A CRÔNICA COMO RECURSO DIDÁTICO PEDAGÓGICO NO TRABALHO COM
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A CRÔNICA COMO RECURSO DIDÁTICO PEDAGÓGICO NO TRABALHO COM A LEITURA NO ENSINO FUNDAMENTAL
Autora: Janete Tamborini Ferreira1
Orientador: Prof. Ms. Wagner Vonder Belinato2
Resumo
O presente artigo é fruto da implantação do material didático construído a partir do Programa de Desenvolvimento Educacional do Estado do Paraná. A aplicação se deu no Colégio Estadual Professora Hilda T. Kamal da cidade de Umuarama – Paraná, com os alunos da 8ª série (9º ano) do Ensino Fundamental. Como estratégias de ação, foram utilizados diferentes textos, vídeos e atividades integrando a escrita à imagem, exercícios e tecnologia e o gênero textual crônica para uso no trabalho com a linguagem. Utilizando a crônica como recurso didático pedagógico no trabalho com a leitura no Ensino Fundamental tem-se um instrumento significativo para despertar o interesse e motivar os alunos para a aprendizagem, levando-os a descobrirem o prazer de ler. A leitura com as crônicas constituiu-se em uma operação intelectual que ultrapassa o ato mecânico de identificar o escrito, tornando-se uma atividade polimorfa, possibilitando aos alunos correlacionarem os conhecimentos em sala de aula com seus conhecimentos de mundo.
Palavras-Chave: Leitura; Crônica; Ensino
1 Introdução
A princípio, é comum considerar que ler é “reconhecer palavras”, decodificar,
ou seja, sabe ler quem é alfabetizado. Este enfoque restrito se alarga ao considerar
que a leitura só se faz efetivamente no momento em que o sujeito é capaz de atribuir
1 Professora de Língua Portuguesa no Colégio Estadual Professora Hilda Trautwein Kamal – EFMP - Umuarama – PR, Formada em Letras pela Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Umuarama - FAFIU, Pós-Graduada em Metodologia e Técnica em Produção de Textos pela Universidade Paranaense - UNIPAR, Professora PDE 2010.2 Doutorando em Letras – Campo Literário e Formação de Leitores (PLE/UEM), Mestre em Letras (PLE/UEM), Atua como professor de Língua e Literaturas de Língua Francesa (DLE/UEM);
sentido ao que foi decodificado, mas adotando uma visão mais ampla, ler é
construir uma concepção de mundo, “[...] é ser capaz de compreender o que nos
chega por meio da leitura, analisando e posicionando-se criticamente frente às
informações colhidas, o que se constitui como um dos atributos que permitem
exercer, de forma mais abrangente e complexa, a própria cidadania” (VILLARDI,
1999, p. 3-4).
Percebe-se que, de modo geral, a escola trabalha a leitura de duas
maneiras: oralmente, em que é valorizada a decodificação e a articulação das
palavras de forma mecânica e silenciosamente, através de exercícios que, embora
recebam o nome de compreensão ou interpretação, se limitam a verificar se o aluno
é capaz de localizar informações no texto. Ler com fluência, decodificar o texto e
localizar informações são etapas importantes, mas é muito pouco em relação à
leitura (SOARES, 2000).
Aprender a ler significa aprender a ler o mundo, dar sentido a ele e a si
mesmo. Para Freire “[...] a leitura de mundo precede a leitura da palavra, a leitura da
palavra não é apenas precedida pela leitura do mundo, mas por uma certa forma de
escrevê-lo ou de reescrevê-lo, o que significa dizer, de transformá-lo através da
prática consciente” (1985, p. 11-20).
A escola tem como uma de suas principais metas o desenvolvimento de
capacidades individuais relacionadas ao codificar e decodificar da língua, mas
comumente não volta sua atenção para os modos como essas práticas podem fazer
sentido na vida de seus alunos, o que transformaria a leitura e a escrita em
atividades muito mais significativas para os educandos (SANTOS; ANDRELINO;
2010).
Conforme ensina Machado (2005), os docentes precisam entender a
importância dos diferentes gêneros textuais na prática com a leitura, pois o discurso
consiste em uma variação do dialogismo, constatado, no texto literário, pela
presença de textos de diferentes níveis de linguagem, com vários temas convivendo
de forma coesa na estrutura textual.
As Diretrizes Curriculares da Educação Básica – DCEs – Paraná (2008)
propõe um trabalho com a leitura utilizando diferenciados gêneros textuais que,
segundo Moço (2009), são recursos didáticos utilizados para trabalhar os
comportamentos leitores e escritores, levando-os a entrar em contato com fatos
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atuais ou notícias, favorecendo o trabalho do professor com a leitura em sala de
aula.
Com esse entendimento, acreditamos que o trabalho com o subgênero
crônica possa contribuir para motivar os alunos na aprendizagem e desenvolvimento
da leitura e, por consequência, da escrita. Uma proposta de leitura que tenha a
crônica como recurso didático nas aulas de Língua Portuguesa pode resultar em
práticas reais de leitura e escrita.
Conforme apontam Bordini e Aguiar (1993), nem sempre os professores se
constituem agentes do processo de produção de significados. Assim, é muito
comum constatar dificuldades por parte dos mesmos em trabalhar a leitura e a
escrita de maneira contextualizada, portanto, geradora de significados para todos os
alunos.
A proposta justifica-se por apresentar atividades didáticas de leitura e escrita
geradoras de novas experiências para os alunos, tendo as crônicas de Martha
Medeiros como instrumento para motivação à leitura. Portanto, neste artigo
ressaltam-se alguns pontos essenciais para que a leitura se constitua em uma
prática contextualizada, tornando-se base real de conhecimento para o cotidiano dos
alunos no Ensino Fundamental. O objetivo é contribuir para a formação do leitor
crítico, tendo a crônica como recurso didático pedagógico em uma turma de 8ª série
(9º ano) do Ensino Fundamental do Colégio Estadual Professora Hilda Trautwein
Kamal da cidade de Umuarama – Paraná.
Para tal tecem-se, inicialmente, considerações sobre a importância da leitura
na formação do leitor crítico. Na sequência, demonstram-se os resultados e
discussões sobre a implementação na escola. Por fim, apresentam-se as conclusões
sobre a proposta realizada.
2 A Importância da Leitura na Formação do Leitor Crítico
O processo de leitura é único e precisa ser entendido como uma dinâmica
de compreensão de expressões formais e simbólicas, não importando por meio de
que linguagem (MARTINS, 2007). Assim, para a autora, o ato de ler “[...] se refere
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tanto a algo escrito quanto a outros tipos de expressão do fazer humano,
caracterizando-se também como acontecimento histórico e estabelecendo uma
relação igualmente histórica entre o leitor e o que é lido.” (p.30).
As inúmeras concepções vigentes sobre leitura são sintetizadas em duas
caracterizações, conforme expõe Martins:
Como decodificação mecânica de signos lingüísticos, por meio de aprendizado estabelecido a partir do condicionamento estímulo-resposta (perspectiva behaviorista-skinneriana); como processo de compreensão abrangente, cuja dinâmica envolve componentes sensorológicos, emocionais, intelectuais, fisiológicos, neurológicos, tanto quanto culturais, econômicos e políticos (perspectiva cognitivo-sociológica) (MARTINS, 2007, p. 31).
Estudos apontam que a concepção de leitura como processo de
compreensão oferece condições para um trabalho contextualizado com a leitura: “O
debate decodificação versus compreensão parece estar se esvaziando. Ambas são
necessárias à leitura. Decodificar sem compreender é inútil; compreender sem
decodificar, impossível. Há que (sic) pensar a questão dialeticamente” (MARTINS,
2007, p. 31). Para a autora, a leitura faz pensar em uma experiência individual, cujos
limites não estão demarcados pelo tempo em que os professores se detêm nos
sinais ou pelo espaço ocupado por eles. Por sinais, a autora entende qualquer tipo
de expressão formal ou simbólica configurada pelas mais diversas linguagens.
Como prática social, para Soares (2000), a leitura emprega uma série de
estratégias, como seleção, predição e inferência, entendendo que uma boa
estratégia de leitura possibilita a formação humana em todos os níveis.
De acordo com Masini e Maia, só é possível pensar a leitura como prática
social se os educadores se conscientizarem de que o objetivo primeiro da ação
educativa é a transformação da relação cidadão-sociedade:
[...] já que é nesta que os programas educacionais se circunscrevem. Assim, ao discutirmos a leitura como prática social, é na vida dos homens que é necessário se situar, pois entende-se (sic) como prática social a interação do homem com a história, que transforma suas condições objetivas. Por isto, não queremos situar a criança e a leitura na dimensão da busca de novos caminhos de aprendizagem. Não desejamos comentar crianças que
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não fazem aquilo que também nós não fazemos: ler. Ler e sonhar, ler e pensar, sem as amarras do verdadeiro, do certo e do errado, mas sim, soltando fantasias, dialogando com o texto, fazendo as articulações com o real diversificado, porque faz parte da vida dos grupos sociais e dentro deles constitui a vida de cada um (MASINI; MAIA, 2010, p. 75).
A natureza interativa do processo faz com que o leitor utilize todos os
recursos disponíveis para a compreensão da leitura. Assim, além das estratégias,
importa, também, o conhecimento prévio. O leitor é o sujeito ativo que constrói
significados para o texto, selecionando, prevendo, formulando e reformulando
hipóteses (KLEIMAN, 2000). Kleiman destaca a importância dos conhecimentos
prévios essenciais à compreensão da leitura, pois são esses conhecimentos que
possibilitam ao leitor fazer inferências, relacionar partes do texto e, mais tarde,
lembrar o que foi lido.
A leitura na escola, conforme indicam as DCEs - Paraná (2008) precisa ser
entendida como:
[...] um ato dialógico, interlocutivo, que envolve demandas sociais, históricas, políticas, econômicas, pedagógicas e ideológicas de determinado momento. Ao ler, o indivíduo busca as suas experiências, os seus conhecimentos prévios, a sua formação familiar, religiosa, cultural, enfim, as várias vozes que o constituem. [...] Esse processo implica uma resposta do leitor ao que lê, é dialógico, acontece num tempo e num espaço. No ato de leitura, um texto leva a outro e orienta para uma política de singularização do leitor que, convocado pelo texto, participa da elaboração dos significados, confrontando-o com o próprio saber, com a sua experiência de vida (PARANÁ, 2008, p. 56-57).
O caráter social da linguagem é defendido por Bordini e Aguiar (1993); por
Soares (2000); e pelas DCEs - Paraná (2008). Esses escritos enfocam os
conceitos de dialogismo e dos gêneros discursivos estabelecidos. Conforme citam
as DCEs - Paraná (2008, p. 57), “[...] praticar a leitura em diferentes contextos
requer que se compreendam as esferas discursivas em que os textos são
produzidos e circulam, bem como se reconheçam as intenções e os interlocutores
do discurso.”.
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Com base nos conceitos de dialogismo e dos gêneros discursos, Bakhtin
(1999, p. 127) afirma que a “[...] a língua constitui um processo de evolução
ininterrupto, que se realiza através da interação verbal social dos interlocutores.”.
Freire (1996) assegura que:
[...] a grande tarefa do sujeito que pensa certo não é transferir, depositar, oferecer, doar ao outro, tomado como paciente de seu pensar a inteligibilidade das coisas, dos fatos, dos conceitos. A tarefa coerente do educador que pensa certo é, exercendo como ser humano a irrecusável prática de inteligir, desafiar o educando com quem se comunica e a quem comunica, produzir sua compreensão do que vem sendo comunicado. Não há inteligibilidade que não seja comunicação e intercomunicação e que não se funde na dialogicidade. O pensar certo por isso é dialógico e não polêmico (FREIRE, 1996, p. 42).
De qualquer forma, importa que o professor desperte e mantenha o gosto
pela leitura, que deve servir para compreender a realidade individual e coletiva de
cada leitor. Este objetivo será mais facilmente alcançado quando os alunos se
habituarem a perceber a dupla decodificação de um texto. Ao professor, segundo
Vilar (2001, p. 36), cabe tirar o máximo da leitura, ponto de partida de todo o ensino,
“[...] não se esquecendo de que, além de visar a fins educativos, ela oferece um
manancial de ideias que fecundam e disciplinam a inteligência, prevenindo maiores
dificuldades de redação e estilo.”.
Entretanto, ao tratar da prática da leitura na escola, na visão de Villardi
(1999, p. 34): “[...] salvo honrosas e raríssimas exceções, a escola termina por
deteriorar toda uma relação que é, no seu nascedouro, marcada pela curiosidade e
pelo interesse, pelo encantamento e pela afetividade – a relação da criança com o
livro.”. Isso porque o professor não é leitor e assim não há como formar leitores.
De acordo com Freire a leitura é um processo que envolve “[...] uma
compreensão crítica do ato de ler, que não se esgota na decodificação pura da
palavra escrita ou da linguagem escrita, mas antes se antecipa e se alonga na
inteligência do mundo” (1985, p. 11). Ainda segundo o autor,
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[...] A leitura do mundo precede a leitura da palavra, daí que a posterior leitura desta não possa prescindir da continuidade da leitura daquele. Linguagem e realidade se prendem dinamicamente. A compreensão do texto a ser alcançada por sua leitura crítica implica a percepção das relações entre o texto e o contexto (FREIRE, 1985, p. 11-12).
Por isso, o professor precisa saber da importância do seu papel em uma
política global de leitura a ponto de isso constituir o eixo principal de sua formação.
Segundo o entendimento de Foucambert (1997), o docente precisa ter consciência
de que suas intervenções em sala de aula se confrontam com as representações
que os alunos fazem para si da escrita e com os usos dela decorrentes. Isso quer
dizer que, quanto menos o meio familiar e social utilizar a escrita, tanto mais essa
defasagem impedirá os alunos de compreender o que é preciso fazer para ler e
como aprender a ler.
Tais considerações deixam claro que é impossível tornar-se leitor sem que
haja uma contínua interação com um espaço onde as razões para ler sejam
intensamente vividas, e ainda, onde a escrita seja usada não apenas para aprender
a ler.
3 Conversas sobre Crônicas
Neste tópico, apresentamos os resultados e discussões, explorando as
atividades desenvolvidas de oralidade e escrita em seus usos culturais mais
autênticos, tendo as crônicas de Martha Medeiros3, como recurso didático-
3 Martha Medeiros é casada, tem três filhas, nasceu em 1961, é gaúcha de Porto Alegre, onde reside desde que nasceu. A autora fez sua carreira profissional na área de Propaganda e Publicidade, tenho trabalhado como redatora e diretora de criação em várias agências daquela cidade. Em 1993, a literatura fez com que a autora, que nessa ocasião já tinha publicado três livros, deixasse de lado essa carreira e se mudasse para Santiago do Chile, onde ficou por oito meses apenas escrevendo poesia. De volta ao Brasil colaborou com a escrita de crônicas para o jornal Zero Hora, de Porto Alegre, onde até hoje mantém coluna no caderno ZH Donna, que circula aos domingos, e outra — às quartas-feiras — no Segundo Caderno. Escreve, também, uma coluna semanal para o site ‘Almas Gêmeas’ e colabora com a revista Época. O primeiro livro da autora foi Strip-Tease (1985, Brasiliense) - São Paulo, a que se seguiram Meia noite e um quarto (1987), Persona non grata (1991), De cara lavada (1995), Poesia Reunida (1998), Geração Bivolt (1995), Topless (1997) e Santiago do Chile (1996). Seu livro de crônicas Trem-Bala (1999) está na 9ª edição e foi adaptado com sucesso para o teatro, sob a direção de Irene Brietzke.
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metodológico para o trabalho com a leitura e produção textual no ensino
fundamental.
Nesta etapa, foram realizadas conversas informais para instigar o
conhecimento prévio dos alunos, a leitura de crônicas de Martha Medeiros, a leitura
silenciosa de textos, a exposição de pensamentos e ideias oralmente e por escrito e
a técnica brainstorming, conhecida também como tempestade de ideias.
Tem-se como ponto inicial do percurso que a leitura é entendida como uma
prática social e histórica, ou seja, como um fazer, uma ação dos indivíduos em
contextos e situações específicas que não pode ser compreendida como uma ação
invariável, imutável (SANTOS; ANDRELINO, 2010). Para os autores, tempo e
condições sociais e históricas específicas geram mudanças nessa prática tornando-
a, portanto, uma prática variável.
Assim pensando, inicialmente, a docente apresentou aos alunos a biografia
de Martha Medeiros. Na oportunidade, comentou-se acerca da importância do estilo
literário da autora e pode-se observar, nas crônicas escolhidas, que a autora
descreve de maneira muito profunda os sentimentos universais provocados pelo
romance e pelo amor.
O diálogo inicial abriu caminho para o estudo e compreensão da crônica
enquanto estilo literário. Como assegura Freire (1996, p. 42), o diálogo é essencial
em qualquer prática social e indica respeito pelos alunos, não somente enquanto
indivíduos, mas enquanto expressões de uma prática social.
Na sequência, a docente dialogou com os alunos tecendo alguns
questionamentos: Vocês conheciam a autora Martha Medeiros? Já leram algum
texto da autora? Vocês sabem o que é uma crônica? Já leram alguma crônica?
Quem se recorda de ter lido? A maioria dos alunos afirmou não ter conhecimento
deste gênero textual, conforme relatos:
Eu nunca ouvi falar de crônica, nem da Marta Medeiros (Sujeito 1).
Agora eu sei quem é Marta Medeiros, mas não li nada dela, nem sei o que é crônica (Sujeito 2).
Não conheço a Marta Medeiros e também não sei o que é crônica. Nunca li uma crônica. Se a professora der uma crônica para ler eu leio (Sujeito 3).
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Dando continuidade ao diálogo, relacionou-se algumas características da
mesma, explicando que a crônica, existe oficialmente e é reconhecida como gênero
literário, podendo aparecer na forma de comentário sobre a cena política ou como
um recorte da infância. Pode disfarçar-se em digressões sobre o cotidiano, sobre um
poema em prosa; às vezes exibe-se como trecho de algum romance que consome o
autor ao longo de muitas madrugadas. Costuma assumir, ainda, características de
ensaio, ou de experimentação estilística, podendo ser brincalhona, amarga,
profunda, superficial, atrevida. Não é recomendável enquadrá-la com rigor em algum
gênero. Catalogar a crônica como gênero menor, por exemplo, pode esbarrar na
evidência de que não há gêneros menores. Há grandes e pequenos romancistas,
grandes e pequenos poetas, grandes e pequenos contistas, mas não grandes e
pequenos gêneros.
Para Soares (2000) é preciso que os alunos estejam envolvidos pelos
escritos sociais variados, testemunhá-los e associá-los à utilização que os outros
fazem deles. Ao professor cabe o papel de elaborar as intervenções pedagógicas na
sala de aula e de trabalhar com os próprios alunos no desenvolvimento de
condições internas e externas que lhes permitam ser bem sucedidos.
Assim pensando, após as explicações, a professora levou os alunos a refletir
sobre o conteúdo apresentado. Na sequência, explorou o conceito e significado da
crônica, tendo o dicionário como recurso didático. Após a leitura e discussões sobre
as particularidades da crônica, trabalhou-se a crônica “O medo do amor”, de Martha
Medeiros. Os alunos receberam uma cópia da crônica para acompanhamento das
atividades, oportunidade em que foram exploradas algumas de suas características
relacionadas à vida cotidiana, se a narrativa é informal, familiar ou intimista o uso da
oralidade na escrita, com ênfase na linguagem coloquial, a sensibilidade no contato
com a realidade, a síntese, o uso do fato como meio ou pretexto para a autora
trabalhar o seu estilo e sua criatividade, alertando os alunos que ela pode ser tudo
isso em um único texto.
A docente atentou para o lirismo presente nos textos, a natureza, a leveza,
fatos da vida amorosa, por meio de uma aparente conversa fiada, os temperamentos
humanos, a brevidade, comentando que o texto retrata um valor contemporâneo
sujeito à dor, medos, violência, amizade, enfim, de relacionamentos humanos. A
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crônica configura-se, assim, marcada por particularidades imanentes ao gênero
que incidem sobre a apreensão de seu sentido.
Nessa perspectiva, a leitura de textos como uma crônica marcadamente
argumentativa tornou-se um recurso facilitador para inserir os alunos na cultura
contemporânea, que exige cada vez mais uma tomada de posição sobre a
diversidade de assuntos que emergem na sociedade.
Machado (2005) sugere que o professor trabalhe de forma a motivar os
alunos para a leitura, afirmando que qualquer mudança na prática docente exige que
o professor tome para si a responsabilidade ativa pelo levantamento de questões
acerca do que ensina, de como ensina e quais são os objetivos mais amplos em que
a sua prática pedagógica está ancorada (MACHADO, 2005).
Com base nisto, a docente mediou o diálogo com o texto, propondo algumas
questões: Qual a temática abordada? Por que o texto pode ser considerado uma
crônica? Que fato motivou a autora a escrever sobre esse tema? Como a autora se
posiciona diante do comportamento daqueles que “vivenciam a dor do amor”? Há
uma analogia do texto com o medo. Quais as outras analogias? Invista na sua
imaginação e construa outro título criativo para a crônica lida.Na sequência foi proposto um debate sobre o tema. Os alunos opinaram
sobre o posicionamento da autora, dizendo que esta se dirigia a namorados. O
debate foi muito proveitoso e serviu como ponte para a compreensão do texto,
promovendo leituras e releituras do texto apresentado, corroborando com Soares,
para quem o grande desafio posto à escola é romper com as práticas de leitura em
que o ato de ler está submetido a mecanismos de decifração, para pensar em uma
prática em que se faça o uso social da leitura e da escrita no cotidiano. Ainda
segundo Soares (2000, p. 01), “[...] se uma criança sabe ler, mas não é capaz de ler
um livro, uma revista, um jornal, se sabe escrever palavras e frases, mas não é
capaz de escrever uma carta, é alfabetizada, mas não é letrada”.
Tal posicionamento aponta a necessidade de pensar a escola em outra
direção no que refere à organização de seu trabalho pedagógico. Tal direção deve
adotar como princípio norteador a integração entre ensino, aprendizagem e
desenvolvimento, de maneira que as ações do ensino possam desencadear uma
atividade reflexiva, permitindo aos alunos avançar em suas estratégias de
questionamento da leitura e escrita de textos.
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A docente considerou que o trabalho com a leitura exige um
encaminhamento didático-pedagógico que privilegie leituras e releituras e permita o
diálogo com o cronista. Isso implica no reconhecimento dos processos discursivos,
os vazios que eles manifestam de forma implícita, subtendidas, que devem ser
preenchidas pelo leitor, pelas vias da leitura e da escrita (BORDINI; AGUIAR, 1993).
Com tal intento, a docente apresentou a crônica “Tentando um novo amor” fazendo
a leitura do texto para os alunos. Após a leitura realizada pela docente, os alunos se
reuniram em duplas para procederem à leitura coletiva do mesmo texto.
A capacidade de desvendar diferentes significações a cada nova leitura
representa uma forma de desafio para os educandos, viabilizando o diálogo,
proporcionando diferentes enfoques da realidade, respeitando a individualidade de
cada aluno (FREIRE, 1996).
Discutiu-se que a crônica de Martha Medeiros pertence a um gênero textual
conhecido e costuma ser veiculada em jornal ou revista, onde os assuntos
abordados são os fatos corriqueiros do cotidiano, registrados com sensibilidade,
crítica, humor e poesia. Algumas questões provocativas ilustraram a aula: Qual é o
assunto desenvolvido no texto? Vocês concordam com as ideias da autora sobre o
amor? E sobre o beijo?
Algumas falas dos alunos merecem registro:
O assunto do texto é sobre amor, sobre coisas boas. O amor que é difícil de viver, mas que dá vida para as pessoas. É bom a gente falar de amor (Sujeito 1).
Este texto é bom de ler, é bem interessante. A gente fica querendo saber do final que sempre vai falar da importância do amor na nossa vida, mas que é difícil de conseguir (Sujeito 5)
Pelo amor a gente descobre que a vida tem lado bom e lado ruim. Mas a gente tem que ficar com tudo que é bom. O amor cura a gente e o que é ruim não é tão ruim assim como se pensa (Sujeito 6).
A crônica é um texto curto, escrito para divertir o leitor ou levá-lo a refletir
sobre a vida e os comportamentos humanos. Isto parece ter sido percebido pelos
alunos ao discorrer sobre este tipo de gênero textual. Os alunos demonstraram
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compreender que uma parte do texto fala da cura do amor, e outra parte de como
o amor pode transformar o que era opaco em transparência.
Posteriormente, o texto foi dividido em duas partes que fundamentavam a
ideia da autoria. Após a localização das partes, a docente dividiu a classe em dois
grupos para dialogar sobre algumas questões que envolveram o foco narrativo, a
linguagem empregada, a estrutura, o tema, o narrador (observador ou personagem)
o espaço e o tempo.
Os alunos demonstraram compreender que o foco narrativo do texto é em 1ª
pessoa, apresentando uma linguagem clara e bem fundamentada para esclarecer o
conflito e desenvolver a ação. Perceberam que a narradora é uma observadora do
que narra algo do seu passado em um tempo limitado. Enfim, interagiram de forma
a possibilitar a compreensão do texto. A crônica foi um recurso privilegiado para o
trabalho com a leitura já que aprender a ler requer aquisição de atitudes,
conhecimentos e informações indispensáveis à sobrevivência humana. Para Villardi
(1999, p. 37) ensinar a gostar de ler “[...] é exatamente isso: é ensinar a se
emocionar com os sentidos e com a razão porque, para gostar apenas com os
sentidos, não há necessidade da interferência da escola”. A autora evidencia a
necessidade de ensinar para a compreensão do que não está escrito, perceber, nas
entrelinhas, os enunciados dos sentidos.
Dando continuidade foi trabalhada a crônica “A Idade de casar”.
Primeiramente, a docente fez a leitura do texto em voz alta. Na sequência, os alunos
fizeram a leitura individual. Foi realizada uma segunda leitura, agora em grupo, para
reflexão crítica sobre a vida e os comportamentos humanos; o narrador observador
ou personagem, a linguagem empregada, se simples e direta, próxima do leitor ou
se o cronista diz coisas sérias por meio de uma conversa aparentemente
descompromissada, duração curta dos fatos, tornando o espaço e o tempo, na
crônica, limitado. Tudo isso de forma oral.
Depois de trabalhar a oralidade, foram entregues questões para serem
respondidas por escrito referentes à relação autor/leitor/texto, à análise linguística e
ao estudo da estrutura composicional do gênero. Qual o objetivo dessa crônica? A
crônica chama a atenção do leitor? Por quê? Considerando-se que entre os papeis
da narrativa está o de preservar os costumes, transmitir a cultura e permitir reflexões
sobre o comportamento do homem, qual, dentre eles, a crônica lida destaca? A
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leitura da crônica confirma o título que foi atribuído pelo autor? A seu ver, qual a
idade certa para casar? Vocês concordam? Sempre foi assim? Como era no tempo
de seus pais? Eles pensavam assim? A organização familiar é a mesma de hoje? Se
a constatação for negativa, por quais mudanças a família passou? Diga o que
acontece em cada fase da vida? Existem várias concepções sobre amor. Você leu
as outras crônicas de Martha Medeiros. Nos textos lidos há concepções
semelhantes? Há textos contraditórios? As questões foram respondidas por escrito
pelos grupos, para posterior interação com a classe. Com base no texto a docente
propôs um debate sobre a idade certa para casar. Para tal, de um lado ficaram os
alunos com posição favorável à autora e do outro aqueles que apresentaram opinião
contrária.
O debate motivou a todos, proporcionando a interação dos alunos.
Despertar e manter a motivação para a leitura constitui meta para professores de
qualquer área de atuação. Conforme menciona Vilar (2001, p. 35): “[...] se não há
leitura em sala de aula, é pelo fato de o professor estar alheio ao bom editorial e
desconhecer os textos que provocam o interesse do aluno, bem como os meios
eficientes de adotá-los em sala de aula”. Sem isso é impossível tornar o texto
literário instrumento eficaz no tão propalado estímulo à leitura.
Como atividade complementar, a docente propôs uma produção da versão
escrita das crônicas. Os alunos partiram da temática enfocada nas crônicas em
estudo para a escrita dos textos, de acordo com as características próprias do
gênero.
Nesse contexto, a função docente foi a de criar condições para os alunos
realizassem a sua aprendizagem, conforme seus próprios interesses, necessidades,
fantasias, segundo as dúvidas e exigências que a realidade cotidiana lhes
apresenta. Tratou-se, antes, de dialogar com os alunos sobre a leitura, ou seja,
sobre o sentido que ele dá a algo escrito.
Para tal, inicialmente, os alunos fizeram a leitura silenciosa do texto “Crônica
de um amor anunciado”. A crônica faz referência ao livro “Crônica de uma morte
anunciada”, de Gabriel Garcia Márquez. Posteriormente, em voz alta, a docente fez
uma nova leitura do texto, atentando para as mudanças de ritmo imprimidas pelo
narrador ao longo da narrativa. Após a leitura da crônica, os alunos foram divididos
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em grupos de cinco para analisarem a crônica frente a alguns aspectos
considerados importantes, sempre com a mediação atenta da professora.
Constatou-se que, ao tomar a palavra como signo ideológico, conforme
proposto por Bakhtin (1999), é possível perceber que, na leitura, os significados são
construídos a partir da uma realidade significante ou das representações desta
realidade. Os alunos construíram textos a partir de outros textos, considerando que
a originalidade do autor está sempre na forma como ele constrói a sua obra.
A docente propôs reflexões sobre o fato de que ao escrever um texto
sempre haverá a influência das muitas leituras realizadas, dos diálogos que temos
com os outros, dos filmes e novelas que vimos, das canções ouvidas. Os alunos
foram levados a perceber que, como a maioria dos gêneros narrativos, a crônica tem
um narrador que constrói o seu texto baseado no seu ponto de vista, relata os fatos
a partir de sua visão de mundo, de suas opiniões e seus condicionamentos.
Após as leituras, diálogos, ponderações, hipóteses e atividades escritas, os
alunos produziram uma crônica, sendo alertados para estarem atentos a algumas
questões importantes constantes da etapa de execução do texto, tais como: usar o
foco narrativo em 1ª pessoa, não se perder falando de temas paralelos, utilizar
passagens dos textos lidos para reforçar sua opinião, não se esquecer do título,
sendo mediados continuamente, como leitor-revisor contribuindo com sugestões,
críticas e elogios. Quando necessário, os alunos fizeram a reescrita do texto. Nessa
etapa, os alunos receberam os textos revisados, buscando atender as interferências
feitas pelo professor. Ao final os textos foram apresentados no mural da escola.
4 Conclusão
Objetivando contribuir para a formação do leitor crítico, tendo a crônica como
recurso didático pedagógico, foi possível concluir sobre a relevante contribuição da
prática realizada.
A crônica como recurso didático pedagógico no trabalho com a leitura no
Ensino Fundamental foi um instrumento significativo para despertar o interesse e
motivar os alunos para a aprendizagem, levando-os a descobrirem o prazer de ler.
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Isso ficou demonstrado no discurso de uma dos alunos: “Este texto é bom de ler, é
bem interessante. A gente fica querendo saber do final que sempre vai falar da
importância do amor na nossa vida, mas que é difícil de conseguir” (Sujeito 5).
Desta forma, para os alunos, a leitura com as crônicas constituiu-se em
uma operação intelectual que ultrapassou o ato mecânico de identificar o escrito,
tornando-se uma atividade polimorfa, em que os olhares dos leitores (alunos e
docente) sobre as palavras foram colocados em movimento contínuo.
Consideramos que a leitura entra na categoria de reprodução e contradição
se constituindo em um processo político, entendido como sistema de relações
interpessoais. Por isso, os professores desempenham um papel político que pode ou
não estar compromissado com a transformação social, conforme estes estejam ou
não conscientes da força de reprodução e, ao mesmo tempo, do espaço de
contradição presentes nas condições sociais da leitura da realidade em que o leitor
se insere.
Para a docente ficou claro que a emancipação social do aluno impõe novas
responsabilidades para a escola que, normalmente, são estabelecidas por normas
escritas. Daí porque é importante a motivação para a leitura na escola de maneira
crítica e construtiva para os alunos. O trabalho com as crônicas possibilitou aos
alunos correlacionarem os conhecimentos em sala de aula com seus conhecimentos
de mundo.
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