redução a uma máquina de pensar o que pode ser introduzido como pensamento dentro daquela máquina. No caso do jogo eletrônico, reduz-se o ser humano tanto a um animal que reage sem pensar e sem moral quanto a um autômato que reage de maneira mecânica, sempre da mesma forma.

O quadro abaixo resume esses e outros pontos comparativos.

Pensar Sentir Querer (ações)

TV Abafa Ativa, mas do exterior, irreal Elimina

Jogo Eletrônico

Elimina Ativa, mas de desafio e competição

Automatiza, mecaniza

Computador

Incentiva, mas pensamento lógico-simbólico, maquinal

Ativa, mas de desafio Mecaniza movimentos, concentração em

pensamento maquinal

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A escola está obsoleta. Não por causa de falta de tecnologia, como pretendem muitos, mas por não haver acompanhado a evolução interior, da maneira de agir, sentir e pensar do ser humano no século XX (ver artigo a respeito em meu site). Não existe mais espaço para pressões de notas e reprovações, nem tratar os alunos de maneira impessoal, como se fossem máquinas de armazenar dados. A escola do futuro não deveria ser uma escola mais tecnológica, porém mais humana, que ensine na época certa (ensino médio) os jovens a compreender as máquinas e a dominá-las, ensinando a utilizá-las somente para o que é construtivo e o que eleva o ser humano e não o degrada, colocando-as assim em seu devido lugar. Só com educação poderemos dar um basta à dominação das máquinas sobre o ser humano, que se tornou seu escravo ao invés de seu senhor.

Referências

Betting, J. Anúncio Brasil. O Estado de São Paulo, caderno Economia, 11/4/2001, p. 2.

Cordes, C e E. Miller (Eds.). Fool’s Gold: A Critical Look at Computers in Childhood. Alliance for Childhood, 2000. Disponível em www.allianceforchildhood.org (as pgs. citadas neste volume são da versão em Adobe Acrobat).

Emery, F. e M. Emery. A Choice of Futures: To Enlighten or to Inform? Leiden: H.E.Stenfert Kroese, 1976.

Healy, J.M. Endangered Minds: Why Children Don’t Think. New York: Simon&Schuster, 1990.

Krugman, H.E. Brain wave measures of media involvement. Journal of Advertising Research, Vol. 11, No. 1, Feb. 1971, pgs. 3-9.

Lanz, R. A Pedagogia Waldorf: Caminho para um Ensino mais Humano, 6a ed. São Paulo: Ed. Antroposófica, 1998.

Mander, J. Four Arguments for the Elimination of Television. New York: Wm. Morrow, 1978.

Patzlaff, R. Der Gefrorene Blick: Die Physiologische Wirkung des Fernsehens und die Entwicklung des Kindes [O olhar congelado: a atuação fisiológica da TV e o desenvolvimento da criança]. Stuttgart: Freies Geistesleben, 2000.

Postman, N. Amusing Ourselves to Death: Public Discourse in the Age of Show Business. New York: Penguin Books, 1986.

Postman, N. O Desaparecimento da Infância (Trad. S.M.A.Carvalho e J.L.Melo). Rio de janeiro: Graphia, 1999.

Setzer, V.W. O computador como instrumento do cientificismo. Anais do Simpósio Anual da Academia de Ciências do Estado de S.Paulo. São Paulo: ACIESP, 1976, pgs. 69-88.

Setzer, S.A.L. Os Doze Sentidos. São Paulo: Sociedade Brasileira de Médicos Antroposóficos, 2000.

Setzer, V.W. O computador no ensino: nova vida ou destruição? In E.O.C. Chaves e V.W. Setzer, O Uso de Computadores em Escolas: Fundamentos e Críticas. São Paulo: Scipione, 1988, pgs. 70-123.

Setzer, V.W. Os Meios Eletrônicos e a Educação: uma visão alternativa. Coleção "Ensaios Transversais" No. 10. São Paulo: Ed. Escrituras, 2001.

Steiner, R. A Prática Pedagógica , GA 306, 8 palestras proferidas em Dornach, 15 a 22/4/1923 (trad. C. Glass). São Paulo: Ed. Antroposófica, 2000b.

Walker, J. Changes in EEG rythms during television viewing: preliminary comparisons with reading and other tasks. Perceptual and Motor Skills, 51, 1980, pgs. 255-261.

Winn, M. The Plug-in Drug: Television, Children and the Family. New York: Viking Penguin. 1985. Die Droge im Wohnzimmer (trad. B. Stein). Reinbeck: Rohwolt, 1979 (as páginas anotadas nos textos são dessa edição

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Textos com abordagens doutrinárias e filosóficas

Livro Leis Morais da Vida - Joanna de Ângeliz, por Divaldo Franco

Deveres dos pais

(...) Por impositivo da sabedoria divina, no homem a infância demora maior período do que em outro animal qualquer.

Isto, porque, enquanto o Espírito assume, a pouco e pouco, o controle da organização fisiológica de que se serve para o processo evolutivo, mais fácil se fazem as possibilidades para a fixação da aprendizagem e a aquisição dos hábitos que o nortearão por toda a existência planetária.

Como decorrência, grande tarefa se reserva aos pais no que tange aos valores da educação, deveres que não podem ser postergados sob pena de lamentáveis consequências.

(...)Os deveres dos pais em relação aos filhos estão inscritos na consciência.

Evidentemente as técnicas psicológicas e a metodologia da educação tornam-se fatores nobres para o êxito desse cometimento. Entretanto, o amor — que tem escasseado nos processos modernos da educação com lamentáveis resultados — possui os elementos essenciais para o feliz desiderato.

No compromisso do amor, estão evidentes o companheirismo, o diálogo franco, a solidariedade, a indulgência e a energia moral de que necessitam os filhos, no longo processo da aquisição dos valores éticos, espirituais, intelectuais e sociais.

(...)Nesse sentido, é de essencial relevância a lição dos exemplos, a par da assistência constante de que necessitam os caracteres em formação, argila plástica que deve ser bem modelada.

No capítulo da liberdade, esse falar basilar, nunca deixar esquecido o dever da responsabilidade. Liberdade de ação e responsabilidade dos atos, ajudando no discernimento desde cedo entre o que se deve, convém e se pode realizar.

(...)Ensina-lhe a humildade ante a grandeza da vida e o respeito a todos, como valorização preciosa das concessões divinas.

O que lhe não concedas por negligência, ele te cobrará depois.

Se não dispões de maiores ou mais valiosos recursos para dar-lhe, ele saberá reconhecer, e, por isso, mais te amará.

(...) Os pais educam para a sociedade, quanto para si mesmos.

(...) Não te poupes esforços na educação dos filhos.

Deveres dos filhos

Existem genitores que apenas procriam, fugindo à responsabilidade.

Não compete, porém, aos filhos julgá-los com severidade, desde que não são dotados da necessária lucidez e correção para esse fim.

(...) A irresponsabilidade dos progenitores de forma alguma justifica a falência dos deveres morais por parte da prole.

(...) Desincumbir-se das tarefas relevantes que o amor e o reconhecimento impõem - eis o impositivo que ninguém pode julgar lícito postergar

Nascem sabendo

(...) Acresce-se a isto o fato de a geração presente ser sempre mais adiantada que a anterior, como nos ensina a doutrina espírita. Então, é natural que os meninos e meninas deste início de século apresentem tanta familiaridade com os equipamentos que ainda causam embaraço à geração mais velha.

O importante, porém, é não glamourizar demais este fato. Ao contrário, vendo-o como algo absolutamente normal, os pais e educadores não deveriam se sentir diminuídos diante dessas dificuldades, pois seu campo de ação junto à nova geração é muito maior: o da ordem dos valores transcendentes.

E é exatamente sobre este ponto que vários espíritos protetores estão tecendo seus comentários, preocupados que estão em nos alertar sobre a hora presente, em que a tecnologia parece estar anestesiando nossas almas, impedindo-nos de perceber o verdadeiro sentido da vida. De diferentes maneiras, todos convergem seu pensamento para o mesmo ponto: a necessidade de trazermos o Cristo para o centro de nossas vidas, vivenciando os seus

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ensinamentos de amor, solidariedade e compaixão, pautando nossos comportamentos e atitudes pelo diapasão da sua divina melodia.

(...) Bezerra de Menezes afirma que “haverá de ser também o século do amor”. E numa mensagem emocionada, através da psicofonia de Divaldo Franco, acrescenta que “Deveremos atrair o sentimento de amor para que ele produza a sabedoria em nosso ser”. Convidando-nos a sermos pacíficos e pacificadores, propõe que transformemos nossos lares no “reino dos céus, construindo-o no aconchego da alma que está ao lado da vossa alma, dos filhinhos que vos foram confiados, cuja conduta será consequência da educação que lhes administrardes, em forma de paz”.

Quando você pensava que eu não estava olhando

"Quando você pensava que eu não estava olhando, eu vi você pegar o primeiro desenho que fiz e prendê-lo na geladeira, e, imediatamente, eu tive vontade de fazer outro para você.

Quando você pensava que eu não estava olhando,eu vi você dando comida a um gato de rua, e eu aprendi que é legal tratar bem os animais.

Quando você pensava que eu não estava olhando,eu vi você fazer meu bolo favorito para mim e eu aprendi que as coisas pequenas podem ser as mais especiais na nossa vida.

Quando você pensava que eu não estava olhando,ouvi você fazendo uma

oração, e eu aprendi que existe um Deus com quem eu posso sempre falar e em Quem

eu posso sempre confiar.

Quando você pensava que eu não estava olhando,eu vi você fazendo comida e levando para uma amiga que estava doente, e eu aprendi que todos nós temos que ajudar e tomar conta uns dos outros.

Quando você pensava que eu não estava olhando, eu vi você dando seu tempo e seu dinheiro para ajudar as pessoas mais necessitadas e eu aprendi que aqueles que têm alguma coisa devem ajudar quem nada tem.

Quando você pensava que eu não estava olhando,eu senti você me dando um beijo de boa noite e me senti amado e seguro.

Quando você pensava que eu não estava olhando, eu vi você tomando conta da nossa casa e de todos nós, e eu aprendi que nós temos que cuidar com carinho daquilo que temos e das pessoas que gostamos.

Quando você pensava que eu não estava olhando, eu vi como você cumpria com todas as suas responsabilidades, mesmo quando não estava se sentindo bem, e eu aprendi que tinha que ser responsável quando eu crescesse.

Quando você pensava que eu não estava olhando eu vi lágrimas nos seus olhos, e eu aprendi que, às vezes, acontecem coisas que nos machucam, mas que não tem nenhum problema a gente chorar.

Quando você pensava que eu não estava olhando,eu vi que você estava preocupada e eu quis fazer o melhor de mim para ser o que quisesse.

Quando você pensava que eu não estava olhando foi quando eu aprendi a maior parte das lições de vida que eu precisava para ser uma pessoa boa e produtiva quando eu crescesse.

Quando você pensava que eu não estava olhando,eu olhava para você e queria te dizer: Obrigado por todas as coisas que eu vi e aprendi quando você pensava que eu não estava olhando!"

Autor desconhecido

Teus filhos não são teus filhos

Teus filhos não são teus filhos. São filhas e filhos da Vida por si mesma.

Eles vêm através de ti mas não de ti, E embora estejam contigo, não te pertencem.

Poderás dar-lhes teu amor, mas não teus pensamentos,

Pois eles têm seus próprios pensamentos. Poderás acolher seus corpos mas não suas almas,

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Pois suas almas habitam a mansão do amanhã Que não podes visitar nem mesmo em sonhos.

Poderás tentar ser como eles, Mas não tentes torná-los semelhantes a ti.

Pois a vida não para, nem se atrasa com o dia passado.

Tu és o arco pelo qual teus filhos, como flechas vivas, São projetados.

O Arqueiro vê o alvo no caminho do infinito, e Ele te dá sua Força para que

Suas Flechas voem céreles para longe. Que tua firmeza pela mão do Arqueiro seja para a alegria.

Pois assim como Ele ama a flecha que voa, Ama o arco que permanece firme.

Khalil Gibran 1883-1926

Reflexão sobre o Espírito na infância da vida terrena

Elda Evelina

Uma criança é preparada para nascer.

Pensamos em um ser que nos trará alegria.

Quem é? De onde vem?

Indagações mil nos surgem, pois ainda é difícil conceber que um ser tão pequenino possa trazer tantas mudanças em nossas vidas!

Para a mãe, o desenvolver dentro do seu corpo parece mágico. É a vida que se expressa dentro da vida. Conexões ocorrem, troca de emoções nem sempre percebidas ou identificadas por aquela que carrega dentro de si um outro ser.

No entanto, a vida que toma forma percebe e sente todas as emoções daquela que a envolve, sejam sentimentos bons ou não, alegria ou tristeza, acolhimento ou desprezo.

Se sentimentos bons, logo se fará uma relação de afeto e aceitação. Se emoções negativas, logo surge um processo de rejeição, seja do ser que envolve, seja do ser envolvido.

É um fato de que devemos ter sempre consciência.

Para alguns, esse ser está surgindo para o mundo nesse momento. Uma alma nova que nunca teve experiências em corpo.

Para outros, uma alma de experiência única que nada trouxe e nada levará do que aqui experienciou.

Para aqueles que acreditam na multiplicidade das experiências da alma, seja em plano físico, seja em plano sutil, aquele ser que ora se desenvolve é um espírito que transitou por culturas e povos em diferentes momentos e circunstâncias. Traz em si um grande cabedal de conhecimentos, sejam empíricos ou científicos; desenvolveu emoções positivas ou não. Suas experiências podem ter sido traumáticas, o que poderá resultar em atitudes agressivas, trazendo dificuldades para seu novo momento de vida, que nem sempre deverá ser com companheiros de jornada com quem se identifica de forma agradável.

Há um leque de opções para esse conviver, mais amplo do que possamos imaginar.

Para esses que acreditam em uma jornada em vários planos e momentos, essa experiência remete a várias reflexões:

- Já conheço esse ser? Qual a relação que ele tem comigo ou eu com ele?

- Quais compromissos assumimos na programação desse encontro?

- Será uma convivência por expiação, por prova ou por reparação? Ou um reencontro para que juntos possamos realizar algo de importante?

- Terei condições de vencer os desafios que se apresentarão à minha frente?

Essas reflexões são válidas, pois demonstram uma preocupação em buscar acertos.

No entanto, há preocupações mais importantes como o compreender qual a melhor forma de conduzir essa experiência!

Qual o papel daquele que recebe esse ser? Qual a melhor forma de lidar com a convivência?

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Diz-nos a Doutrina Espírita que, dependendo do grau de conhecimento e de preparo moral, podemos ter parte na programação da nossa próxima existência física. Isso requer estar identificado com as necessidades que temos de acertos com os companheiros da nova jornada em corpo físico, o que precisamos e pretendemos aprender com eles, estarmos preparados para eventuais embates decorrentes de divergências de quaisquer espécies.

No caso de não se ter o preparado moral e emocional adequado, somos levados a ter, à nossa revelia, experiências que o Plano Espiritual identifica como a melhor oportunidade que poderá nos proporcionar o aprendizado requerido, os acertos mais necessários e possíveis.

O que é mais importante nessa busca pelo entendimento do que ocorre é ter a certeza de tudo estar de conformidade com a programação maior para o nosso caminhar – a evolução espiritual.

Voltando à questão da criança que está em processo de desenvolvimento físico, vale reforçar que a preparação para essa experiência se dá desde antes da fecundação.

Com relação à capacidade desta criança, dizem-nos os espíritos respondendo à questão 379 em o Livro dos Espíritos:

A infância

379. É tão desenvolvido, quanto o de um adulto, o Espírito que anima o corpo de uma criança?

“Pode até ser mais, se mais progrediu. Apenas a imperfeição dos órgãos infantis o impede de se manifestar.” (...)

Importante também registrar o que nos diz o Evangelho Segundo o Espiritismo sobre o como se manifesta o espírito que se apresenta fisicamente na infância – Capítulo VIII, item 4:

“Pois que o Espírito da criança já vive, por que não se mostra, desde o nascimento, tal qual é? Tudo é sábio nas obras de Deus. A criança necessita de cuidados especiais, que somente a ternura materna lhe pode dispensar, ternura que se acresce da fraqueza e da ingenuidade da criança. Para uma mãe, seu filho é sempre um anjo e assim era preciso que fosse, para lhe cativar a solicitude. Ela não houvera podido ter-lhe o mesmo devotamento, se, em vez da graça ingênua, deparasse nele, sob os traços infantis, um caráter viril e as ideias de um adulto e, ainda menos, se lhe viesse a conhecer o passado.”

Há maneiras diferentes de se olhar para esse fato de a criança ser frágil tão-somente por ainda estar em um corpo que requer cuidados. O espírito que a conduz pode ter mais experiências do que os adultos com quem conviverá na jornada terrena.

No entanto, a possibilidade de esta criança ter mais experiências do que o adulto que o acolhe não implica, necessariamente, em ela ser mais evoluída moral e espiritualmente. Poderá tão-somente ser mais capacitada intelectualmente, mas estar comprometida por desvios de comportamento em outras vidas e vir a experienciar essa nova jornada a fim de aprender sobre as leis morais e relacionamento familiar e social mais equilibrado. Enfim, aprender mais sobre as Leis de Deus.

Em casos assim, grande é a responsabilidade daqueles que se propõem a acolher esse ser. Os adultos que com ele irão viver poderão, em contrapartida às parcas aquisições intelectuais na presente jornada, serem espíritos evoluídos moral e espiritualmente e se prontificam a participar do processo educacional dessa criança para proporcionar a ela a descoberta de novos níveis de conhecimento e, principalmente, o evangelho do amor.

Há uma reflexão em o Evangelho dos Humildes, quando o autor aborda a passagem em que Jesus disse: “Deixai venham a mim as criancinhas.” Rigonatti nos esclarece: “Estas palavras de Jesus também são uma ordem, para que as crianças sejam instruídas em seu Evangelho, desde pequeninas. Embaraçar as crianças e mesmo repeli-las para que não se acerquem de Jesus, simboliza a indiferença dos pais em não cuidarem da educação evangélica de seus filhinhos. Proceder assim é um erro de lamentáveis consequências espirituais; porque os pais se esquecem de indicar aos filhos o caminho que facilmente os conduziria a Deus.”

O aprendizado do espírito em a infância terrena tem dois aspectos a mencionar: a educação e a instrução.

A educação compete desde o início ao instituto da família. Ali se instala a pedra fundamental na formação do ser. Depois, dar-se-á a continuidade na escola, onde acrescentar-se-á a contribuição intelectual e as experiências sociais aprendendo a se relacionar com outras pessoas fora de seu círculo familiar, onde buscará aprender e exercitar a fraternidade, o desapego, a colaboração, o desprendimento, a compreensão, a compaixão, por exemplo.

O processo educativo tem como objetivo o intercâmbio de aprendizagem. Tem-se que levar em conta o conteúdo a ser oferecido, os métodos e a finalidade a que se propõe, quando se restringe à instrução.

A educação não deve estar restrita a formar hábitos e desenvolver a capacidade intelectiva, mas principalmente manter-se de forma dinâmica na troca de experiências, tendo em vista as necessidades do conviver em sociedade e a autorrealização daquele a que propõe educar.

Os métodos a serem utilizados no processo educativo deverão ser adequados às condições mentais e emocionais do aprendiz. Não deverá ser um simples impor do material didático, como também não ter como dinâmica um processo repetitivo. O educador deverá motivar o aprendiz às próprias descobertas, permitindo que ele desenvolva seus métodos de apreensão do conteúdo oferecido.

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Ao começar a redescobrir o mundo e se reidentificando com o que a cerca, costuma repetir atitudes que lhe são familiares, ou que lhe tenham proporcionado prazer ou tenham provocado a sua queda em vidas anteriores.

As tendências que demonstram, aptidões e percepções são expressões de sua memória que se apresentam de forma inconsciente.

O Espiritismo traz grande contribuição para os pais que acolhem e compreendem os princípios doutrinários.

Aquele que estuda e tenta compreender os fundamentos das vidas sucessivas terá mais facilidade para perceber as nuances, por mais sutis que sejam, do comportamento daquele espírito que se encontra na infância do processo reencarnatório.

Compreendendo que ali se encontra um ser em processo de aprendizado e que traz experiências que lhe possam proporcionar até mesmo sofrimento interior, sem que ainda venha a ter delas consciência, poderá encontrar uma forma de melhor abordar questões que porventura venham a ocorrer e, portanto, proporcionar oportunidades mais efetivas de ajustes e acertos que promoverão a evolução daquele ser em menor espaço de tempo.

Importante voltar a registrar que grande é a responsabilidade daqueles que acolhem uma criança em seu lar ou ao seu convívio social.

Diz-nos Joanna de Ângelis: “O lar constrói o homem. A escola constrói o cidadão”. Diz ainda: “A educação encontra no Espiritismo respostas precisas para melhor compreensão do educando e maior eficiência do educador no labor produtivo de ensinar a viver, oferecendo os instrumentos do conhecimento e da serenidade, da cultura e da experiência aos reiniciantes do sublime caminho redentor, pelos quais os tornam homens voltados para Deus, o bem e o próximo.” (Estudos espíritas, Joanna d Ângelis, por Divaldo franco)

Sugestões de leitura

- O Livro dos Espíritos – questões 183, 379/85 e 941 - Evangelho Segundo o Espiritismo – Cap. VIII, 3 e 4 Cap. XIV, 9 - Nossos filhos são espíritos – Hermínio de Miranda, Lachatre - Estudos espíritas – capítulos Educação e Família, Joanna de Ângelis, por Divaldo Franco, FEB - Criança, uma abordagem espírita - Waldehir B. de Almeida, o Clarim - Educar os filhos, compromisso inadiável – Lúcia Moysés, Editora Eme

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Artigos selecionados na Biblioteca Virtual da Antroposofia - http://www.antroposofy.com.br

As crianças e as telinhas

Dr. Daniel Becker

Fonte: www.eugosto.de

Atenção, mães e pais que desejam criar filhos mais inteligentes. Pesquisas diferentes apontam na mesma direção, aquela que os sábios de todos os séculos que nos antecederam já sabiam. Não é o Baby Einstein que vai fazer seu filho mais inteligente, não é ouvir Discovery em inglês, não é CD com Mozart (nada contra!), nem brincar com joguinhos inteligentes no tablet ou no iphone ou no computador, nem ligar a TV nos programas “educativos”. O que vai fazer seu filho mais inteligente, melhor, mais humano, mais bacana é interagir com gente e livros.

A melhor estimulação para eles são as trocas afetivas diretas, a interação com o outro, os cuidados do dia a dia – banho, refeição, conversa, passeios, o brincar. E, mais tarde, os brinquedos simples e os livros, que permitem que a criança crie seu próprio universo lúdico e imaginário. Naqueles momentos preciosos em que seu filho está interagindo com você, com livros, com bonequinhos, uma casinha, uma caixa de papelão e contando uma história pra si mesmo em voz alta, pode ter certeza de que ali ele está se tornando uma pessoa melhor.

E ainda aparecem reportagens mostrando que creches mais caras do Rio, as que cobram 2.500 reais, colocam iPads no berçário. É curioso, pois a exposição precoce às telinhas e a estimulação excessiva pela tecnologia é exatamente uma atividade nociva para o bebê, que queremos evitar.

Temos muitos motivos para deixar nossos filhos em frente à TV ou ao computador/tablet. É nosso próprio hábito e acabamos sendo permissivos para com nossos filhos. Todos sabemos como é difícil evitar: como a vida moderna nos pressiona a deixá-los o tempo demasiado à frente da telinha. Quem tem filhos em idade escolar sabe como a pressão dos pares e da sociedade em geral faz com que esses aparelhos dominem o mundo do entretenimento, da educação, do lazer, das relações interpessoais. Mas,precisamos permitir o excesso, ou pior, expor os bebês?

É preciso, no mínimo, saber que é nocivo e desnecessário. O tempo máximo de TV/tablets recomendado pelos experts da Academia Americana de Pediatria para crianças até dois anos é zero! No entanto, mais de 50% dos apps da Itunes Store são direcionados para crianças pequenas. Criar o hábito muito precocemente – por exemplo, oferecer um tablet a cada vez que seu filho demonstra um pouco de tédio – pode conduzir a um comportamento quase compulsivo e a uma incapacidade de lidar com a vida real, que às vezes é simplesmente tediosa. É nos momentos de tédio que as crianças tem a oportunidade de ser criativas, de usar a imaginação, de aprender a fazer companhia a si próprias e a lidar com o estar só.

O excesso pode ter consequências mais sérias. O tempo de telinha está diretamente ligado à obesidade (a relação é simples: quanto mais tempo, mais quilos) e às dificuldades de atenção; a TV deixa as crianças no chamado “estado passivo alfa”- onde aprendem pouco, não questionam, não refletem, apenas absorvem as mensagens publicitárias. E, em média, uma criança brasileira é submetida a 15 a 20 anúncios de junk food (comida-veneno) por dia de televisão, além de mensagens que estimulam o consumismo desenfreado, a erotização precoce, a futilidade.

O pior brinquedo para uma criança é aquele em que ela aperta um botão e a coisa responde com uma ação qualquer. Como não há nenhum espaço para a criatividade e a fantasia, ela se cansa em minutos. E aí ela pede outro – o que é ótimo para o mercado. Os tablets e computadores, por mais “educativos” que sejam, oferecem cenários prontos, interações fechadas, limitadas. Alguns jogos são geniais, admiráveis e sem dúvida pedagógicos, mas certamente muito limitados diante do mundo infinitamente belo e complexo que é a imaginação e a criatividade de uma criança.

Menos computadores, mais brincadeiras ao ar livre

Quanto mais olhamos para a tela, menos observamos a natureza e quem está presente ao meu redor, absorvo excesso de informações desnecessárias ao meu desenvolvimento e deixo de absorver a vida que emana ao meu redor…

A maior iniciativa já realizada na Inglaterra para reaproximar as crianças da natureza. Assim pode ser definido o ambicioso projeto da “The Wild Network”, uma colaboração que reúne 400 organizações, entre escolas, grupos de escoteiros, empresas, ativistas e ambientalistas. Todos em torno do mesmo objetivo: convidar as crianças a trocar as telas do computador e da TV por brincadeiras ao ar livre.

Lançada no mês passado, a campanha estimula a adoção de atividades tradicionais, mas cada vez menos praticadas pelas novas gerações, como acampamentos.

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- A trágica verdade é que bastou apenas uma geração para que as crianças perdessem o contato com a natureza e o ar livre – disse à “BBC” Andy Simpson, presidente da associação. – O tempo que se gasta ao ar livre está diminuindo cada vez mais, as brincadeiras estão em declínio e a habilidade de identificar as espécies foi perdida.

Pais também contribuem

Para as autoridades inglesas, sobram evidências sobre os efeitos negativos de uma infância sedentária. Um relatório do National Trust (organização dedicada a preservar as riquezas culturais e ambientais do país) indica que o “déficit de natureza” é “dramático” para a saúde e a educação delas. Segundo a associação, o tráfego cada vez mais intenso e a atração por telas digitais são fatores decisivos. Mas o nível de estresse e ansiedade dos próprios pais também contribuem. Há indícios de que este déficit seria pior no Reino Unido do que em outros países europeus, explicando assim os baixíssimos índices das crianças britânicas em pesquisas de satisfação.

“Isso está mudando a maneira como as crianças crescem e veem o mundo”, escreveu o naturalista Stephen Moss, um dos autores do relatório do National Trust.

A distância percorrida pelas crianças em brincadeiras fora de casa diminuiu 90% em 30 anos, e o tempo gasto teve uma queda de 50% em apenas uma geração. Por outro lado, estudos nos últimos anos mostram que o tempo na natureza aumenta a felicidade, saúde e qualidade de vida dos seres humanos.

Nesse caso, as gerações futuras têm tudo para se tornarem adultos ainda mais sedentários – e insatisfeitos – que os de hoje.

Para a “The Wild Network” bastariam 30 minutos diários de brincadeiras para os menores de 12 anos aumentarem seus níveis de aptidão física e melhorarem seu bem-estar. É o que eles chamam de “pausa selvagem”. A campanha foi lançada junto com um documentário, que conta a história de um pai preocupado que as horas de vigília de seus filhos estão sendo “dominadas por uma cacofonia de marketing, e uma dependência por computadores que ameaça transformá-los em zumbis”.

O que nós ganhamos quando a televisão saiu de cena

Cris Leão

Fonte: Pais e Filhos

Desde que entramos em uma escola Waldorf, fomos alertados sobre os muitos efeitos negativos que a televisão causa nas crianças. Hiperatividade, incentivo ao consumo, informações precoces, enfim, eu comecei a dosar a quantidade de televisão em casa. Mas quando entramos na escola Waldorf aqui em Miami, a coisa foi um pouco diferente. Tivemos que assinar um contrato dizendo que nossos filhos não iriam assistir televisão. Com aquele gingado brasileiro, assinamos mas não estávamos pensando em levar aquilo assim tão ao pé da letra. Se é que você me entende.

Acontece que logo que conheci o professor do João, fiquei muito encantada com a seriedade e comprometimento dele. Ele veio em nossa casa nos conhecer antes do início das aulas. Como de cara não viu nenhuma televisão, demonstrou uma tranquilidade ao falar: Ah, vocês não têm televisão? E nós respondemos com o rabo entre as pernas: É… na verdade temos. Mas eles assistem pouco. E o professor falou: Eu peço para que o João assista apenas nos finais de semana. Porque o cérebro da criança precisa do sono para assimilar o aprendizado. Se durante o dia, houve o estímulo da televisão com suas cores, informações, sons, imagens e mensagens muito fortes, o cérebro vai usar a noite para assimilar isto, não o aprendizado da escola.

E isso para mim fez todo o sentido, me lembrei das várias vezes que o João acordou no meio da noite falando sobre o filme que tinha assistido, ou acordou com pesadelos relacionados às histórias dos filmes. Então essa frase do professor foi suficiente para eu não precisar ler as 3 páginas de estudos de Harvard que a escola distribuiu comprovando a relação direta entre excesso de televisão e Déficit de Atenção, dificuldade de aprendizado e descontroles emocionais e na visão, devido a exposição à telinha. Respirei fundo, e como regra você tem que falar uma vez só e seguir em frente, com muito medo de fracassar, disse com toda certeza: A partir de hoje, televisão só no final de semana.

Isso foi em Agosto, minha gente! Estamos há quase 6 meses sem televisão nos dias de semana. E de lá para cá, a vida mudou muito por aqui. Eu fiquei mais cansada, mas até aí tudo bem, afinal cuidar deles é meu trabalho agora. Mas eles ficaram mais calmos e agora têm tempo para brincar. Aqueles brinquedos no armário não são mais meras peças decorativas.

Incentivo que façam o mesmo. Estabeleçam uma rotina. De 2 às 4 brincar livre. (E eles que se virem para achar graça em alguma coisa, se for para ficar com tédio, fica. Que problema tem isso?) De 4 às 4:30, lanche. De 4:30 às 5:30 colorir, pintar, desenhar, fazer um cartão para a vovó, fazer biscoito, enfim trabalhar com as mãos. Depois é banho, jantar e história para dormir. (Sim, sem a tv, o sono chega mais cedo) E pode variar, claro. Segunda e quarta

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de 2 às 4 é dia de passeio. Pode ser com a babá ou avó, não importa. O que importa é a rotina. Criança adora sentir que não está “solta”. Lembra aquele paninho (cueiro) de enrolar bebê, que eles ficam super calminhos? Pois a rotina dá essa sensação para os grandinhos também.

É quando a televisão fica seletiva, você percebe como a maioria do que passa ali é inadequado para as crianças. Excesso de barulho, excesso de efeitos especiais, excesso de gírias, ironia, muitas vezes excesso de bullying e excesso de publicidade. Aliás, até os próprios filminhos incentivam o consumo. Um dia eu vi a Barbie falando: “Amigas, esse vestido está fabuloso, ou está muito “last week” (semana passada). Fala sério. Inclusive, no que sua filha vai sair ganhando em ter a Barbie como influência para o que quer que seja?

Acredite. Sua vida vai mudar muito quando a televisão deixar de ser a protagonista da história da sua casa. As crianças param de pedir o tempo inteiro para você comprar o que viram ali e a imaginação volta para o lugar onde precisa estar: dentro delas.

Não me delete, por favor!!!

Luciana Chardelli

Fonte: www.lounge.obviousmag.org (clique e conheça!!!)

O sociólogo polonês Zygmunt Bauman declara que vivemos em um tempo que escorre pelas mãos, um tempo líquido em que nada é para persistir. Não há nada tão intenso que consiga permanecer e se tornar verdadeiramente necessário. Tudo é transitório. Não há a observação pausada daquilo que experimentamos, é preciso fotografar, filmar, comentar, curtir, mostrar, comprar e comparar.

O desejo habita a ansiedade e se perde no consumismo imediato. A sociedade está marcada pela ansiedade, reina uma inabilidade de experimentar profundamente o que nos chega, o que importa é poder descrever aos demais o que se está fazendo.

Em tempos de Facebook e Twitter não há desagrados, se não gosto de uma declaração ou um pensamento, deleto, desconecto, bloqueio. Perde-se a profundidade das relações; perde-se a conversa que possibilita a harmonia e também o destoar. Nas relações virtuais não existem discussões que terminem em abraços vivos, as discussões são mudas, distantes. As relações começam ou terminam sem contato algum. Analisamos o outro por suas fotos e frases de efeito. Não existe a troca vivida.

Ao mesmo tempo em que experimentamos um isolamento protetor, vivenciamos uma absoluta exposição. Não há o privado, tudo é desvendado: o que se come, o que se compra; o que nos atormenta e o que nos alegra.

O amor é mais falado do que vivido. Vivemos um tempo de secreta angustia. Filosoficamente a angustia é o sentimento do nada. O corpo se inquieta e a alma sufoca. Há uma vertigem permeando as relações, tudo se torna vacilante, tudo pode ser deletado: o amor e os amigos.

Mídia e sexualidade na educação infantil

Acúrsio Esteves

Refletir sobre a infância é uma tarefa difícil, principalmente nos tempos atuais onde as mudanças sociais, principalmente os seus aspectos condenáveis, se processam em proporções geométricas, e a tomada de consciência, a absorção destes conteúdos por parte da família e educadores em proporção matemática. Esta dificuldade se agiganta quando ousamos falar em sexualidade, porém, o enfrentamento deste e outros obstáculos constituem tarefa da família, igreja, escola e o estado.

Os caminhos a serem percorridos pelos citados segmentos sociais, especialmente pela escola, na direção da resolução destes problemas, devem sempre levar em conta uma nova e atual leitura sobre a infância, pois a dinâmica das mudanças assim o exigem.

A sociedade neoliberal “inventou” uma criança de perfil consumista, em total desacordo com os valores preconizados por todas as pedagogias sejam elas progressistas ou tradicionais ou com as teorias do desenvolvimento sexual sejam elas freudianas ou lacanianas. Este perfil traduz um desacordo na concepção moderna de infância, no intuito de atender única e exclusivamente os interesses da Indústria Cultural.

Diversos autores chamam a nossa atenção para o “furto da infância”, a “desinvenção da infância na pós-modernidade”, o “amadurecimento precoce”, a “infância roubada” a “queima de etapas” e tantos outros termos que traduzem a mesma preocupação. A usurpação dos direitos da criança ser criança e a sua projeção prematura no mundo dos adultos.

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As cobranças sociais são enormes e as crianças não podem arcar sozinhas com este ônus, elas não têm condição de, como Atlas, suportar nos ombros o peso do mundo. Acabam como Prometeu, acorrentado sob o jugo implacável de uma águia que diariamente lhe dilacera o ventre e devora as entranhas. Elas precisam do apoio e da orientação daqueles que as rodeiam e em quem confiam, para que se tornem Atena e com sabedoria e coragem trilhem seus próprios caminhos. Faz-se necessário que cada um de nós viva e goste de viver o seu próprio tempo, inclusive e principalmente as crianças, pois segundo Caetano, ”cada um sabe a dor e a delícia de ser o que é”. Isto pode ser aprendido. Logo, pode ser ensinado.

Não se trata aqui de simplesmente execrar ou emitir um juízo de valor em relação às programações e produção musical da mídia radiofônica ou televisiva, mesmo por que estes meios também produzem mesmo que raramente programação de qualidade, mas de questionar a responsabilidade principal da família, da escola e da sociedade como um todo frente a estas situações. Estes aparelhos de controle social são regidos pelas leis de mercado dentro de um sistema capitalista, logo pragmático. Estão cumprindo o seu papel de controle social. Cumpramos também o nosso de educadores pais e mães, de defender as nossas crianças, mediando esta difícil relação predatória.

A constatação da pluralidade de significados possíveis de serem apreendidos/construídos no decorrer da emissão/recepção midiática possibilitaria uma compreensão mais orgânica e menos determinista dessa relação. A escola não deve competir com a TV, mas travar com ela um jogo dialético (MARCONDES FILHO, 1988).

O papel das instituições família e escola deve ser o de educar humanizando, para que as crianças, sejam filhos ou alunos, possam fortalecer-se e adquirir o discernimento necessário para combater de “per si” os abusos ideológicos engendrados contra eles pela indústria cultural. Aí também está compreendida a obrigação de se viabilizar uma vida adulta bem equilibrada, baseada em princípios éticos e morais onde o respeito ao próximo e a aceitação das diferenças sejam valores comuns e presentes nas suas vidas.

Um guia sobre o uso de tecnologias em sala de aula

Um painel para todas as disciplinas mostra quando - e como - as novas ferramentas são imprescindíveis para a turma avançar

Amanda Polato (Amanda Polato)

TICs, tecnologias da informação e comunicação. Cada vez mais, parece impossível imaginar a vida sem essas letrinhas. Entre os professores, a disseminação de computadores, internet, celulares, câmeras digitais, e-mails, mensagens instantâneas, banda larga e uma infinidade de engenhocas da modernidade provoca reações variadas. Qual destes sentimentos mais combina com o seu: expectativa pela chegada de novos recursos? Empolgação com as possibilidades que se abrem? Temor de que eles tomem seu lugar? Desconfiança quanto ao potencial prometido? Ou, quem sabe, uma sensação de impotência por não saber utilizá-los ou por conhecê-los menos do que os próprios alunos? Se você se identificou com mais de uma alternativa, não se preocupe. Por ser relativamente nova, a relação entre a tecnologia e a escola ainda é bastante confusa e conflituosa. NOVA ESCOLA quer ajudar a pôr ordem na bagunça buscando respostas a duas questões cruciais. A primeira delas: quando usar a tecnologia em sala de aula? A segunda: como utilizar esses novos recursos? Dá para responder à pergunta inicial estabelecendo, de cara, um critério: só vale levar a tecnologia para a classe se ela estiver a serviço dos conteúdos. Isso exclui, por exemplo, as apresentações em Power Point que apenas tornam as aulas mais divertidas (ou não!), os jogos de computador que só entretêm as crianças ou aqueles vídeos que simplesmente cobrem buracos de um planejamento malfeito. "Do ponto de vista do aprendizado, essas ferramentas devem colaborar para trabalhar conteúdos que muitas vezes nem poderiam ser ensinados sem elas", afirma Regina Scarpa, coordenadora pedagógica de NOVA ESCOLA. Da soma entre tecnologia e conteúdos, nascem oportunidades de ensino - essa união caracteriza as ilustrações desta reportagem. Mas é preciso avaliar se as oportunidades são significativas. Isso acontece, por exemplo, quando as TICs cooperam para enfrentar desafios atuais, como encontrar informações na internet e se localizar em um mapa virtual. "A tecnologia tem um papel importante no desenvolvimento de habilidades para atuar no mundo de hoje", afirma Marcia Padilha Lotito, coordenadora da área de inovação educativa da Organização dos Estados Ibero-Americanos para a Educação, a Ciência e a Cultura (OEI). Em outros casos, porém, ela é dispensável. Não faz sentido, por exemplo, ver o crescimento de uma semente numa animação se podemos ter a experiência real. As dúvidas sobre o melhor jeito de usar as tecnologias são respondidas nas próximas páginas. Existem recomendações gerais para utilizar os recursos em sala (veja os quadros com dicas ao longo da reportagem). Mas os resultados são melhores quando é considerada a didática específica de cada área. Com o auxílio de 17 especialistas, construímos um painel com todas as disciplinas do Ensino Fundamental. Juntos, teoria, cinco casos reais e oito

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planos de aula (três na revista e cinco no site) ajudam a mostrar quando - e como - computadores, internet, celulares e companhia são fundamentais para aprender mais e melhor.

Nove dicas para usar bem a tecnologia O INÍCIO Se você quer utilizar a tecnologia em sala, comece investigando o potencial das ferramentas digitais. Uma boa estratégia é apoiar-se nas experiências bem-sucedidas de colegas. O CURRÍCULO No planejamento anual, avalie quais conteúdos são mais bem abordados com a tecnologia e quais novas aprendizagens, necessárias ao mundo de hoje, podem ser inseridas. O FUNDAMENTAL Familiarize-se com o básico do computador e da internet. Conhecer processadores de texto, correio eletrônico e mecanismo de busca faz parte do cardápio mínimo. O ESPECÍFICO Antes de iniciar a atividade em sala, certifique-se de que você compreende as funções elementares dos aparelhos e aplicativos que pretende usar na aula. A AMPLIAÇÃO Para avançar no uso pedagógico das TICs, cursos como os oferecidos pelo Proinfo (programa de inclusão digital do MEC) são boas opções. O AUTODIDATISMO A internet também ajuda na aquisição de conhecimentos técnicos. Procure os tutoriais, textos que explicam passo a passo o funcionamento de programas e recursos. A RESPONSABILIDADE Ajude a turma a refletir sobre o conteúdo de blogs e fotologs. Debata qual o nível de exposição adequado, lembrando que cada um é responsável por aquilo que publica. A SEGURANÇA Discutir precauções no uso da internet é essencial, sobretudo na comunicação online. Leve para a classe textos que orientem a turma para uma navegação segura. A PARCERIA Em caso de dúvidas sobre a tecnologia, vale recorrer aos próprios alunos. A parceria não é sinal de fraqueza: dominando o saber em sua área, você seguirá respeitado pela turma. Fontes: Adriano Canabarro Teixeira, especialista de Educação e tecnologia da UFRGS, Maria de Los Dolores Jimenez Peña, professora de Novas Tecnologias Aplicadas à Educação Da Universidade Mackenzie, e Roberta Bento, diretora da Planeta Educação.

O que está acontecendo com o modo de brincar das crianças?

David Elkind

Durante as últimas duas décadas, temos progressivamente corrompido o modo de brincar das crianças, assumindo o controle e alterando a cultura lúdica da infância.

Brincar é o portal da criança para o conhecimento de si mesma e do mundo

Ao reinventar a experiência brincando, ela dá significado e valor à confusão estonteante da vida. O bebê transforma todo objeto que toca em algo a ser sugado. Desse modo, passa a conhecer os limites de sugar e a natureza dos objetos. Pela imitação de papeis adultos no jogo dramático, o pré-escolar descobre novos potenciais e capacidades humanas. A criança em idade escolar transforma objetos lúdicos, como peças do jogo de damas ou de xadrez e bolas de futebol ou beisebol, em ferramentas valiosas de intercambio social. Todas essas reinvenções contribuem para que ela amplie sua compreensão da realidade pessoal e social.

Durante as últimas duas décadas, entretanto, temos progressivamente corrompido o modo de pensar das crianças. Temos feito isso assumindo o controle e alterando a cultura lúdica da infância. Até pouco tempo atrás, havia uma rica linguagem e um saber que eram exclusivos às crianças e que eram transmitidos pela tradição oral. Eles consistiam de jogos, piadas, charadas, superstições e encantamentos que foram sendo revistos pelas sucessivas gerações conforme as transformações nas circunstancias sociais. Hoje, contudo, poucas crianças conhecem canções como Rain, rain go away, come again another day.(1) Elas também não entendem as palavras mágicas Step on a crack and break you back.(2) As crianças contemporâneas conhecem, sobretudo a cultura da Disney, Pokemón e Yogiyo, que nós, adultos, criamos para elas. Essa cultura lúdica virtual é desonesta porque, embora se apresente como brincadeira de criança, não é criada pelas próprias crianças.

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Quando criamos brincadeiras para as crianças, principalmente para as pequenas, apropriamo-nos antecipadamente de seu crescimento. Nós as privamos das oportunidades de aprenderem a seu próprio modo e em seu próprio ritmo. Isso não quer dizer que não tentemos criar ou educar as crianças, mas apenas que o façamos de maneira que tenham sentido, que sejam significativas e motivadoras para elas.

Eis um bom exemplo de uma mãe, com todas as boas intenções, tentando interferir no modo de brincar de seu bebê (Greoline, 1972, p. 13):

“Uma jovem mãe senta-se junto ao berço de seu primeiro filho (para o segundo já há menos tempo) e observa como ele tenta diversas vezes colocar um cubo vermelho sobre um azul. Depois de certo tempo observando isso, ela pergunta: ‘E onde está aquela sua bonequinha adorável?’. A criança abandona os cubos, procura a boneca e começa a lamber o rosto dela, e fica lambendo, lambendo até a mãe trazer o urso para a cena. ‘Grr, grr, aí vem o velho urso’. A criança brinca com ele com as mãos e por fim mexe uma perna para cima e para baixo, até que, é claro, a mãe entedia-se e chama a atenção da criança para a bola. Educadamente, a criança deixa-se distrair pela terceira vez e brinca com a bola. Assim, a mãe passa uma tarde agradável e está totalmente inconsciente de como ela interfere na persistência e na capacidade de concentração de seu filho. Ela impede que ele se acostume a perseverar em uma atividade e a se ocupar inteiramente com alguma coisa durante um longo período de tempo”.

Isso é exatamente o que acontece quando os pais de hoje colocam uma criança em frente a uma tela de computador, ou lhes dão brinquedos que são tão programados que deixam pouco ou nenhum espaço para a criança explorá-lo em seu próprio ritmo e a seu próprio modo.

Efeitos do brincar virtual prematuro

Quando as crianças são introduzidas no mundo virtual ao mesmo tempo em que são expostas ao mundo real, ou até antes disso, brincar perde muitas de suas funções adaptativas. Compare-se um bebê que sacode um chocalho para ouvir um som com outro que aperta um botão para ouvir uma vaca mugir. No mundo real, sacudir um chocalho realmente faz barulho, mas apertar um botão não faz uma vaca mugir. Quando deixados com seus próprios recursos, os bebês descobrem o mundo físico real. Como declara Richard Hartacher (1967, p. 27):

“Para o bebê, os brinquedos são objetos experimentais totalmente apoéticos que servem para explorar os santificados domínios da física. A exploração da física, portanto, começa muito antes da escola secundária. Bola, chocalho, colher, tudo cai no chão. Mas o som é diferente a cada vez. Pela repetição contínua, o ouvido aprende a distinguir as diferentes qualidades do som produzido pelos diversos objetos”.

Aprender a operar no mundo virtual é, em certos aspectos, mais fácil do que aprender a operar o mundo real. Ligar a televisão é um caso pertinente. Contudo, grande parte do mundo da televisão não é a realidade. O brincar virtual é corruptor porque impede a criança de adquirir muitas habilidades pessoais/sociais e o conhecimento físico que só pode ser obtido brincando-se no mundo real.

Quando os adultos assumem o controle sobre as brincadeiras e os jogos das crianças, eles necessariamente subtraem a capacidade delas de reinventar sua experiência. E é somente através dessa reinvenção que as crianças são capazes de extrair todos os benefícios do brincar para o desenvolvimento.

A importância de “brincar de verdade”

A despeito das afirmações acerca dos benefícios do Lapware e de programas como Telletubbies, não existem dados que apóiem os benefícios intelectuais, sociais ou comportamentais desse tipo de atividade virtual. Na verdade, a maioria dos dados sugere que esses programas provavelmente fazem mais mal do que bem. Por exemplo, temos assistido Vila Sésamo há mais de 30 anos. As crianças de hoje conhecem números e letras em idade mais precoce do que nunca; porém, não estão aprendendo a ler ou fazer cálculos mais cedo e melhor do que crianças que nunca assistiram a Vila Sésamo. De fato, considerando-se o número de crianças que estão sendo retidas no jardim de infância porque ainda não têm habilidades, o aprendizado precoce pode estar tendo um efeito negativo.

Um estudo de Hirsch-Pasek (1991) é instrutivo a esse respeito. A pesquisadora comparou crianças que frequentam pré-escolas acadêmicas com outras que frequentam pré-escolas centradas nas crianças e orientadas a brincar. As crianças que frequentavam as pré-escolas acadêmicas eram menos criativas e mais ansiosas do que as que frequentavam as pré-escolas que davam ênfase ao brincar. Elas também gostavam menos da escola do que as crianças com as quais foram comparadas. Os pré-escolares ensinados academicamente sabiam números e letras melhor do que o grupo que brincava, mas essas vantagens eram dissipadas quando as crianças ingressavam no jardim de infância???

Um estudo mais recente, de Coolahan, Fantuzzo e Mendez (2000), oferece mais evidencias sobre a importância de brincar no mundo real para crianças dessa faixa etária. Esses pesquisadores constataram que as crianças que possuem competência para brincar com seus amigos participam mais ativamente das atividades em sala de aula do que as que carecem dessas habilidades. Na realidade, as crianças que são inaptas para brincar são destrutivas ao

Page 24: A criança e a mídia Como lidar com as novas tecnologias · isso, como notou Jerry Mander no livro já citado, existe um casamento perfeito entre TV e propaganda [Mander 1978, p.

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brincar com os amigos e tendem a apresentar problemas de conduta e hiperatividade na sala de aula. (Coolahan er al., 2000). Essas são as crianças que mais provavelmente se ocupam com o brincar virtual antes do real.

Evidências ainda mais convincentes da importância de brincar provêm de outros países ocidentais que fizeram experiências com instrução acadêmica precoce, contraposta ao brincar no mundo real. Um relatório da Comissão Real Britânica incluía o seguinte parágrafo (Commons, 2000, p 122-123):

“A comparação com outros países sugere que não existe benefício em iniciar a instrução formal antes dos seis anos. A maioria dos outros países europeus admite as crianças à escola aos seis ou sete anos, após um período de três anos de educação pré-escolar que se concentra no desenvolvimento social e físico. Entretanto, os padrões de leitura e escrita e a capacidade aritmética costumam ser mais elevados nesses países do que na Grã-Bretanha, a despeito de ingressarem na escola em idade mais precoce”.

Os efeitos de corromper o modo de brincar das crianças ficam mais evidentes quando elas ingressam na escola. Aí que a falta de habilidades pessoais, sociais e oriundas do brincar torna-se mais visível. Falta de respeito pelos professores, intimidações, trapaças e incapacidade de concentração por longos períodos são hoje lugar-comum. Esse novo ambiente social é, ao menos em parte, atribuível à ausência de experiência lúdica no mundo real. Consequentemente, grande parte do tempo do professor é atualmente dedicada à disciplina, em vez de dedicada à instrução. E isso em uma época em que as demandas acadêmicas são maiores do que em qualquer período anterior. Esta é apenas uma amostra das evidencias dos efeitos negativos de impor realidades virtuais criadas por adultos às crianças antes de elas terem se lidado com o mundo real a seu próprio modo.

Com certeza, sempre existiu alguma realidade virtual nas vidas das crianças pequenas. Nos contos de fada infantis, existem animais que falam e que se comportam como humanos, como em Os Três Ursinhos ou Os Três Porquinhos. No entanto, essas histórias encontram correspondência no modo de pensar das crianças pequenas, pois estas projetam qualidades humanas sobre os animais, de modo que os contos de fada tendem a condizer com seu modo de pensar. Como Bettelheim deixou claro, muitos contos de fada possuem um efeito terapêutico. Os personagens da realidade virtual, contudo, são fantásticos e não coincidem realmente com o pensamento infantil. Um bebê com uma tela de televisão na barriga ou um homem-esponja não são personagens que as crianças evocariam sozinhas. E é questionável se esses personagens terapêuticos. A necessidade primordial dos bebês é estabelecer vínculos com adultos significativos, e não com figuras bidimensionais animadas.

Reformando o brincar das crianças

Os efeitos negativos de uma exposição prematura à realidade virtual são mais intensos nos primeiros anos de vida. Precisamos limitar o tempo que bebês e crianças pequenas passam em frente à televisão: no máximo duas horas por dia e, se possível menos do que isso. Um bom kit de blocos de madeira é um dos melhores brinquedos que podemos dar para uma criança pequena. Outros materiais plásticos, como tintas e argila, oferecem, às crianças a oportunidade de brincarem sozinhas.

As experiências no mundo real são muito importantes para as crianças pequenas. A jardinagem é uma grande atividade interessante, pois elas plantam e veem as plantas crescerem. Passeios ao ar livre e visitas a museus e aquários também ajudam a colocar as crianças em contato com a natureza. Não vejo nenhuma justificativa para colocá-las em esportes organizados ou individuais durante os anos de pré-escola. Por outro lado, as crianças pequenas devem ter a oportunidade de brincar com os amigos a seu próprio modo e com suas invenções. Disponibilizar acessórios como roupas, chapéus e sapatos para serem utilizados por elas em representações teatrais também são muito úteis. Em faixas etárias mais avançadas, precisamos monitorar a televisão e o envolvimento com a Internet e insistir para que as crianças tenham períodos de intervalo a fim de brincar com seus próprios recursos. Estabelecer um horário semanal para brincar em família é outro modo de garantirmos que as crianças aprendam as habilidades sociais e intelectuais oriundas de brincar no mundo real, dedicado a jogar, fazer uma tranquila refeição em família ou visitar um parque, museu ou zoológico.

O mundo virtual da tecnologia moderna está aqui para ficar, e as crianças certamente precisam aprender a viver e operar nele. Meu argumento é apenas que elas precisam aprender e operar no mundo real antes de começar a viver e lidar com o mundo virtual. É preciso ter raízes além de asas. Brincar de verdade dá às crianças as raízes; o brincar virtual lhes dá suas asas. Elas precisam de ambas e na ordem certa.

1 “Vá, vá embora, chuva, e volte no outro dia”. Canção tradicional inglesa da época da Rainha Elisabeth I.

2 “Pise numa rachadura e quebre a espinha”. Segundo a superstição, comum entre as crianças e originária do século XIX, pisar nas trilhas do calçamento dá azar.

David Elkind - Doutor em Psicologia Clínica e professor de Desenvolvimento da Criança na Tufts University, em Medford, MA (Estados Unidos).